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AGENCIADOS PELO DESEJO: O CONSUMO PRODUTIVO DOS POTTERHEADS

Mediados por el deseo: El consumo productivo de los potterheads

RESUMO

A saga Harry Potter tornou-se um dos produtos culturais de maior impacto do século XXI. Seus fãs, chamados potterheads, relacionam-se em um espaço social conhecido como fandom. Suas práticas pautam-se na apropriação do texto cultural, num processo de consumo produtivo, em meio a um contexto de cultura participativa. Assumindo o desejo do ponto de vista da teoria deleuziana do agenciamento, em que tal conceito é apresentado como um fluxo de energia produtiva, articulada por meio de uma força coletiva, o presente trabalho teve por objetivo compreender como o consumo produtivo dos potterheads é agenciado pelo desejo. Para tal, exploramos dados multifocais referentes a práticas dos potterheads disponíveis em plataformas digitais, por meio da análise de discurso foucaultiana. Nossos resultados revelam que o agenciamento de desejos dos potterheads mantém seu vínculo com o universo canônico da saga, como forma de manutenção dessa identidade e de segurança na transição para a vida adulta, o que ocorre por meio das relações no fandom e na busca de uma legitimidade social mais ampla. A contribuição teórica da pesquisa evidencia-se na adoção da noção deleuziana de desejo como lente para se compreender a ação coletiva de consumidores em contextos culturais de prática.

PALAVRAS-CHAVE
Potterheads; prossumo; desejo; agenciamento; Deleuze

RESUMEN

La saga Harry Potter se convirtió en uno de los productos culturales de mayor impacto del siglo XXI. Sus fanes, llamados potterheads, se relacionan en un espacio social conocido como fandom. Sus prácticas se basan en la apropiación del texto cultural, en un proceso de consumo productivo, en medio de un contexto de cultura participativa. Al asumir el deseo del punto de vista de la teoría deleuziana de la mediación, en que tal concepto se presenta como un flujo de energía productiva, articulada por medio de una fuerza colectiva, el presente trabajo tuvo por objetivo comprender cómo el consumo productivo de los potterheads es mediado por el deseo. Para tal, exploramos datos multifocales referentes a prácticas de los potterheads disponibles en plataformas digitales, por medio del análisis de discurso foucaultiano. Nuestros resultados revelan que la mediación de deseos de los potterheads mantiene su vínculo con el universo canónico de la saga, como forma de mantenimiento de esa identidad y de seguridad en la transición a la vida adulta, lo que ocurre por medio de las relaciones en el fandom y en la búsqueda de una legitimidad social más amplia. La contribución teórica de la investigación se evidencia en la adopción de la noción deleuziana de deseo como lente para comprender la acción colectiva de consumidores en contextos culturales de práctica.

PALABRAS CLAVE
Potterheads; prosumo; deseo; mediación; Deleuze

ABSTRACT

The Harry Potter saga became one of the cultural products with a major impact on the twenty-first century. Its fans, called potterheads, relate in a social space known as fandom. Their practices are based on the appropriation of the cultural text in a productive consumption process within a context of participatory culture. Assuming desire from the perspective of Deleuzian assemblage theory, which presents this concept as a flow of productive energy that is articulated through a collective force, this study aimed to understand how potterheads' productive consumption is assemblaged by desire. We therefore explored multifocal data concerning practices of potterheads available on digital platforms using Foucauldian Discourse Analysis. Our results revealed that potterheads' desire assemblage maintains their bond with the canonical universe of the saga, as a way of maintaining identity and security in the transition to adult life, through relationships in the fandom and in pursuit of broader social legitimacy. The study contributes theoretically by adopting the Deleuzian notion of desire as a lens to understand the collective action of consumers in cultural contexts of practice.

KEYWORDS
Potterheads; prosumption; desire; assemblage; Deleuze

INTRODUÇÃO

A indústria do entretenimento tem sido uma das de maior crescimento global nos últimos anos, sendo o Brasil um dos mercados mais promissores nesse cenário (International Trade Administration, 2016International Trade Administration. (2016, October). Top markets report: Media and entertainment: A market assessment tool for U.S. exporters. U.S. Department of Commerce. Recuperado de http://trade.gov/topmarkets/pdf/Media_and_Entertainment_Top_Markets_Report.pdf
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). Um dos produtos de maior êxito dessa indústria é a saga Harry Potter, sendo a série literária infantojuvenil mais vendida no mundo na primeira década do século XXI e uma das sagas de maior sucesso na história do cinema. A narrativa desenrolou-se em sete volumes, foi produzida no decorrer de 17 anos e traduzida para mais de 60 idiomas, sendo largamente consumida pelas famílias ocidentais. A obra revolucionou as regras do segmento, destacando-se como best-seller em vários países e tornando a saga Harry Potter um dos mais poderosos textos culturais contemporâneos (Brown & Patterson, 2009Brown, S., & Patterson, A. (2009). Harry Potter and the service-dominant logic of marketing: A cautionary tale. Journal of Marketing Management, 25(5-6), 519-533. doi:10.1362/026725709X461830
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, 2010Brown, S. , & Patterson, A. (2010). Selling stories: Harry Potter and the marketing plot. Psyvhology & Marketing, 27(6), 541-556. doi:10.1002/mar.20343
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).

Os produtos culturais propiciam aos seus fãs, como consumidores particulares, matérias-primas sobre as quais são construídas identidades (Guschwan, 2012Guschwan, M. (2012). Fandom, brandom and the limits of participatory culture. Journal of Consumer Culture, 12(1), 19-40. doi:10.1177/1469540512438154
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). Por meio do alto envolvimento com os produtos e de uma troca intensiva no interior de comunidades, significados e valores são produzidos por e para seus membros (Boulaire & Cova, 2013Boulaire, C., & Cova, B. (2013). The dynamics and trajectory of creative consumption practices as revealed by the postmodern game of geocaching. Consumption Markets & Culture, 16(1), 1-24. doi:10.1080/10253866.2012.659434
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) e novos modos de sociabilidades são gerados, legitimando uma forma de existência em que afinidades e relacionamentos mantêm diversão, produção e agência, dentro e fora do fandom - nome atribuído ao espaço social em que essas atividades acontecem (Lee, 2011Lee, H. (2011). Participatory media fandom: A case study of anime fansubbing. Media, Culture & Society, 33(8), 1131-1147. doi:10.1177/0163443711418271
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).

Jenkins (2009)Jenkins, H. (2009). Cultura da convergência: A colisão entre os velhos e os novos meios de comunicação. São Paulo, SP: Aleph. argumenta que a rede de relações estabelecida entre fãs da cultura pop, produtores culturais e tecnologias se dá por meio de um tipo de construção colaborativa relacionada ao consumo de um produto cultural, que se estabelece global e democraticamente, em um comportamento próprio da cultura participativa. Assim, fãs consomem produzindo, mudando os modos como os produtos culturais foram até então produzidos, distribuídos e consumidos.

O consumidor produtivo tem sido entendido à luz de um processo simultâneo de produção e consumo e, assim, denominado prossumidor (Cova & Cova, 2012Cova, B., & Cova, V. (2012). On the road to prosumption: Marketing discourse and the development of consumer competencies. Consumption Markets & Culture, 15(2), 149-168. doi:10.1080/10253866.2012.654956
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; Dujarier, 2016Dujarier, M. A. (2016). The three sociological types of consumer work. Journal of Consumer Culture, 16(2), 555-571. doi:10.1177/1469540514528198
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; Eden, 2015Eden, S. (2015). Blurring the boundaries: Prosumption, circularity and online sustainable consumption through Freecycle. Journal of Consumer Culture, 17(2), 265-285. doi:10.1177/1469540515586871
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; Ritzer, 2013Ritzer, G. (2013). Prosumption: Evolution, revolution, or eternal return of the same? Journal of Consumer Culture, 14(1), 3-24. doi:10.1177/1469540513509641
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, 2015Ritzer, G. (2015). Prosumer capitalism. The Sociological Quarterly, 56(3), 413-445. doi:10.1111/tsq.12105
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). Em estreita relação com comunidades e com produtores, prossumidores cocriam significados e valores que beneficiam a si mesmos e, em decorrência, podem vir a agregar valor aos produtos e marcas (Anderson, Hamilton, & Tonner, 2016Anderson, S., Hamilton, K., & Tonner, A. (2016). Social labour: Exploring work in consumption. Marketing Theory, 16(3), 383-400. doi:10.1177/1470593116640598.
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; Kähr, Nyffenegger, Krohmer, & Hoyer, 2016Kähr, A., Nyffenegger, B., Krohmer, H., & Hoyer, W. D. (2016). When hostile consumers wreak havoc on your brand: The phenomenon of consumer brand sabotage. Journal of Marketing, 80(3), 25-41. doi:10.1509/jm.15.0006
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; Troye & Supphellen, 2012Troye, S. V., & Supphellen, M. (2012). Consumer participation in coproduction: 'I made it myself"Effects on consumers' sensory perceptions and evaluations of outcome and input product. Journal of Marketing, 76(2), 33-46. doi:10.1509/jm.10.0205
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). Assim, alguns autores avaliam que práticas de consumidores podem reforçar ou desestabilizar identidades de marca, afastando ou promovendo sua audiência (Parmentier & Ficher, 2015Parmentier, M., & Ficher, E. (2015). Things fall apart: The dynamics of brand audience dissipation. Journal of Consumer Research, 41(5), 1228-1251. doi:10.1086/678907
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; Pongsakornrungsilp & Schroeder, 2011Pongsakornrungsilp, S., & Schroeder, J. E. (2011). Understanding value co-creation in a co-consuming brand community. Marketing Theory, 11(3), 303-324. doi:10.1177/1470593111408178
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). Especificamente em relação ao fã, esse comportamento é perpassado pela sua relação de afeto com o produto cultural, em que o consumidor age de maneira apaixonada, militante, criativa e colaborativa (Jenkins, 2009Jenkins, H. (2009). Cultura da convergência: A colisão entre os velhos e os novos meios de comunicação. São Paulo, SP: Aleph.).

Mas o que impulsiona e mantém tão forte o vínculo entre fãs e produtos culturais? O que move o comportamento dos potterheads em sua articulação global e colaborativa? Apoiamo-nos em Belk, Ger e Askegaard (2003)Belk, R. W., Ger, G., & Askegaard, S. (2003). The fire of desire: A multisited inquiry into consumer passion. Journal of Consumer Research, 30(3), 326-351. doi:10.1086/378613
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para argumentar que esse se trata de um consumo apaixonado, que está centrado no desejo, aqui entendido não necessariamente como consumo hedônico, estético ou de alto envolvimento, mas concernente à experiência de aspiração em relação a variações na vontade e na habilidade de controlar desejos que envolvam objetos e estados de paixão. Embasada no pensamento deleuziano, Ruckenstein (2015)Ruckenstein, M. (2015). Playing Nintendogs: Desire, distributed agency and potentials of prosumption. Journal of Consumer Culture, 15(3), 351-370. doi:10.1177/1469540513499225
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salienta a contribuição do entendimento de desejo como estabelecido nas relações e não enraizado na falta - como comumente é tratado na pesquisa do consumidor -, argumentando que, em uma cultura participativa e do ponto de vista das práticas de prossumidores, o desejo se configura e se estabelece nos fluxos dos movimentos entre pessoas, produtos e mercado, tornando-se uma espécie de "cola" que permeia e energiza as relações de reconhecimento e envolvimento produzidas. Nessa mesma linha, Kozinets, Patterson e Ashman (2016)Kozinets, R. V. , Patterson, A., & Ashman, R. (2016). Networks of desire: How technology increases our passion to consume. Journal of Consumer Research, 43(5), 659-682. doi: 10.1093/jcr/ucw061.
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argumentam que a noção deleuziana de desejo se revela como um fluxo de energia produtiva, articulada por meio de uma força coletiva, que se mostra alinhada ao entedimento de comportamentos socioculturais estabelecidos virtualmente. Deleuze e Guattari (2010)Deleuze, G., & Guattari, F. (2010). O anti-Édipo: Capitalismo e esquizofrenia. São Paulo, SP: 34. entendem o ser humano como máquinas desejantes. Para os autores, o desejo é algo imanente e que quer ser experimentado. Por isso, desejar é sempre construir um agenciamento; é uma produção investida no campo social.

Assim, a partir do entendimento de que o desejo seja um aspecto capaz de clarificar a dinâmica processual do consumo produtivo e tendo como fundamento teórico a concepção deleuziana de desejo, assumimos que os potterheads, ao interagirem em seu fandom, constituem um agenciamento desejoso. Com base nisso, nossa questão de pesquisa assim se apresenta: Como o consumo produtivo dos potterheads é agenciado pelo desejo?

Brown e Patterson (2010)Brown, S. , & Patterson, A. (2010). Selling stories: Harry Potter and the marketing plot. Psyvhology & Marketing, 27(6), 541-556. doi:10.1002/mar.20343
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destacam o potencial do universo da saga Harry Potter para investigação empírica do conceito de desejo. Ao buscar entender como essa força atua nos espaços sociais, pretendemos ampliar seu entendimento no campo da Consumer Culture Theory (CCT), uma vez que este é um conceito fundamental na pesquisa do consumidor. O apoio no pensamento deleuziano, por sua vez, favorece o pluralismo de visões teóricas da área, sobretudo por se tratar de um aporte teórico que desloca o entendimento do desejo como algo experimentado individualmente para sua concepção como prática coletiva.

O FÃ COMO CONSUMIDOR PRODUTIVO EM COMUNIDADES DE MARCAS

O fã tem se tornado uma identidade social em expansão, o que pode ser explicado pela combinação do crescimento da indústria da mídia e do entretenimento, ocorrido desde a segunda metade do século passado, com o relativamente recente advento das tecnologias digitais (Jenkins, 2006Jenkins, H. (2006). Fans, bloggers, and gamers: Exploring participatory culture. New York, USA: NYU Press.). Em noções amplamente aceitas desde o início da década de 1990, período em que fãs começaram a se tornar interesse da academia, Fiske (1992)Fiske, J. (1992). The cultural economy of fandom. In L. A. Lewis (Ed.), The adoring audience: Fan culture and popular media (pp. 30-49). London, UK: Routledge. estabelece que o fã é, simultaneamente, usuário e produtor ativo de capital cultural, o que ocorre por meio de sua relação com produtos da cultura pop. Nessa mesma linha, Jenkins (1992)Jenkins, H. (1992). Textual poachers: Television fans and participatory culture. New York, USA: Routledge. argumenta que fãs são leitores que escrevem; espectadores que participam; consumidores que produzem. O entendimento de que fãs são ativos tem sido amplamente adotado, sobretudo em função do interesse em analisá-los no contexto da chamada Web 2.0, cuja lógica potencializa a participação dos seus usuários (Bennett, 2014Bennett, L. (2014). Tracing textual poachers: Reflections on the development of fan studies and digital fandom. Journal of Fandom Studies, 2(1), 5-20. doi:10.1386/jfs.2.1.5_1
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; Hills, 2013Hills, M. (2013). Fiske's 'textual productivity' and digital fandom: Web 2.0 democratization versus fan distinction? Participations, 10(1), 130-153.; Pearson, 2010Pearson, R. (2010). Fandom in the digital era. Popular Communication, 8(1), 84-95. doi:10.1080/15405700903502346
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).

Numa perspectiva da pesquisa do consumidor, o fã pode ser compreendido sob a lógica do consumo produtivo, que tem sido tratado sob a noção de prossumo, termo que enfatiza o entendimento da indefinição dos limites existentes entre as práticas de produção e consumo (Eden, 2015Eden, S. (2015). Blurring the boundaries: Prosumption, circularity and online sustainable consumption through Freecycle. Journal of Consumer Culture, 17(2), 265-285. doi:10.1177/1469540515586871
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; Ritzer, Dean, & Jurgenson, 2012Ritzer, G., Dean, O., & Jurgenson, N. (2012). The coming of age of the prosumer. American Behavioral Scientist, 56(4), 379-398. doi:10.1177/0002764211429368
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). Nesse entendimento, o prossumidor assume uma proporção crescente de tarefas em seu consumo, tradicionalmente consideradas de produção (Ellsworth-Krebs & Reid, 2016Ellsworth-Krebs, K., & Reid, L. (2016). Conceptualising energy prosumption: Exploring energy production, consumption and microgeneration in Scotland, UK. Environment and Planning A, 48(10), 1988-2005. doi:10.1177/0308518X16649182.
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; Ritzer, 2010Ritzer, G. (2010). Focusing on the prosumer: On correcting an error in the history of social theory. In B. Blättel-Mink, & K.-U., Hellmann (Eds.), Prosumer revisited: Zur aktualität einer debatte (pp. 61-79). Berlin, Spain: VS Verlag für Sozialwissenschaften.). Muito se tem enfatizado o papel do prossumidor como responsável por trabalho, apropriado pelo produtor, na produção dos produtos e serviços que consome (Dujarier, 2016Dujarier, M. A. (2016). The three sociological types of consumer work. Journal of Consumer Culture, 16(2), 555-571. doi:10.1177/1469540514528198
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; Rieder & Voß, 2010Rieder, K., & Voß, G. G. (2010). The working customer: An emerging new type of consumer. Journal Psychology of Everyday Activity, 3(2), 2-10.; Ritzer, 2015Ritzer, G. (2015). Prosumer capitalism. The Sociological Quarterly, 56(3), 413-445. doi:10.1111/tsq.12105
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). Entretanto, Ritzer e Jurgenson (2010) argumentam que, enquanto isso bem pode ser verdade quando se pensa na prestação de serviços tradicionais, em que a participação de prossumidores é compulsória, previamente definida e, em grande parte, controlada pelo produtor, o mesmo não poderia ser dito no contexto de novas formas de prossumo associadas à Web 2.0, já que, nesses casos, a participação de prossumidores é voluntária, desejada e de difícil controle.

Nesse sentido, Ruckestein (2015)Ruckenstein, M. (2015). Playing Nintendogs: Desire, distributed agency and potentials of prosumption. Journal of Consumer Culture, 15(3), 351-370. doi:10.1177/1469540513499225
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argumenta que a ênfase sobre tal processo se tornou mais evidente em meio a relações sociais cada vez mais afetadas e moldadas por tecnologias digitais, em que uma cultura participativa se instaurou e promoveu novos modos de interações e colaborações. A internet tornou-se uma plataforma amplamente utilizada por consumidores para desenvolverem coletivamente conhecimentos sobre determinado produto e para se relacionarem entre si e com produtores (Cova & Cova, 2012Cova, B., & Cova, V. (2012). On the road to prosumption: Marketing discourse and the development of consumer competencies. Consumption Markets & Culture, 15(2), 149-168. doi:10.1080/10253866.2012.654956
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).

Jenkins (1992Jenkins, H. (1992). Textual poachers: Television fans and participatory culture. New York, USA: Routledge., 2006)Jenkins, H. (2006). Fans, bloggers, and gamers: Exploring participatory culture. New York, USA: NYU Press. argumenta que fãs compartilham e trocam conhecimento ativamente, estabelecendo uma inteligência coletiva em torno de produtos culturais por meio dos quais constituem comunidades conhecidas como fandoms. Como qualquer formação cultural, o fandom estabelece suas próprias regras (Schreyer, 2015Schreyer, C. (2015). The digital fandom of Na'vi speakers. In L. Bennett & P. J. Booth (Eds), Performance and Performativity in Fandom. Transformative Works and Cultures, (18). doi:10.3983/twc.2015.0610.
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) e propicia aos seus integrantes a possibilidade de estabelecerem um senso de união e coesão (Hewer, Gannon, & Cordina, 2015Hewer, P., Gannon, M., & Cordina, R. (2015). Discordant fandom and global football brands: 'Let the people sing'. Journal of Consumer Culture, 17(3), 600-619. doi:10.1177/1469540515611199
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), bem como um modelo de prática cultural (Johnston, 2015Johnston, J. E. (2015). Doctor Who-themed weddings and the performance of fandom. In L. Bennett & P. J. Booth (Eds.), Performance and Performativity in Fandom. Transformative Works and Cultures, (18). doi:10.3983/twc.2015.0637.
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). Assim, é entendido como um espaço por meio dos qual identidades são constituídas (Porat, 2010Porat, A. B. (2010). Football fandom: A bounded identification. Soccer & Society, 11(3), 277-290.; Seregina & Schouten, 2016Seregina, A., & Schouten, J. W. (2016). Resolving identity ambiguity through transcending fandom. Consumption Markets & Culture, 20(2), 107-130. doi:10.1080/10253866.2016.1189417
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) e significados são criados (Jenkins, 2006Jenkins, H. (2006). Fans, bloggers, and gamers: Exploring participatory culture. New York, USA: NYU Press.).

Uma vez que esse processo se dá por meio de uma prática associada ao consumo, comunidades de fãs têm obtido um crescente interesse no campo da CCT (Cristofari & Guitton, 2016Cristofari, C., & Guitton, M. J. (2016). Aca-fans and fan communities: An operative framework. Journal of Consumer Culture, 17(3), 713-731. doi:10.1177/1469540515623608
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), sobretudo a partir de seu entendimento como comunidades de marcas (Muniz & O'Guinn, 2001Muniz, A. M., & O'Guinn, T. C. (2001). Brand community. Journal of Consumer Research, 27(4), 412-432. doi:10.1086/319618
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). O fandom pode ser entendido como um meio pelo qual fãs interagem com as marcas (Jenkins, 2009Jenkins, H. (2009). Cultura da convergência: A colisão entre os velhos e os novos meios de comunicação. São Paulo, SP: Aleph., 2014Jenkins, H. (2014). Rethinking "rethinking convergence/culture". Cultural Studies, 28(2), 267-297. doi:10.1080/09502386.2013.801579.
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) ou mesmo uma forma negociada do compartilhamento da posse de marcas (McCulloch, 2013McCulloch, R. (2013). Of proprietors and poachers: Fandom as negotiated brand ownership. Participations - Journal of Audience & Reception Studies, 10(1), 319-328.). Robert Kozinets (2014)Kozinets, R. V. (2014). Retrobrands and retromarketing. Spreadable Media Web Exclusive Essays. Recuperado de http://spreadablemedia.org/essays/kozinets/#.VcTHzvlViko
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tem proposto, com base na relação de fãs com franquias de produtos midiáticos, a noção de brand fandom (Brown, Kozinets, & Sherry, 2003Brown, S., Kozinets, R. V., & Sherry, J. F., Jr. (2003). Sell me the old, old story: Retromarketing management and the art of brand revival. Journal of Customer Behavior, 2(2), 133-147.; Cova, Kozinetz, & Shankar, 2007Cova, B. , Kozinets, R. V., & Shankar, A. (2007). Tribes, Inc.: The new world of tribalism. In B. Cova, R. V. Kozinets, & A. Shankar (Eds.), Consumer tribes (pp. 1-26). New York, USA: Butterworth-Heinemann.). Para o autor (Kozinets, 2014Kozinets, R. V. (2014). Retrobrands and retromarketing. Spreadable Media Web Exclusive Essays. Recuperado de http://spreadablemedia.org/essays/kozinets/#.VcTHzvlViko
http://spreadablemedia.org/essays/kozine...
), é graças a uma base de fãs - e não de consumidores convencionais - que marcas de franquias de produtos midiáticos podem ser revitalizadas ou mesmo relançadas com êxito.

Schau, Muniz e Arnould (2009)Schau, H. J., Muñiz, A. M., & Arnould, E. J. (2009). How brand community practices create value. Journal of Marketing, 73(5), 30-51. doi: 10.1509/jmkg.73.5.30.
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partem da noção de práticas de consumo para entender como consumidores criam valor em comunidades de marcas, o que sugere que a observância de práticas de fãs em brand fandoms pode ser um caminho adequado para o entendimento de como eles produzem significados nessas comunidades. Duffet (2013)Duffet, M. (2013). Understanding fandom: An introduction to the study of media fan culture. London, UK: Bloomsbury Publishing. lista uma série de práticas de fãs, as quais ele classifica em três tipos: de conexão, por meio das quais fãs se ligam ao produto midiático que admiram a partir de contatos presenciais, como ocorre por meio de sessões de autógrafos e fotografias, por exemplo; de apropriação, pelas quais os fãs se apoderam do próprio conteúdo das narrativas para produzirem, a partir destas, novos conteúdos, chamados fanfictions; e de performance, que se referem a práticas derivadas dos produtos de que se é fã, que se revelam, por exemplo, na produção de conteúdos informativos sobre tais produtos, na produção de vídeos e adaptação de músicas com base nas narrativas deles e na caracterização de personagens. A essas práticas, podemos acrescentar as discussões em redes sociais (Booth & Kelly, 2013Booth, P., & Kelly, P. (2013). The changing faces of Doctor Who fandom: New fans, new technologies, old practices? Participations, 10(1), 56-72.; Gibbons & Dixon, 2010Gibbons, T., & Dixon, K. (2010). 'Surf's up!': A call to take English soccer fan interactions on the internet more seriously. Soccer & Society, 11(5), 599-613. doi:10.1080/14660970.2010.497359
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; Watson, 2010Watson, J. (2010). Fandom squared: Web 2.0 and fannish production. Transformative Works and Cultures, (5). Recuperado de http://journal.transformativeworks.org
http://journal.transformativeworks.org...
).

DESEJO COMO AGENCIAMENTO NA TEORIA DELEUZIANA

Ruckenstein (2015)Ruckenstein, M. (2015). Playing Nintendogs: Desire, distributed agency and potentials of prosumption. Journal of Consumer Culture, 15(3), 351-370. doi:10.1177/1469540513499225
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argumenta que a atividade dos prossumidores tem como sua força motora o desejo, assumindo como referência o pensamento deleuziano para indicar que o desejo deva ser entendido como relacional, produzido e alimentado continuamente nos encontros sociais, com uma intensidade cuja ação é uma espécie de cola que atua no corpo social. Nesses termos, o desejo deriva sempre de um encontro de forças, mas não aguarda esse encontro como o momento para seu exercício, e sim nele se agencia e se constrói. Assim, o desejo de prossumidores toma forma e é intensificado nas próprias práticas cotidianas dadas entre consumidores e suas relações com os produtos e o mercado.

O conceito de desejo estabeleceu-se como um dos mais adotados no campo da pesquisa do consumidor. Seu entendimento mais comumente adotado tem base na teoria psicanalítica, fundamentado na concepção de que o desejo se faz pela falta do objeto do próprio desejo, que, nunca sendo possuído, gera um constante estado de insatisfação, que se revela motor de comportamento humano (Lacan, 1977Lacan, J. (1977). The subversion of the subject and the dialect of desire in the Freudian unconscious. In A Reader's Guide to Écrits: A selection (pp. 293-352). London, UK: Tavistock/Routledge.). Numa linha diferente da mais dominante, Belk et al. (2003)Belk, R. W., Ger, G., & Askegaard, S. (2003). The fire of desire: A multisited inquiry into consumer passion. Journal of Consumer Research, 30(3), 326-351. doi:10.1086/378613
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posicionam-se em prol de uma noção antropológica de desejo, em que este se dá em contextos culturais e é entendido como uma paixão encarnada que envolve a busca por alteridade e sociabilidade, mas também por perigo e inacessibilidade, num processo de socialização cultural permeado por tensões entre sedução e moralidade. Entretanto, Kozinets et al. (2016)Kozinets, R. V. , Patterson, A., & Ashman, R. (2016). Networks of desire: How technology increases our passion to consume. Journal of Consumer Research, 43(5), 659-682. doi: 10.1093/jcr/ucw061.
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argumentam que, para um conceito tão central para a pesquisa do consumidor, a noção de desejo tenha recebido pouca reavaliação, sobretudo se for considerado o atual contexto em que consumidores combinam e conectam coletivamente suas vontades por meio de novas tecnologias. É com base nesse argumento que os autores indicam a abordagem deleuziana para a compreensão do desejo na era digital.

Contrária à tradição psicanalítica estabelecida, a noção de desejo elaborada por Deleuze parte justamente do argumento de que este não seja baseado na falta. Em seus trabalhos com Félix Guattari (Deleuze & Guattari, 1987Deleuze, G., & Guattari, F. (1987). A thousand plateus: Capitalism and schizophrenia. London, UK: Continuum., 2010Deleuze, G., & Guattari, F. (2010). O anti-Édipo: Capitalismo e esquizofrenia. São Paulo, SP: 34.), o conceito de desejo é apresentado de maneira positiva e produtiva, entendido como uma expressão imanente de força social que empodera corpos sociais conectados. Essa força pode ser entendida como um fluxo de energia produtiva que é direcionada e transformada em interesses particulares (Kozinets et al., 2016Kozinets, R. V. , Patterson, A., & Ashman, R. (2016). Networks of desire: How technology increases our passion to consume. Journal of Consumer Research, 43(5), 659-682. doi: 10.1093/jcr/ucw061.
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).

O conceito deleuziano de desejo insere-se em uma abordagem mais ampla, denominada Teoria do Agenciamento. Articulado como agenciamento, o desejo é compreendido como um fenômeno experiencial e externo ao indivíduo (i.e., social). O agenciamento deve aqui ser entendido como um complexo arranjo de elementos heterogênios (e.g., objetos, corpos, experiências) que se agregam de maneira produtiva e funcional, nunca sendo um todo, mas uma multiplicidade (Deleuze & Guattari, 1987Deleuze, G., & Guattari, F. (1987). A thousand plateus: Capitalism and schizophrenia. London, UK: Continuum., 2010Deleuze, G., & Guattari, F. (2010). O anti-Édipo: Capitalismo e esquizofrenia. São Paulo, SP: 34.). Assim, o agenciamento pode ser entendido como um "arranjamento" (Nail, 2017Nail, T. (2017). What is an assemblage? SubStance, 46(1), 21-37. doi:10.3368/ss.46.1.21
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), em que diferentes configurações propiciam diferentes práticas (Araujo & Kjellberg, 2016Araujo, L., & Kjellberg, H. (2016). Enacting novel agencements: The case of Frequent Flyer schemes in the US airline industry (1981-1991). Consumption Markets & Culture, 19(1), 92-110. doi:10.1080/10253866.2015.1096095
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; Scaraboto, 2015Scaraboto, D. (2015). Selling, sharing, and everything in between: The hybrid economies of collaborative networks. Journal of Consumer Research, 42(1), 152-176. doi:10.1093/jcr/ucv004
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), podendo ser compreendido como um sistema que pode ser tanto estabilizado quanto desestabilizado pelos seus componentes - o que pode se aplicar em como fãs podem estabilizar ou desestabilizar identidades de marcas (Parmentier & Fischer, 2015Parmentier, M., & Ficher, E. (2015). Things fall apart: The dynamics of brand audience dissipation. Journal of Consumer Research, 41(5), 1228-1251. doi:10.1086/678907
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).

Deleuze e Guattari (2010)Deleuze, G., & Guattari, F. (2010). O anti-Édipo: Capitalismo e esquizofrenia. São Paulo, SP: 34. articulam a noção de agenciamentos como máquinas operadas por desejo, culminando com o entendimento de que agenciamentos sejam máquinas desejantes. Sua estrutura é formada por três características: uma máquina abstrata, entendida como sua própria condição de existência, que se refere não a algo que exista concretamente, mas à rede de relações que possibilita sua operação; o arranjo concreto, que se refere aos elementos que lhe constituem materialmente e propicia suas relações; e seus agentes, aqui entendidos não como sujeitos autoconscientes, mas como operadores movéis conectados à rede (i.e., máquina abstrata) por meio de seus elementos concretos (Nail, 2017Nail, T. (2017). What is an assemblage? SubStance, 46(1), 21-37. doi:10.3368/ss.46.1.21
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).

Tais máquinas estão sempre acopladas em outras (Deleuze & Guattari, 2010Deleuze, G., & Guattari, F. (2010). O anti-Édipo: Capitalismo e esquizofrenia. São Paulo, SP: 34.), fazendo parte de sistemas (insitucionais, sociais, culturais) mais complexos chamados de territórios, por meio dos quais o desejo conecta experiências de níveis sociais e psicológicos (Kozinets et al., 2016Kozinets, R. V. , Patterson, A., & Ashman, R. (2016). Networks of desire: How technology increases our passion to consume. Journal of Consumer Research, 43(5), 659-682. doi: 10.1093/jcr/ucw061.
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). Apesar do nome, um território não se trata de um espaço fixo, mas do resultado, sempre dinâmico e momentâneo, de processos de arranjamento entre máquinas desejantes. Deleuze e Guattari (1987)Deleuze, G., & Guattari, F. (1987). A thousand plateus: Capitalism and schizophrenia. London, UK: Continuum. articulam a noção de territórios como resultado de uma territorialização, que é o processo pelo qual máquinas desejantes se conectam. Entretanto, tal noção deve ser mais bem entendida a partir dos processos de desterritoralização e reterritorialização, uma vez que os agenciamentos estão suscetíveis a contínuos desencaixe e reencaixe, respectivamente. Assim, cada vez que um território resulta de um processo de reterritorialização - que pressupõe uma desterritorialização - configura-se como diferente de sua versão anterior.

Assim, cada máquina assume a produção de outra como produto, o que ocorre na medida em que o desejo se desloca por meio do inconsciente produtivo, determinado por sínteses de conexão, disjunção e conjunção, que produzem subjetividades (Deleuze & Guattari, 2010Deleuze, G., & Guattari, F. (2010). O anti-Édipo: Capitalismo e esquizofrenia. São Paulo, SP: 34.). Esse inconsciente produtivo é apresentado por meio do conceito de corpo sem órgãos (CsO), um corpo virtual que se encontra em estado potencial, encarregado pelas mais diversas possibilidades de formas de ações e de ser das máquinas desejantes (Deleuze, 2000Deleuze, G. (2000). Diferença e repetição. Lisboa, Portugal: Relógio d'Água.). Assim, o CsO oferece as condições para novos modos de experiência (Deleuze & Guattari, 2010Deleuze, G., & Guattari, F. (2010). O anti-Édipo: Capitalismo e esquizofrenia. São Paulo, SP: 34.), propiciando que o desejo se configure como uma força liberadora de criatividade e inovação (Kozinets et al., 2016Kozinets, R. V. , Patterson, A., & Ashman, R. (2016). Networks of desire: How technology increases our passion to consume. Journal of Consumer Research, 43(5), 659-682. doi: 10.1093/jcr/ucw061.
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). Tal entendimento alinha-se ao que já preconizaram Firat e Venkatesh (1995)Firat, A. F., & Venkatesh, A. (1995). Liberatory postmodern and the reenchantment of consumption. Journal of Consumer Research, 22(3), 239-267. doi:10.1086/209448.
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, de modo aderente à definição do "novo consumidor" elaborada por Cova e Cova (2012)Cova, B., & Cova, V. (2012). On the road to prosumption: Marketing discourse and the development of consumer competencies. Consumption Markets & Culture, 15(2), 149-168. doi:10.1080/10253866.2012.654956
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.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Em consonância com a teoria adotada, entendemos que o caminho analítico mais adequado para esta pesquisa é o da análise de discurso. Entre as opções que se colocam, decidimos por adotar a Análise de Discurso Foucaultiana (ADF), uma vez que seu pensamento se aproxima ao de Gilles Deleuze. Nesse sentido, o próprio Deleuze (2008)Deleuze, G. (2008). Rachar as coisas, rachar as palavras. In G. Deleuze, Conversações (pp. 105-117). São Paulo, SP: 34. afirma existir uma concepção comum de filosofia entre ele e Foucault.

Nossa organização metodológica pautou-se no trabalho de Leão e colegas (Camargo & Leão, 2015Camargo, T. I., & Leão, A. L. M. S. (2015). Pague e pegue: Uma arqueologia do discurso do adultério mercadorizado. RAC-Revista de Administração Contemporânea, 19(6), 732-749. doi:10.1590/1982-7849rac20151924
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; Costa & Leão, 2012Costa, F. Z. N., & Leão, A. L. M. S. (2012). Formações discursivas de uma marca global num contexto local: Um estudo inspirado no método arqueológico de Michel Foucault. Organizações & Sociedade, 19(62), 453-469.; Leão, Ferreira, & Gomes, 2016Leão, A. L. M. S., Ferreira, B. R. T., & Gomes, V. P. M. (2016). Um "elefante branco" nas dunas de Natal? Uma análise pós-desenvolvimentista dos discursos acerca da construção da Arena das Dunas. RAP-Revista de Administração Pública, 50(4), 659-688. doi:10.1590/0034-7612151913
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), que apresentam o método com base nas quatro categorias analíticas foucaultianas fundamentais (Quadro 1), analisadas sequencialmente a partir da interpretação dos dados (Figura 1).

Quadro 1
Categorias analíticas

Figura 1
Síntese do processo analítico

Foucault (2009)Foucault, M. (2009). A arqueologia do saber. Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária. denomina arquivo o acervo de documentos utilizados para a ADF. De certa forma, pode ser comparado, em sua função, ao que se entende por corpus em uma pesquisa qualitativa (Bauer & Aarts, 2002Bauer, M., & Aarts, B. (2002). A construção do corpus: Um princípio para a coleta de dados qualitativos. In M. Bauer, & G. Gaskell (Eds.), Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: Um manual prático (pp. 39-63). Petrópolis, RJ: Vozes.). Para construir o arquivo, recorremos ao critério de práticas de potterheads. Além de aderente à concepção teórica construída para a pesquisa, Foucault (2009)Foucault, M. (2009). A arqueologia do saber. Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária. entende que são as práticas que institucionalizam discursos, cristalizando-os no meio social. Identificamos 21 práticas correntes no fandom (Quadro 2).

Quadro 2
Práticas de potterheads

Dados multifocais (Flick, 2009Flick, U. (2009). Introdução à pesquisa qualitativa. Porto Alegre, RS: Bookman/Artmed.) compuseram nosso arquivo, formado por um total de 593 documentos, sendo 280 em língua portuguesa e 313 em língua inglesa, uma vez que o fandom não tem fronteiras geográficas. Foram 67 vídeos coletados na plataforma YouTube e 526 imagens e textos coletados em diferentes plataformas de redes sociais, blogs e websites. Adotamos dois critérios para a seleção dos dados: que tratassem da interação de potterheads, não nos interessando os comentários de terceiros acerca de suas práticas; e que contemplassem as práticas dos potterheads nesse contexto.

A principal limitação com a qual nos deparamos no estudo foi, por um lado, pelo fato de as mídias sociais se encontrarem em constante dinâmica de produção e exclusão de informações e, por outro, pelo fandom ser um espaço social demarcado por uma cultura particular da qual os pesquisadores não fazem parte. Foi para lidar com a primeira dificuldade que coletamos dados nas mais variadas mídias sociais, considerando que os conteúdos produzidos no fandom são reproduzidos em diversos meios. Em relação à segunda, adotamos o apoio consultivo de dois fãs da saga, que tiveram um importante papel na dirimição de dúvidas que contribuíram tanto no reconhecimento das práticas quanto na definição das mídias a serem acessadas para coleta de dados.

Por fim, a investigação adotou critérios de qualidade da pesquisa qualitativa (Paiva, Leão, & Mello, 2011Paiva, F. G., Jr., Leão, A. L. M. S. , & Mello, S. C. B. (2011). Validade e confiabilidade na pesquisa qualitativa em administração. Revista de Ciências da Administração, 13(31), 190-209. doi:10.5007/2175-8077.2011v13n31p190
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). A representatividade do corpus de pesquisa foi contemplada por meio da riqueza de informações adquiridas sobre o objeto, graças à grande variedade de dizeres das diversas mídias. A reflexividade foi adotada no decorrer de todo o processo analítico, em que constantes indagações buscaram dar conta das inúmeras relações que se evidenciaram entre dados empíricos e fundamento teórico. A triangulação dos dados aconteceu na validação da análise efetuada pelos autores. A descrição rica e detalhada da pesquisa apresenta-se aqui dentro dos limites estipulados para o artigo.

DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS

Nossa investigação levou-nos à identificação de uma formação discursiva, relativa a como a maquinaria de desejos dos potterheads mantém seu vínculo com o universo canônico da saga. Ela está embasada em 16 enunciados, nove funções e quatro regras. A Figura 2 apresenta esses elementos em suas relações. A norma transversal das regras como agenciamentos de desejos que remetem a quereres estabelece esses como os aspectos centrais que as singularizam. A formação discursiva representa a síntese dessas singularidades. Todas elas dizem respeito a uma particularidade da relação dos potterheads com o cânone da saga: adequabilidade, valores, manutenção e segurança. Com base nisso, passamos a apresentar os resultados tendo como ponto de referência justamente as regras para formação.

Figura 2
Mapa de relações da formação discursiva

O relacionamento com o cânone

A primeira regra diz respeito ao modo como o fã se vincula ao cânone por meio de suas relações no fandom, tratando das condições da sua adequabilidade para estabelecer a longevidade dessa relação. Duas funções enunciativas embasam essa regra: uma relativa a como os potterheads estabelecem suas características no fandom (F01) e outra à vontade de participar das práticas do fandom como forma de obter sensações, prazer e realização (F02). A primeira função encontra-se relacionada a cinco enunciados, que tratam: da resistência de fãs às normas e procedimentos estabelecidos pelo cânone (E01); da apropriação, pelos fãs, de conteúdos do cânone para questionar seus dogmas (E02); do reconhecimento mútuo de características semelhantes (E03); do elo estabelecido por meio de ações mútuas de influência, apoio e coerção ocorridos no fandom (E04); e das ações que comprovam a convicção em aceitar a afiliação aos perfis identitários definidos pelo cânone (E05). Esse enunciado relaciona-se também à segunda função, que se liga a mais uma, a qual diz respeito à motivação dos potterheads em participar das atividades do fandom (E06). O enunciado que trata do vínculo estabelecido no fandom (E04) é derivado (relação incidente) dos demais, que, por sua vez, relacionam-se entre si (relações síncronas).

Para ilustrar o feixe de relações que revela essa regra, apresentamos o exemplo de uma discussão realizada por fãs a respeito do processo inicial de filiação ao fandom. A condição implica, tal como ocorre com os alunos novatos na escola de magia da saga, predispor-se a participar de uma seleção que vincula o fã como membro de uma das casas em que tais alunos são alocados, o que é determinado pelo Chapéu Seletor, que faz essa indicação ao ler a mente dos postulantes, de acordo com sua personalidade. Apesar disso, é possível que a vontade de um aluno se faça valer, o que ocorreu com o próprio Harry Potter, o qual, ao perceber que o seletor estava em dúvida entre duas casas, repetiu mentalmente sua preferência, influenciando a decisão final do chapéu, que chegou a indicá-lo para outra casa e voltou atrás. Na saga, essa seleção é decisiva, uma vez que as casas são o âmbito de realização de atividades e de estabelecimento de relacionamentos, e passam a ser uma identidade levada para a vida. No fandom, isso é levado com a mesma seriedade, então, apesar de existirem vários testes para essa finalidade na internet, o resultado considerado verdadeiro pelos fãs é o do Pottermore, website criado pela autora da saga, considerado canônico pelos fãs, tais como o são os livros. A seleção deve ser feita uma única vez, mas seu resultado nem sempre agrada ao fã, que se vê obrigado a esclarecer sua individualidade no fandom ou, mais radicalmente, burlar as regras e refazer a seleção, ocasião em que precisa conquistar apoio e se justificar perante o grupo, mantendo sua condição de membro.

A seguinte passagem ilustra esse aspecto:

Fiquei com aquilo na cabeça. Não quero Lufa-Lufa. E se eu vacilei em alguma questão? E se o Chapéu Seletor estiver quebrado? Eu queria ter outra chance, assim com o Harry teve. Uma pena que, para dar vida ao meu pensamento, tive que esperar alguns meses até o site abrir oficialmente, cadastrar outro e-mail e começar a aventura do zero.

Mas valeu a pena. Agora, o meu painel é azul-escuro e há uma águia bem bonita ao centro. Não gosto de conformismos. Se estou falando de Harry Potter, participando de algo que me dá a oportunidade de vivenciar um pouco do mundo bruxo, quero sentir isso o mais dentro da minha pele possível. Se eu estivesse indignada com os abusos de autoridade da Umbridge, também teria entrado na Armada de Dumbledore. Se eu achasse que Sirius era inocente e tivesse a oportunidade de ajudá-lo, gosto de pensar que eu faria isso. E se minha opinião não batesse com a do Chapéu Seletor, por que eu me calaria?

Portanto, se você acha que foi mandado para a casa errada, não se intimide: faça outro cadastro, sim, e tente entrar na casa que você quer. Mas seja sincero nas suas respostas, como eu fui. Não sei se a versão beta estava com problema, se eu estava distraída ou se, sei lá, alguém lançou um Confundus em mim e me fez responder tudo de um jeito diferente. O que importa é que eu estou feliz e ansiosa para ganhar cada vez mais pontos para a casa do meu coração. (Potterish, 2012Potterish. (2012, 1 julho). Pottermore e o direito de escolha [Post da web]. Recuperado de https://potterish.com/2012/07/pottermore-e-o-direito-de-escolha/
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).

No exemplo escolhido, uma fã faz a seleção para uma das casas como uma prática do fandom (E6), cumprindo uma das etapas essenciais para demonstrar sua fidelidade ao cânone (E05) e, com isso, habilitando-se a usufruir das práticas coletivas (F02). Contudo, a fã registra seu incômodo com o resultado da seleção e questiona se não teria o direito a uma segunda chance, tal como aconteceu com o protagonista da saga, apropriando-se da própria história (E02) para justificar a quebra de uma regra (E01), como meio de ter aderência às características com as quais se percebia mais alinhada (F01). Para essa finalidade, a fã busca criar identificações entre os participantes (E03) e os incentiva a também burlar essa regra (E01). Os feixes identificados nesse exemplo versam sobre o desejo de possuir um relacionamento adequado com o cânone, na medida em que esse deve ser uma experiência mais prazerosa e fidedigna das expectativas dos fãs. A quebra de uma regra aponta para a resistência como modo de condução legitimada no fandom, entretanto apenas porque se baseou em saberes da própria moral estabelecida.

Essa regra indica como os potterheads estabelecem sua relação com o cânone do universo, buscando um equilíbrio entre as regras estabelecidas por ele e suas próprias vontades e convicções. Isso torna-se possível no espaço do fandom pelo apoio que a comunidade provê às ações que considera corretas, bem como à rejeição das que não são aceitas. É assim que a relação estabelecida entre fãs e cânone, por meio do fandom, se pauta numa lógica de adequação, estabelecida em um equilíbrio de forças.

Da saga para o mundo

A segunda regra referiu-se ao desejo dos potterheads de que os valores do cânone sejam legitimados como verdadeiros valores sociais. Ela se embasa em uma única função, relativa à utilização dos signos do cânone para produzir crítica social por meio de humor e ironia (F03), que se relaciona a dois enunciados com relações síncronas, que dizem respeito às relações estabelecidas no fandom por meio de apoio, coação e influências mútuas (E04) e à produção de textos culturais inspirados e derivados dos signos do universo da saga (E07).

Para ilustrar esse feixe de relações, recorremos a uma imagem que apresenta uma personagem (Dolores Umbridge) odiada pelos fãs, por ter imposto à escola fictícia de Hogwarts, em um pequeno mandato como diretora, um regime ditatorial, revelando prazer em torturar os alunos física e psicologicamente. O castigo mais adotado por ela era obrigar alunos a escreverem repetidamente frases de ordem com uma caneta mágica que usava como tinta o próprio sangue do seu usuário, deixando o texto cicatrizado na pele. Na produção em questão aparece o texto "A punição aos acusados de defender os direitos LGBT será escrever 1000 vezes: 'Não há homofobia'". A imagem é uma composição com a personagem (E07), usada, de maneira irônica, com a finalidade de se fazer uma crítica social ao fato de a existência da homofobia ser negada (F03). A produção denuncia uma postura social considerada hipócrita e tem o objetivo de legitimar um valor do cânone (i.e., tolerância às diferenças) na sociedade de maneira mais ampla.

A regra demonstra como o cânone da saga serve de referência para a elaboração, pelos fãs, de questionamentos acerca de valores sociais estabelecidos, muitos dos quais afetam suas escolhas e vida social. Assim, algumas práticas dos potterheads revelam-se como posicionamentos políticos direcionados a certos valores que eles consideram injustos, os quais são combatidos por valores presentes na saga com os quais eles se identificam. Essa ação torna-se possível na medida em que o fandom se revela como um ambiente de apoio emocional aos seus integrantes.

Potterheads para sempre

A regra seguinte reflete o desejo dos potterheads de se manterem vinculados ao cânone mesmo já sendo adultos. Essa regra teve por base cinco funções. A primeira delas diz respeito ao empenho do fã em propagar o valor do universo Harry Potter (F04) e deriva de um enunciado que se refere a orientar novos fãs no envolvimento com o universo (E08). A segunda função diz respeito à manutenção dos laços estabelecidos entre fãs (F05) e se relaciona a enunciados relacionados sincronamente, que tratam do dos elos (E05), das trocas de informações (E09) e das produções (E07) no âmbito do fandom. A função seguinte refere-se ao compromisso em manter o universo vivo (F06) e tem como base dois enunciados relacionados, novamente o relativo à produção de textos culturais baseados no universo (E07), agora com o que diz respeito às identificações entre fãs (E03), além de um que remonta ao ânimo derivado do anúncio de novos produtos da franquia (E10). A quarta função relacionada a essa regra indica o objetivo dos fãs de resguardar a imagem do universo (F07), baseada em dois enunciados, que tratam do estabelecimento de relacionamentos entre potterheads (E04) e de sua dedicação às práticas do fandom (E11). Por fim, a última função desse grupo diz respeito à busca de manter-se viva a própria condição de fã (F08). Essa função relaciona-se a sete enunciados, três deles já apresentados nesse grupo (E07, E08 e E10). Os demais referem-se a competências profissionais desenvolvidas no fandom (E12), a lembranças saudosas de vivências relacionadas ao universo (E14), a afinidades dos fãs com o cânone (E15) e aos seus fortes laços afetivos com o universo (E13). Nesse grupo de enunciados, os três primeiros mantêm relações síncronas entre si e incidentes sobre o último.

Ilustramos esse feixe de relações recorrendo a uma imagem que remete ao vão debaixo de uma escada que servia de quarto para Harry Potter, quando este, ainda criança, passou a ser criado pelos tios após a morte de seus pais. A mesma é complementada com um texto que afirma, em tom de brincadeira, que, se um filho de um potterhead não for tal qual seus pais, será tratado como o personagem na situação apontada: "Meus filhos devem adorar Harry Potter, se não, vou simplesmente colocá-los num armário sob alguma escada. Então, eles não vão ter que adorar Harry Potter... Eles vão ser o Harry Potter". Esse exemplo ilustra o objetivo de condução dos descendentes como novos fãs (E08), assim como evidencia a dependência afetiva dos potterheads em relação ao universo da saga (E13), uma vez que sentem a necessidade de transmitir seu legado à prole. Com isso, tanto disseminam o valor do universo (F04) quanto reafirmam sua condição de fã (F08). Esses aspectos afirmam o desejo dos potterheads de se manterem num relacionamento ativo com o universo da saga para além da juventude.

A regra diz respeito a um desafio geracional. O universo de Harry Potter é desenvolvido como narrativa infantojuvenil e tem como base de fãs pessoas que cresceram acompanhando-a e agora se encontram no início da fase adulta. Entretanto, esses fãs negam-se a aceitar que seu vínculo com a saga tenha se encerrado com essa passagem e se esforçam para mantê-la viva e assegurar sua existência futura. Tal processo é o meio de manter sua própria identidade (i.e., potterhead) viva, o que ocorre tanto pelo fortalecimento das relações no fandom quando pela assunção de responsabilidade em propagar, externamente, o legado da saga.

Uma base para a vida

A última regra refere-se ao desejo dos potterheads de sentirem segurança em relação ao cânone, uma condição que se evidencia com uma crise de amadurecimento coincidente com o término da saga. A regra embasa-se em duas funções, que tratam da busca dos fãs por manterem essa condição (F08), assim como a proteção que a relação com o universo provê (F09). A primeira função é a única do estudo a se relacionar a duas regras e, por isso, já foi discutida. A segunda relaciona-se a cinco enunciados, também já discutidos (E07, E13, E14, E15 e E16).

Para ilustrar esse feixe de relações, alçamos um depoimento em que um potterhead relata em vídeo como sua condição de fã foi convertida em trabalho:

Essa semana veio um trouxa, que no caso é um trouxa mesmo, não é que ele não é bruxo; essa semana veio um cara muito idiota no meu twitter falar sobre o fato de eu ter 24 anos e gravar vídeos da série HP no YouTube, exatamente. Eu fui julgado, o cara começou a falar um monte de merda pelo fato de eu ainda gravar vídeos sobre a série HP. [...] Acho que esse cara não conhece os fãs de Indiana Jones, de Star Wars, de Senhor dos Anéis. [...] Eu me tornei fã aí da série em 2001, quando eu tinha 11 anos, e, desde então eu acompanho a série, e a série faz parte de meu dia a dia até hoje. Eu nunca deixei de pensar um único dia na série HP desde quando eu saí do cinema e acabei de assistir Pedra Filosofal; é sério, eu estou falando sério! Eu não deixei de pensar na série HP um único dia, e eu penso até hoje e agente está em outubro de 2014. Porque disso? É porque eu peguei um carinho, peguei um amor muito grande por essa série; um amor que durou e dura até hoje; eu me entreguei, eu falei: eu amo essa série de paixão e, se um dia, eu puder trabalhar com alguma coisa envolvendo ela, eu vou trabalhar. E foi aí que eu tive a ideia de criar o Observatório Potter - imagina você ganhar dinheiro através de seu trabalho, pra ffalar sobre uma coisa que você ama. (YouTube, 2014Youtube. (2014). Vergonha por gostar de Harry Potter?. Recuperado de https://www.youtube.com/watch?v=PhJp5qHIH2w
https://www.youtube.com/watch?v=PhJp5qHI...
).

O youtuber relata sua identificação com a série (E14) e saudade da mesma (E13), em confronto com as atribuições da vida adulta (E16) e como isso lhe possibilitou trabalhar com algo que envolvesse a saga (E12), visando manter sua condição de fã (F08) e a égide do cânone (F09), o que lhe confere um sentimento de segurança provido pelo universo, uma vez que ele passa a cumprir um desafio da vida adulta com base em um conhecimento que ele detém.

Se a regra anterior indica um desejo de manutenção de uma identidade entendida como infantojuvenil na maturidade, a presente revela como a relação dos potterheads com a saga representa uma segurança emocional e social. O fato de terem crescido em meio ao envolvimento com o universo Harry Potter faz os potterheads encontrarem, em seu aprendizado com o cânone, um apoio na forma de lidar com os desafios da vida adulta, sendo o fandom o repositório dos valores e vínculos que subsidiam esse suporte.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados desta investigação revelam que o agenciamento de desejo evidenciado no consumo produtivo dos potterheads tem a função de manter seu vínculo com a saga. Isso garante a manutenção de uma identidade constituída por meio de seu consumo ao longo dos anos, bem como provê uma segurança na transição para a vida adulta. Para tal, baseia-se nas relações no fandom e, por outro lado, busca uma legitimidade social que vá além dessa comunidade. Resgatando a teoria apresentada como fundamento para a interpretação desses achados, podemos refletir sobre as implicações teóricas da pesquisa, as quais passamos a discutir.

Em relação ao entendimento propriamente de como o agenciamento de desejo dos potterheads funciona, tomamos as partes componentes da máquina desejante. Os potterheads atuam como seus agentes, e a criatividade de suas práticas de consumo produtivo evidencia a energia do desejo. Isso torna-se possível graças à conexão que estabelecem entre si. Podemos entender que as novas tecnologias de comunicação e informação, alinhadas à lógica participativa da Web 2.0, se revelam como o arranjo concreto dessa máquina, enquanto o fandom, como espaço de afetividade e sociabilidade, se revela como a própria máquina abstrata que garante as condições de existência para o agenciamento de desejo dos potterheads.

Por outro lado, todas as ações dos potterheads no fandom, que foram encontradas ou selecionadas para análise, dizem respeito à sua relação com o cânone. Mais do que se apresentar como referência para as atividades coletivas de seus fãs, o cânone estabelece-se como um campo de saberes sobre os quais tais práticas desenrolam-se, configurando, em termos deleuzianos, um território. Essa referência é basilar tanto para mediar as relações dentro do fandom quanto para propiciar que os potterheads se posicionem socialmente. Apesar disso, tais saberes não são tomados por certos: são questionados, apropriados e ressignificados, numa dinâmica que indica constantes processos de desterritorialização e reterritorialização.

O estudo evidencia o potencial investigativo das comunidades on-line como espaços propícios para as práticas de consumo produtivo (i.e., prossumo), intensificadas por sua inserção num campo de cultura participativa. De maneira específica, a investigação ressalta a singularidade do fã como um consumidor de alto envolvimento emocional e dedicação a atividades relativas aos produtos culturais aos quais se vinculam, bem como o fandom como comunidade de marca, uma vez que se caracteriza como um espaço baseado em saberes originalmente concebidos por um produto cultural, ainda que não controlado pelas marcas às quais se conectam. Nesse sentido, ainda que não tenham caráter performativo, os resultados aqui apresentados também sinalizam para a necessidade de a gestão de marketing observar a dinâmica dos fandoms, uma vez que o consumo produtivo ocorrido nesses espaços sociais tem a capacidade de dinamizar a identidade das marcas às quais se vinculam.

A contribuição teórica da pesquisa evidencia-se na adoção da noção deleuziana de desejo como lente para se compreender a ação coletiva de consumidores em contextos culturais de prática, articulada pelo entendimento das atividades de consumo como produtivas e pelos ambientes de interação virtual como espaços propícios à participação. A adoção de tal perspectiva em futuros estudos pode aprofundar a discussão acerca da pertinência de tal abordagem no campo da pesquisa do consumidor. Pensando em desdobramentos do presente estudo, a adoção dessa abordagem em pesquisas que se debrucem em fandoms de outros universos fantásticos ou de outros produtos culturais (e.g., música, games) poderia, respectivamente, aprofundar e ampliar a discussão aqui apresentada. Por outro lado, a investigação das práticas de fãs também poderia voltar-se à compreensão de como essas atividades relacionam-se com os próprios significados das marcas.

  • Avaliado pelo sistema double blind review. Editora Científica convidada: Letícia Casotti Versão original

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio financeiro à pesquisa sobre marcas de franquias de produtos midiáticos, que deu origem a este artigo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2018

Histórico

  • Recebido
    21 Dez 2016
  • Aceito
    14 Ago 2017
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