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CONTROVÉRSIAS COMO MÉTODO PARA ANTI-HISTÓRIA

Controversias como método para la Antihistoria

RESUMO

Nosso objetivo é construir uma proposta de método para os ANTi-historiadores, tomando a análise da controvérsia como ponto de partida. Apesar do desenvolvimento teórico e metodológico da abordagem ANTi-história para o estudo do conhecimento do passado e a criação de sua história, há espaço para o desenvolvimento de um método com base na análise de controvérsias. Baseamos nossa proposta em algumas das suposições da ANTi-história (relacionalismo, princípio de simetria e multiplicidade) e conceitos práticos (tradução e política de redes de atores). Além disso, recomendamos quatro critérios que os pesquisadores devem usar na escolha de uma controvérsia para servir como ponto de partida para a investigação. Por fim, apresentamos cinco etapas para colocar em ação a investigação do conhecimento do passado e a criação da história.

PALAVRAS-CHAVE
ANTi-história; história organizacional; controvérsias; virada histórica; teoria-ator-rede

RESUMEN

Nuestro objetivo es construir una propuesta de método para antihistoriadores, tomando el análisis de la controversia como el punto de partida. A pesar del desarrollo teórico y metodológico del enfoque ANTi-History para el estudio del conocimiento del pasado y la creación de su historia, hay espacio para el desarrollo de un método basado en el análisis de controversias. Basamos nuestra propuesta en algunos de los supuestos de la ANTi-History (relacionalismo, principio de simetría y multiplicidad) y conceptos prácticos (traducción y política de redes de actores). Además, recomendamos cuatro criterios que los investigadores deben usar para elegir una controversia que sirva como punto de partida para la investigación. Finalmente, presentamos cinco pasos para poner en práctica la investigación del conocimiento del pasado y la creación de la historia.

PALABRAS CLAVE
Antihistoria; historia organizacional; controversias; giro histórico; teoría del actor-red

ABSTRACT

Our aim is to develop and propose a method for ANTi-historians, using analysis of controversy as the starting point. Despite the theoretical and methodological development of the ANTi-history approach to the study of knowledge of the past and the creation of its history, there is room for method development based on controversy analysis. We ground our proposal in some of ANTi-history's assumptions (relationalism, the symmetry principle, and multiplicity) and practical concepts (translation and politics of actor-networks). In addition, we recommend four criteria that researchers should use in choosing a controversy to serve as a starting point for investigation. Finally, we present five steps for investigating knowledge of the past and the creation of history.

KEYWORDS
ANTi-history; organizational history; controversies; historic turn; actor-network theory

INTRODUÇÃO

Apesar de a história ser uma dimensão importante da contemporaneidade das organizações (Ocasio, Mauskapf, & Steele, 2016Ocasio, W., Mauskapf, M., & Steele, C. W. J. (2016). History, society, and institutions: The role of collective memory in the emerging and evolution of societal logics. Academy of Management Review, 41(4), 676-699. doi: 10.5465/amr.2014.0183.
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), seu papel foi marginalizado e esquecido na pesquisa de gestão convencional, como tem sido demonstrado recentemente por autores (Coraiola, Suddaby, & Foster, 2017Foster, W. M., Coraiola, D. M., Suddaby, R., Kroezen, J., & Chandler, D. (2017). The strategic use of historical narratives: A theoretical framework. Business History, 59(8), 1176-1200. doi: 10.1080/00076791.2016.1224234.
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; Maclean, Harvey, & Clegg, 2017Maclean, M., Harvey, C., & Clegg, S. R. (2017). Organization theory in business and management history: Present status and future prospects. Business History Review, 91, 457-481. doi: 10.1017/S0007680517001027.
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). A virada histórica nos estudos organizacionais (Booth & Rowlinson, 2006Booth, C., & Rowlinson, M. (2006). Management and organizational history: Prospects. Management & Organizational History, 1(1), 5-30. doi: 10.2307/2093510.
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; Maclean, Harvey, & Clegg, 2016Maclean, M., Harvey, C., & Clegg, S. R. (2016). Conceptualizing historical organization studies. Academy of Management Review, 41(4), 609-632. doi: 10.5465/amr.2014.0133.
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; Mills, Suddaby, Foster, & Durepos, 2016Mills, A. J., Suddaby, R., Foster, W. M., & Durepos, G. (2016). Revisiting the historic turn 10 years later: Current debates in management and organizational history - an introduction. Management & Organizational History, 11(2), 67-76. doi: 10.1080/17449359.2016.1164927.
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) proporcionou mais oportunidades de estudar o passado, a história e a memória de diferentes perspectivas. Uma dessas abordagens emergentes é a ANTi-história, que tem mostrado como as versões dominantes da realidade são estabelecidas nas organizações (Corrigan & Mills, 2012Corrigan, L. T., & Mills, A. J. (2012). Men on board: Actor-network theory, feminism and gendering the past. Management & Organizational History, 7(3), 251-265. doi: 10.1177/1744935912444357.
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). Ambas as implicações teóricas e metodológicas da ANTi-história para pesquisar o passado e criar histórias foram foco de discussões recentes (para implicações teóricas, ver Durepos & Mills, 2018Durepos, G., & Mills, A. J. (2018). ANTi-History: An alternative approach to history. In C. Cassell, A. L. Cunliffe, & G. Grandy (Eds.), The SAGE handbook of qualitative business and management research methods (pp. 431-449). California, USA: Sage.; Mills & Durepos, 2010Mills, A. J., & Durepos, G. (2010). ANTi-history. In A. J. Mills, G. Durepos, & E. Weibe (Eds.), Encyclopedia of case study research (pp. 26-29). California, USA: Sage.; para implicações metodológicas, ver Durepos, 2015Durepos, G. (2015). ANTi-History: Toward amodern histories. In P. McLaren, A. J. Mills, & T. Weatherbee (Eds.), The Routledge Companion to management and organizational history (pp. 153-180). New York, USA: Routledge.; Durepos & Mills, 2012aDurepos, G., & Mills, A. (2012a). ANTi-History: Theorizing the past, history, and historiography in management and organizational studies. Charlotte, USA: Information Age Publishing.).

Estudos de ANTi-história mostraram que o processo de criação da história é marcado por desacordos, conflitos e vozes marginais silenciadas (ver Corrigan & Mills, 2012Corrigan, L. T., & Mills, A. J. (2012). Men on board: Actor-network theory, feminism and gendering the past. Management & Organizational History, 7(3), 251-265. doi: 10.1177/1744935912444357.
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; Deal, Mills, & Mills, 2018Deal, N. M., Mills, A. J., & Mills, J. H. (2018). Amodern and modern warfare in the making of a commercial airline. Management & Organizational History, 13(4), 373-396. doi: 10.1080/17449359.2018.1547647.
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; Durepos, Mills, & Mills, 2008Durepos, G., & Mills, A. J., & Mills, J. H. (2008). Tales in the manufacture of knowledge: Writing a company history of Pan American World Airways. Management & Organizational History, 3(1), 63-80. doi: 10.1177/1744935908090998.
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). Para traçar a rede de atores, seria interessante começar com controvérsias e identificar situações em que os atores discordam e questionam o que era dado como certo (Venturini, 2010aVenturini, T. (2010a). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. doi: 10.1177/0963662509102694.
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). Apesar de os aspectos teóricos e metodológicos da ANTi-história serem bem desenvolvidos pela literatura especializada, o potencial de análise de controvérsias como método para a ANTi-história não é suficientemente abordado. Além disso, poucos estudos abordam a sistematização da prática de pesquisa da ANTi-história, a qual indica como uma investigação pode ser operacionalizada e dar vida a vozes marginalizadas e controvérsias suprimidas. Portanto, nosso objetivo é propor um método para ANTi-historiadores usando a análise da controvérsia como um ponto de partida razoável.

O desenvolvimento de dimensões de métodos é importante para os estudiosos da ANTi-história porque a identificação e análise de controvérsias permite explorar diferentes relatos históricos criados por atores e evita conferir um status especial a atores privilegiados (Secord & Corrigan, 2017Secord, P., & Corrigan, L. T. (2017). ANTi-History and the entrepreneurial work of privateers. Qualitative Research in Organizations and Management: An International Journal, 12(2), 94-110. doi: 10.1108/QROM-06-2016-1389.
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). Mesmo quando a superfície da realidade parece coerente e não problemática, histórias não contadas podem ganhar vida quando as controvérsias são o ponto de partida do trabalho de campo. A descrição e interpretação das práticas, interesses e relações de atores heterogêneos que retratam a história como múltipla (Durepos, 2015Durepos, G. (2015). ANTi-History: Toward amodern histories. In P. McLaren, A. J. Mills, & T. Weatherbee (Eds.), The Routledge Companion to management and organizational history (pp. 153-180). New York, USA: Routledge.) podem se beneficiar da cartografia da controvérsia porque esta analisa múltiplos pontos de vista (Venturini, 2010bVenturini, T. (2010b). Building on faults: How to represent controversies with digital methods. Public Understanding of Science, 21(7), 796-812. doi: 10.1177/0963662510387558.
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).

Criar uma cartografia de controvérsias é uma ferramenta útil para explorar presenças e ausências contemporâneas. Na condução da pesquisa ANTi-histórica, é difícil acompanhar os atores cujas vozes foram silenciadas e cujas histórias não foram contadas (Kivijarvi, Mills, & Mills, 2018Kivijarvi, M., Mills, A. J., & Mills, J. H. (2018). Performing Pan American Airways through coloniality: An ANTi-History approach to narratives and business history. Management & Organizational History, 14(1), 33-54. doi: 10.1080/17449359.2018.1465825.
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). Ao focar as divergências, permitindo observar situações em que os autores não podem ignorar uns aos outros (Venturini, 2010aVenturini, T. (2010a). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. doi: 10.1177/0963662509102694.
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), os pesquisadores podem expor as redes de associações responsáveis por produzir e obstruir realidade(s) (Venturini, 2010aVenturini, T. (2010a). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. doi: 10.1177/0963662509102694.
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, 2010bVenturini, T. (2010b). Building on faults: How to represent controversies with digital methods. Public Understanding of Science, 21(7), 796-812. doi: 10.1177/0963662510387558.
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).

Recentemente, Durepos, Shaffner e Taylor (2019)Durepos G, Shaffner EC, Taylor S. Developing critical organizational history: Context, practice and implications. Organization. October 2019. doi:10.1177/1350508419883381
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manifestaram-se a favor de uma análise histórica mais crítica. A resposta pode ser a análise de controvérsias, um método pelo qual realidades ocultas e pontos de vista marginalizados podem ser implantados (Venturini, 2010aVenturini, T. (2010a). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. doi: 10.1177/0963662509102694.
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). Considerando que o desenvolvimento da ANTi-história ainda está em uma fase inicial (Mills & Durepos, 2010Mills, A. J., & Durepos, G. (2010). ANTi-history. In A. J. Mills, G. Durepos, & E. Weibe (Eds.), Encyclopedia of case study research (pp. 26-29). California, USA: Sage.), aproveitaremos o espaço para "desenvolver cada uma de suas facetas constitutivas, bem como delinear implicações práticas de pesquisa para os pesquisadores que desejam utilizar a abordagem" (Durepos & Mills, 2017,Durepos, G., & Mills, A. J. (2017). ANTi-History, relationalism and the historic turn in management and organization studies. Qualitative Research in Organizations and Management: An International Journal, 12(1), 53-67. doi: 10.1108/QROM-07-2016-1393.
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pp. 57-58). Explorando esse espaço, apresentaremos uma proposta para operacionalização que se baseia em desenvolvimentos recentes da abordagem ANTi-histórica (por exemplo, Bettin & Mills, 2018Bettin, C., & Mills, A. J. (2018). More than a feminist: ANTi-Historical reflections on Simone de Beauvoir. Management & Organizational History, 13(1), 65-85. doi: 10.1080/17449359.2018.1446835.
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; Durepos & Mills, 2017Durepos, G., & Mills, A. J. (2017). ANTi-History, relationalism and the historic turn in management and organization studies. Qualitative Research in Organizations and Management: An International Journal, 12(1), 53-67. doi: 10.1108/QROM-07-2016-1393.
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).

Após apresentar as principais ideias controversas na próxima seção, apresentaremos as suposições da ANTi-história. Posteriormente, serão apresentados os conceitos práticos utilizados para a operacionalização, juntamente com a análise de controvérsias. Em seguida, apresentaremos a proposta do método, mostrando alguns critérios para a escolha de uma controvérsia e fazendo algumas recomendações para orientar os pesquisadores no desenho de suas investigações e no planejamento de sua prática de trabalho de campo. Argumentaremos que há cinco etapas de pesquisa baseadas na análise de controvérsias que serão úteis, servindo como um guia para o estudo do passado e para a criação de um mapa da história dada como certa. Por fim, apresentaremos um exemplo prático para ilustrar brevemente as cinco etapas do método proposto.

ANÁLISE DE CONTROVÉRSIA

Principais ideias

A ANTi-história problematiza a facticidade tida como certa da história como um relato contemporâneo do passado e as práticas e suposições subjacentes que sustentam relatos históricos convencionais (Bettin & Mills, 2018Bettin, C., & Mills, A. J. (2018). More than a feminist: ANTi-Historical reflections on Simone de Beauvoir. Management & Organizational History, 13(1), 65-85. doi: 10.1080/17449359.2018.1446835.
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; Durepos & Mills, 2018Durepos, G., & Mills, A. J. (2018). ANTi-History: An alternative approach to history. In C. Cassell, A. L. Cunliffe, & G. Grandy (Eds.), The SAGE handbook of qualitative business and management research methods (pp. 431-449). California, USA: Sage.; Myrick, Mills, & Mills, 2013Myrick, K., Mills, J. H,, & Mills, A J. (2013). History-making and the Academy of Management: An ANTi-History perspective. Management & Organizational History, 8(4), 345-370. doi: 10.1080/17449359.2013.821662.
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). A análise de controvérsias é uma maneira útil de realizar essa tarefa porque a gênese dos processos sociais que sustentam contemporaneamente e cuidadosamente sentidos forjados de normalidade é trazida à tona, incluindo tanto as correntes que se tornaram dominantes quanto aquelas que foram dominadas (Scott, Richards, & Martin, 1990Scott, P., Richards, E., & Martin, M. (1990). Captives of controversy the myth of the neutral social researcher in contemporary scientific controversies. Science, Technology, & Human Values, 15(4), 474-494. doi: 10.1177/016224399001500406.
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). Além disso, vozes e pontos de vista de diversos atores entram no escopo de investigação possível (Venturini, 2010aVenturini, T. (2010a). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. doi: 10.1177/0963662509102694.
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), pois as controvérsias são constituídas por pessoas e organizações tomando partido, considerando todas as questões em jogo.

As controvérsias têm sido uma questão central desde o surgimento da teoria ator-rede (Actor-network theory - ANT ou TAR) (ver Callon, 1989Callon, M. (1989). Society in the making: The study of technology as a tool for sociological analysis. In W. E. Bijker, T. P. Hughes, & T. Pinch (Eds.), The social construction of technological systems (pp. 83-103). Cambridge, USA: MIT Press.). Para Latour e Woolgar (1986)Latour, B., & Woolgar, S. (1986). Laboratory life: The construction of scientific facts. Princeton, USA: Princeton University Press., "os fatos são construídos de tal forma que, uma vez que a controvérsia se estabelece, eles são tidos como certos (p. 202)". A controvérsia pode ser definida como "qualquer coisa (um discurso ou ação) que desafia o status quo entre os atores" (Hussenot & Missonier, 2010Hussenot, A., & Missonier, S. (2010). A deeper understanding of evolution of the role of the object in organizational process: The concept of "mediation object". Journal of Organizational Change Management, 23(3), 269-286. doi: 10.1108/09534811011049608.
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, p. 272). Assim, a controvérsia é uma situação de desacordo entre atores heterogêneos engajados na ação (Venturini, 2010aVenturini, T. (2010a). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. doi: 10.1177/0963662509102694.
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), em que traduções alternativas buscam fixar seus diversos e contraditórios interesses (Latour, 1999Latour, B. (1999). Pandora's hope: Essays on the reality of science studies. Cambridge, USA: Harvard University Press.). As traduções podem estar envolvidas de maneira conflituosa ou dominar o campo de tal forma que parecem ser hegemônicas, com apenas pequenas rachaduras e fissuras aparentes no verniz da concordância. O processo de tradução torna-se evidente durante a reconfiguração da rede de atores, fazendo com que elementos heterogêneos apareçam, sejam modificados ou excluídos (Hussenot, 2014Hussenot, A. (2014). Analyzing organization through disagreements: The concept of managerial controversy. Journal of Organizational Change Management, 27(3), 373-390. doi: 10.1108/JOCM-01-2012-0006.
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). Para os estudos de gestão e organização (Management and organization studies - MOS), as controvérsias dizem respeito a divergências sobre a forma como uma organização, projeto ou prática organizacional é ordenada, gerenciada ou planejada (Hussenot, 2014Hussenot, A. (2014). Analyzing organization through disagreements: The concept of managerial controversy. Journal of Organizational Change Management, 27(3), 373-390. doi: 10.1108/JOCM-01-2012-0006.
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).

Embora algumas diferenças tornem a controvérsia evidente (Venturini, 2010aVenturini, T. (2010a). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. doi: 10.1177/0963662509102694.
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), ela é distinta do conflito de relacionamentos ou tarefas (Jehn, 1995Jehn, K. A. (1995). A multimethod examination of the benefits and detriments of intragroup conflict. Administrative Science Quarterly, 40(2), 256-282. doi: 10.2307/2393638.
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), que são situações pontuais que ocorrem e são resolvidas na vida cotidiana da organização como eventos comuns. Ocasionalmente, os conflitos podem tornar-se uma controvérsia quando uma variedade de questões sucessivas é trazida à tona (Hussenot, 2008Hussenot, A. (2008). Between structuration and translation: An approach of ICT appropriation. Journal of Organizational Change Management, 21(3), 335-347. doi: 10.1108/09534810810874813.
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). Nesse sentido, a controvérsia é uma noção orientada para o processo, "uma forma de acompanhar os processos da organização à medida que ela evolui ao longo do tempo" (Hussenot, 2014Hussenot, A. (2014). Analyzing organization through disagreements: The concept of managerial controversy. Journal of Organizational Change Management, 27(3), 373-390. doi: 10.1108/JOCM-01-2012-0006.
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, p. 374).

A realidade organizacional apresenta-se naturalmente como estável e coerente, a versão típica da realidade mantida e tida como certa pelos atores. Essas características são o efeito de muito trabalho tácito possibilitando uma aparência de ordem (Law, 1994Law, J. (1994). Organizing modernity. Oxford, UK: Blackwell.) em termos de estratégia, estrutura ou organização em geral. Porém, os processos de construção de uma versão da realidade e de sua organização raramente estão isentos de controvérsias (Latour, 2005Latour, B. (2005). Reassembling the social: An introduction to actor-network-theory. Oxford, UK: Oxford University Press.; Venturini, 2010aVenturini, T. (2010a). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. doi: 10.1177/0963662509102694.
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). Muitas controvérsias envolvem diferentes modelos de governança, cuja base são números (Michaud, 2014Michaud, V. (2014). Mediating the paradoxes of organizational governance through numbers. Organization Studies, 35(1), 75-101. doi: 10.1177/0170840613495335.
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), objetos (Hussenot & Missonier, 2010Hussenot, A., & Missonier, S. (2010). A deeper understanding of evolution of the role of the object in organizational process: The concept of "mediation object". Journal of Organizational Change Management, 23(3), 269-286. doi: 10.1108/09534811011049608.
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) e a introdução de novas tecnologias (Lanzara & Patriotta, 2001Lanzara, G. F., & Patriotta, G. (2001). Technology and the courtroom: An inquiry into knowledge making in organization. Journal of Management Studies, 38(7), 943-971. doi: 10.1111/1467-6486.00267.
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). Elas também envolvem interpretações e representações do passado como uma questão central no presente.

Alguns estudiosos da ANTi-história abordaram controvérsias direta ou indiretamente. Secord e Corrigan (2017)Secord, P., & Corrigan, L. T. (2017). ANTi-History and the entrepreneurial work of privateers. Qualitative Research in Organizations and Management: An International Journal, 12(2), 94-110. doi: 10.1108/QROM-06-2016-1389.
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mostram que a historiografia corsária da Nova Escócia foi marcada por controvérsias entre corsários e a corte do vice-almirantado. Por meio de vários relatos do passado, os autores analisam as tensões entre as diferentes versões da história e como as controvérsias ajudaram a questionar a versão dominante da realidade. Apesar de não utilizar a noção de controvérsia, Corrigan (2016)Corrigan, L. T. (2016). Accounting practice and the historic turn: Performing budget histories. Management & Organizational History, 11(2), 77-98. doi: 10.1080/17449359.2015.1115743.
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trata as controvérsias indiretamente, analisando os conflitos entre o município de Halifax e a comunidade de Africville. O autor trouxe à vida atores periféricos e novas versões do passado. No entanto, esses autores não usam a controvérsia como método sistemático para mapear e descrever a rede de atores que constitui as histórias.

O método da cartografia de controvérsias pode ajudar os estudiosos da ANTi-história a investigarem redes de atores e mapear sua constituição (Durepos & Mills, 2017Durepos, G., & Mills, A. J. (2017). ANTi-History, relationalism and the historic turn in management and organization studies. Qualitative Research in Organizations and Management: An International Journal, 12(1), 53-67. doi: 10.1108/QROM-07-2016-1393.
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) a fim de trazer a política para o primeiro plano da organização e questionar fatos tidos como certos. Os "fatos" são vistos como produtos da prática das traduções, os quais podem ser mapeados por meio da análise das controvérsias para evidenciar redes heterogêneas de atores que constituem o passado (Durepos & Mills, 2012bDurepos, G., & Mills, A. J. (2012b). Actor-network theory, ANTi-history and critical organizational historiography. Organization, 19(6), 703-721. doi: 10.1177/1350508411420196.
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). Sempre que uma situação se torna questionável, uma controvérsia é retratada em torno de vários pontos de vista. Interpretações divergentes da controvérsia devem ser descritas até que a disputa se estabilize temporariamente (Lanzara & Patriotta, 2001Lanzara, G. F., & Patriotta, G. (2001). Technology and the courtroom: An inquiry into knowledge making in organization. Journal of Management Studies, 38(7), 943-971. doi: 10.1111/1467-6486.00267.
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). A controvérsia pode terminar com um compromisso (Venturini, 2010aVenturini, T. (2010a). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. doi: 10.1177/0963662509102694.
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) que legitime seu resultado, sendo, então, compartilhada pelos membros da organização como forma de realizar uma determinada atividade (Lanzara & Patriotta, 2001Lanzara, G. F., & Patriotta, G. (2001). Technology and the courtroom: An inquiry into knowledge making in organization. Journal of Management Studies, 38(7), 943-971. doi: 10.1111/1467-6486.00267.
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), levando a novas relações entre os atores (Hussenot & Missonier, 2010Hussenot, A., & Missonier, S. (2010). A deeper understanding of evolution of the role of the object in organizational process: The concept of "mediation object". Journal of Organizational Change Management, 23(3), 269-286. doi: 10.1108/09534811011049608.
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).

De acordo com os preceitos da ANTi-história, podemos argumentar que a solução de controvérsias colabora para a criação de uma versão dominante do passado (Corrigan & Mills, 2012Corrigan, L. T., & Mills, A. J. (2012). Men on board: Actor-network theory, feminism and gendering the past. Management & Organizational History, 7(3), 251-265. doi: 10.1177/1744935912444357.
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; Durepos, Mills, & Mills, 2008Durepos, G., & Mills, A. J., & Mills, J. H. (2008). Tales in the manufacture of knowledge: Writing a company history of Pan American World Airways. Management & Organizational History, 3(1), 63-80. doi: 10.1177/1744935908090998.
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). A seguir, abordaremos como isso acontece.

Suposições analíticas da ANTi-história

Relacionalismo

O relacionalismo envolve enfatizar as relações dos atores e traçar associações que produzem conhecimento do passado (Kivijarvi et al., 2018Kivijarvi, M., Mills, A. J., & Mills, J. H. (2018). Performing Pan American Airways through coloniality: An ANTi-History approach to narratives and business history. Management & Organizational History, 14(1), 33-54. doi: 10.1080/17449359.2018.1465825.
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), formando redes em vez de presumir que elas são preestabelecidas (Durepos & Mills, 2018Durepos, G., & Mills, A. J. (2018). ANTi-History: An alternative approach to history. In C. Cassell, A. L. Cunliffe, & G. Grandy (Eds.), The SAGE handbook of qualitative business and management research methods (pp. 431-449). California, USA: Sage.). Os atores que compõem as redes podem se associar ou se desassociar quando surgem controvérsias (Callon, 1989Callon, M. (1989). Society in the making: The study of technology as a tool for sociological analysis. In W. E. Bijker, T. P. Hughes, & T. Pinch (Eds.), The social construction of technological systems (pp. 83-103). Cambridge, USA: MIT Press.), com suas crenças, identidade e características variando enquanto o fazem (Callon, 1986Callon, M. (1986). Some elements of a sociology of translation: Domestication of the scallops and the fishermen of St. Brieuc Bay. In J. Law (Ed.), Power, action, and belief: A new sociology of knowledge? (pp. 196-223). London, UK: Routledge & Kegan Paul.). As redes de atores são heterogêneas: podem ser organizações, movimentos sociais, grupos ou indivíduos, por exemplo. Assim, relações tidas como assuntos sólidos são processos incertos e abertos que não podem ser reduzidos a um estado objetivo e acabado (Law, 1992Law, J. (1992). Notes on the theory of the actor-network: Ordering, strategy and heterogeneity. Systems Practice, 5(4), 379-393. doi: 10.1007/BF01059830.
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, 1999). A exposição dessas relações por meio de controvérsias (Venturini, 2010aVenturini, T. (2010a). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. doi: 10.1177/0963662509102694.
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) mostra, por exemplo, como a governança organizacional e as relações entre os atores mudam ao longo do tempo (Michaud, 2014Michaud, V. (2014). Mediating the paradoxes of organizational governance through numbers. Organization Studies, 35(1), 75-101. doi: 10.1177/0170840613495335.
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).

O relacionalismo proposto pela ANTi-história sugere que as relações entre os atores em uma rede dão sentido a eventos passados e promovem engajamento político (Durepos & Mills, 2017Durepos, G., & Mills, A. J. (2017). ANTi-History, relationalism and the historic turn in management and organization studies. Qualitative Research in Organizations and Management: An International Journal, 12(1), 53-67. doi: 10.1108/QROM-07-2016-1393.
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), tornando as questões controversas (Secord & Corrigan, 2017Secord, P., & Corrigan, L. T. (2017). ANTi-History and the entrepreneurial work of privateers. Qualitative Research in Organizations and Management: An International Journal, 12(2), 94-110. doi: 10.1108/QROM-06-2016-1389.
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). A resposta para a pergunta "Como o passado foi transformado em história?" é trazida à tona (Durepos & Mills, 2018Durepos, G., & Mills, A. J. (2018). ANTi-History: An alternative approach to history. In C. Cassell, A. L. Cunliffe, & G. Grandy (Eds.), The SAGE handbook of qualitative business and management research methods (pp. 431-449). California, USA: Sage.) pelo "olhar para a política de representação do passado rastreando atores simetricamente (tratando cada um com a mesma curiosidade) e trazendo à tona o passado como história em sua multiplicidade" (Durepos, Mills, & Weatherbee, 2012Durepos, G., Mills, A. J., & Weatherbee, T. G. (2012). Theorizing the past: Realism, relativism, relationalism and the reassembly of Weber. Management & Organizational History, 7(3) 267-281. doi: 10.1177/1744935912444353.
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, p. 269). Traçar a composição das redes (Durepos et al., 2012Durepos, G., Mills, A. J., & Weatherbee, T. G. (2012). Theorizing the past: Realism, relativism, relationalism and the reassembly of Weber. Management & Organizational History, 7(3) 267-281. doi: 10.1177/1744935912444353.
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) permite aos pesquisadores passarem de fatos sociais tidos como certos para histórias alternativas explicando o surgimento deles (Foster, Mills, & Weatherbee, 2014Foster, J., Mills, A. J., & Weatherbee, T. (2014). History, field definition and management studies: The case of the New Deal. Journal of Management History, 20(2), 179-199. doi: 10.1108/JMH-02-2013-0011.
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).

Princípio de simetria

As práticas de ordenação social resultam não apenas de ações humanas, mas também de associações entre humanos e não humanos (Latour, 2005Latour, B. (2005). Reassembling the social: An introduction to actor-network-theory. Oxford, UK: Oxford University Press.). Por trás dessa ideia, está o princípio da simetria, que consiste em analisar atores humanos e não humanos nos mesmos termos analíticos (Latour, 1987Latour, B. (1987). Science in action: How to follow scientists and engineers through society. Cambridge, USA: Harvard University Press.; Latour & Woolgar, 1986Latour, B., & Woolgar, S. (1986). Laboratory life: The construction of scientific facts. Princeton, USA: Princeton University Press.; Law, 1987Law, J. (1987). Technology and heterogeneous engineering: The case of Portuguese expansion. In W. E. Bijker, T. P. Hughes, & T. Pinch (Eds.), The social construction of technological systems: New directions in the sociology and history of technology (pp. 111-134). Cambridge, USA: MIT Press.). As controvérsias nas quais os atores estão engajados são uma ferramenta analítica simétrica potente, uma vez que sua análise requer que os estudiosos considerem todos os traços disponíveis do efeito dos atores (Venturini, 2010aVenturini, T. (2010a). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. doi: 10.1177/0963662509102694.
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).

O pressuposto é uma das ontologias planas na constituição de redes e controvérsias. Como a ação é resultado de entidades associadas (Latour, 2005Latour, B. (2005). Reassembling the social: An introduction to actor-network-theory. Oxford, UK: Oxford University Press.), vários elementos, como ratos e pulgas (Anderson, 1974Anderson, P. (1974). Lineages of the absolutist state. London, UK: New Left Books.; Hinnebusch, 1997Hinnebusch, B. J. (1997). Bubonic plague: A molecular genetic case history of the emergence of an infectious disease. Journal of Molecular Medicine, 75(9), 645-652. doi: 10.1007/s001090050148.
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) - normalmente deixados de fora da análise organizacional -, podem participar da produção da história (Bettin & Mills, 2018Bettin, C., & Mills, A. J. (2018). More than a feminist: ANTi-Historical reflections on Simone de Beauvoir. Management & Organizational History, 13(1), 65-85. doi: 10.1080/17449359.2018.1446835.
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) e estar envolvidos em diferentes controvérsias (Secord & Corrigan, 2017Secord, P., & Corrigan, L. T. (2017). ANTi-History and the entrepreneurial work of privateers. Qualitative Research in Organizations and Management: An International Journal, 12(2), 94-110. doi: 10.1108/QROM-06-2016-1389.
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). É por meio de controvérsias que a heterogeneidade aparece com mais clareza. Nesse sentido, espera-se que múltiplas narrativas do passado sejam representadas por atores (Corrigan, 2016Corrigan, L. T. (2016). Accounting practice and the historic turn: Performing budget histories. Management & Organizational History, 11(2), 77-98. doi: 10.1080/17449359.2015.1115743.
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). Portanto, a realidade diz respeito à multiplicidade (Mol, 2002Mol, A. (2002). The body multiple: Ontology in medical practice. Durham, USA: Duke UP.), sendo mais do que um ao mesmo tempo que é menos do que muitos (Law, 2004Law, J. (2004). After method: Mess in social science research. London, UK, New York, USA: Routledge.; Mol, 1999Mol, A. (1999). Ontological politics: A word and some questions. In J. Law, & J. Hassard (Eds.), Actor network theory and after (pp. 74-89). Oxford, UK: Blackwell Publishers.). As histórias produzem realidades.

Multiplicidade: mais de um, menos do que muitos

A multiplicidade está relacionada às práticas que retratam uma realidade específica (Mol, 2002Mol, A. (2002). The body multiple: Ontology in medical practice. Durham, USA: Duke UP.). Diferentes práticas produzem diferentes realidades (Law, 2004Law, J. (2004). After method: Mess in social science research. London, UK, New York, USA: Routledge.). Portanto, as realidades históricas são consequências das muitas pessoas e artefatos que compõem uma prática organizacional (Corrigan, 2016Corrigan, L. T. (2016). Accounting practice and the historic turn: Performing budget histories. Management & Organizational History, 11(2), 77-98. doi: 10.1080/17449359.2015.1115743.
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), bem como a forma como esses elementos são manipulados para criar múltiplas narrativas sobre o passado (Foster, Coraiola, Suddaby, Kroezen, & Chandler, 2017Foster, W. M., Coraiola, D. M., Suddaby, R., Kroezen, J., & Chandler, D. (2017). The strategic use of historical narratives: A theoretical framework. Business History, 59(8), 1176-1200. doi: 10.1080/00076791.2016.1224234.
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). Quando narrativas concorrentes enquadram situações em termos diferentes, a controvérsia em torno de uma questão específica emerge, com suposições, procedimentos de rotina e pontos de argumentos sendo questionados (Scott et al., 1990Scott, P., Richards, E., & Martin, M. (1990). Captives of controversy the myth of the neutral social researcher in contemporary scientific controversies. Science, Technology, & Human Values, 15(4), 474-494. doi: 10.1177/016224399001500406.
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).

Durepos e Mills (2018)Durepos, G., & Mills, A. J. (2018). ANTi-History: An alternative approach to history. In C. Cassell, A. L. Cunliffe, & G. Grandy (Eds.), The SAGE handbook of qualitative business and management research methods (pp. 431-449). California, USA: Sage. afirmam que a realidade histórica é mais do que singular porque diferentes - mas não infinitas e independentes - versões do passado podem ser incorporadas por meio de práticas distintas. Ao mesmo tempo, a realidade histórica é, em alguns aspectos, menos do que infinita em suas possibilidades porque, embora os atores tenham diferentes perspectivas e visões do passado, essas perspectivas têm pontos de referência comuns (Durepos & Mills, 2018Durepos, G., & Mills, A. J. (2018). ANTi-History: An alternative approach to history. In C. Cassell, A. L. Cunliffe, & G. Grandy (Eds.), The SAGE handbook of qualitative business and management research methods (pp. 431-449). California, USA: Sage.). Uma parte da história pode ser contada em termos de reis, rainhas e elites; batalhas e vitórias; vencedores e perdedores; ou histórias de pessoas, mulheres e subalternos. A abordagem da ANTi-história leva essa ideia a sério e mostra que o trabalho histórico implica a representação de um conjunto de histórias produzidas por vários atores.

Os atores às vezes discordam uns dos outros, trazendo diferentes relevâncias e interesses ao contar a história, resultando em controvérsias (Latour, 2005Latour, B. (2005). Reassembling the social: An introduction to actor-network-theory. Oxford, UK: Oxford University Press.; Venturini, 2010aVenturini, T. (2010a). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. doi: 10.1177/0963662509102694.
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). Portanto, a ANTi-história investiga as múltiplas representações observadas nas práticas dos atores (Kivijarvi et al., 2018Kivijarvi, M., Mills, A. J., & Mills, J. H. (2018). Performing Pan American Airways through coloniality: An ANTi-History approach to narratives and business history. Management & Organizational History, 14(1), 33-54. doi: 10.1080/17449359.2018.1465825.
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) para permitir que realidades alternativas passem a existir. Presumir que o conhecimento da realidade é múltiplo implica uma questão política (Law, 2004Law, J. (2004). After method: Mess in social science research. London, UK, New York, USA: Routledge.; Mol, 1999Mol, A. (1999). Ontological politics: A word and some questions. In J. Law, & J. Hassard (Eds.), Actor network theory and after (pp. 74-89). Oxford, UK: Blackwell Publishers.) sobre qual realidade deve ser adotada. A melhor resposta para essa questão não é "tomar partido", mas desvendar analiticamente as controvérsias, como são constituídas e quais são os pressupostos que enquadram as diferentes posições (Yaneva, 2012Yaneva, A. (2012). Mapping controversies in architecture. Manchester, UK: Ashgate Publishing Company.).

Conceitos para prática

Tradução

A realidade social é obstinada, mas não imutável. Suas relações, equivalências e diferenças surgem por meio de atos de tradução. A tradução pode tornar coisas diferentes equivalentes (Law, 1999Law, J. (1999). After ANT: Complexity, naming and topology. In J. Law, & J. Hassard (Eds.), Actor network theory and after (pp. 1-14). Oxford, UK: Blackwell.), transformando-as por meio da combinação de interesses em um único foco composto (Latour, 1999Latour, B. (1999). Pandora's hope: Essays on the reality of science studies. Cambridge, USA: Harvard University Press.). É assim que as metas organizacionais se tornam evidentes, por exemplo, ao traduzir interesses que motivam as pessoas a agirem de modo diferente, mudarem de direção e se moverem de um lugar para outro em um objeto focalmente coletivo (Latour, 1987Latour, B. (1987). Science in action: How to follow scientists and engineers through society. Cambridge, USA: Harvard University Press.). Essa tradução é sempre contingente e local (Law, 1992Law, J. (1992). Notes on the theory of the actor-network: Ordering, strategy and heterogeneity. Systems Practice, 5(4), 379-393. doi: 10.1007/BF01059830.
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).

Do ponto de vista histórico, entender como ocorre a transformação é importante. Assim, a ANTi-história foca as práticas pelas quais as relações realizam a história (Bettin & Mills, 2018Bettin, C., & Mills, A. J. (2018). More than a feminist: ANTi-Historical reflections on Simone de Beauvoir. Management & Organizational History, 13(1), 65-85. doi: 10.1080/17449359.2018.1446835.
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) e criam conhecimento do passado, moldando nossa visão do objeto de estudo (Kivijarvi et al., 2018Kivijarvi, M., Mills, A. J., & Mills, J. H. (2018). Performing Pan American Airways through coloniality: An ANTi-History approach to narratives and business history. Management & Organizational History, 14(1), 33-54. doi: 10.1080/17449359.2018.1465825.
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). Relatos e narrativas históricas sobre o passado que parecem oferecer uma versão sólida, única e confiável da realidade devem ser vistos com desconfiança (Durepos & Mills, 2018Durepos, G., & Mills, A. J. (2018). ANTi-History: An alternative approach to history. In C. Cassell, A. L. Cunliffe, & G. Grandy (Eds.), The SAGE handbook of qualitative business and management research methods (pp. 431-449). California, USA: Sage.): tal concordância mascara os processos de sua produção. Como Laclau e Mouffe (1985)Laclau, E., & Mouffe, C. (1985). Hegemony and socialist strategy: Towards a radical democratic politics. London, UK: Verso. argumentam, a hegemonia consiste precisamente em tais práticas, e não no conteúdo substantivo que elas sustentam. A tradução envolve políticas de atores-redes, assim como argumentado por Secord e Corrigan (2017)Secord, P., & Corrigan, L. T. (2017). ANTi-History and the entrepreneurial work of privateers. Qualitative Research in Organizations and Management: An International Journal, 12(2), 94-110. doi: 10.1108/QROM-06-2016-1389.
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, de modo que "o conhecimento histórico está situado em práticas oficiais que ocultam traduções e estratégias políticas que permitem que atores-redes atuem como um" (p. 94).

Política dos atores-redes

A ANTi-história nos ajuda a mostrar o trabalho (Weatherbee, Durepos, Mills, & Mills, 2012Weatherbee, T. G., Durepos, G., Mills, A., & Mills, J. H. (2012). Theorizing the past: Critical engagements. Management & Organizational History, 7(3), 193-202. doi: 10.1177/1744935912444358.
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) realizado pela política de atores-redes, por meio do qual os atores buscam construir uma interpretação imutável do passado (Durepos et al., 2008Durepos, G., & Mills, A. J., & Mills, J. H. (2008). Tales in the manufacture of knowledge: Writing a company history of Pan American World Airways. Management & Organizational History, 3(1), 63-80. doi: 10.1177/1744935908090998.
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), estabelecendo o domínio de uma determinada história (Durepos et al., 2012Durepos, G., Mills, A. J., & Weatherbee, T. G. (2012). Theorizing the past: Realism, relativism, relationalism and the reassembly of Weber. Management & Organizational History, 7(3) 267-281. doi: 10.1177/1744935912444353.
https://doi.org/10.1177/1744935912444353...
). Redes de atores são formadas por interesses políticos (Alcadipani & Hassard, 2010Alcadipani, R., & Hassard, J. (2010). Actor-network theory, organizations and critique: Towards a politics of organizing. Organization, 17(4), 419-435. doi: 10.1177/1350508410364441.
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; Mol, 2002Mol, A. (2002). The body multiple: Ontology in medical practice. Durham, USA: Duke UP.), portanto "o passado é visto como composto por atores que têm a capacidade de alterar o curso de outros atores" por meio da inclusão de elementos heterogêneos (Durepos & Mills, 2012bDurepos, G., & Mills, A. J. (2012b). Actor-network theory, ANTi-history and critical organizational historiography. Organization, 19(6), 703-721. doi: 10.1177/1350508411420196.
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, p. 711). A tradução de interesses, às vezes divergentes e contraditórios (Latour, 1999Latour, B. (1999). Pandora's hope: Essays on the reality of science studies. Cambridge, USA: Harvard University Press.), leva os atores a se engajarem na política de atores-redes, criando uma interpretação do passado que pode ser considerada durável (Durepos & Mills, 2012bDurepos, G., & Mills, A. J. (2012b). Actor-network theory, ANTi-history and critical organizational historiography. Organization, 19(6), 703-721. doi: 10.1177/1350508411420196.
https://doi.org/10.1177/1350508411420196...
).

Segundo Mol (2002)Mol, A. (2002). The body multiple: Ontology in medical practice. Durham, USA: Duke UP., o "real" está implicado no "político", tornando a realidade algo não fixo (Alcadipani & Hassard, 2010Alcadipani, R., & Hassard, J. (2010). Actor-network theory, organizations and critique: Towards a politics of organizing. Organization, 17(4), 419-435. doi: 10.1177/1350508410364441.
https://doi.org/10.1177/1350508410364441...
). Consequentemente, retratar uma realidade em vez de outra torna-se uma questão política: qualquer relato da realidade pode ocultar, encobrir ou deslocar possíveis versões alternativas (Law, 2004Law, J. (2004). After method: Mess in social science research. London, UK, New York, USA: Routledge.). Ao traçar a política das redes de atores, a ANTi-história busca explicitá-las (Durepos et al., 2008Durepos, G., & Mills, A. J., & Mills, J. H. (2008). Tales in the manufacture of knowledge: Writing a company history of Pan American World Airways. Management & Organizational History, 3(1), 63-80. doi: 10.1177/1744935908090998.
https://doi.org/10.1177/1744935908090998...
). A criação da história ocorre por meio de interpretações diversas e distintas da realidade, e contabilizá-las não é um processo tranquilo e estável (Kivijarvi et al., 2018Kivijarvi, M., Mills, A. J., & Mills, J. H. (2018). Performing Pan American Airways through coloniality: An ANTi-History approach to narratives and business history. Management & Organizational History, 14(1), 33-54. doi: 10.1080/17449359.2018.1465825.
https://doi.org/10.1080/17449359.2018.14...
), gerando controvérsias entre os atores envolvidos em sua produção. Portanto, quando abordamos a política de redes de atores, devemos falar sobre controvérsias.

PROPOSTA DE MÉTODO

Critérios para escolher uma controvérsia

A partir de Venturini (2010aVenturini, T. (2010a). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. doi: 10.1177/0963662509102694.
https://doi.org/10.1177/0963662509102694...
, 2010b)Venturini, T. (2010b). Building on faults: How to represent controversies with digital methods. Public Understanding of Science, 21(7), 796-812. doi: 10.1177/0963662510387558.
https://doi.org/10.1177/0963662510387558...
e Hussenot (2014)Hussenot, A. (2014). Analyzing organization through disagreements: The concept of managerial controversy. Journal of Organizational Change Management, 27(3), 373-390. doi: 10.1108/JOCM-01-2012-0006.
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, indicamos alguns critérios utilizados na escolha de controvérsias para estudar o passado e analisar como os relatos históricos são criados. Ressalta-se que os quatro critérios elaborados por Venturini (2010a)Venturini, T. (2010a). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. doi: 10.1177/0963662509102694.
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para o estudo das controvérsias tecnocientíficas e adaptados por Hussenot (2014)Hussenot, A. (2014). Analyzing organization through disagreements: The concept of managerial controversy. Journal of Organizational Change Management, 27(3), 373-390. doi: 10.1108/JOCM-01-2012-0006.
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para a investigação da controvérsia gerencial indicam o que os pesquisadores devem evitar em vez de favorecer. Mudamos a polaridade de três critérios para a direção oposta originalmente sugerida pelos autores. Ao invés de evitar "controvérsias passadas, frias e ocultas", recomendamos aceitá-las. Em relação ao quarto critério (evitar controvérsias sem limites), nós o enunciamos de modo diferente. Sugerimos que os pesquisadores "tomem cuidado com as controvérsias sem limites". Considerando a natureza da pesquisa da ANTi-história, ou seja, "uma abordagem crítica alternativa para fazer história nos estudos de gestão e organização" (Durepos & Mills, 2017Durepos, G., & Mills, A. J. (2017). ANTi-History, relationalism and the historic turn in management and organization studies. Qualitative Research in Organizations and Management: An International Journal, 12(1), 53-67. doi: 10.1108/QROM-07-2016-1393.
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, p. 53), a modificação era necessária. A seguir, detalharemos cada um dos critérios, explicando nossa escolha por alterar a recomendação de utilizar três critérios e por modificar o quarto como forma de alerta.

Primeiro critério: aceitar controvérsias do passado

Venturini (2010a)Venturini, T. (2010a). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. doi: 10.1177/0963662509102694.
https://doi.org/10.1177/0963662509102694...
e Hussenot (2014)Hussenot, A. (2014). Analyzing organization through disagreements: The concept of managerial controversy. Journal of Organizational Change Management, 27(3), 373-390. doi: 10.1108/JOCM-01-2012-0006.
https://doi.org/10.1108/JOCM-01-2012-000...
sugerem que os pesquisadores devem evitar as controvérsias do passado. Segundo Hussenot (2014)Hussenot, A. (2014). Analyzing organization through disagreements: The concept of managerial controversy. Journal of Organizational Change Management, 27(3), 373-390. doi: 10.1108/JOCM-01-2012-0006.
https://doi.org/10.1108/JOCM-01-2012-000...
, o objetivo de evitar as controvérsias do passado é evitar que os pesquisadores percam a compreensão do significado das controvérsias à medida que os atores produzem novas interpretações ao longo do tempo. No entanto, os processos de criação de sentido responsáveis por produzir conhecimento do passado devem ser investigados (Hartt, Mills, Mills, & Corrigan, 2014Hartt, C., Mills, A. J., Mills, J. H., & Corrigan, L. T. (2014). Sense-making and actor networks: The non-corporeal actant and the making of an Air Canada history. Management & Organizational History, 9(3), 288-304. doi: 10.1080/17449359.2014.920260.
https://doi.org/10.1080/17449359.2014.92...
), a fim de expor o que é tido como certo como fato histórico (Durepos et al., 2008Durepos, G., & Mills, A. J., & Mills, J. H. (2008). Tales in the manufacture of knowledge: Writing a company history of Pan American World Airways. Management & Organizational History, 3(1), 63-80. doi: 10.1177/1744935908090998.
https://doi.org/10.1177/1744935908090998...
). Venturini (2010a)Venturini, T. (2010a). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. doi: 10.1177/0963662509102694.
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argumenta que, se uma controvérsia passada chegou a um acordo e foi encerrada, ela carece de interesse, razão pela qual ele afirma que os pesquisadores devem evitar controvérsias anteriores. No entanto, o status de qualquer controvérsia nunca é definitivo (Mol, 1999Mol, A. (1999). Ontological politics: A word and some questions. In J. Law, & J. Hassard (Eds.), Actor network theory and after (pp. 74-89). Oxford, UK: Blackwell Publishers.) e pode ser representado de outra forma (Law, 2004Law, J. (2004). After method: Mess in social science research. London, UK, New York, USA: Routledge.). O aparente encerramento de uma controvérsia pode ser um meio pelo qual vozes divergentes foram silenciadas (Foster et al., 2017Foster, W. M., Coraiola, D. M., Suddaby, R., Kroezen, J., & Chandler, D. (2017). The strategic use of historical narratives: A theoretical framework. Business History, 59(8), 1176-1200. doi: 10.1080/00076791.2016.1224234.
https://doi.org/10.1080/00076791.2016.12...
) e um fenômeno foi "colocado em uma caixa preta" (Latour, 1987Latour, B. (1987). Science in action: How to follow scientists and engineers through society. Cambridge, USA: Harvard University Press.).

Embora Venturini (2010a)Venturini, T. (2010a). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. doi: 10.1177/0963662509102694.
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recomende evitar controvérsias do passado, ele enfatiza alguns pontos importantes. Em primeiro lugar, questões passadas podem fazer parte da investigação se o pesquisador for capaz de voltar "ao momento em que a controvérsia estava se desenrolando" (p. 264). Conforme amplamente demonstrado pelos ANTi-historiadores, voltar ao passado e fazer um relato rigoroso da história é possível (por exemplo, Deal et al., 2018Deal, N. M., Mills, A. J., & Mills, J. H. (2018). Amodern and modern warfare in the making of a commercial airline. Management & Organizational History, 13(4), 373-396. doi: 10.1080/17449359.2018.1547647.
https://doi.org/10.1080/17449359.2018.15...
; Secord & Corrigan, 2017Secord, P., & Corrigan, L. T. (2017). ANTi-History and the entrepreneurial work of privateers. Qualitative Research in Organizations and Management: An International Journal, 12(2), 94-110. doi: 10.1108/QROM-06-2016-1389.
https://doi.org/10.1108/QROM-06-2016-138...
). Em segundo lugar, mesmo uma controvérsia que tenha alcançado uma resolução "pode ser encerrada de muitas maneiras diferentes" (Venturini, 2010aVenturini, T. (2010a). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. doi: 10.1177/0963662509102694.
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, p. 268), ou seja, a realidade histórica é mais do que um e menos do que muitos (Durepos & Mills, 2018Durepos, G., & Mills, A. J. (2018). ANTi-History: An alternative approach to history. In C. Cassell, A. L. Cunliffe, & G. Grandy (Eds.), The SAGE handbook of qualitative business and management research methods (pp. 431-449). California, USA: Sage.). Ressaltamos que, se os pesquisadores pretendem compreender a realidade por meio de controvérsias, não devem evitar as controvérsias do passado, mas sim tentar trazê-las à tona por meio da associação de elementos heterogêneos.

Segundo critério: aceitar controvérsias frias

Segundo Venturini (2010a)Venturini, T. (2010a). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. doi: 10.1177/0963662509102694.
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, situações em que os atores não estão atualmente em desacordo ou onde não há potencial de ruptura entre eles não favorecem a análise de controvérsias; é melhor observar debates acalorados para compreender as várias dimensões de uma controvérsia (Hussenot, 2014Hussenot, A. (2014). Analyzing organization through disagreements: The concept of managerial controversy. Journal of Organizational Change Management, 27(3), 373-390. doi: 10.1108/JOCM-01-2012-0006.
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). O que foi uma controvérsia pode ter sido colocado em uma caixa preta devido a suposições dominantes que silenciavam vozes marginalizadas. É o caso da natureza não controversa do efeito Hawthorne durante grande parte do seu percurso, a qual pesquisas recentes desconstruíram ao retornar ao "caso arquivado" e vê-lo novamente por meio de materiais históricos (Busse & Warner, 2017Busse, R., & Warner, M. (2017). The legacy of the hawthorne experiments: A critical analysis of the 'Human Relations School of Thought'. History of Economic Ideas, 5(2), 91-114. doi: 10.19272/201706102004.
https://doi.org/10.19272/201706102004...
; Hassard, 2012Hassard, J. S. (2012). Rethinking the Hawthorne Studies: The Western Electric research in its social, political and historical context. Human Relations, 65(11), 1431-1461. doi: 10.1177/0018726712452168.
https://doi.org/10.1177/0018726712452168...
; Mannevuo, 2018Mannevuo, M. (2018). The riddle of adaptation: Revisiting the Hawthorne studies. The Sociological Review, 66(6), 1242-1257. doi: 10.1177/0038026118755603.
https://doi.org/10.1177/0038026118755603...
; Muldoon, 2017Muldoon, J. (2017). The Hawthorne studies: An analysis of critical perspectives, 1936-1958. Journal of Management History, 23(1), 74-94. doi: 10.1108/JMH-09-2016-0052.
https://doi.org/10.1108/JMH-09-2016-0052...
). A inspeção de uma questão supostamente fria pode revelar que o conhecimento do passado é um dado adquirido na história organizacional (Durepos & Mills, 2012bDurepos, G., Mills, A. J., & Weatherbee, T. G. (2012). Theorizing the past: Realism, relativism, relationalism and the reassembly of Weber. Management & Organizational History, 7(3) 267-281. doi: 10.1177/1744935912444353.
https://doi.org/10.1177/1744935912444353...
; Durepos et al., 2008Durepos, G., & Mills, A. J., & Mills, J. H. (2008). Tales in the manufacture of knowledge: Writing a company history of Pan American World Airways. Management & Organizational History, 3(1), 63-80. doi: 10.1177/1744935908090998.
https://doi.org/10.1177/1744935908090998...
). Os sentimentos, significados e emoções dos atores (Hussenot, 2014Hussenot, A. (2014). Analyzing organization through disagreements: The concept of managerial controversy. Journal of Organizational Change Management, 27(3), 373-390. doi: 10.1108/JOCM-01-2012-0006.
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) podem ter sido suprimidos da cena e ficar ocultos da vida organizacional cotidiana (Mannevuo, 2018Mannevuo, M. (2018). The riddle of adaptation: Revisiting the Hawthorne studies. The Sociological Review, 66(6), 1242-1257. doi: 10.1177/0038026118755603.
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). Controvérsias frias permanecem como uma barreira sobre vozes silenciadas e histórias não contadas (Kivijarvi et al., 2018Kivijarvi, M., Mills, A. J., & Mills, J. H. (2018). Performing Pan American Airways through coloniality: An ANTi-History approach to narratives and business history. Management & Organizational History, 14(1), 33-54. doi: 10.1080/17449359.2018.1465825.
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) e podem ser ocultadas da história organizacional.

Terceiro critério: aceitar controvérsias ocultas

Venturini (2010a)Venturini, T. (2010a). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. doi: 10.1177/0963662509102694.
https://doi.org/10.1177/0963662509102694...
e Hussenot (2014)Hussenot, A. (2014). Analyzing organization through disagreements: The concept of managerial controversy. Journal of Organizational Change Management, 27(3), 373-390. doi: 10.1108/JOCM-01-2012-0006.
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recomendam que os pesquisadores evitem controvérsias ocultas. Concordamos que é difícil acessar questões confidenciais ou secretas (Venturini, 2010aVenturini, T. (2010a). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. doi: 10.1177/0963662509102694.
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), especialmente quando as organizações desejam preservar sua reputação (Hussenot 2014Hussenot, A. (2014). Analyzing organization through disagreements: The concept of managerial controversy. Journal of Organizational Change Management, 27(3), 373-390. doi: 10.1108/JOCM-01-2012-0006.
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). No entanto, se os atores atuam ou se, de alguma forma, se associam, deixam alguns vestígios e informações que os pesquisadores podem usar para descrevê-los (Latour, 2005Latour, B. (2005). Reassembling the social: An introduction to actor-network-theory. Oxford, UK: Oxford University Press.), mesmo que a controvérsia seja supostamente fria e tenha sido ocultada.

Considerando que as boas controvérsias são as mais intensas (Venturini, 2010aVenturini, T. (2010a). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. doi: 10.1177/0963662509102694.
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), os pesquisadores devem aceitar as controvérsias ocultas como um meio de dar vida à dinâmica organizacional e aos debates acalorados (Hussenot, 2014Hussenot, A. (2014). Analyzing organization through disagreements: The concept of managerial controversy. Journal of Organizational Change Management, 27(3), 373-390. doi: 10.1108/JOCM-01-2012-0006.
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) de modo a expor as relações de poder, a política das redes de atores e mostrar a multiplicidade da realidade. Traçar relações de poder e mostrar como o conhecimento do passado é produzido e dado como certo é um dos objetivos da abordagem da ANTi-história (Corrigan & Mills, 2012Corrigan, L. T., & Mills, A. J. (2012). Men on board: Actor-network theory, feminism and gendering the past. Management & Organizational History, 7(3), 251-265. doi: 10.1177/1744935912444357.
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). As relações de poder podem ser mascaradas, enterrando as controvérsias e cobrindo-as com relações sociais naturalizadas, estabelecidas em estruturas institucionais, embutidas nas tecnologias ou enviesadas na criação histórica. Como Mannevuo (2018)Mannevuo, M. (2018). The riddle of adaptation: Revisiting the Hawthorne studies. The Sociological Review, 66(6), 1242-1257. doi: 10.1177/0038026118755603.
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sugere, as configurações das organizações "sempre têm fraturas que podem abrir possibilidades para leituras reparativas do processo de formação de trabalhadores e, assim, revisar teorias excessivamente deterministas de opressão e vulnerabilidade" (p. 1243), o que ela argumenta ter sido o caso da pesquisa histórica conduzida na Sala de Testes de Montagem de Relés da planta Hawthorne da General Electric.

Simon Kuper (2019)Kuper, S. (2019). How Oxford university shaped Brexit: And Britain's next prime minister. Financial Times, 18 September. Retrieved from https://www.ft.com/content/85fc694c-9222-11e9-b7ea-60e35ef678d2
https://www.ft.com/content/85fc694c-9222...
fornece outro exemplo adequado ao mostrar como a adesão à Oxford Union na década de 1980 prefigurava a política do Brexit nos dias atuais. Como ele descreve, "você vira as páginas de jornais de estudantes amarelecidos de 30 anos atrás, e lá estão eles, reconhecidamente os mesmos rostos que dominam as notícias britânicas de hoje". Johnson, Gove, Rees-Mogg, Hunt e Cameron saíram sem esforço de suas escolas de elite (na maioria dos casos, Eton) para um meio no qual as habilidades de debate consistiam, em grande parte, na capacidade de falar com humor sobre algo de que se tinha pouco conhecimento sem sentir a necessidade de ganhar o debate. Estilo acima do conteúdo, retórica e sagacidade acima da razão e da evidência: esses eram os atributos que marcavam a rede de atores que se tornaria o círculo governante do Brexit no governo.

Quarto critério: ter cuidado com controvérsias sem limites

Venturini (2010a)Venturini, T. (2010a). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. doi: 10.1177/0963662509102694.
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e Hussenot (2014Hussenot, A. (2014). Analyzing organization through disagreements: The concept of managerial controversy. Journal of Organizational Change Management, 27(3), 373-390. doi: 10.1108/JOCM-01-2012-0006.
https://doi.org/10.1108/JOCM-01-2012-000...
) sugerem que os pesquisadores devem evitar controvérsias sem limites. Não sugerimos evitar totalmente esse tipo de controvérsia, pois traçar a extensão de uma rede de atores relacionada a uma controvérsia é uma escolha do pesquisador baseada no interesse em abordar um determinado período no relato histórico ou no qual a rede de atores em estudo está situada (Law, 1987Law, J. (1987). Technology and heterogeneous engineering: The case of Portuguese expansion. In W. E. Bijker, T. P. Hughes, & T. Pinch (Eds.), The social construction of technological systems: New directions in the sociology and history of technology (pp. 111-134). Cambridge, USA: MIT Press.). Além disso, a extensão de uma controvérsia depende de sua complexidade e abrangência (Venturini, 2010aVenturini, T. (2010a). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. doi: 10.1177/0963662509102694.
https://doi.org/10.1177/0963662509102694...
). Não recomendamos, entretanto, aceitar controvérsias ilimitadas indiscriminadamente, mas sim que, ao escolher uma controvérsia envolta em muito debate, exigindo muito trabalho e tempo, os pesquisadores estejam cientes da disponibilidade de recursos (Venturini, 2010aVenturini, T. (2010a). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. doi: 10.1177/0963662509102694.
https://doi.org/10.1177/0963662509102694...
) e dos limites textuais dos gêneros. Conforme apontado por Latour (2005)Latour, B. (2005). Reassembling the social: An introduction to actor-network-theory. Oxford, UK: Oxford University Press., "qualquer método depende do tamanho e do tipo de texto que você prometeu entregar [...] escrever textos tem tudo a ver com método" (p. 148, itálico no original).

Uma abordagem útil para lidar com essas questões é tomar o conceito da Teoria ator-rede (TAR), que entende o ator como qualquer coisa que faz a diferença, modificando o estado das coisas (Latour, 2005Latour, B. (2005). Reassembling the social: An introduction to actor-network-theory. Oxford, UK: Oxford University Press.; Mol, 2010Mol, A. (2010). Actor-network theory: Sensitive terms and enduring tensions. Kölner Zeitschrift für Soziologie und Sozialpsychologie, 50(1), 253-269.), e o utilizar na delimitação do escopo da rede de atores envolvidos na controvérsia. Conforme afirma Law (1987)Law, J. (1987). Technology and heterogeneous engineering: The case of Portuguese expansion. In W. E. Bijker, T. P. Hughes, & T. Pinch (Eds.), The social construction of technological systems: New directions in the sociology and history of technology (pp. 111-134). Cambridge, USA: MIT Press., "o escopo da rede em estudo é determinado pela existência de atores que são capazes de fazer sentir a sua presença individual nela" (p. 131). Essa abordagem está alinhada com a abordagem da ANTi-história por entender os atores como elementos capazes de alterar as ações de outros atores por meio de associações (Durepos & Mills, 2012bDurepos, G., Mills, A. J., & Weatherbee, T. G. (2012). Theorizing the past: Realism, relativism, relationalism and the reassembly of Weber. Management & Organizational History, 7(3) 267-281. doi: 10.1177/1744935912444353.
https://doi.org/10.1177/1744935912444353...
). Segundo Latour (2005)Latour, B. (2005). Reassembling the social: An introduction to actor-network-theory. Oxford, UK: Oxford University Press., os atores deixarão alguns rastros, direta ou indiretamente, mesmo que sejam silenciados ou reprimidos, gerando oportunidades para inspecionar elementos de uma rede que costumam ser ignorados (Law, 1992Law, J. (1992). Notes on the theory of the actor-network: Ordering, strategy and heterogeneity. Systems Practice, 5(4), 379-393. doi: 10.1007/BF01059830.
https://doi.org/10.1007/BF01059830...
). Tendo esses critérios em mente, veremos, a seguir, as cinco etapas de pesquisa implicadas no uso de pressupostos e práticas da ANTi-história.

Etapas de pesquisa

Nesta seção, apresentaremos as cinco etapas úteis para os pesquisadores da ANTi-história: a primeira é identificar a controvérsia relacionada ao fenômeno em análise; a segunda é mapear a rede de atores envolvida na controvérsia ao longo do tempo; a terceira é rastrear a prática de tradução ao longo da história; a quarta é identificar a política dos atores-redes; a quinta é descrever as múltiplas realidades sendo desempenhadas na prática pelos atores. Essas etapas não devem ser vistas de modo linear, pois muitas delas ocorrem simultaneamente.

  • 1. Amostragem: como identificar controvérsias. Conforme mencionado anteriormente, quando apresentamos os critérios para a escolha de controvérsias, é útil identificar uma controvérsia emergente e viva (Hussenot, 2014Hussenot, A. (2014). Analyzing organization through disagreements: The concept of managerial controversy. Journal of Organizational Change Management, 27(3), 373-390. doi: 10.1108/JOCM-01-2012-0006.
    https://doi.org/10.1108/JOCM-01-2012-000...
    ; Venturini, 2010aVenturini, T. (2010a). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. doi: 10.1177/0963662509102694.
    https://doi.org/10.1177/0963662509102694...
    ). No entanto, em vez de ignorar controvérsias frias, os pesquisadores devem inspecioná-las em busca de vozes silenciadas e reprimidas marginalizadas por relações de poder, cujos efeitos podem se tornar visíveis como "traços suprimidos" (Hartt et al., 2014Hartt, C., Mills, A. J., Mills, J. H., & Corrigan, L. T. (2014). Sense-making and actor networks: The non-corporeal actant and the making of an Air Canada history. Management & Organizational History, 9(3), 288-304. doi: 10.1080/17449359.2014.920260.
    https://doi.org/10.1080/17449359.2014.92...
    , p. 14). As controvérsias expõem relações ocultas e heterogêneas (Venturini, 2010aVenturini, T. (2010a). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. doi: 10.1177/0963662509102694.
    https://doi.org/10.1177/0963662509102694...
    ) na rede de atores do relato histórico. À medida que a controvérsia se desenvolve, a heterogeneidade da interpretação de um objeto apresenta-se mais claramente conforme os atores envolvidos discutem e se posicionam em relação ao suposto objeto (Latour, 1987Latour, B. (1987). Science in action: How to follow scientists and engineers through society. Cambridge, USA: Harvard University Press.) de contestação.

Para identificar o que é ou não controvérsia, os pesquisadores devem buscar ideias ou práticas tidas como certas no passado, mas que estão sendo questionadas mais recentemente (Venturini, 2010aVenturini, T. (2010a). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. doi: 10.1177/0963662509102694.
https://doi.org/10.1177/0963662509102694...
). Ao contrário dos conflitos de relacionamento pontuais ou conflito de tarefas (Jehn, 1995Jehn, K. A. (1995). A multimethod examination of the benefits and detriments of intragroup conflict. Administrative Science Quarterly, 40(2), 256-282. doi: 10.2307/2393638.
https://doi.org/10.2307/2393638...
), as controvérsias históricas desencadeiam uma variedade de questões sucessivas (Hussenot, 2008Hussenot, A. (2008). Between structuration and translation: An approach of ICT appropriation. Journal of Organizational Change Management, 21(3), 335-347. doi: 10.1108/09534810810874813.
https://doi.org/10.1108/0953481081087481...
) relacionadas ao passado e à facticidade da produção de conhecimento (Durepos & Mills, 2018Durepos, G., & Mills, A. J. (2018). ANTi-History: An alternative approach to history. In C. Cassell, A. L. Cunliffe, & G. Grandy (Eds.), The SAGE handbook of qualitative business and management research methods (pp. 431-449). California, USA: Sage.). A tensão entre narrativas e relatos distintos é o que importa, pois evidencia uma ruptura inicial entre os atores (Bettin & Mills, 2018Bettin, C., & Mills, A. J. (2018). More than a feminist: ANTi-Historical reflections on Simone de Beauvoir. Management & Organizational History, 13(1), 65-85. doi: 10.1080/17449359.2018.1446835.
https://doi.org/10.1080/17449359.2018.14...
). Identificada a controvérsia, abre-se caminho para que o pesquisador descubra quem foram os atores e, posteriormente, trace as diferentes narrativas históricas criadas por eles nas divergências. Assim, o próximo passo é mapear a rede de atores da controvérsia.

  • 2. Escaneamento do terreno: como mapear a rede de atores. Depois que surge uma controvérsia, uma rede de atores forma-se em torno dela, tornando-se "as configurações fugazes onde os atores estão renegociando os laços de velhas redes e o surgimento de novas redes está redefinindo a identidade dos atores "(Venturini, 2010aVenturini, T. (2010a). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. doi: 10.1177/0963662509102694.
    https://doi.org/10.1177/0963662509102694...
    , p. 264). As controvérsias envolvem todos os tipos de atores (Hussenot, 2014Hussenot, A. (2014). Analyzing organization through disagreements: The concept of managerial controversy. Journal of Organizational Change Management, 27(3), 373-390. doi: 10.1108/JOCM-01-2012-0006.
    https://doi.org/10.1108/JOCM-01-2012-000...
    ; Venturini, 2010a): aqueles centrais e periféricos (Corrigan & Mills, 2012Corrigan, L. T., & Mills, A. J. (2012). Men on board: Actor-network theory, feminism and gendering the past. Management & Organizational History, 7(3), 251-265. doi: 10.1177/1744935912444357.
    https://doi.org/10.1177/1744935912444357...
    ), atuantes não corpóreos (Hartt et al., 2014Hartt, C., Mills, A. J., Mills, J. H., & Corrigan, L. T. (2014). Sense-making and actor networks: The non-corporeal actant and the making of an Air Canada history. Management & Organizational History, 9(3), 288-304. doi: 10.1080/17449359.2014.920260.
    https://doi.org/10.1080/17449359.2014.92...
    ), humanos e não humanos (Secord & Corrigan, 2017Secord, P., & Corrigan, L. T. (2017). ANTi-History and the entrepreneurial work of privateers. Qualitative Research in Organizations and Management: An International Journal, 12(2), 94-110. doi: 10.1108/QROM-06-2016-1389.
    https://doi.org/10.1108/QROM-06-2016-138...
    ) e profissionais e historiadores (Kivijarvi et al., 2018Kivijarvi, M., Mills, A. J., & Mills, J. H. (2018). Performing Pan American Airways through coloniality: An ANTi-History approach to narratives and business history. Management & Organizational History, 14(1), 33-54. doi: 10.1080/17449359.2018.1465825.
    https://doi.org/10.1080/17449359.2018.14...
    ). Considerando que a análise da controvérsia é baseada no princípio da simetria (Callon, 1986Callon, M. (1986). Some elements of a sociology of translation: Domestication of the scallops and the fishermen of St. Brieuc Bay. In J. Law (Ed.), Power, action, and belief: A new sociology of knowledge? (pp. 196-223). London, UK: Routledge & Kegan Paul.), mapear uma rede de atores exige estar aberto a todas as perspectivas e incluir tantos pontos de vista quanto possível (Venturini, 2010bVenturini, T. (2010b). Building on faults: How to represent controversies with digital methods. Public Understanding of Science, 21(7), 796-812. doi: 10.1177/0963662510387558.
    https://doi.org/10.1177/0963662510387558...
    ).

Dessa forma, uma rede de atores pode ser mapeada por meio de três parâmetros que assumem o ponto de vista dos atores: representatividade, influência e interesse (Venturini, 2010bVenturini, T. (2010b). Building on faults: How to represent controversies with digital methods. Public Understanding of Science, 21(7), 796-812. doi: 10.1177/0963662510387558.
https://doi.org/10.1177/0963662510387558...
). Esses parâmetros são úteis para enquadrar a escolha do pesquisador sobre a extensão da rede de atores a ser mapeada. Um ponto de vista é considerado representativo quando tem apoio substancial de atores que têm argumentos em comum. Nessa situação, as falas desse grupo merecem atenção especial do pesquisador. Para mapear a rede de atores, é importante que os pesquisadores identifiquem os atores cujas declarações geram controvérsia. As visões minoritárias não devem ser desconsideradas, como veremos adiante, "porque a representatividade é muito mais uma questão de pesar do que de contar" (Venturini, 2010bVenturini, T. (2010b). Building on faults: How to represent controversies with digital methods. Public Understanding of Science, 21(7), 796-812. doi: 10.1177/0963662510387558.
https://doi.org/10.1177/0963662510387558...
, p. 798).

Alguns pontos de vista têm mais influência do que outros. Enquanto uma controvérsia está em cursos, atores vão competir para ocupar posições influentes "que lhes dão o poder de afetar as ações de outros atores [...] porque, gostem ou não, eles terão melhores chances de moldar controvérsias" (Venturini, 2010bVenturini, T. (2010b). Building on faults: How to represent controversies with digital methods. Public Understanding of Science, 21(7), 796-812. doi: 10.1177/0963662510387558.
https://doi.org/10.1177/0963662510387558...
, p. 798). Pontos de vista influentes dizem respeito não apenas ao número de aliados que atraem, mas também ao recrutamento de apoios proeminentes, aumentando, assim, a chance de sucesso. O mapeamento da rede de atores exige que o pesquisador trace no tempo as trilhas utilizadas pelos atores para se posicionar em um ponto favorável capaz de recrutar apoiadores de peso.

A controvérsia obrigatoriamente depende de minorias disputando e discordando de relatos da maioria: "São as minorias discordantes que trazem controvérsias ao se recusar a se adequar ao convencional e reabrir as caixas pretas" (Venturini, 2010bVenturini, T. (2010b). Building on faults: How to represent controversies with digital methods. Public Understanding of Science, 21(7), 796-812. doi: 10.1177/0963662510387558.
https://doi.org/10.1177/0963662510387558...
, p. 798) de relatos históricos. Os pontos de vista marginais e das minorias articulam perspectivas silenciadas ou reprimidas que são úteis para questionar o que é dado como certo e mostrar versões alternativas da realidade marginalizada por atores poderosos.

  • 3. Traçar: como desenhar o processo de tradução. Mapear a rede de atores envolvida em uma controvérsia ao longo do tempo é uma etapa que torna os atores e as conexões mais visíveis. No entanto, conforme observado por Bettin e Mills (2018, p. 70)Bettin, C., & Mills, A. J. (2018). More than a feminist: ANTi-Historical reflections on Simone de Beauvoir. Management & Organizational History, 13(1), 65-85. doi: 10.1080/17449359.2018.1446835.
    https://doi.org/10.1080/17449359.2018.14...
    , fazer história não se limita a rastrear a associação de humanos e não humanos, "mas também inclui se preocupar sobre como os atores se relacionam, como se conectam e desconectam, e como eles alcançam alinhamentos tão fortes" para criar história. Esses movimentos entre os atores são um efeito dos processos de tradução e, em certa medida, são resultado das controvérsias (Hussenot, 2014Hussenot, A. (2014). Analyzing organization through disagreements: The concept of managerial controversy. Journal of Organizational Change Management, 27(3), 373-390. doi: 10.1108/JOCM-01-2012-0006.
    https://doi.org/10.1108/JOCM-01-2012-000...
    ).

Callon (1986)Callon, M. (1986). Some elements of a sociology of translation: Domestication of the scallops and the fishermen of St. Brieuc Bay. In J. Law (Ed.), Power, action, and belief: A new sociology of knowledge? (pp. 196-223). London, UK: Routledge & Kegan Paul. descreveu a tradução como composta por quatro etapas: problematização, interesse, engajamento e mobilização de aliados. Problematização refere-se a um sistema de alianças ou associações estabelecidas entre entidades para definir sua identidade e objetivos e para criar um ponto de passagem obrigatório que todos os atores devem aceitar para alcançar o que desejam (ver Clegg, 1989Clegg, S. R. (1989). Frameworks of power. London, UK: Sage.). Em controvérsias, isso significa que as associações e oposições criadas em torno de uma questão específica determinam as posições dos atores e da estrutura da rede ao longo do processo e fluxo de sua evolução (Venturini, Rici, Mauri, Kimbell, & Meunier, 2015Venturini, T., Ricci, D., Mauri, M., Kimbell, L., & Meunier, A. (2015). Designing controversies and their publics, Design Issues, 31(3), 74-87. doi: 10.1162/DESI_a_00340.
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).

O interessamento é representado por ações realizadas pelos atores "para impor e estabilizar os outros atores definidos por meio de sua problematização" e construir dispositivos para protegê-los de outros atores "que querem definir suas identidades de outra forma" (Callon, 1986Callon, M. (1986). Some elements of a sociology of translation: Domestication of the scallops and the fishermen of St. Brieuc Bay. In J. Law (Ed.), Power, action, and belief: A new sociology of knowledge? (pp. 196-223). London, UK: Routledge & Kegan Paul., pp. 71-72). Embora o sucesso do interessamento seja influenciado pela etapa anterior e seus sistemas de alianças, ele nunca está assegurado. Portanto, os atores devem ser engajados.

O engajamento corresponde à atribuição de papéis inter-relacionados para a criação de alianças entre os atores, resultante de múltiplas negociações em torno de uma solução proposta. A discordância suscitada por uma controvérsia nesta etapa explicita não apenas os comportamentos e expectativas dos atores, mas também as principais práticas e regras organizacionais (Hussenot, 2014Hussenot, A. (2014). Analyzing organization through disagreements: The concept of managerial controversy. Journal of Organizational Change Management, 27(3), 373-390. doi: 10.1108/JOCM-01-2012-0006.
https://doi.org/10.1108/JOCM-01-2012-000...
).

Por fim, a mobilização é a etapa em que os atores aceitam um objetivo específico, há uma coalizão dominante de elites que estão bem interligadas e têm um papel claro na rede. Nesse momento, um ator central passa a ser um porta-voz influente, representando uma rede de interesses que dá voz a todos aqueles silenciados durante a formação da rede. As diversas entidades atuam em unidade, como uma rede de atores, por meio de um porta-voz representativo. Nesta fase, a controvérsia termina no compromisso de uma ordem negociada (Venturini, 2010aVenturini, T. (2010a). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. doi: 10.1177/0963662509102694.
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) cujo resultado passa a ser legitimado (Lanzara & Patriotta, 2001Lanzara, G. F., & Patriotta, G. (2001). Technology and the courtroom: An inquiry into knowledge making in organization. Journal of Management Studies, 38(7), 943-971. doi: 10.1111/1467-6486.00267.
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) como a história organizacional oficial.

Essas diferentes etapas do processo de tradução podem ser úteis para um ANTi-historiador na investigação de controvérsias, mas sugerimos que não sejam usadas de maneira linear e mecânica, pois podem se sobrepor e não têm limites claros (Callon, 1986Callon, M. (1986). Some elements of a sociology of translation: Domestication of the scallops and the fishermen of St. Brieuc Bay. In J. Law (Ed.), Power, action, and belief: A new sociology of knowledge? (pp. 196-223). London, UK: Routledge & Kegan Paul.).

  • 4. Rotulagem: a política dos atores-redes. As controvérsias da rede de atores são decididas por relações e práticas de poder (Law, 2004Law, J. (2004). After method: Mess in social science research. London, UK, New York, USA: Routledge.; Mol, 2002Mol, A. (2002). The body multiple: Ontology in medical practice. Durham, USA: Duke UP.; Venturini, 2010aVenturini, T. (2010a). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. doi: 10.1177/0963662509102694.
    https://doi.org/10.1177/0963662509102694...
    ). Algumas posições tornam-se mais influentes à medida que alguns atores se tornam aptos a moldar controvérsias (Venturini, 2010bVenturini, T. (2010b). Building on faults: How to represent controversies with digital methods. Public Understanding of Science, 21(7), 796-812. doi: 10.1177/0963662510387558.
    https://doi.org/10.1177/0963662510387558...
    ). O que é considerado conhecido envolve a manipulação do fluxo de possíveis conhecimentos (Mol, 1999Mol, A. (1999). Ontological politics: A word and some questions. In J. Law, & J. Hassard (Eds.), Actor network theory and after (pp. 74-89). Oxford, UK: Blackwell Publishers.) que passam a fazer parte da criação da história (Bettin & Mills, 2018Bettin, C., & Mills, A. J. (2018). More than a feminist: ANTi-Historical reflections on Simone de Beauvoir. Management & Organizational History, 13(1), 65-85. doi: 10.1080/17449359.2018.1446835.
    https://doi.org/10.1080/17449359.2018.14...
    ). Tomando essa ideia como ponto de partida, Durepos e Mills (2018)Durepos, G., & Mills, A. J. (2018). ANTi-History: An alternative approach to history. In C. Cassell, A. L. Cunliffe, & G. Grandy (Eds.), The SAGE handbook of qualitative business and management research methods (pp. 431-449). California, USA: Sage. afirmam que, "se existem diferentes versões do passado adotadas como história, e essas são diferentes versões da realidade, então a questão é qual versão adotar" (p. 444). Existe uma política de redes de atores-redes, isto é, o engajamento de atores (especialistas, entrevistados, historiadores, ideias, documentos, artefatos, arquivos) conforme eles se inserem na rede, alteram o curso de ação e instilam uma versão da realidade favorável a um grupo específico (Durepos & Mills, 2012bDurepos, G., & Mills, A. J. (2012b). Actor-network theory, ANTi-history and critical organizational historiography. Organization, 19(6), 703-721. doi: 10.1177/1350508411420196.
    https://doi.org/10.1177/1350508411420196...
    ).

Nessa etapa, o pesquisador identifica o que move (Blum & McHugh, 1971Blum, A. F., & McHugh, P. (1971). The social ascription of motives. American Sociological Review, 36(1), 98-109. doi: 10.2307/2093510.
https://doi.org/10.2307/2093510...
) os atores envolvidos na controvérsia. O foco está no que os move a investir seu tempo e recursos para persuadir os outros a criarem uma meta, se conectarem, aceitarem um papel e serem representados por um ator central. Dessa forma, a análise da controvérsia mostra as implicações sociais de suposições tidas como certas que assumem uma inércia relativa sendo desafiadas por motivações para a ação (Scott et al., 1990Scott, P., Richards, E., & Martin, M. (1990). Captives of controversy the myth of the neutral social researcher in contemporary scientific controversies. Science, Technology, & Human Values, 15(4), 474-494. doi: 10.1177/016224399001500406.
https://doi.org/10.1177/0162243990015004...
, p. 474).

Além disso, uma tarefa importante é investigar como algumas motivações são reprimidas e silenciadas em uma situação controversa, especialmente pelo resultado de controvérsias passadas que se enraízam nas estruturas das organizações, de processos e relacionamentos, formando pontos nodais necessários (Lanzara & Patriotta, 2001Lanzara, G. F., & Patriotta, G. (2001). Technology and the courtroom: An inquiry into knowledge making in organization. Journal of Management Studies, 38(7), 943-971. doi: 10.1111/1467-6486.00267.
https://doi.org/10.1111/1467-6486.00267...
). Os meios de representação dos eventos passados que levaram à integração presente (narrativa, escrita ou artefato) afetam seu significado. De acordo com Durepos e Mills (2018)Durepos, G., & Mills, A. J. (2018). ANTi-History: An alternative approach to history. In C. Cassell, A. L. Cunliffe, & G. Grandy (Eds.), The SAGE handbook of qualitative business and management research methods (pp. 431-449). California, USA: Sage., "a história é o resultado da sócio-política de diferentes conglomerados de atores (humanos, não humanos e não corporais) à medida que transformam um sentido do passado" (p. 437, ver Deal et al., 2018Deal, N. M., Mills, A. J., & Mills, J. H. (2018). Amodern and modern warfare in the making of a commercial airline. Management & Organizational History, 13(4), 373-396. doi: 10.1080/17449359.2018.1547647.
https://doi.org/10.1080/17449359.2018.15...
; Hartt et al., 2014Hartt, C., Mills, A. J., Mills, J. H., & Corrigan, L. T. (2014). Sense-making and actor networks: The non-corporeal actant and the making of an Air Canada history. Management & Organizational History, 9(3), 288-304. doi: 10.1080/17449359.2014.920260.
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), portanto não é sensato limitar as fontes investigadas.

  • 5. Descrever a realidade múltipla e a relação de poder. Após realizar as etapas anteriores, o pesquisador poderá realizar a etapa final, de descrever a multiplicidade na criação da história. Identificar atores excluídos e trazer à tona eventos/ações ocultos pode revelar múltiplas realidades passadas. Conforme mostrado por Mol (2002)Mol, A. (2002). The body multiple: Ontology in medical practice. Durham, USA: Duke UP., diferentes realidades são representadas como resultado de distintas práticas e compromissos após a resolução de uma controvérsia (Venturini, 2010aVenturini, T. (2010a). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. doi: 10.1177/0963662509102694.
    https://doi.org/10.1177/0963662509102694...
    ). Quando uma realidade está em uma caixa preta, não podemos ver os atores cuja associação a um ator central é menos visível, a menos que sejam revelados por uma controvérsia (Callon, 1989Callon, M. (1989). Society in the making: The study of technology as a tool for sociological analysis. In W. E. Bijker, T. P. Hughes, & T. Pinch (Eds.), The social construction of technological systems (pp. 83-103). Cambridge, USA: MIT Press.). Assim, nesta etapa, os pesquisadores devem estar atentos às práticas cotidianas dos atores que atuam em realidades visíveis e menos visíveis, pois é delas que surge a história (Bettin & Mills, 2018Bettin, C., & Mills, A. J. (2018). More than a feminist: ANTi-Historical reflections on Simone de Beauvoir. Management & Organizational History, 13(1), 65-85. doi: 10.1080/17449359.2018.1446835.
    https://doi.org/10.1080/17449359.2018.14...
    ).

A análise da controvérsia no estudo do passado é uma ferramenta capaz de mostrar que as controvérsias em torno da criação da história podem ser encerradas de diferentes maneiras (Venturini, 2010aVenturini, T. (2010a). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. doi: 10.1177/0963662509102694.
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), e que a realidade pode se apresentar de outra forma (Law, 2004Law, J. (2004). After method: Mess in social science research. London, UK, New York, USA: Routledge.). Levar a sério as premissas de multiplicidade ajuda a "minar qualquer noção de que o passado é fixo e imutável, evitando o encerramento enquanto permanece sempre aberto à revisão" (Maclean et al., 2016Maclean, M., Harvey, C., & Clegg, S. R. (2016). Conceptualizing historical organization studies. Academy of Management Review, 41(4), 609-632. doi: 10.5465/amr.2014.0133.
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, p. 627). Ao abordar a controvérsia, estamos considerando a política democrática de pesquisa como um exercício sério de conjecturas e refutações - a pesquisa como política por outros meios, e não sua concepção como um processo ordenado de acumulação de conhecimentos mais certos. Em vez disso, seguindo os passos de Popper (2014)Popper, K. (2014). Conjectures and refutations: The growth of scientific knowledge. London, UK: Routledge., tomamos como direção o dissenso, a negação e a democracia.

Focar as rupturas das experiências dos atores do cotidiano é uma oportunidade para entender a dinâmica organizacional (Hussenot, 2014Hussenot, A. (2014). Analyzing organization through disagreements: The concept of managerial controversy. Journal of Organizational Change Management, 27(3), 373-390. doi: 10.1108/JOCM-01-2012-0006.
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) e como associações e alianças são construídas para resolver uma realidade específica e marginalizar outras, nem sempre de modo intencional. Portanto, para identificar a multiplicidade, sugerimos que os pesquisadores busquem narrativas, documentos, artefatos ou eventos que forneçam algumas pistas para os potenciais desacordos a respeito da história organizacional ou do conhecimento do passado e das práticas realizadas pelos atores. A controvérsia organizacional diz respeito a diferenças cujo desdobramento exibe distribuições crescentes de poder (Venturini, 2010aVenturini, T. (2010a). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. doi: 10.1177/0963662509102694.
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). ANTi-historiadores "obscurecem" o trabalho constante dos atores em estabelecer conexões, disputar e negociar quaisquer que sejam as questões em jogo. Após a ação, as multiplicidades proliferam empiricamente.

Exemplo prático

Um exemplo de história do presente considerando a cartografia moderna dos termos das controvérsias seria o tema do ambientalismo e das mudanças climáticas, bem como os diversos objetos utilizados para representá-lo: incêndios na Amazônia, Califórnia e Austrália; derretimento do gelo na Groenlândia, na Antártica e nos Alpes; inundações de proporções gigantescas no Reino Unido, nos Estados Unidos e em Bangladesh. Assim, pode-se pensar na negociação das mudanças climáticas como uma potencial controvérsia a ser investigada em Estudos de Gestão e Organização (etapa 1: amostragem). Uma vez que uma negociação específica de mudança climática é identificada como uma controvérsia, o pesquisador deve identificar quem são os atores (líderes nacionais, ONGs, corporações transnacionais) e traçar as diferentes narrativas históricas produzidas por eles e que atualmente estão em desacordo (argumentos favoráveis versus argumentos contrários). Com base em uma análise do ambientalismo e suas múltiplas facetas ao longo da história, Bothello e Salles-Djelic (2018)Bothello, J., & Salles-Djelic, M.-L. (2018). Evolving conceptualizations of organizational environmentalism: A path generation account. Organization Studies, 39(1), 93-119. doi: 10.1177/0170840617693272.
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identificam vários atores internacionais (por exemplo, organizações intergovernamentais, grupos empresariais e cientistas) responsáveis por criar iniciativas e narrativas relacionadas a esse tópico ao longo do tempo. Essa prática de escaneamento ajuda os pesquisadores a gerarem uma imagem mais ampla do terreno, a qual será rastreada na próxima etapa (etapa 2: escaneamento). No entanto, ainda é necessário entender como as relações entre os atores acontecem no que diz respeito à negociação das mudanças climáticas, como e se elas se conectam e quais são os resultados dessas relações. Para traçar a prática tradutória da negociação de mudanças climáticas, é preciso descrever como se dá a relação entre pontos de vista contraditórios, porque as controvérsias são foco de disputas e debates, exigindo a construção e mobilização de alianças entre atores heterogêneos (Venturini, 2010bVenturini, T. (2010b). Building on faults: How to represent controversies with digital methods. Public Understanding of Science, 21(7), 796-812. doi: 10.1177/0963662510387558.
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). Pode ser assim que as organizações se esforçam para gerenciar seus efeitos sobre as fronteiras planetárias (Bothello & Salles-Djelic, 2018) na era do Antropoceno (Heikkurinen, Clegg, Pinnington, Nicolopoulou, & Caraz, 2020). Mais prosaicamente, poderia ser uma questão das relações entre tecnologia e prática de trabalho (Hussenot, 2008Hussenot, A. (2008). Between structuration and translation: An approach of ICT appropriation. Journal of Organizational Change Management, 21(3), 335-347. doi: 10.1108/09534810810874813.
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), o papel dos objetos de mediação (Hussenot & Missonier, 2010Hussenot, A., & Missonier, S. (2010). A deeper understanding of evolution of the role of the object in organizational process: The concept of "mediation object". Journal of Organizational Change Management, 23(3), 269-286. doi: 10.1108/09534811011049608.
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) e os aspectos sociais, culturais e políticos de uma inovação (Callon, 1989Callon, M. (1989). Society in the making: The study of technology as a tool for sociological analysis. In W. E. Bijker, T. P. Hughes, & T. Pinch (Eds.), The social construction of technological systems (pp. 83-103). Cambridge, USA: MIT Press.) (etapa 3: rastreamento).

Evidentemente, é importante considerar as relações de poder (Mol, 2002Mol, A. (2002). The body multiple: Ontology in medical practice. Durham, USA: Duke UP.), pois certas posições de atores na rede têm maiores habilidades para influenciar a direção da controvérsia. É nesse sentido que Venturini (2010b)Venturini, T. (2010b). Building on faults: How to represent controversies with digital methods. Public Understanding of Science, 21(7), 796-812. doi: 10.1177/0963662510387558.
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, ao tratar das controvérsias climáticas, afirma que diferentes pesos devem ser dados a diferentes atores (Painel sobre Mudanças Climáticas, Coalizão Global do Clima) na negociação de um acordo sobre aquecimento global com uma chance mínima de sucesso, uma vez que as perspectivas são apoiadas de modos diferentes. Para Bothello e Salles-Djelic (2018)Bothello, J., & Salles-Djelic, M.-L. (2018). Evolving conceptualizations of organizational environmentalism: A path generation account. Organization Studies, 39(1), 93-119. doi: 10.1177/0170840617693272.
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, é o que ocorre quando as organizações tentam incorporar o discurso ambientalista. Os atores organizacionais mobilizam e defendem conceitos diferentes em relação a suposições ideológicas específicas que "evocam implicações normativas contrastantes em, por exemplo, agências públicas ou empresas com fins lucrativos" (p. 94). Além disso, os pesquisadores devem concentrar-se nas motivações que levam os atores a investir recursos para persuadir os outros da validade de seu ponto de vista. Por exemplo, algumas empresas investem muito dinheiro em responsabilidade ambiental, produtos verdes e pesquisa científica. Seria importante investigar como algumas vozes são reprimidas no processo contínuo de disputa. Por exemplo, a disseminação de memes nas redes sociais ridicularizando os defensores do meio ambiente (etapa 4: rotulagem).

Considerando as razões e perspectivas envolvidas na controvérsia, compreender quais são mais representativas e quais são silenciadas permite ao pesquisador articular a multiplicidade da criação da história. Bothello e Salles-Djelic (2018)Bothello, J., & Salles-Djelic, M.-L. (2018). Evolving conceptualizations of organizational environmentalism: A path generation account. Organization Studies, 39(1), 93-119. doi: 10.1177/0170840617693272.
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ilustram essa situação ao afirmar que o ambientalismo não é homogêneo e atemporal porque é uma instituição historicamente construída e repleta de narrativas múltiplas. Segundo esses autores, diferentes rótulos estão associados ao ambientalismo, indicando que esse conceito não pode ser reduzido a uma única visão. Existem vários pontos de vista que apoiam o ambientalismo e as mudanças climáticas. No entanto, existem vários outros baseados, em argumentos razoáveis, que questionam alguns aspectos específicos do aquecimento global. Cada um deles gera implicações gerenciais específicas para organizações e tomadores de decisão. Eles também ser incluídos na rede de atores para mostrar que a realidade histórica é múltipla (Durepos, 2015Durepos, G. (2015). ANTi-History: Toward amodern histories. In P. McLaren, A. J. Mills, & T. Weatherbee (Eds.), The Routledge Companion to management and organizational history (pp. 153-180). New York, USA: Routledge.). Eles podem coexistir, mas às vezes se chocam (etapa 5: descrever).

Isso, como inúmeros outros exemplos que poderiam ser dados, mostram que aceitar controvérsias na análise organizacional exige estar aberto para descrever e não simplificar sua multiplicidade e complexidade (Latour, 2005Latour, B. (2005). Reassembling the social: An introduction to actor-network-theory. Oxford, UK: Oxford University Press.; Venturini, 2010aVenturini, T. (2010a). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. doi: 10.1177/0963662509102694.
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).

Conclusão

Nosso objetivo neste artigo foi desenvolver e propor um método para ANTi-historiadores usando a análise da controvérsia como ponto de partida. Considerando que o conhecimento do passado e a criação da história são atividades performativas, ou seja, são uma questão de prática, pretendemos aprofundar a pesquisa da ANTi-história, sugerindo um método para compreender a análise dos fenômenos que ela evoca. Ao fazê-lo, mostramos que o método da cartografia das controvérsias parece ser uma ferramenta útil para atingir esse objetivo. Vozes marginalizadas, silenciadas ou reprimidas podem vir à tona quando os pesquisadores procuram as rupturas causadas por discordâncias e conflitos que acontecem ao longo da vida organizacional e das práticas dos atores. Em consonância com Durepos e Mills (2018)Durepos, G., & Mills, A. J. (2018). ANTi-History: An alternative approach to history. In C. Cassell, A. L. Cunliffe, & G. Grandy (Eds.), The SAGE handbook of qualitative business and management research methods (pp. 431-449). California, USA: Sage., concordamos que "a mudança de foco do conhecimento para a prática terá consequências na forma como abordamos a história" (p. 441). Portanto, mais do que um aprimoramento teórico, é necessário o desenvolvimento de métodos à altura do desafio colocado pela ANTi-história. O que foi dito acima serve como um palco no qual essa controvérsia pode se desenrolar.

  • Versão traduzida

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Editado por

Editores convidados: Diego M. Coraiola, Amon Barros, Mairi Maclean e Willian M. Foster

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Feb 2021

Histórico

  • Recebido
    30 Jun 2019
  • Aceito
    04 Maio 2020
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