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Aspectos motivacionais e estratégicos na internacionalização de empresas brasileiras

Resumos

O artigo discute os resultados de uma pesquisa sobre o comportamento internacional de firmas sob o foco de duas perspectivas teóricas importantes: a motivacional e a estratégica. O trabalho tem por objetivo identificar os fatores motivacionais e estratégicos presentes nas decisões internacionais e ainda pretende examinar as diferenças potenciais entre esses fatores tendo por base o tamanho da firma, a experiência internacional, estratégias anteriores de entrada e o envolvimento com vendas internacionais. Foi realizado um survey com 73 exportadoras brasileiras do setor de manufatura classificadas no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Os resultados evidenciam que fatores de ordem gerencial e associados aos mercados interno e externo impulsionam os negócios internacionais das empresas pesquisadas, elementos racionais e centralizadores demarcam o processo estratégico internacional, e diferenças significativas são observadas entre a maioria desses fatores em relação a tamanho, modo de entrada e envolvimento com vendas internacionais.

Internacionalização; negócios internacionais; processo de formação estratégica; motivação internacional; características organizacionais


This article discusses firm's international behavior under two major theoretical streams: the motivational and the strategic perspectives. The research aims at identifying the motivational and strategic factors involved in international decisions. It is also intended to examine the potential differences between these factors based on firm size, international experience, strategies of market entry and involvement in international sales. A survey was carried with 73 Brazilian exporters classified according to the Ministry of Development, Industry and Foreign Trade. The results showed that managerial factors and those associated with internal and external markets were the driving factors of international businesses of the companies that were researched; rational and centralizing elements determined the international strategic process; and significant differences were found between the majority of these factors in relation to size, methods of market entry and involvement in international sales.

Internationalization; international trade; process of strategy formation; international motivation; organizational factors


ARTIGOS

Aspectos motivacionais e estratégicos na internacionalização de empresas brasileiras

Luiz HonórioI; Suzana Braga Rodrigues II

IFaculdade Novos Horizontes

IIFACE-FUMEC e Birmingham University

RESUMO

O artigo discute os resultados de uma pesquisa sobre o comportamento internacional de firmas sob o foco de duas perspectivas teóricas importantes: a motivacional e a estratégica. O trabalho tem por objetivo identificar os fatores motivacionais e estratégicos presentes nas decisões internacionais e ainda pretende examinar as diferenças potenciais entre esses fatores tendo por base o tamanho da firma, a experiência internacional, estratégias anteriores de entrada e o envolvimento com vendas internacionais. Foi realizado um survey com 73 exportadoras brasileiras do setor de manufatura classificadas no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Os resultados evidenciam que fatores de ordem gerencial e associados aos mercados interno e externo impulsionam os negócios internacionais das empresas pesquisadas, elementos racionais e centralizadores demarcam o processo estratégico internacional, e diferenças significativas são observadas entre a maioria desses fatores em relação a tamanho, modo de entrada e envolvimento com vendas internacionais.

Palavras-chave: Internacionalização, negócios internacionais, processo de formação estratégica, motivação internacional, características organizacionais.

ABSTRACT

This article discusses firm's international behavior under two major theoretical streams: the motivational and the strategic perspectives. The research aims at identifying the motivational and strategic factors involved in international decisions. It is also intended to examine the potential differences between these factors based on firm size, international experience, strategies of market entry and involvement in international sales. A survey was carried with 73 Brazilian exporters classified according to the Ministry of Development, Industry and Foreign Trade. The results showed that managerial factors and those associated with internal and external markets were the driving factors of international businesses of the companies that were researched; rational and centralizing elements determined the international strategic process; and significant differences were found between the majority of these factors in relation to size, methods of market entry and involvement in international sales.

Keywords: Internationalization, international trade, process of strategy formation, international motivation, organizational factors.

INTRODUÇÃO

Uma parte da literatura especializada em gestão internacional conceitua a internacionalização como um movimento das operações de uma firma para o exterior, envolvendo uma série de decisões baseadas em critérios objetivos e na avaliação de estratégias de entrada no mercado estrangeiro (Andersen, 1997). Entre esses fatores, destacam-se o modo como as estratégias internacionais são formuladas e os tipos de estratégias que podem ser escolhidas para a realização de operações no mercado internacional (Root, 1994; Smith e Zeithaml, 1999; Lu e Beamish, 2001; Spence, 2003; Crick e Spence, 2004). Além disso, vários estudos têm evidenciado que diferentes motivos estimulam uma firma a se internacionalizar, e que o papel do empreendedor é decisivo nas operações internacionais (Leonidou, 1995; Katsikeas, 1996; Dimitratos e Plakoyiannaki, 2003). Neste artigo, tais fatores são analisados em termos das perspectivas estratégica e motivacional presentes em estudos sobre o comportamento internacional da firma.

É preciso reconhecer que os fatores de ordem motivacional e estratégica estão interligados, no que se refere às atividades de internacionalização. Pressupõe-se que, inicialmente, determinados estímulos internos e externos à firma a impulsionam em direção ao mercado internacional (Katsikeas e Piercy, 1993; Leonidou, 1995). Contatos realizados em feiras comerciais ou o recebimento de eventuais pedidos de compradores estrangeiros, por exemplo, poderiam despertar o interesse pelo mercado internacional. Em seguida, por meio de um processo de decisões, planejadas ou não, a firma formula e escolhe as estratégias para entrar e desenvolver operações no mercado estrangeiro (Melin, 1992; Smith e Zeithaml, 1999; Spence, 2003; Crick e Spence, 2004). Em ambos os momentos, o papel do empreendedor é de suma importância, uma vez que ele é reconhecido como uma das forças-chave necessárias para identificar, explorar e tomar decisões a respeito das oportunidades que surgem no mercado internacional (Katsikeas, 1996; Dimitratos e Plakoyiannaki, 2003; Crick e Spence, 2004).

Os pesquisadores também têm evidenciado o papel que determinadas características da firma ocupam no comportamento orientado para o mercado estrangeiro. Entre essas características, sobressaem-se: tamanho (Gripsrud, 1990; Holzmüller e Kasper, 1991; Katsikeas e Piercy, 1993; Zahra et al., 2000); experiência internacional (Johanson e Wiedersheim-Paul, 1975; Johanson e Vahlne, 1977; Gripsrud, 1990; Katsikeas e Piercy, 1993); e envolvimento com vendas internacionais (Diamantopoulos e Inglis, 1988; Katsikeas e Piercy, 1993).

Este artigo sustenta que deveria ser levada adiante uma investigação mais robusta e completa a respeito das operações da firma no mercado internacional, em que se avaliasse a possibilidade de se contemplar em uma única pesquisa diferentes perspectivas sobre o tema. Neste caso, o propósito central é considerar as perspectivas motivacional e estratégica.

Tendo em vista as razões expostas, este artigo pretende identificar: a) a estrutura dos fatores motivacionais e estratégicos presentes nas atividades internacionais de empresas brasileiras do setor de manufatura; e b) as diferenças potenciais entre os fatores motivacionais e estratégicos identificados com base no tamanho da firma, na experiência internacional, nas estratégias de entrada e no envolvimento com vendas internacionais. Para alcançar tais objetivos, o artigo está estruturado em quatro seções. Na primeira, são revisadas três dimensões teóricas, a saber: motivação internacional, processo de formação de estratégias internacionais, e características da firma determinantes da realização de operações no mercado estrangeiro. Na segunda, discutem-se os procedimentos metodológicos utilizados na pesquisa. Na terceira, os resultados são apresentados e discutidos. Por fim, na quarta, apresentam-se as conclusões do trabalho.

REVISÃO DE LITERATURA

Motivação internacional

Pelo menos dois campos de pesquisa podem ser debatidos quando o tema a ser tratado envolve a motivação internacional: estímulos à exportação e empreendedorismo internacional. Estímulos à exportação são conceituados como os fatores que influenciam a decisão da firma para iniciar, desenvolver e manter operações de exportação. De forma mais ampla, eles fornecem a força motriz necessária para impulsionar a firma em direção ao caminho da internacionalização. Os fatores de motivação à exportação são afetados por determinadas forças antecedentes, derivadas de três fontes principais: a) características individuais; b) características organizacionais; e c) características ambientais. As características individuais dizem respeito às percepções do tomador de decisões sobre as oportunidades que surgem do mercado internacional. Entre elas, podem ser citadas características pessoais, orientação internacional, estilo de liderança, competência gerencial e expectativas gerenciais. Quanto às características organizacionais, destacam-se os objetivos corporativos, as disponibilidade de recursos, a natureza dos produtos e as vantagens diferenciais da firma. Finalmente, localização do país, disponibilidade de insumos para a produção, condições econômicas dominantes, facilidades de infra-estrutura e políticas governamentais de apoio à internacionalização configuram-se como características ambientais (Katsikeas e Piercy, 1993; Leonidou, 1995).

Leonidou (1995) argumenta que os estímulos que motivam a exportação podem ser classificados como internos e externos. Os estímulos internos estão associados às características individuais e organizacionais da firma, ao passo que os estímulos externos se associam às características do ambiente em que a firma realiza suas atividades, seja ele doméstico ou internacional. No levantamento realizado por Leonidou (1995), os principais estímulos internos que prevaleceram relacionam-se às características organizacionais. Por ordem de importância, foram apontados os seguintes estímulos: disponibilidade de capacidade de produção não utilizada, potencial de lucro extra, produção de bens com qualidades singulares, potencial de crescimento extra, necessidade de reduzir dependência, e risco em relação ao mercado doméstico. Quanto aos estímulos externos, os que preponderaram, em seqüência de importância, foram os seguintes: recebimento de ordens eventuais do mercado internacional, saturação/retração do mercado doméstico, intensificação da competição no mercado doméstico, oportunidade de lucro e crescimento no mercado internacional, e incentivos de agentes ou organizações externos.

Os estudos sobre empreendedorismo internacional, diferentemente daqueles que abordam estímulos à exportação, associam-se a todo e qualquer modo de entrada no mercado estrangeiro, como também se centram especificamente no papel que o empreendedor ocupa nas operações internacionais. A literatura define o empreendedorismo internacional como um processo organizacional amplo, inserido na cultura da firma, que busca, por meio da exploração de oportunidades surgidas no mercado internacional, gerar valor para a firma (Dimitratos e Plakoyiannaki, 2003; Zahra et al., 2004). Na opinião de Dimitratos e Plakoyiannaki (2003), o capital humano empreendedor é uma das forças-chave que a firma possui para obter vantagem com as oportunidades que surgem no mercado internacional. Portanto, as percepções, crenças e práticas gerenciais empreendedoras podem estimular a entrada e o desenvolvimento de uma firma no mercado estrangeiro. Há outros fatores motivacionais individuais que podem levar à exploração de oportunidades internacionais. Dentre eles, temos o nível mais alto de escolaridade do empreendedor, procedência estrangeira, e experiência internacional pregressa.

Acredita-se que a motivação para se internacionalizar está em estreita relação com o processo de formação e escolha das estratégias que a firma estabelece para reconhecer e explorar as oportunidades oferecidas pelo mercado internacional (Shane e Venkataraman, 2000; Dimitratos e Plakoyiannaki, 2003; Zahra et al., 2004). Esse tema será tratado a seguir.

Processo de formação e escolha das estratégias internacionais

Na opinião de Melin (1992), o processo de formação estratégica envolve perspectivas de mudança ou de posicionamento da firma no mercado. Para esse autor, a internacionalização, considerada como uma atividade que amplia o envolvimento da firma com operações além das fronteiras nacionais, compreende tais perspectivas e se constitui na principal dimensão de expansão de muitas firmas de negócios. Essa linha de raciocínio também está presente nas considerações de Smith e Zeithaml (1999). A internacionalização, na perspectiva desses autores, é tratada como uma atividade que leva a firma a expandir suas operações além de seus limites domésticos para se posicionar em novos mercados internacionais. Por essa razão, os autores mencionados argumentam que o envolvimento da firma com o mercado internacional deveria estar explicitamente conectado à literatura sobre pensamento estratégico e constituir-se em um debate constante sobre como as estratégias internacionais são formuladas em diferentes contextos organizacionais e industriais. Antes que tal conexão seja feita, é importante discutir, ainda que brevemente, as dimensões teóricas do processo de formação estratégica sugeridas para esse fim.

A estratégia é definida como um padrão que se estabelece em um fluxo de decisões, de modo que o relacionamento entre planos de liderança, intenções e o que realmente foi implementado nas organizações possa ser explorado. Duas modalidades de estratégias podem ser distinguidas: deliberadas e emergentes. Estratégias deliberadas são aquelas planejadas, prognosticadas e controladas pela alta gerência, enquanto as estratégias emergentes são consideradas padrões ou consistências que surgem de ações destituídas de uma intenção definida ou consciente da alta gerência (Mintzberg e Waters, 1985; Mintzberg, 1998). Hart (1992) propõe tipos de estratégias que variam segundo um continuum processual de formação estratégica, tanto deliberada quanto emergente, e que se distinguem em termos de determinadas características associadas: a) à orientação visível da alta gerência no processo estratégico; (b) à interação contínua entre dar e receber insumos necessários ao desenvolvimento e à implementação da estratégia; e (c) à participação de camadas hierárquicas inferiores da organização no direcionamento estratégico. Segundo Hart (1992), as estratégias deliberadas são fortemente direcionadas e controladas pela alta gerência e incorporam modos de formação estratégica dos tipos comando, simbólico e racional. As estratégias emergentes, ao contrário, são estabelecidas tanto por meio do diálogo contínuo entre a alta gerência e atores organizacionais internos e externos como pelo incentivo ao empreendedorismo interno na organização. Essas características configuram modos de formação estratégica dos tipos transativo e generativo, respectivamente.

Conectando a literatura sobre pensamento estratégico aqui resumidamente discutido com o tema da internacionalização, observa-se que muitos estudos têm sugerido que os processos estratégicos, tanto deliberados quanto emergentes, fazem parte da entrada e do desenvolvimento da firma em mercados internacionais (Merilees et al., 1998; Smith e Zeithaml, 1999; Spence, 2003; Crick e Spence, 2004).

Crick e Spence (2004) argumentam que as decisões internacionais não são tão racionais e planejadas como a literatura sugere. De um lado, a aprendizagem ocupa um espaço no processo, e as equipes gerenciais reagem às experiências aprendidas ao longo do tempo. De outro lado, um comportamento empresarial não planejado se expressa como reação às oportunidades que se expõem à organização ou aos problemas que podem surgir na forma de incidentes críticos à medida que a firma se desenvolve internacionalmente. Essas considerações sugerem que o processo estratégico de internacionalização deve apresentar um componente de adaptabilidade, ressaltando a presença decisiva de estratégias emergentes nas atividades internacionais da firma.

As conclusões dos estudos que investigavam o processo estratégico internacional de pequenas e médias empresas evidenciaram que o planejamento formal não foi deliberado com vistas à produção de um plano de marketing internacional. As estratégias tornavam-se planejadas à medida que os gerentes iam adquirindo experiência com as operações internacionais ou obtendo recursos financeiros necessários a uma expansão internacional, em termos de estrutura organizacional, provisionamento de pessoal e modos de entrada de maior comprometimento com o mercado internacional (Spence, 2003; Crick e Spence, 2004). No que tange às grandes empresas, um estudo realizado por Smith e Zeithaml (1999) mostrou que as decisões internacionais de firmas desse porte também combinavam estratégias deliberadas e emergentes. Mas apesar da presença marcante da alta gerência na condução do processo internacional, o sucesso das atividades internacionais de uma firma não parecia determinado exclusivamente por um planejamento estratégico sistemático ou por um controle estabelecido pela alta gerência.

O processo de formação estratégica internacional se concretiza com a escolha de diversas modalidades de entrada no mercado estrangeiro, as quais variam em função do nível de comprometimento de recursos e da complexidade inerentes às operações internacionais. Estratégias de entrada mais simples (via exportação) envolvem níveis mais baixos de comprometimento de recursos e de complexidade. Estratégias de entrada mais avançadas (via investimento direto - aquisição, joint venture ou projetos greenfield) implicam maior comprometimento de recursos e complexidade associados às operações internacionais (Hill et al., 1990; Root, 1994; Buckley e Casson, 1998). Estratégias avançadas são viáveis quando uma firma pretende potencializar o acesso a recursos (físicos ou humanos) necessários a um aumento de competitividade internacional (Lu e Beamish, 2001). Relatório divulgado pela Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) em dezembro de 2004 apontou que poucas empresas brasileiras comprometiam maiores recursos no estrangeiro. Segundo o relatório, algumas empresas brasileiras haviam investido no exterior procurando acessar recursos naturais; outras, buscando evitar barreiras comerciais ou aperfeiçoar infraestrutura de logística necessária às exportações; e outras, procurando seguir ou estar próximas de grandes clientes para melhor atender às suas necessidades.

Características da firma e o comportamento orientado para negócios internacionais

O comportamento motivacional e estratégico orientado para a realização de negócios internacionais deve ser examinado em associação com determinadas características da firma que parecem ser vitais para o desenvolvimento de operações no mercado estrangeiro. Tamanho da firma, experiência internacional e volume de vendas internacionais estão entre as características mais abordadas pela literatura sobre internacionalização.

Tamanho da firma

Na opinião de Katsikeas e Piercy (1993), não existe concordância a respeito do impacto que o tamanho pode causar nas operações realizadas no mercado estrangeiro. Apesar disso, seria razoável sugerir que firmas maiores, comparadas às menores, devem ser mais capazes de perceber uma variedade mais ampla de sinais associados ao mercado internacional e de responder de modo mais positivo a eles. Geralmente, é aceito pela literatura que as firmas maiores possuem mais recursos e mais possibilidades de entrar em mercados mais distantes, que podem exigir esforços adicionais (Gripsrud, 1990). Todavia, outros estudos mostraram uma realidade diferente. Por exemplo, Holzmüller e Kasper (1991) e Zahra et al. (2000) evidenciaram que o tamanho da firma provou ter pouca ou nenhuma influência sobre o desempenho corporativo em termos de retornos financeiros advindos das operações internacionais.

Experiência internacional

Uma das mais difundidas teorias sobre internacionalização afirma que a falta de conhecimento sobre mercados e operações estrangeiros é um grande obstáculo ao desenvolvimento de transações internacionais, e que a sua aquisição pode ocorrer experimentalmente por meio de atividades no exterior. Significa dizer que o conhecimento experiencial sobre o mercado e as operações que nele se desenvolvem geram oportunidades de negócios e impulsionam decisões orientadas para um maior comprometimento de recursos com o mercado exterior (Johanson e Wiedersheim-Paul, 1975; Johanson e Vahlne, 1977). Evidências empíricas atestam que o conhecimento adquirido do mercado e os contatos ali realizados condicionarão um aumento das futuras exportações (Gripsrud, 1990).

Envolvimento com vendas internacionais

O percentual de vendas realizadas no mercado internacional tem sido o indicador mais utilizado para distinguir firmas de maior e de menor envolvimento com operações internacionais (Diamantopoulos e Inglis, 1988; Katsikeas e Piercy, 1993). Tal indicador é usualmente utilizado em estudos que investigam o comportamento exportador da firma. Um desses estudos evidenciou que as firmas mais envolvidas com o mercado internacional, apresentando percentuais de vendas internacionais acima de 50%, mostravam capacidades internas mais desenvolvidas para identificar e explorar oportunidades de exportação (Diamantopoulos e Inglis, 1988). Já o estudo de Katsikeas e Piercy (1993) mostrou que as firmas de menor envolvimento internacional eram motivadas por pressões do mercado doméstico, ao passo que aquelas de maior envolvimento eram mais direcionadas por condições específicas do comércio internacional que estão além do domínio da firma ou por dimensões associadas a uma política nacional de exportação.

METODOLOGIA

Esta pesquisa pode ser caracterizada como um levantamento de campo do tipo survey, realizado ex post facto, com caráter exploratório, descritivo e explicativo. O caráter exploratório se fundamenta pela tentativa de integrar os aspectos motivacionais e estratégicos que caracterizam o comportamento internacional da firma. As pesquisas nesse campo usualmente tratam desses aspectos isoladamente. O caráter descritivo justifica-se pela aplicação de um instrumento quantitativo que tem por finalidade investigar: a) o comportamento da firma relacionado aos principais indicadores que caracterizam os processos de motivação e formação estratégica internacional; e b) as diferenças potenciais entre o comportamento internacional motivacional e o estratégico com base no tamanho da firma, na experiência internacional, nas estratégias de entrada e no volume de vendas internacionais. O caráter explicativo apóia-se na utilização de procedimento estatístico multivariado (análise fatorial), que visa revelar os fatores subjacentes aos indicadores motivacionais e estratégicos identificados na análise descritiva.

Participaram da pesquisa empresas exportadoras brasileiras do setor de manufatura classificadas em uma base de dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Foram selecionadas dessa base de dados as 700 maiores exportadoras brasileiras no ano de 2004. Esse total foi escolhido intencionalmente porque incluía um rol de pequenas, médias e grandes empresas que representavam a importância da atividade exportadora para o país, bem como se tratava de um número que poderia também refletir outras modalidades de realização de negócios internacionais além da exportação. A intenção de utilizar o setor de manufatura deveu-se ao fato de as pesquisas no campo da internacionalização fundamentalmente o utilizarem como base de levantamento de dados. A amostra final foi composta por 73 empresas, o que perfaz um percentual de retorno de 10,5% dos questionários enviados via correio. A unidade de observação foi composta por presidentes, diretores comerciais, diretores de marketing e outros profissionais mais estrategicamente envolvidos com operações internacionais. Os dados da pesquisa foram colhidos em junho de 2005.

Utilizou-se um questionário estruturado, que se compunha de três partes: características gerais da empresa e a sua inserção no mercado internacional; formação e escolha de estratégias internacionais; e motivação internacional. A primeira parte englobava questões dispostas em escalas ordinais, que posteriormente foram dicotomizadas para os fins de análise dos dados, enquanto a segunda e a terceira parte foram dispostas em escalas intervalares de concordância e importância de cinco pontos do tipo Likert. Em seguida, para fins de validação de forma e conteúdo, o instrumento foi pré-testado e refinado por meio de entrevistas com acadêmicos familiarizados com o tema e com executivos envolvidos com negócios internacionais.

A estatística descritiva foi utilizada para identificar os principais indicadores motivacionais e estratégicos que orientam as operações internacionais da firma. Como medidas descritivas para esta parte do questionário foram adotadas a média e a mediana. Ambas foram empregadas respeitando-se as considerações de Malhotra (2001) de que podem ser usadas em escalas intervalares. Utilizaramse também medidas de dispersão do tipo intervalo interquartil (P25 e P75), uma vez que tais percentis representam bem o posicionamento da unidade amostral. O teste t de Student foi aplicado para investigar se poderiam ser observadas diferenças potenciais quanto aos fatores motivacionais e estratégicos com base no tamanho da firma, na experiência internacional, nas estratégias de entrada e no volume de vendas internacionais. Os fatores motivacionais e estratégicos envolvidos no teste t foram extraídos mediante a realização de uma análise fatorial exploratória (Afex), enquanto as características organizacionais foram dicotomizadas em amostras independentes, conforme os critérios explicitados no parágrafo seguinte.

A literatura comumente classifica como pequena empresa aquela que tem até 100 empregados, como média a que tem até 500, e como grande empresa a que tem acima de 500 empregados. Essa classificação geral foi adotada pela pesquisa, tendo sido dicotomizada em empresas menores, aquelas com 500 empregados ou menos, e em empresas maiores, aquelas que apresentavam acima de 501 empregados. Firmas com 11 anos ou mais de atuação no mercado internacional foram consideradas mais experientes, enquanto firmas com 10 anos ou menos foram classificadas como menos experientes (Katsikeas e Piercy, 1993). As estratégias de entrada foram dicotomizadas em estratégias mais simples de entrada (exportação e contratos de produção) e estratégias mais avançadas de entrada (aquisição, parcerias e investimentos do tipo greenfield) (Root, 1994). Foram classificadas como empresas mais envolvidas aquelas que apresentavam um percentual de vendas realizadas no mercado internacional de 56,0% ou mais em relação ao total de vendas; e como firmas menos envolvidas, aquelas com percentual de 55,0% ou menos (Diamantopoulos e Inglis, 1988; Katsikeas e Piercy, 1993).

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Resultados descritivos: características gerais das empresas pesquisadas

Participaram desta pesquisa 73 firmas, as quais foram classificadas por tamanho, experiência internacional, estratégias de entrada e percentual de vendas internacionais. Em termos de tamanho, o conjunto de empresas menores atingiu um percentual de 59,0%, contra 41,0% das empresas maiores. Quanto à experiência internacional, 75,0% da amostra ficou composta por empresas mais experientes, contra 25,0% de empresas menos experientes. Em relação às estratégias de entrada, 77,0% utilizam estratégias mais simples (exportação e contratos de produção), contra apenas 23,0% daquelas que utilizam estratégias mais avançadas de entrada. Predominam as parcerias internacionais (por exemplo, alianças estratégicas ou joint ventures), seguidas por aquisição de empresas ou plantas no exterior e, em menor número, por modalidade do tipo greenfield. No que se refere ao envolvimento com vendas internacionais, 48,0% foram classificadas como empresas mais envolvidas, contra 52,0% classificadas como empresas menos envolvidas.

Em síntese, os dados acima denotam que as empresas brasileiras pesquisadas, apesar de demonstrarem experiência internacional e envolvimento com o mercado estrangeiro em função do volume de vendas, utilizam estratégias de entrada consideradas de menor complexidade e comprometimento de recursos. Essas evidências confirmam os pressupostos teóricos de que um maior conhecimento de mercado condiciona acréscimo nas exportações (Gripsrud, 1990) e reforça o relatório da Unctad (2004), que aponta a exportação como a estratégia de entrada preferida das empresas brasileiras, indicando que a predominância acentuada desse tipo de modalidade sugere um baixo grau de internacionalização.

Resultados descritivos: aspectos motivacionais e estratégicos

Tendo em vista que os aspectos motivacionais e estratégicos foram estabelecidos no instrumento de coleta de dados por meio de escalas de respostas do tipo Likert de cinco pontos, considerou-se como escore médio, ou mediana, o valor 3,0. A escala motivacional requisitava a descrição do grau de importância atribuída aos motivos que justificavam a realização de negócios internacionais, segundo a tipologia de Katsikeas e Piercy (1993) sobre as características individuais, organizacionais e ambientais representativas de estímulos à exportação, ao passo que a escala sobre os aspectos estratégicos solicitava que o respondente descrevesse seu grau de concordância com sentenças que caracterizavam os modos de formação estratégica da tipologia de Hart (1992): comando, simbólico, racional, transativo e generativo. Como os graus de importância ou concordância nessas escalas graduavam-se de "nem um pouco importante" a "muito importante" e de "discordo totalmente" a concordo totalmente, segue-se que as variáveis que apresentavam escores acima de 3,0 indicavam uma situação de importância ou concordância. Escores abaixo desse valor indicavam uma situação de pouca ou nenhuma importância, como também de discordância parcial ou total.

No que diz respeito ao processo de motivação internacional, os informantes deram mais importância aos seguintes motivos: oportunidade de lucro e crescimento no mercado internacional (4,4); necessidade de reduzir a dependência do mercado doméstico (3,7); necessidade de reduzir os riscos em relação ao mercado doméstico (3,5); interesse gerencial em relação a atividades internacionais (3,5); e crenças gerenciais sobre a importância da internacionalização (3,4). Essas respostas enfatizam que as empresas brasileiras pesquisadas são mais significativamente motivadas por fatores externos ligados tanto ao mercado exterior quanto ao doméstico, e que a orientação da gerência exerce papel importante nas decisões internacionais. Tais resultados não confirmam as conclusões do levantamento de Leonidou (1995), cujos motivos principais estiveram associados à capacidade de produção não utilizada da firma e ao recebimento de pedidos eventuais do mercado internacional. Os respondentes não deram importância a motivos associados a programas governamentais apoiando a internacionalização, a incentivos recebidos de agentes externos, a contatos casuais impulsionando negócios internacionais e à existência de gerente de origem estrangeira na empresa, todos eles apresentando médias iguais ou inferiores a 2,4. Isso demonstra dois pontos: primeiro que as empresas pesquisadas não se beneficiam de subsídios públicos ou institucionais para as suas operações internacionais; e segundo, que talvez precisem se tornar mais empreendedoras para obter vantagem das oportunidades que surgem no mercado internacional (Dimitratos e Plakoyiannaki, 2003; Spence, 2003; Crick e Spence, 2004). Esses resultados estão na Tabela 1.

Quanto ao processo de formação de estratégias internacionais, os respondentes concordaram significativamente que: a idéia da estratégia partia da alta administração (4,2); a alta administração respondia pelas decisões relativas ao curso da estratégia (4,0); os valores, as crenças e os costumes definiam o estabelecimento da estratégia (3,9); a alta administração controlava totalmente o processo estratégico (3,9); a alta administração tinha o papel de comunicar e explicitar a estratégia (3,8); a escolha estratégica respeitava um processo seqüencial analítico e procedimental (3,7); e verificações de ajuste da estratégia eram realizadas após a sua implementação (3,7). A Tabela 2 identifica esses resultados e indica como eles se posicionam em termos amostrais.

É importante observar na Tabela 2 que 75,0% da amostra evidenciou escores iguais ou superiores a 4,0 quando a mediana era considerada, denotando que esses resultados mostram a presença marcante da alta administração no processo estratégico internacional e que as estratégias internacionais das empresas brasileiras são mais deliberadas por meio do comando (top-down) e da racionalidade (processo procedimental analítico e de ajustamento).

Análise fatorial, confiabilidade e adequação da amostra

A análise fatorial foi realizada de forma exploratória, pois se pretendia investigar a existência de fatores subjacentes relativos aos indicadores motivacionais e estratégicos identificados na análise descritiva. Os fatores extraídos foram também utilizados, subseqüentemente, para testar diferenças potenciais baseadas no tamanho da firma, na experiência internacional, nas estratégias de entrada e no envolvimento com vendas internacionais. O modelo final resultou na extração de cinco fatores compostos por variáveis que perfaziam cargas fatoriais iguais ou superiores a 0,6 em sua grande maioria, valor adequado para pesquisas de natureza exploratória (Hair et al., 1998). O método de extração se deu pela análise de componentes principais e o de rotação pelo método Varimax com normalização Kaiser. Os fatores retidos para análise respondiam por 40,5% e 38,5% da variância para a soma média das cargas individuais referentes às dimensões motivacional e estratégica, respectivamente. Percentuais de explicação abaixo de 60,0% são considerados aceitáveis, uma vez que as informações no campo das ciências sociais são freqüentemente menos precisas (Hair et al., 1998). A medida KMO (Kaiser-Meyer-Olkin) para ambas as dimensões de fatores extraídos foi superior a 0,6, indicando que a amostra era adequada para a matriz de correlação inteira e para cada variável individual avaliada. O alfa de Cronbach foi superior a 0,6 para os fatores motivacionais e a 0,7 para os fatores estratégicos, revelando que a confiabilidade do modelo foi satisfatoriamente alcançada (Hair et al., 1998). As cargas fatoriais e as comunalidades de cada fator extraído são apresentadas na Tabela 3.

O fator 1 conecta motivos que justificam a realização de negócios internacionais relativos ao mercado doméstico em termos de redução de dependência e riscos e de intensificação da competição. Tais estímulos são derivados das incertezas do mercado doméstico, geralmente relacionadas à disponibilidade de insumos para a produção e às condições dominantes de mercado, dimensões classificadas por Katsikeas e Piercy (1993) e Leonidou (1995) como características ambientais. Esse fator pode ser designado como orientação para o mercado interno. O fator 2, inversamente, une motivos associados ao mercado estrangeiro ou que são fundamentais aos propósitos de internacionalização da firma. Por exemplo, oportunidade de lucro e crescimento no mercado internacional, habilidade para modificar produtos para os clientes internacionais e produção de bens com qualidades únicas ou singulares. Por essa razão, é razoável denominar esse fator competitividade dos produtos para o mercado externo.

O fator 3 capta o interesse gerencial em relação às atividades internacionais e às crenças gerenciais sobre a importância da internacionalização. A literatura tem demonstrado que o capital humano empreendedor é uma das forças-chave para explorar as oportunidades do mercado internacional, e que ele se manifesta pelas percepções, crenças e práticas gerenciais empreendedoras (Dimitratos e Plakoyiannaki, 2003). Esse fator pode ser nomeado orientação gerencial.

O fator 4 suscita que o processo de formação de estratégias orientadas para os negócios internacionais ocorre por meio de análises rigorosas do ambiente externo, do diálogo e do consenso estabelecido entre a alta administração e os membros da empresa, do uso de planos formais e detalhados, e da avaliação contínua do processo de implementação. Essas questões sugerem que o processo estratégico internacional das empresas pesquisadas é mais racional e implica uma seqüência de operações que se repetem em termos de avaliações e ajustamentos (Hart, 1992; Smith e Zeithaml, 1999; Crick e Spence, 2004). Esse fator pode ser denominado, então, racional-iterativo.

Por fim, o fator 5 inclui variáveis que indicam a presença marcante da alta administração na concepção, no curso, na comunicação e na explicitação das estratégias internacionais. Esse comportamento mostra que o processo estratégico é centralizado e formulado deliberadamente no nível mais alto da organização, como também articulado em um nível de detalhamento relativamente concreto (Mintzberg e Waters, 1985; Hart, 1992; Mintzberg, 1998). Esse fator foi denominado top-down.

Características da firma e fatores motivacionais e estratégicos

Para investigar a existência de diferenças potenciais entre as dimensões motivacional e estratégica estabelecidas pela análise fatorial em relação ao tamanho da firma, à experiência internacional, às estratégias de entrada e ao envolvimento com vendas internacionais, utilizou-se o teste t de Student para duas amostras independentes relativas às quatro características da firma mencionadas. Esse teste paramétrico é adequado para pequenas amostras diferentes e permite inferir afirmações sobre médias de populações relacionadas. É importante observar que o teste F foi aplicado e não mostrou diferenças significativas de variância, demonstrando que o pressuposto de igualdade de variâncias não foi violado e que os resultados do teste t foram adequados para comparar as amostras independentes de tamanhos diferentes (Malhotra, 2001).

Os resultados do teste mostram a existência de diferenças significativas em um nível de p < 0,01 entre as empresas maiores e menores com relação ao fator motivacional orientado para o mercado interno e com relação ao fator estratégico do tipo racional-iterativo. No mesmo nível de significância foram encontradas diferenças entre os modos de entrada em relação ao fator motivacional competitividade dos produtos para o mercado externo e ao fator estratégico racional-iterativo. Em um nível de significância p < 0,05, constataram-se diferenças quanto ao envolvimento com vendas internacionais em relação ao fator motivacional orientado para o mercado interno e ao fator estratégico do tipo top-down. Não foi observada a existência de diferenças associadas à experiência internacional. Essas evidências são apresentadas na Tabela 4.

Mais especificamente, os resultados da Tabela 4 mostram que as empresas maiores (média = 0,41) são significativamente mais propensas a realizar negócios internacionais, estimuladas por fatores motivacionais associados ao mercado interno (t = - 2,84 em p < 0,01) quando comparadas com as empresas menores (média = - 0,26). Esses resultados contrariam a premissa de Katsikeas e Piercy (1993) de que as firmas maiores, em comparação com as menores, devem ser mais capazes de perceber e responder a uma variedade mais ampla de sinais associados ao mercado internacional. As empresas da amostra, visivelmente voltadas para os sinais do mercado doméstico, parecem encarar a internacionalização como algo decorrente de pressões internas, e não como uma perspectiva de expansão para além das fronteiras nacionais. A tabela mostrou também que o processo estratégico internacional do tipo racional-iterativo, inspirado na racionalidade, no diálogo contínuo entre os principais envolvidos e na realização de ajustamentos contínuos (t = - 2,83 em p < 0,01), é mais significativo nas empresas maiores (média = 0,42) do que nas empresas menores (média = - 0,24). Esses resultados mostram-se convergentes com as evidências anteriores de pesquisa, que pontuaram que o processo estratégico internacional, independentemente do tamanho da firma, combinava estratégias tanto deliberadas quanto emergentes, embora transparecesse que nas grandes empresas era decisiva a presença da alta gerência conduzindo racionalmente as decisões internacionais (Smith e Zeithaml, 1999).

Em relação à entrada no mercado internacional, os resultados do teste sugerem que as empresas que utilizam estratégias mais avançadas (média = 0,59) são mais motivadas pelo fator associado à competitividade dos produtos para o mercado externo (t = 2,80 em p < 0,01) quando comparadas com as empresas que utilizam estratégias mais simples (média = - 0,17). Essas evidências convergem com os dados do relatório da Unctad publicado em dezembro de 2004, que afirma existirem algumas empresas brasileiras que investem diretamente no estrangeiro, procurando equacionar questões específicas do mercado internacional associadas ao acesso a recursos naturais, ao aperfeiçoamento de infra-estrutura logística ou à necessidade de se aproximar da clientela. Os resultados mostram também que o processo estratégico internacional é mais racional, implicando uma seqüência de operações que se repete em termos de diálogos contínuos, avaliações e ajustamentos (t = 2,84 em p < 0,01), nas empresas que utilizam estratégias mais avançadas de entrada (média = 0,60) do que nas empresas que utilizam estratégias mais simples (média = - 0,16). Certamente, modos de entrada mais complexos implicam comprometimento maior de recursos, o que justifica que o processo estratégico deva ser formalmente controlado e continuamente discutido com os envolvidos (Smith e Zeithaml, 1999; Lu e Beamish, 2001).

Os resultados da Tabela 4 evidenciam que as empresas mais envolvidas com vendas internacionais (média = - 0,31) são mais motivadas por fatores ligados ao mercado interno (t = 2,54 em p < 0,05) quando comparadas com as empresas menos envolvidas (média = 0,28), no que se refere, por exemplo, a questões associadas à redução da dependência e dos riscos relativos ao mercado doméstico e à intensificação da competição. Esse resultado contradiz o estudo de Katsikeas e Piercy (1993), que argumenta serem as empresas de maior envolvimento mais direcionadas por condições específicas do mercado internacional ou por dimensões pertencentes a uma política nacional de exportação. Sugere-se que o último aspecto ainda não se apresenta consistente e/ou estável do ponto de vista da estruturação do ambiente econômico-institucional brasileiro em prol do incentivo e do apoio à internacionalização de suas empresas. De outro lado, os dados mostram que a alta administração exerce presença mais marcante nas decisões estratégicas internacionais (t = - 2,00 em p < 0,05) das empresas mais envolvidas em termos de volume de vendas no estrangeiro (média = 0,25) em comparação com as empresas consideradas menos envolvidas (média = - 0,20). Segundo Smith e Zeithaml (1999), a presença da alta administração é marcante no processo de expansão internacional, tanto comandando o desenvolvimento das estratégias internacionais quanto fornecendo os recursos necessários ao crescimento internacional.

A inexistência de resultados significativos em relação à experiência internacional não permitiu verificar se para as empresas pesquisadas o conhecimento experiencial pode gerar oportunidades de negócios e impulsionar decisões mais claras e amplas de comprometimento de recursos com o mercado internacional, conforme sugerido pela literatura (veja Johanson e Wiedersheim-Paul, 1975; Johanson e Vahlne, 1977, Gripsrud, 1990; Katsikeas e Piercy, 1993). Seria necessário realizar uma investigação em profundidade com as empresas envolvidas no estudo para levantar possíveis razões para esses resultados.

CONCLUSÃO

Este artigo apresentou três contribuições importantes. A primeira é que foi possível identificar que as empresas brasileiras de manufatura pesquisadas, apesar de demonstrarem experiência internacional e envolvimento com vendas internacionais, utilizam estratégias de entrada consideradas de menor complexidade e comprometimento de recursos. Isso sugere um baixo grau de internacionalização, uma vez constatada a não opção por investimentos diretos no estrangeiro.

Em relação à segunda contribuição, uma estrutura de cinco fatores foi revelada com base em evidências empíricas anteriores. Três desses fatores indicaram que os motivos que impulsionam a realização de negócios internacionais se associam a elementos ligados aos mercados interno e externo, e a elementos de ordem gerencial. Todavia, ficou também evidenciado que as empresas pesquisadas, de um lado, não se beneficiam de subsídios públicos ou institucionais para as suas operações internacionais e que, de outro lado, talvez precisem se tornar mais empreendedoras como forma de obter vantagem das oportunidades que surgem no mercado internacional. Outros dois fatores determinaram que o processo de formação estratégica é significativamente contornado por estratégias centralizadas na alta administração e desenvolvidas por meio da racionalidade.

Quanto à terceira contribuição, demonstrou-se a existência de diferenças potenciais significativas entre a estrutura de fatores motivacionais e estratégicos revelada e o tamanho da firma, os modos de entrada utilizados e o envolvimento com vendas internacionais. O mesmo não ocorre com a experiência internacional. Empresas maiores se estimulam internacionalmente por motivos específicos do mercado doméstico e desenvolvem um processo estratégico internacional inspirado na racionalidade e em uma seqüência de operações que se repetem em termos de avaliações e ajustamentos contínuos. Empresas que utilizam modos mais avançados também são envolvidas por decisões baseadas na racionalidade, porém se motivam por fatores particulares do mercado internacional. Inversamente, fatores ligados ao mercado doméstico impulsionam as empresas mais envolvidas com vendas internacionais, com a presença marcante da alta administração no comando do processo estratégico internacional.

Finalmente, é oportuno ressaltar algumas limitações do estudo. Primeira, a análise ex post facto, apesar de ser largamente utilizada em pesquisas sobre negócios internacionais, pode apresentar vieses difíceis de equacionar, por exemplo, aqueles que poderiam resultar da investigação dos motivos subjacentes às decisões internacionais de uma firma que atua há muitos anos no mercado estrangeiro (Katsikeas e Piercy, 1993). Quanto à segunda limitação, o tamanho da amostra final - apesar de atender às exigências de aplicação das técnicas estatísticas utilizadas -, não proporciona bases suficientes para se fazerem generalizações. Em relação à terceira limitação, instrumentos de pesquisa que utilizam fontes primárias de levantamento de dados são susceptíveis a julgamentos pessoais, que podem introduzir erros significativos na medição dos resultados, não obstante o instrumento de coleta dos dados ter sido pré-testado com acadêmicos e executivos diretamente envolvidos com negócios internacionais. Além disso, a abordagem quantitativa não exaure as complexidades envolvidas em estudos sobre negócios internacionais, devendo-se utilizar abordagens qualitativas para fins de aprofundamento dos dados.

Artigo recebido em 22.11.2005.

Aprovado em 11.06.2006.

Luiz Honório

Doutor pelo Centro de Pesquisas e Pós-Graduação em Administração Cepead-FACE-UFMG. Professor titular do mestrado acadêmico da Faculdade Novos Horizontes. Interesses de pesquisa nas áreas de gestão internacional, administração estratégica e novas tecnologias gerenciais.

E-mail: luizhonorio@unihorizontes.br

Endereço: Rua Ramalhete, 115/204, Bairro Anchieta, Belo Horizonte - MG, 30310-310.

Suzana Braga Rodrigues

Professora da Faculdade de Administração, Contabilidade e Economia da Universidade Fundação Mineira de Educação e Cultura (FACE-Universidade FUMEC). Coordenadora do Mestrado em Negócios Internacionais da Birmingham University, Inglaterra. PhD pela University of Bradford. Interesses de pesquisa nas áreas de cultura, governança corporativa e gestão internacional.

E-mail: sbrodrigues@task.com.br

Endereço: Rua Engenheiro Sena Freire, 578, Bairro São Bento, Belo Horizonte - MG, 30350-400.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Dez 2014
  • Data do Fascículo
    Dez 2006

Histórico

  • Aceito
    11 Jun 2006
  • Recebido
    22 Nov 2005
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