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GARANTIAS DE CRÉDITO RURAL NO BRASIL: ACESSO, CONDIÇÕES Ε INADIMPLÊNCIA

Garantias de crédito rural en Brasil: Acceso, plazos de préstamo e incumplimiento

RESUMO

Este estudo investiga a relação entre os tipos de garantia oferecidos em empréstimos ao produtor rural no Brasil e o acesso, as condições de crédito e a inadimplência. Usamos uma base de dados proprietária e inédita de crédito rural de um grande banco privado brasileiro com mais de 110 mil observações de empréstimos. Os resultados apontam que o uso da alienação fiduciária permite que tomadores mais opacos (i.e., com menor tempo de relacionamento com o banco) consigam acesso a crédito. Esse tipo jurídico de garantia dá ao banco a capacidade de retomar o ativo mais rapidamente, reduzindo a perda em caso de inadimplência, mesmo que os tomadores sejam mais arriscados, uma vez que apresentam maiores taxas de inadimplência (default). Nossos resultados mostram que as condições dos empréstimos são menos restritivas com o aumento do tempo de relacionamento bancário, e que esse efeito é mais intenso nos empréstimos com alienação fiduciária.

Palavras-chave:
Crédito rural; garantias; alienação fiduciária; acesso ao crédito; inadimplência

RESUMEN

Este estudio investiga la relación entre los tipos de garantía ofrecidos en los préstamos a los productores rurales en Brasil, el acceso al crédito, las condiciones del préstamo y el incumplimiento. Utilizamos una base de datos propietaria e inédita de crédito rural de un gran banco privado hrasileno con más de 110 mil observaciones de préstamos. Los resultados muestran que el uso de la alienación fiduciaria permite a los prestatarios más opacos (es decir, con menor tiempo de relación con el banco) acceder al crédito. Ese tipo de garantía le da al banco la capacidad de recuperar el activo más rápidamente reduciendo la pérdida en caso de impago, incluso si esos prestatarios son más riesgosos, ya que presentan mayores tasas de incumplimiento. Nuestros resultados también muestran que las condiciones de los préstamos son menos restrictivas a medida que aumenta la duración de la relación bancaria, y que este efecto es más intenso en los préstamos con alienación fiduciaria.

Palabras clave:
Crédito rural garantías; alienación fiduciaria; acceso al crédito; incumplimiento

ABSTRACT

This study investigates the relation between the types of collateral offered in rural loans in Brazil and the access to credit, loan conditions and default rates. We use a novel proprietary database of rural loans granted by one of the largest private banks in Brazil containing more than 110 thousand loan observations. Our results show that the use of fiduciary lien, improves the access to loans for more opaque borrowers (i.e., those with shorter relationship with the bank). This type of collateral gives the bank the ability to seize collateral quicker, reducing loss given default, even if these borrowers are riskier, given that they present higher default rates on average. Our results also show that loan conditions are less restrictive as relationship length increases, and that this effect is more intense among loans collateralized by fiduciary lien.

Keywords:
Rural credit; collaterals; fiduciary alienation; access to credit; default

INTRODUÇÃO

O agronegócio é um importante gerador de renda para a economia brasileira, sendo responsável por 26% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional em 2020 (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz [ESALQ], 2021Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz. (2021). PIB do agronegócio brasileiro. Retrieved from https://www.cepea.esalq.usp.br/br/pib-do-agronegocio-brasileiro.aspx
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). As instituições financeiras financiam o setor, especialmente o custeio, investimento e comercialização da produção rural de produtores de pequeno e médio portes. Um dos entraves nesse mercado é a dificuldade de monitoramento das atividades, dado algum nível de informalidade desses produtores. Nesse sentido, as garantias têm papel importante no acesso ao crédito. Segundo estudo do Banco Mundial (Fleisig et al., 2006Fleisig, H., Safavian, M., & Peña, Ν. de la. (2006). Reforming collateral laws to expand access to finance. World Bank. https://doi.org/10.1596/978-0-8213-6490-1
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), o motivo para o baixo acesso ao crédito em países emergentes está nas possibilidades limitadas dos tomadores de pequeno e médio portes de usarem seus ativos como colateral em operações de crédito. Em geral, não é a falta de ativos que dificulta o acesso ao crédito, mas a falta de um mecanismo que permita ao credor recuperar os colaterais de maneira rápida e com poucas incertezas jurídicas.

O objetivo desta pesquisa é investigar como o uso de tipos de garantia com níveis diferentes de capacidade de recuperação do crédito se associa ao acesso ao crédito por tomadores mais opacos, às condições de crédito (taxas de juros, carência e volume emprestado) e à inadimplência. Para isso, utilizamos uma base de dados proprietária de crédito rural disponibilizada por um dos três maiores bancos privados do Brasil (doravante, “o Banco”). A amostra compreende mais de 110 mil empréstimos distribuídos em 10 estados da federação. O nível granular das informações (por empréstimo) e o detalhamento de informação sobre garantias, localização geográfica do tomador, carências e resultado do empréstimo nos permitem investigar questões de pesquisa que não poderiam ser endereçadas com bases de dados públicas.

A literatura aponta para a existência de duas vertentes que explicam a relação entre colateral e acesso ao crédito. Sob condições de assimetria de informação, os tomadores possuem mais informações que as instituições financeiras e apresentam garantias para obter condições mais favoráveis durante o processo de concessão de crédito. Nesse caso, garantias estão associadas com tomadores menos arriscados, visto que o custo de apresentar garantias é menor para esses tomadores que não pretendem inadimplir (Bester, 1985Bester, H. (1985). Screening vs. rationing in credit markets with imperfect information. The American Economic Review, 75(4), 850-855. Retrieved from http://www.jstor.org/stable/1821362
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). Sob condições de risco moral, tomadores mais arriscados (i.e., com maior propensão a inadimplir) possuem incentivos para apresentar garantias que mitiguem sua baixa qualidade de crédito (Tirole, 2005Tirole, J. (2005). The theory of corporate finance. Princeton University Press.).

Um segundo ponto importante é a facilidade com que o banco financiador consegue tomar e vender os ativos em caso de inadimplência. No modelo de Jappelli et al. (2005)Jappelli, T., Pagano, M., & Bianco, M. (2005). Courts and banks: Effects of judicial enforcement on credit markets. Journal of Money, Credit and Banking, 37(2), 223-244. http://www.jstor.org/stable/3838925
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, quanto maior a habilidade do banco em tomar e vender as garantias, menor será a restrição de crédito e maior será o acesso ao crédito dos tomadores de pior qualidade, ou mais opacos. Pesquisas apontam que quanto maior a liquidez, maior o valor da garantia: títulos negociáveis seriam mais valiosos que imóveis, contas a receber e estoques, que, por sua vez, são mais valiosos do que ativos fixos (Luck & Santos, 2019Luck, S., & Santos, J. A. C. (2019, Outubro 10). The valuation of collateral in bank lending [SSRN Working Paper]. http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3467316
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). Finalmente, fatores institucionais, como a proteção ao credor, aumentam as taxas de recuperação e o acesso ao crédito (Degryse et al., 2020Degryse, H., Ioannidou, V., Liberti, J. M., & Sturgess, J. (2020). How do laws and institutions affect recovery rates for collateral? The Review of Corporate Finance Studies, 9(1), 1-43. https://doi.org/10.1093/rcfs/cfz011
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).

Entre 2004 e 2005, o Brasil implementou reformas para melhorar o ambiente de crédito e garantir mais direitos ao credor, de modo a diminuir as perdas devidas à inadimplência. Araújo et al. (2012)Araújo, A. P., Ferreira, R. V. X., & Funchal B. (2012). The Brazilian bankruptcy law experience. Journal of Corporate Finance, 18(4), 994-1004. https://doi.org/10.1016/j.jcorpfin.2012.03.001
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mostram que essas reformas fizeram com que a taxa de recuperação de crédito aumentasse de menos de 1% no período pré-reformas para cerca de 17% em 2008. Doornik e Capelletto (2015)Doornik, B. F. N. Van, & Capelletto, L. R. (2015). Collateral after the Brazilian creditor rights reform. Brazilian Central Bank [Working Paper Series. n. 404]. Retrieved from https://www.bcb.gov.br/pec/wps/ingl/wps404.pdf
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mostram que a proporção de crédito com garantias aumentou em 13 pontos percentuais dois anos após as reformas e que o nível de sobrecolateralização diminuiu sensivelmente, indicando que o mesmo tomador passou a usar as mesmas garantias para acessar um volume maior de crédito.

A alienação fiduciária (AF), instituída no âmbito das reformas pela Lei n. 10.931 de 2004 (2004)Lei nº 10.931, de 2 de agosto de 2004. (2004). Presidência da República. Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. Retrieved from http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.931.htm
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, tornou-se o tipo de garantia que permite maior facilidade de recuperação, já que a propriedade legal do ativo dado como garantia é do emprestador até que o empréstimo seja completamente quitado, enquanto o tomador tem a posse do ativo para uso. Ao contrário de outros tipos legais de garantia (como hipoteca e penhor), a tomada da posse em caso de inadimplência é feita extrajudicialmente, de maneira menos custosa e mais rápida, reduzindo as perdas do emprestador. Nesse sentido, o estudo de Assunção et al. (2014)Assunção, J. J., Benmelech, E., & Silva, F. S. S. (2014). Repossession and the democratization of credit. The Review of Financial Studies, 27(9), 2661-2689. https://doi.org/10.1093/rfs/hht080
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mostra que a AF permitiu que tomadores com pior qualidade de crédito tivessem maior acesso aos empréstimos para compra de veículos no Brasil após sua implementação.

Em linha com os resultados de Assunção et al. (2014)Assunção, J. J., Benmelech, E., & Silva, F. S. S. (2014). Repossession and the democratization of credit. The Review of Financial Studies, 27(9), 2661-2689. https://doi.org/10.1093/rfs/hht080
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, nossos resultados apontam que empréstimos rurais garantidos por AF apresentam maiores probabilidades de serem destinados a tomadores mais opacos, i.e., com menor tempo de relacionamento bancário, sugerindo que seu uso permita acesso ao crédito por tomadores que não conseguiriam empréstimos de outra forma. Esse efeito é maior nos estados em que o Banco apresenta menor penetração: baixo número de agências em relações aos demais bancos. Por ter menor penetração de mercado, o Banco supostamente tem menos informações sobre qualidade, produtividade e riscos das lavouras dessas regiões, de maneira que as garantias passam a ser ainda mais importantes do que em outras regiões. Apesar disso, não encontramos melhores condições de crédito para os tomadores mais opacos que usam AF como garantia: os termos dos empréstimos só são menos restritivos à medida que o tempo de relacionamento bancário aumenta. Finalmente, tomadores com AF apresentam maiores taxas de inadimplência, resultado que é consistente com a lógica de que o banco aceita tomar maior risco quando é capaz de usar um tipo de garantia que implica uma menor perda em caso de inadimplência. Tomados em conjunto, esses resultados sugerem que a AF possa ser o tipo de garantia que maximiza o acesso ao crédito para clientes mais opacos e mais arriscados.

Nosso estudo contribui com a literatura em uma série de frentes. Primeiro, contribui com a literatura sobre crédito rural (Assunção et al., 2020Assunção, J., Gandour, C., Rocha, R., & Rocha, R. (2020). The effect of rural credit on deforestation: Evidence from the Brazilian Amazon. The Economic Journal, 130(626), 290-330. https://doi.org/10.1093/ej/uez060
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; Castro & Teixeira, 2012Castro, E. R., & Teixeira, Ε. C. (2012). Rural credit and agricultural supply in Brazil. Agricultural Economics, 43(3), 293-302. https://doi.org/10.1111/j.1574-0862.2012.00583.x
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, entre outros), ao ser o primeiro estudo sobre o papel das garantias no mercado de crédito rural. Os demais artigos tratam de outros assuntos (e.g., desmatamento, produtividade, produção e uso da terra), mas não abordam o acesso ao crédito por tomadores mais opacos. Nosso artigo contribui ao mostrar que um dispositivo que permita recuperação mais rápida das garantias amplia o acesso ao crédito aos tomadores mais opacos, justamente aqueles com dificuldade de financiar sua produção. Esse resultado é particularmente importante num ambiente em que o valor da produção depende de fatores de risco pouco previsíveis, como clima e ocorrência de pragas, difíceis de serem gerenciados com instrumentos financeiros (por exemplo, derivativos). O monitoramento da atividade agrícola pelo banco também é complexo e custoso, uma vez que é uma atividade caracterizada por ciclos longos de produção (com empréstimos com carência de vários meses) e, frequentemente, produtores de pequeno porte (opacos).

Segundo, contribui com a ampla literatura que investiga o efeito dos direitos dos credores no acesso ao crédito (Levine, 1998Levine, R. (1998). The legal environment, banks, and long-run economic growth. Journal of Money, Credit and Banking, 30(3), 596-613. https://doi.org/10.2307/2601259
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; Porta et al., 1998Porta, R. La, Lopez-de-Silanes, F., Shleifer, A., & Vishny, R. (1998). Law and finance. Journal of Political Economy, 106(6), 1113-1155. https://doi.org/10.1086/250042
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) e o papel das garantias em mercados emergentes (Calomiris et al., 2017Calomiris, C. W., Larrain, M., Liberti, J., & Sturgess, J. (2017). How collateral laws shape lending and sectoral activity. Journal of Financial Economics, 123(1), 163-188. https://doi.org/10.1016/]j.jfineco.2016.09.005
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; Campello & Larrain, 2016Campello, M., & Larrain, M. (2016). Enlarging the contracting space: Collateral menus, access to credit, and economic activity, The Review of Financial Studies, 29(2), 349-383. https://doi.org/10.1093/rfs/hhv069
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; Degryse et al., 2020Degryse, H., Ioannidou, V., Liberti, J. M., & Sturgess, J. (2020). How do laws and institutions affect recovery rates for collateral? The Review of Corporate Finance Studies, 9(1), 1-43. https://doi.org/10.1093/rcfs/cfz011
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; Fleisig et al., 2006Fleisig, H., Safavian, M., & Peña, Ν. de la. (2006). Reforming collateral laws to expand access to finance. World Bank. https://doi.org/10.1596/978-0-8213-6490-1
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). No Brasil, a literatura tinha investigado o efeito das garantias no crédito ao consumo (Assunção et al., 2014Assunção, J. J., Benmelech, E., & Silva, F. S. S. (2014). Repossession and the democratization of credit. The Review of Financial Studies, 27(9), 2661-2689. https://doi.org/10.1093/rfs/hht080
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; Doornik e Capelletto, 2015Doornik, B. F. N. Van, & Capelletto, L. R. (2015). Collateral after the Brazilian creditor rights reform. Brazilian Central Bank [Working Paper Series. n. 404]. Retrieved from https://www.bcb.gov.br/pec/wps/ingl/wps404.pdf
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; Ponticelli & Alencar, 2016Ponticelli, J., & Alencar, L. S. (2016). Court enforcement, bank loans, and firm investment: Evidence from a bankruptcy reform in Brazil. The Quarterly Journal of Economics, 131(3), 1365-1413. https://doi.org/10.1093/qje/qjw015
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), enquanto trazemos evidências sobre como uma recuperação de garantias eficiente pode ampliar o acesso ao crédito produtivo. Trazemos evidência de que garantias superiores podem ser complemento quando o monitoramento é custoso (quando a presença física dos bancos é menor), contribuindo para a literatura teórica e empírica sobre o monitoramento de empréstimos (Diamond, 1984Diamond, D. W. (1984). Financial intermediation and delegated monitoring. Review of Economic Studies, 51(3), 393-414. https://doi.org/10.2307/2297430
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; Heitz et al., 2022Heitz, Α., Martin, C., & Ufier, A. (2022). Bank monitoring with on-site inspections. FDIC Center for Financial [Research Paper No.2022-09]. http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.4197344
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). Finalmente, nosso artigo contribui para a vasta literatura sobre a relação entre garantias e empréstimos bancários (Bester, 1985Bester, H. (1985). Screening vs. rationing in credit markets with imperfect information. The American Economic Review, 75(4), 850-855. Retrieved from http://www.jstor.org/stable/1821362
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; Cerqueiro et al., 2016Cerqueira, C., Ongena, S., & Roszbach, K. (2016). Collateralization, bank loan rates, and monitoring. The Journal of Finance, 71(3), 1295-1322. Retrieved from http://www.jstor.org/stable/43869135
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; Tirole, 2005Tirole, J. (2005). The theory of corporate finance. Princeton University Press.) e com as teorias que ligam o desenvolvimento financeiro ao crescimento econômico, como Rajan e Zingales (1998)Rajan, R., & Zingales, L. (1998). Financial dependence and growth. The American Economic Review, 88(3), 559-586. https://doi.org/10.3386/w5758
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e Duygan-Bump et al. (2015)Duygan-Bump, B., Levkov, Α., & Montoriol-Garriga, J. (2015). Financing constraints and unemployment: Evidence from the Great Recession. Journal of Monetary Economics, 75, 89-105. https://doi.org/10.1016/j.jmoneco.2014.12.011
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.

GARANTIAS DO CRÉDITO RURAL Ε HIPÓTESES

Na literatura, duas vertentes buscam explicar a motivação para o uso de garantias. De um lado, a literatura de moral hazard afirma que tomadores de crédito com alta probabilidade de inadimplência apresentam garantias para mascarar a baixa qualidade creditícia (Tirole, 2005Tirole, J. (2005). The theory of corporate finance. Princeton University Press.). Evidências empíricas suportam essa literatura ao mostrar que empresas com maior probabilidade de inadimplência apresentam garantias nos empréstimos (Berger & Udell, 1990Berger, Α. Ν., & Udell, G. F. (1990). Collateral, loan quality, and bank risk. Journal of Monetary Economics, 25(1), 21-42. https://doi.org/10.1016/0304-3932(90)90042-3
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). Por outro, a literatura de assimetria de informação afirma que os tomadores de crédito possuem mais informações que as instituições financeiras. Dada a assimetria, os bancos têm dificuldades em avaliar a qualidade de crédito dos tomadores mais opacos, gerando condições piores para bons tomadores e melhores para tomadores ruins. Uma forma de sinalizar a qualidade de crédito é a apresentação de garantias pelos bons tomadores: visto que eles apresentam maior capacidade de cumprir com os termos do contrato de crédito, a apresentação de garantias é menos custosa para eles, dada a melhora dos termos do contrato (Bester, 1985Bester, H. (1985). Screening vs. rationing in credit markets with imperfect information. The American Economic Review, 75(4), 850-855. Retrieved from http://www.jstor.org/stable/1821362
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).

Uma outra vertente de literatura aponta que nem todas as garantias são iguais: existem garantias que permitem a maior retomada do valor emprestado pelas instituições financeiras em caso de default. Logo, essas garantias afetam o valor que pode ser recuperado e as condições do empréstimo. No campo empírico, Campello e Larrain (2016)Campello, M., & Larrain, M. (2016). Enlarging the contracting space: Collateral menus, access to credit, and economic activity, The Review of Financial Studies, 29(2), 349-383. https://doi.org/10.1093/rfs/hhv069
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apontam que reformas que aumentam a quantidade de garantias disponíveis e a celeridade em sua retomada aliviam as restrições financeiras e ampliam o investimento das firmas. Degryse et al. (2020)Degryse, H., Ioannidou, V., Liberti, J. M., & Sturgess, J. (2020). How do laws and institutions affect recovery rates for collateral? The Review of Corporate Finance Studies, 9(1), 1-43. https://doi.org/10.1093/rcfs/cfz011
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encontram que uma maior proteção ao credor aumenta as taxas de recuperação esperadas para garantias móveis em relação às garantias imóveis e desloca a composição das garantias para bens móveis, aumentando a capacidade de endividamento e atenuando o viés de liquidação do credor.

No Brasil, usando dados de empréstimos automotivos, Assunção et al. (2014)Assunção, J. J., Benmelech, E., & Silva, F. S. S. (2014). Repossession and the democratization of credit. The Review of Financial Studies, 27(9), 2661-2689. https://doi.org/10.1093/rfs/hht080
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apontam que as reformas as quais aumentam a velocidade de recuperação das garantias permitiram que os bancos emprestassem mais recursos para tomadores mais arriscados e com maior restrição financeira. O ganho de eficiencia na recuperação do crédito permitiu condições mais favoráveis ao tomador, como o maior volume emprestado, maior maturidade e menores taxas de juros. Com base na argumentação acima, formulamos nossa primeira hipótese:

H1: Garantias e acesso ao crédito: garantias com maior capacidade de retomada do empréstimo permitem que tomadores sobre os quais o Banco possui menos informações (tomadores mais opacos) consigam acesso ao crédito.

Nesta pesquisa, o foco está nas três principais garantias observadas nas operações de crédito de nossa amostra: alienação fiduciária (AF), penhor rural (PR) e hipoteca rural (HR). Dentro desse menu, a AF descrita dentro da Lei n. 9.514, de 20 de novembro de 1997 (1997)Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997. (1997). Presidência da República. Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. Retrieved from https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9514.htm
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, apresenta a maior eficiencia na retomada do crédito, visto que o tomador transfere ao credor (O Banco) a propriedade do bem que será a garantia da operação até a quitação o empréstimo (Araújo et al., 2012Araújo, A. P., Ferreira, R. V. X., & Funchal B. (2012). The Brazilian bankruptcy law experience. Journal of Corporate Finance, 18(4), 994-1004. https://doi.org/10.1016/j.jcorpfin.2012.03.001
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).

Por outra lado, as demais garantias apresentam menor eficiencia na recuperação do crédito pela instituição financeira. No PR, descrito na Lei n. 492, de 30 de agosto de 1937 (1937)Lei nº 492, de 30 de agosto de 1937. (1937). Presidência da República. Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. Retrieved fromhttps://legislacao.presidencia.gov.br/atos/?tipo=LEI№=492&ano=1937&ato=0530TQE5UejpXTe1f
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, o tomador penhora bens como a safra, animais e instrumentos agrícolas, mas pode utilizar as garantias pendoradas até que ocorra a retomada pela instituição financeira. Na HR, descrita no Decreto-lei n. 167, de 14 de fevereiro de 1967 (1967)Decreto-lei nº 167, de 14 de fevereiro de 1967. (1967). Presidência da República. Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. Retrieved from https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/1930-1949/L0492.htm
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, a propriedade e posse não são transferidas antes da conclusão do empréstimo. Assim, é preciso que a instituição financeira execute por vias legais o direito ao bem hipotecado para, em seguida, realizar a sua venda e retomar parte do valor emprestado.

Em linha com a literatura de relacionamento bancário, nossa principal medida de opacidade do tomador é o tempo de relacionamento bancário do tomador com o banco. Assim, a operacionalização do teste para a primeira hipótese consiste em verificar a associação entre o tempo de relacionamento cliente-banco (variável dependente) uso de AF em comparação a outros tipos de garantia (variável independente), controlando por outros fatores. Espera-se uma relação negativa entre essas variáveis.

H2: Acesso ao crédito e presença do banco: o efeito descrito na Hipótese I é mais intenso nas localidades em que o banco tem menor presença.

O teste da hipótese II é implementado pela inclusão de uma medida relativa de presença física do banco como variável moderadora na equação de teste da hipótese I. Espera-se um maior uso de AF em locais com menor presença física do banco, ceteris paribus.

O uso de uma garantia com recuperação mais rápida diminui o incentivo do tomador em inadimplir, sugerindo que empréstimos com AF tenham um menor nível de inadimplência que os demais. Por outro lado, a garantia funciona como um substituto à informação. De acordo com o raciocínio por trás da hipótese I, o banco concederá empréstimos a clientes mais opacos usando AF, podendo levar a uma relação positiva entre uso de AF e inadimplência. A lógica é que o pool de tomadores com AF seria mais opaco, e o banco não seria capaz de fazer a seleção de tomadores tão bem quanto faria para clientes com maior tempo de relacionamento. Uma vez que a perda do banco com uso de AF é menor do que com outras modalidades de garantias, a perda efetiva do banco pode ser menor com o uso de AF, mesmo que a inadimplência seja maior. De fato, Assunção et al. (2014)Assunção, J. J., Benmelech, E., & Silva, F. S. S. (2014). Repossession and the democratization of credit. The Review of Financial Studies, 27(9), 2661-2689. https://doi.org/10.1093/rfs/hht080
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mostram que o uso de AF elevou a quantidade de defaults. Dessa forma, a relação entre uso de AF e nível de inadimplência pode ser positiva ou negativa, dependendo da intensidade de cada um dos efeitos, tornando-se uma questão, empírica. Em linha com os resultados anteriores, formulamos a terceira hipótese.

H3: Garantias e ocorrência de inadimplência: o uso de garantias com maior capacidade de retomada do empréstimo está positivamente associado à inadimplência observada.

O teste da terceira hipótese consiste em regredir uma varável binária indicativa de default do empréstimo contra o tipo de garantia utilizado (variável independente), controlando por outros fatores. É importante frisar que a associação positiva prevista na hipótese III não implica uma relação causal entre o uso de AF e inadimplência. Como a AF é usada como um mecanismo de seleção para tomadores mais arriscados, possivelmente existe uma variável omitida (qualidade creditícia do tomador) que afeta positivamente a inadimplência e, ao mesmo tempo, é negativamente correlacionada com o uso de alienação fiduciária.

DADOS

Os dados proprietários compreendem empréstimos a produtores rurais (pessoas físicas) e foram disponibilizados por um dos três maiores bancos privados do Brasil. A amostra inicial apresentava 168.057 empréstimos concedidos entre fevereiro de 2015 e janeiro de 2021. A partir dessa amostra, foram aplicados diversos filtros para assegurar a consistência das estimações: (1) foram excluídas observações com classificação de crédito (rating) entre D e H em sua originação (Resolução n. 2.682/1999 do Conselho Monetário Nacional [Banco Central do Brasil, 1999]), já que esse tipo de empréstimo é normalmente originado a partir de uma renegociação de empréstimo anterior em default. A inclusão desses empréstimos poderia distorcer nossos resultados; (2) empréstimos com informação faltante (i.e., sem identificação de sexo do cliente, classificação de crédito ou do estado da federação em que a operação foi realizada), pois a falta dessas informações prejudicaria nossos testes; (3) empréstimos com informações aparentemente inconsistentes, como: tempo de relacionamento negativo, carência negativa e cuja idade do cliente era menor que 18 anos na data do empréstimo, para evitar incluir dados com possível erro de registro. Por fim, como uma das variáveis é o default ao longo do tempo de vida do empréstimo, foram excluídos os empréstimos realizados após dezembro de 2019. Esse último procedimento é necessário para garantir que seja possível dar tempo suficiente para a observação do default. Em testes de robustez (não reportados), a amostra é restrita a empréstimos concedidos até 2018, para evitar eventuais efeitos associados à Covid-19.

Os filtros descritos acima impuseram uma restrição quanto a empréstimos cujas garantias são incomuns. Isso gerou categorias de garantias que não apresentavam nenhuma operação em default. Dessa forma, os empréstimos com essas garantias foram excluídos da amostra final. Os empréstimos com essas garantias, quando agregados, representavam 3% da amostra (3.657 observações). Alguns estados da federação apresentaram poucas observações para cada uma das garantias. Nesse sentido, foram excluídas as unidades federativas (UF) que apresentaram menos de mil observações, um corte de menos de 3% da amostra. Após todos os filtros citados, a amostra final contém 110.662 observações (65,8% da amostra original).

Definição das variáveis e estatísticas descritivas

A Tabela 1 apresenta as definições operacionais das variáveis utilizadas. Nos modelos que associam o tipo de garantia à opacidade dos clientes, as variáveis que indicam opacidade são o tempo de relacionamento cliente-banco(Relac), uma dummy indicando tempo de relacionamento inferior a um ano (Relac < 1) e uma dummy indicando se o tempo de relacionamento observado apresenta valores abaixo do primeiro tercil (RelacT1), de acordo com a literatura sobre relacionamento bancário. Como medidas alternativas, usamos a idade do tomador (clientes mais novos seriam mais opacos por terem histórico de crédito mais curto).

Tabela 1
Definição das variáveis e categorias de garantias

Já as variáveis carência, taxa e ln(saldo) são tradicionalmente usadas como métricas de condições de crédito na literatura (por exemplo, Martins et al., 2022Martins, T., Schiozer, R. F. & Linardi, F. (2022). The Information Content from Lending Relationships Across the Supply Chain, [SSRN Working Paper]. https://ssrn.com/abstract=4160187
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) e são utilizadas nos modelos de associação entre garantias e condições de crédito. Carência é aqui definida como o tempo decorrido entre a concessão do empréstimo e a previsão do primeiro pagamento ao banco. Em mais de 80% dos casos de nossa amostra, o tomador paga o empréstimo em parcela única no final da carência, sem nenhum fluxo de caixa intermediário. Por essa razão, não usamos o prazo da operação, mas sim a carência. o in(saldo) é definido como o saldo devedor nos primeiros três meses do contrato após a realização do empréstimo, visto que não estava disponível o saldo devedor no momento do empréstimo.

As métricas de condição de crédito são importantes no sentido de revelarem a melhor oferta de empréstimo do ponto de vista do cliente quando solicita um empréstimo, i.e., é a condição de equilíbrio entre oferta e demanda. A variável default é usada como dependente nos modelos que testam a associação entre as garantias e a inadimplência.

Os Painéis A, Β e C da Tabela 2 apresentam as principais variáveis dos tomadores por estado, por garantia e por rating, respectivamente. A variável default é definida como a ocorrência de atraso igual ou superior a 90 dias em qualquer momento da vida do empréstimo. Os dados do Painel A mostram que a proporção de operações que entraram em default é de 3,86%, e que existe variação substancial entre os estados, o que sugere a necessidade de inserir controles por estados nas regressões (vide seções 4, 5 e 6 à frente). O tempo médio de relacionamento bancocliente no instante da concessão dos empréstimos é de aproximadamente 17 anos, e 1,58% dos tomadores possuem tempo de relacionamento inferior a um ano.

Tabela 2
Operações de crédito rural por UF, garantia e rating

No Painel B, nota-se que os empréstimos garantidos por PR apresentam o menor nível de default, seguido dos garantidos por HR e por AF, o que sugere que a concessão com AF é usada para empréstimos a clientes de maior risco. Os empréstimos com AF também apresentam a menor média de tempo de relacionamento e maior proporção de empréstimos concedidos a clientes com menos de um ano de relacionamento, o que sugere que seja o tipo de garantia exigida para tomadores mais opacos. No Painel C, temos a segmentação por rating. Conforme esperado, ratings piores apresentam maior incidência de default. No entanto, não parece existir relação entre as medidas de opacidade do cliente e rating inicial da operação.

A Tabela 3 apresenta as estatísticas descritivas das demais variáveis utilizadas neste estudo. A Figura 1 apresenta a proporção de garantias das operações de crédito para a safra (mês de originação) do empréstimo. É possível notar uma concentração na garantia de HR. Ao longo dos anos, a proporção de PR e AF aumentou de 10% para aproximadamente 30%. Porém, a AF continua como a garantia de menor proporção na amostra. A Figura 2 apresenta o valor médio das operações de crédito rural por tipo de garantia e safra da operação. É possível notar que a AF apresenta um alto valor médio (apesar da alta variabilidade sazonal), mesmo sendo uma das garantias menos utilizadas. Os valores foram ajustados para dezembro de 2019 usando o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Finalmente, a Figura 3 apresenta a porcentagem de operações em default por garantia. A Figura 3 indica que a AF apresenta o maior default entre as garantias, mas essa diferença foi reduzida nos anos mais recentes da amostra. No geral, as Figuras indicam a importância do controle da sazonalidade dos empréstimos ao longo das safras (i.e., meses de originação das operações) e a redução observada na ocorrência de defaults nos anos mais recentes.

Tabela 3
Médias das demais variáveis da amostra por garantias

Figura 1
Proporção de garantias por operações de crédito

Figura 2
Valor médio das operações de crédito por garantia

Figura 3
Default das operações de crédito por garantias

TESTES EMPÍRICOS Ε DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Garantias e acesso ao crédito

Nesta seção, testamos se a garantia de AF permite que clientes mais opacos obtenham acesso ao crédito (primeira hipótese). Para isso, dado que não é possível observar diretamente o nível de opacidade, usaremos três proxies para o nível de opacidade do tomador. Para testar se o tipo de garantia está associado à opacidade do tomador, estimamos a regressão descrita pela Equação 1:

(1) Opaco i = α 0 + α 1 AF i + E i + T i + δ t δ e + i

em que Opaco é uma das três proxies de opacidade, a saber: i) uma variável dummy que assume valor 1, caso o tempo de relacionamento seja menor que um ano no ato de contratação do empréstimo, e zero, caso contrário (Relac < 1), por meio da qual procuramos capturar a ideia de que o empréstimo está sendo concedido a um cliente “novo” para o banco; ii) o tempo de relacionamento entre banco e cliente, em anos(Relac); iii) a idade do cliente no ato de contratação do empréstimo (Idade). AF é a dummy que assume valor 1, caso a garantia apresentada seja AF e zero, caso contrário. De acordo com a Previsão I, espera-se que o coeficiente α1 seja positivo para os casos (i), e negativo nos casos (ii) e (iii), indicando que a AF é utilizada para clientes mais opacos em média. Ε é o vetor de variáveis de controle do empréstimo: prazo de carência, taxa, rating e saldo devedor. Τ são características do tomador do empréstimo: tempo de relacionamento bancário, idade, sexo e segmento do cliente. δt é um conjunto de dummies que se referem ao mês (t) de concessão do empréstimo e δe é um conjunto de dummies de unidades federativas (e). Assim, as especificações contêm um efeito fixo de δt · δe. Esses efeitos fixos capturam tanto as flutuações macroecômicas em nível nacional (como variações nas taxas de juros, PIB, inflação etc.) quanto em nível estadual, bem como variações nas condições climáticas (heterogêneas entre os estados da federação) que podem afetar a produtividade rural e a demanda sazonal por empréstimos. Os erros-padrão dessa e das demais regressões são robustos a heterocedasticidade e clusterizados no nível do mês-estado, δt · δe.

A Tabela 4 apresenta os coeficientes estimados para a Equação 1. Para cada uma das três variáveis dependentes, rodamos uma especificação sem e com os controles de empréstimos e tomador (as colunas ímpares trazem os resultados sem controles e as colunas pares, os resultados com controles). Com exceção da regressão cuja variável dependente é a Idade, não ocorreu perda de significância estatística ao adicionar os controles por características dos empréstimos (E) e dos tomadores (Τ). Α interpretação dos coeficientes das regressões segue as especificações com controles (colunas pares).

Tabela 4
Regressão da opacidade contra as garantias

O coeficiente principal da coluna 2 indica que o uso de AF está associado a uma probabilidade 1,4 ponto percentual maior de o tomador ter menos de um ano de relacionamento com o banco. Esse resultado é estatisticamente significante a 1% e economicamente relevante, uma vez que a proporção de empréstimos concedidos a tomadores com menos de um ano de relacionamento é apenas 1,58% da amostra. Na coluna 4, a AF está associada com tomadores com tempo de relacionamento bancário 1,9 ano menor em comparação com outras garantias. Finalmente, na regressão reportada na coluna 6, o coeficiente de interesse mostra uma associação negativa entre o uso de AF e idade do tomador, como esperado, mas sem significância estatística.

Estes resultados são condizentes com a Hipótese I de que garantias com maior capacidade de retomada do empréstimo permitem o maior acesso ao crédito para tomadores mais opacos, sugerindo que a AF possa ser uma “modalidade de entrada” para tomadores mais opacos. Nossos resultados são também com a literatura que propõe que garantias são substitutos à informação (Berger & Udell, 1990Berger, Α. Ν., & Udell, G. F. (1990). Collateral, loan quality, and bank risk. Journal of Monetary Economics, 25(1), 21-42. https://doi.org/10.1016/0304-3932(90)90042-3
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; Tirole, 2005Tirole, J. (2005). The theory of corporate finance. Princeton University Press.), e que mecanismos jurídicos mais eficientes de recuperação de garantia aumentam o acesso ao crédito por tomadores mais opacos (Assunção et al., 2014Assunção, J. J., Benmelech, E., & Silva, F. S. S. (2014). Repossession and the democratization of credit. The Review of Financial Studies, 27(9), 2661-2689. https://doi.org/10.1093/rfs/hht080
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; Campello & Larrain, 2016Campello, M., & Larrain, M. (2016). Enlarging the contracting space: Collateral menus, access to credit, and economic activity, The Review of Financial Studies, 29(2), 349-383. https://doi.org/10.1093/rfs/hhv069
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; Doornik & Capelletto, 2015Doornik, B. F. N. Van, & Capelletto, L. R. (2015). Collateral after the Brazilian creditor rights reform. Brazilian Central Bank [Working Paper Series. n. 404]. Retrieved from https://www.bcb.gov.br/pec/wps/ingl/wps404.pdf
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).

Segmentação por presença bancária nas unidades federativas

Nesta seção, testamos a segunda hipótese, buscando explorar a heterogeneidade da presença bancária em cada unidade federativa. Para criar a variável de presença bancária, usamos o número de agências bancárias pertencentes ao banco que disponibilizou a base de dados de crédito rural em relação ao número de total de agências daquele estado. Essa variável tem frequência mensal em cada unidade federativa e é disponibilizada no website de dados abertos do Banco Central do Brasil. Em seguida, segmentamos a amostra por tercis de presença bancária. O argumento é que a AF daria maior acesso ao crédito para clientes mais opacos e que é mais importante em estados onde o banco tem menor penetração/share ou que sofre maior concorrência.

A Tabela 5 apresenta as especificações com controles segmentadas por presença bancária. Usamos apenas os tercis classificados como baixa e alta presença bancária por limitação de espaço. Os coeficientes estimados das regressões indicam que os resultados expostos na Tabela 4 estão concentrados nos estados com menor presença bancária: em estados com baixo nível de presença do banco, a AF está associada a uma probabilidade 1,9 ponto percentual maior de o tomador ter menos de um ano de relacionamento com o banco, em comparação com as demais garantias. Esse efeito não aparece em estados com alta presença do banco. Finalmente, na coluna 3 (4), em estados com menor (maior) presença do banco, a AF está associada com tomadores com tempo de relacionamento bancário 2,3 (1,5) ano(s) menor em comparação com outras garantias. Esses resultados são consistentes com a nossa Hipótese II, sugerindo que, de fato, o canal que torna a AF mais utilizada para clientes mais arriscados seja a assimetria de informação.

Tabela 5
Regressão da opacidade contra as garantias

Garantias e condições de crédito

Nesta seção, testamos se a garantia com maior capacidade de recuperação do valor emprestado (AF) apresenta relação com as taxas de juros, a carência e o valor do empréstimo. O modelo de Jappelli et al. (2005)Jappelli, T., Pagano, M., & Bianco, M. (2005). Courts and banks: Effects of judicial enforcement on credit markets. Journal of Money, Credit and Banking, 37(2), 223-244. http://www.jstor.org/stable/3838925
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prevê que as garantias aliviam o racionamento de crédito, o que poderia levar a um prazo de carência maior, maior volume emprestado e menores taxas. Por outro lado, se garantia melhores permitirem acesso ao crédito a tomadores restritos (i.e., tomadores que não teriam acesso ao crédito sem apresentar garantias, ou apresentando garantias de pior qualidade), esse mecanismo de seleção levaria a uma associação positiva entre taxas de juros e o uso de AF (como encontrado por Assunção et al., 2014Assunção, J. J., Benmelech, E., & Silva, F. S. S. (2014). Repossession and the democratization of credit. The Review of Financial Studies, 27(9), 2661-2689. https://doi.org/10.1093/rfs/hht080
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). Para testar a associação entre condições de crédito e tipo de garantia, estimamos a Equação 2:

(2) Y i = β 0 + β 1 ( AF i ) + β 2 ( Re lacT1 i ) + β 3 ( AF i Re lacT1 i ) + E i + T i + δ t δ e + i

em que, Yi é a medida de condições do empréstimo: taxa, carência e ln(saldo). Empréstimos mais vantajosos apresentam menores taxas, maior carência e maiores saldos. A variável RelacT1 é uma dummy que assume valor 1 caso o tempo de relacionamento esteja abaixo do primeiro tercil e zero, caso contrário. Utilizamos essa medida em forma de variável dummy para facilitar a interpretação dos coeficientes. Em adição, excluímos as observações cujo tempo de relacionamento pertence ao tercil intermediário da distribuição. Isso foi feito para que a interpretação dos coeficientes permita comparar clientes com tempo de relacionamento curto versus longo. Espera-se que um menor tempo de relacionamento seja uma proxy para a quantidade de informações possuídas pelo banco sobre o cliente. Logo, clientes menos conhecidos são mais opacos para a instituição financeira, o que implicaria maiores taxas, e menor tempo de carência e valor da operação.

Na Equação 2, o principal coeficiente de interesse é o β3. Esse coeficiente mensura o efeito moderador da AF sob o tempo de relacionamento bancário. Espera-se que a AF possibilite uma redução na taxa e um aumento na carência e no saldo em tomadores com menor tempo de relacionamento. Porém, antes de estimarmos a Equação 2 com a interação entre AF x RelacT1, estimamos os efeitos separadamente com e sem controles para as características do empréstimo Ε e do tomador Τ.

A Tabela 6 apresenta os resultados da estimação da Equação 2. Nas colunas de 1 até 3, temos as regressões sem os controles e usando apenas a dummy de AF. Os resultados indicam que a AF está associada com uma taxa de juros 0,63 ponto percentual maior em comparação com as demais garantias, uma carência de aproximadamente meio mês acima das demais garantias e um saldo aproximadamente 9,8% abaixo das demais garantias. Ao adicionar os controles (colunas de 4 até 6), os coeficiente da taxa e da carência não mudam de sinal, mas o do ln(saldo) passa a ser positivo, indicando um aumento de aproximadamente 4,6%. Ainda nas colunas 4, 5 e 6, os coeficientes da dummy de relacionamento indicam que tomadores com baixo relacionamento tomam empréstimos a taxas maiores, com menores prazos de carência e com menor saldo, resultados consistentes com a ideia de que clientes mais opacos recebam condições piores de crédito.

Tabela 6
Regressão das condições do empréstimo contra as garantias e relacionamento

Nas colunas de 7 até a 9, adicionamos interações entre AF e a dummy de opacidade. Na coluna 7, o resultado indica que os empréstimos com AF e com alto tempo de relacionamento não apresentam taxas de juros maiores (primeiro coeficiente não significante) que a categoria base. Já o segundo coeficiente indica que os empréstimos com baixo relacionamento e que não usam AF apresentam uma taxa de juros 0,277 pontos percentuais acima dos empréstimos que também não usam AF, mas que possuem alto relacionamento, confirmando que a opacidade (baixo tempo de relacionamento) está positivamente associada à taxa de juros. O terceiro coeficiente mostra que, entre os empréstimos com AF, clientes com baixo tempo de relacionamento tomam a uma taxa de juros maior em média. A diferença entre os empréstimos que usam AF e possuem baixo relacionamento com relação aos que usam outras garantias e possuem alto relacionamento é de 0,926 ponto percentual (dado pela soma dos coeficientes β1, β2 e β3

Na coluna 8, temos o efeito no prazo de carência. Empréstimos com AF e alto relacionamento apresentam uma carência de 1,35 mês acima daqueles com outras garantias e alto relacionamento. Empréstimos com baixo relacionamento, mas com outras garantias apresentam uma carência 0,159 mês (aproximadamente cinco dias) menor. O terceiro coeficiente indica que, entre os empréstimos com AF, aqueles feitos a tomadores com baixo relacionamento apresentam prazo de carência 1,3 mês menor.

Finalmente, a coluna 9 apresenta o efeito no saldo. Empréstimos com AF e alto relacionamento apresentam um saldo 15,02% (=e0.1401) maior que aqueles com outras garantias e alto relacionamento. Entre os empréstimos com baixo relacionamento, mas com outras garantias, apresentam um saldo 26,94% menor (=e0.3141). Finalmente, o terceiro coeficiente mostra que, entre os empréstimos com AF, o saldo é 13,8% menor (=e0.1481).

As implicações dos resultados expostos na Tabela 5 são que a AF de fato melhora as condições de prazo de carência e saldo, mas apenas quando o relacionamento bancário já é alto. Logo, credores com maior tempo de relacionamento bancário podem obter prazos de carência e montantes maiores de empréstimo ao usarem AF. Tomados em conjunto com as regressões da Tabela 3, os resultados sugerem que, para clientes mais opacos (com baixo relacionamento), a AF pode funcionar como ferramenta de acesso ao crédito, mas não como um mecanismo de melhora nos termos do empréstimo (além da própria seleção). Para reforçar os achados desta seção, reestimamos a Equação 2, trocando a dummy RelacT1 pelo tempo de relacionamento em anos (Relac) e usando uma amostra completa. Os resultados são qualitativamente similares aos expostos na Tabela 6, e não são reportados para economizar espaço.

Embora nossos testes não sejam diretamente comparáveis aos de Assunção et al. (2014)Assunção, J. J., Benmelech, E., & Silva, F. S. S. (2014). Repossession and the democratization of credit. The Review of Financial Studies, 27(9), 2661-2689. https://doi.org/10.1093/rfs/hht080
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para o mercado de crédito automotivo, nossas inferências permitem revelar nuances peculiares ao crédito ao produtor rural. Por exemplo, os resultados de Assunção et al. (2014)Assunção, J. J., Benmelech, E., & Silva, F. S. S. (2014). Repossession and the democratization of credit. The Review of Financial Studies, 27(9), 2661-2689. https://doi.org/10.1093/rfs/hht080
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mostram que houve uma redução nas taxas dos empréstimos com o uso de AF, mas essa redução era tanto menor quanto mais velho fosse o veículo financiado. Fazendo-se um pressuposto de que compradores de carros usados são mais opacos, os resultados são consistentes com os nossos, no sentido de que o efeito de redução do custo do crédito com uso de AF ocorre entre tomadores menos opacos. Tanto aquele estudo quanto o nosso parecem indicar que, entre os tomadores mais opacos, a AF parece estar mais ligada ao acesso ao crédito do que às condições dos empréstimos.

Garantias e ocorrência de inadimplência

Esta seção apresenta os resultados dos testes da hipótese III, conduzidos por meio da aplicação dos modelos de regressão de probabilidade linear no teste da associação entre garantias e a ocorrência de inadimplência. Na Equação 3, temos o modelo básico para testar a associação entre o uso da AF e a ocorrência de default. Essa especificação será usada com e sem controles para as características do empréstimo (E) e do tomador (T). Todas as especificações incluem efeitos fixos no mês por unidade federativa do tomador,

(3) Default i = γ 0 + γ 1 AF i + E i + T i + δ t δ e + i

em que default é a variável que assume o valor de 1 caso o tomador entre em default e 0, caso contrário, em qualquer momento da observação. O modelo de probabilidade linear da Equações 3 é estimado por mínimos quadrados ordinários (MQO). Em uma segunda etapa, modificamos o modelo apresentado na Equação 3 para testar o efeito das demais garantias da amostra contra a AF. Logo, a dummy AF é substituída por outras duas dummies de tipos de garantia: hipoteca rural (HR) e penhor rural (PR). Nas especificações 1 e 2, o coeficiente de interesse da Equação 3, γ1, captura a associação entre o uso de AF como garantia do empréstimo com o evento de default em relação aos demais tipos de garantias (PR e HR), em média. Nas especificações 3 e 4, usamos o modelo modificado para realizar a comparação da HR e do PR contra a AF. Logo, o coeficiente associado com cada uma dessas garantias capturará a associação entre o uso do HR ou do PR com o evento de default em relação a AF, em média. Reforçamos a interpretação de associação (e não uma interpretação causal) do coeficiente, uma vez que o tipo de garantia possivelmente está associado a características não observadas do tomador.

A Tabela 7 apresenta os resultados da estimação da Equação 3. Na coluna 1, o modelo é estimado por MQO sem controles no nível de tomador e do empréstimo. O coeficiente γ1 indica que empréstimos com AF têm inadimplência 2,1 pontos percentuais maior do que empréstimos com outros tipos de garantia, em média, resultado estatisticamente significante a 1%. A estimação com a adição de controles, reportada na coluna 2, nossa especificação preferida, traz um resultado qualitativamente similar, embora a magnitude do coeficiente seja menor, ou seja, empréstimos com AF apresentam uma probabilidade de default de 1,4 ponto percentual acima das demais garantias. Nas colunas 3 e 4, temos a troca da dummy de AF por HR e PR, com e sem controles. Como esperado, os coeficientes apresentam sinal contrário ao que fora observado nas especificações 1 e 2.

Tabela 7
Regressão da ocorrência do default contra as garantias

Os resultados da Tabela 7 indicam que, tudo mais constante, o grupo de empréstimos que usa a AF como garantia apresentou maior probabilidade de default. Consistente com a hipótese III, nosso argumento é que possivelmente o banco exija que os tomadores mais arriscados apresentem uma garantia com maior capacidade de recuperação em caso de inadimplência, o que é consistente com os modelos de moral hazard, que preveem que os tomadores com maior risco costumam apresentar garantias para compensar a sua menor qualidade de crédito (Tirole, 2005Tirole, J. (2005). The theory of corporate finance. Princeton University Press.), e com o resultado empírico de Assunção et al. (2014)Assunção, J. J., Benmelech, E., & Silva, F. S. S. (2014). Repossession and the democratization of credit. The Review of Financial Studies, 27(9), 2661-2689. https://doi.org/10.1093/rfs/hht080
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, de que a AF está associada a clientes de maior risco. Porém, reforçamos que os resultados não podem ser interpretados de maneira causal, isto é, não seria correto afirmar que o uso de AF causa maior ocorrência de default. Os resultados anteriores indicam que a AF é usada como um mecanismo de seleção de tomadores, sendo usada para tomadores mais opacos (e possivelmente mais arriscados). Assim, o nosso modelo da equação (3) possivelmente tem uma variável omitida (qualidade creditícia do tomador). O uso de AF está associado a uma pior qualidade creditícia que, por sua vez, é o que causa o aumento de inadimplência.

Repetimos as estimações da Tabela 7, usando um modelo Logit. As inferências são qualitativamente similares ao reportado na Tabela 7. A especificação utilizada adotou todos os controles que variavam no tempo (ver vetores Ε e T, na Equação 1), porém sem o uso de efeitos fixos por não possuírem a mesma interpretação que os modelos lineares. Os resultados indicam que a AF apresenta uma probabilidade de default de 4,4%, contra 1,7% do PR e 3% da HR. Adicionalmente, reestimamos os modelos das Tabelas 5, 6 e 7 usando também as observações dos estados que haviam sido excluídos dos testes principais. Todas as inferências se mantêm com essa amostra. Os resultados dos testes desta seção não são reportados por questão de espaço e estão disponíveis sob requisição.

CONCLUSÃO

O presente estudo investiga o papel das garantias na concessão de crédito ao produtor rural no Brasil, usando uma base de dados inédita fornecida por um grande banco. Nossos resultados são consistentes com a hipótese central de que modalidades jurídicas de empréstimos que possibilitem que garantias sejam retomadas de maneira mais eficiente permitem o acesso a crédito por tomadores mais opacos. Mais especificamente, a AF está associada com o acesso ao crédito por tomadores com menos de um ano de relacionamento bancário e é menos provável de ser usada à medida que o relacionamento bancário aumenta. Em adição, nossos resultados são consistentes com nossa segunda hipótese, ou seja, o efeito é maior em estados onde a presença do banco é menor, indicando que a assimetria de informação pode ser advinda não só de um menor relacionamento com o tomador em si, mas também devido a uma menor interação do banco com outros produtores rurais da mesma região.

No entanto, o acesso não se traduz em melhores condições de crédito para esses tomadores, visto que a AF só apresenta efeito na redução das taxas de juros, no aumento do prazo de carência e do valor emprestado para clientes com maior tempo de relacionamento bancário. Por fim, encontramos que o aumento do acesso também implica o aumento de inadimplência, uma vez que esse tipo de garantia permite que o banco tome mais riscos ao emprestar para clientes mais opacos.

Este estudo contribui para o ramo da literatura que busca compreender os efeitos que as garantias mais eficientes apresentam no acesso, nas condições e no desfecho das operações de crédito. Mais especificamente, contribuímos para a literatura que analisa crédito rural (e o crédito produtivo a pequenos empreendedores em geral), um tópico importante em muitos países emergentes. Nosso artigo mostra que a existência de contratos que permitam a retomada mais rápida e eficiente de garantias pode aumentar o acesso ao crédito produtivo, consistente com a literatura internacional e com a literatura que investiga o acesso ao crédito ao consumo no Brasil. Do ponto de vista de políticas públicas, nossos resultados sugerem que reformas que deem ao credor uma maior capacidade de retomar garantias pode ampliar o acesso ao crédito, em especial àqueles tomadores com maior dificuldade de acesso a financiamentos.

Este é o primeiro estudo a utilizar uma base de dados proprietária de crédito rural para esse fim. Reforçamos que, apesar da desvantagem da impossibilidade de replicação dos dados por motivos legais, o uso desses dados traz a vantagem de poder contribuir para a literatura acadêmica, com resultados que até então estariam restritos ao público interno do Banco. Não obstante, como em qualquer estudo feito com uma única empresa, deve-se ser cuidadoso quanto à validade externa dos resultados. Qualquer generalização passaria pelo pressuposto de que o banco em questão é representativo do mercado de crédito ao produtor rural no Brasil e no mundo. Mesmo não sendo possível verificar esse pressuposto, entendemos que as inferências deste artigo podem ser úteis para os formuladores de políticas públicas, produtores rurais e gestores de crédito.

REFERÊNCIAS

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Editado por

Editora Associado: Elizabeth Krauter

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    21 Dez 2021
  • Aceito
    29 Nov 2022
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