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As pedras e as flores do caminho: os percursos da gestão pública no Brasil

RESENHA

As pedras e as flores do caminho: os percursos da gestão pública no Brasil

Ivan Beck Ckagnazaroff

Professor da UFMG. E-mail: ivanbeck@face.ufmg.br

POR UMA NOVA GESTÃO PÚBLICA: LIMITES E POTENCIALIDADES DA EXPERIÊNCIA CONTEMPORÂNEA

De Ana Paula Paes de Paula

Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005. 204 p.

Como em vários outros países ao redor do mundo, a administração pública brasileira passa por momentos de mudança. Tais processos visam fundamentalmente uma melhoria da eficiência, flexibilidade e democratização da máquina pública, em um ambiente democrático e com marcante participação da sociedade. Ana Paula Paes de Paula, professora da UFMG, preocupada com a construção de um modelo de gestão democrática, aborda dois modelos em voga no caso brasileiro: o modelo da nova administração pública e o da chamada administração pública societal.

O modelo da nova administração pública é o dominante no mundo. Tal abordagem apresenta como objetivos principais a eficiência, a flexibilidade, mudanças estruturais como a privatização, e a adoção de técnicas oriundas do setor privado para melhorar o funcionamento da máquina pública.

A proposta da gestão pública societal prioriza a participação do cidadão e, desse modo, busca a criação de políticas públicas que reflitam mais as necessidades da sociedade e a elaboração e implementação de projeto de desenvolvimento que responda aos interesses da nação. Diferentemente da primeira, tem origem na mobilização social no Brasil nos anos 1960, cujas idéias se desdobraram de várias maneiras ao longo das três décadas seguintes.

A gestão pública brasileira se tornou palco de esforços de mudança que seriam orientados por uma ou outra abordagem, a depender das opções políticas dos governantes eleitos. A análise desses modelos tem como referência as seguintes variáveis: origem, projeto político, dimensões estruturais enfatizadas na gestão, organização administrativa do aparelho do Estado, abertura das restituições políticas à participação social, e abordagem de gestão.

A obra tem duas partes, além da introdução e da conclusão. Na primeira parte, dividida em quatro capítulos, a autora trabalha com a nova administração pública. Nela são abordadas as bases teóricas, o pensamento econômico neoliberal, preocupado em ressaltar as vantagens do chamado mercado em relação ao Estado, e a teoria da escolha pública interessada na crítica à burocracia do Estado. Em seguida são consideradas as influências exercidas pelas idéias neoliberais e pela teoria da escolha pública nos grupos e movimentos neoconservadores, tanto no Reino Unido quanto nos Estados Unidos. O contexto que propiciou a emergência da proposta da nova administração pública é apresentado a seguir.

A autora dá atenção aos casos da Austrália e Nova Zelândia, além, obviamente, dos Estados Unidos e Reino Unido, países que lideravam a implementação desse modelo. Após isso, ela aborda a importância do movimento "inventando o governo" dos Estados Unidos, para a implementação e divulgação desse modelo. Termina essa parte enfocando os limites que esse modelo apresenta e as relações entre ele e o pensamento da terceira via e da governança progressiva. Em relação aos limites, esse modelo reproduz problemas antigos, como a centralização do poder e a criação de elites burocráticas, além de não dar conta da complexidade dos sistemas administrativos e do aspecto sociopolítico de gestão pública, da dificuldade de adaptar técnicas do setor privado no setor público e da incompatibilidade existente entre a lógica gerencialista e o interesse público.

Na segunda parte da obra, o enfoque é o caso brasileiro. A autora apresenta o modo como a nova administração pública foi adotada no país e implementada, pelo menos parcialmente, nos anos 1990. Como na parte anterior, ela procura salientar os limites dessa proposta, tais como a centralização do processo decisório, o caráter tecnocrático e a pequena inserção da sociedade no processo. O último capítulo trata da administração pública societal, que tem mais raízes nos anos 1960, mas que se constitui ao longo dos anos 1980. Discutem-se aspectos básicos, como uma visão de desenvolvimento baseado no envolvimento do cidadão, e no potencial do seu entorno, uma concepção de democracia participativa e deliberativa, a idéia da gestão social e a necessidade de informação político-institucional que possa assimilar a participação do cidadão. São apresentados alguns mecanismos para isso, tais como os fóruns temáticos, os conselhos gestores de políticas públicas e do orçamento participativo. A autora também salienta desafios tais como o risco de corporativismo, a falta de capacidade por parte dos representantes da sociedade nessas instâncias, o distanciamento dos conselhos em relação às bases populacionais, e a predominância do poder executivo nos processos.

Para a conclusão, a autora compara os modelos discutidos. Nenhum dos modelos possui um equilíbrio adequado entre as três dimensões consideradas básicas, como a dimensão econômico-financeira, a institucional-administrativa e a social e política. No caso do modelo da nova administração política no Brasil, o processo decisório é centralizado e não propicia o envolvimento do cidadão; prioriza as dimensões econômico-financeira e institucionaladministrativa, e é muito influenciado pela experiência estrangeira. Por outro lado, consegue bons resultados na área econômico-financeira, e possui certa clareza no que se refere à organização e gestão do aparelho do Estado.

O modelo da administração pública societal não consegue articular as três dimensões básicas, carece de uma proposta nova para a organização do aparelho do Estado e não apresenta alternativas de gestão coerentes com o seu projeto político. Entretanto, tenta trabalhar um projeto de desenvolvimento que reflita os interesses nacionais e constrói instituições políticas e políticas públicas mais abertas à participação e às demandas da sociedade.

A autora sistematizou um grande volume de informações sem perder o foco nem sua preocupação com a construção de uma gestão pública democrática. O leitor, ao final da leitura, fica mais bem municiado, não apenas para enveredar no campo da pesquisa. Acima de tudo, pode se posicionar melhor como cidadão diante das práticas e propostas existentes na nossa realidade e, assim, auxiliar na reinvenção constante da administração pública brasileira, atenuando as desigualdades tão marcantes da nossa sociedade.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Dez 2014
  • Data do Fascículo
    Dez 2006
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