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REFLEXÕES SOBRE O SENTIDO DE SUSTENTABILIDADE EM ORGANIZAÇÕES

Reflexiones sobre el sentido de la sustentabilidad en las organizaciones

RESUMO

Empreendemos uma reflexão institucionalista sobre a construção do(s) sentido(s) de sustentabilidade enquanto fator legitimador das organizações, argumentando que a construção polissêmica do conceito é linguisticamente operada intencionando legitimação em campos organizacionais heterogêneos. Aplicamos o modelo semiótico do processo de institucionalização ao conceito de sustentabilidade, evidenciando sua construção linguístico-social de duas formas – denotacional e conotacional –, discutindo a saída da natureza objetiva do conceito para sua natureza mítico-racional na qual a dissociação do fazer, dizer e significar transmuta seu conteúdo semântico. A sustentabilidade é, então, entendida como mais uma pressão institucional à qual as organizações precisam responder, e estas geralmente o fazem de maneira estratégica, mediante aceitação, adaptação ou contestação. Assim, ainda que determinados atores busquem institucionalizar a sustentabilidade denotacionalmente, seu sentido oscila conotacionalmente conforme é difundido, seja por conveniência ou falta de clareza sobre como operacionalizá-lo nas organizações.

Palavras-chaves:
sustentabilidade; construção de sentidos; semiótica; teoria institucional; institucionalização (denotacional e conotacional)

RESUMEN

Realizamos una reflexión institucionalista sobre la construcción del(de los) sentido(s) de la sustentabilidad como factor legitimador de las organizaciones, argumentando que la construcción polisémica del concepto es operada lingüísticamente pretendiendo legitimarse en campos organizacionales heterogéneos. Aplicamos el modelo semiótico del proceso de institucionalización al concepto de sustentabilidad, destacando su construcción lingüístico-social en dos sentidos –denotativo y connotativo–, discutiendo el paso de la naturaleza objetiva del concepto a su naturaleza mítico-racional en la que la disociación de hacer, decir y significar transmuta su contenido semántico. La sustentabilidad se entiende, entonces, como una presión institucional más a la que las organizaciones deben responder, y estas suelen hacerlo estratégicamente, a través de la aceptación, la adaptación o la contestación. Así, aunque ciertos actores busquen institucionalizar la sustentabilidad denotacionalmente, su sentido oscila connotacionalmente a medida que se difunde, ya sea por conveniencia o por falta de claridad sobre cómo operacionalizarla en las organizaciones.

Palabras clave:
sustentabilidad; construcción de significados; semiótica; teoría institucional; institucionalización (denotativa y conotativa)

ABSTRACT

Adopting an institutionalist perspective on the construction of the meaning(s) of sustainability for organizations, we argue that this polysemic concept is linguistically employed in diverse fields with the intent to provide legitimacy. We apply the semiotic model of the institutionalization process to the concept of sustainability, highlighting its linguistic-social construction in two ways: as denotation and connotation. We then discuss the departure from the objective nature of the concept to its mythical-rational nature in which the separation of doing, saying, and meaning transmute its semantic content. Sustainability is, then, understood as another institutional pressure to which organizations need to respond, and they usually do so strategically through acceptance, adaptation, or contestation. Thus, even if certain actors aim to institutionalize sustainability as a denotation, its connotation fluctuates due to convenience or lack of clarity on how to operationalize it in organizations.

Keywords:
sustainability; construction of meanings; semiotics; institutional theory; (denotational and connotational) institutionalization

INTRODUÇÃO

Quando se busca entender o termo “desenvolvimento sustentável”, normalmente encontramos explicações advindas das principais ideias propostas na World Commission on Environment and Development (WCED), que discutiu a necessidade de alinhar interesses econômicos e ambientais, preservando a natureza para as gerações futuras. Essa compreensão foi disseminada no contexto organizacional e endossada por instituições como as Nações Unidas, o Grupo dos Sete (G7) e a União Econômica Europeia, possibilitando interpretá-lo enquanto um conceito institucionalizado, ou seja, socialmente aceito, resistente a mudanças (Jennings & Zandbergen, 1995Jennings, P. D., & Zandbergen, P. A. (1995). Ecologically sustainable organizations: An institutional approach. Academy of Management Review, 20(4), 1015-1052. https://doi.org/10.2307/258964
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).

Destacamos, neste artigo, “a linguagem, o vocabulário, a metáfora, a codificação e as histórias como os fundamentos cognitivos” (Li, 2017Li, Y. (2017). A semiotic theory of institutionalization. Academy of Management Review, 42(3), 520-547. https://doi.org/10.5465/amr.2014.0274
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, p. 530-531) que constituem o processo de institucionalização. Orientados pelas discussões sobre sustentabilidade, partimos dos pressupostos da semiótica debatidos por Li (2017)Li, Y. (2017). A semiotic theory of institutionalization. Academy of Management Review, 42(3), 520-547. https://doi.org/10.5465/amr.2014.0274
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entendendo que o signo “sustentabilidade” se constitui a partir da correlação entre referente (quais ações em relação à “sustentabilidade” são feitas nas organizações); significante (a imagem acústica da palavra “sustentabilidade”); e significado (o que quer dizer “sustentabilidade”).

A partir dessa correlação, que se baseia no triângulo semiótico estruturado em referente (o objeto, a prática material ou simbólica), significante (sua palavra) e significado (o conceito), derivam-se duas diferentes formas de institucionalização: a denotacional e a conotacional. Na primeira forma, referente, significante e significado se correlacionam de maneira homogênea no nível micro, individual, para difundir o signo no nível macro, coletivo. Na segunda, por sua vez, o signo de esvazia de significados originais (de primeira ordem), e os sentidos são socialmente construídos a partir de um contexto heterogêneo em que novos signos são incorporados aos já existentes, tornando-o um signo mítico-racional (Li, 2017Li, Y. (2017). A semiotic theory of institutionalization. Academy of Management Review, 42(3), 520-547. https://doi.org/10.5465/amr.2014.0274
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).

Assim, embora a sustentabilidade seja, normalmente, associada a questões de biodiversidade e mudança climática, direcionando atenção a definições e compreensões preestabelecidas do termo, entendemos que ele é mais abrangente: trata-se de um debate polissêmico, discutido em um ambiente global, fragmentado, dinâmico e complexo (Dovers, 1996Dovers, S. R. (1996). Sustainability: Demands on policy. Journal of Public Policy, 16(3), 303-318. http://www.jstor.org/stable/4007649
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; Scherer, Palazzo, & Seidl, 2013Scherer, A. G., Palazzo, G., & Seidl, D. (2013). Managing legitimacy in complex and heterogeneous environments: Sustainable development in a globalized world. Journal of Management Studies, 50(2), 259-284. https://doi.org/10.1111/joms.12014
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). Por isso, neste ensaio teórico, visamos empreender reflexões a partir da Teoria Institucional de base sociológica sobre a construção do(s) sentido(s) de sustentabilidade e suas implicações nas questões de legitimidade de organizações.

Por estarem imersas nesse ambiente, e por não atenderem a uma única demanda, as organizações discutem o conceito em cenários complexos e heterogêneos, cercados por construções de sentido diversas, advindas dos mais diferentes atores. Instituições como o Estado, grandes investidores e outros atores relevantes para o desempenho organizacional têm legitimidade para (tentar) institucionalizar, denotativamente, o conceito de sustentabilidade, difundindo-o e buscando validação com o maior número de atores possível (Haack & Rasche, 2021Haack, P., & Rasche, A. (2021). The legitimacy of sustainability standards: A paradox perspective. Organization Theory, 2(4), 1-25. https://doi.org/10.1177/26317877211049493
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; Haack, Schilke, & Zucker, 2021Haack, P., Schilke, O., & Zucker, L. (2021). Legitimacy revisited: Disentangling propriety, validity, and consensus. Journal of Management Studies, 58(3), 749-781. https://doi.org/10.1111/joms.12615
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). O exercício de controle advindo da legitimidade dessas instituições se dá de diferentes maneiras e pode ser explicado a partir dos três pilares tradicionais da Teoria Institucional: (1) regulativo (mediante imposição de leis e coerção); (2) normativo (pautado em valores e normas que despertam sentimentos de respeito e honra); e (3) cultural-cognitivo (cujos símbolos, significados e padrões socialmente aceitos são construídos) (Hoffman & Jennings, 2015Hoffman, A. J., & Jennings, P. D. (2015). Institutional theory and the natural environment: Research in (and on) the anthropocene. Organization & Environment, 28(1), 8-31. https://doi.org/10.1177/1086026615575331
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).

A combinação desses três pilares permite acompanhar a maneira como as definições de sustentabilidade são construídas, aceitas, seguidas ou contestadas em campos institucionais (Jennings & Zandbergen, 1995Jennings, P. D., & Zandbergen, P. A. (1995). Ecologically sustainable organizations: An institutional approach. Academy of Management Review, 20(4), 1015-1052. https://doi.org/10.2307/258964
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). Entre as diferentes formas de enfrentar essas exigências legais e até mesmo contestar a ideia de consenso sobre a sustentabilidade, identificam-se respostas estratégicas elaboradas pelas organizações que visam mantê-las legítimas no campo, como manipulação estratégica, adaptação isomórfica e discurso moral (Oliver, 1991Oliver, C. (1991). Strategic responses to institutional processes. Academy of Management Review, 16(1), 145-179. https://doi.org/10.5465/amr.1991.4279002
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; Scherer et al., 2013Scherer, A. G., Palazzo, G., & Seidl, D. (2013). Managing legitimacy in complex and heterogeneous environments: Sustainable development in a globalized world. Journal of Management Studies, 50(2), 259-284. https://doi.org/10.1111/joms.12014
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).

Essas respostas advêm de, e são compostas por, elementos estruturais, mas não acontecem senão pela ação humana. Atores sociais são reconhecidos por exercerem um papel essencial no contexto das organizações, uma vez que interagem, formam e são formados pelas estruturas, e constroem significados. Neste ensaio, compreendemos atores como tanto aqueles que exercem um importante papel na tentativa de equilíbrio entre os debates ambientais, sociais e econômicos quanto aqueles capazes de se unirem mediante elementos linguísticos apontados como essenciais no processo de construção social de sentido nas instituições (Chapman et al., 2020Chapman, G., Cully, A., Kosiol, J., Macht, S., Chapman, R., Fitzgerald, J., & Gertsen, F. (2020). The wicked problem of measuring real-world research impact: Using sustainable development goals (SDGs) and targets in academia. Journal of Management & Organization, 26(6), 1030-1047. https://doi:10.1017/jmo.2020.16
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; Gümüsay, Claus, & Amis, 2020Gümüsay, A. A., Claus, L., & Amis, J. (2020). Engaging with grand challenges: An institutional logics perspective. Organization Theory, 1, 1-20. https://doi.org/10.1177/2631787720960487
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; Phillips & Malhotra, 2017Phillips, N., & Malhotra, N. (2017). Language, cognition and institutions: Studying institutionalization using linguistic methods. In R. Greenwood, C. Oliver, T. Lawrence, & R. Meyer (Eds.), SAGE handbook of organizational institutionalism (pp. 392-417). London, UK: Sage Publications.) para questionar assuntos relevantes como os sentidos denotacionalmente estabelecidos em nível macro acerca da sustentabilidade em organizações (Haack et al., 2021Haack, P., Schilke, O., & Zucker, L. (2021). Legitimacy revisited: Disentangling propriety, validity, and consensus. Journal of Management Studies, 58(3), 749-781. https://doi.org/10.1111/joms.12615
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).

Imersas em um contexto permeado por interesses e propulsoras de discursos relevantes, mediante representatividade econômica em relação à sociedade – e até mesmo ao Estado –, as organizações tornam-se parte de um grupo que também é responsável pelo processo de construção do significado, externalização, objetificação e internalização do termo sustentabilidade (Jennings & Hoffman, 2017Jennings, P. D., & Hoffman, A. J. (2017). Institutional theory and the natural environment: Building research through tensions and paradoxes. In R. Greenwood, C. Oliver, T. Lawrence, & R. Meyer (Eds.), SAGE handbook of organizational institutionalism (pp. 759-785). London, UK: Sage Publications.). Nesse sentido, para além da constatação de que o termo pode ser entendido por meio de práticas de decoupling e cerimoniais (Parrique et al., 2019Parrique, T., Barth, J., Briens, F., Kerschner, C., Kraus-Polk, A., Kuokkanen, A., & Spangenberg, J. H. (2019). Decoupling debunked: Evidence and arguments against green growth as a sole strategy for sustainability. European Environmental Bureau. Recuperado de http://www.eeb.org/decoupling-debunked
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; Vadén et al., 2020Vadén, T., Lähde, V., Majava, A., Järvensivu, P., Toivanen, T., Hakala, E., & Eronen, J. T. (2020). Decoupling for ecological sustainability: A categorisation and review of research literature. Environmental Science & Policy, 112, 236-244. https://doi.org/10.1016/j.envsci.2020.06.016
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), propomos reflexões institucionalistas sobre o conceito de sustentabilidade que o vinculem a processos de construção de seus sentidos possíveis em um contexto contemporâneo e heterogêneo. Indicamos, assim, como esses sentidos são operados intencionando legitimidade em campos organizacionais, a partir de respostas estratégicas operacionalizadas por meio de construções que se dão mediante o uso da linguagem (seja em termos discursivos, narrativos, retóricos etc.).

Fundamentados em Chapman et al. (2020)Chapman, G., Cully, A., Kosiol, J., Macht, S., Chapman, R., Fitzgerald, J., & Gertsen, F. (2020). The wicked problem of measuring real-world research impact: Using sustainable development goals (SDGs) and targets in academia. Journal of Management & Organization, 26(6), 1030-1047. https://doi:10.1017/jmo.2020.16
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, entendemos que contribuímos com uma discussão sobre as possibilidades de pensar o (des)alinhamento entre o uso e o entendimento de uma linguagem comum da sustentabilidade que normaliza o conceito entre campos distintos, esclarecendo a relevância dos mecanismos semióticos subjacentes a esse processo (Li, 2017Li, Y. (2017). A semiotic theory of institutionalization. Academy of Management Review, 42(3), 520-547. https://doi.org/10.5465/amr.2014.0274
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). Estes, quando compreendidos a partir da ideia de institucionalização conotacional, abrem debate para a atuação em uma construção polissêmica, que dificulta a articulação de eixos e de justificativas de ação visando a consecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), bem como de outros esforços globais de unificação do sentido da sustentabilidade pelas organizações.

Ademais, a discussão sobre sustentabilidade enquanto fator legitimador das organizações pode ter contribuições da Teoria Institucional por esta auxiliar a compreensão de como as definições de sustentabilidade são linguisticamente criadas, aceitas e contestadas dentro e fora de organizações. Pode, ainda, contribuir para as discussões teóricas sobre sustentabilidade organizacional, principalmente destas como tentativa de aceitação de entendimento validado entre as áreas ambiental, social e econômica sobre um conceito que é, na verdade, socialmente construído – i.e., passível de constantes modificações, que depende dos atores, de discursos e de políticas. Por fim, há a contribuição para questões que alcançam praticantes, por permitir enxergar a sustentabilidade enquanto pressão de ordem institucional que configura organizações e campos organizacionais, em alcances cada vez mais significativos (Gümüsay et al., 2020Gümüsay, A. A., Claus, L., & Amis, J. (2020). Engaging with grand challenges: An institutional logics perspective. Organization Theory, 1, 1-20. https://doi.org/10.1177/2631787720960487
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; Jennings & Hoffman, 2017Jennings, P. D., & Hoffman, A. J. (2017). Institutional theory and the natural environment: Building research through tensions and paradoxes. In R. Greenwood, C. Oliver, T. Lawrence, & R. Meyer (Eds.), SAGE handbook of organizational institutionalism (pp. 759-785). London, UK: Sage Publications.; Jennings & Zandbergen, 1995Jennings, P. D., & Zandbergen, P. A. (1995). Ecologically sustainable organizations: An institutional approach. Academy of Management Review, 20(4), 1015-1052. https://doi.org/10.2307/258964
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; Lounsbury, Fairclough, & Lee, 2011Lounsbury, M., Fairclough, S., & Lee, M. P. (2011). Institutional approaches to organizations and the natural environment. In P. Bansal, & A. J. Hoffman (Eds.), Oxford handbook of business and the natural environment (pp. 211-228). Oxford, UK: Oxford University Press.; Scherer et al., 2013Scherer, A. G., Palazzo, G., & Seidl, D. (2013). Managing legitimacy in complex and heterogeneous environments: Sustainable development in a globalized world. Journal of Management Studies, 50(2), 259-284. https://doi.org/10.1111/joms.12014
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).

SUSTENTABILIDADE: UMA PRESSÃO INSTITUCIONAL

O sentido de sustentabilidade construído no decorrer do tempo fez emergirem, essencialmente, duas perspectivas opostas: abordagens advindas de atores expansionistas e abordagens advindas de atores ecologistas. Os primeiros, os expansionistas, assumem um posicionamento que pode ser dito fraco em relação à sustentabilidade e defendem que as organizações atuam em um sistema econômico independente do sistema ecológico. Já os ecologistas assumem um posicionamento forte em relação à sustentabilidade e destacam que as organizações atuam em um sistema econômico dependente, que gera consequências negativas ao sistema ecológico (Gladwin, Kennelly, & Krause, 1995Gladwin, T., Kennelly, J., & Krause, T. (1995). Shifting paradigms for sustainable development: Implications for management theory and research. Academy of Management Review, 20(4), 878-907. https://doi.org/10.2307/258959
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; Hopwood, Mellor, & O’Brien, 2005Hopwood, B., Mellor, M., & O’Brien, G. (2005). Sustainable development: Mapping different approaches. Sustainable Development, 13(1), 38-52. https://doi.org/10.1002/sd.244
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; Jennings & Zandbergen, 1995Jennings, P. D., & Zandbergen, P. A. (1995). Ecologically sustainable organizations: An institutional approach. Academy of Management Review, 20(4), 1015-1052. https://doi.org/10.2307/258964
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). Mediante a declaração da World Wide Fund for Nature (WWF), de que o desenvolvimento humano, por si só, é insustentável, tem havido uma tendência de substituição das perspectivas expansionistas por outras que tendam a compreensões amenas do termo (Scherer et al., 2013Scherer, A. G., Palazzo, G., & Seidl, D. (2013). Managing legitimacy in complex and heterogeneous environments: Sustainable development in a globalized world. Journal of Management Studies, 50(2), 259-284. https://doi.org/10.1111/joms.12014
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). A necessidade de abordagens que equilibrem e alinhem os interesses de expansionistas e ecologistas favorece mudanças de lógicas institucionais (Gümüsay et al., 2020Gümüsay, A. A., Claus, L., & Amis, J. (2020). Engaging with grand challenges: An institutional logics perspective. Organization Theory, 1, 1-20. https://doi.org/10.1177/2631787720960487
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) e o aumento das pressões acerca do tema.

Os nomes conferidos aos grupos que transitam entre essas duas abordagens e assumem uma postura mais equilibrada variam. Os reformistas, por exemplo, podem ser explicados como aqueles que sugerem a mudança de recursos utilizados em processos produtivos enquanto uma solução para os problemas gerados (Hopwood et al., 2005Hopwood, B., Mellor, M., & O’Brien, G. (2005). Sustainable development: Mapping different approaches. Sustainable Development, 13(1), 38-52. https://doi.org/10.1002/sd.244
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). Os defensores do paradigma sustaincentric podem ser explicados como os atores que discutem a sustentabilidade a partir da interdependência de questões sociais e ambientais (Gladwin et al., 1995Gladwin, T., Kennelly, J., & Krause, T. (1995). Shifting paradigms for sustainable development: Implications for management theory and research. Academy of Management Review, 20(4), 878-907. https://doi.org/10.2307/258959
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). Entre outras possíveis nomenclaturas e exemplos, Jennings e Zandbergen (1995)Jennings, P. D., & Zandbergen, P. A. (1995). Ecologically sustainable organizations: An institutional approach. Academy of Management Review, 20(4), 1015-1052. https://doi.org/10.2307/258964
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também se utilizam do termo “reformistas” e destacam uma postura de sustentabilidade em busca do alinhamento entre as necessidades ecológicas e sociais.

Os grupos em foco revelam que o impacto do conceito elaborado pela WCED não pode ser descartado. A ideia de equilíbrio ainda é norteadora de debates sobre o tema, principalmente no que se refere à tentativa de evitar posicionamentos extremados. Todavia, a definição, elaborada há mais de 30 anos, se modificou, assim como os contextos sociais e organizacionais. Da maneira como foi concebido, o conceito se pautava no objetivo de encontrar consenso entre as ideias de diferentes atores sobre (alg)um desenvolvimento sustentável; pautava-se em uma lógica ambiental não distintiva entre a história da natureza e a da sociedade. No entanto, reconhecendo que todo processo de institucionalização é complexo e heterogêneo, entendemos que existem diferentes lógicas que sustentam a relação entre o significante, o significado e o referente do termo “sustentabilidade” (Li, 2017Li, Y. (2017). A semiotic theory of institutionalization. Academy of Management Review, 42(3), 520-547. https://doi.org/10.5465/amr.2014.0274
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; Lounsbury, Steele, Wang, & Toubiana, 2021Lounsbury, M., Steele, C. W., Wang, M. S., & Toubiana, M. (2021). New directions in the study of institutional logics: From tools to phenomena. Annual Review of Sociology, 47, 261-280. https://doi.org/10.1146/annurev-soc-090320-111734
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).

Quando os debates são sobre as mudanças climáticas, a escassez de água, incêndios florestais etc., a discussão centra-se em falhas promovidas por estruturas sociais (Hoffman & Jennings, 2015Hoffman, A. J., & Jennings, P. D. (2015). Institutional theory and the natural environment: Research in (and on) the anthropocene. Organization & Environment, 28(1), 8-31. https://doi.org/10.1177/1086026615575331
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) e em como as consequências desses casos são globais, impactam a vida humana, a fauna, a flora e até mesmo a economia, ainda que em intensidades diferentes, dependendo da região do planeta. Há, nesse caso, um favorecimento – e até mesmo uma tendência – a proposições de compreensões comuns acerca de problemas ecológicos e sociais. Associada a uma forma de institucionalização denotacional do termo, há uma tentativa – e pode-se dizer que, em alguns casos, há, até mesmo, a necessidade – de alinhamento entre referente, significante e significado (Li, 2017Li, Y. (2017). A semiotic theory of institutionalization. Academy of Management Review, 42(3), 520-547. https://doi.org/10.5465/amr.2014.0274
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). Desse modo, as práticas organizacionais tendem a se direcionar para objetivos comuns. Ademais, as conferências mundiais sobre o tema, os ODS e outras métricas objetivas que direcionam práticas e mensuram diariamente a sustentabilidade de Estados e organizações também são exemplos de padronização e formas de controle que podem ser replicadas em nível global, representando uma possível homogeneização do signo em termos de seu triângulo semiótico.

Todavia, à medida que os olhares se voltam para os contextos locais, surgem adversidades e especificidades regionais. Jennings e Zandbergen (1995, p. 1043)Jennings, P. D., & Zandbergen, P. A. (1995). Ecologically sustainable organizations: An institutional approach. Academy of Management Review, 20(4), 1015-1052. https://doi.org/10.2307/258964
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apontam que “diferentes interpretações de sustentabilidade serão desenvolvidas em cada campo, e as interpretações serão vinculadas a incentivos locais para modificar as práticas da maneira que for melhor para aquela região”. A sustentabilidade vai muito além dos aspectos ambientais e efeitos globais, mas envolve, também, debates sociais, políticos e ideológicos específicos que mudam entre países e regiões, sendo possível, por isso, compreendê-la institucionalmente enquanto uma pressão ancorada em diferentes lógicas (Gümüsay et al., 2020Gümüsay, A. A., Claus, L., & Amis, J. (2020). Engaging with grand challenges: An institutional logics perspective. Organization Theory, 1, 1-20. https://doi.org/10.1177/2631787720960487
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; Lounsbury et al., 2021Lounsbury, M., Steele, C. W., Wang, M. S., & Toubiana, M. (2021). New directions in the study of institutional logics: From tools to phenomena. Annual Review of Sociology, 47, 261-280. https://doi.org/10.1146/annurev-soc-090320-111734
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). As lentes para compreender o termo “sustentabilidade” e a construção de sentido acerca do tema mudam de acordo com o espaço-tempo, se estreitam e, consequentemente, transformam a maneira de lidar com as externalidades geradas pelas organizações (Dovers, 1996Dovers, S. R. (1996). Sustainability: Demands on policy. Journal of Public Policy, 16(3), 303-318. http://www.jstor.org/stable/4007649
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). Nesses casos, cabe a instituições como o Estado, por exemplo, enquanto ator que exerce grande influência nas organizações, garantir estruturas formais de controle em relação à adoção de medidas sustentáveis (Delmas & Toffel, 2011Delmas, M. A., & Toffel, M. W. (2011). Institutional pressures and organizational characteristics: Implications for environmental strategy. In P. Bansal, & A. J. Hoffman (Eds.), Oxford handbook of business and the natural environment (pp. 229-247). Oxford, UK: Oxford University Press.).

A autoridade desse ator, que advém de sua legitimidade amparada pelo pilar regulativo, pode ser interpretada como um caminho eficaz na tentativa de institucionalizar objetivamente determinada compreensão sobre sustentabilidade (Lounsbury et al., 2011Lounsbury, M., Fairclough, S., & Lee, M. P. (2011). Institutional approaches to organizations and the natural environment. In P. Bansal, & A. J. Hoffman (Eds.), Oxford handbook of business and the natural environment (pp. 211-228). Oxford, UK: Oxford University Press.). Mediante legislações, o Estado tem autoridade para exigir posicionamentos e práticas sustentáveis das organizações. Assim, a partir de mecanismos de coerção, o cumprimento de regras torna-se necessário e obrigatório, e aqueles atores que não o fazem são (in)formalmente punidos (Delmas & Toffel, 2011Delmas, M. A., & Toffel, M. W. (2011). Institutional pressures and organizational characteristics: Implications for environmental strategy. In P. Bansal, & A. J. Hoffman (Eds.), Oxford handbook of business and the natural environment (pp. 229-247). Oxford, UK: Oxford University Press.). A punição formal pode ser associada a multas e sanções legais; a informal, por sua vez, refere-se aos casos em que as organizações perdem apoio fiscal, acesso a recursos e outras amenidades que poderiam advir do Estado.

A relevância do papel deste ator, contudo, é apenas um exemplo e não isenta a importância de outros atores em contextos locais, regionais ou nacionais. Os movimentos ambientais também são exemplos que, diante da legitimidade que detêm no campo e por meio de alguma capacidade coercitiva, podem influenciar as percepções de outros atores relevantes, visto que seus princípios e práticas favorecem o monitoramento e a regulação das medidas sustentáveis nas organizações (Lounsbury et al., 2011Lounsbury, M., Fairclough, S., & Lee, M. P. (2011). Institutional approaches to organizations and the natural environment. In P. Bansal, & A. J. Hoffman (Eds.), Oxford handbook of business and the natural environment (pp. 211-228). Oxford, UK: Oxford University Press.). Diante da popularização das discussões sobre sustentabilidade e a partir do amparo do pilar normativo, a sociedade civil também pode ser considerada um importante grupo que endossa o controle das práticas organizacionais sustentáveis. Ademais, mediante avanço midiático, as relações entre cidadãos e organizações têm se estreitado, permitindo maior participação, compreensão e cobrança por medidas que se esforcem por respeitar, concomitantemente, a economia, o ambiente e os indivíduos (Jennings & Hoffman, 2017Jennings, P. D., & Hoffman, A. J. (2017). Institutional theory and the natural environment: Building research through tensions and paradoxes. In R. Greenwood, C. Oliver, T. Lawrence, & R. Meyer (Eds.), SAGE handbook of organizational institutionalism (pp. 759-785). London, UK: Sage Publications.).

Enquanto autoridades institucionais capazes de validar a legitimidade das organizações no que se refere à sustentabilidade (Haack et al., 2021Haack, P., Schilke, O., & Zucker, L. (2021). Legitimacy revisited: Disentangling propriety, validity, and consensus. Journal of Management Studies, 58(3), 749-781. https://doi.org/10.1111/joms.12615
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), tanto o Estado quanto organizações não governamentais (que representam movimentos ambientais) e sociedade civil são capazes de cobrar, fiscalizar, punir e construir sentidos sobre as ações organizacionais, assumindo, de certa maneira, uma posição de controle. No entanto, esses mesmos atores sociais podem assumir uma relação de interdependência, i.e., de troca de benefícios com as organizações. A união entre esses atores revela que os pilares normativo e cultural-cognitivo podem, em certos momentos, sobrepor até mesmo leis e regulamentações.

Nesse caso, os grupos interessados acabam por construir conjuntamente o sentido da sustentabilidade. Assim como a própria organização é resultado de um processo de construção social, a sustentabilidade, enquanto um elemento que a compõe, também o é. Compreendida como um debate que parte de interpretações heterogêneas (Li, 2017Li, Y. (2017). A semiotic theory of institutionalization. Academy of Management Review, 42(3), 520-547. https://doi.org/10.5465/amr.2014.0274
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), de diversos constituintes institucionais, a sustentabilidade é disseminada narrativa e discursivamente pelas organizações e por outros atores relevantes com o intuito de que um possa continuar amparando e resguardando a legitimidade do outro (Jennings & Hoffman, 2017Jennings, P. D., & Hoffman, A. J. (2017). Institutional theory and the natural environment: Building research through tensions and paradoxes. In R. Greenwood, C. Oliver, T. Lawrence, & R. Meyer (Eds.), SAGE handbook of organizational institutionalism (pp. 759-785). London, UK: Sage Publications.). Entendemos, pois, que tal construção de sentido é linguisticamente operada.

LINGUAGEM, LEGITIMIDADE E CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS

Fundamentando-nos na Teoria Institucional de base sociológica, nos interessa compreender o campo organizacional pautando-nos na ideia de que esse contexto conta com influências que vão além dos aspectos regulativos, sendo cercado também por aspectos sociais, simbólicos, culturais etc. A ênfase construcionista aqui assumida oportuniza que se considerem/discutam questões que centralizam na linguagem a explicação do social (Phillips & Malhotra, 2017Phillips, N., & Malhotra, N. (2017). Language, cognition and institutions: Studying institutionalization using linguistic methods. In R. Greenwood, C. Oliver, T. Lawrence, & R. Meyer (Eds.), SAGE handbook of organizational institutionalism (pp. 392-417). London, UK: Sage Publications.). A partir disso, entendemos que um caminho possível para esse debate é o da semiótica, segundo o modelo de Li (2017)Li, Y. (2017). A semiotic theory of institutionalization. Academy of Management Review, 42(3), 520-547. https://doi.org/10.5465/amr.2014.0274
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. A autora fundamenta-se na tradição da semiótica de Charles Sanders Peirce para afirmar que todo signo (i.e., uma entidade que comunica um significado, que é portadora de uma mensagem ou de algum fragmento dela) corresponde à correlação entre três elementos – referente (o objeto, a prática material ou simbólica), significante (sua palavra) e significado (o conceito) (Li, 2017Li, Y. (2017). A semiotic theory of institutionalization. Academy of Management Review, 42(3), 520-547. https://doi.org/10.5465/amr.2014.0274
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) –, ao passo que seu modelo também dialoga com a visão mais contemporânea das interações comunicacionais, sistemas de significações e produção de signos propostas por Umberto Eco. A Figura 1 ilustra essa tríade, que representa o triângulo semiótico.

Figura 1
Triângulo semiótico

Uma breve retomada histórica nos permite entender que, antes dos pensadores mencionados, Aristóteles já destacava a relevância da relação entre símbolos, palavras e experiências. Após ele, Santo Agostinho refletiu sobre a relação entre os sinais naturais e a linguagem. John Locke, por sua vez, no século XVII, enfatizou a discussão sobre linguagem verbal e lógica, que abriu caminho para a linguística e a lógica, mais tarde debatidas por Ferdinand de Saussure e Peirce (Cobley, 2016Cobley, P. (2016). Semiotics. In K. B. Jensen, & R. T. Craig (Eds.), The international encyclopedia of communication theory and philosophy, (pp. 1-11). John Wiley & Sons. https://doi.org/10.1002/9781118766804.wbiect146
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; Jensen, 2015Jensen, K. B. (2015). Semiotics. In J. D. Wright (Ed.), International encyclopedia of the social & behavioral sciences (Vol. 21, 2ª ed., pp. 592-597). Amsterdam, Netherlands: Elsevier. https://doi.org/10.1016/B978-0-08-097086-8.95033-5
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). Saussure atribuiu destaque à linguagem verbal, lançando os fundamentos da semiologia. Dessa forma, ele buscou entender como os regimes de comunicação eram sustentados a partir de uma perspectiva bilateral dos signos, atentando-se à relação – dita por ele – arbitrária entre o padrão sonoro (signifiant) e o conceito (signifié). “Peirce rompeu com essa linha de pensamento e insistiu em um signo triádico” (Cobley, 2016, p. 3Cobley, P. (2016). Semiotics. In K. B. Jensen, & R. T. Craig (Eds.), The international encyclopedia of communication theory and philosophy, (pp. 1-11). John Wiley & Sons. https://doi.org/10.1002/9781118766804.wbiect146
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) – referente, significante e significado. Entre o final do século XIX e o início do século XX, Peirce destacou que a relação entre os três elementos se dá a partir de um processo de interpretação contínuo da realidade que, por sua vez, auxilia a conservação e reprodução de culturas da sociedade (Jensen, 2015Jensen, K. B. (2015). Semiotics. In J. D. Wright (Ed.), International encyclopedia of the social & behavioral sciences (Vol. 21, 2ª ed., pp. 592-597). Amsterdam, Netherlands: Elsevier. https://doi.org/10.1016/B978-0-08-097086-8.95033-5
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).

A semiótica ganhou relevância internacional na década de 1960. Atualmente, pode ser entendida como o estudo da diferença entre ilusão e realidade, representando uma investigação duradoura sobre os limites dessa diferença pela prática de interrogar signos (Cobley, 2010Cobley, P. (2010). Introduction. In P. Cobley (Ed.), Routledge companion to semiotics (pp. 3-12). New York, USA: Routledge.). Definida como a ciência geral dos signos, ela fornece uma teoria interdisciplinar dos processos significatórios e comunicativos (verbais e não verbais) do ambiente humano, particularmente suas origens sociais, usos e consequências (Brannen, 2004Brannen, M. Y. (2004). When Mickey loses face: Recontextualization, semantic fit, and the semiotics of foreignness. Academy of Management Review, 29(4), 593-616. https://doi.org/10.2307/20159073
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; Jensen, 2015Jensen, K. B. (2015). Semiotics. In J. D. Wright (Ed.), International encyclopedia of the social & behavioral sciences (Vol. 21, 2ª ed., pp. 592-597). Amsterdam, Netherlands: Elsevier. https://doi.org/10.1016/B978-0-08-097086-8.95033-5
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). Neste artigo, sustentamos nossos argumentos a partir de Li (2017)Li, Y. (2017). A semiotic theory of institutionalization. Academy of Management Review, 42(3), 520-547. https://doi.org/10.5465/amr.2014.0274
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, por seu modelo viabilizar um olhar social da semiótica para o qual há relevância do contexto e da interpretação no processo de entendimento dos signos, pois estes não são algo suprassubjetivo, mas que entrelaça, indissociavelmente, os usuários dos signos ao contexto em que seu uso ocorre. Isso aproxima as percepções de Li (2017)Li, Y. (2017). A semiotic theory of institutionalization. Academy of Management Review, 42(3), 520-547. https://doi.org/10.5465/amr.2014.0274
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às do pensador contemporâneo Umberto Eco, responsável por enfatizar que o signo não é compreendido apenas a partir da compreensão de códigos, mas sim a partir de práticas de significação humana nas quais os comunicadores se engajam para fins de ação social em um determinado contexto sociocultural (Cobley, 2016Cobley, P. (2016). Semiotics. In K. B. Jensen, & R. T. Craig (Eds.), The international encyclopedia of communication theory and philosophy, (pp. 1-11). John Wiley & Sons. https://doi.org/10.1002/9781118766804.wbiect146
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). O Quadro 1 a seguir sintetiza essas contribuições que marcam o campo da semiótica.

Quadro 1
Perspectivas da semiótica

Partimos, então, para a discussão sobre legitimidade, explicada a partir de características coletivas, fundamentando-nos na construção social de sentidos por meio da linguagem. Além de refletir a necessidade de “alinhamento cultural, suporte normativo ou consonância com regras e leis relevantes” (Deephouse, Bundy, Tost, & Suchman, 2017, p. 31Deephouse, D. L., Bundy, J., Tost, L. P., & Suchman, M. C. (2017). Organizational legitimacy: Six key questions. In R. Greenwood, C. Oliver, T. Lawrence, & R. Meyer (Eds.), SAGE handbook of organizational institutionalism (pp. 27-54). London, UK: Sage Publications.), a legitimidade também é destacada como o construto central da Teoria Institucional, que envolve processos sociocognitivos de criação e transmissão de significados por meio do uso da linguagem (Phillips & Malhotra, 2017Phillips, N., & Malhotra, N. (2017). Language, cognition and institutions: Studying institutionalization using linguistic methods. In R. Greenwood, C. Oliver, T. Lawrence, & R. Meyer (Eds.), SAGE handbook of organizational institutionalism (pp. 392-417). London, UK: Sage Publications.). Por vezes, esse construto também é interpretado como recurso, propriedade, ou como algo que se pode adquirir, além de ser normalmente associado à ideia de reputação oriunda de ações que impactam a imagem da organização, como wrongdoing ou mesmo práticas de sustentabilidade (Haack et al., 2021Haack, P., Schilke, O., & Zucker, L. (2021). Legitimacy revisited: Disentangling propriety, validity, and consensus. Journal of Management Studies, 58(3), 749-781. https://doi.org/10.1111/joms.12615
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).

As diferentes formas de interpretar a legitimidade podem ser explicadas a partir da classificação de Suddaby, Bitektine e Haack, (2017)Suddaby, R., Bitektine, A., & Haack, P. (2017). Legitimacy. Academy of Management Annals, 11(1), 451-478. https://doi.org/10.5465/annals.2015.0101
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, que a apresentam como propriedade, processo ou como percepção. A primeira forma de interpretação, enquanto propriedade, pressupõe uma relação entre organização e ambiente externo, e explica a legitimidade como recurso operacional. Essa perspectiva, que é dominante, revela um cenário em que a organização conquista legitimidade quando adota práticas e estruturas legítimas. A adoção, normalmente, advém da necessidade/obrigatoriedade de ceder às pressões institucionais (Haack & Rasche, 2021Haack, P., & Rasche, A. (2021). The legitimacy of sustainability standards: A paradox perspective. Organization Theory, 2(4), 1-25. https://doi.org/10.1177/26317877211049493
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).

Quando interpretada como processo, a legitimidade envolve constantes negociações sociais, com destaque para a capacidade de agência dos atores na construção de sentidos em contextos específicos. Nesse caso, a legitimidade corresponde a um movimento organizacional que acontece na tradução, teorização e categorização, por meio da linguagem. Quando interpretada como percepção, atribui-se maior relevância à relação entre o coletivo e o individual, entre macro e micro (Haack et al., 2021Haack, P., Schilke, O., & Zucker, L. (2021). Legitimacy revisited: Disentangling propriety, validity, and consensus. Journal of Management Studies, 58(3), 749-781. https://doi.org/10.1111/joms.12615
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; Suddaby et al., 2017Suddaby, R., Bitektine, A., & Haack, P. (2017). Legitimacy. Academy of Management Annals, 11(1), 451-478. https://doi.org/10.5465/annals.2015.0101
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). A partir dessa interpretação, compreendemos que cabe aos atores construírem seus próprios entendimentos e julgamentos acerca da legitimidade das organizações. Todavia, as organizações podem gerenciar as percepções de seus constituintes institucionais sobre a validade daquilo que relatam, seja quanto ao desempenho organizacional ou a temas de interesse específicos, como a sustentabilidade. Contudo, validade não necessariamente é sinônimo de consenso. Ou seja, independentemente daquilo que a organização veicula, as interações sociais e os contextos institucionais onde atuam influenciam a forma como atores externos, individualmente, avaliam a legitimidade, podendo revelar percepções dissonantes (Haack et al., 2021Haack, P., Schilke, O., & Zucker, L. (2021). Legitimacy revisited: Disentangling propriety, validity, and consensus. Journal of Management Studies, 58(3), 749-781. https://doi.org/10.1111/joms.12615
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).

A interação entre atores sociais acontece em um campo heterogêneo, no qual há uma tentativa de compartilhamento de significados comuns sobre determinados assuntos. As relações entre esses atores são, muitas vezes, orientadas pela busca por benefícios próprios, revelando que a perspectiva da legitimidade enquanto propriedade ainda se perpetua. Fundamentando-se nessa perpetuação, a interação entre os atores pressupõe uma constante relação de controle, amparando a ideia de que a legitimidade é alcançada quando as expectativas sociais são atendidas.

Da mesma forma que há uma tentativa de alinhamento de interesses, a legitimidade organizacional também pode ser “contestada se os atores sociais perceberem uma incompatibilidade entre o status quo da corporação e as expectativas da sociedade” (Scherer et al., 2013, p. 263Scherer, A. G., Palazzo, G., & Seidl, D. (2013). Managing legitimacy in complex and heterogeneous environments: Sustainable development in a globalized world. Journal of Management Studies, 50(2), 259-284. https://doi.org/10.1111/joms.12014
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). Um exemplo são os casos de wrongdoing organizacional, cuja legitimidade de temas já institucionalizados pode não ser aprovada, mas, sim, questionada/contestada por atores externos, afastando possíveis apoiadores (Haack et al., 2021Haack, P., Schilke, O., & Zucker, L. (2021). Legitimacy revisited: Disentangling propriety, validity, and consensus. Journal of Management Studies, 58(3), 749-781. https://doi.org/10.1111/joms.12615
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). Essa contestação tende a tirar a organização de sua zona de conforto, fazendo com que ela reconfigure seu discurso e, em alguns casos, suas lógicas e práticas.

No entanto, a exigência de inúmeras adequações estruturais mediante pressões e demandas institucionais pode representar dispêndio de tempo e de investimento das organizações e, consequentemente, pode ser considerada inviável. É então que a linguagem passa a exercer um papel essencial nas discussões sobre a sustentabilidade nas organizações, visto que tanto ela quanto “o vocabulário, a metáfora, a codificação e as histórias” são “fundamentos cognitivos sobre os quais as instituições são construídas” (Li, 2017Li, Y. (2017). A semiotic theory of institutionalization. Academy of Management Review, 42(3), 520-547. https://doi.org/10.5465/amr.2014.0274
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, p. 530-531). Os debates em nível institucional são essencialmente cognitivos e veiculados por processos linguísticos, o que faz com que as organizações sejam reconhecidas enquanto espaços onde as lógicas, os significados particulares, as regras preestabelecidas, os valores e as crenças dos indivíduos e das próprias organizações sejam norteadores de práticas e se transformem constantemente, possibilitando a (re)construção de sentidos (Lounsbury et al., 2021Lounsbury, M., Steele, C. W., Wang, M. S., & Toubiana, M. (2021). New directions in the study of institutional logics: From tools to phenomena. Annual Review of Sociology, 47, 261-280. https://doi.org/10.1146/annurev-soc-090320-111734
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; Phillips & Malhotra, 2017Phillips, N., & Malhotra, N. (2017). Language, cognition and institutions: Studying institutionalization using linguistic methods. In R. Greenwood, C. Oliver, T. Lawrence, & R. Meyer (Eds.), SAGE handbook of organizational institutionalism (pp. 392-417). London, UK: Sage Publications.).

Por essa razão, algumas práticas tratadas como legítimas não são necessariamente adotadas mediante pressões institucionais, mas podem ser relacionadas ao reconhecimento e à vantagem competitiva inerentes à confiabilidade que a legitimidade atribui à organização a partir de percepções de atores do campo. As organizações que são orientadas a agir mediante pressões tendem a responder estrategicamente às instituições e, entre as mais diferentes formas de fazê-lo, Scherer et al. (2013)Scherer, A. G., Palazzo, G., & Seidl, D. (2013). Managing legitimacy in complex and heterogeneous environments: Sustainable development in a globalized world. Journal of Management Studies, 50(2), 259-284. https://doi.org/10.1111/joms.12014
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destacam três: adaptação isomórfica, manipulação estratégica e discurso moral. A primeira delas representa a capacidade de a organização adequar-se às expectativas da sociedade como uma forma de preservar sua legitimidade – legitimidade essa cognitiva, explicada como algo conquistado, que tem relação com a aprovação de uma audiência, com sobrevivência, aquisição de recursos e crescimento (Haack & Rasche, 2021Haack, P., & Rasche, A. (2021). The legitimacy of sustainability standards: A paradox perspective. Organization Theory, 2(4), 1-25. https://doi.org/10.1177/26317877211049493
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). Isso pode ocorrer a partir do hábito de seguir normas, do mimetismo perante outras organizações reconhecidas ou a partir da conformação com que é estabelecido pelo Estado (Oliver, 1991Oliver, C. (1991). Strategic responses to institutional processes. Academy of Management Review, 16(1), 145-179. https://doi.org/10.5465/amr.1991.4279002
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). Ademais, em alguns casos, as organizações podem mudar suas práticas para atender a interesses de grupos de atores relevantes que exercem algum tipo de poder sobre ela, como facilitadores em processos de aquisição de recursos.

A manipulação estratégica, por sua vez, envolve uma tentativa de cooptação da organização sob os atores influentes no campo. Nessa resposta, há uma intenção de influenciar a modificação de valores, de critérios e de exigências institucionais. É comum que as organizações não modifiquem “as práticas que alguns de seus stakeholders criticam; em vez disso, eles manipulam a percepção dessas partes interessadas para evitar a pressão” (Scherer et al., 2013, p. 266Scherer, A. G., Palazzo, G., & Seidl, D. (2013). Managing legitimacy in complex and heterogeneous environments: Sustainable development in a globalized world. Journal of Management Studies, 50(2), 259-284. https://doi.org/10.1111/joms.12014
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). Nessa etapa, o uso da linguagem reflete as tentativas de alteração de sentido, de proposição de novos significados, que podem acontecer mediante campanhas publicitárias, mídias de negócios e outros instrumentos que veiculam discursivamente alternativas para alcançar grupos de interesse e impactar a legitimidade das organizações. A resposta estratégica de discurso moral, segundo Scherer et al. (2013)Scherer, A. G., Palazzo, G., & Seidl, D. (2013). Managing legitimacy in complex and heterogeneous environments: Sustainable development in a globalized world. Journal of Management Studies, 50(2), 259-284. https://doi.org/10.1111/joms.12014
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, reflete a busca por um equilíbrio, seja a partir de um alinhamento entre o que é feito, dito e significado (Li, 2017Li, Y. (2017). A semiotic theory of institutionalization. Academy of Management Review, 42(3), 520-547. https://doi.org/10.5465/amr.2014.0274
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), seja a partir da busca pelo equilíbrio de interesses dos atores relevantes. O objetivo, aqui, consiste em estabelecer um possível consenso entre as práticas e as expectativas das partes interessadas, como uma tentativa de validação e preservação da legitimidade (Haack et al., 2021Haack, P., Schilke, O., & Zucker, L. (2021). Legitimacy revisited: Disentangling propriety, validity, and consensus. Journal of Management Studies, 58(3), 749-781. https://doi.org/10.1111/joms.12615
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).

Todavia, as organizações não serão sempre capazes de manipular seu discurso público, salvaguardando sua legitimidade (Scherer et al., 2013Scherer, A. G., Palazzo, G., & Seidl, D. (2013). Managing legitimacy in complex and heterogeneous environments: Sustainable development in a globalized world. Journal of Management Studies, 50(2), 259-284. https://doi.org/10.1111/joms.12014
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). Quando o cenário se inverte e a busca por benefícios da organização por meio da manipulação é descoberta, essa pode se envolver em um processo de tentativa de retratação perante a sociedade e outros grupos interessados, levando à mudança de suas lógicas institucionais (Bromley & Powell, 2012Bromley, P., & Powell, W. (2012). From smoke and mirrors to walking the talk: Decoupling in the contemporary world. Academy of Management Annals, 6(1), 483-530. https://doi.org/10.5465/19416520.2012.684462
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; Lounsbury et al., 2021Lounsbury, M., Steele, C. W., Wang, M. S., & Toubiana, M. (2021). New directions in the study of institutional logics: From tools to phenomena. Annual Review of Sociology, 47, 261-280. https://doi.org/10.1146/annurev-soc-090320-111734
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). Outras organizações, por sua vez, não esperam exigências regulativas ou pressões normativas, mas aderem voluntariamente às práticas que poderão contribuir com a legitimidade moral, que consiste em fazer aquilo que é o certo a se fazer, mediante um monitoramento midiático (Haack & Rasche, 2021Haack, P., & Rasche, A. (2021). The legitimacy of sustainability standards: A paradox perspective. Organization Theory, 2(4), 1-25. https://doi.org/10.1177/26317877211049493
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), por exemplo, que mais adiante pode favorecer seu bom desempenho. Ainda assim, há organizações que perseveram com ideias de que as manobras para se esquivar das estruturas regulativas e normativas compensam.

CONSTRUINDO O SENTIDO DE SUSTENTABILIDADE EM ORGANIZAÇÕES

Um dos principais argumentos para as contestações de pressões institucionais e incoerências entre discursos e práticas organizacionais em relação à sustentabilidade centra-se no fato de que algumas organizações, caso internalizassem todas as atividades de sistemas sociais e ecológicos, fracassariam economicamente (Jennings & Zandbergen, 1995Jennings, P. D., & Zandbergen, P. A. (1995). Ecologically sustainable organizations: An institutional approach. Academy of Management Review, 20(4), 1015-1052. https://doi.org/10.2307/258964
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). Imersas em um sistema capitalista, orientado ao lucro, o fator econômico tende a sobrepujar os outros aspectos. Assim, mesmo diante da tentativa de substituir perspectivas expansionistas por outras mais amenas (ou ecológicas), há uma tendência de que as organizações construam sentidos e os disseminem por meio de discursos que não se alinham às suas práticas, ou seja, que mantenham distante o significado de sustentabilidade de seu referente. Fazendo isso, há uma pretensão de manter a eficiência operacional e financeira sem comprometer sua legitimidade diante de outros constituintes institucionais.

Conservar ou construir essa legitimidade, contudo, não cabe apenas à organização. A legitimidade, quando compreendida a partir da construção de sentido por meio da linguagem, na mesma medida que interfere, também sofre interferências e, na mesma medida que transforma, também é transformada – não apenas pelas estruturas, mas, também, pelos participantes internos e externos das organizações (Haack et al., 2021Haack, P., Schilke, O., & Zucker, L. (2021). Legitimacy revisited: Disentangling propriety, validity, and consensus. Journal of Management Studies, 58(3), 749-781. https://doi.org/10.1111/joms.12615
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). No caso da sustentabilidade, a construção conjunta e o compartilhamento de significados heterogêneos acerca dela repercutem na importância que é atribuída à incorporação do tema em níveis organizacional e institucional. Assim, afirmamos que a sustentabilidade é, contemporaneamente, um fator legitimador, configurando-se como mais uma pressão institucional à qual as organizações devem/precisam responder, em alguma medida. Dessa feita, a resposta das organizações às demandas relacionadas à sustentabilidade, sejam elas ao Estado, aos movimentos ambientais ou à sociedade civil, representam respostas às pressões institucionais do campo que acabam por influenciar a legitimidade organizacional, seja enquanto contestação ou enquanto reforço dos posicionamentos adotados.

É comum que organizações, mediante comportamentos miméticos, busquem adotar práticas difundidas como sustentáveis e que caracterizam outras organizações do mesmo setor como legítimas, uma vez que isso pode representar uma validação do que vem sendo debatido e/ou feito em relação ao tema a partir de outros atores reconhecidos como autoridade no assunto (Haack et al., 2021Haack, P., Schilke, O., & Zucker, L. (2021). Legitimacy revisited: Disentangling propriety, validity, and consensus. Journal of Management Studies, 58(3), 749-781. https://doi.org/10.1111/joms.12615
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). A tradução de significados – tanto de legitimidade quanto de sustentabilidade – de uma organização para a outra pode ser explicada a partir da semiótica. O processo de tradução reflete a ideia de transformação de significados, que acontece durante o movimento, o qual se dá de maneira imprevisível, nunca finalizada e a partir do transitar de ideias de um contexto a outro. Ainda que esse transitar seja passível de acontecer entre instituições e organizações de diferentes campos, mesmo que aconteça entre organizações pertencentes a um mesmo campo, a tradução transpassa espaços-tempo. Nisso, algumas de suas características inerentes são o (re)encaixe, a (re) construção e a (re)contextualização (Wæraas & Nielsen, 2016Wæraas, A., & Nielsen, J. A. (2016). Translation theory ‘translated’: Three perspectives on translation in organizational research. International Journal of Management Reviews, 18, 236-270. https://doi.org/10.1111/ijmr.12092
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; Wedlin & Sahlin, 2017Wedlin, L., & Sahlin, K. (2017). The imitation and translation of management ideas. In R. Greenwood, C. Oliver, T. Lawrence, & R. Meyer (Eds.), SAGE handbook of organizational institutionalism (pp. 102-127). London, UK: Sage Publications. http://dx.doi.org/10.4135/9781446280669.n16
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).

As multinacionais, por exemplo, são importantes transmissoras de tecnologias organizacionais e padrões de comportamento, logo as lógicas que as sustentam exercem impactos relevantes nos debates sobre medidas sustentáveis, influenciando compreensões de outros atores (Delmas & Toffel, 2011Delmas, M. A., & Toffel, M. W. (2011). Institutional pressures and organizational characteristics: Implications for environmental strategy. In P. Bansal, & A. J. Hoffman (Eds.), Oxford handbook of business and the natural environment (pp. 229-247). Oxford, UK: Oxford University Press.). Mediante a necessidade de atenderem expectativas heterogêneas e cumprirem diferentes leis ao atuarem em diversos países, essas organizações acabam associando sustentabilidade às atividades diárias, alinhando-se a valores culturais, características econômicas e sociais específicas de onde atuam (Gümüsay et al., 2020Gümüsay, A. A., Claus, L., & Amis, J. (2020). Engaging with grand challenges: An institutional logics perspective. Organization Theory, 1, 1-20. https://doi.org/10.1177/2631787720960487
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). Quanto mais o conceito estiver associado aos processos cotidianos, ou seja, quanto mais associados estiverem o significado e o referente, mais difícil a transferência de sentidos para a aplicação em outros contextos (Jennings & Zandbergen, 1995Jennings, P. D., & Zandbergen, P. A. (1995). Ecologically sustainable organizations: An institutional approach. Academy of Management Review, 20(4), 1015-1052. https://doi.org/10.2307/258964
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; Li, 2017Li, Y. (2017). A semiotic theory of institutionalization. Academy of Management Review, 42(3), 520-547. https://doi.org/10.5465/amr.2014.0274
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).

Nessa dificuldade de tradução de sentidos, Bromley e Powell (2012)Bromley, P., & Powell, W. (2012). From smoke and mirrors to walking the talk: Decoupling in the contemporary world. Academy of Management Annals, 6(1), 483-530. https://doi.org/10.5465/19416520.2012.684462
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destacam que o decoupling configura patologia de organizações internacionais, pois aquelas com maior representatividade no campo lidam com valores substantivos inerentes ao tema da sustentabilidade, apresentam um foco excessivo em reconhecimento, bom posicionamento em rankings e conquista de certificações, tendendo, assim, a desviar a atenção de seus objetivos finais (Haack & Rasche, 2021Haack, P., & Rasche, A. (2021). The legitimacy of sustainability standards: A paradox perspective. Organization Theory, 2(4), 1-25. https://doi.org/10.1177/26317877211049493
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; Parrique et al., 2019Parrique, T., Barth, J., Briens, F., Kerschner, C., Kraus-Polk, A., Kuokkanen, A., & Spangenberg, J. H. (2019). Decoupling debunked: Evidence and arguments against green growth as a sole strategy for sustainability. European Environmental Bureau. Recuperado de http://www.eeb.org/decoupling-debunked
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; Vadén et al., 2020Vadén, T., Lähde, V., Majava, A., Järvensivu, P., Toivanen, T., Hakala, E., & Eronen, J. T. (2020). Decoupling for ecological sustainability: A categorisation and review of research literature. Environmental Science & Policy, 112, 236-244. https://doi.org/10.1016/j.envsci.2020.06.016
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). Esse comportamento pode ser explicado para além da compreensão mais comum de decoupling (política-prática), o qual representa a falta de alinhamento entre políticas e práticas mediante uma adoção simbólica.

Em relação às multinacionais, por exemplo, cabe a compreensão de um decoupling, entendido a partir da perspectiva meios-fins (Bromley & Powell, 2012Bromley, P., & Powell, W. (2012). From smoke and mirrors to walking the talk: Decoupling in the contemporary world. Academy of Management Annals, 6(1), 483-530. https://doi.org/10.5465/19416520.2012.684462
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), a partir do qual pode existir, de fato, a implementação das políticas exigidas, visto que essas organizações, normalmente, detêm condições econômicas favoráveis para tanto. Contudo, o objetivo final dessas organizações, quanto à sustentabilidade, pode ser desviado no decorrer do processo, fazendo com que seus efeitos não sejam claros. Os desvios que acontecem na tentativa de tornar-se ou mostrar-se sustentável aos grupos interessados, e suas novas práticas quando rotinizadas, passam a ser normalizados. Assim, os novos significados criados ou imaginados por determinadas organizações podem naturalizar o poder e os interesses (Li, 2017Li, Y. (2017). A semiotic theory of institutionalization. Academy of Management Review, 42(3), 520-547. https://doi.org/10.5465/amr.2014.0274
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).

Questionamos, então: as organizações que narram as implementações de práticas sustentáveis – seja por meio de relatórios, rankings, notícias, mídias etc. – atribuem foco ao processo de modo intencional, para desviar a atenção do objetivo final e torná-lo, propositalmente, mais opaco aos outros grupos de interesse? Neste artigo, entendemos que a excessiva tentativa de racionalizar o tema no contexto organizacional por meio de métricas conflita com os aspectos políticos, ideológicos e culturais inerentes a ele (Gümüsay et al., 2020Gümüsay, A. A., Claus, L., & Amis, J. (2020). Engaging with grand challenges: An institutional logics perspective. Organization Theory, 1, 1-20. https://doi.org/10.1177/2631787720960487
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; Haack & Rasche, 2021Haack, P., & Rasche, A. (2021). The legitimacy of sustainability standards: A paradox perspective. Organization Theory, 2(4), 1-25. https://doi.org/10.1177/26317877211049493
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). Esses aspectos não são passíveis de mensurações objetivas e definições prontas, exigem mais do que investimento financeiro, fazem do ambiente organizacional um espaço mais complexo e, consequentemente, favorecem que os objetivos finais das práticas adotadas sejam obscurecidos.

Dessa maneira, a relação entre o significado de sustentabilidade e a ideia de construção da legitimidade é fortemente impactada pelo contexto institucional em que a organização habita (Jennings & Hoffman, 2017Jennings, P. D., & Hoffman, A. J. (2017). Institutional theory and the natural environment: Building research through tensions and paradoxes. In R. Greenwood, C. Oliver, T. Lawrence, & R. Meyer (Eds.), SAGE handbook of organizational institutionalism (pp. 759-785). London, UK: Sage Publications.). Quando a tradução dessas ideias assume proporções globais, por exemplo, fatores culturais, políticos e ideológicos promovem mudanças na maneira como se exerce pressão social, aplicam-se leis, inspecionam-se movimentos ambientais e outros fatores específicos de cada região que impactam o desempenho organizacional. A sustentabilidade, enquanto um tema mundial, manifesta-se de diferentes maneiras conforme o local onde é discutida. Os sistemas de educação, de linguagem e culturais diferem de região para região, de setor produtivo para setor produtivo etc. e, consequentemente, impactam a difusão e o entendimento do termo (Gümüsay et al., 2020Gümüsay, A. A., Claus, L., & Amis, J. (2020). Engaging with grand challenges: An institutional logics perspective. Organization Theory, 1, 1-20. https://doi.org/10.1177/2631787720960487
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).

A busca pelo alinhamento entre referente, significante e o significado de sustentabilidade endossados por instituições como Nações Unidas, G7 e União Econômica Europeia soa como uma tentativa de institucionalizar uma ideia pronta sobre sustentabilidade e práticas sustentáveis. No entanto, se o contexto é complexo, heterogêneo e dinâmico, é possível dizer que o sentido do termo pode ser único, definido da mesma forma para quem quer que vá utilizá-lo? É possível dizer que a sustentabilidade é uma discussão já institucionalizada nas organizações? Acreditamos que não.

Li (2017)Li, Y. (2017). A semiotic theory of institutionalization. Academy of Management Review, 42(3), 520-547. https://doi.org/10.5465/amr.2014.0274
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esclarece que existem duas possíveis formas de institucionalização: a denotacional e a conotacional. A denotacional pauta-se na significação de primeira ordem, i.e., uma construção de sentidos padronizados, tipificados e objetivados em que referente, significante e significado – os três correlatos que configuram o triângulo semiótico – podem se tornar acoplados/alinhados. Ao interpretarmos o tema da sustentabilidade por essa forma de institucionalização, entendemos que a busca por uma definição generalista do conceito pressupõe um bom desempenho econômico alinhado à preservação da natureza, o que, consequentemente, reverbera na confiabilidade da organização perante outros atores do campo institucional. Diante de um conceito “pronto” e específico, a validação de organizações que, inicialmente, seriam resistentes às ideias e práticas sustentáveis pode aumentar. Ainda que essa validação não seja unânime e possa representar, na verdade, um conformismo, Hack et al. (2021) destacam que a percepção social – macro – sobre determinado tema pode influenciar a percepção individual – micro – acerca dele (o assunto), permitindo a re(elaboração) de determinado signo.

Nesse caso, a sustentabilidade enquanto signo pode ser compreendida a partir de uma relação coesa estabelecida entre uma prática material ou simbólica (o referente), sua palavra (o significante) e seu conceito (o significado), que, passando a ser incorporada aos vocabulários institucionais, reflete a institucionalização do termo que transforma “as ações de nível micro e as intenções subjetivas, em ações de nível macro e em sistemas de significados objetivos” (Li, 2017Li, Y. (2017). A semiotic theory of institutionalization. Academy of Management Review, 42(3), 520-547. https://doi.org/10.5465/amr.2014.0274
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, p. 522) e que vai sendo difundido em um campo ao passo que outras organizações o apreendem. Na Figura 2, indicamos isso pela manutenção do símbolo x tanto no signo quanto em seus elementos semióticos, não variando ao longo do tempo (t), na dinâmica micro-macro-micro.

Figura 2
Institucionalização denotacional do signo “sustentabilidade” e seu acoplamento

A segunda forma de institucionalização, a conotacional, assume um tipo de institucionalização que esvazia o signo dos sentidos e significados entendidos como originais, desacoplando-se, ou mantendo um acoplamento frágil, com as perspectivas sedimentadas em nível macro (Li, 2017Li, Y. (2017). A semiotic theory of institutionalization. Academy of Management Review, 42(3), 520-547. https://doi.org/10.5465/amr.2014.0274
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). No caso das discussões sobre sustentabilidade em nível organizacional, esse desacoplamento representa uma significação de segunda ordem construída pelas organizações a partir de seus interesses e cultura próprios, contudo, ainda alinhados à definição denotativa do termo sustentabilidade advinda de instituições legitimadas ou eventos mundiais, por exemplo. A ampla aceitação de um novo signo de sustentabilidade, mesmo que por atores específicos, representa a possibilidade de que este se torne mítico no nível macro – i.e., que representa (mais) um mito racional na contemporaneidade –, por vezes fundamentado em significados imaginários a partir de sua remoção do seu contexto inicial/original. Um mito pode ser utilizado tanto como justificativa e naturalização de determinada realidade social quanto para permitir que novos sentidos emerjam.

A institucionalização conotacional (Figura 3) pressupõe a heterogeneidade do processo de institucionalização, em que novos sentidos atribuídos a determinado signo (sustentabilidade) são produzidos mediante a interação com outros signos do contexto. Assim, por meio do uso heterodoxo da linguagem, novos significados são socialmente construídos e incorporados a significados já existentes, o que caracteriza a significação de segunda ordem. Assim, “quando o novo signo é amplamente aceito, torna-se um signo mítico no nível macro, composto por um referente, um significante mítico e um significado conotativo” (Li, 2017Li, Y. (2017). A semiotic theory of institutionalization. Academy of Management Review, 42(3), 520-547. https://doi.org/10.5465/amr.2014.0274
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, p. 534). Na Figura 3, indicamos isso pela oscilação do símbolo x para y, tanto no signo quanto em seus elementos semióticos, que variam ao longo do tempo (t), na dinâmica micro-macro-micro.

Figura 3
Institucionalização conotacional do signo “sustentabilidade” e seu desacoplamento

No que se refere à sustentabilidade, sugerimos que esse conceito seja, atualmente, mítico, no sentido atribuído pelo modelo semiótico de Li (2017)Li, Y. (2017). A semiotic theory of institutionalization. Academy of Management Review, 42(3), 520-547. https://doi.org/10.5465/amr.2014.0274
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. Nesse caso, elucidamos que aquilo que atores sociais fazem frequentemente não é o que eles enunciam fazer, desacoplando-se, com isso, as dimensões do fazer, do dizer e do significar, em processos de institucionalização que fixam/ estabilizam o signo, porém com conteúdo semântico transmutado. Ainda assim, encontram-se resquícios e influências das definições padronizadas e objetivadas, configurando orientações organizacionais que partem do sentido denotativo do termo. No entanto, o conceito passa por constantes mudanças, e seu sentido é (re)interpretado de diversas maneiras, de acordo com contexto e tempo (Li, 2017Li, Y. (2017). A semiotic theory of institutionalization. Academy of Management Review, 42(3), 520-547. https://doi.org/10.5465/amr.2014.0274
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).

Diante das mais diversas construções de sentido possíveis acerca do tema, a sustentabilidade vem sendo debatida a partir de caminhos estratégicos diversos em uma tentativa de institucionalização em contexto organizacional heterogêneo e pautando-se em uma – simplificada – relação causal, que visa apenas (ou majoritariamente) promover a legitimidade cognitiva das organizações. Ao compreendermos a sustentabilidade enquanto um fator legitimador a partir da construção linguística de seu(s) sentido(s), nossa Figura 4 articula as diferentes formas de institucionalização apresentadas por Li (2017)Li, Y. (2017). A semiotic theory of institutionalization. Academy of Management Review, 42(3), 520-547. https://doi.org/10.5465/amr.2014.0274
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às respostas estratégicas discutidas por Scherer et al. (2013)Scherer, A. G., Palazzo, G., & Seidl, D. (2013). Managing legitimacy in complex and heterogeneous environments: Sustainable development in a globalized world. Journal of Management Studies, 50(2), 259-284. https://doi.org/10.1111/joms.12014
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. O discurso moral, nesse caso, representa uma resposta estratégica passível de ser associada a uma primeira fase do processo de institucionalização da sustentabilidade em organizações – aqui, associada à institucionalização denotacional.

Figura 4
Respostas estratégicas de organizações e construção do sentido de sustentabilidade visando legitimidade

Diante do interesse de difundir o tema e conquistar legitimidade cognitiva (Haack & Rasche, 2021Haack, P., & Rasche, A. (2021). The legitimacy of sustainability standards: A paradox perspective. Organization Theory, 2(4), 1-25. https://doi.org/10.1177/26317877211049493
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), houve uma tentativa de equilibrar interesses e validar os debates com instituições respaldadas. Os primeiros debates sobre o tema caracterizaram-se a partir de significações de primeira ordem em que referente, significante e significado mostravam-se alinhados, constituindo o signo que precisava, naquele momento, ser amplamente difundido. As conceituações mostravam-se padronizadas e generalistas, e tinham como objetivo persuadir atores – nível micro – a aderirem à sustentabilidade ao partir das ideias do signo disseminado em contexto organizacional. Entretanto, a sustentabilidade enquanto fator legitimador, quando advinda de compreensões do nível macro, tem frágil esteio (Haack et al., 2021Haack, P., Schilke, O., & Zucker, L. (2021). Legitimacy revisited: Disentangling propriety, validity, and consensus. Journal of Management Studies, 58(3), 749-781. https://doi.org/10.1111/joms.12615
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).

Essa fragilidade reflete um cenário em que validade não necessariamente representa consenso entre os atores envolvidos no debate sobre o tema. Ainda que o sentido do termo estivesse mais difundido, quando comparado à fase anterior, o interesse nessa nova fase consistia na incorporação da sustentabilidade para que esta se tornasse um tema de impacto, aumentando a aderência aos debates propostos (Haack & Rasche, 2021Haack, P., & Rasche, A. (2021). The legitimacy of sustainability standards: A paradox perspective. Organization Theory, 2(4), 1-25. https://doi.org/10.1177/26317877211049493
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). Assim, após as significações de primeira ordem do termo, a construção de sentido nas organizações passou por um período associável à adaptação isomórfica e, concomitantemente, às institucionalizações denotacional e conotacional. Isso porque, após definido o que é sustentabilidade por instituições com autoridade para tanto, e após essas e outras instituições assumirem papéis de fiscalizadoras, caberia às organizações integrarem seus discursos às suas práticas, alinhando – ao menos simbolicamente – referente, significante e significado da forma que lhes fosse mais conveniente e lhes permitisse obter não apenas legitimidade cognitiva, mas, também, legitimidade moral (Haack & Rasche, 2021Haack, P., & Rasche, A. (2021). The legitimacy of sustainability standards: A paradox perspective. Organization Theory, 2(4), 1-25. https://doi.org/10.1177/26317877211049493
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; Li, 2017Li, Y. (2017). A semiotic theory of institutionalization. Academy of Management Review, 42(3), 520-547. https://doi.org/10.5465/amr.2014.0274
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).

Todas as organizações poderiam seguir os pressupostos estabelecidos por meio de um conceito determinado a partir da institucionalização denotativa e, de fato, alinhar-se às novas propostas, mimetizando práticas e estruturas de organizações que alcançaram bons resultados. Contudo, algumas organizações também poderiam traduzir as ideias disponíveis até então, desenvolvendo novas compreensões e sentidos para o termo. Esse seria o início de um processo de proposição e incorporação de novos signos aos signos já existentes, que propiciaria até mesmo algumas mudanças de lógicas institucionais (Li, 2017Li, Y. (2017). A semiotic theory of institutionalization. Academy of Management Review, 42(3), 520-547. https://doi.org/10.5465/amr.2014.0274
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). Ademais, as (res)significações poderiam afrouxar o acoplamento até então firmado com as definições prontas de sustentabilidade. Essa resposta estratégica pode ser, então, associada a uma forma de decoupling meios-fins, na qual, a partir de uma transição entre definições estritamente objetivadas, pode haver tanto (re)interpretações de sentidos da sustentabilidade (quando relacionada à legitimidade organizacional) quanto implementação simbólica das práticas sustentáveis (Bromley & Powell, 2012Bromley, P., & Powell, W. (2012). From smoke and mirrors to walking the talk: Decoupling in the contemporary world. Academy of Management Annals, 6(1), 483-530. https://doi.org/10.5465/19416520.2012.684462
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).

Por sua vez, a terceira resposta estratégica – manipulação estratégica – representa um espaço de atuação organizacional em que a possibilidade de alteração de sentido e desacoplamento entre o que é dito e o que é feito propicia a institucionalização conotacional do conceito de sustentabilidade. Nessa etapa, a conquista da legitimidade depende da demanda por difusão e impacto da sustentabilidade. E, em meio a um contexto percebido como heterogêneo, o termo já não é mais apenas um signo, mas pode ser diferente em cada um dos contextos organizacionais específicos onde é debatido. Os olhares para o nível macro – nesse caso, para as definições denotativas institucionalmente estabelecidas pelo coletivo – revelam a sustentabilidade como um mito racional.

Afirmamos, então, que o que se poderia denominar “significado original” do conceito de sustentabilidade existe, está disponível em diversos trabalhos acadêmicos e relatórios de sustentabilidade organizacionais. Porém, essa mesma definição já foi transformada tantas vezes que parece não haver mais condições de se trabalhar com o termo em seu estado puro, i.e., em que os componentes de seu signo – a saber, o referente (o objeto material ou a prática efetiva de sustentabilidade), o significante (a forma linguística ou a palavra utilizada para descrever a prática efetiva da sustentabilidade) e o significado (o conteúdo semântico daquilo que sustentabilidade quer dizer) – estejam coesamente alinhados e coerentemente acoplados. Dessa forma, aquilo que é transmitido já não tem mais o mesmo significado que teve para aqueles que participaram de sua construção inicial (Li, 2017Li, Y. (2017). A semiotic theory of institutionalization. Academy of Management Review, 42(3), 520-547. https://doi.org/10.5465/amr.2014.0274
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).

Associando respostas estratégicas, formas de institucionalização e construção de sentidos, evidenciamos a relevância da sustentabilidade enquanto fator legitimador organizacional. Historicamente, é possível interpretarmos que o discurso moral da sustentabilidade fez parte da trajetória das organizações de maneira geral, e ainda o faz, quando os sentidos denotativos e as definições objetivas tentam ser difundidos. As etapas seguintes – adaptação isomórfica e manipulação estratégica –, contudo, representam diferentes comportamentos que podem ser adotados ou não pelas organizações, permitindo-lhes responder de diferentes formas no que se refere à pressão institucional acerca da sustentabilidade, quando da busca por legitimidade. Assim, os contextos específicos podem revelar à organização qual o melhor sentido para ela atribuir ao termo naquele espaço-tempo, direcionando-a a comportamentos de aceitação e adaptação, ou à contestação da significação promovida entre os constituintes institucionais que lhe servem de referência imediata.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As reflexões sobre sustentabilidade, ainda que aconteçam há décadas, não representam discussões, de fato, institucionalizadas em todas as suas formas. As duas últimas respostas estratégicas discutidas – adaptação isomórfica e manipulação estratégica – representam, também, formas de institucionalização conotacional e demonstram que o processo de construção do conceito de sustentabilidade não é estático ou finito, mas, sim, heterogêneo (Li, 2017Li, Y. (2017). A semiotic theory of institutionalization. Academy of Management Review, 42(3), 520-547. https://doi.org/10.5465/amr.2014.0274
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). Ainda assim, a objetivação da ideia de práticas sustentáveis reverbera, muitas vezes, na objetivação do conceito de legitimidade organizacional.

Contudo, mesmo diante de uma objetivação formal da legitimidade, quando relacionada à sustentabilidade, esta carrega consigo uma característica polissêmica, na qual as várias vozes que constroem seus sentidos, palavras que descrevem o conceito, práticas e significados, não partem, necessariamente, de diferentes atores e/ou instituições. O fato de que “novas linguagens são inventadas para transmitir ideias antigas” (Li, 2017Li, Y. (2017). A semiotic theory of institutionalization. Academy of Management Review, 42(3), 520-547. https://doi.org/10.5465/amr.2014.0274
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, p. 539) reflete a possibilidade de uma abertura de agenda empírica a partir das reflexões teóricas propostas aqui. Isso porque um mesmo ator pode não estar alinhado em suas formas de fazer, falar e significar, o que, consequentemente, pode fazer com que ele mude a forma como entende, veicula e enuncia a sustentabilidade no decorrer do tempo, enquanto suas práticas se mantêm as mesmas e, em alguns casos, tornam-se obsoletas (Li, 2017Li, Y. (2017). A semiotic theory of institutionalization. Academy of Management Review, 42(3), 520-547. https://doi.org/10.5465/amr.2014.0274
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). Partindo do pressuposto de que a legitimidade não é perpétua e demanda gestão constante, entendemos como relevante o acompanhamento longitudinal de organizações que tratam a sustentabilidade como um tema que colabora para que elas se mantenham legítimas (Deephouse et al., 2017Deephouse, D. L., Bundy, J., Tost, L. P., & Suchman, M. C. (2017). Organizational legitimacy: Six key questions. In R. Greenwood, C. Oliver, T. Lawrence, & R. Meyer (Eds.), SAGE handbook of organizational institutionalism (pp. 27-54). London, UK: Sage Publications.).

Ademais, a sustentabilidade continua sendo veiculada discursivamente como uma forma de adquirir o não adquirível – quiçá quimérico. Assim, outro possível tópico na agenda de pesquisas empíricas envolvendo um enfoque linguístico para o tema da sustentabilidade consiste em estudos sobre organizações que atuam tanto em países desenvolvidos quanto em países em desenvolvimento. Os contextos heterogêneos (e vazios institucionais) podem representar oportunidades de não buscar conceitos prontos sobre sustentabilidade, permitindo, assim, análises sobre as variações semânticas, as possíveis práticas de decoupling a elas atreladas, e suas consequências para organizações e campos.

Por fim, afirmamos que, ainda que a ideia (ou mesmo o conceito) de sustentabilidade esteja institucionalizada na contemporaneidade enquanto signo, o seu conteúdo semântico (i.e., o significado) não está, pois este se apresenta variável, seja por conveniência, seja por falta de entendimento/clareza sobre como operacionalizar/realizar, efetivamente, a sustentabilidade, por parte de muitas organizações.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio financeiro que tornou este estudo possível, bem como aos avaliadores anônimos e ao editor associado RAE pelas recomendações para o aperfeiçoamento da versão final.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    25 Jan 2022
  • Aceito
    20 Set 2022
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