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Mudanças conceituais do desenvolvimento rural e suas influências nas políticas públicas

Conceptual changes of rural development and its influence on public policy

Cambios conceptuales del desarrollo rural y su influencia en las políticas públicas

Resumos

Novas referências conceituais sobre o "rural" passaram gradativamente a ser incorporadas, ainda que de modo parcial e contraditório, pelas políticas públicas. Considerando esse pressuposto, investiga-se neste trabalho de que forma as políticas públicas de desenvolvimento rural, no Brasil, nas últimas décadas, respondem, em termos de sua formulação, a determinadas inovações conceituais. Para sustentar esse argumento, investigam-se, à luz de um denso estudo bibliográfico sobre desenvolvimento, ruralidade e políticas públicas, as mudanças históricas, conceituais e práticas do desenvolvimento rural. Com a pesquisa foi possível não só identificar as "novas" referências do desenvolvimento rural e da operacionalização das políticas públicas, mas também as mudanças institucionais nesse processo. As considerações finais mostram que as mudanças nas concepções teóricas sobre o rural e o desenvolvimento rural foram substancialmente importantes para promover uma mudança de perspectiva na ação do Estado.

políticas públicas; desenvolvimento rural; inovação institucional


New conceptual references about the "rural" gradually came to be incorporated, albeit partial and contradictory manner, by public policies. Given this assumption, we investigate in this work, how public policies for rural development, in Brazil, in recent decades, respond, in terms of its formulation, to certain conceptual innovations. To sustain this argument, we investigate, in the light of a dense bibliographic study about rural development and public policies, the historical changes, conceptual and practice of rural development. With the search was possible not only to identify the "new" references for rural development and operationalization of public policies, but also the institutional changes in that process. Our last considerations showed that changes in theoretical conceptions about the countryside and rural development were substantially important to promote a change of perspective in State action.

public policy; rural development; institutional innovation


Nuevas referencias conceptuales sobre la "rural" comenzó gradualmente a incorporarse, aunque sea parcial y contradictoria manera por las políticas públicas. Dado este supuesto, investiga en este trabajo, cómo públicas políticas para el desarrollo rural, en Brasil, en décadas recientes, responder, en cuanto a su formulación, ciertas innovaciones conceptuales. Para apoyar este argumento, investiga-si, a la luz de un denso estudio bibliográfico sobre desarrollo, ruralidad y política pública, histórica, cambios conceptuales y prácticas de desarrollo rural. La investigación fue posible no sólo identificar el "nuevo" referencias rural desarrollo e implementación de políticas públicas, sino también los cambios institucionales en el proceso. Las consideraciones finales muestran que cambios en las concepciones teóricas sobre el campo y el desarrollo rural fueron sustancialmente importantes para promover un cambio de perspectiva sobre la acción del Estado.

políticas públicas; desarrollo rural; innovación institucional


Mudanças conceituais do desenvolvimento rural e suas influências nas políticas públicas

Cambios conceptuales del desarrollo rural y su influencia en las políticas públicas

Conceptual changes of rural development and its influence on public policy

Alan Ferreira de FreitasI; Alair Ferreira de FreitasII; Marcelo Miná DiasIII

IUniversidade Federal de Viçosa

IIUniversidade Federal de Minas Gerais

IIIUniversidade Federal de Viçosa

RESUMO

Novas referências conceituais sobre o "rural" passaram gradativamente a ser incorporadas, ainda que de modo parcial e contraditório, pelas políticas públicas. Considerando esse pressuposto, investiga-se neste trabalho de que forma as políticas públicas de desenvolvimento rural, no Brasil, nas últimas décadas, respondem, em termos de sua formulação, a determinadas inovações conceituais. Para sustentar esse argumento, investigam-se, à luz de um denso estudo bibliográfico sobre desenvolvimento, ruralidade e políticas públicas, as mudanças históricas, conceituais e práticas do desenvolvimento rural. Com a pesquisa foi possível não só identificar as "novas" referências do desenvolvimento rural e da operacionalização das políticas públicas, mas também as mudanças institucionais nesse processo. As considerações finais mostram que as mudanças nas concepções teóricas sobre o rural e o desenvolvimento rural foram substancialmente importantes para promover uma mudança de perspectiva na ação do Estado.

Palavras-chave: políticas públicas; desenvolvimento rural; inovação institucional.

RESUMO

Nuevas referencias conceptuales sobre la "rural" comenzó gradualmente a incorporarse, aunque sea parcial y contradictoria manera por las políticas públicas. Dado este supuesto, investiga en este trabajo, cómo públicas políticas para el desarrollo rural, en Brasil, en décadas recientes, responder, en cuanto a su formulación, ciertas innovaciones conceptuales. Para apoyar este argumento, investiga-si, a la luz de un denso estudio bibliográfico sobre desarrollo, ruralidad y política pública, histórica, cambios conceptuales y prácticas de desarrollo rural. La investigación fue posible no sólo identificar el "nuevo" referencias rural desarrollo e implementación de políticas públicas, sino también los cambios institucionales en el proceso. Las consideraciones finales muestran que cambios en las concepciones teóricas sobre el campo y el desarrollo rural fueron sustancialmente importantes para promover un cambio de perspectiva sobre la acción del Estado.

Palabras clave: políticas públicas; desarrollo rural; innovación institucional.

ABSTRACT

New conceptual references about the "rural" gradually came to be incorporated, albeit partial and contradictory manner, by public policies. Given this assumption, we investigate in this work, how public policies for rural development, in Brazil, in recent decades, respond, in terms of its formulation, to certain conceptual innovations. To sustain this argument, we investigate, in the light of a dense bibliographic study about rural development and public policies, the historical changes, conceptual and practice of rural development. With the search was possible not only to identify the "new" references for rural development and operationalization of public policies, but also the institutional changes in that process. Our last considerations showed that changes in theoretical conceptions about the countryside and rural development were substantially important to promote a change of perspective in State action.

Key words: public policy; rural development; institutional innovation.

1. Introdução

Definir desenvolvimento rural hoje requer um considerável esforço teórico. Enfrentar esta questão conceitual demanda compreender a diversidade de significados que são atribuídos às ideias de desenvolvimento (Maluf, 2000) e às noções de rural (Wanderley, 2009). Apesar dessa diversidade conceitual, a ideia de desenvolvimento tem sido predominantemente associada às concepções de progresso e crescimento econômico. E o rural é convencionalmente pensado em termos de um setor produtivo, ressaltando as atividades produtivas dos agricultores e a dimensão agrícola da vida no campo (Favareto, 2007). Com base nesses significados dominantes, as políticas públicas, os programas e projetos que as operacionalizam são concebidos para atender prioritariamente a necessidades de mudança nos processos técnico-produtivos, focando a economia da atividade agrícola, reduzida, nesse caso, à ideia de "progresso técnico na agricultura", na definição de Graziano da Silva (1999).

É relativamente recente a importância que as políticas passaram a conferir a aspectos humanos e sociais do desenvolvimento, apresentando aparente preocupação com questões relacionadas a educação, saúde, assistência social, entre outros temas, quase todos referidos ao problema da pobreza (Ellis e Biggs, 2001; Sen e Kliksberg, 2010). Esta mudança de foco, embora incipiente e ainda em curso, tem influenciado os processos de elaboração de políticas públicas. Considerando esse pressuposto, pode-se questionar, como ponto de partida, de que forma as políticas públicas de desenvolvimento rural no Brasil, nas últimas décadas, respondem, em termos de sua formulação, a estas inovações conceituais.

É importante ressaltar que durante o período de modernização da agricultura brasileira (principalmente nos anos 1970) cristalizou-se a interpretação de que os espaços rurais limitavam-se à produção agrícola e permaneceram à margem das mudanças sociais que atingiram os centros urbanos (Delgado, 2001). O discurso sobre o desenvolvimento afirmava, assim, uma representação social sobre o "atraso" do mundo rural em relação às "sociedades modernas", legitimando a necessidade política da intervenção para provocar a mudança dessa realidade social indesejada. Em meados dos anos 1960 essa interpretação sobre o desenvolvimento rural foi muito influente sobre a formulação e elaboração de políticas públicas; e ainda hoje exerce fascínio sobre o mundo acadêmico das ciências agrárias (Ellis, 2000).

Opondo-se a tal representação, a partir dos anos 1980, uma série de fatores conjunturais colaborou para que se questionem as interpretações dominantes sobre o desenvolvimento rural. Entre esses fatores, destacam-se a conjuntura política de crise econômica e a retração da capacidade de investimentos do Estado, a resistência política de parte importante dos agricultores às mudanças prescritas pelas políticas públicas, os impactos negativos dos processos de modernização e a persistência da pobreza rural (Wanderley, 2000; Graziano da Silva, 2001; Kageyama, 2008). Nesse contexto, começam a ganhar corpo outras narrativas sobre as mudanças sociais que seriam desejadas em termos de desenvolvimento rural. Essas narrativas incluem uma revisão do papel da agricultura de pequena escala de produção no desenvolvimento econômico; a ênfase em representações positivas sobre a vida e o trabalho no campo, ressaltando a necessidade de políticas sociais como base para a dinamização econômica das localidades; o tema da sustentabilidade ambiental do desenvolvimento; e um destaque à diversidade dos meios de vida e de produção em contraposição à uniformização de projetos para a promoção do desenvolvimento rural (Almeida, 1997; Long, 2001).

Nesse contexto, o mundo rural, concebido como espaço de vida, de sociabilidades e de culturas (como também de produção), começa a se afirmar, influenciando mudanças nas leituras reducionistas que prevaleciam (Medeiros e Dias, 2011). A noção de "ruralidade" vai sendo definida como um conceito de natureza territorial, enraizado em costumes, tradições, na diversidade de modos de vida; e não apenas pelo viés setorial, que busca dar nome a um setor produtivo da economia (Abramovay, 1999). Tais mudanças de concepção passaram gradativamente a ser incorporadas, ainda que de modo parcial e contraditório, pelas políticas públicas de desenvolvimento rural.

Para Bourdieu (1996), a mudança de representação sobre uma realidade altera, ao mesmo tempo, a forma de ação sobre essa realidade e, consequentemente, muda-se também a própria realidade a partir das intervenções desencadeadas para provocar a mudança. É por isso que as ideias — que se concretizam em discursos e narrativas — são tão importantes para compreendermos as decisões que são tomadas, geralmente pelos governos, para formular alternativas e elaborar políticas públicas. Neste sentido, John (1999) afirma que as políticas públicas representam o resultado de disputas sobre a atribuição de significados e a definição de alternativas de solução aos problemas sociais que buscam enfrentar ou resolver.

Considerando a questão do desenvolvimento rural, vive-se, desde os anos 1980, um momento em que distintas concepções, ideias, discursos e narrativas se confrontam, influenciando as decisões que são tomadas a respeito de como promovê-lo de modo mais efetivo. Entende-se que essas distintas representações sobre o desenvolvimento rural nem sempre são contraditórias, mas buscam afirmar posicionamentos políticos diferenciados, que se fundamentam em visões de mundo, éticas, preceitos e ações que procuram provocar mudanças em determinadas realidades, promovendo, por meio da intervenção, aquilo que definem como desenvolvimento.

Diante dessa contextualização, este artigo focaliza a questão da incorporação por parte do Estado, por meio de seus agentes, de certas mudanças conceituais e a assimilação parcial de novas referências teóricas à formulação das políticas públicas. Esse recorte prioriza o que vem sendo denominado de "abordagem territorial" do desenvolvimento rural (Schneider, 2004). Tal abordagem foi assumida como fundamento de uma política pública do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), ao formular e implementar o Programa Nacional de Desenvolvimento dos Territórios Rurais (Pronat) a partir de 2003 (Freitas et al., 2010).

O objetivo deste trabalho é apresentar as mudanças conceituais do desenvolvimento rural e suas influências na emergência da abordagem territorial em contraposição a "abordagens convencionais" das políticas públicas de desenvolvimento rural. Especificamente, analisar-se-ão como as inovações conceituais foram incorporadas às propostas de intervenção do Estado, com ênfase no Pronat. Para alcançar esses propósitos foi realizada uma densa revisão bibliográfica e a análise de documentos institucionais do MDA referidos ao Programa em questão.

2. Do crescimento econômico à multidimensionalidade do conceito de desenvolvimento

Para Cowen e Shenton (1996), as concepções modernas sobre progresso e desenvolvimento tiveram origem concomitante ao surgimento da sociologia, em fins do século XVIII. A visão clássica construída sobre o progresso associava sua ocorrência à contínua evolução econômica de uma sociedade, compreendida como a gradual superação dos limites impostos pelos diversos tipos de envolvimento e apego a tradições. Naquele momento afirmava-se uma concepção evolucionista de progresso (e, depois, de desenvolvimento) que ressaltava a linearidade da mudança social, descrito como um processo em que várias etapas se sucediam no tempo, sendo cada uma delas qualitativamente superior à que antecedeu.

Essa noção de progresso, que se confunde com a de desenvolvimento, foi atrelada a uma narrativa sobre a modernização, contendo o que Almeida (1997:34) define como uma "representação apriorística e globalizante do mundo". Progresso e desenvolvimento são representados como processos planejados de mudança social, que poderiam ser implementados em todas as sociedades (Sztompka, 1998). Após a Segunda Guerra Mundial essa noção torna-se orientadora da política de indução ao desenvolvimento econômico dos países sob a influência do bloco geopolítico liderado pelos Estados Unidos. Esta narrativa sobre a mudança social, vista como processo planejado e padronizado, implementado de cima para baixo, começou, a partir de meados dos anos 1960, a revelar suas limitações (Latouche, 2009). No Brasil, uma década depois, foi ficando cada vez mais evidente que o modelo era extremamente seletivo e gerador de múltiplas desigualdades sociais.

Do mesmo modo, a noção de crescimento econômico revelou-se insuficiente para dar conta das transformações estruturais dos sistemas socioeconômicos. Essa noção demostrou ser reducionista, ao limitar o foco das ações de promoção de desenvolvimento ao ambiente estrito dos processos econômicos, geralmente vinculados à inovação tecnológica, considerando a produção sob o aspecto estritamente quantitativo, preocupando-se recorrentemente com o curto prazo, fundamentando-se, assim, em um ideal produtivista (Stiglitz, 2007).

Para Veiga (2000), a noção de desenvolvimento, ao contrário da de progresso e de crescimento econômico, não teve abalado seu apelo científico, político ou utópico. Ao contrário, ela foi ressignificada e reapropriada — por diversos atores sociais que adentram o cenário da promoção do desenvolvimento a partir dos anos 1990 — em bases multidimensionais. Uma nova retórica se constitui tendo como suporte a crítica social das experiências de promoção do desenvolvimento, em um ambiente de crise do poder explicativo das ideias convencionais de desenvolvimento e de retração do Estado, sob influência do ideário neoliberal.

Na construção dessa outra narrativa sobre o desenvolvimento, reconhecendo-se a diversidade de versões e abordagens que a compõe, é possível evidenciar os novos elementos que passam a definir as dimensões (econômica, social ou humana, ambiental e política ou participativa) da transformação estrutural da sociedade que pretende orientar. Nesse sentido, a dimensão econômica passa a interagir de modo recíproco com os aspectos sociais, ambientais e políticos, de forma a possibilitar a justiça e o bem-estar social, reivindicando a participação dos cidadãos nas decisões que afetam a vida social (Boiser, 1999; Sen, 2000).

No âmbito das teorias sobre o desenvolvimento rural, entre as décadas de 1950 e 1960, com a emergência das indústrias agroalimentares, o setor agrícola é incorporado na dinâmica dos sistemas econômicos. Antes vista como atrasada, em relação aos setores industriais, a agricultura de pequena escala é inserida nas políticas de crescimento econômico, tendo possibilitado seu acesso aos avanços tecnológicos, principalmente por meio de políticas de crédito e assistência técnica, influenciadas, naquele momento, pelo ideário da Revolução Verde. Essa abordagem de desenvolvimento rural é denominada por Ellis e Biggs (2001:440) de "paradigma do crescimento agrícola baseado na eficiência da pequena produção".

Esse paradigma afirmou uma concepção sobre o desenvolvimento rural até hoje bastante influente. No Brasil, sua principal expressão é inegavelmente o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), criado em 1996. A agricultura de pequena escala de produção — ou como foi genericamente designada: agricultura familiar — integrou-se ao processo de desenvolvimento com a finalidade de aumentar a produção e a produtividade, se destacando como fornecedora de alimentos básicos aos centros urbanos. Crescentemente fornecedora de matérias-primas para a indústria de processamento, parte da agricultura familiar passa a dinamizar o mercado da indústria de máquinas e implementos, como também o da indústria de insumos (Almeida, 1997).

Para parte importante da agricultura familiar brasileira, essa concepção de desenvolvimento rural colocou-a em um patamar em que a indústria passou a ter papel central nas relações de produção e na determinação dos tipos de interação com mercados. Esse modelo influenciou o surgimento de complexos agroindustriais, tanto a montante quanto a jusante dos sistemas produtivos (Goodman et al., 1990).

A noção de desenvolvimento rural, nessa concepção de modernização na agricultura, fundamentava-se em quatro elementos principais: (i) a noção de crescimento econômico, que tenta romper com o "atraso" da agricultura tradicional, introduzindo os valores econômicos modernos; (ii) a noção de abertura técnica, econômica e cultural, com a prevalência da heteronomia sobre a autonomia dos agricultores em relação aos agentes econômicos com os quais passam a se relacionar; (iii) a noção de especialização da produção agrícola, simplificando os sistemas de produção e ao mesmo tempo adequando-os às modernas técnicas de produção; (iv) a valorização de um novo tipo de agricultor, "moderno", empresarial, individualista e voltado à competição por mercados consumidores.

Evidentemente, essas características ideais do modelo interagiram com contextos locais configurando processos bastante diversos de modernização, por vezes conferindo significados distintos às relações de trabalho, de produção agrícola e de poder no campo, redefinindo sua estrutura socioeconômica e política (Almeida, 1997). Coerentes com essa narrativa desenvolvimentista, os órgãos públicos de difusão de tecnologias e extensão rural passaram a ter a tarefa de enquadrar os agricultores ao modelo idealizado. De forma geral, o processo de modernização agrícola desencadeou transformações significativas no meio rural brasileiro como um todo, tanto positivas quanto negativas.

Foram as consequências negativas desse processo que impulsionaram diversas revisões conceituais. Em comum, essas novas narrativas sobre o desenvolvimento buscavam argumentar sobre sua multidimensionalidade (Pieterse, 1998). Para resumir, podemos afirmar que as mudanças conceituais focaram três dimensões principais: ambiental, social e política. A consideração da dimensão ambiental objetivou influenciar os processos de desenvolvimento em busca de uma "ética ambiental", de modo que as bases físicas (o ambiente natural) pudessem sustentar os processos produtivos sob novas condições, impondo limites ao consumo de recursos não renováveis e despertando a necessidade de preservação dos ecossistemas naturais (Sachs, 1993).

Quanto à dimensão social, em Sen (2000) encontramos um arrazoado sobre o desenvolvimento e suas relações necessárias com a promoção da justiça social, tema que se tornou bastante influente para a consideração das capacidades humanas como objeto das políticas de desenvolvimento a partir dos anos 1990. Nesse sentido, a ênfase recai sobre a capacidade de as pessoas e sociedades exercitarem o poder de livre escolha diante de oportunidades, respeitando-se a autorrealização, a autonomia e a felicidade. Por fim, acerca da dimensão política dos processos de desenvolvimento, temos a afirmação conceitual da premência da participação política dos beneficiários das políticas de desenvolvimento nos processos decisórios sobre as mesmas.

A noção de desenvolvimento rural, em contraposição à de desenvolvimento agrícola, surge como alternativa teórica para orientar a intervenção por meio das políticas públicas, buscando enfrentar os limites atribuídos ao estímulo à modernização agrícola. Talvez a expressão mais evidente da incorporação destas mudanças conceituais esteja na recente adoção de uma "abordagem territorial do desenvolvimento rural", para a qual o desenvolvimento iria além de um viés normativo ou ideológico. De acordo com Favareto (2007:87):

(...) compreender os fenômenos relativos ao desenvolvimento rural significa, pois, buscar o entendimento da complementaridade conflituosa que cerca a evolução de determinadas configurações territoriais, onde os traços definidores da ruralidade se compõem sob formas distintas e historicamente situadas.

A noção de território desta "nova" abordagem também procura superar o que Brandão (2007) define como "localismo exagerado", em que o processo de definição de uma estratégia de desenvolvimento resultaria do enfrentamento de interesses diferenciados, transescalares, o que implica identificar a multiescalaridade espacial do desenvolvimento e as instâncias de poder presentes em cada situação. A partir de estratégias multiescalares para a análise dos fenômenos sobre os quais se deseja intervir é que o Estado incorpora novas retóricas sobre o desenvolvimento dos espaços rurais.

Para compreender as distintas abordagens teóricas sobre desenvolvimento rural optou-se por traçar, no próximo item, uma trajetória histórica do termo no Brasil. Busca-se demostrar como o mesmo tem sido tratado e como o contexto político e econômico exerce influência sobre a adoção de uma determinada abordagem teórica. Com isso, aprofundar-se-á a temática do desenvolvimento rural, buscando elucidar as "novas" concepções de rural, além de se discorrer sobre como a abordagem territorial tem incorporado as mudanças teóricas, refletindo as trajetórias históricas e influenciando as políticas públicas de desenvolvimento rural no Brasil.

3. O viés histórico e as concepções de desenvolvimento rural no Brasil

Para Schneider (2010), o contexto econômico da década de 1990 reconfigurou as discussões sobre desenvolvimento rural no Brasil. O processo de estabilização da economia favoreceu a emergência de propostas inovadoras de mudança social, entre elas, as relacionadas ao desenvolvimento dos espaços rurais. Outra questão importante teria sido a ampliação das iniciativas de descentralização político-administrativa, desencadeadas como a implementação das regulamentações da Constituição de 1988. Um terceiro aspecto a ser considerado refere-se às mudanças na ação política da própria sociedade civil brasileira como um todo. Na década de 1980, as organizações e movimentos sociais que haviam sido reprimidos durante a ditadura militar retornaram ao cenário político. No entanto, a destacada diferença dessa época é que, na década de 1990, os movimentos e organizações sociais tiveram seu escopo de atuação alterado, passando de uma lógica marcadamente contestatória e reivindicativa para serem também propositivos, visto a maior abertura política e a reconfiguração da ação do Estado (Doimo, 1995).

Um quarto aspecto a ser considerado é a emergência da noção de "sustentabilidade do desenvolvimento". Foi grande o interesse de estudiosos em converter a noção de sustentabilidade em referencial teórico e modelo de desenvolvimento. O trabalho de Sachs (1993) considera a incorporação desta noção no âmbito dos processos de desenvolvimento, mas nesta época (início da década de 1990) a discussão já estava ampliada em vários países. Em 1992, com a realização da Conferência da ONU para o meio ambiente no Rio de Janeiro (ECO-92), ocorreram importantes discussões sobre as instituições, o Estado, os intelectuais e os mediadores políticos em termos das possibilidades de defesa e preservação do meio ambiente. A partir de então, as diferentes esferas de governo passaram a edificar ações que tratavam da questão ambiental e vários estudos apresentavam como objeto de análise os impactos e efeitos ambientais das atividades econômicas e dos processos de desenvolvimento (Schneider, 2010).

Esses debates vão afirmando a necessidade de se considerar que as concepções de desenvolvimento deveriam ter como premissa a análise prévia das particularidades históricas, sociais, culturais, econômicas e políticas de cada localidade, em uma época determinada. No mesmo sentido desta constatação, Theis (2006) infere que a polissemia, as várias adjetivações que acompanham o substantivo desenvolvimento e as diferenças, sobretudo conceituais, que são operacionalizadas no campo do desenvolvimento guardam estreita relação com as condições históricas dominantes em cada época.

Sob esta premissa recai a tentativa de identificar, no caso do Brasil, elementos que foram fundamentais para a construção de diferentes concepções sobre o desenvolvimento rural. As mudanças históricas e conceituais sobre o rural determinaram transformações nas próprias estratégias de desenvolvimento rural que, por sua vez, incorporaram estes elementos na formulação de políticas públicas. Um dos elementos a serem destacados está relacionado à trajetória das discussões em torno da agricultura familiar e de seu papel como categoria social e política para a sociedade brasileira. É importante reconhecer que o que se denomina atualmente agricultura familiar sempre existiu como meio de organização do trabalho e da vida nos espaços rurais brasileiros. O termo, no entanto, é ressignificado e ganha relevância como categoria social e política no contexto de mudanças sociais que se desdobram a partir de meados dos anos 1980.

A emergência da agricultura familiar como categoria social e política também está associada à recomposição do movimento sindical dos trabalhadores rurais no início da década de 1990, principalmente em torno da Confederação dos Trabalhadores da Agricultura (Contag). A organização mudou sua forma de atuação e ganhou apoio de outras organizações ao incorporar ao foco reivindicatório das causas trabalhistas o apoio às demandas por terras, crédito, políticas agrícolas e previdência social rural. Desse contexto emergiram diversas formas de mobilização e lutas que produziram grandes impactos, passando a compor a pauta de congressos e manifestações, tais como as Jornadas Nacionais de Luta, logo a seguir transformadas no Grito da Terra Brasil (Schneider, 2010).

Com diferentes formas e orientações, os grupos organizados, principalmente as organizações sindicais, pressionavam o Estado por políticas que os incluíssem no processo (e modelo) de desenvolvimento do país. Assim, na década de 1990 é observável a reinserção, por exemplo, da reforma agrária na agenda política, que resultou na criação de diversos projetos de assentamento (Medeiros e Leite, 1999) e também na criação do Pronaf.

Os diversos estudos acadêmicos que emergiram nesta época ajudaram a compor os contornos desta "nova" categoria que se contrapunha à "agricultura patronal" e ao "agronegócio". Esses trabalhos desembocaram no estabelecimento de características da agricultura familiar, e ganharam importância com a divulgação de um relatório realizado no âmbito de um convênio de cooperação técnica entre a ONU para a alimentação e agricultura (FAO) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) (FAO e Incra, 1996). O estudo define agricultura familiar a partir de três características: (i) a gestão das unidades produtivas e os investimentos eram realizados por indivíduos que mantinham laços consanguíneos (familiares); (ii) a força de trabalho empregada na atividade produtiva seria igualmente dos membros da família; (iii) a propriedade dos meios de produção deveria pertencer à família.

Para Ellis (2000), o desenvolvimento rural perfaz um conjunto de iniciativas que deveriam causar impactos na melhoria das condições de vida dos agricultores familiares, ampliando suas perspectivas de reprodução socioeconômica. Para o autor, a promoção do desenvolvimento no meio rural precisa considerar uma situação em que a reprodução social, econômica e cultural é garantida mediante a combinação de um repertório variado de ações, iniciativas, escolhas, enfim, uma dada sinergia entre ações endógenas e exógenas. A abordagem dos meios de vida, defendida pelo referido autor, era bem mais sofisticada do que a proposta pelo Pronaf em meados dos anos 1990. Afinal, como argumenta Lamarche (1998), seria necessário considerar a diversidade de lógicas produtivas dos estabelecimentos agrícolas da agricultura familiar. O fundamento teórico que se expressa na elaboração do Pronaf como política pública é bastante marcado por um viés econômico, enfatizando a dimensão agrícola, sua modernização e a inserção econômica dos agricultores familiares como repertórios quase que exclusivos à reprodução econômica dos estabelecimentos agrícolas. A definição de trajetórias de desenvolvimento de Van Der Ploeg (2008:22) nos instiga a refletir sobre a proximidade entre a concepção de desenvolvimento rural do Programa e aquilo que o autor define como "processo de industrialização":

(...) a industrialização representa, em primeiro lugar, uma desconexão definitiva entre a produção e o consumo de alimentos e as particularidades (e limites) do tempo e do espaço. Os espaços de produção e consumo (entendidos como localidades específicas) deixam de ter importância, assim como a inter-relação entre eles.

As discussões que incrementaram conceitualmente o debate sobre o meio rural brasileiro estiveram relacionadas, de modo marcante, aos resultados do Pronaf e à sua institucionalização (Mattei, 2006). Elas buscaram afirmar novas interpretações que atingiram um patamar relevante para os processos de elaboração de políticas públicas.

4. O "novo" rural brasileiro e as políticas públicas

Uma análise da literatura internacional permite demonstrar, como descrito por Schneider (2009), que há pelos menos três esforços significativos de redefinição conceitual e analítica da ruralidade no período recente. Estas leituras ou interpretações tiveram repercussões importantes nos estudos contemporâneos, com implicações para as concepções de desenvolvimento, inclusive a "abordagem territorial". A primeira perspectiva discute a definição da ruralidade com base nas mudanças socioeconômicas e demográficas, ressaltando a necessidade de encontrar definições que sejam capazes de dar conta desses processos.

A segunda perspectiva discute a ruralidade pelo viés das questões culturais e da representação, indicando que o espaço rural possui um significado que vai além das características paisagistas e das formas de uso dos recursos naturais. A terceira perspectiva é representada por estudiosos que analisam a ruralidade pela ótica das transformações geradas pelos processos sociais e econômicos do período pós-fordista, que produziram impactos e geraram reconfigurações nos espaços regionais. Esses autores destacam o papel da diversidade e da heterogeneidade dos espaços rurais forjados pelas mudanças societárias contemporâneas, como a descentralização econômica e política, as novas tecnologias informacionais, os fluxos de comunicação e interação (Schneider, 2009).

No caso específico do Brasil, Graziano da Silva (2001) aponta que as transformações no meio rural brasileiro aconteceram em função do processo de modernização agrícola. Schneider (2010:521) ao interpretar as contribuições daquele autor indaga sobre a emergência, no meio rural, de

(...) uma nova conformação econômica e demográfica que possui como característica fundamental a redução crescente das diferenças entre o urbano e o rural, especialmente no que se refere ao mercado de trabalho, devido ao crescimento da população ocupada em atividades não agrícolas. O rural deixa de ser "sinônimo de atraso" e se desconecta da agricultura, que passa a ser apenas uma de suas atividades.

Antes mesmo da apresentação dos resultados das pesquisas coordenadas por Graziano da Silva (2001), Warderley (2000) fez considerações similares ao apontar que a modernização, em seu sentido amplo, redefiniu, sem anular, as questões referentes à "relação campo e cidade", ao lugar do agricultor na sociedade, à importância social, cultural e política da sociedade local etc. Do mesmo modo, esse processo transformou e redefiniu a própria "profissão" de agricultor, o que implicou reconstrução da sua própria identidade.

Com efeito, esse processo leva a uma necessidade cada vez mais frequente de que os agricultores se tornem polivalentes e pluriativos, capazes de estender sua atuação profissional para além da produção agrícola e, assim, ampliar suas estratégias econômicas para obtenção de renda, com atividades agrícolas ou não, dentro ou fora dos estabelecimentos agropecuários. Nesta perspectiva, o "novo" rural é caracterizado pela presença de famílias que são pluriativas, combinando as atividades essencialmente agrícolas com não agrícolas, que promovem a integração setorial, representada pela agricultura em relação com o comércio e o setor de serviços; e a integração espacial, inter-relacionando as noções de rural com a de urbano.

As mudanças na economia rural são consequências da redução dos postos de trabalho e das alternativas de geração de renda, geralmente impostas pela mecanização agrícola e pela introdução de inovações tecnológicas que modificaram, em algumas regiões, a base técnica dos sistemas produtivos, forçando uma reorganização da ocupação da força de trabalho e obrigando a população rural a buscar atividades para garantir sua permanência no campo e a reprodução social das famílias (Favareto, 2007). O desenvolvimento rural, nessa concepção, requereria a participação tanto da agricultura como de outras atividades produtivas (industriais, artesanais e de serviço).

Na compreensão de que as áreas rurais extrapolam em termos socioeconômicos o estritamente agrícola, elas passam a desempenhar diferentes funções no processo geral de desenvolvimento e, ao longo desse processo, essas funções se modificam. A função produtiva, antes restrita à agricultura, passa a abranger diversas atividades, como o artesanato e o processamento de produtos naturais, o turismo rural e a conservação ambiental. A função populacional, que nos períodos de industrialização acelerada consistia em fornecer mão de obra para as cidades, inverte-se, sendo necessário o desenvolvimento de infraestrutura, serviços e oferta de empregos que assegurem a retenção da população nas áreas rurais. A função ambiental, nessa concepção, passa a receber mais atenção, após as fases iniciais da industrialização, demandando do meio rural (mais especificamente, dos atores sociais que nele vivem) a criação e proteção de bens públicos, como paisagem, florestas e meio ambiente em geral (Kageyama, 2008).

Enumeram-se a seguir, para ilustrar sinteticamente as novas concepções em cena, os diversos elementos que compõem esta "nova ruralidade", identificados por Wanderley (2000):

a) O rural se torna atrativo para categorias sociais de origem urbana, seja com fins produtivos, residenciais ou preservacionistas, acentuando a diversificação social, com a introdução de diferentes atores;

b) O desenvolvimento do setor rural dependerá do dinamismo das atividades do setor agrícola, mas também de sua capacidade de atrair, cada vez mais, outras atividades econômicas e de provocar uma "ressignificação" de suas próprias funções sociais;

c) O estabelecimento de relações de complementaridade com o urbano, em substituição ao caráter de antagonismo;

d) O crescimento demográfico, pela redução do êxodo rural e a atração de outras categorias sociais;

e) A "modernização rural", pela elevação das rendas e pela extensão ao rural de privilégios que antes eram exclusivos das cidades;

f) A valorização dos patrimônios natural e cultural das localidades, que passam a ser percebidos como fonte de desenvolvimento local, emprego e renda para a população;

g) Os novos papéis dos agricultores, que passam a explorar novas oportunidades e demandas, exigindo um desenvolvimento rural que oferte emprego, segurança alimentar, garantia da qualidade dos produtos e também proteção ambiental. Nesse novo processo os agricultores deverão contribuir para a preservação das paisagens rurais e para a guarda e reprodução das tradições culturais rurais, estendendo suas atividades profissionais para além do núcleo produtivo agrícola, tornando-se polivalentes e pluriativos.

A emergência dessa nova ruralidade implica concepções diferenciadas dos processos de desenvolvimento. O desenvolvimento das áreas rurais deveria passar a considerar a diversidade de formas produtivas na agricultura e também as diferenças entre as próprias áreas rurais. A diversidade das áreas rurais e dos processos de desenvolvimento rural pode resultar de diferentes combinações de meios de vida, lógicas produtivas, estilos e trajetórias de desenvolvimento e modos de funcionamento do território, por exemplo, com maior ou menor presença da pluriatividade, da produção familiar ou empresarial, do predomínio ou não do modelo de modernização agrícola para a intervenção social, ou da maior ou menor ênfase no controle ambiental (Ellis, 2000; Van Der Ploeg, 2008; Kageyama, 2008).

As diversas características do novo rural brasileiro passaram gradativamente a ser incorporadas pelos formuladores de políticas públicas. Veja-se o histórico de mudanças do Pronaf criando, ao longo de sua trajetória, linhas de crédito para responder a demandas diversificadas de recursos para o desenvolvimento rural. Mais que inovações conceituais, essas mudanças conceituais identificam de alguma forma as novas dinâmicas do espaço rural que, recomendam diversos autores, não poderiam ficar de fora dos planejamentos e processos de intervenção do Estado. A noção de desenvolvimento territorial do espaço rural assimilada pelo MDA — ou, como preferem outros autores, o enfoque territorial do desenvolvimento rural — tem lugar privilegiado nessa reflexão, pois, como veremos no tópico a seguir, procura incorporar esses novos elementos que compõem o conceito de ruralidade atualmente.

5. A emergência da abordagem territorial do desenvolvimento rural

Com as mudanças na concepção de rural e a emergência da agricultura familiar, as dinâmicas territoriais do desenvolvimento dos espaços rurais ganham relevância acadêmica e política e passam a fazer parte das agendas de pesquisas, consolidando-se, recentemente, como elemento importante das estratégias políticas de desenvolvimento. O Brasil incorpora a noção de território como componente do desenvolvimento e orientação para as políticas públicas. Em geral, essa noção, tanto para as políticas públicas como para os estudiosos, teve influência marcante de experiências europeias.

Abramovay (2000), apoiando-se no princípio de que ruralidade é um conceito de natureza territorial e não setorial, mostra que três aspectos básicos caracterizam o meio rural: a relação com a natureza, a importância das áreas não densamente povoadas e a dependência do sistema urbano. O bem-estar econômico das áreas de povoamento mais disperso depende, nessa argumentação, da atividade econômica das cidades próximas e mesmo dos grandes centros urbanos mais afastados. A abordagem territorial, nesse contexto,

(...) representa uma trama de relações com raízes históricas, configurações políticas e identidades que desempenham um papel ainda pouco conhecido no próprio desenvolvimento econômico. A economia tem prestado bastante atenção aos aspectos temporais (ciclos econômicos) e setoriais (complexos agroindustriais, por exemplo) do desenvolvimento, mas é recente o interesse por sua dimensão territorial ou espacial (Abramovay, 2000:385).

Para Veiga (2002), os critérios utilizados para demarcar as divisões territoriais nos diversos países são, em sua maioria, anacrônicos e não resultaram de nenhuma necessidade relacionada com o que ele denomina "desenvolvimento territorial". No caso do Brasil, o problema de classificação do que é rural é mais grave, dado que se baseia numa definição de "cidade" que exagera sobremaneira o grau de urbanização das mesmas. A visão do autor sobre o território foi balizada nos estudos sobre os distritos industriais marshallianos (recentemente chamados de Clusters), que focam a heterogeneidade do dinamismo econômico e dão ênfase à perspectiva de que "as iniciativas [econômicas] locais podem ser cruciais para o desenvolvimento, pois se tornam importante fator de competitividade ao fazerem dos territórios ambientes inovadores" (Veiga, 2002:5).

Para o referido autor parece estar havendo, de fato, uma revalorização da dimensão espacial da economia; mas tudo indica que tal evolução está longe de permitir que se considere a expressão "desenvolvimento territorial" como um conceito propriamente dito, além de se identificar a necessidade de conhecer seus efeitos práticos. Favareto (2007) discute que foi justamente a ideia de território que ganhou proeminência em relação a outras de maior tradição, como a noção de "região", que apresenta tantos conteúdos similares e reúne grande especialização em torno de si.

No Brasil, para a consolidação da abordagem territorial foram importantes as iniciativas políticas de "desenvolvimento regional", que começaram na década de 1970 com os Planos de Desenvolvimento Integrado (PDRIs), que representavam um esforço do governo para eliminar as desigualdades regionais focando mudanças em investimento de capital. Porém, naquelas iniciativas, não havia o incentivo à participação social (Guanzirolli, 2006).

Na década de 1990, o governo de Fernando Henrique Cardoso criou o Programa "Comunidade Ativa", inserindo estratégias de desenvolvimento regional em suas políticas sociais. O programa foi criado com o objetivo básico de combater a pobreza e promover o Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável (DLIS). O Ministério de Ciência e Tecnologia também desenvolveu iniciativas voltadas ao desenvolvimento regional, promovendo o desenvolvimento de Arranjos Produtivos Locais (APL).

O Ministério da Integração (MI) teve papel importante na institucionalização das políticas de regionalização ao construir em 2003 a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), que foi instituída como política de governo por meio do Decreto nº 6.047, de 22 de fevereiro de 2007. A própria PNDR explicita a dimensão territorial dos processos de desenvolvimento e declara o objetivo de tentativa de redução das desigualdades sociais e econômicas. Por meio da PNDR o MI implementa três grandes programas que possuem iniciativas voltadas para a reversão do quadro de desigualdade e de exclusão das regiões brasileiras e de suas populações: o Programa de Promoção da Sustentabilidade de Espaços Sub-regionais (Promeso), o Programa de Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Semiárido (Conviver) e o Programa de Promoção do Desenvolvimento da Faixa de Fronteira (PDFF).

Apesar das diversas iniciativas empreendidas pelo governo para efetivar o desenvolvimento regional como estratégia política, ela não ganhou relevância, e cedeu lugar a outras abordagens e direcionamentos. Surgem diferentes iniciativas, agora vinculadas à noção de sustentabilidade e desenvolvimento sustentável. Essas noções ("regional" e "sustentabilidade") agrupam uma série de princípios e diretrizes que contribuíram para fundamentar a noção de território, que se legitima posteriormente.

Junto à emergência da concepção de desenvolvimento sustentável (territorial) aparece um elemento central no processo: a participação social. Essa categoria se incorpora definitivamente nas discussões de políticas públicas principalmente com a Constituição de 1988 (Rocha e Filippi, 2007). Dessa forma, a utilização da noção de território ou da "abordagem territorial" do desenvolvimento também é relacionada a outros fatores, que vão além das questões econômicas e técnico-produtivas. Esses fatores estão relacionados às mudanças políticas e organizacionais na forma de gestão e atuação do Estado e das políticas públicas, assim como os modos de interação dos atores e das instituições da sociedade civil com o Estado.

De modo resumido, as discussões a respeito da abordagem territorial do desenvolvimento rural — e de suas diversas nuances — já vêm sendo introduzidas por formuladores de políticas públicas no Brasil, principalmente a partir da concepção de desenvolvimento sustentável e da incorporação da participação social como categoria essencial para a descentralização das políticas governamentais (Schneider, 2004).

Favareto (2007) argumenta nesse mesmo sentido, porém traz outro elemento importante para a compreensão da emergência da abordagem territorial. Nessa concepção, agentes do Estado surgem como atores que criam determinadas condições favoráveis aos investimentos territoriais, e os agentes privados são incorporados à estratégia, como executores de ações previstas nas políticas e programas.

A descentralização das políticas públicas e também da atividade industrial, associada à redução e a um certo redirecionamento da intervenção estatal, contribuíram para que, particularmente nos meados dos anos 80 e anos 90 se instituísse um padrão onde, em lugar dos investimentos diretos e do corte setorial, caberia ao Estado criar condições e um certo ambiente a partir do qual os agentes privados pudessem, eles mesmos, fazer a alocação, supostamente mais eficiente, dos recursos humanos e materiais. Aqueles processos sociais de corte eminentemente territorial e este novo padrão são, em síntese, as principais razões da emergência e consolidação desta nova abordagem territorial (Favareto, 2007:137).

Competitividade setorial, aprendizagem social e eficiência na alocação de recursos públicos são agrupadas como resultados esperados das políticas que assumem uma abordagem territorial. Os objetivos traçados por uma dada política são consequência da visão ou da representação que os formuladores possuem sobre o problema social que ela se propõe a resolver (Beduschi Filho e Abramovay, 2003). Considerando esses pressupostos, uma política de desenvolvimento rural é delimitada e delineada após a própria definição de rural. São várias as fontes que podem direcionar ou ajudar a construir essa visão sobre o rural. Nesse sentido, o autor aponta que, no Brasil, é notável que o viés de atuação das políticas de desenvolvimento rural coloca o rural como lugar de "atraso" em relação ao desenvolvimento das cidades, o que pode influenciar na concepção e no formato institucional das políticas públicas que incidem nos territórios rurais.

Para o autor citado há duas razões para isso, uma cognitiva, que reflete a representação instaurada nos "quadros mentais" da burocracia governamental, mas também de pesquisadores e das populações locais, na qual esses lugares e suas associações estão preestabelecidas. A outra é política, informando uma leitura que afirma que as populações locais não possuem meios nem recursos para pleitear outro tipo de investimento e de inserção governamental (Favareto, 2007).

Dentro do víeis político, a concepção de território adquire um conteúdo fortemente normativo quando assumido pelas políticas públicas. Cazella e colaboradores (2009) admitem essa perspectiva e apontam que a dimensão normativa implícita à noção não implica desconhecer que, mais que um resultado perseguido, o desenvolvimento territorial pode ser considerado uma metodologia, uma maneira de pensar e de ordenar as ações de desenvolvimento. Nesse sentido, ele representaria um processo de articulação de atores sociais e setores da sociedade, ligado, estreitamente, à noção de descentralização.

Território pode ser interpretado como o próprio resultado das dinâmicas territoriais nele incidentes, ou, então, na própria delimitação de um espaço físico, geograficamente definido, que reflete o "jogo dos atores sociais". Esse sentido esclarece a noção de "territórios dados" e "territórios construídos", apresentados por Pecqueur (2005). "Dados" porque são delimitações de áreas geográficas apenas para fins de ação do Estado; e os "construídos" referem-se ao território como construção social e formador de uma identidade coletiva.

Considerando o território como um espaço, sobretudo, de representações e apropriações simbólicas, as dinâmicas territoriais podem ser definidas como as evoluções e as traduções, num espaço geograficamente definido, dos projetos dos atores sociais. Dos projetos resultam interações que envolvem as múltiplas dimensões do desenvolvimento territorial. Assim, os territórios se formam a partir dessas dinâmicas, que, por sua vez, são o reflexo das ações no território, implicando analisar as representações econômicas, sociais, políticas e culturais das ações dos atores e das relações entre eles — normalmente relações de interações (cooperação) e de conflito pela disputa de poder e imposição de uma visão de mundo.

A emergência da abordagem territorial redefine, assim, as formas de intervenção por meio das políticas públicas e requer um aparato institucional que lhe garanta suporte. No Pronat, o MDA institui a necessidade de criação de Colegiados de Desenvolvimento Territorial, que possuem a função de serem espaços de concertação e discussão sobre os rumos dos territórios rurais. Além disso, os territórios instituídos pelo MDA são concebidos como forma de viabilizar a intervenção estatal no meio rural, balizada pelas concepções, apresentadas anteriormente, de ruralidade, multiescalaridade, pluriatividade etc. Esse aparato institucional que dá suporte às políticas públicas também é consequência das representações sobre o processo de desenvolvimento rural.

6. A dimensão institucional do desenvolvimento rural

Com as transformações na conceituação de rural e a emergência da abordagem territorial, trabalhos como o de Abramovay (2000) ressaltam a importância das instituições no processo de desenvolvimento. Nas considerações do autor, a abordagem territorial e a ressignificação da concepção de desenvolvimento rural, além de influenciar políticas públicas, precisam se alicerçar em instituições que garantam e induzam as mudanças desejadas. No entanto, criar novas instituições propícias ao desenvolvimento rural consiste "(...) antes de tudo em fortalecer o capital social dos territórios, muito mais do que em promover o crescimento desta ou daquela atividade econômica" (Abramovay, 2000:392).

Favareto (2007) é um dos importantes autores brasileiros da atualidade que discutem as mudanças institucionais oriundas da incorporação da "nova" visão do rural ao processo de desenvolvimento. O autor admite que a "nova visão" sobre o desenvolvimento rural

(...) se instituiu com força suficiente para reorientar o discurso e o desenho das políticas e programas formulados com este fim, mas isso não se fez acompanhado da criação de novas instituições capazes de sustentar este novo caminho. Ao contrário, o que parece estar ocorrendo é uma incorporação "por adição" dos novos temas onde, sob nova roupagem, velhos valores e práticas continuam a dar parâmetros para a atuação dos agentes sociais, coletivos e individuais, estabelecerem aquilo que a literatura em economia institucional chama de dependência de percurso (Favareto, 2007:140).

Há de se notar, de acordo com o próprio trabalho de Favareto, que a mudança pode ocorrer ao longo de um processo incremental, como pode ser motivada por rupturas ou transições mais aceleradas. E, apesar das inúmeras inovações introduzidas (sobretudo conceituais), a promoção das mudanças institucionais adequadas a essa "nova visão" do desenvolvimento rural se restringem às regras formais, direcionadas pelo Estado. As regras informais, que, por sua vez, controlam uma sociedade ou grupo social, são mais difíceis de modificação, pois são mais difusas e formadas por sedimentações de vários processos sociais, que podem envolver gerações e necessitam de aprendizado (Favareto, 2007).

Alguns autores, como Schejman e Berdegué (2003), chamam a atenção para um conjunto de elementos ou requisitos considerados essenciais na busca de uma adequada arquitetura institucional para o desenvolvimento rural com abordagem territorial:

  • As atribuições e capacidades dos governos locais em suas dimensões técnicas, administrativas e políticas;

  • A coordenação, mas também a existência de controles e equilíbrios, entre os distintos níveis de governo (nacional, estadual, municipal);

  • As redes e outras formas de associação entre os governos locais para gerar organizações de alcance regional capazes de empreender as tarefas de transformação produtiva que, de forma geral, ultrapassam as fronteiras municipais e as capacidades dos governos municipais;

  • As organizações econômicas e de representação da sociedade civil;

  • Os espaços e mecanismos para a concertação público-privada nas escalas e âmbitos que são pertinentes para o desenvolvimento territorial rural.

No caso do Brasil, a influência das mudanças conceituais no aparato institucional pode ser notada quando se analisam os processos recentes de revisão das políticas públicas de desenvolvimento rural. Assim, cabe discutir como o processo histórico e conceitual se reflete na institucionalidade do desenvolvimento dos espaços rurais brasileiros atualmente.

Na década de 1950 predominavam os arranjos institucionais entre interesses públicos e privados, que assumiam a forma de "comunidades de políticas", fechadas e oficialmente reconhecidas, baseadas em relações estreitas entre burocracias governamentais e grupos patronais específicos sob o domínio estatal. Nas décadas de 1960 e 1970 o desenho institucional prosseguiu na direção de estruturar um setor público rural de grande dimensão, com a criação de entidades mais vinculadas à concepção funcionalista de desenvolvimento (Sistema Nacional de Crédito, Extensão Rural e Embrapa). Em paralelo, cresce a importância dos grupos de interesse agindo como grupos formais ou informais nas instituições de governo (Bonnal e Maluf, 2009). Naquele momento a atividade agrícola começava a se integrar fortemente aos complexos agroindustriais, cabia ao Estado o papel de indutor da economia e, ao mesmo tempo, repressor dos conflitos que daí emergiam (Favareto, 2007).

Já nos anos 1980, com o fim do período militar e a ascensão dos governos democráticos, duas características podem ser ressaltadas quando se analisa o aparato institucional para a promoção do desenvolvimento. De um lado, nota-se que o processo de reforma do Estado (ajuste estrutural) provocou um conjunto de mudanças, tais como a multiplicação de atores organizados na vida política e social, a ampliação dos alvos e a diferenciação funcional dos programas públicos, a descentralização e a fragmentação do Estado, e também a erosão das fronteiras entre público e privado. Por outro lado, mudanças no aparelho do Estado limitaram sua capacidade autônoma de definir e implementar políticas públicas, favorecendo a produção de novos arranjos institucionais entre segmentos da burocracia e atores econômicos privados (Bonnal e Maluf, 2009).

Na prevalência da concepção de modernização, o processo de formulação de políticas públicas se ancorava no desenvolvimento dos complexos agroindustriais. Emergem novas formas de representação de interesses de setores específicos, como a Associação Brasileira de Agribusiness (Abag), organização que representa segmentos agrários patronais e agroindustriais. Também surgem as Câmaras Setoriais da agroindústria. Essas organizações criavam coalizões de interesses individualizados e uma burocracia segmentada em verdadeiras frações (Bonnal e Maluf, 2009).

Dessa forma, nota-se que, incapaz de acompanhar as rápidas mudanças em curso, o Estado passou a sofrer sucessivas alterações em suas funções e incumbências, que lhe haviam sido atribuídas com maior intensidade a partir de meados do século XX. Modificam-se desde as suas estruturas até o caráter de suas ações, deixando de ser o indutor do desenvolvimento econômico e passando a ser o seu regulador, alterando seu caráter centralizador para uma forma mais suscetível e permeável à participação das diversas instâncias e organizações da sociedade civil.

Com a emergência da abordagem territorial, principalmente com o Pronat, a ação do Estado em termos de desenvolvimento rural, e no âmbito de ação do Ministério de Desenvolvimento Agrário, tomou outros eixos. Apresentava-se a necessidade de passar de uma abordagem setorial para uma abordagem territorial, e, além disso, arquitetar um novo arranjo institucional que lhe desse suporte. Nesse período é emergente a discussão e a criação de formas de coordenação das ações públicas de caráter participativo, trazendo à tona a ideia de que a concepção adotada pela política pública requer um aparato institucional específico que lhe dê condições operacionais.

As mudanças de referencial do desenvolvimento rural provocaram modificações das regras de descentralização de recursos públicos, tentando redistribuir as responsabilidades do Estado, ora entre os próprios órgãos públicos, localizados em diferentes níveis de gestão, ora criando espaços de mediação, associando órgãos públicos e atores da sociedade civil, como os Colegiados de desenvolvimento territorial, no caso dos territórios rurais.

Ainda na década de 1990 foram criados instrumentos importantes como na área financeira (Lei de Responsabilidade Fiscal) e na área de administração (fóruns, participação e controle social e ações de capacitação dos gestores). As políticas públicas ganham novas configurações. No Plano Plurianual (PPA) 1996-99, elaborado no governo Fernando Henrique Cardoso, observa-se a preocupação de se anteciparem as necessidades do país para facilitar seu desenvolvimento econômico. No PPA 2000-03, o projeto de Estado se apoiou em eixos indicados para conduzir o desenvolvimento, estabelecendo regras de estabilização da economia. No governo Lula, por mais que resguarde continuidades do governo FHC, nota-se, analisando os PPAs, modificações nos eixos de desenvolvimento. Incorporam-se com muito mais peso políticas sociais e territoriais voltadas amplamente para o combate à pobreza e à estagnação de regiões economicamente vulneráveis, baseando-se exatamente nas novas concepções sobre a promoção do desenvolvimento. Essas medidas significam, grosso modo, a preocupação e a introdução de um modelo de desenvolvimento diferenciado, "alternativo", ou com "medidas alternativas". O PPA 2008-11 apresenta ainda mais nitidamente a introdução da abordagem territorial das políticas públicas, como uma forma de induzir a territorialização para a ação pública (Bonnal e Maluf, 2009).

A política de desenvolvimento territorial do MDA é um marco dos processos de indução de territorialidades à ação pública por meio da criação do Pronat e de sua participação no programa Territórios da Cidadania (criado em 2008). Nessa política se incorporam inúmeras referências que trazem a noção da "nova visão" sobre o desenvolvimento rural (Freitas et al., 2010). A estratégia declarada do MDA para a implementação das políticas de desenvolvimento rural é que:

O apoio ao desenvolvimento da agricultura familiar, à reforma agrária e ao reordenamento agrário harmoniza-se perfeitamente com o desenvolvimento territorial, assim como este se ajusta perfeitamente às prioridades de combate à pobreza e à fome, e ao desenvolvimento e integração regional, na medida em que estabelecem condições do florescimento de uma dinâmica de desenvolvimento descentralizado, interiorizado, participativo e sustentável (Brasil, 2003:11).

Desta forma, as políticas de desenvolvimento rural estabelecidas pelo MDA apresentam a pobreza rural como um dos principais escopos de ação. A forma de encarar o combate à pobreza do meio rural nos revela como os elementos conceituais incorporados à noção de desenvolvimento rural mudam e moldam as abordagens do Estado. As estratégias dos programas do MDA apresentam um caráter de inovação em relação às políticas do passado, propõem, em termos, o reconhecimento da diversidade da agricultura familiar e do acesso à terra como "dois elementos capazes de enfrentar a raiz da pobreza e da exclusão social no campo", e incluem a participação social como forma de qualificar a gestão pública.

7. Considerações finais

No século XXI, desde o início dos anos 2000, tem ganhado cada vez mais relevância, como pretendemos demonstrar, a chamada abordagem territorial do desenvolvimento rural. Tal abordagem seria uma forma de revalorizar as escalas espaciais na promoção do desenvolvimento, desmistificando a ideia de que o rural se restringe ao agrícola, e criando um paralelo entre as dinâmicas socioeconômicas dos espaços rurais e urbanos. A tendência da adoção da abordagem territorial e as mudanças conceituais que a suportam são claramente confirmadas pelas estratégias políticas do Estado brasileiro na criação do MDA e da Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT).

No tocante à formulação dos programas e estratégias políticas, é possível observar que elas podem ocorrer, basicamente, de duas formas. Por um lado, a agenda do Estado pode ser definida a partir das próprias demandas emanadas da sociedade, por meio de reivindicações populares, pressões de movimentos sociais e organizações do meio rural, que acreditam na eficiência de resposta do Estado. Por outro lado, a agenda pode ser influenciada pelos pesquisadores acadêmicos, que revelam determinadas situações e propõem medidas para reverter certos quadros. O Estado, diante destas pesquisas, pode assumir certas concepções teóricas que balizam a construção dos planejamentos das ações das políticas públicas (Saravia, 2006).

As fundamentações teóricas abordadas neste artigo demostraram que as mudanças nas concepções de rural e de desenvolvimento rural foram substancialmente importantes para promover uma mudança de perspectiva na ação do Estado. Políticas antes voltadas a subsídios agrícolas, ao crédito para financiar a aquisição de "avançados" sistemas tecnológicos e incentivar a produção, estiveram relacionadas ao período de modernização da agricultura, no qual desenvolvimento era compreendido como sinônimo de crescimento econômico. Atualmente, com a crise do modelo de desenvolvimento consolidado pela modernização, as políticas públicas ganham novos contornos, com especial atenção à forte tendência à participação social, ao foco na agricultura familiar e no acesso à terra. Esses temas dialogaram com a emergência recente da abordagem territorial, incorporada pelo Programa Nacional de Desenvolvimento de Territórios Rurais e pelo Programa Territórios da Cidadania.

Com a implementação da política territorial, o MDA institucionalizou a preocupação de atrelar as ações da política a atividades rurais não agrícolas, tais como o artesanato e o turismo de base comunitária, e também passou a considerar as expressões culturais como parte do processo de desenvolvimento. Assim, na indução aos territórios rurais e aos territórios da cidadania, o Estado buscou incorporar as inúmeras mudanças conceituais e institucionais reveladas pela literatura em suas estratégias de intervenção. A política do MDA busca combinar crescimento econômico e equilíbrio social e ambiental, o que aos poucos vem moldando um novo paradigma do desenvolvimento.

As mudanças conceituais, portanto, têm sido importantes no direcionamento das políticas públicas e na ação do Estado. Elas estão ligadas a novas leituras da realidade e não deixam que se cristalizem formas antigas e ultrapassadas de promoção do desenvolvimento. É diante dessas mudanças que os formuladores de políticas públicas tentam adequar as demandas sociais aos serviços ofertados pelo Estado.

Essas mudanças, conceituais e institucionais, que referenciam novos modelos e padrões de intervenção do Estado no desenvolvimento rural, ainda sinalizam que não há mais como desconsiderar as especificidades locais quando se pensa em promover mudanças em prol de uma ideia abstrata de desenvolvimento. O desenvolvimento já não é mais algo "exportável" (teoricamente, como modelos replicáveis) de um lugar para outro. Os contextos locais e suas características têm um papel determinante no desempenho de programas e políticas.

Artigo recebido em 19 out. 2011 e aceito em 5 set. 2012

Alan Ferreira de Freitas é professor assistente do departamento de administração e contabilidade da Universidade Federal de Viçosa (UFV). E-mail: freitasalan@yahoo.com.br.

Alair Ferreira de Freitas é doutorando em administração pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: alairufv@yahoo.com.br.

Marcelo Miná Dias é professor adjunto do Departamento de Economia Rural da UFV. E-mail: minad@ufv.br.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jan 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 2012

Histórico

  • Recebido
    19 Out 2011
  • Aceito
    05 Set 2012
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