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GESTÃO DOS PRAZOS DA DÍVIDA CORPORATIVA: UM OLHAR PARA AS EMPRESAS DE CAPITAL ABERTO NO BRASIL

RESUMO

Este estudo investiga a estrutura de vencimento da dívida de 275 empresas abertas não financeiras brasileiras de 2010 a 2019. Os resultados mostram que essas empresas não dispersam seus vencimentos de dívida na renovação, ao contrário do observado por Choi et al. (2018)Choi, J., Hackbarth, D., & Zechner, J. (2018). Corporate debt maturity profiles. Journal of Financial Economics, 130(3), 484-502. https://doi.org/10.1016/j.jfineco.2018.07.009
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para empresas dos Estados Unidos. Mesmo após o choque de rolagem da dívida depois da perda do grau de investimento da dívida soberana brasileira em 2015, essas empresas não aumentaram a dispersão de vencimentos. Ao utilizar a perda do grau de investimento do Brasil como um "experimento quase-natural" no modelo de choque de crédito, o presente estudo avalia a gestão da dívida corporativa. Os resultados indicam que as empresas brasileiras podem enfrentar consideráveis riscos de rolagem da dívida devido à concentração de vencimentos em faixas específicas durante futuros choques de crédito. O controle adequado das estruturas de financiamento é crucial para garantir que as empresas permaneçam resilientes e não precisem recusar investimentos lucrativos ou ativos de alta qualidade durante crises financeiras. Esta pesquisa tem implicações significativas para a prática corporativa e os riscos associados ao financiamento de projetos lucrativos, particularmente em países com mercados de capitais menos eficientes.

Palavras-chave:
Estrutura de capital; gerenciamento do perfil da dívida; risco de rolagem; quase-experimento; política monetária

ABSTRACT

This study investigates the maturity structure of listed non-financial Brazilian companies from 2010 to 2019 and reveals that these companies do not spread their debt maturities upon renewal, unlike the results observed by Choi et al. (2018)Choi, J., Hackbarth, D., & Zechner, J. (2018). Corporate debt maturity profiles. Journal of Financial Economics, 130(3), 484-502. https://doi.org/10.1016/j.jfineco.2018.07.009
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for US firms. Even after the rollover shock in 2015 where the Brazilian sovereign debt’s investment were downgraded, these firms did not increase the maturity spread of their debt. In addition, the research evaluated corporate debt management by utilizing Brazil’s downgrade as a “quasi-natural experiment” in the exogenous shock model. The results indicate that Brazilian companies may face considerable debt rollover risks due to the concentration of maturities in specific maturity ranges during future credit shocks. Proper control of financing structures is crucial to ensure that companies remain resilient and do not have to turn down profitable investments or high-quality assets during financial crises. This research has significant implications for corporate practice and the associated risks of financing profitable projects, particularly in countries with less efficient capital markets.

Keywords:
Capital structure; debt profile management; rollover risk; quasi-natural experiment; monetary policy

RESUMEN

Este estudio investiga la estructura de vencimientos de la deuda de 275 empresas brasileñas no financieras que cotizan en bolsa desde 2010 hasta 2019. Los hallazgos revelan que estas empresas no distribuyen los vencimientos de sus deudas al renovarlas, a diferencia de lo observado por Choi et al. (2018)Choi, J., Hackbarth, D., & Zechner, J. (2018). Corporate debt maturity profiles. Journal of Financial Economics, 130(3), 484-502. https://doi.org/10.1016/j.jfineco.2018.07.009
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en empresas estadounidenses. Incluso después del shock de refinanciación tras la pérdida de la calificación de inversión de la deuda soberana brasileña en 2015, estas empresas no aumentaron la distribución de vencimientos de su deuda. Al utilizar la pérdida de la calificación de inversión de Brasil como un "experimento cuasi natural" en el modelo de shock exógeno, los autores evalúan la gestión de la deuda corporativa. Los resultados indican que las empresas brasileñas pueden enfrentar considerables riesgos de refinanciación de deuda debido a la concentración de vencimientos en rangos de madurez específicos durante futuros shocks de crédito. El control adecuado de las estructuras de financiamiento es crucial para asegurar que las empresas sigan siendo resilientes y no tengan que rechazar inversiones rentables o activos de alta calidad durante las crisis financieras. Esta investigación tiene implicaciones significativas para la práctica corporativa y los riesgos asociados a la financiación de proyectos rentables, especialmente en países con mercados de capital menos eficientes

Palabras clave:
Estructura de capital; gestión del perfil de la deuda; riesgo de refinanciación; cuasi-experimento; política monetaria

INTRODUÇÃO

A estrutura de vencimentos da dívida das empresas tem sido largamente estudada na literatura. Hart e Moore (1994)Hart, O., & Moore, J. (1994). A theory of debt based on the inalienability of human capital. The Quarterly Journal of Economics, 109(4), 841-879. https://doi.org/10.2307/2118350
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destacam que empresas com mais ativos fixos tendem a adotar financiamentos de mais longo prazo. Já Diamond (1991)Diamond, D. W. (1991). Debt maturity structure and liquidity risk. The Quarterly Journal of Economics, 106(3), 709-737. https://doi.org/10.2307/2937924
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mostra que empresas com melhor grau de investimento emitem dívidas de curto e longo prazo, empresas com grau médio emitem dívidas de mais longo prazo, e aquelas com um baixo grau de investimento tomam crédito quase exclusivamente de bancos e apenas no curto prazo. Empresas maiores, com menos oportunidades de crescimento ou que operam em mercados regulados tendem a ampliar dívidas de longo prazo (Barclay & Smith, 1995Barclay, M., & Smith, C. (1995). The maturity structure of corporate debt. The Journal of Finance, 50(2), 609-631. http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1540-6261.1995.tb04797.x/abstract
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), e seus CFOs escolhem diferentes perfis de vencimento da dívida para mitigar o risco de rolagem, evitando sua alta concentração em uma única data (Servaes & Tufano, 2006). Empresas com dificuldades em renovar valores expressivos de sua dívida podem ter que abandonar projetos rentáveis e até mesmo se desfazer de ativos mais rapidamente por valores mais baixos, levando a ineficiência do mercado (Almeida et al., 2011Almeida, H., Campello, M., & Laranjeira, B. (2011). Corporate debt maturity and the real effects of the 2007 credit crisis. Critical Finance Review, 1, 3-58. https://doi.org/10.1561/103.00000001
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).

Choi et al. (2018)Choi, J., Hackbarth, D., & Zechner, J. (2018). Corporate debt maturity profiles. Journal of Financial Economics, 130(3), 484-502. https://doi.org/10.1016/j.jfineco.2018.07.009
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documentam que as empresas americanas buscam aumentar a dispersão de seus vencimentos, principalmente após um choque exógeno no risco de rolagem de crédito. O presente estudo examina o perfil de vencimento da dívida de empresas brasileiras não financeiras de capital aberto, considerando o período entre 2010 e 2019. Verificamos que essas empresas não aumentam a dispersão de seus vencimentos na renovação da dívida, mesmo após o choque de rolagem que se seguiu à perda de grau de investimento da dívida soberana brasileira em 2015. Nossos resultados sugerem que as empresas podem não conseguir refinanciar dívidas vencidas externamente e, portanto, precisam liquidar ativos de forma ineficiente ou abrir mão de oportunidades de investimento lucrativas, conforme destacado por Almeida et al. (2011)Almeida, H., Campello, M., & Laranjeira, B. (2011). Corporate debt maturity and the real effects of the 2007 credit crisis. Critical Finance Review, 1, 3-58. https://doi.org/10.1561/103.00000001
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, que observou também que além das implicações diretas sobre o nível de investimento, o refinanciamento da dívida em condições desfavoráveis que ocorreu por meio de choques de mercado também pode impactar o valor de mercado das empresas.

Avaliamos o modelo de gestão do perfil da dívida utilizando seus dados por faixa de vencimento, ponderada pelo total de ativos em toda a amostra. Estimamos as razões entre a nova dívida emitida e as frações de dívida em aberto em cada um dos prazos de vencimento existentes para uma avaliação das empresas entre os anos de 2010 e 2019, por meio de regressões dinâmicas de dados em painel. Encontramos uma alta aderência dos prazos das novas emissões com os prazos das existentes. Também observamos grandes montantes de dívida vencendo nos dois primeiros anos, resultado previamente documentado por Fan et al. (2012)Fan, J. P. H., Titman, S., & Twite, G. (2012). An international comparison of capital structure and debt maturity choices. Journal of Financial and Quantitative Analysis, 47(1), 23-56. https://doi.org/10.1017/S0022109011000597
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para países emergentes e ainda em consonância, segundo Lazzarini et al. (2015)Lazzarini, S. G., Musacchio, A., Bandeira-de-Mello, R., & Marcon, R. (2015). What do state-owned development banks do? Evidence from BNDES, 2002-09. World Development, 66, 237-253. https://doi.org/10.1016/j.worlddev.2014.08.016
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, com a imaturidade e subdesenvolvimento do mercado de dívida de longo prazo nessas regiões. Avaliamos a gestão da dívida corporativa usando o modelo de choque exógeno, onde a perda do grau de investimento do Brasil ocorrida em Setembro de 2015 é considerada como um “experimento quase-natural”.

Aproveitamos a descontinuidade provocada pelo choque na demanda por ações de empresas brasileiras no exterior e avaliamos a gestão de seu endividamento comparando um ano antes e um ano depois do evento, ou seja, os anos de 2014 e 2016. Escolhemos as empresas com uma fração de 30% ou mais de sua dívida vencendo dentro de um ano após o choque como grupo de tratamento, comparando com não tratadas e formando um grupo de controle (empresas com uma parcela menor vencendo dentro de um ano). Nossos resultados sugerem que as empresas brasileiras aparentemente não administram com eficiência a dispersão de seu endividamento. Nossos achados divergem dos de Choi et al. (2018)Choi, J., Hackbarth, D., & Zechner, J. (2018). Corporate debt maturity profiles. Journal of Financial Economics, 130(3), 484-502. https://doi.org/10.1016/j.jfineco.2018.07.009
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e exibem resiliência a variações no delineamento da coorte de tratamento.

Nosso estudo traz implicações relevantes para a política financeira corporativa no Brasil, particularmente aos riscos de financiamento de projetos lucrativos devido à ameaça de rolagem da dívida. Até onde sabemos, trata-se de um estudo inédito ao abordar uma importante dimensão do perfil da dívida das empresas brasileiras, especificamente na granularidade das faixas de vencimento. Estudos anteriores como Barclay e Smith (1995)Barclay, M., & Smith, C. (1995). The maturity structure of corporate debt. The Journal of Finance, 50(2), 609-631. http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1540-6261.1995.tb04797.x/abstract
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, Guedes e Opler (1996)Guedes, J., & Opler, T. I. M. (1996). The determinants of the maturity of corporate debt issues. The Journal of Finance, 51(5), 1809-1833. https://doi.org/10.1111/j.1540-6261.1996.tb05227.x
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e Perobelli e Famá (2002)Perobelli, F. F. C., & Famá, R. (2002). Determinantes da estrutura de capital: Aplicação a empresas de capital aberto brasileiras. Revista de Administração da Universidade de São Paulo, 37(3), 33-46. http://www.spell.org.br/documentos/ver/16659/determinantes-da-estrutura-de-capital--aplicacao-a-empresas-de-capital-aberto-brasileiras/i/pt-br
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focaram apenas em dívidas de curto e longo prazos. Nossos resultados são robustos e contrastam com os de Choi et al. (2018)Choi, J., Hackbarth, D., & Zechner, J. (2018). Corporate debt maturity profiles. Journal of Financial Economics, 130(3), 484-502. https://doi.org/10.1016/j.jfineco.2018.07.009
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e assim permanecem mesmo quando se altera a definição do grupo de tratamento.

Os resultados sugerem que as empresas brasileiras podem enfrentar riscos significativos de rolagem da dívida em choques de crédito futuros, devido à concentração de vencimentos em determinadas faixas. Mesmo empresas com baixos níveis de endividamento podem ser afetadas negativamente por esses eventos adversos. O controle eficiente da estrutura de financiamento torna as empresas robustas o suficiente para, em momentos de crise financeira, não serem forçadas a rejeitar bons investimentos ou ativos de alta qualidade.

O presente trabalho tem implicações significativas para a prática corporativa e aos riscos associados ao financiamento de projetos lucrativos. São implicações de relevância internacional, especialmente para países com mercados de capitais menos eficientes, onde as empresas podem enfrentar riscos semelhantes de rolagem da dívida.

REVISÃO DA LITERATURA

Desde Modigliani e Miller (1958)Modigliani, F., & Miller, M. (1958). The cost of capital, corporation finance and the theory of investment. The American Economic Review, 49(4), 655-669. http://www.jstor.org/stable/1809766
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, inúmeros estudos analisaram a estrutura de capital das empresas com o objetivo de determinar a composição ótima entre patrimônio e dívida. A dimensão dos vencimentos da dívida foi abordada por Guedes e Opler (1996)Guedes, J., & Opler, T. I. M. (1996). The determinants of the maturity of corporate debt issues. The Journal of Finance, 51(5), 1809-1833. https://doi.org/10.1111/j.1540-6261.1996.tb05227.x
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e Hart e Moore (1994Hart, O., & Moore, J. (1994). A theory of debt based on the inalienability of human capital. The Quarterly Journal of Economics, 109(4), 841-879. https://doi.org/10.2307/2118350
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, 1998Hart, O., & Moore, J. (1998). Default and renegotiation: A dynamic model of debt. The Quarterly Journal of Economics, 113(1), 1-41. https://doi.org/10.1162/003355398555496
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), que avaliaram a importância do alinhamento entre ativos e passivos (dívida) de uma empresa. Enquanto a dívida de longo prazo geralmente financia ativos fixos, como imóveis e máquinas, a dívida de curto prazo é usada para equilibrar o capital de giro das empresas. Os diferentes perfis e tipos de empresas também determinam a busca por dívidas de prazos mais curtos ou mais longos. Barclay e Smith (1995)Barclay, M., & Smith, C. (1995). The maturity structure of corporate debt. The Journal of Finance, 50(2), 609-631. http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1540-6261.1995.tb04797.x/abstract
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analisaram os determinantes do vencimento da dívida corporativa por meio de uma avaliação empírica nos Estados Unidos entre os anos de 1974 e 1992, concluindo que é válida a hipótese do custo de contratação, onde empresas grandes ou reguladas optam por dívidas de longo prazo, enquanto aquelas com mais oportunidades de crescimento, avaliadas pela proxy market-to-book, optam por emissões de curto prazo. Perobelli e Famá (2002)Perobelli, F. F. C., & Famá, R. (2002). Determinantes da estrutura de capital: Aplicação a empresas de capital aberto brasileiras. Revista de Administração da Universidade de São Paulo, 37(3), 33-46. http://www.spell.org.br/documentos/ver/16659/determinantes-da-estrutura-de-capital--aplicacao-a-empresas-de-capital-aberto-brasileiras/i/pt-br
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concluem que empresas brasileiras maiores são mais propensas a endividamento de longo prazo.

Choi et al. (2018)Choi, J., Hackbarth, D., & Zechner, J. (2018). Corporate debt maturity profiles. Journal of Financial Economics, 130(3), 484-502. https://doi.org/10.1016/j.jfineco.2018.07.009
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avançaram no debate sobre a estrutura de vencimento da dívida, analisando novas emissões de vencimento para empresas de capital aberto nos Estados Unidos entre os anos de 2002 e 2012. Eles descobriram que os vencimentos das novas emissões foram influenciados pelo perfil de endividamento existente, o que significa que as empresas evitam um perfil de vencimento das dívidas conhecido como “maturity towers” emitindo novas dívidas com vencimentos diferentes do perfil preexistente. O risco de rolagem ou refinanciamento da dívida é outro aspecto importante da literatura relacionada ao endividamento das empresas. Almeida et al. (2011)Almeida, H., Campello, M., & Laranjeira, B. (2011). Corporate debt maturity and the real effects of the 2007 credit crisis. Critical Finance Review, 1, 3-58. https://doi.org/10.1561/103.00000001
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concluíram que em comparação com empresas semelhantes, as com maior proporção de dívida de longo prazo vencendo no início da crise de 2007 nos Estados Unidos experimentaram uma queda mais significativa no investimento. Hu (2020)Hu, G. X. (2020). Rollover risk and credit spreads in the financial crisis of 2008. The Journal of Finance and Data Science, 6, 1-15. https://doi.org/10.1016/j.jfds.2020.06.001
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identificou um aumento no risco de refinanciamento durante o pico da mesma crise econômica. Paula e Faria (2012) observam que o mercado corporativo de dívida privada no Brasil foi influenciado pelo ambiente macroinstitucional, que produziu efeitos na própria emissão de dívida. Essa instabilidade implica em uma parcela significativa de perfil de dívida de curto prazo, composta por títulos atrelados à taxa Selic e ao DI (Depósito Interbancário). Assim, é possível que aspectos macroeconômicos produzam efeitos substanciais na própria emissão de dívida e possam influenciar a análise dos dados para o período do estudo realizado, contribuindo para explicar possíveis resultados diferentes dos encontrados por Choi et al. (2018)Choi, J., Hackbarth, D., & Zechner, J. (2018). Corporate debt maturity profiles. Journal of Financial Economics, 130(3), 484-502. https://doi.org/10.1016/j.jfineco.2018.07.009
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.

Para abranger as questões acima, este estudo examina o impacto do rebaixamento do rating do Brasil como um choque externo em empresas com maiores proporções de dívida de curto prazo em comparação com as empresas com dívidas de longo prazo. O rebaixamento forçou essas empresas a rolar suas dívidas no curto prazo, resultando em diferentes impactos entre elas. O anúncio de um rebaixamento também pode desencadear a venda forçada de ativos de risco por grandes investidores corporativos, como fundos de pensão (Freitas & Minardi, 2013Freitas, A. D. P. N., & Minardi, A. M. A. F. (2013). The impact of credit rating changes in Latin American stock markets. BAR-Brazilian Administration Review, 10, 439-461. https://doi.org/10.1590/S1807-76922013000400005
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). Esse efeito é exacerbado em mercados emergentes como o Brasil, onde os títulos são altamente dependentes do comportamento dos mercados de ações e de dívida corporativa (bonds). Além disso, o momento de tais anúncios geralmente não é antecipado até uma ou duas semanas antes de serem feitos (Afonso et al., 2012Afonso, A., Furceri, D., & Gomes, P. (2012). Sovereign credit ratings and financial markets linkages: Application to European data. Journal of International Money and Finance, 31(3), 606-638. https://doi.org/10.1016/j.jimonfin.2012.01.016
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). Finalmente, o rebaixamento da classificação de risco de crédito de um país gera maior volatilidade no mercado de ações e no mercado de bonds, tendo como referência a dívida soberana (Dittmar & Yuan, 2008Dittmar, R. F., & Yuan, K. (2008). Do sovereign bonds benefit corporate bonds in emerging markets? Review of Financial Studies, 21(5), 1983-2014. https://doi.org/10.1093/rfs/hhn015
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). O rebaixamento dos ratings de um país tem implicações no fluxo e custo de capital, bem como na disponibilidade de crédito, de acordo com estudos anteriores sobre revisões de ratings soberanos (Chen et al., 2016Chen, S.-S., Chen, H.-Y., Chang, C.-C., & Yang, S.-L. (2016). The relation between sovereign credit rating revisions and economic growth. Journal of Banking & Finance, 64, 90-100. https://doi.org/10.1016/j.jbankfin.2015.10.012
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).

Semelhante ao estudo de Franzotti e Valle (2020)Franzotti, T. D. A., & Valle, M. R. D. (2020). Impacto de crises sobre investimentos e financiamentos de empresas brasileiras: Abordagem no contexto de restrições financeiras. Brazilian Business Review, 17(2), 233-252. https://doi.org/10.11606/d.96.2018.tde-01102018-112027
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que examinou um choque e o consequente comportamento das empresas na gestão do financiamento, este estudo tem como objetivo avaliar o impacto nas empresas com e sem restrições financeiras no Brasil. No entanto, os autores citados avaliam mais diretamente o impacto da crise de 2008 na alavancagem de curto prazo das empresas restritas. Hu (2020)Hu, G. X. (2020). Rollover risk and credit spreads in the financial crisis of 2008. The Journal of Finance and Data Science, 6, 1-15. https://doi.org/10.1016/j.jfds.2020.06.001
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e Almeida et al. (2011)Almeida, H., Campello, M., & Laranjeira, B. (2011). Corporate debt maturity and the real effects of the 2007 credit crisis. Critical Finance Review, 1, 3-58. https://doi.org/10.1561/103.00000001
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argumentam que o risco de rolagem da dívida é um fator crítico em períodos de choques econômicos, levando à construção de uma carteira de dívida mais dispersa ao longo do tempo, ancorada nos menores custos atrelados à emissão de dívida. Eles observam que a dispersão marginal das emissões de títulos em dólares norte-americanos na década de 1990 apresentou uma tendência de aumento ao longo do tempo. Na mesma linha, mas sob o prisma da falta de liquidez nos mercados secundários devido à fragmentação dos papéis, Lybek e Sarr (2002)Lybek, T., & Sarr, A. (2002). Measuring liquidity in financial markets. IMF Working Papers, 2(232), 1. https://doi.org/10.5089/9781451875577.001
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indicam que os participantes do mercado associam a liquidez ao alto volume disponível para negociação, sem afetar o preço.

No caso brasileiro, Giacomoni e Sheng (2013)Giacomoni, B. H., & Sheng, H. H. (2013). O impacto da liquidez nos retornos esperados das debêntures brasileiras. Revista de Administração, 48(1), 80-97. https://doi.org/10.5700/rausp1075
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e Almeida e Bazilio (2015)Almeida, C. A. de, & Bazilio, J. K. (2015). Liquidez do mercado secundário de debêntures: Dinâmica recente, fatores determinantes e iniciativas. Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. demonstram que o mercado secundário de debêntures ainda é pequeno e pouco desenvolvido, abaixo do patamar dos títulos soberanos, mostrando assim que este pode ser um fator menos preocupante para as empresas nas emissões realizadas no Brasil uma vez que, como demonstrado em análises realizadas ao longo das primeiras décadas do século XXI, a condição de falta de liquidez é inerente à atual estrutura de mercado. O resultado dos autores brasileiros é consistente com Fan et al. (2012)Fan, J. P. H., Titman, S., & Twite, G. (2012). An international comparison of capital structure and debt maturity choices. Journal of Financial and Quantitative Analysis, 47(1), 23-56. https://doi.org/10.1017/S0022109011000597
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, que constataram em estudo sobre estruturas de capital analisando 39 países, que empresas em países com maior participação de títulos soberanos possuem dívidas alocadas mais no curto prazo, indicando que os títulos públicos tendem a repelir dívidas corporativas de longo prazo.

Franzotti et al. (2021)Franzotti, T. D. A., Magnani, V. M., Ambrozini, M. A., & Valle, M. R. (2021). Financiamento de empresas brasileiras durante crises: Comparativo entre as crises de 2002, 2008 e 2015. Revista de Administração Mackenzie, 22(1), 1-36. https://doi.org/10.1590/1678-6971/eRAMF210154
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analisam a estrutura de capital e o vencimento das dívidas das empresas brasileiras durante as crises dos anos de 2002, 2008 e 2015. Eles concluíram que nesses períodos de crise as empresas brasileiras reduziram o endividamento de longo prazo e aumentaram o de curto prazo. No entanto, os autores trabalharam com os números da dívida total, enquanto este artigo decompõe a dívida por período anual, do primeiro ao sexto ano de vencimento e com vencimento a partir de sete anos, contribuição ainda não encontrada na literatura para o caso de empresas brasileiras. Outro fator que diferencia o contexto brasileiro do mercado norte-americano são os financiamentos realizados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Apesar da finalidade básica do BNDES - ser uma instituição financeira mantida pelo governo voltada principalmente para o fornecimento de capital de longo prazo para a indústria - Lazzarini et al. (2015)Lazzarini, S. G., Musacchio, A., Bandeira-de-Mello, R., & Marcon, R. (2015). What do state-owned development banks do? Evidence from BNDES, 2002-09. World Development, 66, 237-253. https://doi.org/10.1016/j.worlddev.2014.08.016
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concluem em seu estudo com empresas de capital aberto entre os anos de 2002 e 2009 que o BNDES subsidia organizações que poderiam ser financiadas por outras fontes de capital. A segmentação de empresas realizada pelo banco cria seletividade, deixando as operações de maior risco para o setor privado, o que de certa forma inibe a formação de um mercado privado de longo prazo. Embora os financiamentos do BNDES no mercado brasileiro venham diminuindo desde 2015, segundo a Comissão de Valores Mobiliários (CVM, 2019), sua atuação influenciou e impactou não só o perfil da dívida das empresas, mas também o mercado de crédito local em geral, principalmente após a fim da TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo) em 2018. Ao mesmo tempo, a oferta de crédito de longo prazo é fomentada pela expansão das captações privadas via emissão de títulos (Aparecida et al., 2021).

Tarantin e Valle (2015) argumentam que o advento da Instrução CVM n. 476/2009 possibilitou que grandes empresas brasileiras listadas na B3 (então BM & FBOVESPA) tivessem acesso a um mercado de capitais local de longo prazo, tornando o endividamento do BNDES uma composição de prazo intermediário.

Além disso, a adoção das Normas Internacionais de Relatórios Financeiros (IFRS) no Brasil teve implicações significativas para a estrutura dos contratos de dívida e cláusulas financeiras. Beiruth et al. (2017)Beiruth, A. X., Fávero, L. P. L., Murcia, F. D. R., Almeida, J. E. F. de, & Brugni, T. (2017, September). Structural changes in covenants through the adoption of IFRS in Brazil. Accounting Forum (Vol. 41, No. 3, pp. 147-160). https://doi.org/10.1016/j.accfor.2017.06.004
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constatam que após a adoção do IFRS, as empresas aumentaram o número de cláusulas restritivas (covenants). Além disso, Silva et al. (2013)Silva, V. A. B., Saito, R., & Barbi, F. C. (2013). The role of bond covenants and short-term debt: evidence from Brazil. BAR-Brazilian Administration Review, 10 (3), 323-346. https://doi.org/10.1590/S1807-76922013000300006
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sugerem que os covenants financeiros e a dívida de curto prazo atuam como substitutos para minimizar os conflitos de agência. Empresas com oportunidades de crescimento podem trocar dívidas de curto prazo por de longo prazo mediante a presença de covenants, sem prejudicar suas opções de financiamento. Konraht e Soares (2020)Konraht, J. M., & Soares, R. O. (2020). The double role of financial covenants in bond issues in Brazil. Revista Brasileira de Gestão de Negócios, 22, 183-199. https://doi.org/10.7819/rbgn.v22i1.4041
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destacam os papéis complementares e substitutivos desempenhados pelos covenants financeiros nas emissões de títulos no Brasil, dependendo se o emissor ou garantidor é o responsável pelo cumprimento das cláusulas restritivas. Além disso, Funchal e Monte-Mor (2016)Funchal, B., & Monte-Mor, D. S. (2016). Corporate governance and credit access in Brazil: The Sarbanes-Oxley act as a natural experiment. Corporate Governance: An International Review, 24(5), 528-547. https://doi.org/10.1111/corg.12151
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demonstram o efeito positivo de leis e regulamentos, como a Lei Sarbanes-Oxley, no acesso das empresas ao mercado de crédito, reduzindo o custo da dívida e aumentando a dívida total por meio de empréstimos de longo prazo e dívida privada.

A reforma da lei de falências no Brasil no ano de 2005 e recentemente em 2021 também impactou o mercado de crédito. Martins (2020)Martins, H. C. (2020). The Brazilian bankruptcy law reform, corporate ownership concentration, and risk-taking. Managerial and Decision Economics, 41(4), 562-573. https://doi.org/10.1002/mde.3120
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constatou que a reforma dessa lei aumentou a proteção dos credores e levou a uma diminuição na assunção de riscos por empresas com estruturas de propriedade concentradas. Rosa et al. (2022)Rosa, J. de, Luis, J., & Costa, M. de V. (2022). Reorganisation asset sale under Brazil's amended Bankruptcy Law. Insolvency & Restructuring International, 16(1),21-24. https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=edb&AN=157116947⟨=pt-br&site=eds-live&scope=site
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analisaram o impacto da alteração da lei de falências do Brasil e concluíram que esta tornou a venda de ativos de empresas em recuperação judicial mais atraente para investidores estrangeiros. Silva e Saito (2020)Silva, V. A. B., & Saito, R. (2020). Corporate financial distress and reorganization: A survey of theoretical and empirical contributions. Revista Brasileira de Gestão de Negócios, 22, 401-420. https://doi.org/10.7819/rbgn.v22i0.4057
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realizaram um levantamento da literatura sobre falência e recuperação, e concluíram que a assimetria de informação, problemas de coordenação e heterogeneidade entre credores são fundamentais para a resolução de dificuldades financeiras. Zeidan (2020)Zeidan, R. (2020). Why is bank credit in Brazil the most expensive in the world? Brazilian Review of Finance, 18(4), 1-22. https://doi.org/10.12660/rbfin.v18n4.2020.81507
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revisou a literatura sobre os determinantes da dispersão de crédito no Brasil e argumentou que a maior concentração de mercado faz parte de uma estratégia bem definida do Banco Central do Brasil, que privilegia a prudência sobre a eficiência.

METODOLOGIA

O estudo analisou uma amostra de empresas brasileiras de capital aberto, examinando dados dos anos fiscais de 2010 até 2019. Os dados foram obtidos da Capital IQ (S&P), que obtém suas informações de autoridades reguladoras do mercado de capitais, como a Securities Commission e a CVM (Comissão de Valores Imobiliários) do Brasil. Categorizamos então as empresas com base nesses dados e no Padrão de Classificação Global da Indústria desenvolvido pela Morgan Stanley Capital Information (MSCI). Excluímos da amostra as empresas classificadas como “setor financeiro” dadas as suas peculiaridades e regulamentações específicas no sistema financeiro nacional.

Para avaliar o rating de longo prazo em escala global da S&P, Moody’s e Fitch para o período de análise, utilizamos dados extraídos da Bloomberg no modelo de choque. Procedemos desta forma pela limitação de informações disponíveis na plataforma Capital IQ. Para padronizar e avaliar mudanças na classificação dentro da amostra, ordenamos e dimensionamos os ratings das agências de forma unitária. As variações entre os períodos foram obtidas por meio de avaliações anuais e as empresas sem avaliações de rating no período receberam variação de inexistência.

O modelo de gestão do perfil da dívida utilizado neste estudo consistiu em 2.509 observações empresa-ano no período compreendido entre os anos de 2010 a 2019. Já o modelo de choque considerou apenas o intervalo de um ano antes e um após o evento, ou seja, o rebaixamento do rating do Brasil em setembro de 2015. Assim, o conjunto contém dados compreendidos entre os anos de 2014 e 2016, composto por 813 observações empresa-ano.

Dada a importância de analisar o efeito direto das empresas que possuem dívidas com o BNDES no contexto brasileiro, entendemos como relevante a inclusão dessa segregação. No entanto, a categorização dos instrumentos de dívida no Capital IQ ou ferramentas similares não fornece essa informação diretamente, dificultando qualquer análise dessa natureza.

Descrição das variáveis

A variável de resposta para o modelo de gestão do perfil da dívida será a fração de novas dívidas emitidas por faixa temporal j, de cada empresa i e em cada ano t, sendo assim descrita como Iitj , onde tal métrica será ponderada pelo total de ativos da empresa. O intervalo de tempo j representa um intervalo de vencimento anual (1≤ j ≤ 6), sendo que o último intervalo de emissões de vencimento representa j ≥ 7 anos. A emissão de novas dívidas é um componente divulgado pelas empresas de capital aberto quando da publicação de seus balanços, permitindo assim, de forma factível, uma adequada comparação ao longo do tempo.

Por sua vez, a variável independente do modelo em questão será o perfil de endividamento existente em cada empresa no momento da emissão de novas dívidas, onde, de forma equivalente, será dado por mitj, ou seja, a proporção de dívida ativa por faixa de tempo j, de cada empresa i e em cada ano t. Da mesma forma, a variável será ponderada pelo total de ativos da empresa auferidos no mesmo período.

Assim, o intervalo de tempo j será uma medida de variação anual (1 ano ≤ j ≤ 6 anos) e j ≥ 7 para o último intervalo de tempo. Então, tal métrica abrangerá tanto o perfil da dívida pré-existente, medida pela variável mitj, como a emissão de nova dívida Iitj.

Como segundo objetivo, a variável resposta busca entender se houve aumento na dispersão da dívida (Di,t) usando como modelo de choque o “experimento quase-natural” ocorrido (rebaixamento do rating do Brasil em setembro de 2015) e comparando os grupos de tratamento e controle. As métricas de dispersão da dívida foram baseadas na metodologia realizada por Choi et al. (2018)Choi, J., Hackbarth, D., & Zechner, J. (2018). Corporate debt maturity profiles. Journal of Financial Economics, 130(3), 484-502. https://doi.org/10.1016/j.jfineco.2018.07.009
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.

O cálculo da dispersão da dívida foi baseado no inverso do índice de Herfindahl-Hirshman (IHH), que é uma medida de concentração:

(1) D j = 1 I H H j ,

onde IHHj=i(wi)2 e wi=xiixi representa a proporção de vencimento da dívida em cada faixa de tempo.

Portanto, se uma empresa possui n vencimentos de dívida com pesos equivalentes para cada período, o IHHj=1/n e a medida de dispersão da dívida é D = n.

As principais variáveis independentes para o modelo em questão são (a) uma variável dummy “evento” que será igual a 1 (um) se o período for após a perda do grau de investimento em Setembro de 2015, e 0 (zero) caso contrário e (b) “tratamento”, uma variável dummy não correlacionada com o fator tempo para empresas que possuem mais de 30% de títulos de dívida com vencimento no primeiro ano após o choque, ou seja, a partir de setembro de 2015.

No mercado americano, Choi et al. (2018)Choi, J., Hackbarth, D., & Zechner, J. (2018). Corporate debt maturity profiles. Journal of Financial Economics, 130(3), 484-502. https://doi.org/10.1016/j.jfineco.2018.07.009
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utilizam o percentual de 5% para a mesma métrica. Essa mudança se deve às diferenças de tamanho de mercado entre os países, conforme indicado pela CVM (2019), em que os Estados Unidos possuem um índice de endividamento privado sob o PIB 3,2 vezes maior que o nível brasileiro e que a concentração da dívida das empresas brasileiras no curto prazo. No entanto, Silva e Valle (2008)Silva, A. de F., & Valle, M. R. do. (2008). Análise da estrutura de endividamento: Um estudo comparativo entre empresas brasileiras e americanas. Revista de Administração Contemporânea, 12(1), 201-229. https://doi.org/10.1590/s1415-65552008000100010
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, ao analisar a evolução do endividamento de empresas brasileiras e americanas de diferentes setores na virada dos anos 2000, observaram que no ano de 2003, último ano de avaliação e, portanto, mais próximo do presente estudo de Choi et al. (2018)Choi, J., Hackbarth, D., & Zechner, J. (2018). Corporate debt maturity profiles. Journal of Financial Economics, 130(3), 484-502. https://doi.org/10.1016/j.jfineco.2018.07.009
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, que a proporção de dívida de curto prazo das empresas brasileiras era cerca de 4 vezes maior que a das americanas. Por fim, o fato de as empresas contabilizarem o serviço da dívida no curto prazo e a referência de juros local medida pela taxa SELIC diária aumentou mais de 5% a.a., ficando em 8,2% a.a. em 2013 para 14,0% a.a. em 2016, sustentam o crescimento dessa métrica, onde os ativos de renda fixa por si só já apresentam uma tendência natural de maior volume.

Também consideramos uma variável dummy “rebaixamento” para capturar o possível impacto da queda da classificação de risco das empresas após o evento. A inclusão da variável “rebaixamento”, que é uma revisão negativa do score de crédito, encontra respaldo na literatura através dos estudos de Barclay e Smith (1995)Barclay, M., & Smith, C. (1995). The maturity structure of corporate debt. The Journal of Finance, 50(2), 609-631. http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1540-6261.1995.tb04797.x/abstract
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e Guedes e Opler (1996)Guedes, J., & Opler, T. I. M. (1996). The determinants of the maturity of corporate debt issues. The Journal of Finance, 51(5), 1809-1833. https://doi.org/10.1111/j.1540-6261.1996.tb05227.x
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, que consideram aspectos de qualidade da empresa e risco de crédito como fatores que influenciam o prazo da dívida. Vale ressaltar que, segundo S&P General Criteria: Country Risk Assessment Methodology and Assumptions (2013), o rating soberano não significa um limite máximo de rating para empresas, pois “um default soberano não implica que todas as entidades do país entrarão em default”.

Além da variável de resposta descrita acima, o modelo de choque possui variáveis de controle semelhantes às propostas por Choi et al. (2018)Choi, J., Hackbarth, D., & Zechner, J. (2018). Corporate debt maturity profiles. Journal of Financial Economics, 130(3), 484-502. https://doi.org/10.1016/j.jfineco.2018.07.009
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, a fim de avaliar a capacidade de comparação entre os grupos de tratamento e controle. Tais variáveis vão desde parâmetros ligados ao endividamento líquido das empresas, como dívida total (DT: relação dívida total sobre ativo total), caixa (Caixa: relação entre caixa e equivalentes de caixa e aplicações financeiras de curto prazo sobre o ativo total), a percentagem de instrumentos de dívida como obrigações (BondPct: proporção da dívida classificada como obrigações em relação à dívida total) e relacionamento bancário bilateral (TLPct: proporção da dívida classificada como empréstimo a prazo em relação à dívida total) e perfil da dívida ativa (Ndiv: contagem dos diferentes números de vencimentos existentes para a dívida pendente, variando de 0 a 7), bem como características gerais relacionadas à eficiência como o valor da empresa (MtB: market-to-book ratio que considera a relação entre capitalização de mercado, ou seja, valor de mercado da empresa, em relação ao valor contábil, ou seja, patrimônio líquido), tamanho (TAM: logarítmico natural do ativo total), alavancagem (DLE: relação dívida líquida sobre EBITDA, conforme disponível diretamente no Capital IQ), lucro (Lucratividade: proporção do lucro operacional sobre o ativo total) e investimento em ativo fixo (CAPEX: relação entre o ativo fixo líquido, instalações e equipamentos (CAPEX) em relação ao ativo total).

Modelo econométrico

Para o modelo de gestão do perfil da dívida, seguimos a metodologia de Choi et al. (2018)Choi, J., Hackbarth, D., & Zechner, J. (2018). Corporate debt maturity profiles. Journal of Financial Economics, 130(3), 484-502. https://doi.org/10.1016/j.jfineco.2018.07.009
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e estimativas de regressões lineares em painel da emissão de dívida para cada período no vencimento “j”. A variável resposta representa a fração de novas dívidas em relação ao total de ativos no prazo de vencimento “j”. Ao mesmo tempo, as frações de dívida pendente em cada um dos prazos de vencimento existentes, em relação ao ativo total, são as variáveis independentes. Caso as empresas evitem a concentração de dívida na mesma faixa temporal, as novas emissões no período “j” devem estar negativamente relacionadas ao perfil de vencimento neste mesmo período. Consideramos, portanto, os efeitos fixos da empresa e do tempo na estimativa.

O modelo empírico é definido pela equação (2):

(2) I i t j = α 0 + α 1 m i t 1 + α 2 m i t 2 + α 3 m i t 3 + α 4 m i t 4 + α 5 m i t 5 + α 6 m i t 6 + α 7 m i t 7 + a i + b t + ε i t j

onde Iitj é a fração de novas emissões de dívida em relação ao ativo total para cada faixa de vencimento anual j (1≤ j ≤ 6), sendo que a última faixa de vencimento representa emissões j ≥ 7 anos, mitj é a proporção de dívidas vencidas em relação ao ativo total para cada período anual j (1≤ j ≤ 6), com a última faixa representando vencimentos de dívida j ≥ 7 anos, ai e bt representam o efeito não observado da empresa e do tempo e ɛi,t é o erro idiossincrático. Neste modelo, como o de Choi et al. (2018)Choi, J., Hackbarth, D., & Zechner, J. (2018). Corporate debt maturity profiles. Journal of Financial Economics, 130(3), 484-502. https://doi.org/10.1016/j.jfineco.2018.07.009
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, as características da empresa e do tempo são controladas usando efeitos fixos em regressão com dados em painel, que dão conta da heterogeneidade não observada das empresas.

Para o modelo de choque, consideramos a perda do grau de investimento do Brasil em setembro de 2015, medida pela agência de rating S&P como um “experimento quase-natural”. Dessa forma, o risco de rolagem da dívida decorrente do evento de rebaixamento do crédito gera um choque nas crenças das empresas, principalmente para aquelas que têm seu modelo de negócio mais ligado à economia local, como empresas de serviços e varejo. A partir da amostra total, identificamos o efeito causal do risco de rolagem da dívida corporativa utilizando empresas que possuíam em 2014 (antes do choque) mais de 30% (gatilho) da dívida vencendo no primeiro ano, formando assim o grupo de tratamento.

O grupo de controle é formado por observações não tratadas, abaixo do gatilho (30%) a ser considerado, pelo processo de “pareamento” ou pareamento com variáveis que podem afetar as opções de emissão e vencimento da dívida. Assim, cada uma das variáveis do grupo de tratamento será “pareada” (com substituição) com as variáveis não tratadas.

Então, avaliamos a gestão da dispersão da dívida corporativa para os dois grupos com intervalo de um ano antes e um ano depois do evento, entre os anos de 2014 e 2016. Estimamos um modelo Diferença-em-Diferenças (DID) usando um painel balanceado de regressão, com efeitos fixos de empresa, tempo e variáveis de controle.

O modelo empírico é dado pela equação (3):

(3) D i , t = α 0 + α 1 Event t . Treatment i + α 2 Event t + α 3 Treatment i + Controls + a i + b t + ε i , t

onde Di,t é a medida de dispersão da dívida, Eventot é uma variável dummy com valor igual a 1 (um) se o período for após a perda do grau de investimento em setembro de 2015, Tratamentoi tem valor igual a 1 (um) para empresas que possuem mais de 30% de títulos de dívida com vencimento no primeiro ano após 2014, ai e bt representam o efeito não observado da empresa e do tempo e ɛi,t é o erro idiossincrático.

Em seguida, analisaremos se diante de um aumento do risco de rolagem da dívida as empresas do grupo de tratamento respondem dispersando ainda mais sua estrutura de dívida ao longo do tempo. Caso isso ocorra, espera-se que α1 seja positivo.

RESULTADOS

A Tabela 1 sintetiza dados de 2.509 observações de 275 empresas, coletadas entre os anos de 2010 e 2019, e dados de 813 observações de 276 empresas, compondo o modelo de choque, que abrangem o período entre os anos de 2014 a 2016, sendo o ano de 2015 marcado pelo rebaixamento do rating do Brasil.

Tabela 1
Estatísticas descritivas das variáveis

O número de vencimentos existentes da dívida ativa (Ndiv) e o número de períodos da dívida emitida (Nemis) demonstram a variação do perfil da dívida na amostra. Enquanto existem 4,21 períodos distintos na média do estoque da dívida com desvio padrão de 2,82, o prazo médio distinto da dívida emitida é de 2,60, com desvio padrão de 2,16. Disparidades também são observadas em ganhos nos valores medianos.

Em termos de distribuição, observa-se uma maior participação da dívida de longo prazo (DLP) quando comparada à dívida de curto prazo (DCP), seja na visão média ou na mediana, com equivalência de desvios entre os dados. A dispersão da dívida (D1) mostra que as empresas optam por uma maior concentração de vencimentos, uma vez que tais indicadores estão abaixo do prazo médio possível (3,5).

Para as variáveis de controle, observou-se que as empresas apresentam uma condição média de endividamento líquido, pois possuem mais dívidas (55%) do que caixa (12%), ambas ponderadas pelo ativo total. Por sua vez, as categorias de dívida relacionadas com financiamentos bancários (TLPct) e obrigações (BondPct) representam cerca de 72% da média da dívida total das empresas analisadas.

Modelo de perfil de dívida

Nesta seção, apresentamos os resultados do modelo de gestão do perfil da dívida. A Tabela 2 resume as regressões realizadas pela equação (2) com efeito fixo na estimativa por empresa e ano.

Tabela 2
Regressão de painel para modelo de perfil de dívida

Com base na análise dos resultados da Tabela 2, é possível rejeitar a hipótese de que as empresas evitam a concentração de dívidas no mesmo período. Avaliando os coeficientes diagonais, observamos que, com exceção do período j = 1 em m1it, eles são estatisticamente significativos com 95% de confiança, considerando que as novas emissões no período j estão positivamente relacionadas ao perfil de vencimentos no intervalo mitj, demonstrando que as empresas aparentemente dão pouca importância à concentração da dívida, formando um perfil de vencimentos conhecimdo como “maturity towers”. Esse resultado contrasta com os de Choi et al. (2018)Choi, J., Hackbarth, D., & Zechner, J. (2018). Corporate debt maturity profiles. Journal of Financial Economics, 130(3), 484-502. https://doi.org/10.1016/j.jfineco.2018.07.009
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para o caso dos EUA, onde as empresas gerenciam a dispersão de vencimentos em que os títulos corporativos recém-emitidos complementam os perfis de vencimento de títulos pré-existentes, evitando a concentração que observamos aqui.

Além disso, por meio desses resultados é possível validar a relevância econômica de determinadas emissões. Com 99% de confiança, é possível verificar, por exemplo, que as novas dívidas emitidas com vencimento em até 3 anos (Iit3) diminuem 10,5%, enquanto que para dívidas vencidas a partir do ano 5, existe um aumento de um ponto percentual na fração da dívida em relação ao total de ativos.

Para aumentar a robustez do modelo, regressões alternativas foram empregadas para validar os resultados. Para minimizar a influência dos outliers nos resultados, os dados analisados sofreram winsorização das variáveis para 1% dos valores inferiores e 1% dos valores superiores. Além disso, foram realizadas regressões para cada um dos dez setores fornecidos pelo Capital IQ com base no Padrão de Classificação Global da Indústria. Os resultados obtidos com essas regressões geralmente confirmam as conclusões da análise anterior.

Modelo de choque

Por meio do “experimento quase-natural”, relacionado ao rebaixamento do crédito no Brasil (ocorrido em setembro de 2015), analisamos se as empresas foram induzidas a postergar o vencimento de suas obrigações, evitando assim o risco de rolagem da dívida.

Nessa análise, começamos considerando o grupo de tratamento composto por empresas com mais de 30% de sua dívida vencendo no curto prazo (até um ano) anterior ao rebaixamento do Brasil. Isso se deve ao potencial do choque de fazer com que essas empresas liquidem seus ativos de forma ineficiente ou rolem dívidas em condições desfavoráveis para cumprir os passivos existentes, o que poderia comprometer suas oportunidades de investimento, crescimento e valor global, conforme demonstrado por Almeida et al. (2011)Almeida, H., Campello, M., & Laranjeira, B. (2011). Corporate debt maturity and the real effects of the 2007 credit crisis. Critical Finance Review, 1, 3-58. https://doi.org/10.1561/103.00000001
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. Portanto, prevemos que essas empresas buscariam uma maior dispersão do vencimento de suas dívidas de curto prazo. Como resultado, esperamos que o grupo de controle tenha uma dispersão de dívida menos significativa em comparação com o grupo de tratamento, uma vez que a dispersão de vencimentos de dívida no curto prazo é uma questão de gestão menos relevante para essas empresas. Para testar a robustez da análise do modelo de choque de crédito, realizamos testes pareados entre empresas, considerando um grupo de tratamento com mais de 20% de sua dívida vencendo no curto prazo antes do rebaixamento do Brasil.

A Tabela 3 compara o grupo de tratamento e controle. Para confecção do grupo de controle, foram inicialmente selecionadas 276 empresas da amostra. Tomamos como base um conjunto de dados equilibrado e selecionamos apenas as empresas que tiveram dívidas em aberto nos três anos (2014 a 2016) de análise do modelo, resultando no número final de 131 empresas. Finalmente, obtivemos um conjunto de 69 empresas tratadas e 62 não tratadas.

Tabela 3
Estatísticas descritivas e comparação entre empresas tratadas e de controle

O processo de pareamento realizado foi baseado na distância de Mahalanobis, conforme feito por Choi et al. (2018)Choi, J., Hackbarth, D., & Zechner, J. (2018). Corporate debt maturity profiles. Journal of Financial Economics, 130(3), 484-502. https://doi.org/10.1016/j.jfineco.2018.07.009
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. Como demonstra a Tabela 5, os grupos de tratamento e controle são semelhantes após o processo de pareamento, utilizando nível de significância de 5%, exceto para Bonds (BondPct), perfil da dívida em aberto (Ndiv) e tamanho (TAM). Embora Resende e Oliveira (2008)Resende, A. C. C., & Oliveira, A. M. H. C. de. (2008). Avaliando resultados de um programa de transferência de renda: O impacto do Bolsa-Escola sobre os gastos das famílias brasileiras. Estudos Econômicos (São Paulo), 38(2), 235-265. https://doi.org/10.1590/s0101-41612008000200002
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indiquem que a inclusão dessas variáveis não tende a impactar a estimativa do modelo de choque, elas serão consideradas como variáveis de controle no modelo para verificar o impacto direto na dispersão da dívida das empresas após o rebaixamento do Brasil, conforme evidenciado pela equação (3).

Tabela 4
Regressão em painel para modelo de choque usando dispersão da dívida como variável de resposta
Tabela 5
Regressão de painel para modelo de choque usando duração como variável de resposta

A Tabela 4 resume a estimativa da equação (4), confeccionada usando efeitos fixos da empresa. Vários modelos foram estimados para avaliar mais especificamente os resultados obtidos, incluindo ou não variáveis de controle e considerando o rebaixamento das empresas e a duração média da dívida. Os resultados do Modelo 1 indicam que as empresas tratadas, em média, dispersam suas dívidas, porém, em menor volume que o grupo de controle. Essa menor dispersão dos vencimentos das dívidas das empresas tratadas em relação às empresas do grupo de controle é robusta mesmo após a inclusão dos controles, do efeito “rebaixamento” e do efeito “duração”, como pode ser observado nos modelos 2 a 6. Esse resultado é o oposto ao esperado após a ocorrência de um choque, segundo Servaes e Tufano (2006) e Choi et al. (2018)Choi, J., Hackbarth, D., & Zechner, J. (2018). Corporate debt maturity profiles. Journal of Financial Economics, 130(3), 484-502. https://doi.org/10.1016/j.jfineco.2018.07.009
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.

Nossos resultados vão ao encontro do modelo teórico de Diamond (1991)Diamond, D. W. (1991). Debt maturity structure and liquidity risk. The Quarterly Journal of Economics, 106(3), 709-737. https://doi.org/10.2307/2937924
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segundo o qual empresas com maior risco acabam tomando mais crédito de curto prazo junto aos bancos, em lugar de emitir dívidas mais longas no mercado de capitais e, portanto, não conseguindo dispersar mais do que poderiam querer. Nota-se nos modelos 5 e 6 que a duração da dívida tem um impacto relevante e positivo no aumento da dispersão desta, confirmando nossa afirmação acima, e em linha com Paula e Faria (2012) e Franzotti et al. (2021)Franzotti, T. D. A., Magnani, V. M., Ambrozini, M. A., & Valle, M. R. (2021). Financiamento de empresas brasileiras durante crises: Comparativo entre as crises de 2002, 2008 e 2015. Revista de Administração Mackenzie, 22(1), 1-36. https://doi.org/10.1590/1678-6971/eRAMF210154
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.

A Figura 1 representa graficamente os resultados do Modelo 1 na Tabela 4. É possível perceber que tanto empresas com mais de 30% de dívida com vencimento em um ano após setembro de 2015 (grupo de tratamento) quanto empresas com até 30% (grupo de controle) aumentam a dispersão das dívidas, no entanto, esse aumento da dispersão foi maior para empresas com até 30% da dívida com vencimento logo após o evento, pois essas possuíam um maior volume de dívida de curto prazo.

Figura 1
Representação gráfica da dispersão da dívida utilizando o Modelo 1 da Tabela 4, para empresas com até 30% (grupo de controle) e mais de 30% (grupo de tratamento) de títulos de dívida com vencimento no primeiro ano após setembro de 2015

Para melhor analisar o que ocorre com a duração da dívida, estimamos o modelo da equação (4) escolhendo “duração” como a variável de resposta com resultados na Tabela 5. Analisando esses modelos, fica evidente que após o choque de crédito as empresas buscam aumentar o prazo de suas dívidas, porém, as empresas tratadas sempre aumentam menos o prazo do que as empresas do grupo de controle (ver resultados da interação entre as variáveis “evento” e “tratamento”. Esse resultado reforça nossas constatações anteriores, ou seja, empresas com vencimentos de dívidas mais curtos não conseguem dispersar os vencimentos para evitar riscos de renovação, conforme esperado por Servaes e Tufano (2006). Nossos resultados também contrastam com os de Choi et al. (2018)Choi, J., Hackbarth, D., & Zechner, J. (2018). Corporate debt maturity profiles. Journal of Financial Economics, 130(3), 484-502. https://doi.org/10.1016/j.jfineco.2018.07.009
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que observaram que as empresas norte-americanas aumentam a dispersão dos vencimentos da dívida após o choque.

Embora o estudo norte-americano da última década tenha considerado apenas um ano de variação em relação à data do evento “choque”, pode-se indagar se em um mercado de dívida menor e menos desenvolvido como o Brasil, conforme apontado pela CVM (2019), tal métrica é suficiente para que as empresas administrem seu portfólio de dívidas de forma eficiente. Desta forma, as mesmas análises anteriores foram desenvolvidas por um período de dois anos após o evento-teste e não alteraram as evidências encontradas.

CONCLUSÕES

O estudo constatou que as empresas brasileiras não financeiras de capital aberto geralmente buscam preservar seus prazos de endividamento e não evitam a formação de um perfil de vencimento das dívidas conhecido como “maturity towers”, mesmo após um choque de crédito, como o rebaixamento do rating da dívida soberana do Brasil em setembro de 2015. Empresas com maiores necessidades de renovação de crédito de curto prazo não são capazes de pulverizar ainda mais seus vencimentos de dívida em comparação com um grupo de controle de empresas brasileiras. Esse efeito pode ser explicado pelo fato de as renovações de dívidas serem realizadas em prazos médios, mais curtos do que os das empresas de controle.

Enquanto uma estrutura de dívida dispersa pode ser onerosa devido aos maiores custos totais de emissão e menor liquidez nos mercados secundários, uma estrutura mais concentrada representa altos riscos de rolagem da dívida, conforme documentado por Almeida et al. (2011)Almeida, H., Campello, M., & Laranjeira, B. (2011). Corporate debt maturity and the real effects of the 2007 credit crisis. Critical Finance Review, 1, 3-58. https://doi.org/10.1561/103.00000001
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. Adicionalmente, nosso estudo sugere que fatores macroeconômicos, como a queda da atividade econômica ocorrida após o choque de rebaixamento do rating da dívida soberana do Brasil e a redução do uso de emissão de dívida no mercado, também podem influenciar a formação de um perfil de vencimentos com menor dispersão da dívida e prazos mais curtos no período analisado (Almeida & Bazilio, 2015Almeida, C. A. de, & Bazilio, J. K. (2015). Liquidez do mercado secundário de debêntures: Dinâmica recente, fatores determinantes e iniciativas. Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.; Giacomoni & Sheng, 2013Giacomoni, B. H., & Sheng, H. H. (2013). O impacto da liquidez nos retornos esperados das debêntures brasileiras. Revista de Administração, 48(1), 80-97. https://doi.org/10.5700/rausp1075
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; Paula & Faria, 2012).

Além disso, Altinkiliç e Hansen (2000) sugerem que outra razão para o fato de as empresas brasileiras concentrarem mais seu perfil de dívida pode estar ancorada em razões de economia de escala, devido ao maior custo de emissão. Como o mercado de dívida corporativa dos EUA é 3,2 vezes maior que o mercado brasileiro, de acordo com a CVM (2019), é possível que haja menos incentivo do ponto de vista de custo e sinergia para as empresas locais terem uma distribuição de dívida mais pulverizada.

Estudos anteriores enfatizam a importância da estrutura de vencimento da dívida e o risco de rolagem dela na estrutura de capital de uma empresa. Recomenda-se que as empresas evitem o perfil conhecido como “maturity tower” e optem por uma carteira diversificada de dívida ancorada nos menores custos atrelados à emissão de dívida. Além disso, fatores macroeconômicos podem ter um impacto substancial na emissão de dívida e influenciar a análise dos dados do período estudado. Nossos dados indicam que, apesar de pressionadas a renovar suas dívidas devido ao vencimento de uma parcela maior em um ano, as empresas do mercado brasileiro não agem de acordo em tempos normais ou mesmo após um choque macroeconômico. Outras possíveis explicações incluem a falta de ofertas de dívida com vencimentos diferentes para empresas locais, a preferência dos bancos locais por dívidas de curto prazo para reduzir o risco moral e as restrições financeiras das empresas que limitam seu acesso a fontes internacionais de crédito.

À luz dessas constatações, é crucial que os formuladores de políticas e os participantes do mercado entendam as implicações de uma estrutura de dívida concentrada e a importância de ter uma carteira de dívida diversificada para mitigar os riscos associados à rolagem da dívida. Os resultados deste estudo podem contribuir para o desenvolvimento de políticas e práticas que promovam um mercado de capitais mais eficiente e estável no Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    28 Jul 2022
  • Aceito
    26 Jun 2023
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