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ANO NOVO, VELHAS QUESTÕES...

Uma piada do Pink diz: "O que você vai fazer no ano novo?", ao que Cérebro responde: "O mesmo que fiz no ano passado, tentar emagrecer e ficar rico". Brincadeiras à parte, o que esperamos deste novo ano? Continuar a receber as excelentes contribuições de nossos pesquisadores e contar com a cooperação inestimável de nossos editores científicos e revisores, essenciais para a continuidade da RAE, que, com quase 60 anos de publicação ininterrupta, foi fundamental para a construção do campo acadêmico em Administração no País (Tonelli, 2018Tonelli, M. J. (2018). Revistas científicas em Administração: O papel histórico da Revista de Administração de Em presas (RAE) na construção do campo acadêmico em administração no Brasil. Cadernos EBAPE.BR, 16(4), 509- 515. doi:10.1590/1679-395173941.
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).

Mas uma questão nos preocupa: qual o futuro das revistas em Administração no Brasil? E o quanto a publicação dos periódicos em língua inglesa impacta esse futuro? Não se trata de uma questão nova. O debate sobre esse tema vem recebendo a atenção dos pesquisadores brasileiros há algum tempo, seja em debates nos congressos brasileiros, seja em publicações. Se, de um lado, publicar em inglês pode dar maior visibilidade internacional à produção de conhecimento local, de outro lado, alguns pesquisadores argumentam que esse modelo traz uma neocolonização, em outras palavras, novas formas de controle e de submissão dos povos do Sul aos modelos do Norte que restringem outros modos de pensar (Alves & Pozzebon, 2013Alves, M., & Pozzebon, M. (2013). How to resist linguistic domination and promote knowledge diversity? RAE-Revis ta de Administração de Empresas, 53(5), 629-633. doi:10.1590/S0034-759020130610
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; Rosa & Alves, 2011Rosa, A. R., & Alves, M. A. (2011). Pode o conhecimento em gestão e organização falar português? RAE-Revista de Administração de Empresas, 51(3), 255-264. doi:10.1590/S0034-75902011000300006
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).

Esse processo é acompanhado por outro fenômeno: ao serem estimulados a publicar em inglês, os autores brasileiros podem preferir encaminhar seus artigos para periódicos internacionais, preterindo os periódicos nacionais (ainda que publicados em inglês), o que acaba por reforçar um modelo de internacionalização da pesquisa nacional, mas que não necessariamente contribui para elevar a qualidade dos periódicos nacionais ou o desenvolvimento de saberes locais (Alcadipani, 2017Alcadipani, R. (2017). Periódicos brasileiros em inglês: A mímica do publish or perish "global". RAE-Revista de Ad ministração de Empresas, 57(4), 405-411. doi:10.1590/s0034-759020170410
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; Diniz, 2017Diniz, E. H. (2017). Periódicos brasileiros da área de administração no contexto de internacionalização da produção científica. RAE-Revista de Administração de Empresas, 57(4), 357-364. doi:10.1590/s0034-759020170406
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; Farias, 2017Farias, S. (2017). Internacionalização dos periódicos brasileiros. RAE-Revista de Administração de Empresas, 57(4), 401-404. doi:10.1590/s0034-759020170409
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).

Além disso, Diniz (2017)Diniz, E. H. (2017). Periódicos brasileiros da área de administração no contexto de internacionalização da produção científica. RAE-Revista de Administração de Empresas, 57(4), 357-364. doi:10.1590/s0034-759020170406
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aponta também que os artigos brasileiros em inglês, seja em revistas nacionais ou internacionais, podem ou não ser citados, com o agravante de que, em nosso próprio país, não poderão ser lidos, já que apenas 5% da população brasileira domina razoavelmente o idioma. A qualidade dos artigos, a qualidade da redação no idioma inglês e a coautoria com pesquisadores estrangeiros são também determinantes para que pesquisas brasileiras (Farias, 2017Farias, S. (2017). Internacionalização dos periódicos brasileiros. RAE-Revista de Administração de Empresas, 57(4), 401-404. doi:10.1590/s0034-759020170409
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) sejam referências internacionais. O fato de um periódico estar em inglês não garante que será lido ou que seus artigos serão citados.

Outro aspecto apontado por Farias (2017)Farias, S. (2017). Internacionalização dos periódicos brasileiros. RAE-Revista de Administração de Empresas, 57(4), 401-404. doi:10.1590/s0034-759020170409
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é que a grande quantidade de periódicos brasileiros não favorece a qualidade e a visibilidade dos artigos publicados, seja em inglês ou em português. Embora o SciELO imponha critérios para a internacionalização dos periódicos no País, eles não são suficientes para garantir aumento da visibilidade. Outros países estão competindo globalmente; em especial, a China, que está sendo apontada como o modelo para a ciência no futuro (The Economist, 2019The Economist. (2019, January 12-18). Red moon rising: If China dominates Science, should the world worry? p. 9.). Além disso, Fradkin (2017)Fradkin, C. (2017). The internationalization of psychology journals in Brazil: A bibliometric examination based on four índices. Paidea, 27(66), 7-15. doi:10.1590/1982-43272766201702
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mostra que, ao menos na área de Psicologia, a simples publicação de artigos em inglês não tem correlação com a internacionalização. Estamos diante de um fenômeno que pode, num efeito inverso, restringir ainda mais o desenvolvimento da ciência em Administração no Brasil, longe de questões sociais e práticas de que o País necessita.

Além disso, a maioria dos programas de pós-graduação no Brasil exige o domínio do idioma inglês para leitura, mas está longe de trabalhar com a mesma lógica de fazer ciência que os países do Norte (Alcadipani, 2017Alcadipani, R. (2017). Periódicos brasileiros em inglês: A mímica do publish or perish "global". RAE-Revista de Ad ministração de Empresas, 57(4), 405-411. doi:10.1590/s0034-759020170410
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; Farias, 2017Farias, S. (2017). Internacionalização dos periódicos brasileiros. RAE-Revista de Administração de Empresas, 57(4), 401-404. doi:10.1590/s0034-759020170409
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; Rosa & Alves, 2011Rosa, A. R., & Alves, M. A. (2011). Pode o conhecimento em gestão e organização falar português? RAE-Revista de Administração de Empresas, 51(3), 255-264. doi:10.1590/S0034-75902011000300006
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). Mais do que isso, a academia brasileira sofre com o produtivismo e com a baixa contribuição científica e/ou prática (Alcadipani, 2017Alcadipani, R. (2017). Periódicos brasileiros em inglês: A mímica do publish or perish "global". RAE-Revista de Ad ministração de Empresas, 57(4), 405-411. doi:10.1590/s0034-759020170410
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; Bertero, 2011Bertero, C. O. (2011). Meio século de RAE. RAE-Revista de Administração de Empresas, 51(3), 224-226. doi:10.1590/S0034-75902011000300002
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; Machado & Bianchetti, 2011Machado, A. M. N., & Bianchetti, L. (2011). (Des)fetichização do produtivismo acadêmico: Desafios para o tra balhador-pesquisador. RAE-Revista de Administração de Empresas, 51(3), 244-254. doi:10.1590/S0034-75902011000300005
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).

Em síntese, vários fatores se juntam quando se trata de prever o futuro dos periódicos brasileiros: a questão do idioma, que não necessariamente leva a uma maior visibilidade das revistas; o produtivismo acadêmico, que não necessariamente traz qualidade para os artigos a serem publicados; e a lógica de produção de conhecimento e a lógica de estruturação dos programas de pós-graduação no País.

Estamos num momento de transição - tanto nos periódicos como no cenário geopolítico e econômico nacional e internacional - e esses momentos não nos permitem ainda ter clareza sobre a forma que as revistas assumirão no futuro. Esperamos que, ao passar pelo nevoeiro, devagar, como diz Paulinho da Vila, possamos enxergar um futuro promissor.

Convidamos nossos professores, pesquisadores e estudantes de pós-graduação para a leitura dos artigos desta edição: "Espiritualidade, convicção moral e quebra de regras pró-sociais na área da saúde", por Muhammad Ali Asadullah, Ifrah Fayyaz e Rizwana Amin; "A representação social de cloud computing pela percepção dos profissionais brasileiros de tecnologia da informação", por Gustavo Guimarães Marchisotti, Luiz Antonio Joia e Rodrigo Baroni de Carvalho; "Fatores relacionados com a maturidade do Sistema de Gestão Ambiental de empresas industriais brasileiras", por Blênio Cezar Severo Peixe, Andréa Cristina Trierweiller, Antonio Cezar Bornia, Rafael Tezza e Lucila Maria de Souza Campos; "Restrições de resgate em fundos de ações, liquidez dos ativos e desempenho", por Dermeval Martins Borges Junior e Rodrigo Fernandes Malaquias; na Seção Perspectivas, "Desafios do ensino de estratégia em mestrados e doutorados profissionais", do autor Jorge Renato de Souza Verschoore; e "Ensino de estratégia em MBAs executivos e mestrados profissionais: O papel negligenciado da execução", do autor Jorge Carneiro. Por fim, na Seção Resenha Daniel Chu traz a revisão do livro BAD BLOOD: Fraude bilionária no Vale do Silício de John Carreyrou. Ao final desta edição, apresentamos também as informações editoriais de 2018.

Boa leitura!

  • Versão original

REFERÊNCIAS

  • Alcadipani, R. (2017). Periódicos brasileiros em inglês: A mímica do publish or perish "global". RAE-Revista de Ad ministração de Empresas, 57(4), 405-411. doi:10.1590/s0034-759020170410
    » https://doi.org/10.1590/s0034-759020170410
  • Alves, M., & Pozzebon, M. (2013). How to resist linguistic domination and promote knowledge diversity? RAE-Revis ta de Administração de Empresas, 53(5), 629-633. doi:10.1590/S0034-759020130610
    » https://doi.org/10.1590/S0034-759020130610
  • Bertero, C. O. (2011). Meio século de RAE. RAE-Revista de Administração de Empresas, 51(3), 224-226. doi:10.1590/S0034-75902011000300002
    » https://doi.org/10.1590/S0034-75902011000300002
  • Diniz, E. H. (2017). Periódicos brasileiros da área de administração no contexto de internacionalização da produção científica. RAE-Revista de Administração de Empresas, 57(4), 357-364. doi:10.1590/s0034-759020170406
    » https://doi.org/10.1590/s0034-759020170406
  • Farias, S. (2017). Internacionalização dos periódicos brasileiros. RAE-Revista de Administração de Empresas, 57(4), 401-404. doi:10.1590/s0034-759020170409
    » https://doi.org/10.1590/s0034-759020170409
  • Fradkin, C. (2017). The internationalization of psychology journals in Brazil: A bibliometric examination based on four índices. Paidea, 27(66), 7-15. doi:10.1590/1982-43272766201702
    » https://doi.org/10.1590/1982-43272766201702
  • Machado, A. M. N., & Bianchetti, L. (2011). (Des)fetichização do produtivismo acadêmico: Desafios para o tra balhador-pesquisador. RAE-Revista de Administração de Empresas, 51(3), 244-254. doi:10.1590/S0034-75902011000300005
    » https://doi.org/10.1590/S0034-75902011000300005
  • Rosa, A. R., & Alves, M. A. (2011). Pode o conhecimento em gestão e organização falar português? RAE-Revista de Administração de Empresas, 51(3), 255-264. doi:10.1590/S0034-75902011000300006
    » https://doi.org/10.1590/S0034-75902011000300006
  • The Economist. (2019, January 12-18). Red moon rising: If China dominates Science, should the world worry? p. 9.
  • Tonelli, M. J. (2018). Revistas científicas em Administração: O papel histórico da Revista de Administração de Em presas (RAE) na construção do campo acadêmico em administração no Brasil. Cadernos EBAPE.BR, 16(4), 509- 515. doi:10.1590/1679-395173941.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2019
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