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A conjuntura das escolhas públicas: crise e passivo institucional

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A conjuntura das escolhas públicas: crise e passivo institucional

Jorge Vianna Monteiro

Professor de políticas públicas da Escola Brasileira de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas (Ebape/FGV) e professor associado do Departamento de Economia da PUC-Rio. Endereço: PUC-Rio - Departamento de Economia - Rua Marquês de São Vicente, 225 - Gávea - CEP 22453-900, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: jvinmont@econ.puc-rio.br

Um comentário estabelecido a partir do modelo analítico da public choice - uma vertente da moderna economia política que considera as políticas públicas resultado da interação social, sob instituições de governo representativo.

Coordenação: Jorge Vianna Monteiro

1. Introdução

A atual crise econômica é um rico experimento de como as escolhas públicas podem se configurar em uma redefinição de regras do jogo, muito mais do que a obtenção de resultados macroeconômicos que decorrem de uma dada especificação institucional - o sentido convencional que a teoria macroeconômica atribui à formulação de políticas. O estímulo econômico ora em curso em muitos países (e o Brasil não é exceção) é, no entanto, um esforço de política de reforma ou de política constitucional (Monteiro, 2007:40): as próprias regras do jogo de política tornam-se incógnitas do problema de escolha pública.1 1 Mesmo porque a crise levou à virtual desabilitação de instâncias multilaterais, tais como: FMI, Banco Mundial, OMC, Acordo de Basileia, entre outras que, nos últimos anos, tornaram-se personagens centrais na viabilização de políticas nacionais de ajustamento econômico. Neste início de 2009, no entanto, é muito restrita a credibilidade dessas instâncias no que se relaciona a seus propósitos constitucionais: ficaram obsoletas em suas missões e no uso dos recursos que comandam. A esse respeito, ver "A rare triumph of substance at the summit", Washington Post, Apr. 3, 2009.

Assim, os últimos meses têm evidenciado três classes de desdobramentos:

▼ a ordem constitucional fica substancialmente pressionada, na medida em que o sistema da separação de poderes torna-se inadequado para processar as políticas públicas compensatórias que se fazem necessárias, em alcance, intensidade e presteza.

Evidencia-se desde logo o dilema com que se confrontam as legislaturas: antes da crise, elas não detinham informação nem tinham motivação para atuar preventivamente (sobretudo na definição de estratégias de longo prazo). Já com a crise instalada, fica evidenciada a falta de capacidade dos legisladores em gerenciá-la.2 2 Com efeito, é a própria complexidade e diversidade das políticas públicas que, por um lado, tornam as legislaturas atraentes, como representação da deliberação equilibrada da sociedade (por meio de arranjos decisórios bicamerais, por jurisdição em comissões, entre outros), mas, por outro lado, as tornam lentas e de elevados custos de decisão coletiva.

A seção 2 explora esse ambiente que serve de moldura constitucional da crise econômica:

▼ frente à forte descontinuidade que a crise imprime nas economias nacionais e na economia mundial deve-se ter cautela na tentativa de adaptar aos seus diagnósticos modelos analíticos convencionais. Tais modelos captam trajetórias de um sistema econômico em que os processos ou regimes das variáveis são tomados por invariantes e, assim, concentrando seu foco nos resultados finais.3 3 Observe que essa tem sido a visão dominante da discussão do dia a dia de economistas e de articulistas da mídia em geral frente à atual crise econômica. Talvez por isso nada muito expressivo tenha sido acrescentado à compreensão desse fenômeno que alcança, com diferentes intensidades, todas as economias nacionais.

A seção 3 decompõe tal descontinuidade na trajetória de uma economia e, assim, permite melhor perceber a singularidade da crise atual, comparativamente a crises anteriores, especialmente a ocorrida no final dos anos 1920:

▼ fatos muito peculiares se sucedem e mostram-se em extensa variedade - do substancial avanço no curto prazo do tamanho da presença orçamentária e regulatória do governo,4 4 "Geithner to ask congress for broad power to seize firms", Washington Post, Mar. 24, 2009. até a intensa atividade de grupos de interesses em torno de benefícios de sentido e proporção que aguardam validação no processo político.5 5 Ver, por exemplo, a movimentação de interesses externos frente aos estímulos econômicos promovidos na economia norte-americana, em "Foreign firms eye stimulus dollars", Washington Post, Mar. 23, 2009.

A seção 4 trata de propriedades das escolhas públicas que viabilizam o atendimento preferencial que vem associado às políticas compensatórias e que, ao fim e ao cabo, podem comprometer seriamente a própria essência da democracia representativa.

2. Regras constitucionais pressionadas

Pelo menos sob um aspecto muito específico, a dinâmica da atual crise não seria muito diferente de qualquer outra crise econômica. Mesmo com regras do jogo em funcionamento, elas acabam por ser modificadas num curto espaço de tempo (Posner e Vermeule, 2008):

▼ tal modificação pode ter o conteúdo de alocar mais poder a unidades de decisão do que aquele que se entendia que elas devessem ter. De todo modo, os políticos atuam no sentido de confirmar o poder discricionário desempenhado pelo Executivo ou para lhe delegar novos e mais amplos poderes;

▼ é nesse ambiente legal-constitucional que toma forma o Estado administrativo, com a autoridade discricionária e as políticas ad hoc empreendidas pelos burocratas e, assim, recondicionando os conjuntos de escolhas dos agentes econômicos privados;

▼ essa ênfase na ação do Executivo decorreria do fato de que o Judiciário e a legislatura continuamente andam a reboque dos eventos no Estado administrativo; essas são instâncias decisórias que desempenham essencialmente um papel reativo e marginal no gerenciamento de crises.6 6 Em todo esse cenário os mecanismos da democracia representativa acabam redefinidos, independentemente de qual seja a ideologia política da coalizão no poder, com as seguintes características (Posner e Vermeule, 2008; Scheuerman, 2000): a) o uso de um permanente e abrangente conjunto de delegações de autoridade econômica que favorece a alta gerência do Executivo; b) o sentido muito flexível da definição dessa autoridade, especialmente no que diz respeito às restrições que possam vir a ser exercidas pela legislatura ou pelos tribunais; c) as novas regras do jogo ou os novos poderes dos burocratas muitas vezes são delegados após a crise ter se instalado - o que aumenta a probabilidade de que os poderes demandados serão assegurados.

Em suma, tacitamente ou não, os políticos acabam por garantir ao Executivo amplas delegações de poderes, funções e recursos orçamentários, em uma complexa mistura de instrumentos legislativos e gerenciais.7 7 De um modo geral, somente após a operacionalização dessa mistura é que, então, se dará a retificação do descompasso entre a aplicação legislativa e a ordenação legal-constitucional dessa economia.

No Brasil, o circuito pelo qual o poder discricionário dos burocratas tem sido expandido e consolidado, de forma direta ou indireta, é a emissão de medidas provisórias. Esse é um dos temas centrais do conflito latente entre o Congresso e o Executivo. A formalização desse conflito é ilustrada por pelo menos três fatos recentes:

▼ a decisão do presidente do Congresso de devolver ao governo a MP nº 446, de 7 de novembro de 2008, que trata da renovação da certificação de entidades filantrópicas;8 8 Seguindo a regra de que o presidente do Senado pode impugnar proposições que lhe pareçam contrárias à Constituição, às leis ou ao regimento, a Mesa Diretora do Senado, em novembro de 2008, tomou essa decisão - o que, no entanto, não impediu que a MP nº 446 prosseguisse tramitando.

▼ em junho de 2008, por arguição da liderança de um partido político da oposição (PSDB), o Supremo Tribunal Federal suspendeu liminarmente a vigência da MP nº 405, de 18 de dezembro de 2007 (já então convertida, em 18 de abril de 2008 na Lei nº 11.658), que trata de abertura de crédito extraordinário ao orçamento de vários órgãos públicos;

▼ segundo o presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal, o indicador mais objetivo do condicionamento do processo decisório do Congresso pelo uso impróprio de MP é que, em 2008, o número de sessões não deliberativas da legislatura, em decorrência do bloqueio da agenda do Congresso por MP, superou o número de sessões deliberativas.9 9 Senador Marco Maciel, Agência Senado, 18 de dezembro de 2008. Tal consequência não antecipada deve-se às novas regras das MP (EC nº 32, de 11 de setembro de 2001): o governo passa a dispor da liberalidade de interferir no ritmo do processo decisório dos legisladores, tanto quanto estes têm a opção de usar uma nova ferramenta estratégica para obstaculizar o andamento de projetos legislativos de interesse do Executivo (Monteiro, 2007:apêndice B).

O dilema operacional antes referido (seção 1) com que se defronta o Congresso em seu relacionamento com a alta gerência do Executivo tem por corolário que as próprias crises tendem a seguir uma sequência em que (Pos-ner e Vermeule, 2008:22-23):

▼ num primeiro momento, irrompe um evento que demanda imediatas medidas compensatórias de política pública, com o Executivo e o Congresso tomando ciência dessa necessidade;10 10 Os fundamentos legais-constitucionais que darão sustentação a essas medidas acabam, eles próprios, viabilizados em nome da crise, à margem do aparato legal em vigor. Na progressão da crise, haverá o reconhecimento de que o tamanho e a complexidade das providências que se fazem necessárias ultrapassam o quadro vigente da regulação econômica em curso. Essa é a melhor leitura do pacote de US$ 700 bilhões com que o governo Bush pretendeu lidar (ao final de 2008) com a crise econômica nos EUA. Logo após, se evidenciaria que muito mais era necessário, para compor uma efetiva estratégia anticrise. No Brasil, ainda nos debatemos nesse primeiro momento com o governo estendendo o uso de instrumentos convencionais de política, muito mais do que redefinindo os processos de regulação (por exemplo as desonerações de IPI adotadas em 2008 e renovadas e ampliadas no começo de 2009).

▼ em um segundo momento, os legisladores são chamados a redesenhar a arquitetura regulatória em vigor.11 11 A característica mais típica dessa intervenção é a delegação de novos e maiores poderes aos burocratas - o que amplia e aprofunda as disfunções com que opera o sistema da separação de poderes. É por essa perspectiva de análise que se antecipa que, no caso brasileiro, dificilmente serão adotadas regras mais restritivas na emissão e tramitação de medidas provisórias (PEC 511-06). No ambiente tão sui generis em que opera a democracia presidencialista brasileira o poder de propor caracterizado pelas MPs é uma delegação de processos regulatórios que o Congresso viabiliza por via constitucional: ela habilita uma via rápida que, como vai demonstrando a experiência de outras economias nacionais, é uma propriedade central da nova ordem regulatória mundial.

3. Deslocamento e sustentação

As ocorrências de setembro-outubro de 2008 (apenas para ter um ponto de partida) levaram a que se produzisse uma significativa descontinuidade nas economias, digamos, em termos de desemprego da mão de obra.

A figura 1 ilustra esse fenômeno. Nesse ponto do tempo, podem ser identificados dois efeitos:12 12 Esse é um recurso didático tomado por empréstimo à literatura econômica dos anos 1960 (Peacock e Wiseman, 1961).

▼ o efeito deslocamento, ou seja, a curva que caracteriza a taxa de desemprego da mão de obra ao longo do tempo, muda de patamar; identifica-se, portanto, um ponto de descontinuidade - a taxa de desemprego antes de setembro-outubro de 2008 situando-se em um patamar e, mais acima, a mesma taxa após essa data;

▼ o efeito sustentação, ou seja, não obstante as novas estratégias adotadas pelo governo, a variável desemprego persiste em se manter em nível mais elevado e pode-se mesmo antecipar que, uma vez debelada a crise, é improvável que a tendência dessa variável retorne ao patamar observado em setembro-outubro de 2008.


Em setembro/outubro de 2008, a crise levou a economia em geral - o desemprego da mão de obra, em especial - a se deslocar para um patamar distinto daquele em que vinha seguindo. Não se trata, portanto, de uma mera flutuação ou ciclo na trajetória da economia nacional. É o efeito deslocamento. Apenas como ilustração, a partir daí a economia passa a se sustentar nesse novo patamar: na figura 1, um patamar A, em que a taxa de desemprego prossegue se elevando, ou, alternativamente, alcança o patamar B, onde o desemprego mantém-se em um nível ainda elevado, embora constante.

O ponto principal mostrado na figura 1 é o efeito sustentação: mesmo cessados os principais fatores determinantes da crise, a economia não retorna ao nível anterior. No caso específico do emprego da mão de obra (figura 1), tem-se argumentado que a crise atual é de tal envergadura que blocos inteiros de atividades estão sendo eliminados; logo, a absorção de mão de obra será, por igual, reconfigurada: é como se postos de trabalho desaparecessem ou seu peso relativo na população economicamente ativa fosse substancialmente reduzido.13 13 É como se, na crise, as firmas estivessem optando por estratégias que sinalizam que elas não desejam mais atuar em seus ramos de negócio ("Job losses hint at vast remaking of economy", New York Times, Mar. 7, 2009).

Por consequência, o receituário habitual de política econômica poderá revelar-se pouco efetivo no combate ao desemprego, uma vez que essa não é uma ocorrência puramente cíclica, de duração definida. Assim, iniciativas como operações compensatórias por via de pagamento de seguro-desemprego (aumento do valor do seguro, extensão de seu período de recebimento) podem, em verdade, levar a um desequilíbrio ainda maior nas contas públicas, caso se configure que uma grande parcela do contingente de desempregados não encontrará mais postos de trabalho, dada a sua qualificação atual. Será necessário reconfigurar, por igual, os instrumentos de política, substituindo-os ou dando-lhes ênfases distintas.14 14 Esse é outro ângulo pelo qual se pode constatar a singularidade da crise atual. Tome-se o caso do retreinamento da mão de obra em sintonia com os postos de trabalho remanescentes. Há que notar uma mudança de processos, muito mais do que de resultados finais: o timing com que esses instrumentos de política podem produzir efeitos positivos expressivos na recuperação econômica é diferente da mera cobertura pelo seguro-desemprego, por exemplo.

Essa é, portanto, uma descontinuidade de processos induzida pela crise econômica.

Retornando à figura 1, uma razão pela qual se dá o efeito sustentação (pela trajetória A ou por B, por exemplo, na figura) é que após a crise ter-se instalado talvez não seja possível replicar a mistura de políticas que vigorava anteriormente, seja porque alguns de seus ingredientes de todo perdem sua efetividade, seja porque há uma vigorosa recomposição de seus pesos na política econômica. Em outra frente, tem-se exemplo análogo na operação de salvamento do sistema financeiro: dados os volumes recorrentes e elevados dos bailouts a bancos e outras instituições financeiras (especialmente nas economias norte-americana e da União Europeia) é provável que tais organizações acabem por ter seu status de entidade privada destruído, já tendo sido mesmo sugerido que, no limite, muitas delas possam acabar formalmente estatizadas.

4. Perda de anonimato e rent seeking

A atual trajetória das economias nacionais evidencia dois atributos analíticos vinculados entre si:

▼ a escolha pública traduz-se por regras que permitem visualizar, com maior ou menor grau de anonimato, os segmentos da sociedade que serão alcançados pelos impactos líquidos das políticas governamentais;

▼ a complexidade da crise é reforçada pelas relações intersetoriais na economia, o que, por seu turno, se reflete no mecanismo de rent seeking (Monteiro, 2007, cap. 6) que passa a operar em uma cadeia de lobbyings e de demandas preferenciais.

Tendo por referência a figura 2, pode-se indagar em que extensão a escolha de regras feita no tempo t é inerentemente descomprometida com as suas decorrências em t + n, em termos de custos e benefícios que possam incidir ou não sobre aqueles que tomaram a decisão em t? Vale dizer: em que medida a escolha da regra de decisão em t é imparcial?


Uma forma mais abstrata de indagar quanto a isso é: a escolha de regras em t promove um efeito véu (Monteiro, 2007, cap. 8), no sentido de que a incerteza quanto à incidência de seus custos e benefícios futuros (t + n) é grande e, portanto, não antecipando de que lado ficará (se perdedor ou ganhador). Então, o agente de decisão em t opta por uma regra que melhor atenda o interesse geral ou coletivo, deixando de lado a promoção de interesses que lhes são mais próximos (seu reduto eleitoral ou seus financiadores de campanha eleitoral, por exemplo)?

Esse véu de incerteza é uma estratégia que engloba diversos mecanismos (Vermeule, 2007), como mostrado a seguir

▼ Prospectividade - as regras das escolhas públicas requerem que os policy makers tomem suas decisões sem conhecer as identidades dos que violarão essas regras.

Observa-se que, na atualidade, os estímulos governamentais não passam nesse teste, uma vez que a legislação posta em execução é quase retroativa, permitindo a clara identificação de perdedores e ganhadores.15 15 É por esse prisma que se pode ter uma ideia das dificuldades políticas com que se confrontam os esforços dos governos em pôr em ação medidas de socorro financeiro em uma diversidade de mercados.

▼ Generalidade - esses mesmos policy makers antecipam que tanto os interesses que eles promovem quanto os que eles prejudicam podem ser governados pela decisão corrente que eles tomam.

Ou, dito de outro modo, tanto menos anônimas as mensagens explicitadas por uma dada política, maior é a indução a que demandas preferenciais encaminhadas por grupos de interesses encontrem eco no processo decisório público. Outra vez, esse é um aspecto que vem sendo exacerbado na sequência de decisões anticrise.

▼ Durabilidade - as regras que tornam as decisões relativamente duráveis levam a que legisladores e burocratas antecipem que a decisão corrente que eles tomam governará casos no futuro remoto, casos esses cujos impactos sobre os interesses futuros desses mesmos agentes públicos são correntemente imprevisíveis.

▼ Vigência defasada - a extensão do horizonte de tempo de uma regra atrasando a efetividade das decisões, seja para um período fixo, seja até que um evento futuro se manifeste.

O sentido único da atual crise econômica torna improvável que regulações que vão sendo postas em prática não venham, logo em seguida, a ser recondicionadas.16 16 Veja-se o caso dos bônus pagos pela American Insurance Group (AIG) a seus dirigentes ("House approves 90% tax on bonuses after bailouts", New York Times, Mar. 20, 2009). Observe que a relativa generalidade e imparcialidade de muitas escolhas públicas que vão sendo anunciadas (e o caso da economia norte-americana é muito didático quanto a isso) acabarão sendo reduzidas, quando o véu de incerteza vier a ser levantado, ou seja, quando da operacionalização da legislação de estímulo econômico, e os interesses intercruzados dos diferentes segmentos da sociedade alcançados por esse estímulo ficarem bem-dimensionados e, então, os grupos preferenciais ficando em marcha. Talvez por essa razão, o recente (10 fev. 2009) pronunciamento do secretário do Tesouro dos EUA usou a estratégia de apenas anunciar generalidades quanto ao prosseguimento do saneamento do setor bancário privado ("Geithner bombs coming-out party", Slater.com: Today's Papers, Feb. 9, 2009).

A segunda ordem de considerações pressupõe que tempos de crise dispara a mobilização de grupos de interesses que se articulam para obter, sustentar e ampliar benefícios ou, inversamente, fazer cessar, desviar ou diminuir os custos que acompanham os programas anticrise.

A figura 3 ilustra a complexidade com que esse mecanismo pode operar.


Nessa figura, a atividade econômica em 1 e 2 apresenta-se inter-relacionada (E), tanto quanto os setores 2 e 3, (D). Seja 1 o setor de autopeças; 2, as montadoras de automóveis; e 3, os bancos privados. Embora o foco dos problemas de insolvência possa ser dramatizado pelo bailout de 2, a atuação do cartel político de 2 se coordena pela sequência {[(A), (C)] (B)}.17 17 "Auto parts makers get $ 5 billion lifeline: U.S. aid boosts hopes for the entire industry", Washington Post, Mar. 20, 2009. Outro exemplo é dado pela regulação da AIG, representada por 3, com 2 sendo os bancos de investimento (a AIG liberaria recursos para esses bancos, caso o default nas hipotecas se elevasse acima de um determinado nível.18 18 "AIG bailout may aid hedge funds", New York Times, Mar. 18, 2009. Portanto, a estratégia da AIG é ainda mais efetiva com a sequência {(B) (C)}.

Uma decorrência inescapável de toda essa trajetória é que a mais extensa intervenção governamental nos mercados irá pressionar para que as regras do jogo venham a ser reformadas, especialmente na proteção dos processos da democracia representativa, nas dimensões dos financiamentos privados de campanhas eleitorais, do uso da mídia, e de atividades de lobbying.

5. Conclusão

É provável que o generalizado e notório mal-estar, com que economistas de todos os matizes estão se comportando na discussão da atual crise econômica, tenha um fio da meada: como é uma crise de enormes proporções, seu dimen-sionamento, assim como as estratégias mais aptas a lidar com os problemas que vão se avolumando têm por ingrediente central os processos ou regimes pelos quais se estruturam as escolhas públicas. E, quanto a isso, a teoria econômica convencional, centrada em relações entre resultados finais do sistema econômico, apresenta-se insuficiente.19 19 É, por exemplo, nessa perspectiva que se vê o surpreendente naufrágio de políticas públicas que deixavam aos agentes privados expressivos graus de liberdade para se ajustarem à regulação econômica vigente em muitas economias, até meados do ano passado. Por outro lado, as vertentes do pensamento econômico que sempre viram no planejamento governamental a base de suas soluções para as dificuldades macroeconômicas sentem-se aturdidas ante o fiasco dessa mesma regulação. E pior: mesmo os adendos regulatórios promovidos ainda em 2008 têm tido até aqui efeitos muito limitados na contenção da crise. Lembro ao leitor que uma lição de catástrofe econômica análoga (devidamente retificada pela simplicidade com que operavam os sistemas econômicos do começo do século XX), ocorrida ao final dos anos 1920, é que logo também ficou evidenciada uma falência intelectual que se traduzia por três limitações: a) precariedade da mensuração da atividade econômica agregada (não se dispunha de nada comparável a um sistema de contas nacionais); b) equívocos do raciocínio macroeconômico vigente (e que desencadeou a revolução keynesiana); c) indisponibilidade de um modelo de governo-como-unidade-de-controle (originando, mais adiante, a teoria quantitativa de política econômica ou modelo de Tinbergen-Frisch).

Correntemente, a questão relevante parece ser a presteza com que a decisão política ambientada na separação de poderes irá se manifestar, com a operacionalização de políticas de forte expansão de gasto público.20 20 Para o caso da economia norte-americana, veja-se "Deal reached in Congress on U$ 789 billion stimulus plan", New York Times, Feb. 11, 2009. Portanto, o que se apresenta como essencial é o timing dessa deliberação21 21 "A better stimulus bill", New York Times, Feb. 10, 2009, editorial. - o que tem levado, por exemplo, o presidente norte-americano a aparecer com inusitada frequência na mídia, para conclamar ora os deputados ora os senadores a colaborarem com a proposta de política econômica.22 22 "Obama says failing to act could lead to a 'catastrophe'", New York Times, Feb. 9, 2009. Já no caso brasileiro, essa mesma urgência parece alimentar a adoção de uma estratégia em que o governo vai assumindo, pouco a pouco, a gravidade da crise, de preferência a emular o exemplo de economias do Primeiro Mundo, onde a intensidade da crise se revela mais forte e imediata. Todavia, no caso brasileiro os custos políticos em que o governo incorre ao adotar essa estratégia são bem maiores do que no caso dos EUA, uma vez que a crise ocorre na antevéspera eleitoral. Nesse episódio ficam evidenciados: o forte condicionamento sob o qual opera o sistema de separação de poderes, e o modus operandi do Legislativo.

A propósito, vale ressaltar que a democracia representativa se sustenta em duas classes de mecanismos (Vermeule, 2007):

▼ os de grande escala, tais como eleições periódicas, sistema de separação de poderes, federalismo, e independência do Judiciário;

▼ os de pequena escala, tais como a não exclusividade da informação que os agentes públicos possam deter e, assim, limitando sua atuação em prol de interesses preferenciais, ou ainda regras de votação que induzam o tipo e a quantidade de responsabilização atribuída a esses mesmos agentes, tanto quanto regras legislativas que induzam à transparência decisória.

Como se observa na atual crise econômica, dada a configuração desses mecanismos de grande escala, têm sido os mecanismos de pequena escala que vêm sendo ajustados para a resolução dos conflitos, de vez que esse ajustamento apresenta-se como de custo político limitado.23 23 Imagine o leitor se estivesse em causa a troca do regime presidencialista pelo parlamentarismo, por exemplo, para o encaminhamento desse tipo de ajuste - uma alteração do que, na tipologia referida, é um mecanismo de grande escala.

Outra decorrência trivial dos esforços de política econômica anticrise é que, passada a emergência, o status quo legal-constitucional pode não retornar à sua configuração original pré-crise (como exemplificado, por exemplo, na seção 3). Com os poderes viabilizados, em nome da necessidade de operar políticas públicas compensatórias, o Executivo acaba por sustentar as amplas delegações de autoridade aprovadas pelo Congresso - o que se pode dar pela extensão desses poderes a mais uma rodada de novas áreas de regulação.24 24 Como já mencionado, em razão disso, observe-se que no caso dos EUA o presidente Obama tem recorrido maciçamente ao chamamento da responsabilidade de deputados e senadores, seja pelo tom de suas manifestações ("catástrofe" passou a ser a descrição do que alternativamente tem sido referido por "crise"), seja pelo recurso a entrevistas coletivas com a mídia, em horário nobre da programação de televisão, e a minicomícios em redutos eleitorais profundamente afetados pelo desemprego ou pela inadimplência no pagamento de hipotecas. Incidentalmente, esse tipo de comportamento presidencial é um novo ambiente qualitativo sob o qual passa a operar o sistema constitucional da separação de poderes: daqui em diante esse é um atributo não escrito do arranjo constitucional - e que, por certo, encontrará eco em outras economias nacionais. Ademais, os bilhões de dólares alocados ao estímulo econômico devem agora traduzir-se por uma maciça infusão de contratos, garantias e outros procedimentos definidos por burocratas. E tudo isso deve ser tocado no âmbito dos mecanismos de pequena escala (como já referido), ou seja, transparência, competição de propostas e novos recursos de auditoria e de supervisão ("If spending is swift, oversight may suffer: Plan's pace could leave billions wasted", Washington Post: managing the money, Feb. 9, 2009). Outra evidência quanto a esse sequenciamento decisório é exemplificado pelo fato de que, em razão da reunião do G-20, em Londres (1 e 2 abr. 2009), anunciam-se novas regulações dos fundos de hedge e padrões mais rigorosos de regulação bancária, tanto que a Financial Accounting Standards Board alterará os procedimentos de como as empresas passarão a contabilizar "ativos problemáticos" ("U.S. stock markets rise in early trading", Washington Post, Apr. 2, 2009).

Esse é um passivo institucional (Monteiro, 2009) que conduzirá as economias a uma nova arquitetura das regras constitucionais.

  • MONTEIRO, J. V. Passivo institucional. Estratégia Macroeconômica, v. 17, n. 411, 2 mar. 2009.
  • __________ Como funciona o governo: escolhas públicas na democracia representativa. Rio de Janeiro: FGV, 2007.
  • PEACOCK, A.; WISEMAN, J. The growth of public expenditure in the United Kingdom. Princeton: Princeton University Press, 1961.
  • POSNER, E.; VERMEULE, A. Crisis governance in the administrative state, 9/11 and the financial meltdown of 2008. Harvard Public Law Working Paper, n. 8-50, Harvard Law School Public Law and Legal Theory Paper Series, 2008.
  • SCHEUERMAN, W. The economic state of emergency. Cardozo Law Review, v. 21, n. 5, p. 1869-1894, May 2000.
  • VERMEULE, A. Mechanisms of democracy: institutional design writ small. New York: Oxford University Press, 2007.
  • 1
    Mesmo porque a crise levou à virtual desabilitação de instâncias multilaterais, tais como: FMI, Banco Mundial, OMC, Acordo de Basileia, entre outras que, nos últimos anos, tornaram-se personagens centrais na viabilização de políticas
    nacionais de ajustamento econômico. Neste início de 2009, no entanto, é muito restrita a credibilidade dessas instâncias no que se relaciona a seus propósitos constitucionais: ficaram obsoletas em suas missões e no uso dos recursos que comandam. A esse respeito, ver "A rare triumph of substance at the summit",
    Washington Post, Apr. 3, 2009.
  • 2
    Com efeito, é a própria complexidade e diversidade das políticas públicas que, por um lado, tornam as legislaturas atraentes, como representação da deliberação equilibrada da sociedade (por meio de arranjos decisórios bicamerais, por jurisdição em comissões, entre outros), mas, por outro lado, as tornam lentas e de elevados custos de decisão coletiva.
  • 3
    Observe que essa tem sido a visão dominante da discussão do dia a dia de economistas e de articulistas da mídia em geral frente à atual crise econômica. Talvez por isso nada muito expressivo tenha sido acrescentado à compreensão desse fenômeno que alcança, com diferentes intensidades, todas as economias nacionais.
  • 4
    "Geithner to ask congress for broad power to seize firms",
    Washington Post, Mar. 24, 2009.
  • 5
    Ver, por exemplo, a movimentação de interesses externos frente aos estímulos econômicos promovidos na economia norte-americana, em "Foreign firms eye stimulus dollars",
    Washington Post, Mar. 23, 2009.
  • 6
    Em todo esse cenário os mecanismos da democracia representativa acabam redefinidos, independentemente de qual seja a ideologia política da coalizão no poder, com as seguintes características (Posner e Vermeule, 2008; Scheuerman, 2000): a) o uso de um permanente e abrangente conjunto de delegações de autoridade econômica que favorece a alta gerência do Executivo; b) o sentido muito flexível da definição dessa autoridade, especialmente no que diz respeito às restrições que possam vir a ser exercidas pela legislatura ou pelos tribunais; c) as novas regras do jogo ou os novos poderes dos burocratas muitas vezes são delegados
    após a crise ter se instalado - o que aumenta a probabilidade de que os poderes demandados serão assegurados.
  • 7
    De um modo geral, somente
    após a operacionalização dessa mistura é que, então, se dará a retificação do descompasso entre a aplicação legislativa e a ordenação legal-constitucional dessa economia.
  • 8
    Seguindo a regra de que o presidente do Senado pode impugnar proposições que lhe pareçam contrárias à Constituição, às leis ou ao regimento, a Mesa Diretora do Senado, em novembro de 2008, tomou essa decisão - o que, no entanto, não impediu que a MP nº 446 prosseguisse tramitando.
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    Senador Marco Maciel,
    Agência Senado, 18 de dezembro de 2008. Tal
    consequência não antecipada deve-se às novas regras das MP (EC nº 32, de 11 de setembro de 2001): o governo passa a dispor da liberalidade de interferir no
    ritmo do processo decisório dos legisladores, tanto quanto estes têm a opção de usar uma nova ferramenta estratégica para obstaculizar o andamento de projetos legislativos de interesse do Executivo (Monteiro, 2007:apêndice B).
  • 10
    Os fundamentos legais-constitucionais que darão sustentação a essas medidas acabam, eles próprios, viabilizados em nome da crise, à margem do aparato legal em vigor. Na progressão da crise, haverá o reconhecimento de que o tamanho e a complexidade das providências que se fazem necessárias ultrapassam o quadro vigente da regulação econômica em curso. Essa é a melhor leitura do pacote de US$ 700 bilhões com que o governo Bush pretendeu lidar (ao final de 2008) com a crise econômica nos EUA. Logo após, se evidenciaria que muito mais era necessário, para compor uma efetiva estratégia anticrise. No Brasil, ainda nos debatemos nesse primeiro momento com o governo estendendo o uso de instrumentos convencionais de política, muito mais do que redefinindo os
    processos de regulação (por exemplo as desonerações de IPI adotadas em 2008 e renovadas e ampliadas no começo de 2009).
  • 11
    A característica mais típica dessa intervenção é a delegação de novos e maiores poderes aos burocratas - o que amplia e aprofunda as disfunções com que opera o sistema da separação de poderes. É por essa perspectiva de análise que se antecipa que, no caso brasileiro, dificilmente serão adotadas regras mais restritivas na emissão e tramitação de medidas provisórias (PEC 511-06). No ambiente tão
    sui generis em que opera a democracia presidencialista brasileira o poder de propor caracterizado pelas MPs é uma delegação de processos regulatórios que o Congresso viabiliza por via constitucional: ela habilita uma
    via rápida que, como vai demonstrando a experiência de outras economias nacionais, é uma propriedade central da nova ordem regulatória mundial.
  • 12
    Esse é um recurso didático tomado por empréstimo à literatura econômica dos anos 1960 (Peacock e Wiseman, 1961).
  • 13
    É como se, na crise, as firmas estivessem optando por estratégias que sinalizam que elas não desejam mais atuar em seus ramos de negócio ("Job losses hint at vast remaking of economy",
    New York Times, Mar. 7, 2009).
  • 14
    Esse é outro ângulo pelo qual se pode constatar a singularidade da crise atual. Tome-se o caso do retreinamento da mão de obra em sintonia com os postos de trabalho remanescentes. Há que notar uma mudança de processos, muito mais do que de resultados finais: o
    timing com que esses instrumentos de política podem produzir efeitos positivos expressivos na recuperação econômica é diferente da mera cobertura pelo seguro-desemprego, por exemplo.
  • 15
    É por esse prisma que se pode ter uma ideia das dificuldades políticas com que se confrontam os esforços dos governos em pôr em ação medidas de socorro financeiro em uma diversidade de mercados.
  • 16
    Veja-se o caso dos bônus pagos pela American Insurance Group (AIG) a seus dirigentes ("House approves 90% tax on bonuses after bailouts",
    New York Times, Mar. 20, 2009). Observe que a relativa generalidade e imparcialidade de muitas escolhas públicas que vão sendo anunciadas (e o caso da economia norte-americana é muito didático quanto a isso) acabarão sendo reduzidas, quando o véu de incerteza vier a ser levantado, ou seja, quando da operacionalização da legislação de estímulo econômico, e os interesses intercruzados dos diferentes segmentos da sociedade alcançados por esse estímulo ficarem bem-dimensionados e, então, os grupos preferenciais ficando em marcha. Talvez por essa razão, o recente (10 fev. 2009) pronunciamento do secretário do Tesouro dos EUA usou a estratégia de apenas anunciar
    generalidades quanto ao prosseguimento do saneamento do setor bancário privado ("Geithner bombs coming-out party",
    Today's Papers, Feb. 9, 2009).
  • 17
    "Auto parts makers get $ 5 billion lifeline: U.S. aid boosts hopes for the entire industry",
    Washington Post, Mar. 20, 2009.
  • 18
    "AIG bailout may aid hedge funds",
    New York Times, Mar. 18, 2009.
  • 19
    É, por exemplo, nessa perspectiva que se vê o surpreendente naufrágio de políticas públicas que deixavam aos agentes privados expressivos graus de liberdade para se ajustarem à regulação econômica vigente em muitas economias, até meados do ano passado. Por outro lado, as vertentes do pensamento econômico que sempre viram no planejamento governamental a base de suas soluções para as dificuldades macroeconômicas sentem-se aturdidas ante o fiasco dessa mesma regulação. E pior: mesmo os adendos regulatórios promovidos ainda em 2008 têm tido até aqui efeitos muito limitados na contenção da crise. Lembro ao leitor que uma lição de catástrofe econômica análoga (devidamente retificada pela simplicidade com que operavam os sistemas econômicos do começo do século XX), ocorrida ao final dos anos 1920, é que logo também ficou evidenciada uma
    falência intelectual que se traduzia por três limitações: a) precariedade da mensuração da atividade econômica agregada (não se dispunha de nada comparável a um sistema de contas nacionais);
    b) equívocos do raciocínio macroeconômico vigente (e que desencadeou a revolução keynesiana);
    c) indisponibilidade de um modelo de
    governo-como-unidade-de-controle (originando, mais adiante, a teoria quantitativa de política econômica ou modelo de Tinbergen-Frisch).
  • 20
    Para o caso da economia norte-americana, veja-se "Deal reached in Congress on U$ 789 billion stimulus plan",
    New York Times, Feb. 11, 2009.
  • 21
    "A better stimulus bill",
    New York Times, Feb. 10, 2009, editorial.
  • 22
    "Obama says failing to act could lead to a 'catastrophe'",
    New York Times, Feb. 9, 2009. Já no caso brasileiro, essa mesma urgência parece alimentar a adoção de uma estratégia em que o governo vai assumindo, pouco a pouco, a gravidade da crise, de preferência a emular o exemplo de economias do Primeiro Mundo, onde a intensidade da crise se revela mais forte e imediata. Todavia, no caso brasileiro os custos políticos em que o governo incorre ao adotar essa estratégia são bem maiores do que no caso dos EUA, uma vez que a crise ocorre na antevéspera eleitoral.
  • 23
    Imagine o leitor se estivesse em causa a troca do regime presidencialista pelo parlamentarismo, por exemplo, para o encaminhamento desse tipo de ajuste - uma alteração do que, na tipologia referida, é um mecanismo de grande escala.
  • 24
    Como já mencionado, em razão disso, observe-se que no caso dos EUA o presidente Obama tem recorrido maciçamente ao chamamento da responsabilidade de deputados e senadores, seja pelo
    tom de suas manifestações ("catástrofe" passou a ser a descrição do que alternativamente tem sido referido por "crise"), seja pelo recurso a entrevistas coletivas com a mídia, em horário nobre da programação de televisão, e a minicomícios em redutos eleitorais profundamente afetados pelo desemprego ou pela inadimplência no pagamento de hipotecas. Incidentalmente, esse tipo de comportamento presidencial é um novo ambiente
    qualitativo sob o qual passa a operar o sistema constitucional da separação de poderes: daqui em diante esse é um atributo não escrito do arranjo constitucional - e que, por certo, encontrará eco em outras economias nacionais. Ademais, os bilhões de dólares alocados ao estímulo econômico devem agora traduzir-se por uma maciça infusão de contratos, garantias e outros procedimentos definidos por burocratas. E tudo isso deve ser tocado no âmbito dos mecanismos de
    pequena escala (como já referido), ou seja, transparência, competição de propostas e novos recursos de auditoria e de supervisão ("If spending is swift, oversight may suffer: Plan's pace could leave billions wasted",
    Washington Post: managing the money, Feb. 9, 2009). Outra evidência quanto a esse sequenciamento decisório é exemplificado pelo fato de que, em razão da reunião do G-20, em Londres (1 e 2 abr. 2009), anunciam-se novas regulações dos fundos de
    hedge e padrões mais rigorosos de regulação bancária, tanto que a Financial Accounting Standards Board alterará os procedimentos de como as empresas passarão a contabilizar "ativos problemáticos" ("U.S. stock markets rise in early trading",
    Washington Post, Apr. 2, 2009).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jul 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2009
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