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Organizações híbridas

PENSATA

Professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getulio Vargas - São Paulo - SP, Brasil

Para os visitantes da Amazônia brasileira, um passeio obrigatório é o "encontro das águas", um fenômeno que acontece na confluência entre o rio Negro, de água preta, escura, e o rio Solimões, de água barrenta. Em lugar de se misturarem no ponto da junção, as águas dos dois rios correm separadas, lado a lado, por mais de 6 quilômetros. O fenômeno se deve à diferença entre a densidade, a temperatura e a velocidade das águas dos dois rios. O rio Negro corre a cerca de 2 km/h a uma temperatura de 22°C, enquanto o rio Solimões corre de 4 a 6 km/h a uma temperatura de 28°C (PREFEITURA DE MANAUS, 2007).

Nesta Pensata, argumenta-se que um fenômeno similar está ocorrendo no mundo corporativo. Desde os anos 1990, a aceleração dos processos de mudança organizacional (KANTER, STEIN E JICK, 1992; WILSON, 1992), o crescimento dos processos de fusão e aquisição (GREGORIOU e RENNEBOOG, 2007; MARKS e MIRVIS, 1998; THE ECONOMIST, 1999a; THE ECONOMIST, 1999b; VASCONCELOS, CALDAS e WOOD, 2003), e os processos de privatização, especialmente nos países emergentes (RAMAMURTI, 2000), fizeram surgir o que se poderia denominar organizações híbridas, um novo "tipo ideal" (veja LAMMERS, 1988). No Brasil, diversos casos recentes podem ter gerado organizações híbridas, tais como a aquisição do ABN-Real pelo Santander, a fusão entre o Itaú e o Unibanco, o surgimento da Fibria, resultado da união entre a Aracruz Celulose e a Votorantim Celulose e Papel, e a criação da Brazil Foods, resultado da união entre a Sadia e a Perdigão.

Neste ensaio, procura-se apresentar as organizações híbridas como configurações resultantes de processos de mudança e que conservam, por muito tempo, no mesmo locus organizacional, características estratégicas, organizacionais e culturais distintas, originárias das matrizes que a constituíram, e que podem ser, eventualmente, antagônicas. Acredita-se que, além de chamar a atenção para um fenômeno relevante e ainda pouco estudado, este trabalho traz mais três contribuições: primeiro, enriquece o conceito de organizações híbridas; segundo, revela a dinâmica que permeia o fenômeno; e terceiro, identifica as oportunidades e desafios que o fenômeno representa para pesquisadores e executivos.

O texto está estruturado da seguinte forma: na segunda seção, após esta introdução, são apresentados, com base na literatura existente, os conceitos de hibridismo e de organização híbrida, procurando estabelecer a base para a revisão e a ampliação do conceito de organização híbrida; na terceira seção, delineia-se o conceito expandido de organização híbrida, listando suas causas, manifestações e consequências; e na quarta seção, conclusão, indicam-se algumas oportunidades e desafios que o conceito apresenta para pesquisadores e executivos.

TEORIA: REVISÃO DA LITERATURA ATUAL

Nas últimas décadas, os termos 'híbrido' e 'hibridismo', cuja origem ocorreu na biologia, foram apropriados pelos campos da sociologia e dos estudos culturais, sendo o hibridismo associado a uma qualidade, um estado ou uma condição existencial (veja BHABHA, 2003; HARAWAY, 2000; BURKE, 2003; GARCIA-CANCLINI, 2003a; 2003b). O fenômeno pode também ser observado, por exemplo, na música, quando há justaposição, em um determinado estilo, de elementos de outros estilos, como no caso do jazz e da bossa nova. Nesta seção, trataremos da apropriação dos termos em estudos organizacionais.

Organizações quase governamentais e híbridos que envolvem organizações sociais

No domínio da Nova Economia Institucional, o termo 'organização híbrida' é utilizado para referir-se a híbridos que operam entre o mercado e a hierarquia (WILLIAMSON, 1985; 1991), ou arranjos que combinam contratos e entidades administrativas de forma a garantir a coordenação entre parceiros que ganham com a dependência mútua, porém precisam controlar os riscos de oportunismo (MÉNARD, 2004, p. 347). No entanto, tal abordagem refere-se a arranjos interfirmas e não propriamente a organizações, que constituem o objeto deste trabalho.

Fora desse domínio, o termo 'organização híbrida' surgiu na literatura científica nos campos da gestão pública e das organizações sem fins lucrativos, na década de 2000, relacionado a organizações que operam na interface entre o setor público e o setor privado, atendendo tanto a demandas públicas como a demandas comerciais. Segundo tal literatura, exemplos de organizações híbridas incluem universidades públicas que prestam serviços de consultoria para empresas privadas e centros de pesquisa que desenvolvem estudos para laboratórios farmacêuticos (e.g, LAMB e DAVIDSON, 2004).

O termo 'organização híbrida' também é utilizado para designar organizações que combinam características de organizações sem fins lucrativos - tais como: voluntarismo, orientação para missão e foco na criação de valor social - com características de empresas comerciais - tais como: autointeresse, orientação para o mercado e foco na criação de valor econômico (veja ANHEIER e SCHRÖER, 2008; HUDNUT, BAUER e LORENZ, 2006; KOPPELL, 2003). As empresas norte-americanas Fannie Mae e Freddie Mac são exemplos de organizações híbridas desse tipo (THE ECONOMIST, 2008).

Híbridos, hibridismo e hibridização em estudos organizacionais

Além do termo organização híbrida, a literatura científica sobre organizações tem utilizado os termos 'híbrido', 'hibridismo' e 'hibridização' de forma variada. O primeiro grupo de referências trata dos modelos de gestão e examina os efeitos da disseminação global de certos discursos e práticas de gestão, e a formação de híbridos nos países que recebem tais discursos e práticas. O segundo grupo de referências trata especificamente dos modelos de governança e examina como certos modelos se disseminam, sofrem a influência da realidade local e formam híbridos. O Quadro 1 sumariza as principais contribuições da literatura para o entendimento desses fenômenos.


Comentários sobre a literatura existente

A análise da literatura existente permite deduzir que, nas organizações, o processo de hibridização e a condição híbrida contém um forte componente de indeterminação, pois pode desestabilizar os referenciais existentes e turvar as distinções entre cultura local e cultura corporativa. Em empresas transnacionais, por exemplo, os esforços corporativos para impor valores e práticas podem esbarrar em respostas defensivas de executivos locais, que mesclam tais valores e práticas com seus próprios valores e práticas, gerando híbridos. Além disso, diferentes contextos institucionais e culturais - países ou regiões - podem gerar diferentes respostas e diferentes híbridos.

A formação de híbridos pode ocorrer tanto pela mescla - voluntária ou involuntária - de características de diferentes tipos de organização quanto devido a mudanças na organização (HATCH, 1997). Aprofundando esse ponto, Calás e Arias (1997) contrapõem o conceito de transformação organizacional ao de hibridização. Segundo as autoras, o discurso da transformação organizacional é próprio da perspectiva modernista, segundo a qual é possível conduzir um processo ordenado de mudança. Por outro lado, o processo de hibridização, mais próximo da perspectiva pós-modernista, pressupõe a fragmentação e a justaposição de formas.

Embora a literatura existente sobre híbridos, hibridismo, hibridização e organizações híbridas tenha gerado avanços, ela apresenta dois pontos de atenção. Primeiro, os estudos têm enfatizado a dimensão cultural e, em menor escala, a mescla de modelos de gestão. Falta, entretanto, aprofundar o entendimento de como ocorre o processo de hibridização nas organizações e como sistemas, processos e estrutura participam e são influenciados por tal processo. Segundo, os estudos que tratam de organizações híbridas as percebem como modelos contratuais específicos (caso da Nova Economia Institucional) ou como combinações entre organizações comerciais, organizações públicas e organizações sem fins lucrativos. Com isso, deixam de aplicar o conceito a uma ampla gama de organizações, que também tem caráter híbrido, e não se encaixam nessas categorias. Estudos sobre organizações híbridas poderiam tratar diversas outras questões. Por exemplo: o que dá origem a uma organização híbrida? Como o hibridismo se manifesta? Quais as implicações para a prática gerencial? Afinal, o que é uma organização híbrida? Este trabalho endereçará tais questões em seguida.

DISCUSSÃO: DIREÇÕES PARA UMA NOVA DEFINIÇÃO

Até este ponto do texto, foram apresentados os conceitos de hibridismo, hibridização e organização híbrida, e foram discutidos os limites do último conceito mencionado. Nesta seção, procuraremos ampliar a compreensão do fenômeno das organizações híbridas, "especulando" sobre suas causas, manifestações e consequências.

Causas para o processo de hibridização e para o surgimento das organizações híbridas

Mudanças relacionadas à globalização encontram-se entre as causas do processo de hibridização do surgimento das organizações híbridas. Entre tais mudanças, destacamos: primeiro, os limites experimentados pelo Estado no atendimento da população, que deu origem ao surgimento e proliferação das organizações sem fins lucrativos (SALAMON, 1994); segundo, a liberação dos mercados nacionais, que aumentou a competição, provocando processos de privatização (RAMAMURTI, 2000), processos de consolidação industrial (fusões e aquisições), e processos de mudança organizacional, inclusive mudanças radicais (GREGORIOU e RENNEBOOG, 2007; VASCONCELOS, CALDAS e WOOD JR, 2004); e terceiro, o crescimento dos mercados de capital, acompanhado por processos de abertura de capital nas empresas, os quais implicaram, frequentemente, grandes mudanças nos modelos de governança e de gestão, especialmente em empresas familiares (BHATTACHARYA e RAVIKUMAR, 2001; EHRHARDT e NOWALK, 2003).

Tais mudanças puderam ser testemunhadas, com nitidez, nos países em desenvolvimento, que experimentaram uma rápida transição para a economia de mercado (por exemplo, nos países do leste europeu) ou um rápido processo de abertura de mercado (por exemplo, nos países da América Latina) (BAUMANN, 2002). Pode-se arguir que todos os processos mencionados - surgimento de organizações sem fins lucrativos, privatizações, fusões e aquisições, mudança organizacional ou abertura de capital - podem gerar híbridos, embora não se possa afirmar que haja relação de causalidade absoluta.

Manifestações do fenômeno do hibridismo

As fontes compiladas e comentadas na seção sobre a teoria existente fornecem indicações sobre as manifestações do fenômeno do hibridismo nas organizações. No entanto, devemos ampliar essa base, de forma a considerar grandes processos de transformação organizacional ocorridos no Brasil, tais como, por exemplo: as privatizações dos sistemas de telefonia e eletricidade; os esforços de modernização e profissionalização dos grandes grupos privados nacionais; e os processos de fusão e aquisição.

Advogamos, a partir da análise dessa base ampliada, que o fenômeno do hibridismo pode ser observado em quatro dimensões principais: a dos sistemas de governança; a da estrutura e da segregação especial; a dos processos e sistemas; e a do discurso, da cultura e da identidade. Vejamos uma a uma.

A primeira dimensão é a dos sistemas de governança. A condição híbrida de governança é observável nos exemplos citados por Lamb e Davidson (2004) e por Anheier e Schöer (2008), isto é, universidades públicas que prestam serviços de consultoria para empresas privadas e centros de pesquisa que desenvolvem estudos para laboratórios farmacêuticos. A condição híbrida de governança pode também ser observada nas organizações que combinam características de organizações sem fins lucrativos com características de empresas comerciais.

A segunda dimensão é a da estrutura e da segregação espacial. Com base na observação de numerosos projetos de consultoria e estudos de caso, pode-se deduzir que o hibridismo manifesta-se também por meio da convivência de partes de diferentes origens. Nas empresas que resultaram de processos de privatização, por exemplo, é comum ter setores oriundos diretamente da empresa estatal que deu origem à nova organização, enquanto novas áreas foram criadas a partir da contratação de profissionais do mercado.

A terceira dimensão é a dos processos e sistemas. Também com base na observação de casos, pode-se arguir que o hibridismo manifesta-se pela justaposição de processos e sistemas. Um processo de mudança que costuma gerar híbridos são as implantações de sistemas integrados de gestão empresarial (Enterprise Resource Planning - ERPs). Tais implantações comumente implicam a adoção, por parte das empresas, de fluxos padronizados para seus principais processos de trabalho. Entretanto, por restrições de tempo, resistências internas ou peculiaridades das empresas, nem sempre a adequação é perfeita (WOOD JR. e CALDAS, 2001). Com isso, o resultado do trabalho de implantação costuma ser a convivência do novo sistema, e seus novos processos, com os processos e sistemas legados, os quais são operados em paralelo e, eventualmente, geram informações e resultados diferentes.

A quarta dimensão é a do discurso, da cultura e da identidade. Essa quarta dimensão está, provavelmente, entre as mais pesquisadas em estudos organizacionais. Trabalhos no campo tratam de disputas retóricas (HARDY e PHILLIPS, 1999; MAGUIRE e HARDY, 2006), múltiplas identidades (FOREMAN e WHETTEN, 2002; HOFESTEDE, 1980; PRATT e FOREMAN, 2000) e diversidade cultural (GIOIA, SCHULTZ e CORLEY, 2000; HAMPDEN-TURNER e TROMPENAARS, 1998). Em suma, também nessa quarta dimensão devemos aceitar a possibilidade da convivência de diferentes corpora (de discursos, de cultura ou de identidade) em um mesmo corpus organizacional.

Consequências da condição de hibridismo

É intuitivo perceber na situação de hibridismo um desafio para a gestão. Entretanto, para melhor compreender as consequências, é conveniente a adoção de um modelo conceitual simplificado. Tal modelo, representado pela Figura 1, registra uma situação hipotética ideal, na qual duas organizações, com características diferentes, se fundem, dando origem a uma suposta organização híbrida. O eixo vertical registra o grau de saliência da empresa 1. O eixo horizontal representa o grau de saliência da empresa 2. A saliência refere-se às dimensões listadas anteriormente: sistema de governança; estrutura e segregação especial; processos e sistemas; e discurso, cultura e identidade.


Convivência amigável

Na célula (3) temos a condição na qual as duas empresas apresentam baixa saliência, ou seja, nenhuma delas é capaz de oferecer características fortes ou dominantes. Em tal condição, as características individuais poderão permanecer por algum tempo, mantendo-se a condição híbrida, até que alguma iniciativa altere o equilíbrio ou imponha novas características.

Em condições próximas à representada pela célula (3), de fraca saliência, deduz-se que ocorre uma acomodação de parte a parte, caso não haja força externa para a mudança. Dessa forma, poderão conviver, por um período indeterminado de tempo, modelos, sistemas e culturas diferentes. Isso poderá implicar barreiras para gerar economias de escala e escopo, uma vez que sistemas e procedimentos estarão duplicados, e exigirá da alta gestão capacidade adicional de coordenação, especialmente nos processos de definição de agenda e de tomada de decisão.

Dominação e submissão

Nas células (2) e (4) há uma condição diferente, na qual uma das empresas apresenta alta saliência, em detrimento da outra, que apresenta baixa saliência. Nesses dois casos, pode-se supor que haverá uma dinâmica que envolve dominação e submissão, ou seja, uma empresa procurará impor suas características sobre a outra.

Em condições próximas das descritas nas células (2) e (4), de combinação entre forte e fraca saliência, deduz-se que uma organização (de forte saliência) tenderá a impor suas características sobre a outra organização (de baixa saliência). Tal contexto provavelmente será permeado por tensões e conflitos, entre a perspectiva dominante e a perspectiva não dominante, com consequências tais como a deterioração do clima organizacional, o surgimento de resistências, aumento do cinismo organizacional, maior incidência de casos de incivilidade organizacional, e impactos negativos sobre o absenteísmo, a rotatividade da mão de obra e a produtividade.

Multiplicidade ou conflito

A célula (1) contém a condição híbrida por excelência, ou o contexto no qual a condição híbrida pode permanecer por mais tempo. Em tal contexto, ambas as organizações apresentam características com alta saliência.

Em condições próximas das descritas na célula (1), de forte saliência, deduz-se que poderá haver situações de enfrentamento, com grau variado de conflito, cada organização procurando estabelecer a sua característica como dominante ou, ao menos, procurando defender seu território. Arguimos que tal contexto soma os desafios dos dois anteriores, pois envolve tanto a tendência de permanência das características associadas às organizações presentes como tentativas permanentes de dominação por uma parte ou outra.

CONCLUSÃO

A longo deste texto, buscou-se ampliar a percepção sobre o conceito de organizações híbridas. Para atingir tal objetivo, foi sumarizada e analisada a literatura existente e buscou-se delinear o fenômeno. Nesta última seção, são comentadas questões adicionais. São ainda retomadas as contribuições do texto, identificadas suas limitações e realizadas indicações para futuras pesquisas.

Questões adicionais

Conforme mencionado anteriormente, este texto focalizou as causas, manifestações e consequências do fenômeno das organizações híbridas. Por outro lado, não se podem deixar de mencionar duas questões relevantes, que por escolha de escopo não foram tratadas: primeiro, afinal, não serão todas as organizações potencialmente híbridas, adquirindo tal característica ao menos por um certo período de sua existência? E segundo, que condições levariam as organizações a perder ou amenizar o seu caráter híbrido?

Quanto à primeira questão, a resposta inicial é sim, ao menos para as organizações que atingem certo grau de complexidade. Afinal, toda organização que se reestrutura, se expande regional ou internacionalmente, adquire ou é adquirida por outra, torna-se, em algum grau, híbrida. Porém, há de se considerar que o que torna o hibridismo um fenômeno relevante não é sua simples existência, porém o fato de ocorrer em tal grau que gere interferências ou impactos significativos sobre a gestão. Portanto, pode-se sugerir que todas as organizações complexas são híbridas, porém nem todas experimentam tal característica em grau relevante.

Quanto à segunda questão, deve-se aceitar que a resposta exigiria pesquisa adicional, podendo, inclusive, ser tema de um estudo empírico. No entanto, algumas considerações preliminares podem ser feitas. Assim como o rio Negro acaba por se misturar com o rio Solimões, as organizações também podem, com o tempo, perder, ou ver reduzido, seu caráter híbrido. Tal processo pode ocorrer, por exemplo, pela contínua ação gerencial de fomento de uma maior uniformidade em termos de sistemas, estruturas ou até mesmo posturas e comportamentos. Significativamente, a retórica gerencial contemporânea está povoada por termos tais como "cultura forte", "DNA corporativo" e "identidade forte". A popularidade desses termos indica uma busca sistemática da homogeneização (e, portanto, uma força contrária à hibridização). Portanto, pode-se sugerir que a ação gerencial consciente, por meio do uso da retórica e dos meios usuais de gestão e controle (por exemplo: contratação, demissão, punição e recompensa) constitui um vetor de redução do grau de hibridismo.

Contribuições para a teoria e para a prática

Conforme registrado na seção introdutória, este texto apresenta algumas contribuições para estudos organizacionais: ele chama a atenção para um fenômeno relevante e ainda pouco tratado, revê e amplia o conceito de organizações híbridas e revela a dinâmica que permeia o fenômeno.

Para pesquisadores, em especial para aqueles que estiverem interessados em processos de mudança organizacional, a adoção do conceito ampliado de organização híbrida poderá abrir novas trilhas de estudos. Tais trilhas poderiam incluir, entre outras, as seguintes possibilidades: primeiro, o estudo comparativo de sistemas de governança que possam acomodar a condição híbrida de determinadas organizações; segundo, o estudo das condições e dos efeitos da convivência entre grupos de diferentes origens dentro da organização; terceiro, o estudo do impacto da hibridização relacionada à existência de processos e sistemas de diferentes origens em um mesmo ambiente organizacional, por exemplo, os efeitos sobre a organização do trabalho e os processos de tomada de decisão; e quarto, o estudo da dimensão do discurso, da cultura e da identidade em ambientes híbridos.

Quanto aos executivos, o conceito pode ser útil se aplicado aos processos de fusões e aquisições, privatizações e mudanças organizacionais. O reconhecimento da condição híbrida e das organizações híbridas traz desafios adicionais para a condução de processos de intervenção de grande amplitude. Primeiro, é preciso enfatizar o conhecimento da história da organização, ou das organizações envolvidas. É importante identificar a origem, os principais marcos de desenvolvimento e os eventos críticos. Esse conhecimento permite compreender a dinâmica que permeou a formação dos híbridos. Segundo, devem-se identificar os grupos presentes na organização, assim como seus respectivos espaços físicos. Esse mapeamento destina-se a entender motivos e ações e, assim, poder definir a melhor estratégia de intervenção. Terceiro, devem-se identificar as manifestações de hibridismo, tanto em relação a artefatos objetivos - modelos, processos, sistemas e procedimentos - quanto a artefatos subjetivos - cultura organizacional, identidade organizacional e discursos. Tal identificação deve ser acompanhada pela avaliação dos respectivos graus de saliência. Quarto, é recomendável identificar os principais pontos de tensão e de conflito originados pela presença de híbridos. Ambos devem ser considerados. Quinto, deve-se estabelecer a estratégia de intervenção. Tal estratégia deve considerar os resultados dos passos anteriores e uma avaliação do grau de saliência das características.

Limitações e futuras pesquisas

O caráter de ensaio deste texto implica duas limitações que poderão originar pesquisas adicionais. A primeira limitação refere-se ao modelo proposto (Figura 1), o qual, ainda que sirva aos propósitos didáticos do ensaio, apresenta um quadro estático e bipolar do fenômeno estudado (com apenas duas organizações). O processo de hibridização é dinâmico e intrincado, podendo facilmente escapar aos olhos do observador. Portanto, futuras pesquisas deverão procurar captar tal dinâmica.

A segunda limitação refere-se à base empírica. Futuras pesquisas deverão envolver estudos de casos. Poderá ser utilizado, para isso, um modelo de grounded theory (Eisenhardt, 1989), de forma a identificar padrões mais gerais e ampliar a compreensão do fenômeno. Finalmente, deve-se registrar a expectativa usual de que este ensaio seja visto como convite a futuros desenvolvimentos relacionados ao tema das organizações híbridas.

NOTA DE AGRADECIMENTO

Este trabalho beneficiou-se dos estudos de Ruth Steuer sobre hibridismo na cultura, do desenvolvimento do conceito de identidade legada e sua dinâmica, originalmente concebido por Miguel P. Caldas, e dos comentários de avaliadores anônimos.

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  • Organizações híbridas

    Thomaz Wood Jr.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jun 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010
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