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Esforços de inovação organizacional e qualidade do serviço: um estudo empírico sobre unidades hospitalares

Esfuerzos de innovación organizacional y calidad de los servicios: una investigación empírica sobre unidades hospitalarias

Organizational innovation and service quality: an empirical analysis on hospital units

Resumos

O debate sobre mudança institucional no sistema público de saúde no Brasil tem dispensado pouca atenção à inovação organizacional nas Unidades Hospitalares (UHs). Recorrendo às abordagens da inovação e da informação incompleta na análise econômica, este artigo analisa os dados de uma amostra de conveniência contendo dez relatórios da Acreditação Hospitalar, para confirmar a dinâmica das relações entre a efetividade de normas, rotinas e protocolos, o treinamento de pessoal e a qualidade do serviço nas UHs. Como contribuição teórica, o modelo formulado analisa a relação entre a inovação organizacional, a qualidade do serviço prestado na UH, a expansão da UH e o desenvolvimento do mercado de serviços de saúde. O resultado do modelo é que o efeito da inovação organizacional na qualidade do serviço em UHs de referência é maior do que o efeito dos esforços de treinamento.

organização interna; esforço de inovação organizacional; treinamento de pessoal; qualidade do serviço; acreditação hospitalar


El debate acerca del cambio institucional en el sistema público de salud en Brasil ha concedido muy poca atención a la innovación organizacional en Unidades Hospitalarias (UHs). Utilizando la óptica del Análisis Económico cuanto a la innovación y a la información incompleta, este trabajo investiga datos originados de una muestra de conveniencia con diez relatos sobre Acreditación Hospitalaria para confirmar la existencia de relaciones entre la calidad de los servicios prestados por UHs, de un lado, y la efectividad de normas, rutinas y protocolos y la formación del personal, de otro lado. En términos teóricos el modelo propuesto contribuye al análisis de la relación entre innovación organizacional, calidad de servicios, crecimiento de UHs y desarrollo del mercado de servicios de salud. Más específicamente, resulta del modelo que el impacto de la innovación organizacional sobre la calidad de los servicios es más fuerte que el efecto de la formación del personal.

organización interna; esfuerzo de innovación organizacional; formación del personal; calidad de servicios; acreditación hospitalaria


Recent debate on institutional change in the Brazilian public health system pays little attention to organizational innovation in Hospital Units (HUs). Calling upon the analytical framework proposed by Economic Analysis to investigate asymmetric information and innovation, this paper analyzes the connections among effectiveness of rules, routines and protocols, staff training, and service quality in HUs with the help of statistical analysis of Hospital Accreditation reports. The convenience sample consisted of ten reports containing perceived assessment data. As a theoretical contribution, the proposed model analyzes the dynamic relationship between organizational innovation, service quality and growth in HU and development of the market for healthcare services. Empirical findings show that the effect of organizational innovation in Referral Hospital Units is stronger than the effect of staff training.

internal organization of hospitals; organizational innovation; staff training; service quality; accreditation standards for hospitals


ARTIGOS

Esforços de inovação organizacional e qualidade do serviço: um estudo empírico sobre unidades hospitalares

Organizational innovation and service quality: an empirical analysis on hospital units

Esfuerzos de innovación organizacional y calidad de los servicios: una investigación empírica sobre unidades hospitalarias

Marcelino José JorgeI; Frederico A. de CarvalhoII; Renata de Oliveira MedeirosIII

IUniversidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ)

IIUniversidade Federal do Rio de Janeiro (Facc/UFRJ)

IIIInstituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (Ipec/Fiocruz)

RESUMO

O debate sobre mudança institucional no sistema público de saúde no Brasil tem dispensado pouca atenção à inovação organizacional nas Unidades Hospitalares (UHs). Recorrendo às abordagens da inovação e da informação incompleta na análise econômica, este artigo analisa os dados de uma amostra de conveniência contendo dez relatórios da Acreditação Hospitalar, para confirmar a dinâmica das relações entre a efetividade de normas, rotinas e protocolos, o treinamento de pessoal e a qualidade do serviço nas UHs. Como contribuição teórica, o modelo formulado analisa a relação entre a inovação organizacional, a qualidade do serviço prestado na UH, a expansão da UH e o desenvolvimento do mercado de serviços de saúde. O resultado do modelo é que o efeito da inovação organizacional na qualidade do serviço em UHs de referência é maior do que o efeito dos esforços de treinamento.

Palavras-chave: organização interna; esforço de inovação organizacional; treinamento de pessoal; qualidade do serviço; acreditação hospitalar.

ABSTRACT

Recent debate on institutional change in the Brazilian public health system pays little attention to organizational innovation in Hospital Units (HUs). Calling upon the analytical framework proposed by Economic Analysis to investigate asymmetric information and innovation, this paper analyzes the connections among effectiveness of rules, routines and protocols, staff training, and service quality in HUs with the help of statistical analysis of Hospital Accreditation reports. The convenience sample consisted of ten reports containing perceived assessment data. As a theoretical contribution, the proposed model analyzes the dynamic relationship between organizational innovation, service quality and growth in HU and development of the market for healthcare services. Empirical findings show that the effect of organizational innovation in Referral Hospital Units is stronger than the effect of staff training.

Key words: internal organization of hospitals; organizational innovation; staff training; service quality; accreditation standards for hospitals.

RESUMEN

El debate acerca del cambio institucional en el sistema público de salud en Brasil ha concedido muy poca atención a la innovación organizacional en Unidades Hospitalarias (UHs). Utilizando la óptica del Análisis Económico cuanto a la innovación y a la información incompleta, este trabajo investiga datos originados de una muestra de conveniencia con diez relatos sobre Acreditación Hospitalaria para confirmar la existencia de relaciones entre la calidad de los servicios prestados por UHs, de un lado, y la efectividad de normas, rutinas y protocolos y la formación del personal, de otro lado. En términos teóricos el modelo propuesto contribuye al análisis de la relación entre innovación organizacional, calidad de servicios, crecimiento de UHs y desarrollo del mercado de servicios de salud. Más específicamente, resulta del modelo que el impacto de la innovación organizacional sobre la calidad de los servicios es más fuerte que el efecto de la formación del personal.

Palabras clave: organización interna; esfuerzo de innovación organizacional; formación del personal; calidad de servicios; acreditación hospitalaria.

1. Introdução

Este artigo é uma contribuição empírica sobre a importância dos esforços de inovação organizacional relativos ao estabelecimento de normas, rotinas e protocolos de procedimentos em unidades hospitalares.

Os objetivos da pesquisa básica, dedutiva e quantitativa aqui apresentada são:

(1) testar a hipótese de associação entre, de um lado, os esforços de inovação organizacional relativos ao estabelecimento de normas, rotinas e protocolos de procedimentos, e o treinamento de pessoal e, de outro lado, a qualidade do serviço prestado; os esforços de inovação serão identificados a priori nas chamadas "funções de organização" utilizadas para a representação da unidade hospitalar na Acreditação Hospitalar (AH); e

(2) ressaltar a influência potencial daquelas características sobre o desempenho da unidade hospitalar, visando agregar conhecimento e contribuição gerencial a respeito da organização interna da unidade hospitalar, assim como sobre os efeitos que essas características organizacionais exercem sobre a expansão das unidades hospitalares e, em última instância, sobre o desenvolvimento do mercado de serviços de saúde.

Reconhecidamente gerenciados segundo critérios qualitativos de tomada de decisão (Ubel, 1999), os custos e os benefícios das atividades de atenção à saúde tornaram-se uma preocupação dos formuladores de políticas em todo o mundo. No Brasil, diante do aumento dos gastos com a saúde pública, dos problemas constantes de financiamento e do crescimento da rede privada de assistência à saúde, tem sido enfatizada a necessidade de aumentar a qualidade do gasto e a eficiência dos serviços. Essa nova ênfase tem sido acompanhada do argumento de que, na área pública, não é possível alcançar a melhoria de eficiência dentro das atuais formas jurídico-institucionais da administração pública direta.

Nesse contexto, as unidades hospitalares (UHs) do setor privado transformaram-se no principal prestador de serviços hospitalares do país, enquanto a maior parte da rede pública de saúde foi ocupada por UHs da rede municipal e 2% do total de UHs do sistema de saúde brasileiro constituíram a rede federal em 2002 (La Forgia e Couttolenc, 2008:29-30).

Contando com recursos de transferências governamentais insuficientes e preservando objetivos de universalidade e de integralidade de atendimento de serviços públicos, ao mesmo tempo que atuando como prestadoras de serviços comerciais com prioridade absoluta para a obtenção de resultado econômico, a busca de posicionamento em mercado dessas unidades hospitalares resultou, além disso, na intensificação de suas estratégias de concorrência.

Duas preocupações orientam, em suma, os objetivos da mudança institucional do sistema de saúde brasileiro em gestação: (a) concentrar as unidades da rede pública nas atividades efetivamente indelegáveis à regulação do mercado, tais como a de atenção integral aos portadores de doenças infecciosas crônicas; e (b) garantir a relevância (Ginkel e Dias, 2006) e a qualidade das organizações privadas e de seus programas, de modo a assegurar a qualidade dos serviços e a proteger o usuário contra prestadores de serviços fraudulentos.

Menos explorados na literatura, no entanto, este artigo trata dos "esforços" (OEA, 2001:20) de inovação organizacional e gerencial (OCDE, 2004:130) - induzidos nas unidades hospitalares por "mecanismos inteligentes de incentivo" (Engel, 1995) - e de seus efeitos na expansão das unidades e no crescimento do mercado de serviços de saúde no Brasil, uma vez que "as evidências disponíveis sugerem que a adoção bem-sucedida de programas de acreditação ou de certificação baseada em padrões está associada com eficiência e qualidade significantemente maiores" (La Forgia e Couttolenc, 2008:315).

Cabe destacar que, de fato, a adesão das unidades hospitalares ao sistema de gestão da certificação hospitalar, em paralelo à mudança institucional ensaiada, visou replicar o papel que os chamados sistemas de certificação do controle da qualidade (Engel, 1995) - ou programas de certificação baseada em padrões (La Forgia e Couttolenc, 2008:29-30) - deveriam preencher como mecanismos orientados pelo mercado.

À Acreditação Hospitalar, como mecanismo de incentivo, pode ser associado o propósito de, por meio da certificação da qualidade, contribuir para o barateamento do custo de transação que não é incorporado ao preço cobrado do consumidor de um serviço complexo, comercializado com base na experiência de uso (Engel, 1995), de modo a: (i) complementar a informação suprida normalmente pelo prestador do serviço; (ii) contribuir para a expansão das atividades da unidade hospitalar; e (iii) promover o desenvolvimento do mercado de serviços de saúde como um todo.

Do ponto de vista da organização interna das unidades hospitalares, por sua vez, a Acreditação Hospitalar é um processo de avaliação externa independente e periódica que, mediante relatórios educativos reservados entregues à unidade hospitalar, (a) busca determinar se a unidade hospitalar atende a um conjunto de padrões de qualidade do cuidado ao paciente; (b) envolve um processo educativo para promoção do controle da qualidade de iniciativa interna; e (c) descentraliza o incentivo ao treinamento de pessoal e aos esforços de inovação organizacional para a solução dos problemas de compromisso relacionados à fixação e à efetividade das suas normas, rotinas e protocolos (Façanha e Resende, 2010).

Em particular, os esforços em prol da qualidade do serviço prestado resultam no preenchimento mais completo dos padrões da Acreditação Hospitalar nas Unidades Hospitalares Prestadoras de Serviços de Saúde de Referência (UHRs). Focalizando as funções de organização destacadas na representação das unidades hospitalares pela Acreditação Hospitalar, este estudo formula um modelo sobre a dinâmica das relações entre a inovação de normas, rotinas e protocolos, o treinamento de pessoal e a qualidade do serviço da Unidade Hospitalar Prestadora de Serviços de Saúde de Referência (UHR) e o explora sob a ótica da relação potencial entre qualidade do serviço e desempenho da UHR.

Usadas para quantificar as variáveis do modelo proposto, as pontuações dos Elementos de Mensuração dos Padrões com Foco no Paciente e dos Padrões de Administração de Instituições de Saúde, relativas às 11 funções de organização da unidade hospitalar, são objeto do Manual Internacional de Padrões de Acreditação Hospitalar da Joint Comission International (JCI) (CBA, 2003). A partir das pontuações em uma amostra de conveniência composta de dez relatórios de avaliação de unidades não identificadas, o estágio evolutivo dessas características da unidade - seu "nível de conformidade" - pode ser arbitrado à época da avaliação.

Resumindo, o problema de pesquisa neste estudo é aplicar o modelo proposto para descobrir se existe associação entre, de um lado, as características relativas ao estabelecimento de normas, rotinas e protocolos de procedimentos e à capacitação de pessoal e, de outro lado, a qualidade do serviço prestado nas Unidades Hospitalares Prestadoras de Serviços de Saúde de Referência, aqui entendida como indicador relevante para avaliar (indicativamente, portanto) a importância relativa da influência dessas características sobre o desempenho organizacional.

Mais especificamente, a importância da sua organização interna é medida como o resultado observado nas "consequências" (Birkinshaw, Hamel e Mol, 2008:841) dos esforços de inovação empreendidos em normas, rotinas e protocolos de procedimentos para a qualidade dos serviços prestados na unidade, independente da qualificação do seu pessoal.

Do ponto de vista empírico, o estudo utiliza dez relatórios de avaliação educativa da Acreditação Hospitalar elaborados pelo Consórcio Brasileiro de Acreditação (CBA) com base no Manual de Certificação Hospitalar da JCI.

O texto está organizado em cinco seções, incluindo esta introdução. A próxima seção trata da aplicação do marco analítico da economia da inovação ao mapeamento da inovação organizacional nas unidades hospitalares e utiliza alguns conceitos da economia da informação assimétrica e da economia da organização interna da firma para (a) caracterizar as consequências da inovação organizacional nas Unidades Hospitalares Prestadoras de Serviços de Referência (UHRs); e (b) analisar a evolução das relações que prevalecem entre, de um lado, a inovação organizacional relativa ao estabelecimento de normas, rotinas e protocolos e a capacitação de pessoal e, de outro lado, a qualidade do serviço prestado nas UHRs. A terceira seção especifica o método da pesquisa, incluindo a fonte dos dados usados na pesquisa empírica e os procedimentos adotados para tratá-los. Os resultados de um estudo de caso único sobre a inovação organizacional, o treinamento e a qualidade do serviço em UHRs e a análise sobre a associação entre estas variáveis em dez UHRs brasileiras são apresentados na quarta seção. A última seção é dedicada às conclusões.

2. Marco analítico

A seleção das variáveis do modelo proposto neste artigo (Jaafaripooyan et al., 2011) está fundamentada em conceitos da economia da gestão, tais como a função da organização na nova economia institucional (North, 1994), as representações e a natureza da inovação em unidades hospitalares (Djellal e Gallouj, 2005), a análise de eficiência (Ozcan, 2008), o ajuste mútuo na teoria das configurações (Mintzberg, 1995) e a falha de governabilidade, a abrangência da inovação organizacional (Birkinshaw, Hamel e Mol, 2008; OCDE, 2004), a busca de vantagem competitiva através do treinamento (Bateson e Hoffman, 2001), a certificação da qualidade (Engel, 1995), a satisfação do consumidor pela qualidade (Iacobucci et al., 2004) e a descentralização dos incentivos na organização (Façanha e Resende, 2010).

Esses conceitos, reunidos, fundamentam a noção básica de que a Acreditação Hospitalar (AH) é um mecanismo de incentivo e de que, portanto, a conformidade do resultado da inovação organizacional e a conformidade do resultado do treinamento aos padrões da AH são dois fatores de promoção da qualidade do serviço na unidade hospitalar. Articulando os aspectos teóricos e empíricos deste estudo, essa noção básica orienta a formulação do modelo calculado sobre as relações entre a inovação organizacional, o treinamento e a qualidade do serviço prestado e também justifica o uso dos dados dos relatórios educativos da AH na pesquisa empírica do estudo. Em consequência, dá suporte ao teste da hipótese de que a inovação organizacional tem mais efeito sobre a qualidade do serviço prestado nas unidades hospitalares, sobre a expansão dessas organizações e sobre o desenvolvimento do mercado de serviços de saúde do que o treinamento de pessoal.

2.1 Organização, estrutura hierárquica e governabilidade na unidade hospitalar

Discutindo as raízes do desempenho econômico, a nova economia institucional (NEI) sustenta que o crescimento está fortemente associado à função e à evolução das instituições (North, 1994). Sublinhando a importância das limitações institucionais no processo de tomada de decisão econômica, a NEI especifica que, em uma sociedade, as instituições constituem as regras de um jogo em que os "jogadores" são as organizações, tais como as firmas, e os consumidores (Garcia e Goldbaum, 2001).

Como decorrência, vale sublinhar, as instituições podem ser restrições formais ou informais, ou, ainda, ser os mecanismos responsáveis pelo cumprimento dessas regras e restrições (Garcia e Goldbaum, 2001). Além disso, podem ser entendidas como padrões sistemáticos de expectativas comuns, como normas aceitas e como rotinas de interação que têm efeitos sobre a formação de motivações e comportamentos dos conjuntos interligados de atores sociais (North, 1994). Enquanto as agências reguladoras, as firmas, as cooperativas, os clubes, os hospitais, as escolas e as universidades são organizações (North, 1994).

North (1994) declara, a propósito, que as instituições determinam os custos de transação e de produção, juntamente com a tecnologia empregada. Coase (1980) assinala, por sua vez, que os resultados neoclássicos sobre mercados eficientes só são obtidos quando não há custos de transação e que as instituições passam a adquirir importância quando estes são consideráveis. Assim, a existência de mercados eficientes, necessários ao crescimento econômico, será viabilizada por um conjunto de instituições políticas e econômicas que ofereçam transações de baixo custo (North, 1994). Em outras palavras, o segredo para atingir o crescimento econômico está nos "estímulos institucionais" - regras, leis e costumes - à acumulação de capital e, para que a eficiência econômica seja duradoura, é essencial haver instituições que se adaptem às novas oportunidades (North, 1994).

Segundo a teoria das configurações, por seu turno, a configuração de organização interage com diversos outros aspectos organizacionais, tais como a forma de gestão, as relações de poder, os mecanismos de coordenação e os parâmetros de desenho, assim como com a efetivação das formas de padronização, considerada particularmente importante, em síntese, para estabelecer as condições de governabilidade e eliminar as dificuldades mais persistentes de organização interna das unidades hospitalares (Harris, 1977).

Entre as tensões do convívio da especialização profissional com a insuficiência de incentivo à coordenação e ao compromisso na unidade hospitalar, algumas dizem respeito, em particular, aos grupos de interesse internos, que devem ser considerados na formulação de políticas e metas, uma vez que as medidas de desenvolvimento desencadeiam processos complexos, não limitados a simples redefinições técnico-administrativas (Rovere, 1997).

O "ajuste mútuo" entre a administração e os prestadores de serviços clínicos da unidade hospitalar (Harris, 1977) depende da governabilidade através, por exemplo, de instâncias deliberativas e consultivas, substitutas da supervisão direta e estruturadas na forma de colegiados de gestão participativa da organização (Mintzberg et al., 2006:187).

2.2 Função de produção neoclássica, unidade hospitalar e inovação organizacional

A inovação organizacional na unidade hospitalar é um tema desafiador na literatura econômica, em face das dificuldades para (a) representá-la como organização econômica; (b) caracterizar-lhe a produção e a inovação; e (c) mapear a inovação organizacional.

Sob a ótica neoclássica da firma, a unidade multiprodutora é representada por uma função de produção, segundo a qual o produtor tem informação completa sobre os preços dos insumos e sobre as possibilidades técnicas de combiná-los. Essa ótica de representação da firma enfatiza (a) a inovação de sistemas tecnológicos e de gestão - core innovation - em detrimento da inovação do serviço a eles integrado - "inovação periférica"; (b) a "inovação radical" vis-à-vis a "inovação incremental"; e (c) "a busca do ótimo, com base nas regras que governam os preços" no sistema de saúde (Djellal e Gallouj, 2005:819).

Segundo contribuições recentes sobre a inovação na unidade hospitalar, no entanto, os agentes econômicos não dispõem, de fato, de informação completa para as decisões sobre as transações no mercado de serviços de saúde. Além disso, a natureza diversificada da produção e da inovação na unidade interfere nas causas e nos "princípios de organização diretores" (Djellal e Gallouj, 2005) da inovação na unidade. Finalmente, os resultados da pesquisa empírica podem subsidiar a formulação de modelos teóricos sobre a inovação organizacional.

Como destacam os autores da chamada teoria do crescimento endógeno, o conhecimento tratado como "bem livre", a inovação exógena e a ausência de desequilíbrios com ineficiência no curto prazo são hipóteses equivalentes à de informação completa no modelo de equilíbrio da firma em concorrência perfeita no curto prazo (Romer, 1994).

Nos modelos de determinação da firma em concorrência imperfeita, no entanto, a inovação não resulta unicamente da escolha racional do "ótimo", em função dos preços relativos e do "estado da técnica". Na verdade, a existência de um custo da informação implica o reconhecimento de vários aspectos que fogem ao contexto neoclássico, tais como estruturas de organização interna que substituem a regulação do mercado e a regulamentação (Harris, 1977), eventuais ineficiências na escolha de técnicas (Ozcan, 2008), ocorrência de aprendizado e de inovação adaptativa e incremental, heterogeneidade tecnológica, e o custo da chamada "sinalização da qualidade", incorrido pelo produtor para viabilizar a comercialização dos bens cujo consumo depende da experiência de uso (Engel, 1995).

Quanto à inovação organizacional, em particular, Birkinshaw, Hamel e Mol (2008) concluem que a contribuição da literatura sobre suas diferentes formas e processos constituintes e sobre seu elo com a inovação tecnológica é limitada. Ademais, a falta de integração do estudo da inovação ao estudo das organizações é também considerada responsável pela inexistência de um quadro de referência teórico consistente (Lam, 2005). Finalmente, admite-se que a confirmação de que certos tipos de inovação organizacional contribuem mais para a criação de vantagens competitivas depende de novas evidências que permitam distinguir entre seu impacto no desempenho da firma inovadora e o impacto do processo de difusão nas organizações e dos benefícios para a sociedade como um todo (Birkinshaw, Hamel e Mol, 2008).

2.3 Mudança tecnológica, inovação e treinamento na unidade hospitalar

Quanto ao efeito do avanço científico e do progresso técnico na pesquisa biomédica, pode-se afirmar que as grandes descobertas são relativamente poucas, persistindo, sim, a busca de inovação incremental, em que o volume de informações geradas sobre estes novos métodos de atendimento, com resultados por vezes conflitantes, introduz novos riscos para os pacientes e custos cada vez maiores, tornando a medicina cada vez mais complexa, transformando a atualização em uma tarefa para o esforço coletivo, acionando meios institucionais e requerendo o desenvolvimento de estruturas organizacionais apropriadas.

Diante da dificuldade com que se defronta para padronizar o atendimento, o corpo médico empenha a reputação dos seus membros como especialistas e, sendo independente seu compromisso com o paciente, reivindica soberania na elaboração do protocolo clínico, com vistas à eficácia do atendimento. As regras internas - formais e informais - que regem a alocação de recursos em uma unidade hospitalar são complexas (Harris, 1977), de forma que estudos recentes associam a percepção efetiva da qualidade do serviço de saúde prestado, condicionada pela experiência de uso (Engel, 1995), à preocupação de introduzir novos processos de gerência da informação para monitorar e coordenar as atividades de assistência em situações de informação incompleta, visando a eficácia da gestão na unidade hospitalar - target of measurement (Djellal e Gallouj, 2005:829).

No mercado de saúde, por outro lado, "a omissão frente a aspectos referentes ao desenvolvimento dos recursos humanos é tender à negligência na prestação de qualquer dos seus tipos de serviço que lhe são potencialmente atribuíveis" (Malik, 1992). Funcionários adequadamente preparados para o trabalho, que possuam atitude adequada em relação ao serviço e que saibam aproveitar o suporte de sistemas, de tecnologias, dos demais prestadores de serviços internos e de seus gerentes e supervisores com eficácia, são uma das condições para o sucesso de uma organização (Grönroos, 2003).

Para Lovelock e Wright (2004), capacitação significa dotar os funcionários das habilidades, das ferramentas e dos recursos de que necessitam para utilizar seu próprio arbítrio profissional com confiança e eficácia. O propósito do treinamento é aumentar a produtividade do funcionário em seu cargo, influenciando o seu comportamento (Certo, 1994), fazendo-o contribuir melhor para os objetivos organizacionais, ou seja, é uma via para um melhor desempenho competitivo (Bateson e Hoffman, 2001). Isso significa mudar o que os funcionários conhecem, como trabalham, suas atitudes perante o trabalho ou suas interações com os colegas ou supervisor.

2.4 Bens comercializados com base na experiência de uso e sinal de qualidade

A maioria dos autores postula que a satisfação do consumidor com um serviço é função da qualidade percebida e, por conseguinte, da disparidade entre a expectativa prévia e a percepção do consumidor quanto à utilização do serviço. A definição de que existe avaliação favorável por parte do consumidor sempre que sua percepção sobre a experiência com o serviço é melhor do que esperava é um ponto estabelecido na pesquisa teórica em marketing de serviços (Iacobucci et al., 2004; Bateson e Hoffman, 2001).

Quanto aos serviços escolhidos com base na experiência de uso, por exemplo, surgem dificuldades para concretizar um acordo entre as partes envolvidas na transação, ignoradas no modelo neoclássico de concorrência perfeita (Romer, 1994), que não exis-tiriam se a informação necessária fosse disponível por completo e sem custos. Segundo os pressupostos alternativos da economia da informação (Engel, 1995), quando deseja serviços com essas características, o usuário investe tempo e faz despesas para avaliar a qualidade do que lhe é oferecido, assim como o prestador do serviço depende de informações sobre os usuários de que normalmente não dispõe e que não consegue obter com facilidade mesmo quando precisa.

Nas aplicações da teoria do consumidor às condições da concorrência em mercados imperfeitos de bens e serviços é destacado que uma parcela relevante desses custos de transação decorre das "assimetrias" entre as informações de que os produtores e consumidores dispõem no momento da transação (Engel, 1995:9) e que podem, além disso, ser muito altos em alguns mercados, impedindo as transações entre as partes e, em alguns casos, bloqueando completamente a formação do mercado.

Diante das dificuldades decorrentes para o desenvolvimento das atividades econômicas (Viscusi, Vernon e Harrington, 1997:716-717), seja pelas vias da regulação direta ou judicial, seja pela via do mercado, ganha destaque, então, o incentivo que o produtor possa ter para proporcionar a informação adequada sobre o produto (ou serviço) ao consumidor. O fato de ser dispendioso tanto avaliar se o serviço prestado corresponde às características anunciadas pelo produtor, quanto decidir sobre a adequada compensação devida ao consumidor em caso contrário, concorre para essa situação (Engel, 1995:24).

No mercado de serviços de saúde, em particular, tal tipo de garantia de exclusão a priori das distorções associadas à presença de assimetria de informação costuma ser descartado (Harris, 1977), uma vez que são transacionados serviços cuja qualidade, em geral, só é percebida após terem sido adquiridos (Ozcan, 2009:289).

Todas as transações, seja entre as unidades hospitalares, seja entre os produtores ou consumidores no seu interior, envolvem custos adicionais aos do preço pago pelo serviço, considerado specially tailored to a particular patient (Djellal e Gallouj, 2005:818). Por força desses "custos de transação", o aumento da satisfação dos clientes assegura maior rentabilidade no futuro, menores custos relacionados a produtos e serviços defeituosos e níveis superiores de retenção e de lealdade do consumidor: o aumento da lealdade reduz o custo de transações futuras (Iacobucci et al., 2004).

Existem, então, transações envolvendo barganha entre a administração da unidade hospitalar e o profissional prestador de serviços clínicos, entre a administração e o paciente e seus familiares, entre os prestadores de serviços clínicos e o paciente e seus familiares, e entre a administração e a coletividade. Nessa atividade, portanto, a questão central para o bom funcionamento do mercado é saber se os produtores têm o incentivo suficiente para informar o consumidor sobre as características do bem e saber o que fazer a respeito de forma adequada (La Forgia e Couttolenc, 2008:264).

O reconhecimento de que os consumidores mais bem educados beneficiam tanto a si próprios quanto promovem um "efeito aprendizado" sobre a qualidade do serviço prestado para benefício da sociedade como um todo explica a importância hoje atribuída ao efeito con-junto da informação, do treinamento do prestador de serviço clínico e da gestão participativa com governabilidade para o controle das perdas de terceiros, para a expansão da unidade hospitalar e para o desenvolvimento do mercado de serviços de saúde em geral.

A conclusão dessa análise, como destacam Djellal e Gallouj (2005:818), é que "(the) quality and dynamic (in the sense of aptitude for innovation) of these services has significant effects on the efficiency of medical services proper".

2.5 Sistema de certificação do controle de qualidade e incentivo

Portanto, quando não há incentivo para que a informação suprida pelo prestador de serviço seja suficiente, pode ser vantajoso para prestadores e consumidores que a informação seja suprida por terceiros. A moderna teoria do consumidor destaca, a propósito, os chamados mecanismos orientados pelo mercado - market-based remedies (Engel, 1995:24-33).

Entre esses mecanismos, os sistemas de certificação do controle de qualidade são um caso importante. Com o efeito, em primeiro lugar, de aumentar o número de consumidores informados de imediato, tais sistemas ainda dão origem a externalidades positivas que beneficiam os consumidores desinformados de maneira mais geral. Um exemplo desse tipo de sistema é o da Acreditação Hospitalar, surgida no Brasil na década de 1980 e regulamentada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Apreciados, em segundo lugar, pelo efeito que o processo educativo de conformação das características gerenciais aos padrões da Acreditação Hospitalar desencadeia na unidade hospitalar, aqueles sistemas também operam como mecanismos de descentralização do incentivo à sua reorganização interna e ao treinamento de pessoal (Façanha e Resende, 2010) e são considerados estratégicos para o desenvolvimento da qualidade dos serviços de saúde na América Latina pela Organização Mundial de Saúde e pela Organização Pan-Americana de Saúde (Schiesari e Kisil, 2003; Feldman, Gatto e Cunha, 2005).

2.6 Acreditação Hospitalar, inovação gerencial e treinamento na unidade hospitalar

Os sistemas de acreditação hoje existentes no país incluem o CBA, o da Organização Nacional de Acreditação (ONA) e o do Controle de Qualidade Hospitalar (CQH), baseados nas normas da Joint Comission on Accreditation of Healthcare Organizations. Seu uso cresceu entre os hospitais brasileiros, inclusive entre os governamentais, e há evidências de que contribuem para ganhos de eficiência e de qualidade bem significativos (El-Jardali et al., 2008). De fato, os hospitais federais têm recorrido, indiferentemente, aos sistemas de certificação da JCI e da ONA e há registros de acreditação pela JCI em hospitais públicos e privados capixabas, cariocas, gaúchos, mineiros e paulistas e pela ONA em Minas Gerais.

O Manual internacional de padrões de acreditação hospitalar da JCI, por exemplo, organiza os padrões, propósitos, elementos de mensuração dos padrões, políticas e procedimentos de AH em funções consideradas comuns às unidades hospitalares, divididas em dois grupos relativos ao cuidado com o paciente e à garantia de segurança, eficácia e boa gerência da unidade.

Os elementos de mensuração (EMs) de um padrão são os requisitos do padrão e de seus propósitos, que são avaliados e verificados e aos quais é atribuída uma pontuação durante a avaliação da acreditação. São classificados de duas formas nas avaliações: Padrões com Foco no Paciente e Padrões de Administração de Organizações de Saúde (CBA, 2003).

Os seus avaliadores são profissionais da área da saúde, com nível superior e experiência média de 10 anos, recrutados após um curso de formação realizado na agência acreditadora e etapa de capacitação envolvendo três observações de avaliação, uma avaliação como trainee e uma avaliação supervisionada por avaliador. Nessa avaliação são utilizadas perguntas de livre escolha do avaliador, mas baseadas nos padrões do manual da acreditação, com vistas a verificar as conformidades do hospital em avaliação diante desses padrões.

O manual é dividido em 11 capítulos. Os seis primeiros compreendem os Padrões com Foco no Paciente: (a) o de Acesso ao Cuidado e Continuidade do Cuidado (ACC); (b) o de Direitos dos Pacientes e Familiares (DPF); (c) o de Avaliação dos Pacientes (AP); (d) o de Cuidado aos Pacientes (CP); (e) o de Educação de Pacientes e Familiares (EPF); e (f) o de Prevenção e Controle de Infecções (PCI). Os outros cinco contemplam os Padrões de Administração de UHs: (g) o de Melhoria da Qualidade e Segurança do Paciente (QPS); (h) o de Governo, Liderança e Direção (GLD); (i) o de Gerenciamento do Ambiente Hospitalar e Segurança (GAS); (j) o de Educação e Qualificação dos Profissionais (EQP); e (l) o de Gerenciamento de Informação (GI).

A cada elemento de mensuração é atribuída uma das seguintes opções de pontuação: "Conformidade" (C); "Conformidade Parcial" (PC); ou "Não Conformidade" (NC). Como resultado, é elaborado um relatório completo com as pontuações da avaliação (CBA, 2003).

A avaliação verifica a conformidade da unidade hospitalar com base em: (a) entrevistas com profissionais e pacientes; (b) observações locais, feitas pelos avaliadores e outros documentos fornecidos pela unidade; e (c) resultados de autoavaliações, quando fizerem parte do processo de acreditação (CBA, 2003). Um relatório dos avaliadores a respeito da indicação ou não da unidade para a acreditação é gerado ao final da avaliação. O certificado tem um prazo de validade, findo o qual a unidade deve submeter-se a nova avaliação (Quinto Neto e Bittar, 2004; Feldman, Gatto e Cunha, 2005).

Em face da realização de avaliações periódicas independentes, as pontuações conferidas e sua evolução no tempo são consideradas manifestações objetivas do desenvolvimento organizacional das unidades hospitalares neste estudo (Ginkel e Dias, 2006).

Como exemplificado nos quadros 1 e 2, os 959 EMs avaliados são distintos quanto à sua identificação com os aspectos de organização, treinamento e qualidade do serviço da UH.



A literatura sobre o desempenho das unidades hospitalares sujeitas a informação incompleta no ambiente de competição destaca, em suma, os efeitos potenciais da mudança nos processos internos de gestão dos incentivos aos esforços de inovação organizacional para a solução dos problemas de compromisso relativos à fixação e à efetividade de normas, rotinas e protocolos e aos esforços de treinamento de pessoal sobre a qualidade do serviço, a expansão das unidades e o desenvolvimento do mercado de serviços de saúde.

Com a mudança recente no marco de regulação do mercado de serviços de saúde e na gestão das unidades hospitalares, os esforços de inovação organizacional de normas, rotinas e protocolos, a descentralização do treinamento de pessoal e a adoção de sistemas de certificação do controle da qualidade do serviço (Donahue e O'Leary, 2000) substituem a regulamentação de tipo "comando e controle" e a regulação direta como mecanismos de incentivo à redução dos custos de transação, contribuindo para o desenvolvimento do mercado de bens e serviços comercializados com base na experiência de uso (Donabedian, 1980).

Nesse contexto, a aferição empírica do resultado efetivo desses mecanismos sobre o desempenho das unidades hospitalares brasileiras no ambiente de competição ganha importância como uma questão de interesse da economia da organização interna e orienta a escolha dos métodos de análise dos dados aplicáveis.

3. Método

Em face da importância conferida na literatura aos efeitos dos conflitos internos de interesse e dos problemas de coordenação e compromisso sobre as boas práticas, o desempenho e a sustentabilidade da organização, a hipótese de pesquisa deste estudo é que: inobstante a capacidade profissional dos quadros de RH, a persistência de incentivo insuficiente aos esforços de inovação organizacional para a solução dos problemas de compromisso relativos à fixação e à efetividade de normas, rotinas e protocolos de organização interna está associada à perda de qualidade do serviço nas Unidades Hospitalares Prestadoras de Serviços de Referência (UHRs).

Definido o esforço de inovação organizacional da unidade hospitalar como a variação da pontuação conferida pela acreditação às características relativas ao estabelecimento de normas, rotinas e protocolos de procedimentos da unidade hospitalar, o enunciado numérico e os procedimentos de coleta e análise de dados usados para quantificar a inovação, o treinamento e a qualidade do serviço, bem como as relações entre estas funções de organização nas Unidades Hospitalares Prestadoras de Serviços de Referência (UHRs), servem de base para estudar a associação entre estas variáveis e para testar a hipótese da pesquisa através (a) de um estudo de caso único sobre a dinâmica do processo de conformação aos padrões da acreditação e (b) da análise dos dados provenientes de uma amostra de conveniência de dez relatórios da acreditação.

3.1 Quantificação das variáveis e etapas do teste de hipótese

Para a avaliação empírica do efeito da descentralização do incentivo à reorganização interna e ao treinamento sobre a qualidade do serviço da unidade hospitalar, os 959 EMs com pontuação nos relatórios da Acreditação Hospitalar foram a priori distinguidos segundo três grupos de características gerenciais, diferentes entre si com respeito ao tipo de contribuição esperada da conformação dos EMs de cada grupo para obter a certificação, tal como nos exemplos dos quadros 1 e 2: (1) o grupo dos 318 EMs identificados com a inovação organizacional de solução dos problemas de compromisso para a fixação e a efetividade de normas, rotinas e protocolos; (2) o grupo dos 74 EMs identificados com o treinamento; e (3) o grupo dos 567 EMs identificados com a qualidade.

A seguir, a análise exploratória dos dados extraídos de um estudo de caso sobre a evolução das pontuações dos 959 EMs desses três grupos entre dois relatórios da acreditação para uma Unidade Hospitalar Prestadora de Serviços de Referência (UHR) foi feita mediante (a) o cálculo das frequências relativas e das médias das pontuações "Conformidade" (C) e "Não Conformidade" ou "Conformidade Parcial" (NC ou PC) de EMs para os três grupos nos dois relatórios e (b) a comparação da evolução destas frequências nos três grupos de EMs.

Finalmente, para confirmar as relações entre essas características gerenciais das Unidades Hospitalares Prestadoras de Serviços de Referência de uma forma mais geral, foi executada uma análise confirmatória dos dados extraídos da amostra de dez relatórios da acreditação envolvendo, primeiro, apurar a pontuação de cada elemento de mensuração (EM) e a frequência relativa das diferentes pontuações dos EMs em cada grupo nos dez relatórios. Essas frequências relativas foram usadas como "pesos" para calcular, em seguida, a média ponderada das pontuações atribuídas aos EMs do grupo correspondente, uma vez utilizadas as notas de avaliação dadas a cada pontuação ordinal pelos avaliadores nos relatórios: notas 10 (dez), 5 (cinco) e 0 (zero) para as pontuações "Conformidade" (C) e "Não Conformidade" ou "Conformidade Parcial" (NC ou PC), respectivamente.

As médias ponderadas resultantes foram transformadas em três variáveis métricas contínuas (ou escores) representativas da consolidação das pontuações do conjunto dos EMs de cada grupo de interesse em cada relatório da amostra, que podem assumir qualquer valor do intervalo [0,10] e são identificadas mnemonicamente pelos símbolos: (a) MEDINORGK para o escore de inovação organizacional no K-ésimo relatório; (b) MEDTRENAK para o escore de treinamento no K-ésimo relatório; e (c) MEDQUALIK para o escore de qualidade do serviço no K-ésimo relatório.

Quantificadas as variáveis explicativas MEDINORGK e MEDTRENAK e a variável explicada MEDQUALIK, a análise exploratória dos dados baseou-se em tabelas de frequência e tabelas cruzadas e o teste não paramétrico do coeficiente de correlação de Spearman (Siegel, 1975) foi usado para verificar a existência de associação entre essas variáveis.

3.2 Coleta e análise dos dados

A amostra de conveniência utilizada neste estudo é composta de dez relatórios de avaliação de unidades hospitalares (UHs) não identificadas que foram concluídos entre 2004 e 2008 e extraídos do acervo do CBA sem prévio conhecimento dos objetivos do estudo. Inobstante as restrições de divulgação observadas durante o processo de acreditação, foi possível classificar as UHs amostradas pelo tipo de propriedade: cinco UHs são da rede pública e cinco são da rede privada.

A seleção das variáveis quantificadas, vale reiterar, foi respaldada em questões conceituais e não apenas em bases empíricas, constituindo fator decisivo quando da opção pela técnica bivariada para o teste da hipótese de pesquisa deste estudo.

Quanto à análise dos dados, considerando (a) o pequeno número de unidades de observação disponíveis, (b) a elevada correlação entre as variáveis independentes que supostamente exercem influência na qualidade do serviço e (c) a pequena variância dos escores usados como variáveis independentes (tabela 4), a análise de regressão múltipla foi descartada (Gujarati, 2006), preferindo-se a análise de associação (correlação ordinal) para estudar as relações da inovação organizacional e da capacitação de pessoal com a qualidade do serviço das Unidades Hospitalares Prestadoras de Serviços de Referência.

4. Apresentação e análise dos resultados

Nesta seção, os resultados da análise exploratória dos dados se referem ao estudo de caso sobre a evolução das características gerenciais selecionadas no Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (Ipec) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no período 2003-2006. A seguir, aparecem os resultados sobre a análise exploratória de dez relatórios da Acreditação Hospitalar relativos àquelas mesmas características. Finalmente, os resultados da análise confirmatória sobre os dez relatórios concluem a seção.

4.1 Estudo de caso

Nos anos 1980, o objetivo de criar uma organização de pesquisa clínica e assistência de referência com capacidade de resposta ao Ministério da Saúde brasileiro (MS) trouxe as pesquisas sobre AIDS, Dengue e HTLV para o Ipec. Em 2010, o Ipec foi designado Instituto Nacional de Infectologia.

De hábito, portanto, o Ipec contrata recursos especializados, oferece treinamento, investe em novos laboratórios e busca a melhoria dos serviços e a assistência humanizada e de referência, vivendo as tensões de uma organização em crescimento. Seus principais recursos são de fonte orçamentária, mas faz parcerias e presta serviços remunerados.

A gestão do Ipec é colegiada, com decisões tomadas pelo Conselho Deliberativo (CD). Um dos seus programas é o de "desenvolvimento institucional", inspirado nos incentivos dos organismos multilaterais aos esforços internos de inovação organizacional em busca de governabilidade (Rovere, 1997).

O Ipec aderiu à Acreditação Hospitalar em 2002. Os dados dos relatórios da acreditação sobre o Ipec de 2003 e 2006 mostram queda do número absoluto dos EMs relativos aos esforços de inovação de normas, rotinas e protocolos e à qualidade do serviço com pontuação de "Conformidade" (C) - de 189 para 166 EMs e de 415 para 372 EMs, respectivamente, sem redução dos EMs identificados com o treinamento de pessoal. A tabela 1 mostra as diferenças de evolução das frequências relativas de "Conformidade" (C) de atendimento e violação - "Conformidade Parcial" ou "Não Conformidade" (PC ou NC) - dos padrões entre os grupos:

(a) no grupo dos EMs com ênfase nos esforços de inovação organizacional, o afastamento dos padrões da Acreditação Hospitalar (AH) cresceu em 23% e a convergência caiu em 15% dos critérios;

(b) no grupo dos EMs com ênfase no treinamento de pessoal, a convergência aos padrões da AH foi mantida para o conjunto dos critérios; e

(c) no grupo de EMs com ênfase na qualidade do serviço prestado, a distância dos padrões cresceu em 26% e a convergência aos padrões da AH caiu em 10% dos critérios.

Os resultados obtidos indicam que a força de trabalho do Ipec manteve a capacitação no período. Entretanto, os padrões de efetividade dos esforços de inovação organizacional do tipo estudado e da qualidade do serviço deterioraram. O aumento da falha de adesão aos padrões da acreditação - a taxa de adição de novos EMs com pontuação PC ("Conformidade Parcial") ou NC ("Não Conformidade") - foi maior entre os EMs com foco na qualidade do serviço (26%) do que nos EMs com foco na inovação (23%). A redução da convergência aos padrões - a taxa de eliminação de EMs com pontuação original (C) - foi maior nos EMs com foco na inovação (15%) do que nos EMs com foco na qualidade do serviço (10%).

Através das frequências obtidas no estudo de caso do Ipec também é possível observar o seguinte tipo de associação entre essas características no triênio:

- as falhas de efetividade dos esforços de inovação do tipo estudado aumentaram (23%), em simultâneo com uma deterioração ainda maior da qualidade do serviço (26%); e

- o abandono dos padrões de efetividade das normas, rotinas e protocolos aumentou (15%), junto com menor abandono dos padrões de qualidade do serviço prestado (10%).

4.2 Análise exploratória dos dados sobre acreditação hospitalar

Conforme explicado antes, a base empírica desta análise consiste de dois conjuntos de dados. Primeiro, as pontuações atribuídas pelos avaliadores aos EMs dos três grupos de características gerenciais das unidades hospitalares, associados aos motivos "inovação organizacional relativa ao estabelecimento de normas, rotinas e protocolos", "capacitação de pessoal" e "qualidade do serviço" nos dez relatórios examinados. Segundo, os escores de avaliação, calculados de acordo com as notas de avaliação adotadas para cada pontuação.

De início, foram usadas tabelas de frequência para examinar a presença das boas práticas de gerência da qualidade do serviço prestado nestas organizações. A tabela 2 mostra alguma heterogeneidade na aderência relativa aos padrões da acreditação em cada um dos três grupos de características gerenciais das unidades hospitalares (UHs) avaliadas nos dez relatórios, independente do tipo de propriedade de cada uma. Tanto nas UHs da rede pública quanto nas da rede privada de serviços de saúde constata-se a convivência entre características já compatíveis com as boas práticas e características pendentes de aperfeiçoamento. Pode ser observado, ainda, que os escores calculados para a nota de avaliação das UHs estudadas são relativamente elevados nos três grupos de EMs e que o aperfeiçoamento subjacente das características gerenciais também pode ser constatado entre as UHs sujeitas às regras da administração pública da amostra.

Na tabela 3, no entanto, dois resultados qualificam melhor as práticas gerenciais nas unidades hospitalares (UHs) avaliadas: a frequência relativa média da pontuação C ("Conformidade") é alta nos três grupos de EMs; e é alta em cada UH da amostra, independente do tipo de propriedade. Em consequência, todas as UHs da amostra podem ser caracterizadas como Unidades Hospitalares Prestadoras de Serviços de Referência (UHRs), mesmo as pertencentes à rede pública.

Por fim, a análise da tabela cruzada dos rankings dos escores de notas de avaliação conferidas a essas Unidades Hospitalares Prestadoras de Serviços de Referência (UHRs) per-mite concluir que os escores mais altos para os esforços de inovação organizacional são, com frequência, das mesmas UHRs cujos escores de descentralização do treinamento de pessoal e de qualidade do serviço também são mais altos. A tabela 4 mostra, em particular, que às UHRs com nota de organização interna mais alta também correspondem os três escores de capacitação de pessoal e da qualidade do serviço mais altos, a um só tempo que as UHRs com os três menores escores de organização interna também receberam as três piores notas em treinamento de pessoal e qualidade do serviço.

Da análise exploratória dos dados dos dez relatórios da acreditação examinados resultam, portanto, evidências em suporte às conclusões do estudo de caso sobre o Ipec.

4.3 Análise confirmatória

A seguir, quanto à associação entre as variáveis representativas da inovação organizacional, do treinamento e da qualidade do serviço das Unidades Hospitalares Prestadoras de Serviços de Referência avaliadas, a tabela 5 apresenta-as ordenadas segundo escores crescentes de organização interna.

Usando os resultados dessa ordenação por postos, o coeficiente de correlação de Spearman é um indicador que mede o sentido e a força das relações entre as variáveis explicativas - Esforços de Inovação Organizacional e Treinamento de Pessoal - e a Qualidade do Serviço na Unidade Hospitalar Prestadora de Serviços de Referência (UHR). Primeiro, o teste sobre esse coeficiente confirma associação positiva entre as variáveis testadas e a adoção das boas práticas de qualidade do serviço nas UHRs. A força dessa relação é evidenciada para ambas as características organizacionais destacadas no estudo de caso e na análise exploratória dos dados, ou seja, os esforços de inovação (r = 0,94) e o treinamento de pessoal (r = 0,82). Além disso, a associação entre a qualidade do serviço e os esforços de inovação é mais forte (Triola, 2005). Cabe destacar a adequação de usar o coeficiente ordinal de Spearman, dado que houve apenas um empate nas ordenações (em treinamento).

5. Conclusão

Esta pesquisa analisou (a) os fundamentos econômicos da adoção do mecanismo da Acreditação Hospitalar (AH) na transição para o modelo de administração pública gerencial no Brasil, (b) o tipo de evidência produzido nos relatórios da AH e (c) os dados da AH que confirmam as relações entre a mudança dessas características organizacionais e de treinamento e a qualidade do serviço nas Unidades Hospitalares Prestadoras de Serviços de Referência (UHRs), com os objetivos de (a) estabelecer a dinâmica das relações da inovação em normas, rotinas e protocolos e do treinamento de pessoal com a qualidade do serviço; e (b) caracterizar os efeitos potenciais dos esforços de inovação organizacional e do treinamento sobre o desempenho das UHRs e o desenvolvimento do mercado de serviços de saúde.

Explorando as conexões entre os conceitos de instabilidade da organização interna com "ajuste mútuo" (Mintzberg et al., 2006:187) e de assimetria da informação, de bem de experiência, de qualidade do serviço e de certificação da qualidade provenientes da teoria dos incentivos (Engel, 1995), assim como entre os conceitos de fixação de normas, rotinas e protocolos, de incentivo aos esforços de inovação na organização interna da firma (Façanha e Resende, 2010) e de mapeamento da inovação organizacional (Birkinshaw, Hamel e Mol, 2008:826831), a primeira etapa da análise foi atingida pela confirmação de uma dinâmica padrão das relações entre inovação organizacional, treinamento e qualidade do serviço.

Dessa forma, foi possível explorar a conexão entre, de um lado, as análises desenvolvidas na literatura sobre as relações do treinamento de pessoal e da inovação organizacional com o desempenho da unidade hospitalar (UH) e, de outro, o efeito potencial da conformidade dos padrões de organização interna e treinamento da Acreditação Hospitalar (AH) sobre os padrões da qualidade do serviço da AH, o desempenho da UH e o desenvolvimento do mercado de serviços de saúde.

Para dar sequência à análise, a exposição dos dados dos relatórios da AH e a menção ao grande número de relatórios de acervo da AH visaram despertar: (a) o interesse pelo estudo da representação da UH como unidade produtiva e dos mecanismos de organização interna que podem suprir o incentivo para a melhoria dos serviços de saúde; e (b) um novo tipo de engajamento da cúpula estratégica e do núcleo operacional (Mintzberg, 1995) da UH, em que a percepção de ambos sobre as relações existentes entre as rotinas específicas, as funções da organização e o posicionamento estratégico da UH pode contribuir para o compromisso do gerente com o suporte à rotina das divisões operacionais, ao mesmo tempo que pode motivar, a partir do descortino de um horizonte de inserção mais abrangente e funcionalmente promissor, o compromisso do especialista com os objetivos estratégicos da organização.

A despeito do escopo perceptual dos dados utilizados, este estudo contribui, em primeiro lugar, para a divulgação de uma fonte de dados inédita na pesquisa sobre economia da gestão, visto haver pouca literatura apoiada nessa base empírica.

O estudo também contribui para a promoção do ajuste mútuo entre o núcleo operacional e a cúpula estratégica, na medida em que a influência da cultura em questões dessa natureza já é conhecida (Kreps, 1990) e os resultados apresentados favorecem o entendimento da necessidade de compromisso da cúpula estratégica da unidade hospitalar com a descentralização dos incentivos de organização interna e de treinamento de pessoal (Façanha e Resende, 2010) e esclarecem a importância do monitoramento dos padrões das funções de organização para o posicionamento estratégico da unidade e, em última análise, para o desenvolvimento do mercado de serviços de saúde.

Com respeito à terceira etapa dessa abordagem, o estudo abordou a função regulatória dos sistemas de certificação do controle de qualidade no desenvolvimento do mercado de bens e serviços comercializados com base na experiência de uso (La Forgia e Couttolenc, 2008), destacando conceitos correlatos da análise econômica dedicada a aplicações da teoria dos custos de transação ao desenho dos mecanismos de incentivo orientados pelo mercado da política de "proteção ao consumidor". Identificados os fundamentos da doutrina da Acreditação Hospitalar desta forma, o modelo de análise construído com este referencial permitiu explicar a acreditação de um subconjunto das funções de organização da unidade hospitalar como exemplo dos mecanismos de gestão pró-eficiência destas organizações no ambiente de competição imperfeita.

As conclusões deste estudo contribuem, portanto, para elucidar elementos da doutrina da Acreditação Hospitalar e facilitam o entendimento dos profissionais de saúde sobre a integração das suas atividades específicas com o conjunto das funções de organização, fornecendo um incentivo para o seu engajamento à dinâmica interna de mudança da UHR (Grönroos, 2003).

Com respeito ao primeiro objetivo, a análise dos dados dos relatórios da AH foi útil para o conhecimento da dinâmica da inovação nas UHRs, trazendo uma contribuição à pesquisa sobre os "princípios de organização diretores da inovação nos hospitais" (Djellal e Gallouj, 2005:825). Primeiro, a análise exploratória dos dados no estudo de caso permitiu acumular evidências sobre as relações existentes entre os esforços de inovação organizacional e a qualidade do serviço nesta UHR. Em segundo lugar, a análise confirmatória dos dados sobre a dinâmica da inovação organizacional, do treinamento e da qualidade do serviço extraídos de dez relatórios da AH permitiu confirmar a hipótese de associação direta entre persistência de esforços de inovação insuficientes e perda da qualidade do serviço nas UHRs, independente do treinamento do pessoal e do tipo de propriedade.

Quanto ao segundo objetivo, os resultados apresentados, consistentes com a literatura da nova economia institucional (North, 1994) e da economia da organização interna da firma (Façanha e Resende, 2010), evidenciaram que, se influenciado pela qualidade do serviço (Bom Angelo, 2011:214), o crescimento efetivo das UHRs avaliadas está associado à busca de solução dos problemas de ajuste mútuo entre os profissionais, os pacientes e a administração. Além disso, os mecanismos de gestão voltados à solução dos problemas de coordenação e de compromisso ajudam a explicar a importância do incentivo aos esforços de inovação organizacional de normas, rotinas e protocolos.

Com efeito, foi possível confirmar uma associação direta entre a inovação com foco na efetividade de normas, rotinas e protocolos e a melhoria da qualidade do serviço, de forma a identificar uma fonte potencial para a expansão da UH, independente do tipo de propriedade, assim como para o desenvolvimento do mercado de serviços de saúde, ou seja, evidenciar que a contribuição da qualidade do serviço para a expansão da UH e o desenvolvimento do mercado constitui uma das "causas" potenciais da "inovação organizacional" na Unidade Hospitalar Prestadora de Serviços de Referência (Birkinshaw, Hamel e Mol, 2008:831, 833-839).

Com relação ao marco da análise econômica da inovação, o resultado implícito sugere que a substituição dos pressupostos neoclássicos de racionalidade alocativa e de coordenação através do mercado (Façanha e Resende, 2010) com informação completa é compatível com o rompimento da dicotomia "mudança tecnológica" - "mudança da técnica" a que a representação da inovação pela função de produção neoclássica se viu confinada (Djellal e Gallouj, 2005:819). Quando o produtor não conhece a tecnologia de produção a priori (Ozcan, 2009) e a "escolha informada" do consumidor é condicionada à experiência de uso do serviço (Engel, 1995), a unidade produtiva multiprodutora busca vantagem competitiva por meio da inovação incremental e da inovação organizacional.

Uma contribuição gerencial deste estudo foi indicar que a falha de efetividade das rotinas tem implicações negativas para a qualidade dos serviços das Unidades Hospitalares Prestadoras de Serviços de Referência (UHRs) com padrão elevado de certificação no treinamento de RH. Foi possível confirmar, ainda, que, comparado com o efeito do treinamento de pessoal (Grönroos, 2003), o efeito mais significativo sobre a qualidade do serviço nas UHRs está associado aos esforços de inovação organizacional. Assim, a dificuldade para promover os esforços internos de inovação organizacional e de treinamento vai impedir a melhoria da qualidade do serviço na unidade hospitalar e representar um handicap para o sucesso da estratégia de prestação de serviço da organização, além de constituir um obstáculo ao desenvolvimento do mercado de serviços de saúde.

Em outras palavras, como primeira consequência dinâmica da relação estabelecida, decorre que a violação adicional da efetividade das normas, rotinas e protocolos resulta em que-bra de qualidade do atendimento da Unidade Hospitalar Prestadora de Serviços de Referência ainda maior. Além disso, foi evidenciada uma segunda consequência dessa relação, a saber, a redução das deficiências de qualidade dos serviços é obtida com a eliminação comparativamente maior das falhas de normas, rotinas e protocolos - e com mais esforço.

O conhecimento dessa dinâmica pode, enfim, incentivar a participação ativa do pro-fissional na organização interna, uma vez que seu primeiro compromisso é com o paciente (Harris, 1977) e com a qualidade do serviço, que guarda associação com a necessidade de um esforço pró-efetivação de normas, rotinas e protocolos ainda maior e cujo insucesso, por sua vez, pode trazer um aumento da perda de qualidade do serviço. Resta à cúpula estratégica, portanto, a opção de descortinar mecanismos para descentralizar o incentivo aos esforços de inovação organizacional e tornar compatível a natural propensão à diversidade, ao crescimento e à integração vertical, inerente à organização eficaz da atividade de assistência, mas que esbarra na falta de recursos, escapa à regulamentação de tipo comando e controle e provoca comportamento interno não cooperativo capaz de agravar a ineficiência da Unidade Hospitalar Prestadora de Serviços de Referência.

Nesse sentido, a contribuição gerencial desta análise diz respeito à importância da inovação promotora da efetividade de normas, rotinas e protocolos para o desempenho da Unidade Hospitalar Prestadora de Serviços de Referência. As implicações desse resultado não podem passar despercebidas pelos que refletem sobre os rumos da mudança institucional da rede de saúde pública brasileira. Com esta pesquisa dedutiva e quantitativa espera-se contri-buir, com o aumento do conhecimento, para o debate sobre a mudança institucional da rede pública de saúde no Brasil em um aspecto em que os dados ainda são pouco divulgados e os resultados são em larga medida descritivos.

Neste trabalho persistem algumas limitações. Primeiro, seria desejável utilizar uma amostra maior de relatórios da acreditação para confirmar as relações e medir a influência da inovação organizacional e da capacitação na qualidade do serviço, mediante a análise estatística dos dados com um modelo de regressão múltipla que permita, sem perda de generalidade, o estudo de suas implicações em outros estágios da dinâmica das unidades hospitalares (UHs). Segundo, seria interessante conectar o estudo dessas relações com a aplicação da análise de eficiência à avaliação da performance das UHs estudadas (Ozcan, 2008), amenizando ou simplesmente compreendendo a dependência das conclusões sobre o desempenho da UH e sobre o desenvolvimento do mercado de serviços de saúde em relação a aspectos ora empíricos, ora "potenciais", de modo a reforçar os resultados da análise. Em consequência, também é necessário utilizar medidas empíricas obtidas nas bases de dados disponíveis, visando operacionalizar um conjunto de variáveis sobre os recursos e resultados da UH, uma vez que é reconhecida a falta de padronização dos conceitos de insumos e produtos usados nessas avaliações, apesar de sua importância para a modelagem robusta nas aplicações da análise de eficiência ao estudo do desempenho da UH (Ozcan, 2008:105).

Artigo recebido em 3 jan. 2012 e aceito em 22 nov. 2012.

Marcelino José Jorge é DSc. em engenharia de produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ). Coordenador do Laboratório de Pesquisa em Economia das Organizações de Saúde (Lapecos) do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (Ipec/Fiocruz). E-mail: marcelino.jorge@ipec.fiocruz.br.

Frederico A. de Carvalho é DSc. em sciences économiques pela Université Catholique de Louvain. Professor associado 1 da Faculdade de Administração e Ciências Contábeis da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Facc/UFRJ). E-mail: fdecarv@gmail.com.

Renata de Oliveira Medeiros é bacharel em ciências econômicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Assistente de pesquisa do Lapecos do Ipec/Fiocruz. E-mail: renata.medeiros@ipec.fiocruz.br.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Maio 2013
  • Data do Fascículo
    Abr 2013

Histórico

  • Recebido
    03 Jan 2012
  • Aceito
    22 Nov 2012
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