PENSATA
O futuro da aprendizagem organizacional: possibilidades e desafios
Claudia Cristina BitencourtI; Débora AzevedoII
IUNISINOS e UFMG
IIUNISINOS
Apesar de não se tratar de um tema recente, a aprendizagem organizacional vem despertando interesse crescente de pesquisadores, empresários e da comunidade em geral sobre o seu significado, princípios, implicações, metodologia e procedimentos. Para muitos, é a tendência à valorização de um indivíduo pleno que decide, aprimora-se, é criativo e repleto de potencial que leva ao reconhecimento dos processos de aprendizagem como valiosos para a compreensão e a gestão das organizações. No entanto, o que se pode observar na prática é uma multiplicidade de enfoques e, por vezes, contradições que acaba por oferecer margem a críticas, as quais, em geral, consideram a aprendizagem organizacional como algo vago e utópico. Noutras palavras, trata-se de um tema complexo e sujeito a diversas interpretações, o que pode provocar concepções e propostas pouco consistentes e abrangentes, conduzindo a simplificações indevidas e muitas dúvidas sobre seus reais benefícios ou mesmo sua aplicabilidade. Em síntese, a temática, apesar de atrativa, esbarra em algumas dificuldades, que são traduzidas nesta pensata em possibilidades e desafios.
Considerando-se o contexto organizacional atual, alguns elementos-chaves sinalizam tendências em termos de estrutura e organização do trabalho. Pode-se falar em um ambiente mais dinâmico, onde se destacam a valorização dos processos e a necessidade de "ruptura" de estruturas rígidas. Há ainda o trabalho coletivo, exemplificado pelo trabalho em equipe, no intuito de proporcionar uma gestão mais efetiva das pessoas, envolvendo-as nos processos decisórios. A busca de mudanças nos modelos mentais das organizações pela valorização de soluções mais criativas, flexíveis e adaptáveis, baseadas não mais em um "modelo ideal de gestão" a ser seguido, mas em mudanças contínuas e no resgate da identidade da organização. Seja pela visão processual implícita na sua lógica, seja pela ênfase no coletivo ou pela premissa de renovação, a aprendizagem organizacional é uma abordagem que apresenta alguns pontos em comum com relação aos novos desafios organizacionais. E dessa maneira não poderia ser reduzida a um "modelo de gestão", mas deve ser compreendida como um conjunto de processos únicos construídos ao longo da vida organizacional, baseado em suas experiências e especificidades. Portanto, a aprendizagem organizacional pode ser vista como uma abordagem bastante promissora e condizente com as tendências e novas formas de organização do trabalho.
Entretanto, é necessário pensar também sobre os desafios enfrentados quando mergulhamos nas reflexões acerca dessa temática. A aprendizagem organizacional implica o desenvolvimento de novas e diversas interpretações de eventos e situações, o que nos permite falar em paradoxos e nas aparentes contradições envolvidas nessa abordagem. Neste momento, recorremos à necessidade de uma compreensão dos processos de aprendizagem nas organizações. Primeiramente, quem aprende? A maioria dos modelos que explicam a aprendizagem organizacional recorre a uma das seguintes metáforas: (a) são os indivíduos na organização que aprendem, e o compartilhamento desse aprendizado é a aprendizagem organizacional; (b) a aprendizagem ocorre por meio dos indivíduos, mas vai além destes por estar influenciada por questões sociais, políticas e estruturais; (c) a organização possui um sistema cognitivo análogo ao sistema nervoso humano, por meio do qual ela aprende; (d) a aprendizagem da organização se dá não de forma cognitiva, mas cultural e comportamental.
Cada uma dessas metáforas leva a uma abordagem distinta dos processos de aprendizagem nas organizações. Nesse ponto se encontram os dois primeiros aparentes paradoxos em aprendizagem organizacional: é a organização que aprende ou são os indivíduos que a constituem que aprendem? E a aprendizagem das organizações é cognitiva ou cultural? Além dessas duas questões, várias outras se impõem: trata-se de um processo natural ou sistemático? Ou, em outras palavras, tem como base o conhecimento tácito ou explícito? E, relacionado a isso, a aprendizagem é normativa (regras, normas, leis, procedimentos padrão) ou exemplar (maneiras de agir, valores, crenças, concepções, formas de executar não explicitadas)? Ela está a serviço do aprimoramento ou da inovação? Ela é adaptativa (incremental) ou de ruptura (transformação radical)? E como fica a noção de tempo? Sabemos que todo processo de aprendizagem exige um tempo de maturação para que as vivências sejam realmente assimiladas e novos conhecimentos ou comportamentos possam ser gerados. Contudo, nem sempre o tempo estimado ou esperado para que a mudança ocorra é compatível com o tempo real, aquele em que há a apropriação da aprendizagem.
Essas questões aparentemente paradoxais acabam por revelar o que talvez seja a base da compreensão da aprendizagem organizacional: não se trata de um processo linear ou com respostas simples. A complexidade implícita na lógica da aprendizagem organizacional nos revela que é nessa contradição aparente que encontramos não respostas, mas reflexões que podem gerar novos insights e novas possibilidades de enxergar a realidade organizacional, onde elementos aparentemente opostos podem ser complementares. Nesse ponto reside o maior desafio da aprendizagem organizacional, como compreender esses paradoxos e buscar novas respostas, menos simplistas, e como gerenciálos, mensurá-los ou estimular o seu desenvolvimento.
Com isso, a convergência e a divergência de significados são importantes para essa construção, em que se destacam alguns pontos, a seguir:
Unificação e diversidade. É necessário estabelecer trade-offs no processo de aprendizagem, ora privilegiando a unificação, ora a diversidade. Se por um lado o compartilhamento de idéias, valores, objetivos cumpre um papel fundamental no alinhamento das organizações, por outro lado é a diversidade que gera a inovação. E a única forma de alcançar ambos é enfatizando cada um deles em um determinado momento na busca de um equilíbrio.
Compartilhamento de informação não é necessariamente compartilhamento de significado e tampouco base de uma ação organizada. O significado não é construído de maneira pontual e unidimensional, mas se constrói a partir de múltiplas dimensões e se transforma ao longo do tempo. Portanto, o significado não reside no conteúdo da comunicação, que por sua vez reflete categorias do que é expresso e de quem o expressa.
Nível de aprendizagem individual e coletivo. A literatura indica basicamente três níveis de aprendizagem nas organizações: o individual, o coletivo e o organizacional. Alguns modelos tendem a descrever esses níveis, mostrar como é a aprendizagem em cada um deles e como se relacionam uns com os outros. Contudo, essas fronteiras claras não existem no plano real. Como estabelecer o limite entre esses níveis? Na verdade, o ponto principal é compreender as diversas relações entre eles e não definir limites. Arriscamos, inclusive, a dizer que muitas vezes esses níveis se sobrepõem e se influenciam mútua e dinamicamente, pois os processos de aprendizagem são construídos e elaborados a partir de interações, o que destaca uma relação de não linearidade entre eles.
Processos incrementais e radicais de aprendizagem. Ambos os conceitos são de importância significativa para a aprendizagem, embora a teoria tenda a enfatizar o valor incremental.
Aprendizagem gerada por necessidade ou espontânea. Os processos de aprendizagem dentro das organizações podem ou não ser motivados por necessidades percebidas por estas. Um dos fatores que levam uma organização a "querer aprender" é a busca de alinhamento entre a organização e o seu ambiente, para a manutenção da competitividade e para a sobrevivência da empresa ao longo do tempo. Assim, de um ponto de vista estratégico, a adaptação e conseqüentemente a aprendizagem é a atividade-chave para lidar com as mudanças que ocorrem no meio em que a organização está inserida.
A questão da descrição ou prescrição. Por meio de dois questionamentos pode-se compreender essa questão. Como as organizações aprendem (foco no processo)? Como as organizações deveriam aprender (foco nos resultados)? A primeira questão enfatiza a abordagem descritiva (organizational learning), enquanto a segunda refere-se à prescritiva (learning organization). Ambas são abordagens possíveis e dependem exclusivamente dos propósitos e orientações sobre a aprendizagem organizacional.
A aprendizagem envolve criação contínua ou sistemática? A natureza da aprendizagem organizacional depende, em parte, do que se considera a "essência da organização". Uma das possibilidades é enxergar a organização como um sistema, sendo focalizados os canais e fluxos de informações e feedback. Por outro lado, ao se conceber a organização enquanto uma criação contínua, o foco transfere-se para a construção de significados, comunicação, histórias, mitos, poder formal e informal. De qualquer modo, a aprendizagem organizacional é um fenômeno próprio das organizações, ainda que os processos de aprendizagem não sejam percebidos ou incentivados. Neste ponto, abrem-se duas questões que são parte das discussões atuais sobre aprendizagem: (a) como detectar ou reconhecer a aprendizagem e como mensurá-la? Inclui-se aqui "quem" pode mensurá-la (apenas quem aprende pode medir a aprendizagem, ou ela pode ser avaliada por um terceiro?); (b) é possível fazer a gestão da aprendizagem? E, nesse caso, como fazê-lo? Aqui se abre toda a discussão prescritiva sobre aprendizagem com modelos que variam dos mais aos menos rígidos.
Nem toda aprendizagem é "benéfica" para a organização. As organizações aprendem "boas" e "más" práticas; além disso, aprendem normas, regras ou costumes que podem ser vantajosos em um momento, mas que ao longo do tempo impedem o crescimento ou a adaptação. Assim, tão ou mais importante que "o que" a organização aprende é a sua capacidade de aprender continuamente, ou seja, sua capacidade de adaptar-se. Assim, boa parte da discussão sobre aprendizagem organizacional foca exatamente a questão de como desenvolver a habilidade de aprender nas organizações.
Como dito anteriormente, não existem repostas prontas ou únicas. Contudo, práticas norteadoras mostram a necessidade de se pensar numa lógica integradora que possa contribuir para a busca de um sentido para essas mudanças, tendências, desafios, oportunidades e paradoxos que envolvem as organizações modernas. A aprendizagem organizacional vem destacar que as aparentes contradições ou respostas únicas são apenas uma forma restrita de enxergar a realidade. Existe uma multiplicidade de interpretações e possibilidades para se construir a abordagem em questão. Se por um lado isso é tranqüilizador por trazer à tona que a realidade não é única, por outro, gera inseguranças e incertezas, principalmente tendo como base a visão positivista, que tende a gerar ou buscar respostas únicas. O paradoxo reside no fato de que aspectos aparentemente opostos podem ser complementares. Talvez esse seja um dos principais pontos sobre o futuro da aprendizagem organizacional, seja ele encarado como desafio ou possibilidade, aceitando-se conviver com a complexidade e as incertezas, reconhecendo a natureza transitória, mutável e mutante das organizações.
Artigo Convidado.
Aprovado em 03.09.2006.
Claudia Cristina Bitencourt
Professora da UNISINOS-RS e pesquisadora associada do Núcleo Interdisciplinar sobre Gestão em Organizações (Não) Empresariais da Universidade Federal de Minas Gerais (Nig.one/UFMG). Doutora em Administração pela UFRGS. Interesses de pesquisa nas áreas de mudança organizacional, gestão de competências e aprendizagem organizacional.
E-mail: claudiacb@unisinos.br
Endereço: Av. D. Pedro II, 1273, apto. 306, Porto Alegre - RS, 90.550-143.
Debora Azevedo
Mestranda em Administração na UNISINOS-RS. Interesses de pesquisa nas áreas de Aprendizagem Organizacional, Liderança e Terceiro Setor.
E-mail: deboraazevedo@terra.com.br
Endereço: Rua Sinimbu, 145, apto. 1001, Porto Alegre - RS, 90470-470.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
10 Dez 2014 -
Data do Fascículo
Dez 2006