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DIMENSÕES ARTESANAL E MASSIFICADA NA CONSTRUÇÃO DO MERCADO CERVEJEIRO

Dimensiones artesanal y comercial en la construcción del mercado cervecero

RESUMO

Estudos recentes têm evidenciado que a construção de mercados é um processo dinâmico gerado por múltiplos atores em posições hegemônicas e alternativas. Buscando compreender a interligação dessas posições, o estudo tem como objetivo analisar como as dinâmicas de configuração e reconfiguração de um mercado resultam num enquadramento das posições hegemônicas e alternativas em um sistema multidimensional. Por meio de uma abordagem interpretativa, toma-se o mercado cervejeiro do Rio Grande do Sul como contexto para analisar a interligação das dimensões artesanal (alternativa) e massificada (hegemônica). Identifica-se um processo constante de transbordamento e realinhamento das tensões e práticas capaz de preservar a coexistência das diferentes dimensões. Os resultados permitem teorizar sobre uma forma distinta de ligação entre as dimensões de um mercado, denominada covalente, na qual as práticas desempenhadas por atores repelem e atraem ambas as dimensões constantemente, sem que ocorra a estabilização definitiva em torno de uma única dimensão.

PALAVRAS-CHAVE:
Dinâmicas de mercado; práticas de mercado; dimensões do mercado; ligações covalentes; cerveja

RESUMEN

Estudios recientes han evidenciado que la construcción de mercados es un proceso dinámico generado por múltiples actores en posiciones hegemónicas y alternativas. Buscando comprender la interconexión de esas posiciones, esta investigación tiene como objetivo analizar cómo las dinámicas de configuración y reconfiguración de un mercado resultan en un encuadramiento de las posiciones hegemónicas y alternativas en un sistema multidimensional. Por medio de un enfoque interpretativo, se toma el mercado cervecero del sur de Brasil (estado de Rio Grande do Sul) como contexto para analizar la interconexión de las dimensiones artesanal (alternativa) y masificada (hegemónica). Se identifica un proceso constante de desbordamiento y realineamiento de tensiones y prácticas capaz de preservar la coexistencia de las diferentes dimensiones. Los resultados permitieron teorizar sobre una forma distinta de conexión entre las dimensiones de un mercado -llamada covalente- en la cual las prácticas desempeñadas por actores repelen y atraen ambas dimensiones constantemente, sin que se produzca la estabilización definitiva en torno a una sola dimensión.

PALABRAS CLAVE:
Dinámicas de mercado; prácticas de mercado; dimensiones del mercado; vínculos covalentes; cerveza

ABSTRACT

Recent studies have shown that market construction is a dynamic process involving multiple actors in hegemonic and alternative positions. To understand the interconnection of these positions, the study aims to analyze how the dynamics of configuration and reconfiguration of a market frame the hegemonic and alternative positions in a multidimensional system. Using an interpretative approach, we examine the Southern Brazil (Rio Grande do Sul state) brewing market to describe the interconnection of craft (alternative) and mass (hegemonic) dimensions. We observe a constant process of overflowing and realignment of tensions and practices that enable the coexistence of different dimensions. Results allow theorizing about a specific type of connection-covalent-between the multiple market dimensions, in which the practices of actors repel and attract both dimensions constantly, without definitive stabilization around a single dimension.

KEYWORDS:
Market dynamics; market practice; market dimensions; covalent bonds; beer

INTRODUÇÃO

A construção de mercados tem sido descrita como um processo envolvendo diferentes agentes (Dolbec & Fischer, 2015Dolbec, P., & Fischer, E. (2015). Refashioning a field? Connected consumers and institutional dynamics in markets. Journal of Consumer Research, 41(6), 1447-1468. doi: 10.1086/680671
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; Scaraboto & Fischer, 2013Scaraboto, D., & Fischer, E. (2013). Frustrated fatshionistas: An institucional theory perspective on consumer quests for greater choice in mainstream markets. Journal of Consumer Research, 39(6), 1234-1257. doi: 10.1086/668298
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) capazes de dar forma a uma nova estrutura sociomaterial (Callon, 1998Callon, M. (1998). Introduction: The embeddedness of economic markets in economics. The Sociological Review, 46(1), 1-57. doi: 10.1111/j.1467-954X.1998.tb03468.x
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; Martin & Schouten, 2014Martin, D., & Schouten, M. (2014). Consumption-driven market emergence. Journal of Consumer Research, 40(5), 855-887. doi: 10.1086/673196
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). A compreensão desse processo passa por reconhecer as dinâmicas que configuram e reconfiguram constantemente um mercado (Giesler & Fischer, 2017Giesler, M., & Fischer, E. (2017). Market system dynamics. Marketing Theory, 17(1), 3-8. doi: /10.1177/1470593116657908
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). Por exemplo, Thompson e Coskuner-Balli (2007)Thompson, C. J., & Coskuner-Balli, G. (2007). Enchanting ethical consumerism: The case of community supported agriculture. Journal of Consumer Culture, 7(3), 275-303. doi: 10.1177/1469540507081631
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, ao estudarem o mercado de alimentos orgânicos, identificaram que, na medida em que esses alimentos se configuram como uma opção alternativa aos alimentos convencionais, tendem a ser cooptados pelo mercado hegemônico, a menos que a dimensão alternativa se reconfigure num novo mercado, com práticas, significados e ideologias distintas. Já Martin e Schouten (2014)Martin, D., & Schouten, M. (2014). Consumption-driven market emergence. Journal of Consumer Research, 40(5), 855-887. doi: 10.1086/673196
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observaram que a configuração de uma estrutura sociotécnica alternativa gerou uma nova dimensão no mercado de motos, denominada minimotos. Contudo, no caso descrito por Martin e Schouten (2014), a dimensão alternativa não conflita com a dimensão hegemônica, sendo propositalmente incorporada a ela. Fenômeno similar foi identificado em outros estudos nos mercados da moda (Dolbec & Fischer, 2015Dolbec, P., & Fischer, E. (2015). Refashioning a field? Connected consumers and institutional dynamics in markets. Journal of Consumer Research, 41(6), 1447-1468. doi: 10.1086/680671
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; Scaraboto & Fischer, 2013Scaraboto, D., & Fischer, E. (2013). Frustrated fatshionistas: An institucional theory perspective on consumer quests for greater choice in mainstream markets. Journal of Consumer Research, 39(6), 1234-1257. doi: 10.1086/668298
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), cervejeiro (Kjeldgaard, Askegaard, Rasmussen, & Østergaard, 2017Kjeldgaard, D., Askegaard, S., Rasmussen, J. Ø., & Østergaard, P. (2017). Consumers’ collective action in market system dynamics: A case of beer. Marketing Theory, 17(1), 51-70. doi: 10.1177/1470593116658197
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) e de restaurantes (Weijo, Martin, & Arnould, 2018Weijo, H. A., Martin, D. M., & Arnould, E. J. (2018). Consumer movements and collective creativity: The case of Restaurant Day. Journal of Consumer Research, 45(2), 251-274. doi: 10.1093/jcr/ucy003
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).

Esses estudos revelam que a construção de mercados envolve dimensões emergentes e hegemônicas, dando um caráter multidimensional a eles. Considerando o clamor por entender o mercado como um sistema relacional complexo (Giesler & Fischer, 2017Giesler, M., & Fischer, E. (2017). Market system dynamics. Marketing Theory, 17(1), 3-8. doi: /10.1177/1470593116657908
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), tão importante quanto descrever as tensões e cooptações que resultam em novos mercados ou a incorporação das dimensões emergentes pelo mercado hegemônico, é reconhecer processos que preservam essa multidimensionalidade. A razão para isso está no fato de que a compreensão dos mercados tem se pautado em descrever o seu lado mainstream, sua arquitetura (Fligstein, 2002Fligstein, N. (2002). The architecture of markets: An economic sociology of twenty-first-century capitalist societies. Princeton, USA: Princeton University Press. ), práticas (Kjellberg & Helgesson, 2007Kjellberg, H., & Helgesson, C. (2007). On the nature of markets and their practices. Marketing Theory, 7(2), 137-162. doi: 10.1177/1470593107076862
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) e atores (Callon, 1986Callon, M. (1986). The sociology of an actor-network: The case of the electric vehicle. In M. Callon, Law. J., & Rip, A. (Eds.), Mapping the dynamics of science and technology (pp. 19-34). London, UK: Palgrave Macmillan. ), ou o lado contracultura, em termos de resistências (Thompson & Coskuner-Balli, 2007Thompson, C. J., & Coskuner-Balli, G. (2007). Enchanting ethical consumerism: The case of community supported agriculture. Journal of Consumer Culture, 7(3), 275-303. doi: 10.1177/1469540507081631
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) e restrições (Hietanen & Rokka, 2015Hietanen, J., & Rokka, J. (2015). Market practices in countercultural market emergence. European Journal of Marketing, 49(9/10), 1563-1588. doi: 10.1108/EJM-02-2014-0066
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). São raros os estudos que descrevem a conexão entre esses dois lados e, principalmente, como eles podem coexistir e preservar suas múltiplas dimensões.

Diante disso, o presente estudo tem como objetivo analisar como as dinâmicas de configuração e reconfiguração de um mercado resultam num enquadramento das posições hegemônicas e alternativas em um sistema de mercado multidimensional. Na busca por esse objetivo, exige-se compreender os mercados para além de um mecanismo de troca em díade (um comprador e um vendedor), reconhecendo um conjunto de práticas desempenhadas por uma rede de atores que resultam na modelagem ativa da oferta e das formas de consumo (Araujo, Finch & Kjellberg, 2010Araujo, L., Finch, J., & Kjellberg, H. (2010). Reconnecting marketing to markets. London, UK: Oxford University Press.; Callon, 2016Callon, M. (2016). Revisiting marketizations: From interface-markets to market-agencements. Consumption Markets & Culture, 1(19), 17-37. doi: 10.1080/10253866.2015.1067002
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; Kjellberg & Helgesson, 2007Kjellberg, H., & Helgesson, C. (2007). On the nature of markets and their practices. Marketing Theory, 7(2), 137-162. doi: 10.1177/1470593107076862
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). Essas práticas constituem-se de molduras temporárias e imaginárias, diretamente atreladas ao contexto em que emergem. Para isso, tomou-se como contexto de estudo o mercado cervejeiro do Rio Grande do Sul. Esse mercado possui características relevantes dada a sua construção histórica pautada por uma série de transformações a partir da aquisição de cervejarias locais por grupos empresariais hegemônicos na década de 1990 (Morado, 2009Morado, R. (2009). Larousse da cerveja. São Paulo, SP: Larousse.). Além disso, o Rio Grande do Sul é o estado com maior número de cervejarias do Brasil (Marcusso & Müller, 2019Marcusso, E. F., & Müller, C. V. (2019). Anuário da cerveja no Brasil 2018: Crescimento e inovação. Recuperado de http://www.agricultura.gov.br/assuntos/inspecao/produtos-vegetal/pasta-publicacoes-DIPOV/anuario-da-cerveja-no-brasil-2018/view
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), decorrente da ascensão de uma cena em torno da cerveja artesanal (Cruz, Fonseca, & Castilhos, 2017Cruz, R. C., Fonseca, M. J., & Castilhos, R. B. (2017). Consumption and market formation: A study about the microbreweries of Porto Alegre. XLI EnANPAD, São Paulo, SP.).

Com isso, identifica-se a constituição de duas dimensões distintas, uma hegemônica e denominada massificada - caracterizada por cervejas produzidas em larga escala, com o auxílio de aditivos que visam à redução de custos e rapidez nos processos produtivos - e outra alternativa, denominada artesanal - caracterizada por um processo produtivo livre de aditivos, mais lento em termos de fermentação e maturação, que valoriza o mestre cervejeiro e, consequentemente, comercializada em menor escala (Corazza, 2011Corazza, R. M. (2011). A expansão recente das cervejarias artesanais no contexto de alta concentração de mercado de cerveja no Brasil. Campinas, SP: Instituto de Economia-Unicamp.). Diferentemente do conceito de segmentos prevalente na literatura de marketing gerencial, a dimensionalidade do mercado não se resume a práticas gerenciais de enquadramento de consumidores em grupos estabelecidos, mas sim configura-se em um processo dinâmico de enquadramento e reenquadramento de todo o mercado, seus múltiplos atores e práticas. Especificamente, identifica-se uma forma específica de ligação entre as múltiplas dimensões de um mercado, denominada ligação covalente, na qual as dimensões coexistem sem que ocorra uma estabilização em torno da dimensão hegemônica. Nos capítulos seguintes, detalhamos aspectos teóricos e empíricos evocados nesta introdução.

REFERENCIAL TEÓRICO

Historicamente, estudos de mercado têm buscado descrever os mercados para além de um modelo estrutural e funcional, reconhecendo aspectos sociais e culturais envolvidos na sua formação (Polanyi, 1957Polanyi, K. (1957). The great transformation: The political and economic origins of our time. Massachusetts, USA: Beacon Press.; Slater & Tonkiss, 2001Slater, D., & Tonkiss, F. (2001). Market society: Markets and modern social theory. Oxford, UK: Blackwell Publishers Ltd.). Apesar de difícil conceptualização, um mercado pode ser definido como uma configuração de atores interdependentes que, de maneira dinâmica e performática, moldam práticas e objetos por meio de trocas comerciais (Araujo et al., 2010Araujo, L., Finch, J., & Kjellberg, H. (2010). Reconnecting marketing to markets. London, UK: Oxford University Press.; Giesler & Fischer, 2017Giesler, M., & Fischer, E. (2017). Market system dynamics. Marketing Theory, 17(1), 3-8. doi: /10.1177/1470593116657908
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). A descrição de como essa configuração é socialmente construída tem sido buscada de modo mais consistente por dois conjuntos teóricos principais. O primeiro deles, afiliado à corrente de estudos reconhecida como Consumer Culture Theory (CCT) (para detalhes, ver Casotti & Suarez, 2016Casotti, L. M., & Suarez, M. C. (2016). Dez anos de consumer culture theory: Delimitações e aberturas. RAE-Revista de Administração de Empresas, 56(3), 353-359. doi: 10.1590/S0034-759020160308
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), reconhece os mercados como sistemas dinâmicos e destaca especialmente o papel dos consumidores na construção e reconfiguração dos mercados (Giesler & Fischer, 2017Giesler, M., & Fischer, E. (2017). Market system dynamics. Marketing Theory, 17(1), 3-8. doi: /10.1177/1470593116657908
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). O outro, compreendido como Estudos Construtivistas de Mercado (ECM), busca descrever como atores com papéis heterogêneos desempenham práticas que moldam e remoldam os mercados constantemente (Araujo et al., 2010; Harrison & Kjellberg, 2016Harrison, D., & Kjellberg, H. (2016). How users shape markets. Marketing Theory, 16(4), 445-468. doi: 10.1177/1470593116652004
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). Em comum, as duas perspectivas reconhecem que diferentes atores configuram e reconfiguram mercados de maneira dinâmica de acordo com sua posição hegemônica ou alternativa, conforme detalhado a seguir.

Os lados hegemônicos e alternativos na construção de mercados

Apesar de recentes, estudos que descrevem os mercados como sistemas dinâmicos têm proeminentemente destacado processos contraculturais e inerentemente opostos ao “mainstream” no desenvolvimento de mercado (Hietanen & Rokka, 2015Hietanen, J., & Rokka, J. (2015). Market practices in countercultural market emergence. European Journal of Marketing, 49(9/10), 1563-1588. doi: 10.1108/EJM-02-2014-0066
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). Thompson e Coskuner-Balli (2007)Thompson, C. J., & Coskuner-Balli, G. (2007). Enchanting ethical consumerism: The case of community supported agriculture. Journal of Consumer Culture, 7(3), 275-303. doi: 10.1177/1469540507081631
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, por exemplo, reconheceram, no caso da agricultura suportada pela comunidade (Community Supported Agriculture - CSA), um processo de trocas contrário àquele predominante na aquisição de alimentos. Ao construir uma rede alternativa de troca de alimentos, os consumidores assumem uma batalha ideológica para escapar da cooptação das grandes redes varejistas. Já Press, Arnould, Murray e Strand (2014)Press, M., Arnould, E. J., Murray, J. B., & Strand, K. (2014). Ideological challenges to changing strategic orientation in commodity agriculture. Journal of Marketing, 78(6), 103-119. doi: 10.1509/jm.13.0280
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ampliaram esses achados ao demonstrar que não só consumidores mas também produtores assumem posições ideológicas alternativas.

Explorando o contexto da moda, Scaraboto e Fischer (2013)Scaraboto, D., & Fischer, E. (2013). Frustrated fatshionistas: An institucional theory perspective on consumer quests for greater choice in mainstream markets. Journal of Consumer Research, 39(6), 1234-1257. doi: 10.1086/668298
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demonstraram um processo contrário, no qual os consumidores atuaram para legitimar uma dimensão alternativa (padrão de moda distinto daquele estabelecido pela indústria “fashion”) no mercado hegemônico. Detalhando o papel dos consumidores na constituição de uma estrutura sociomaterial dos mercados, Martin e Schouten (2014)Martin, D., & Schouten, M. (2014). Consumption-driven market emergence. Journal of Consumer Research, 40(5), 855-887. doi: 10.1086/673196
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descreveram a emergência do mercado de minimotos nos EUA e como essa dimensão alternativa foi incorporada pela rede de atores responsáveis pela sua construção na dimensão hegemônica. Em outra situação, Weijo et al. (2018)Weijo, H. A., Martin, D. M., & Arnould, E. J. (2018). Consumer movements and collective creativity: The case of Restaurant Day. Journal of Consumer Research, 45(2), 251-274. doi: 10.1093/jcr/ucy003
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identificaram o objetivo dos organizadores do festival Restaurant Day na Finlândia, de flexibilizar as regras do mercado nórdico de restaurantes com a criação de uma dimensão alternativa. Essa dimensão alternativa tem um caráter temporário e efêmero, limitado ao alcance dos objetivos.

Ao revelar processos ideológicos e de institucionalização das dimensões alternativas no mercado, esses estudos reforçam o caráter multidimensional dos mercados. Mesmo que de maneira efêmera, a construção dessas dimensões é consequência de uma rede de atores engajados em práticas capazes de configurar e reconfigurar constantemente os mercados (Hietanen & Rokka 2015Hietanen, J., & Rokka, J. (2015). Market practices in countercultural market emergence. European Journal of Marketing, 49(9/10), 1563-1588. doi: 10.1108/EJM-02-2014-0066
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). A compreensão dessas práticas envolve, segundo Kjellberg e Helgesson, (2007)Kjellberg, H., & Helgesson, C. (2007). On the nature of markets and their practices. Marketing Theory, 7(2), 137-162. doi: 10.1177/1470593107076862
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, o reconhecimento de três tipos: a) práticas de troca - envolvendo a consumação de operações individuais por meio de trocas econômicas; b) práticas normativas - por meio da formulação e reformulação de regras e normas a respeito do comportamento dos atores no mercado e como este deveria funcionar; e c) práticas representacionais - capazes de constituir a estrutura semiótica do mercado e as distinções que dão forma a um mercado específico.

Assim, o modelo de práticas de mercado proposto por Kjellberg e Helgesson (2007)Kjellberg, H., & Helgesson, C. (2007). On the nature of markets and their practices. Marketing Theory, 7(2), 137-162. doi: 10.1177/1470593107076862
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é útil para mostrar como se dá o processo de constituição dessa multidimensionalidade do mercado. Isso fica evidente no estudo de Hietanen e Rokka (2015)Hietanen, J., & Rokka, J. (2015). Market practices in countercultural market emergence. European Journal of Marketing, 49(9/10), 1563-1588. doi: 10.1108/EJM-02-2014-0066
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, que utilizaram esse modelo para descrever a construção de uma dimensão alternativa a partir de práticas de restrição contrárias àquelas de expansão predominantes no mercado da música eletrônica. Contudo, ao passo que estudos prévios reconhecem a multidimensionalidade do mercado, faz-se necessário compreender a forma como essas dimensões se constituem dentro de um mesmo mercado.

As translações nas dinâmicas de mercados

A descrição dos processos de interação dos mercados tem encontrado na Teoria Ator-Rede - TAR (Latour, 2005Latour, B. (2005). Reassembling the social: An introduction to actor-network-theory. Oxford, UK: Oxford University Press .) um poderoso instrumento, especialmente a partir de trabalhos de Callon (1986)Callon, M. (1986). The sociology of an actor-network: The case of the electric vehicle. In M. Callon, Law. J., & Rip, A. (Eds.), Mapping the dynamics of science and technology (pp. 19-34). London, UK: Palgrave Macmillan. . Alinhada a concepções ontológicas planas (DeLanda, 2006DeLanda, M. (2006). A new philosophy of society: Assemblage theory and social complexity. London, UK: Continuum.), a TAR busca pela descrição da relação entre sujeitos e objetos dentro de um campo específico (mercado). O seu mérito reside especialmente na capacidade de desvendar relações e associações sociais ao descrever instituições, procedimentos e práticas. Para isso, faz uso do mapeamento de controvérsias e fronteiras na relação entre atores distintos que formam uma rede de relações e objetos (Latour, 2005Latour, B. (2005). Reassembling the social: An introduction to actor-network-theory. Oxford, UK: Oxford University Press .).

Esse mapeamento permite descrever o processo de translação entre os grupos, ou seja, como as redes de relações e objetos tornam-se "estáveis" diante da fluidez e multiplicidades de mercados (Callon, 1986Callon, M. (1986). The sociology of an actor-network: The case of the electric vehicle. In M. Callon, Law. J., & Rip, A. (Eds.), Mapping the dynamics of science and technology (pp. 19-34). London, UK: Palgrave Macmillan. , 2016). A translação consiste em todos os deslocamentos por entre os atores, e, nesses deslocamentos, os atores modificam, deslocam e transladam seus vários e contraditórios interesses, tanto de forma simbólica quanto material (Tonelli, 2016Tonelli, D. F. (2016). Origens e afiliações epistemológicas da teoria ator-rede: Implicações para a análise organizacional. Cadernos EBAPE.BR, 14(2), 377-390. doi: 10.1590/1679-395141596
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). Assim, ao mesmo tempo que a translação envolve movimentos gerados pelos atores, ela também transforma os atores por meio de suas interações (Callon, 1986Callon, M. (2016). Revisiting marketizations: From interface-markets to market-agencements. Consumption Markets & Culture, 1(19), 17-37. doi: 10.1080/10253866.2015.1067002
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). No entanto, é importante compreender que translação não se resume a uma conexão de atores, nem a uma rede de atores, mas é uma conexão que induz diferentes elementos a coexistirem, por meio da atribuição de características a eles, capazes de estabelecer relações - mais ou menos - estáveis entre os elementos (Callon, 2016Callon, M. (2016). Revisiting marketizations: From interface-markets to market-agencements. Consumption Markets & Culture, 1(19), 17-37. doi: 10.1080/10253866.2015.1067002
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).

Nesse processo, as translações provocam um fluxo de enquadramentos e transbordamentos. Enquadramentos são compreendidos como um processo de estabelecimento de fronteiras dentro das quais as interações entre agentes, objetos e estruturas tomam forma (Callon, 1998Callon, M. (1998). Introduction: The embeddedness of economic markets in economics. The Sociological Review, 46(1), 1-57. doi: 10.1111/j.1467-954X.1998.tb03468.x
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). Concebido a partir da ideia de “frame” (enquadrar), o enquadramento não é dependente da racionalidade instrumental e econômica dos atores, mas sim um processo enraizado nos dispositivos físicos e organizacionais e carregado de imperfeiçoes e fracassos (Araujo et al., 2010Araujo, L., Finch, J., & Kjellberg, H. (2010). Reconnecting marketing to markets. London, UK: Oxford University Press.; Callon, 1998Callon, M. (1998). Introduction: The embeddedness of economic markets in economics. The Sociological Review, 46(1), 1-57. doi: 10.1111/j.1467-954X.1998.tb03468.x
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). Decorrentes disso, ocorrem os transbordamentos, ou seja, externalidades negativas ou positivas resultantes das imperfeições nos enquadramentos (Callon, 1998Callon, M. (1998). Introduction: The embeddedness of economic markets in economics. The Sociological Review, 46(1), 1-57. doi: 10.1111/j.1467-954X.1998.tb03468.x
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). Os transbordamentos podem ser gerados involuntariamente ou intencionalmente em função do movimento reflexivo dos agentes (Leme & Resende, 2017Leme, P. H. M. V., & Resende, D. C. (2017). Práticas de mercado e a construção de mercados: Análise dos cafés certificados e sustentáveis da Utz Certified no Brasil. XLI EnANPAD, São Paulo, SP.).

A partir disso, a proposta teórica apresentada neste estudo reconhece os mercados como um sistema dinâmico, no qual as práticas dos atores (Kjellberg & Helgesson, 2007Kjellberg, H., & Helgesson, C. (2007). On the nature of markets and their practices. Marketing Theory, 7(2), 137-162. doi: 10.1177/1470593107076862
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) provocam constantes transbordamentos e reenquadramentos (Callon, 1998Callon, M. (1998). Introduction: The embeddedness of economic markets in economics. The Sociological Review, 46(1), 1-57. doi: 10.1111/j.1467-954X.1998.tb03468.x
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, 2016Callon, M. (2016). Revisiting marketizations: From interface-markets to market-agencements. Consumption Markets & Culture, 1(19), 17-37. doi: 10.1080/10253866.2015.1067002
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). Contudo, de modo particular, sugere-se que as translações decorrentes desse processo não necessariamente reconfiguram novos mercados (como verificado por Leme & Resende, 2017Leme, P. H. M. V., & Resende, D. C. (2017). Práticas de mercado e a construção de mercados: Análise dos cafés certificados e sustentáveis da Utz Certified no Brasil. XLI EnANPAD, São Paulo, SP.; Martin & Schouten, 2014Martin, D., & Schouten, M. (2014). Consumption-driven market emergence. Journal of Consumer Research, 40(5), 855-887. doi: 10.1086/673196
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, entre outros), mas sim novas dimensões que se conectam entre si dentro de um único mercado, preservando o seu caráter multidimensional.

MÉTODO

A construção do plano empírico do estudo partiu de um olhar interpretativo interessado em compreender a construção do mercado cervejeiro do Rio Grande do Sul. Em linha com outros estudos (Cruz et al., 2017Cruz, R. C., Fonseca, M. J., & Castilhos, R. B. (2017). Consumption and market formation: A study about the microbreweries of Porto Alegre. XLI EnANPAD, São Paulo, SP.; Kjeldgaard et al., 2017Kjeldgaard, D., Askegaard, S., Rasmussen, J. Ø., & Østergaard, P. (2017). Consumers’ collective action in market system dynamics: A case of beer. Marketing Theory, 17(1), 51-70. doi: 10.1177/1470593116658197
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), entende-se por mercado cervejeiro o conjunto de significados e práticas organizado em torno da cerveja, envolvendo uma conjuntura mercadológica e suas mudanças históricas. Além disso, a definição desse mercado como contexto de estudo levou em conta a possibilidade de demarcar fronteiras simbólicas e os movimentos que ocorrem dentro delas (Dalmoro & Nique, 2017Dalmoro, M., & Nique, W. M. (2017). Tradição mercantilizada: Construção de mercados baseados na tradição. Revista de Administração Contemporânea, 21(3), 327-346. doi: 10.1590/1982-7849rac2017160047
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). Nesse sentido, o mercado cervejeiro gaúcho apresenta credenciais particulares, inicialmente à margem do processo de formação do mercado cervejeiro nacional para um posterior movimento de incorporação ao mercado nacional, com a criação da AmBev - Companhia de Bebidas das Américas em 1999 (Morado, 2009Morado, R. (2009). Larousse da cerveja. São Paulo, SP: Larousse.). Esse movimento ainda é complementado por uma busca pela retomada do protagonismo local por produtores de cerveja artesanal (Cruz et al., 2017Cruz, R. C., Fonseca, M. J., & Castilhos, R. B. (2017). Consumption and market formation: A study about the microbreweries of Porto Alegre. XLI EnANPAD, São Paulo, SP.). Com isso, o Rio Grande do Sul caracteriza-se por ser o estado com maior número de cervejarias do Brasil (186), demonstrando a relevância desse mercado no cenário nacional (Marcusso & Müller, 2019Marcusso, E. F., & Müller, C. V. (2019). Anuário da cerveja no Brasil 2018: Crescimento e inovação. Recuperado de http://www.agricultura.gov.br/assuntos/inspecao/produtos-vegetal/pasta-publicacoes-DIPOV/anuario-da-cerveja-no-brasil-2018/view
http://www.agricultura.gov.br/assuntos/i...
). Esse cenário, envolvendo um grupo de grandes empresas estabelecidas e a emergência de inúmeras cervejarias artesanais, permitiu identificar, de maneira clara, duas posições distintas: a) grande indústria cervejeira nacional formando um núcleo no qual poucos atores controlam a maior parcela do mercado por meio da distribuição em larga escala, denominada, neste estudo, dimensão massificada; (b) cervejarias locais formando um núcleo com uma multiplicidade de atores pouco representativos, denominada, aqui, dimensão artesanal.

A análise desse contexto foi orientada pela teorização do processo (Giesler & Thompson, 2016Giesler, M., & Thompson, C. J. (2016). A tutorial in consumer research: Process theorization in cultural consumer research. Journal of Consumer Research, 43(4), 497-508. doi: 10.1093/jcr/ucw047
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). Mais especificamente, a condução do trabalho empírico seguiu uma perspectiva transformativa, ou seja, envolveu a compreensão de eventos, atividades e percepções que revelam interconexões, demandas e influências na configuração do mercado. A perspectiva transformativa demonstrou-se adequada para este estudo, pois foca as variações ao longo de um processo, capazes de romper com a inércia da estrutura, mas que não são suficientemente fortes para promover uma ruptura na estrutura (Giesler & Thompson, 2016Giesler, M., & Thompson, C. J. (2016). A tutorial in consumer research: Process theorization in cultural consumer research. Journal of Consumer Research, 43(4), 497-508. doi: 10.1093/jcr/ucw047
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). Essas variações não visam proporcionar uma cronologia histórica, mas sim compreender eventos que provocam transformações no mercado. A teorização deriva de um conjunto de eventos capazes de conferir uma narrativa e contornos simbólicos do processo (Giesler & Thompson, 2016).

A partir da definição do contexto e da perspectiva interpretativa, conduzimos uma imersão nesse campo cultural por meio de duas etapas, visando explorar as duas dimensões e as movimentações de ambos os grupos de atores tanto dentro como entre as dimensões. A primeira etapa ocorreu majoritariamente no período de março a junho de 2017 e visou a coleta de dados netnográficos por meio de: a) acompanhamento de espaços virtuais que tratam do tema, como blogs e vlogs; b) acompanhamento e participação em discussões em redes sociais (Facebook e grupo de WhatsApp) da Associação dos Cervejeiros Artesanais do Rio Grande do Sul - ACervA Gaúcha; c) constituição e análise de base de dados (cerca de 300Mb) contendo notícias, documentos, relatórios governamentais, livros e artigos científicos sobre o mercado cervejeiro no mundo e no Brasil. Os dados netnográficos foram coletadas pelo segundo autor e as observações, registradas em diários e compartilhadas entre os autores. Importante destacar que o primeiro autor não tinha conhecimento prévio do tema e o segundo autor possuía a visão de produtor artesanal (pequena produção para consumo próprio). Os dados obtidos nessa primeira fase tiveram um caráter macro, ou seja, nos auxiliaram na construção de uma lógica analítica e na produção de sentido acerca da configuração do mercado (Giesler & Thompson, 2016Giesler, M., & Thompson, C. J. (2016). A tutorial in consumer research: Process theorization in cultural consumer research. Journal of Consumer Research, 43(4), 497-508. doi: 10.1093/jcr/ucw047
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).

A segunda etapa envolveu entrevistas em profundidade. Para isso, foi elaborado um roteiro semiestruturado envolvendo 15 perguntas organizadas em torno de três temas centrais: a) visão geral dos entrevistados - “grand tour” (McCracken 1988McCracken, G. (1988). The long interview. London, UK: Sage.); b) percepções acerca das práticas de produção e consumo de cerveja; e c) conflitos entre os modelos de produção industrial e artesanal. A seleção dos entrevistados tomou como ponto de partida uma pessoa ligada à ACervA Gaúcha. Posteriormente, foi utilizada a técnica de “snowball sample”, visando a indicações de nomes com perfis distintos (produtores artesanais, gestores e mestres cervejeiros de grandes cervejarias e especialistas de mercado). Ao atingir a marca de 10 entrevistas, os pesquisadores identificaram indícios de saturação dos dados (Strauss & Corbin, 1990Strauss, A., & Corbin, J. (1990). Basics of qualitative research. London, UK: Sage Publications.), visto que as explicações fornecidas pelos entrevistados traziam argumentos similares. Para fins de confirmação, foi realizada uma entrevista adicional, totalizando 11 entrevistas com cerca de 50 minutos cada. O perfil de cada entrevistado é descrito no Quadro 1.

Quadro 1
Descrição dos entrevistados

Os dados obtidos na segunda etapa tiveram um caráter micro, descrevendo majoritariamente percepções e vivências dos entrevistados no mercado. Ao findar a segunda etapa, recorremos aos artigos e notícias do banco de dados para confirmar a coerência dos fatos narrados pelos entrevistados - por exemplo: precisão nas datas e relevância dos eventos narrados. Esse procedimento também serviu para confirmar a interconexão entre os eventos identificados na análise macro (exemplo: aquisição de cervejarias locais pela Ambev) e as percepção de nível micro fornecidas pelos entrevistados (exemplo: significados atribuídos pelos atores a essas aquisições). Segundo Giesler e Thompson (2016)Giesler, M., & Thompson, C. J. (2016). A tutorial in consumer research: Process theorization in cultural consumer research. Journal of Consumer Research, 43(4), 497-508. doi: 10.1093/jcr/ucw047
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, a junção de dados de caráter micro com outros de caráter macro fornece uma base empírica rica e variada para a teorização do processo.

A análise e interpretação dos dados seguiu a premissa de que os dados não manifestam apenas a visão dos entrevistados, mas articulam o sistema cultural (mercado cervejeiro) no qual eles estão inseridos (Thompson, 1997Thompson, C. J. (1997). Interpreting consumers: A hermeneutical framework for deriving marketing insights from the texts of consumers’ consumption stories. Journal of Marketing Research, 34(4), 438-455. doi: 10.2307/3151963
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). Para isso, adotamos a técnica de análise de categorias (Lofland & Lofland, 2015Lofland, J., & Lofland, L. H. (2015). Analyzing social settings (3a ed.). Belmont, USA: Wadsworth.) com o uso do software Nvivo. O primeiro autor codificou as entrevistas com termos capazes de identificar narrativas emergentes e comuns. Em seguida, os códigos emergentes foram revisados à luz dos dados netnográficos e discutidos entre os autores, visando à identificação de uma sequência de eventos-chave. Posteriormente, os dados foram agrupados, dando origem a três categorias: a) enquadramento do mercado de cervejas; b) dinâmica de (re)configuração de uma dimensão alternativa; e c) consequências das dinâmicas no mercado. Por fim, foi identificada, em cada categoria, a descrição de práticas de troca, normativas e representacionais (Kjellberg & Helgesson, 2007Kjellberg, H., & Helgesson, C. (2007). On the nature of markets and their practices. Marketing Theory, 7(2), 137-162. doi: 10.1177/1470593107076862
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), bem como tensões envolvendo as múltiplas dimensões identificadas no mercado.

ANÁLISE DOS DADOS

O primeiro passo na análise dos dados envolveu a identificação do quadro que dá forma ao mercado. Partindo de uma construção histórica, o mercado de cervejas tem se caracterizado pela associação de empresas multinacionais com empresas nacionais em grandes conglomerados (Ambev, Heineken e Cervejaria Petrópolis) responsáveis pela produção e comercialização de 98% das cervejas consumidas no país (Cervieri, 2017Cervieri, O., Jr . (2017). Panoramas setoriais 2030: Bebidas. Panoramas Setoriais 2030: Desafios e oportunidades para o Brasil (pp. 69-78). Rio de Janeiro, RJ: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.). Essa produção é composta predominantemente de cerveja tipo Pilsen, seguindo um padrão internacional de cerveja clara, como menos malte e complementada com cereais não maltados, que, além de reduzir custos de produção, resulta num produto mais leve e palatável ao gosto da população em geral (Oliver, 2012Oliver, G. (2012). A mesa do mestre cervejeiro. São Paulo, Sp: Senac.). Complementarmente, as grandes cervejarias possuem um amplo sistema de distribuição e promoção, capaz de atingir cerca de 1,2 milhão de pontos de vendas, comercializando 13,3 bilhões de litros de cerveja (Cervieri, 2017). Esses números fazem do Brasil o terceiro maior mercado de cervejas do mundo em termos de volume e faturamento (Marcusso & Müller, 2019Marcusso, E. F., & Müller, C. V. (2019). Anuário da cerveja no Brasil 2018: Crescimento e inovação. Recuperado de http://www.agricultura.gov.br/assuntos/inspecao/produtos-vegetal/pasta-publicacoes-DIPOV/anuario-da-cerveja-no-brasil-2018/view
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), bem como ressaltam uma dimensão massificada e hegemônica no mercado de cerveja.

Contudo, esse quadro envolve fronteiras e controvérsias (Latour, 2005Latour, B. (2005). Reassembling the social: An introduction to actor-network-theory. Oxford, UK: Oxford University Press .) em função da criação de novas cervejarias. Segundo Marcusso e Müller (2019)Marcusso, E. F., & Müller, C. V. (2019). Anuário da cerveja no Brasil 2018: Crescimento e inovação. Recuperado de http://www.agricultura.gov.br/assuntos/inspecao/produtos-vegetal/pasta-publicacoes-DIPOV/anuario-da-cerveja-no-brasil-2018/view
http://www.agricultura.gov.br/assuntos/i...
, em 2010, havia 266 cervejarias registradas no Brasil, e, em 2018, esse número cresceu para 889. Essas cervejarias constituem-se basicamente de microcervejarias, brewpubs e cervejarias regionais orientadas para mercados locais, produção de cervejas de estilos distintos do estilo Pilsen e foco na experiência do consumo e da qualidade (Lapoli, 2019Lapoli, C. (2019). Mercado da cerveja. Recuperado de http://pages.abracerva.com.br/documento-mercado-da-cerveja
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). Essas características permitem estabelecer uma fronteira clara entre a dimensão massificada e essa emergente, reconhecida como artesanal (Lapoli, 2019Lapoli, C. (2019). Mercado da cerveja. Recuperado de http://pages.abracerva.com.br/documento-mercado-da-cerveja
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). A dimensão artesanal apresenta um crescimento médio de 15% ao ano, diante da estabilidade ou redução no consumo de cervejas produzidas em massa (Instituto da Cerveja, 2016Instituto da Cerveja. (2016). Cervejarias artesanais no Brasil. Recuperado de https://www.institutodacerveja.com.br/blog/n113/novidades/cervejarias-artesanais-no-brasil
https://www.institutodacerveja.com.br/bl...
; Lapoli, 2019Lapoli, C. (2019). Mercado da cerveja. Recuperado de http://pages.abracerva.com.br/documento-mercado-da-cerveja
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). A explicação para isso pode estar na emergência de um tipo de consumidor denominado "consumidor artesanal", capaz de aplicar habilidades e paixões na busca por produtos que são desenvolvidos e elaborados pela mesma pessoa, como uma forma de reação à padronização daqueles produzidos em massa (Campbell, 2005Campbell, C. (2005). The craft consumer: Culture, craft and consumption in a postmodern society. Journal of Consumer Culture, 5(1), 23-42. doi: 10.1177/1469540505049843
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).

Assim, na descrição do mercado cervejeiro, evidencia-se uma dimensão hegemônica, associada a grandes empresas e produção em massa, e uma dimensão alternativa, associada à produção artesanal emergente. A partir desse enquadramento multidimensional, a seguir, detalhamos o processo de configuração e reconfiguração dessas dimensões no mercado cervejeiro do Rio Grande do Sul.

Dinâmicas de configuração de uma nova dimensão no mercado

A produção comercial de cerveja no Rio Grande do Sul foi marcada pela influência da imigração alemã nas receitas e insumos utilizados. Empresas de atuação regional valorizavam o malte, resultando em cervejas mais encorpadas, como a cerveja SerraMalte, que se caracterizava por levar uma quantidade extra de malte, e a cerveja de alta fermentação Estrela Stout, produzida pela Cervejaria Polar. Essas características configuravam uma distinção em relação ao restante do País, onde predominavam cervejas de baixa fermentação, produzidas já em maior escala, com o uso de cereais não maltados, por cervejarias de atuação nacional, como Brahma e Antarctica (Limberger, 2013Limberger, S. C. (2013). O setor cervejeiro no Brasil: Gênese e evolução. CaderNAU, 6(1), 1-17.). Esse cenário perdurou até a década de 1990, quando a criação da Ambev reconfigurou o mercado local a partir da aquisição ou unificação das diferentes marcas regionais, como descreve o entrevistado Olívio:

Trabalhei por 20 anos na Polar de Estrela. Era uma empresa que tinha por essência a produção de cerveja com muita qualidade. Não só a Polar, mas tínhamos cervejas muito boas no nosso Estado. Tinha a Serramalte, de Feliz, a Original em Montenegro. Tínhamos muitas opções de cerveja para escolher. Quando surgiu a Ambev, acabou… Compraram e fecharam tudo. Hoje, em Viamão, a Ambev fabrica todas; a Skol, a Polar, a Antarctica. Isso mudou muito o cenário da época porque tal unificação terminou com a concorrência natural das marcas (Olívio, mestre cervejeiro e proprietário de microcervejaria).

O movimento de incorporação das cervejarias locais pela Ambev descrito pelo entrevistado Olívio culminou na concentração do mercado em torno de um ator hegemônico. O fechamento de unidades produtoras afetou também os consumidores, ao perderem a referência de produção local. O entrevistado Marco descreve esse processo na sua visão de consumidor:

Antigamente, com a Polar, diziam que a cerveja boa era produzida na Rua Pinheiro Machado, 347 [endereço da Polar]. Tínhamos uma ligação forte com a marca e com o produto. Quando isso acabou, acabei tentando continuar a valorizar a cerveja local, com algumas pouquíssimas pequenas fábricas da região. Claro, num primeiro momento, consumia ainda produtos comerciais, devido à falta de rótulos e informações. Alguns anos mais tarde, meu irmão abriu uma fábrica de cerveja artesanal, e, a partir disso, sempre consumi apenas cerveja artesanal (Marco, gerente de distribuidora de cerveja e consumidor de cerveja artesanal).

As imperfeições e limitações deixadas pelo fechamento das cervejarias locais e a massificação da oferta foram responsáveis por um trasbordamento, levando os atores locais a buscarem formas alternativas de produção e consumo. O entrevistado Michael, atuante no setor de cerveja há cerca de 30 anos, comenta que havia um desejo de fazer algo diferente e de mais qualidade em relação àquele produto padronizado que as grandes cervejarias passaram a impor. Formou-se uma rede de cervejeiros artesanais dispostos a reconstruir o padrão de oferta estabelecido: “Montamos a fábrica, primeiramente para não precisar mais consumir produtos da Ambev. Senti que poderíamos voltar a ter boas cervejas” (Olívio, mestre cervejeiro e proprietário de microcervejaria).

A fala dos entrevistados retrata que o transbordamento envolveu, nesse caso, mais uma disposição em fazer a própria cerveja dentro dos padrões de qualidade esperados do que condições mercadológicas em si. A explicação para isso pode estar no fato de que a construção de espaços alternativos envolve esforços de cooperação e ativismo capazes de criar uma infraestrutura de suporte e a solidificação de uma identidade em prol desses espaços (Rao, Morrill, & Zald, 2000Rao, H., Morrill, C., & Zald, M. N. (2000). Power plays: How social movements and collective action create new organizational forms. Research in Organizational Behavior, 22(1), 237-281. doi: 10.1016/S0191-3085(00)22007-8
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). Além disso, outra característica relevante nesse processo foi o rompimento dos papéis de produtor e consumidor (Humphreys & Grayson, 2008Humphreys, A., & Grayson, K. (2008). The intersecting roles of consumer and producer: A critical perspective on co‐production, co‐creation and prosumption. Sociology Compass, 2(3), 963-980. doi: 10.1111/j.1751-9020.2008.00112.x
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), dado que os entrevistados reportam que eram consumidores de cervejas comerciais, mas passaram a assumir o papel de produtores, para produzir cervejas de modo artesanal.

A transformação dessas tensões e transbordamentos em uma nova dimensão envolveu diferentes práticas (Kjellberg & Helgesson, 2007Kjellberg, H., & Helgesson, C. (2007). On the nature of markets and their practices. Marketing Theory, 7(2), 137-162. doi: 10.1177/1470593107076862
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). O primeiro grupo envolveu a constituição de novas práticas de troca, mesmo que isso implicasse dificuldade de comercialização. Gustavo reporta que os consumidores não estavam acostumados a consumir outro tipo de cerveja que não o Pilsen:

No início, não vendíamos nada de cervejas do tipo Ale. O consumidor achava que estava estragada aquela cerveja mais amarga, mais encorpada. Fomos aos poucos lançando cervejas mais encorpadas, como a Brown ou a Vienna, para o consumidor ir se acostumando com os diferentes perfis de cerveja. Com o passar do tempo, a demanda por cervejas mais fortes foi aumentando, e fomos acompanhando essa demanda que acabamos fomentando (Gustavo, mestre cervejeiro e proprietário de microcervejaria).

Tal falta de conhecimento por parte dos consumidores motivou Michael a desenvolver uma embalagem que chamasse a atenção do consumidor, engarrafando sua cerveja numa garrafa que lembrava um frasco de remédio. Além disso, por ser um produto com leveduras vivas, ao abrir a garrafa, ouvia-se um estouro: “Acredito que tenha sido a primeira cerveja que vendeu pela audição... Além da qualidade, claro, que sempre foi muito superior” (Michael, mestre cervejeiro e proprietário de microcervejaria). Assim, observa-se o uso de práticas representacionais de modo complementar às práticas de troca como uma forma de distinguir a cerveja artesanal daquela massificada.

Adicionalmente, os entrevistados reportam que as práticas representacionais desempenhadas tanto por produtores quanto por consumidores incorporavam um apreço pela cerveja local. O mestre cervejeiro Gustavo destaca que, na dimensão artesanal, a marca é um elemento simbólico de menor relevância, visto que o consumo é pautado por um caráter local. O local é visto pelo entrevistado como um elemento representativo de qualidade superior, dado que permite saber onde a bebida é produzida e ter contato mais próximo com o cervejeiro. Alinhado com outras falas de entrevistados, Gustavo reforça o papel do mestre cervejeiro em testar matérias-primas, combinações e processos na busca por novos estilos e produção de qualidade. Consequentemente, tem condições de estabelecer representações distintas aos seus produtos em relação àqueles massificados.

As falas dos entrevistados remetem, ainda, a aspectos normativos envolvidos nas práticas dos cervejeiros artesanais. Para eles, a produção artesanal caracteriza-se por seguir a "lei da pureza", produzindo cervejas com puro malte, ou seja, produzir cerveja utilizando apenas água, malte, lúpulo e leveduras (Morado, 2009Morado, R. (2009). Larousse da cerveja. São Paulo, SP: Larousse.). Os entrevistados explicam que, mesmo a legislação brasileira permitindo a incorporação de outros insumos - em especial, cereais não maltados, largamente utilizados na produção de cervejas distribuídas em massa - seguir a norma "puro malte" era necessário para obter um produto de qualidade superior. Essa norma acabou por assumir a posição de intermediária (conforme descrito por Latour 2005Latour, B. (2005). Reassembling the social: An introduction to actor-network-theory. Oxford, UK: Oxford University Press .), ou seja, permite que aspectos invisíveis possam ser nomeados e assumir um significado social, tornando-os "visíveis" e passíveis de serem disseminados. Ao seguir a norma e divulgá-la no rótulo dos produtos, os cervejeiros distinguiam-se das grandes cervejarias que não seguiam a norma.

Conforme Ebner e Beck (2008)Ebner, A., & Beck, N. (2008). The institutions of market: Organizations, social systems and governance. Oxford, UK: Oxford University Press., a configuração de um mercado envolve trocas entre agentes com diferentes interesses e percepções. Assim, de modo complementar aos esforços dos consumidores no suporte do mercado de cerveja artesanal (Koch & Sauerbronn, 2019Koch, E. S., & Sauerbronn, J. F. (2019). To love beer above all things: An analysis of Brazilian craft beer subculture of consumption. Journal of Food Products Marketing, 25(1), 1-25. ), a configuração da dimensão artesanal no mercado cervejeiro gaúcho passou por um transbordamento e reenquadramento em duas dimensões distintas. Nesse processo, destacam-se as práticas dos cervejeiros locais na construção dessa distinção entre as cervejas reconhecidas como de massa e artesanal.

Consequências da multidimensionalidade do mercado

Assim como no mercado de alimentos, a construção de uma dimensão alternativa não configurou uma alteração na dimensão hegemônica (Press et al, 2014Press, M., Arnould, E. J., Murray, J. B., & Strand, K. (2014). Ideological challenges to changing strategic orientation in commodity agriculture. Journal of Marketing, 78(6), 103-119. doi: 10.1509/jm.13.0280
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; Thompson e Coskuner-Balli, 2007Thompson, C. J., & Coskuner-Balli, G. (2007). Enchanting ethical consumerism: The case of community supported agriculture. Journal of Consumer Culture, 7(3), 275-303. doi: 10.1177/1469540507081631
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). Entretanto, enquanto para Press et al. (2014) a explicação está na orientação ideológica dos produtos, no caso do mercado analisado, a explicação está no domínio do mercado por parte de poucos produtores de cerveja em massa (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas [Sebrae], 2015). A consequência disso não é uma disputa ideológica, mas um realinhamento dos diferentes atores em torno das duas dimensões:

O mercado de cervejas artesanais cresce de forma exponencial. Se desenvolve muito na região Sul devido ao clima ser mais frio e à facilidade de acesso aos insumos, e tem incomodado muito as grandes corporações. Tu vês a cada dia novas empresas surgindo com cervejas de muita qualidade. As grandes corporações têm percebido esse nicho de mercado e comprado algumas microcervejarias (Bregon, sócio e diretor de cervejaria).

Como destacou o entrevistado, os produtores de cerveja em massa passaram a acompanhar as dinâmicas da dimensão artesanal. Dois eventos-chave nesse sentido foram a compra da microcervejaria Baden e da Eisenbahn pelo grupo Schincariol e a aquisição das cervejarias Colorado e Wäls, símbolos da cena artesanal, pela AmBev. No entanto, diferentemente dos processos de cooptação que tendem a realinhar a dimensão alternativa à dimensão hegemônica (Thompson e Coskuner-Balli, 2007Thompson, C. J., & Coskuner-Balli, G. (2007). Enchanting ethical consumerism: The case of community supported agriculture. Journal of Consumer Culture, 7(3), 275-303. doi: 10.1177/1469540507081631
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), nesses casos houve esforços para que se ocultasse o vínculo das grandes cervejarias com pequenas empresas. Para Corazza (2011)Corazza, R. M. (2011). A expansão recente das cervejarias artesanais no contexto de alta concentração de mercado de cerveja no Brasil. Campinas, SP: Instituto de Economia-Unicamp., o objetivo de ocultação desse vínculo é manter o enquadramento das empresas adquiridas na dimensão artesanal. Para tanto, ao informar a aquisição da Cervejaria Colorado pela Ambev, o comunicado ressaltava que o fundador da cervejaria e reconhecido mestre cervejeiro da cena artesanal continuaria atuando na criação de novos produtos e assegurando sua qualidade e diferenciação. Ao mesmo tempo, o comunicado destacava que a capacidade de distribuição da Ambev ampliaria o acesso aos produtos, beneficiando os consumidores. Conforme descrito por Chapman, Lellock e Lippard (2017)Chapman, N. G., Lellock, J. S., & Lippard, C. D. (2017). Untapped: Exploring the cultural dimensions of craft beer. Morgantown, USA: West Virginia University Press., a narrativa comum dos produtores artesanais é que estes não produzem pelo lucro, mas pelo prazer de fazer cerveja, tornando-se símbolos da dimensão alternativa e capazes de emprestar suas trajetórias na manutenção de um discurso alternativo.

Para os entrevistados, os esforços desempenhados pelas grandes empresas para preservar a dimensão alternativa são explicados pelos ganhos econômicos proporcionados por ela:

Nós (produtores de cerveja artesanal) demos de bandeja o mercado para as comerciais (produção em massa). Brahma Extra, a Bohemia, a Original, antigamente eram vendidas a R$ 2,00, junto com todas as outras (Skol, Kaiser, Antarctica, entre outras). Não existia o nicho de cervejas premium. Todas eram vendidas a R$ 2,00. Nós vendíamos artesanal a R$ 7,00. E vendíamos! Aí o que os caras fizeram: criaram um nicho de cervejas premium, intermediárias às artesanais e comerciais. Nele colocaram essas Brahmas, Bohemias a R$ 4,00, ganhando o dobro do que ganhavam antes. Nós demos essa possibilidade a eles. Com essa diferença, a Ambev comprou a Colorado, a Wähls. Só com essa variação de R$ 2,00. Que baita negócio, né? (Michael, mestre cervejeiro e proprietário de microcervejaria).

Ao analisar dados setoriais, observa-se que, ao mesmo tempo que há uma queda no volume de cerveja comercializado, o faturamento das empresas cresce em função da venda de cervejas premium e artesanais (Cervieri, 2017Cervieri, O., Jr . (2017). Panoramas setoriais 2030: Bebidas. Panoramas Setoriais 2030: Desafios e oportunidades para o Brasil (pp. 69-78). Rio de Janeiro, RJ: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.). Indicadores de consumo apontam que os consumidores estão bebendo menos - redução do consumo per capita - mas bebendo produtos de melhor qualidade e preço superior (Koch & Sauerbronn, 2019Koch, E. S., & Sauerbronn, J. F. (2019). To love beer above all things: An analysis of Brazilian craft beer subculture of consumption. Journal of Food Products Marketing, 25(1), 1-25. ; Marcusso & Müller, 2019Marcusso, E. F., & Müller, C. V. (2019). Anuário da cerveja no Brasil 2018: Crescimento e inovação. Recuperado de http://www.agricultura.gov.br/assuntos/inspecao/produtos-vegetal/pasta-publicacoes-DIPOV/anuario-da-cerveja-no-brasil-2018/view
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). Ao alinhar suas práticas de troca dentro de uma dimensão artesanal, as grandes cervejarias acabam por ampliá-la por meio da redução de preços e maior capacidade de distribuição. Esse processo de ampliação das trocas via redução de preços e aumento da competição é avaliado de maneira distinta entre os entrevistados. Enquanto alguns manifestam preocupação quanto à competitividade das cervejarias locais, outros entendem que isso gera benefícios para todos os atores: “Hoje, nos supermercados, tu encontras cerveja de maior qualidade a preços menores que anos atrás. Vejo essa popularização da cerveja artesanal de forma positiva para todos que compõem o mercado” (Bregon, sócio e diretor de cervejaria).

Para os entrevistados, o ponto central na preservação da dimensão artesanal está nas práticas representacionais: “O termo ‘artesanal’ não é claro nem para o consumidor nem para o produtor. Não se tem uma distinção clara do que é cerveja artesanal, e isso dificulta para segmentar o mercado” (Mário, cervejeiro artesanal). Na busca por uma definição do que representaria "cerveja artesanal", os entrevistados evocam a seguinte noção: “Tem muito a ver com a alma de quem a faz. Artesanal é como tu enxerga a cerveja. Acho que, para ser artesanal, o cervejeiro tem que ser mais importante que o departamento comercial” (Michael, mestre cervejeiro e proprietário de microcervejaria). Nesse sentido, o consultor no setor cervejeiro Sandro entende que o ingresso das grandes cervejarias na dimensão artesanal não representa o seu fim, dado que artesanal não está associado ao volume de produção, mas à percepção de qualidade e à importância do mestre cervejeiro na sua produção. Para ele, se as grandes cervejarias mantiverem o padrão de qualidade das cervejas artesanais, só reforçarão a dimensão. Como descrito por Thompson (2004)Thompson, C. J. (2004). Marketplace mythology and discourses of power. Journal of Consumer Research, 31(1), 162-180. doi: 10.1086/383432
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, a representação é moldada de acordo com as características competitivas de um mercado, provendo significados e metáforas que servem às agendas dos diferentes atores envolvidos. Assim, a ameaça de perda dos significados atrelados à cerveja artesanal não está no fato de as grandes cervejarias adquirirem cervejarias artesanais, mas na capacidade da dimensão artesanal em ocupar um espaço relevante nas dinâmicas competitivas do mercado.

A ocupação dos espaços do mercado pela dimensão artesanal também envolve práticas normativas do consumo de cerveja artesanal via adequação do gosto. Para o proprietário de microcervejaria Michael, os consumidores mudaram os seus hábitos especialmente por meio da disseminação da norma "puro malte" e do padrão de qualidade resultante dela. Ao terem contato com as cervejas artesanais, foram instigados a uma transformação no gosto, como destacado pelo cervejeiro artesanal Djonathan: “Na primeira vez que consumi (cerveja artesanal), foi automática a comparação com as cervejas que consumia até então. Senti grande diferença de qualidade e hoje consumo apenas cerveja artesanal”. Assim como identificado por Carrol e Swaminathan (2000), no mercado de cerveja, produtores em massa e artesanais atuam no estabelecimento de marcadores de qualidade a partir da mobilização de recursos de gosto. A norma "puro malte" é mobilizada para educar o consumidor e desafiar as percepções constituídas na dimensão massificada, tanto pelas cervejarias artesanais quanto pelas grandes cervejarias, ao lançarem novos produtos que respeitam essa norma. A título de síntese, a Figura 1 apresenta as tensões e práticas identificadas dentro de um fluxo de transbordamento e realinhamento.

Figura 1
Dinâmica de configuração e reconfiguração do mercado cervejeiro gaúcho

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Primeiramente, os resultados permitem compreender o transbordamento do mercado cervejeiro gaúcho a partir de eventos-chave relacionados à aquisição e fechamento das cervejarias locais pela Ambev. Esses eventos serviram como forças capazes de movimentar as estruturas do mercado e dar início a um processo de multidimensionamento do mercado. Contudo, o realinhamento das práticas no mercado não resultou na emergência de um novo mercado, como descrito por Martin e Schouten (2014)Martin, D., & Schouten, M. (2014). Consumption-driven market emergence. Journal of Consumer Research, 40(5), 855-887. doi: 10.1086/673196
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, ou na incorporação dessas práticas pelo lado hegemônico do mercado, como descrito por Dolbec e Fischer (2015)Dolbec, P., & Fischer, E. (2015). Refashioning a field? Connected consumers and institutional dynamics in markets. Journal of Consumer Research, 41(6), 1447-1468. doi: 10.1086/680671
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. O que chama a atenção nesse caso é que os transbordamentos e reenquadramentos que, conforme estudos prévios (Callon, 2016Callon, M. (2016). Revisiting marketizations: From interface-markets to market-agencements. Consumption Markets & Culture, 1(19), 17-37. doi: 10.1080/10253866.2015.1067002
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; Leme & Resende, 2017Leme, P. H. M. V., & Resende, D. C. (2017). Práticas de mercado e a construção de mercados: Análise dos cafés certificados e sustentáveis da Utz Certified no Brasil. XLI EnANPAD, São Paulo, SP.), deveriam provocar a desestabilização do mercado provocaram a coexistência, por meio de práticas de troca, representacionais e normativas capazes de garantir uma distinção entre a dimensão alternativa e a dimensão hegemônica. Assim, a multidimensionalidade não é decorrente da estabilização do mercado, mas sim do conjunto de práticas capazes de preservar essa característica mesmo diante das constantes reconfigurações que conferem o caráter dinâmico dos mercados.

A partir disso, os resultados revelam como as múltiplas dimensões de um mercado podem coexistir, sem necessariamente serem cooptadas pela dimensão hegemônica. Estudos recentes identificaram que os esforços dos atores na construção de uma dimensão contracultural tendem a se esgotar com a sua legitimação junto aos grupos hegemônicos (Scaraboto & Fischer, 2013Scaraboto, D., & Fischer, E. (2013). Frustrated fatshionistas: An institucional theory perspective on consumer quests for greater choice in mainstream markets. Journal of Consumer Research, 39(6), 1234-1257. doi: 10.1086/668298
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; Weijo et al., 2018Weijo, H. A., Martin, D. M., & Arnould, E. J. (2018). Consumer movements and collective creativity: The case of Restaurant Day. Journal of Consumer Research, 45(2), 251-274. doi: 10.1093/jcr/ucy003
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). Em raros casos, esses atores precisam desenvolver uma batalha ideológica para evitar a sua cooptação, criando um novo mercado baseado em mecanismos de troca completamente distintos, como o caso da agricultura suportada pela comunidade (Thompson e Coskuner-Balli, 2007Thompson, C. J., & Coskuner-Balli, G. (2007). Enchanting ethical consumerism: The case of community supported agriculture. Journal of Consumer Culture, 7(3), 275-303. doi: 10.1177/1469540507081631
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). No caso do mercado cervejeiro analisado, as múltiplas dimensões operam num processo de atração e repulsão: enquanto a emergência da dimensão alternativa atrai a atenção dos atores hegemônicos, a configuração da dimensão artesanal exige que estes alterem algumas práticas para ingressarem na dimensão artesanal. Consequentemente, isso gera uma repulsão entre as dimensões decorrente do realinhamento das práticas de maneira específica em cada dimensão, reforçando suas diferenças.

A explicação para isso está, primeiramente, nos ganhos que a coexistência de múltiplas dimensões proporciona tanto para atores originalmente ligados à dimensão hegemônica quanto para os atores ligados à dimensão alternativa. Além disso, diferentemente do mercado de alimentos descrito por Press et al. (2014)Press, M., Arnould, E. J., Murray, J. B., & Strand, K. (2014). Ideological challenges to changing strategic orientation in commodity agriculture. Journal of Marketing, 78(6), 103-119. doi: 10.1509/jm.13.0280
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, que exige que os atores assumam uma posição ideológica em uma ou em outra dimensão, no mercado cervejeiro, os atores podem transitar nas duas dimensões, adotando práticas específicas em cada uma delas. Isso decorre do fato de que a distinção opera no âmbito não humano do mercado, ou seja, na sua materialidade - cerveja artesanal versus cerveja de massa - não no nível dos atores humanos e organizacionais e suas ideologias, visto que estes transitam entre as diferentes dimensões sem desconfigurar a distinção da materialidade.

Com base nesses achados, propõe-se uma nova metáfora para descrever a ligação entre as dimensões de um mercado. Fazendo uso da noção de ligação covalente - responsável por descrever uma forma particular de ligação entre elétrons nas ciências exatas (Lewis, 1916Lewis, G. N. (1916). The atom and the molecule. Journal of the American Chemical Society, 38(4), 762-785. ), descreve-se um processo de ligação em que um mesmo mercado pode compartilhar algumas práticas enquanto preserva outras distintas. Isso se diferencia da forma de ligação identificada previamente, na qual o realinhamento das práticas leva a sua incorporação pelos produtores do mercado hegemônico (Thompson & Coskuner-Balli, 2007Thompson, C. J., & Coskuner-Balli, G. (2007). Enchanting ethical consumerism: The case of community supported agriculture. Journal of Consumer Culture, 7(3), 275-303. doi: 10.1177/1469540507081631
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), consumidores (Scaraboto & Fischer, 2013Scaraboto, D., & Fischer, E. (2013). Frustrated fatshionistas: An institucional theory perspective on consumer quests for greater choice in mainstream markets. Journal of Consumer Research, 39(6), 1234-1257. doi: 10.1086/668298
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) e organizações (Martin & Schouten, 2014Martin, D., & Schouten, M. (2014). Consumption-driven market emergence. Journal of Consumer Research, 40(5), 855-887. doi: 10.1086/673196
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; Kjeldgaard et al., 2017Kjeldgaard, D., Askegaard, S., Rasmussen, J. Ø., & Østergaard, P. (2017). Consumers’ collective action in market system dynamics: A case of beer. Marketing Theory, 17(1), 51-70. doi: 10.1177/1470593116658197
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), eliminando a distinção inicial.

Alinhada com a visão de Callon (2016)Callon, M. (2016). Revisiting marketizations: From interface-markets to market-agencements. Consumption Markets & Culture, 1(19), 17-37. doi: 10.1080/10253866.2015.1067002
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, a ligação covalente das diferentes dimensões configura um mercado comum por compartilhar de uma plataforma única, identificada pelo produto cerveja. Os processos de translação (Tonelli, 2016Tonelli, D. F. (2016). Origens e afiliações epistemológicas da teoria ator-rede: Implicações para a análise organizacional. Cadernos EBAPE.BR, 14(2), 377-390. doi: 10.1590/1679-395141596
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) entre as dimensões provoca a conexão de elementos que produzem a realidade do mercado. Cada ator, mesmo operando em mais de uma dimensão, é responsável por trazer esses elementos de maneira distinta para cada dimensão a partir de suas práticas. Essas práticas, ao mesmo tempo que são capazes de garantir a distinção entre os mercados, não são capazes de alterar a realidade do mercado como um todo.

A metáfora da ligação covalente pode ser observada em outros mercados que possuem uma dimensão emergente construída a partir da diferenciação pela qualidade, e não pela quantidade. Podemos usar como exemplo o mercado de hambúrgueres, no qual empresas que operam na dimensão massificada têm buscado transitar na dimensão artesanal, como observado no caso do McDonald’s, que recentemente tem buscado desenvolver produtos mais próximos daqueles ofertados em hamburguerias artesanais (Dearo, 2019Dearo, G. (2019). McDonald’s lança cinco novas versões do Big Mac no mercado brasileiro. Recuperado de https://exame.abril.com.br/marketing/mcdonalds-lanca-cinco-novas-versoes-do-big-mac-no-mercado-brasileiro/
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). Porém, no caso de mercados em que não é possível fazer uma distinção nos processos produtivos -por exemplo, alimentos orgânicos comercializados em feiras ou em grandes redes de supermercados - há a tendência de apresentar formas de ligações tradicionais, resultando na convencionalização dos produtos e marcas alternativas (Lockie & Halpin, 2005Lockie, S., & Halpin, D. (2005). The ‘conventionalisation’thesis reconsidered: Structural and ideological transformation of Australian organic agriculture. Sociologia Ruralis, 45(4), 284-307. doi: 10.1111/j.1467-9523.2005.00306.x
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) e a sua cooptação pela dimensão hegemônica (Thompson & Coskuner-Balli, 2007Thompson, C. J., & Coskuner-Balli, G. (2007). Enchanting ethical consumerism: The case of community supported agriculture. Journal of Consumer Culture, 7(3), 275-303. doi: 10.1177/1469540507081631
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).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao propor uma nova forma de compreender a dinâmica de enquadramento e reenquadramento dos mercados dentro de uma lógica de multidimensionalidade, o estudo contribui com a noção de sistemas dinâmicos de mercado (Giesler & Fischer, 2017Giesler, M., & Fischer, E. (2017). Market system dynamics. Marketing Theory, 17(1), 3-8. doi: /10.1177/1470593116657908
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) e com a perspectiva construtivista de mercado (Araujo et al., 2010Araujo, L., Finch, J., & Kjellberg, H. (2010). Reconnecting marketing to markets. London, UK: Oxford University Press.). Assim, ao mesmo tempo que identifica o papel e a agência dos atores na configuração das múltiplas dimensões, reconhece as consequências disso na estruturação dos mercados. Consequentemente, contribui com a complexa tarefa de entender os mercados ao mesmo tempo que abre caminhos para novos estudos.

Ao revelar fronteiras e controvérsias que dão forma à multidimensionalidade do mercado, ainda restam dúvidas quanto ao compartilhamento entre as dimensões. Passa a ser importante também detalhar a relação entre elementos humanos e não humanos que formam cada uma dessas dimensões. Nesse sentido, a ideia de “entanglement” ‒ conceito oriundo das ciências exatas que reconhece uma interligação entre objetos e pessoas, de modo que um não pode ser corretamente descrito sem que a sua contraparte seja mencionada (Hodder, 2012Hodder, I. (2012). Entangled: An archaeology of the relationships between humans and things. Chichester, UK: Wiley-Blackwell.) ‒ poderia auxiliar a descrição dos objetos e sua influência na formação de cada dimensão. No caso do mercado cervejeiro, elementos materiais como malte e rótulo configuram posições distintas dentro da rede. Futuros estudos podem enfatizar esses elementos na compreensão da multidimensionalidade do mercado.

Do ponto de vista do contexto, as consequências do processo de aquisição das cervejarias artesanais pelas grandes cervejarias ainda carecem de esclarecimentos, especialmente na descrição de como cervejarias artesanais podem manter-se competitivas diante da capacidade das grandes cervejarias de incorporarem as práticas da dimensão artesanal. Construções discursivas disseminadas na dimensão artesanal também podem ser detalhadas, envolvendo especialmente a construção da identidade da cerveja artesanal. Com isso, permite-se reconhecer não só os processos dinâmicos de construção de mercados, mas também os elementos concretos que estabelecem, mantêm e modificam essas dimensões que dão forma aos mercados.

  • NOTA DA REDAÇÃO
    Este artigo foi apresentado no VIII Encontro de Marketing em 2018, promovido pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (ANPAD).

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Editado por

Avaliado pelo sistema double blind review. Editora científica convidada: Maria Carolina Zanette

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Feb 2020

Histórico

  • Recebido
    27 Fev 2019
  • Aceito
    12 Jul 2019
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