Acessibilidade / Reportar erro

REFLEXIVIDADE NO ENSINO E PESQUISA DE ESTUDOS ORGANIZACIONAIS

INTRODUÇÃO

Vivemos em um mundo onde estamos experimentando um número crescente de desastres ambientais, injustiça social, escândalos corporativos e lideranças com ética questionável. A questão que eu gostaria de abordar neste artigo é como nós podemos responder ou nos envolver proativamente com essas questões como educadores e pesquisadores. Uma abordagem é incentivar nossos alunos a se tornarem mais reflexivos como pesquisadores. Acredito que a reflexividade está se tornando um recurso cada vez mais importante nos Estudos Organizacionais. Definida como o questionamento de pressupostos, práticas, políticas etc., a reflexividade fornece uma forma alternativa de desenvolver abordagens mais críticas e responsáveis para nossas estratégias intelectuais e atividades práticas dentro do mundo acadêmico e corporativo. Começarei apresentando de maneira sucinta algumas das críticas à educação promovida por escolas de negócios e os desafios que enfrentamos como pesquisadores, e continuarei definindo e discutindo como a reflexividade pode nos ajudar a nos envolvermos com essas críticas de modo produtivo.

CRÍTICA

O filósofo moral e político Alasdair MacIntyre (1981)MacIntyre, A. (1981). After virtue: A study in moral theory. Notre Dame, USA: University of Notre Dame Press. argumentou que os gestores estão geralmente envolvidos em atividades supostamente neutras de em valor e que se preocupam com meios racionais e eficientes em detrimento de qualquer debate moral sobre os fins. Essa ideia foi retomada em críticas à incapacidade das escolas de negócios de produzirem líderes socialmente responsáveis (Bennis & O'Toole, 2005Bennis, W. G., & O’Toole, J. (2005). How business schools lost their way. Harvard Business Review, 83, 96-104.; Khurana, 2007Khurana, R. (2007). From higher aims to hired hands, the social transformation of American business schools and the unfulfilled promise of management as a profession. Princeton, USA: Princeton University Press.) e por propagarem teorias amorais inspiradas ideologicamente que abstêm os estudantes de qualquer senso de responsabilidade moral (Ghoshal, 2005Ghoshal, S. (2005). Bad management theories are destroying good management practices. Academy of Management Learning and Education, 4(1), 75-91.).

Na década de 1990, devido à necessidade de desafiar a “neutralidade ou virtude da gestão como autoevidente ou não problemática” (Alvesson & Willmott, 1992Alvesson, M., & Willmott, H. (Eds.) (1992). Critical management studies. London, UK: Sage, p. 1) e às desigualdades na vida social e organizacional, educadores em gestão no Reino Unido, Europa e Australásia começaram a se envolver com os princípios dos Estudos Críticos de Gestão (Critical Management Education - CME), os quais podem abranger a reflexividade. Como educadores, estamos enfrentando o desafio de desenvolver abordagens mais responsáveis para a educação em gestão (Perriton & Reynolds, 2018Perriton, L., & Reynolds, M. (2018). Critical management education in challenging times. Management Learning, 49(5), 521-536. doi: 10.1177/1350507618795090
https://doi.org/10.1177/1350507618795090...
) que contrariem as pedagogias gerencialistas tecnorracionais tão prevalentes nos EUA. Embora muitas escolas de negócios em todo o mundo tenham adotado os Princípios para a Educação em Gestão Responsável (Principles of Responsible Management Education - PRME) das Nações Unidas, a questão de até que ponto os princípios são postos em prática nos programas permanece. Em um estudo recente conduzido no Reino Unido, Millar e Price (2018)Millar, J., & Price, M. (2018). Imagining management education: A critique of the contribution of the United Nations PRME to critical reflexivity and rethinking management education. Management Learning, 49(3), 346-362. doi: 10.1177/1350507618759828
https://doi.org/10.1177/1350507618759828...
voltam-se para dentro e analisam a questão como educadores, argumentando que, embora os PRME tenham introduzido um foco moral na sala de aula, eles não incentivaram a reflexividade crítica em relação à “natureza individualista e autocentrada dos negócios” (p. 360).

Em seu discurso presidencial para o Academy of Management, Anne Tsui (2013)Tsui, A. S. (2013). On compassion in scholarship: Why should we care? Academy of Management Review, 38(2), 167-180. não só argumentou que as escolas de negócios fazem mais mal do que bem à sociedade, como também falou sobre a lacuna de pesquisa entre teoria e prática e a "vida terrível" (p. 175) enfrentada por jovens acadêmicos forçados a homogeneizar seu trabalho devido à pressão de publicar em revistas de destaque, que são norte-americanas. Dada a falta de criticidade na educação dos EUA, não é surpreendente que a pesquisa siga o mesmo caminho, ou seja, tenha como foco a generalização, desenvolvendo teorias abstratas e seguindo um protocolo estreito de pesquisa e escrita, ao invés de abordar problemas reais em contextos reais (Cunliffe, 2018Cunliffe, A. L. (2018). Wayfaring: A scholarship of possibilities. Or let’s not get drunk on abstraction. M@n@gement, 21, 1429-1439.).

Dadas essas críticas e a infinidade de escândalos corporativos nos últimos anos que, muitas vezes, estão ligados a práticas de trabalho questionáveis, tomada de decisões irresponsáveis e liderança antiética, como podemos repensar como pesquisamos, teorizamos e ensinamos essas questões? Proponho que uma maneira é ajudar nossos alunos a se tornarem mais reflexivos e nos tornamos mais reflexivos como educadores e pesquisadores. Antes de definir reflexividade, vou primeiro diferenciar reflexividade e reflexão, que são abordagens muito distintas.

REFLEXÃO E REFLEXIVIDADE: DEFINIÇÕES

Reflexão

Muito do que ensinamos nas escolas de negócios se baseia em encorajar nossos alunos a se tornarem “profissionais reflexivos”. Como Dewey (1997)Dewey, J. (1997). How we think. Mineola, USA: Dover Publications, Inc. (originally published 1910). nota, a reflexão é uma “capacidade de 'considerar algo cuidadosamente', de olhar deliberadamente as questões, de julgar se há disponível quantidade e tipo de evidência necessários para a decisão” (pp. 66-67), ou seja, um equilíbrio entre análise e síntese, concreto e abstrato, pensamento experiencial e experimental (empírico e científico). A reflexão é conceituada e adotada como um processo cognitivo no qual aplicamos o pensamento lógico para analisar uma situação e/ou nós mesmos, a fim de alcançar um resultado final.

Donald Schön (1983)Schön, D. A. (1983). The reflective practitioner: How professionals think in action. New York, USA: Basic Books. baseou-se no trabalho de Dewey em seu livro The reflective practitioner, que tem influenciado a formação de concepções ocidentais sobre uma importante habilidade profissional e de liderança, a reflexão. Ele diferenciou reflexão-na-ação e reflexão-em-ação. Reflexão-na-ação envolve uma avaliação retrospectiva de uma decisão, evento ou comportamento considerando o que aconteceu, por que aconteceu e como implementar melhorias. Schön argumentou que os profissionais dependem de um saber-em-ação tácito, que envolve ações espontâneas, decisões e conversas; um saber que talvez não possamos articular. Esse saber-em-ação pode envolver um tipo de pensamento comumente referido como “ter jogo de cintura”, no qual, de alguma forma, construímos uma compreensão da situação e agimos de acordo com ela. Schön (1983)Schön, D. A. (1983). The reflective practitioner: How professionals think in action. New York, USA: Basic Books. chama esse processo de construção refletindo-em-ação, que envolve profissionais que se aproveitam de conhecimentos e práticas organizacionais e pessoais cumulativos utilizando-os em “uma conversa reflexiva com a situação” (p. 242). Como tal, a reflexão envolve aprender dentro e com a experiência, e, ao fazê-lo, ter insights sobre nós mesmos.

O trabalho de Schön é um estímulo útil para vermos o conhecimento profissional e de gestão como uma prática ativa e contextual baseada na autoconsciência e numa revisão contínua da nossa experiência. Ele constitui a pedra angular de muitos programas de graduação, pós-graduação e doutorado (Anderson, Gold, Stewart, & Thorpe, 2015Anderson, L., Gold, J., Stewart, J., & Thorpe, R. (Eds.). (2015). A guide to professional doctorates in business and management. London, UK: Sage .). Pedagogias usando estudos de caso, questionários de autoavaliação, aprendizagem baseada em problemas, aprendizagem de ação etc. têm como objetivo ajudar os alunos a se tornarem profissionais mais reflexivos.

Reflexividade

Os teóricos sociais têm uma visão ampla da reflexividade como condição inevitável de nossa sociedade contemporânea incerta em constante mudança. A reflexividade é interpretada como uma capacidade de examinar a relação entre o “campo” social mais amplo (em termos, estrutura, redes e relações de Bourdieu (2004) e como os saberes, as práticas e as percepções, as disposições e as identidades são construídas e contestadas reflexivamente. A reflexividade vai mais fundo do que a reflexão em termos de questionar o que é ou o que poderia ser tido como certo, quais ideologias, pressupostos, normas etc. sustentam práticas, políticas, textos, ações e nossa capacidade como pesquisadores de representar a realidade com precisão. Eu defendo que existe uma diferença ontológica fundamental entre reflexão e reflexividade. A reflexão é baseada no pressuposto objetivista de que existe um mundo lá fora, do qual estamos separados, e que, por meio da reflexão, podemos identificar as estruturas, padrões, papéis e princípios que impactam o que acontece e como as coisas funcionam. Por exemplo, nós oferecemos aos nossos alunos questionários de autoavaliação para que eles possam identificar que tipo de estilo de liderança eles têm e, em seguida, comparar esse estilo com o estilo que eles devem ter, ou seja, eles refletem sobre si mesmos e se comparam com categorias sociais objetivas. A reflexividade engloba uma ontologia construcionista social mais subjetivista, que pressupõe que moldamos e mantemos nossas “realidades” sociais e organizacionais em nossas interações e conversas cotidianas e nos textos que escrevemos. Portanto, precisamos questionar como fazemos isso: quais são nossas suposições e como elas podem afetar nosso comportamento, relacionamentos, a linguagem que usamos, a forma como administramos organizações e conduzimos nossa pesquisa. Reflexividade tem a ver com entender que vivemos em um mundo social e natural e que o moldamos de modo intencional e não intencional e, portanto, precisamos aceitar a responsabilidade pelo que fazemos e dizemos (Cunliffe, 2016Cunliffe, A. L. (2016). Republication of ‘On becoming a critically reflexive practitioner’. Journal of Management Education, 40(6), 747-768. doi: 10.1177/1052562916674465
https://doi.org/10.1177/1052562916674465...
).

Eu defendo que a reflexividade pode assumir formas críticas e autorreflexivas. A autorreflexividade envolve “um diálogo com o eu sobre nossos pressupostos fundamentais, valores e formas de interagir. Neste diálogo, questionamos nossas crenças fundamentais e nossa compreensão de eventos particulares” (Cunliffe & Jun, 2005Cunliffe, A. L., & Jun, J. (2005). The need for reflexivity in public administration. Administration and Society, 37(2), 225-242. doi: 10.1177/0095399704273209
https://doi.org/10.1177/0095399704273209...
, p. 229). A autorreflexividade nos ajuda a reconhecer como nossas próprias práticas e formas de relacionar impactam como nós e os outros construímos “realidades” sociais e organizacionais. A reflexividade crítica examina ideologias, práticas, políticas e linguagem normalizadoras, disciplinadoras, hegemônicas e excludentes nas organizações. Ao fazê-lo, podemos mudar as estruturas de controle sistêmicas que se reproduzem em nossos discursos e práticas. Archer (2007)Archer, M. S. (2007). Making our way through the world: Human reflexivity and social mobility. Cambridge, UK: Cambridge University Press. discute a reflexividade como uma conversa interna na qual avaliamos nossos contextos sociais e institucionais como meio de contornar constrangimentos estruturais.

Resumindo, a reflexão é conceituada e adotada como um processo cognitivo no qual aplicamos o pensamento lógico à análise de uma situação e/ou a nós mesmos, a fim de alcançar um resultado final. Exige que reflitamos sobre um mundo externo. A reflexividade exige que reconheçamos que estamos integrados e moldamos, com os outros, a nossa experiência organizacional e social vivida e, portanto, precisamos questionar como o fazemos. Envolve olhar para nós mesmos como educadores, pesquisadores, estudantes, gestores e líderes. Portanto, enquanto a reflexão nos move da perplexidade ao equilíbrio/certeza, a reflexividade nos move do equilíbrio/certeza para a dúvida suscitada por novas possibilidades.

Reflexividade e pesquisas na área de Estudos Organizacionais

Ao longo dos últimos 30 anos, acadêmicos da área de Estudos Organizacionais têm pesquisado maneiras de trazer reflexividade para a pesquisa. O seu desenvolvimento pode ser traçado em dois domínios principais: o trabalho sociologicamente orientado (cujas bases remontam aos EUA) e o trabalho filosófico, em particular o pós-estruturalismo (cujas bases remontam à Europa). Cada orientação leva a diferentes abordagens de reflexividade; o trabalho sociologicamente orientado leva a abordagens construcionistas, e o trabalho filosófico leva a abordagens desconstrucionistas.

A virada reflexiva sociológica (e, mais tarde, fenomenológica) foi inspirada no livro de Clifford e Marcus (1986)Clifford, J., & Marcus, G. (Eds.). (1986). Writing culture: The poetics and politics of ethnography. Berkeley, USA: University of California. Press., Writing culture, no qual vários autores desafiaram concepções convencionais de realidade e conhecimento social e os valores fundamentais, princípios epistemológicos e o objetivo da corrente principal da ciência social para fornecer uma visão absoluta e objetiva do mundo. Particularmente, eles argumentaram que precisamos reconhecer que a ciência é um processo histórico, político e linguístico, que os relatos de pesquisa são alegóricos e “verdadeiras ficções” e que os pesquisadores não devem mais falar com autoridade sobre a vida dos outros.

As raízes filosóficas da reflexividade estão, muitas vezes, ligadas à crise “pós-moderna” da representação e baseiam-se em filósofos como Derrida (1976)Derrida, J. (1976). Of grammatology. Baltimore, USA: John Hopkins University Press. e Foucault (1970Foucault, M. (1970). The order of things: An archaeology of the human sciences. London, UK: Routledge., 1972)Foucault, M. (1972). The archaeology of knowledge. Trans. by A. M. Sheridan Smith. New York, USA: Pantheon Books. para desconstruir textos e a relação entre conhecimento e poder, e desafiar a normalização de discursos e práticas (Chia, 1996Chia, R. (1996). The problem of reflexivity in organizational research: Towards a postmodern science of organization. Organization, 3(1), 31-59. doi: 10.1177/135050849631003
https://doi.org/10.1177/135050849631003...
) e a necessidade de criticar ideologias. Além disso, têm como objetivo questionar o conhecimento, as afirmações de verdade e as relações de saber/poder, aprofundar-se em processos normalizadores e potencialmente colonizadores dentro da sociedade e de suas instituições e interrogar a performatividade da linguagem com o objetivo de examinar as consequências pretendidas e não intencionais.

A abordagem sociológica nos inspira a sermos mais reflexivos sobre os pressupostos que sustentam nossas estratégias de pesquisa, práticas e nossa identidade como pesquisadores (por exemplo, Alvesson, Hardy, & Harley, 2008Alvesson, M., Hardy, C., & Harley, B. (2008). Reflecting on reflexivity: Reflexive textual practices in organization and management theory. Journal of Management Studies, 45(3), 481-498. doi: 10.1111/j.1467-6486.2007.00765.x
https://doi.org/10.1111/j.1467-6486.2007...
; Cunliffe, 2003Cunliffe, A. L. (2003). Reflexive inquiry in organization research: Questions and possibilities. Human Relations, 56(8), 983-1003. doi: 10.1177/00187267030568004
https://doi.org/10.1177/0018726703056800...
; Thomas, Tienari, Davies, & Meriläinen, 2009Thomas, R., Tienari, J., Davies, A., & Meriläinen, S. (2009). Let’s talk about “us” a reflexive account of a cross-cultural research collaboration. Journal of Management Inquiry, 18(4), 313-324. doi: 10.1177/1056492608324457
https://doi.org/10.1177/1056492608324457...
). Isso levou ao desenvolvimento de metodologias e métodos de pesquisa mais reflexivos e éticos. Pesquisadores de Estudos Organizacionais examinaram uma série de metodologias reflexivas, incluindo metodologias de pesquisa narrativas e de ação (por exemplo, Hibbert, Sillince, Diefenbach, & Cunliffe, 2014Hibbert, P., Sillince, J., Diefenbach, T., & Cunliffe, A. L. (2014). Relationally reflexive practice: A generative approach to theory development in qualitative research. Organizational Research Methods, 17(3), 278-298. doi: 10.1177/1094428114524829
https://doi.org/10.1177/1094428114524829...
; Ripamonti, Galuppo, Gorli, Scaratti, & Cunliffe, 2016Ripamonti, S., Galuppo, L., Gorli, M., Scaratti, G., & Cunliffe, A. L. (2016). Pushing action research towards reflexive practice. Journal of Management Inquiry, 25(1), 55-68. doi: 10.1177/1056492615584972
https://doi.org/10.1177/1056492615584972...
). Eles também exploraram a relação entre pesquisadores e sujeitos de pesquisa como política e coconstruída, exigindo que um pesquisador seja autorreflexivo sobre seu posicionamento e relações no campo (por exemplo, Cunliffe & Karunanayake, 2013; McDonald, 2013McDonald, J. (2013). Coming out in the field: A queer reflexive account of shifting researcher identity. Management Learning, 44(2), 127-143. doi: 10.1177/1350507612473711
https://doi.org/10.1177/1350507612473711...
). Há também estudos sobre como gestores e líderes adotam a reflexividade na prática. Por exemplo, Maclean, Harvey e Chia (2012)Maclean, M., Harvey, C., & Chia, R. (2012). Reflexive practice and the making of elite business careers. Management Learning, 43(4), 385-404. doi: 10.1177/1350507612449680
https://doi.org/10.1177/1350507612449680...
inspiram-se no trabalho de Bourdieu (1993) sobre reflexividade para examinar como líderes empresariais de elite no Reino Unido se envolvem em práticas reflexivas para se recriarem. Eles propõem duas formas de prática reflexiva: acumulativa (acumulando capital, posições e perspectivas) e reconstrutiva (recriando-se).

Os acadêmicos da área de estudos críticos à gestão utilizam formas de reflexividade pós-modernas e pós-estruturalistas em seu trabalho, reconhecendo que o conhecimento não é politicamente ou ideologicamente neutro porque pode ser conivente com o que pode ser experienciado como um status quo opressivo (Haraway, 1988Haraway, D. (1988). Situated knowledges: The science question in feminism and the privilege of partial perspective. Feminist Studies, 14, 575-599. doi: 10.2307/3178066
https://doi.org/10.2307/3178066...
). Exemplos de pesquisas organizacionais que se baseiam nessa forma de reflexividade incluem estudos foucauldianos de poder, governabilidade e práticas disciplinares em organizações. Um exemplo recente é o estudo de Vidaillet e Bousalham (2018)Vidaillet, B., & Bousalham, Y. (2018). Coworking spaces as places where economic diversity can be articulated: Towards a theory of syntopia. Organization. doi: 10.1177/1350508418794003
https://doi.org/10.1177/1350508418794003...
que parte da noção de heterotopia de Foucault para reconfigurar espaços de coworking como sintopias. Dallyn (2014)Dallyn, S. (2014). Naming the ideological reflexively: Contesting organizational norms and practices. Organization, 21(2), 244-265. doi: 10.1177/1350508413475494
https://doi.org/10.1177/1350508413475494...
desenvolve uma reflexividade ideológica argumentando que as críticas ideológicas, muitas vezes, posicionam o pesquisador como um especialista objetivo e que as visões políticas do pesquisador precisam ser explicitadas ao nomear o que é ideológico. Além disso, Ahl e Marlow (2012)Ahl, H., & Marlow, S. (2012). Exploring the dynamics of gender, feminism, and entrepreneurship: advancing debate to escape a dead end? Organization, 19(5), 543-562. doi: 10.1177/1350508412448695
https://doi.org/10.1177/1350508412448695...
trazem uma crítica reflexiva sob a forma de uma análise feminista pós-estrutural dos pressupostos heteronormativos que sustentam as teorias do empreendedorismo.

Reflexividade e ensino em Estudos Organizacionais

O objetivo da gestão reflexiva e da educação empresarial é ajudar os alunos a se tornarem profissionais reflexivos capazes de examinar a si mesmos, suas ações, interações e a natureza de suas relações e agir de maneira mais ética e responsiva (Hibbert, Callagher, Siedlok, Windahl, & Kim, 2019Hibbert, P., Callagher, L., Siedlok, F., Windahl, C., & Kim, H. S. (2019). (Engaging or avoiding) Change through reflexive practices. Journal of Management Inquiry, 28(2), 187-203. doi: 10.1177/1056492617718089
https://doi.org/10.1177/1056492617718089...
). A questão de tornar a reflexividade relevante para os alunos pode ser desafiadora tanto na graduação quanto na pós-graduação. No MBA Executivo, os alunos são, muitas vezes, gerentes seniores ocupando posições de influência em suas organizações e profundamente enraizados em ideologias gerenciais predominantes, estruturas de controle e sistemas de poder. Os estudantes de graduação geralmente não têm experiência de trabalho em organizações, mas estão familiarizados com estruturas hierárquicas. Questionar esses sistemas tidos como certos pode, muitas vezes, ser percebido como ameaçador e desnecessário, e um dos maiores desafios reside, portanto, em persuadir os estudantes da necessidade de pensar de modo diferente, isto é, mais criticamente, sobre o seu papel e o seu lugar na sociedade. O desafio pode tornar-se particularmente difícil se os alunos esperam receber ferramentas para simplificar suas vidas.

Reflexividade não se trata de dar aos alunos ferramentas e técnicas, mas de envolvê-los tanto na autorreflexividade como na reflexividade crítica. Vários educadores em gestão têm explorado como podemos fazer isso (por exemplo, Cunliffe, Aguiar, Góes, & Carreira, 2020Cunliffe, A. L., Aguiar, A. C., Góes, V., & Carreira, F. (forthcoming, 2020). Reflexivity and transdisciplinarity as paths to developing responsible management education. In D. C. Moosemayer, O. Laasch, C. Parkes, & K. Brown. (Eds.), The Sage handbook of responsible management learning and education. London, UK: Sage.; Eriksen, 2017Eriksen, M. (2012). Facilitating authentic becoming. Journal of Management Education, 36(5), 698-736. doi: 10.1177/1052562911423883
https://doi.org/10.1177/1052562911423883...
). Dehler (2009)Dehler, G. (2009). Prospects and possibilities of critical management education: Critical beings and a pedagogy of critical action. Management Learning, 40(1), 31-49. doi: 10.1177/1350507608099312
https://doi.org/10.1177/1350507608099312...
aborda a reflexividade explicando como ele desenvolve os alunos como “seres críticos” por meio de um experimento de ação crítica. Ao fazê-lo, ele pratica reflexividade na sala de aula criando “um espaço de aprendizagem genuinamente aberto à voz do aluno; eleva a consciência do aluno para as problemáticas da globalização e, assim, potencializa o uso da sala de aula como um local de mudança social” (Dehler, 2009, p. 39). Sutherland (2012) descreve o seu método de ensino baseado em arte (uma masterclass de um dia de condução) como um meio de envolver estudantes de MBA na reflexividade estética. Finalmente, Allen, Cunliffe e Easterby-Smith (2019)Allen, S., Cunliffe, A. L., & Easterby-Smith, M. (2019). Understanding sustainability through the lens of radical-reflexivity. Journal of Business Ethics, 154(3), 781-795. doi: 10.1007/s10551-016-3420-3
https://doi.org/10.1007/s10551-016-3420-...
inspiram-se na reflexividade radical em relação à sustentabilidade como meio de entender como “negócios, comunidades e pessoas existem de forma interdependente por meio de suas relações sociomateriais” (p. 788) e as implicações para a educação em gestão.

Na graduação, podemos engajar os alunos na reflexividade, incentivando-os a explorar momentos em que são “atingidos” (Cunliffe, 2002Cunliffe, A. L. (2002). Reflexive dialogical practice in management learning. Management Learning, 33(1), 35-61. doi: 10.1177/1350507602331002
https://doi.org/10.1177/1350507602331002...
), um processo de aprendizagem reflexiva tanto por parte de pesquisadores quanto por parte dos participantes da pesquisa, o qual Corlett (2013)Corlett, S. (2013). Participant learning in and through research as reflexive dialogue: Being ‘struck’ and the effects of recall. Management Learning, 44(5), 453-469. doi: 10.1177/1350507612453429
https://doi.org/10.1177/1350507612453429...
estendeu à aprendizagem em pesquisa. Ela definiu ser atingido como “uma sensação espontânea, que ocorre em um momento difícil de lidar ou marcante, que faz com que um indivíduo dê sentido a uma experiência” (p. 456). Tais momentos podem ajudar os alunos a engatarem uma conversa reflexiva com eles mesmos.

CONCLUSÃO

Em suma, eu defendo que a reflexividade é importante para os Estudos Organizacionais, pois ela nos ajuda, como pesquisadores, a gerar explicações ricas, complexas e potencialmente transformadoras das organizações e da vida organizacional, adotando formas mais pluralistas de conhecimento. A reflexividade nos encoraja a pensar sobre o impacto de nossos pressupostos na pesquisa e produção de conhecimento; quem podemos estar privilegiando e quem podemos estar excluindo, quais vozes podemos estar silenciando e qual impacto nossas teorias podem ter. Podemos facilitar formas alternativas de ver, ser e agir como gestores e líderes, incentivando nossos alunos a se tornarem mais reflexivos. Portanto, a reflexividade é importante para responder às críticas às escolas de gestão, ajudando a estabelecer uma prática responsável e ética na geração de conhecimento, educação, pesquisa e prática de gestão. É importante ressaltar que a reflexividade pode nos alertar para a necessidade de criar e manter relações éticas.

REFERENCES

  • Ahl, H., & Marlow, S. (2012). Exploring the dynamics of gender, feminism, and entrepreneurship: advancing debate to escape a dead end? Organization, 19(5), 543-562. doi: 10.1177/1350508412448695
    » https://doi.org/10.1177/1350508412448695
  • Allen, S., Cunliffe, A. L., & Easterby-Smith, M. (2019). Understanding sustainability through the lens of radical-reflexivity. Journal of Business Ethics, 154(3), 781-795. doi: 10.1007/s10551-016-3420-3
    » https://doi.org/10.1007/s10551-016-3420-3
  • Alvesson, M., Hardy, C., & Harley, B. (2008). Reflecting on reflexivity: Reflexive textual practices in organization and management theory. Journal of Management Studies, 45(3), 481-498. doi: 10.1111/j.1467-6486.2007.00765.x
    » https://doi.org/10.1111/j.1467-6486.2007.00765.x
  • Alvesson, M., & Willmott, H. (Eds.) (1992). Critical management studies London, UK: Sage
  • Anderson, L., Gold, J., Stewart, J., & Thorpe, R. (Eds.). (2015). A guide to professional doctorates in business and management London, UK: Sage .
  • Archer, M. S. (2007). Making our way through the world: Human reflexivity and social mobility Cambridge, UK: Cambridge University Press.
  • Bennis, W. G., & O’Toole, J. (2005). How business schools lost their way. Harvard Business Review, 83, 96-104.
  • Bourdieu, P (1990) In other words: Essay toward a reflexive sociology Palo Alto, CA: Stanford University Press.
  • Chia, R. (1996). The problem of reflexivity in organizational research: Towards a postmodern science of organization. Organization, 3(1), 31-59. doi: 10.1177/135050849631003
    » https://doi.org/10.1177/135050849631003
  • Clifford, J., & Marcus, G. (Eds.). (1986). Writing culture: The poetics and politics of ethnography Berkeley, USA: University of California. Press.
  • Corlett, S. (2013). Participant learning in and through research as reflexive dialogue: Being ‘struck’ and the effects of recall. Management Learning, 44(5), 453-469. doi: 10.1177/1350507612453429
    » https://doi.org/10.1177/1350507612453429
  • Cunliffe, A. L. (2002). Reflexive dialogical practice in management learning. Management Learning, 33(1), 35-61. doi: 10.1177/1350507602331002
    » https://doi.org/10.1177/1350507602331002
  • Cunliffe, A. L. (2003). Reflexive inquiry in organization research: Questions and possibilities. Human Relations, 56(8), 983-1003. doi: 10.1177/00187267030568004
    » https://doi.org/10.1177/00187267030568004
  • Cunliffe, A. L. (2016). Republication of ‘On becoming a critically reflexive practitioner’. Journal of Management Education, 40(6), 747-768. doi: 10.1177/1052562916674465
    » https://doi.org/10.1177/1052562916674465
  • Cunliffe, A. L. (2018). Wayfaring: A scholarship of possibilities. Or let’s not get drunk on abstraction. M@n@gement, 21, 1429-1439.
  • Cunliffe, A. L., Aguiar, A. C., Góes, V., & Carreira, F. (forthcoming, 2020). Reflexivity and transdisciplinarity as paths to developing responsible management education. In D. C. Moosemayer, O. Laasch, C. Parkes, & K. Brown. (Eds.), The Sage handbook of responsible management learning and education London, UK: Sage.
  • Cunliffe, A. L., & Jun, J. (2005). The need for reflexivity in public administration. Administration and Society, 37(2), 225-242. doi: 10.1177/0095399704273209
    » https://doi.org/10.1177/0095399704273209
  • Cunliffe, A. L., & Karunanayake, G. (2013). Working within hyphen-spaces in ethnographic research: Implications for research identities and practice. Organizational Research Methods, 16(3), 364-392. doi: 10.1177/1094428113489353
    » https://doi.org/10.1177/1094428113489353
  • Dallyn, S. (2014). Naming the ideological reflexively: Contesting organizational norms and practices. Organization, 21(2), 244-265. doi: 10.1177/1350508413475494
    » https://doi.org/10.1177/1350508413475494
  • Dehler, G. (2009). Prospects and possibilities of critical management education: Critical beings and a pedagogy of critical action. Management Learning, 40(1), 31-49. doi: 10.1177/1350507608099312
    » https://doi.org/10.1177/1350507608099312
  • Derrida, J. (1976). Of grammatology Baltimore, USA: John Hopkins University Press.
  • Dewey, J. (1997). How we think Mineola, USA: Dover Publications, Inc. (originally published 1910).
  • Eriksen, M. (2012). Facilitating authentic becoming. Journal of Management Education, 36(5), 698-736. doi: 10.1177/1052562911423883
    » https://doi.org/10.1177/1052562911423883
  • Foucault, M. (1970). The order of things: An archaeology of the human sciences London, UK: Routledge.
  • Foucault, M. (1972). The archaeology of knowledge Trans. by A. M. Sheridan Smith. New York, USA: Pantheon Books.
  • Ghoshal, S. (2005). Bad management theories are destroying good management practices. Academy of Management Learning and Education, 4(1), 75-91.
  • Haraway, D. (1988). Situated knowledges: The science question in feminism and the privilege of partial perspective. Feminist Studies, 14, 575-599. doi: 10.2307/3178066
    » https://doi.org/10.2307/3178066
  • Hibbert, P., Callagher, L., Siedlok, F., Windahl, C., & Kim, H. S. (2019). (Engaging or avoiding) Change through reflexive practices. Journal of Management Inquiry, 28(2), 187-203. doi: 10.1177/1056492617718089
    » https://doi.org/10.1177/1056492617718089
  • Hibbert, P., Sillince, J., Diefenbach, T., & Cunliffe, A. L. (2014). Relationally reflexive practice: A generative approach to theory development in qualitative research. Organizational Research Methods, 17(3), 278-298. doi: 10.1177/1094428114524829
    » https://doi.org/10.1177/1094428114524829
  • Khurana, R. (2007). From higher aims to hired hands, the social transformation of American business schools and the unfulfilled promise of management as a profession Princeton, USA: Princeton University Press.
  • MacIntyre, A. (1981). After virtue: A study in moral theory Notre Dame, USA: University of Notre Dame Press.
  • Maclean, M., Harvey, C., & Chia, R. (2012). Reflexive practice and the making of elite business careers. Management Learning, 43(4), 385-404. doi: 10.1177/1350507612449680
    » https://doi.org/10.1177/1350507612449680
  • McDonald, J. (2013). Coming out in the field: A queer reflexive account of shifting researcher identity. Management Learning, 44(2), 127-143. doi: 10.1177/1350507612473711
    » https://doi.org/10.1177/1350507612473711
  • Millar, J., & Price, M. (2018). Imagining management education: A critique of the contribution of the United Nations PRME to critical reflexivity and rethinking management education. Management Learning, 49(3), 346-362. doi: 10.1177/1350507618759828
    » https://doi.org/10.1177/1350507618759828
  • Perriton, L., & Reynolds, M. (2018). Critical management education in challenging times. Management Learning, 49(5), 521-536. doi: 10.1177/1350507618795090
    » https://doi.org/10.1177/1350507618795090
  • Ripamonti, S., Galuppo, L., Gorli, M., Scaratti, G., & Cunliffe, A. L. (2016). Pushing action research towards reflexive practice. Journal of Management Inquiry, 25(1), 55-68. doi: 10.1177/1056492615584972
    » https://doi.org/10.1177/1056492615584972
  • Schön, D. A. (1983). The reflective practitioner: How professionals think in action New York, USA: Basic Books.
  • Thomas, R., Tienari, J., Davies, A., & Meriläinen, S. (2009). Let’s talk about “us” a reflexive account of a cross-cultural research collaboration. Journal of Management Inquiry, 18(4), 313-324. doi: 10.1177/1056492608324457
    » https://doi.org/10.1177/1056492608324457
  • Tsui, A. S. (2013). On compassion in scholarship: Why should we care? Academy of Management Review, 38(2), 167-180.
  • Vu, M. C., & Burton, N. (2019). Mindful reflexivity: Unpacking the process of transformative learning in mindfulness and discernment. Management Learning doi: 10.1177/1350507619888751
    » https://doi.org/10.1177/1350507619888751
  • Vidaillet, B., & Bousalham, Y. (2018). Coworking spaces as places where economic diversity can be articulated: Towards a theory of syntopia. Organization doi: 10.1177/1350508418794003
    » https://doi.org/10.1177/1350508418794003

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Feb 2020
Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rae@fgv.br