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Modernização do Estado e construção de capacidade burocrática para a implementação de políticas federalizadas

Modernización del Estado y la creación de capacidad burocrática para la ejecución de políticas federalizadas

Resumo

O artigo analisa o processo de modernização do Estado brasileiro associando-o ao conceito de capacidade do Estado, em especial, a profissionalização da burocracia federal que atua na formulação e implementação de políticas públicas. O artigo conclui que, a despeito da ocorrência de múltiplos mecanismos utilizados pelos diferentes governos e regimes políticos para o recrutamento da sua burocracia, o Executivo federal sempre foi capaz de gerar capacidade para implementar suas políticas preferenciais. Nas duas últimas décadas, contudo, o Executivo federal passou a recrutar sua burocracia majoritariamente por meio de concursos públicos, havendo hoje uma burocracia consolidada atuando no controle de regras e procedimentos e no controle fiscal, mas ainda incompleta em algumas áreas de políticas públicas. Essas novas características do sistema burocrático federal indicam que algumas das dimensões de uma burocracia weberiana foram construídas enquanto outras aguardam institucionalização, afetando, portanto, a capacidade do Estado em determinadas políticas.

Palavras-chave:
modernização do Estado; capacidade estatal; governo federal; burocracia

Resumen

El artículo analiza el proceso de modernización del Estado brasileño y su vinculación con el concepto de la capacidad del Estado, especialmente la profesionalización de la burocracia federal dedicada a la formulación e implementación de políticas públicas. El artículo concluye que a pesar de la aparición de múltiples mecanismos utilizados por los diferentes gobiernos y regímenes políticos para la contratación de su burocracia, el Ejecutivo federal siempre ha sido capaz de generar capacidades para aplicar sus políticas preferidas. Sin embargo, en las dos últimas décadas el Ejecutivo federal comenzó a reclutar a su burocracia principalmente a través de concursos públicos. Existe hoy una burocracia consolidada sobre las normas y procedimientos de control y el control fiscal, pero todavía incompleta en algunos ámbitos de la política pública. Estas nuevas características del sistema burocrático federal indican que algunas de las dimensiones de una burocracia weberiana se construyeron mientras que otras esperan institucionalización, lo que afecta a la capacidad del Estado en ciertas políticas.

Palabras clave:
modernización del Estado; capacidad del Estado; gobierno federal; burocracia

Abstract

This article analyses the process of the state modernization in Brazil, associating it with the concept of state capacity, in particular the professionalization of the federal bureaucracy in charge of conceiving and implementing public policies. The article concludes that, despite multiple mechanisms used by different governments and political regimes to recruit their bureaucracies, the federal Executive has always been capable of generating the capacity to implement the policies of its choice. Over the past two decades, however, the federal Executive has recruited its bureaucracy primarily through public sector entrance examinations. As result, Brazil today has a consolidated bureaucracy that is involved in overseeing rules, procedures and fiscal controls, but that is still incomplete in some areas of public policy. These new features of the federal bureaucracy suggest that certain characteristics of the Weberian bureaucracy have indeed been created but others are still awaiting institutionalization, which therefore affects the capacity of the state in implementing certain policies.

Keywords:
modernization of the state; state capacity; federal government; bureaucracy

1. Introdução

O tema da modernização esteve no centro dos debates desde os anos 1930. Buscava-se identificar as razões do subdesenvolvimento e encontrar soluções para os entraves enfrentados pelos países do então chamado Terceiro Mundo. O diagnóstico era o de que as principais razões do subdesenvolvimento seriam endógenas aos próprios países: baixa escolaridade da população, elites conservadoras, estrutura agrária tradicional, ausência de infraestrutura etc. Afirmava-se, portanto, que o problema do subdesenvolvimento estava nos atributos do Estado e a solução seria a modernização, que ocorreria pela emulação dos modelos de desenvolvimento e de instituições adotados pelos países considerados desenvolvidos (e “modernos”).

Mais tarde, e graças à contribuição de cientistas sociais que recorreram à história e a Max Weber (Mann, 1984MANN, Michael. The autonomous power of the state: its origins, mechanisms and results. European Journal of Sociology, v. 25, n. 2, p. 185-213, 1984.; Skocpol, 1985SKOCPOL, Theda. Bringing the state back in: strategies of analysis in current research. In: EVANS, Peter B.; RUESCHEMEYER, Dietrich; SKOCPOL, Theda (Ed.). Bringing the state back in. Nova York: Cambridge University Press, 1985. p. 3-43., por exemplo), o debate sobre modernização e subdesenvolvimento tomou novo rumo, incorporando o entendimento de que os atributos do Estado são necessários, mas insuficientes para, por exemplo, a produção de bens e serviços públicos. Em outras palavras, a existência de atributos não seria suficiente para modernizar os países, mas seria necessária a criação de mecanismos capazes de viabilizar o poder do Estado e fazê-lo chegar a diversos grupos sociais e territoriais. Entre esses mecanismos estaria a construção de burocracias profissionais. Tais contribuições constituíram o que ficou conhecido como capacidade do Estado.

Este trabalho analisa o processo de modernização do Estado brasileiro associando-o a uma das vertentes do conceito de capacidade do Estado: a profissionalização da burocracia. O objetivo último é analisar o processo de profissionalização da burocracia federal, assim como suas mudanças mais recentes a partir da ótica do conceito de capacidade do Estado, ainda pouco testado na literatura brasileira. Assim, o tema do estudo é a modernização do Estado brasileiro, e a chave analítica é a construção de capacidade burocrática para a formulação e a implementação de políticas públicas.

Os dados apresentados cobrem o período 1995-2010 por duas razões. A primeira é mostrar que partidos diferentes (PSDB e PT) tiveram agendas diferenciadas sobre o fortalecimento da burocracia. A segunda é que o controle da inflação do governo do PSDB dificultou a reconstrução da burocracia federal e que o período de crescimento econômico vivido no governo do PT permitiu essa recomposição.

O trabalho busca resposta para duas questões. A primeira é por que a estratégia recente de recrutamento da burocracia federal seguiu o caminho do seu crescimento e da seleção de seus quadros por concurso público. Embora essa seja uma exigência constitucional desde 1934, até meados dos anos 2000 a seleção da burocracia conciliava a estratégia do concurso público com outras modalidades de recrutamento. A segunda questão é por que foram construídas capacidades burocráticas em algumas áreas e não em outras, e quais as consequências para a execução de políticas públicas.

A resposta dessas questões será buscada na literatura sobre capacidade estatal e não no esquema explicativo baseado em correlações ou na análise de sua eficácia propriamente dita.1 1 Para uma discussão sobre a eficácia da burocracia na América Latina associada ao conceito de cultura política, ver, entre outros, Bozeman (2015). Assim, em lugar de analisar correlações entre inputs e outputs (outcomes), a força explicativa da análise baseada no conceito de capacidade estatal está em mostrar que os atributos do Estado são complementados por mecanismos capazes de induzir a implementação de políticas, ou seja, a existência de capacidades é vista como uma forma de alcançar certos objetivos.2 2 A expressão capacidade do Estado ou capacidades estatais, mais discutida adiante, pode ser desdobrada em múltiplas dimensões, sendo a capacidade burocrática, objeto deste artigo, uma delas. Sobre suas dimensões e sua relação com as questões do desenvolvimento nos países da América Latina, ver, entre outros, Corporación Andina de Fomento (2015), e sobre sua aplicabilidade nas políticas sociais, ver Repetto (2003).

O artigo conclui que, a despeito da ocorrência de múltiplos mecanismos utilizados pelos diferentes governos e regimes políticos para o recrutamento da sua burocracia, o Executivo federal sempre foi capaz de gerar capacidade para dar conta das prioridades dos diferentes regimes políticos, das demandas das distintas coalizões governativas e para implementar suas políticas preferenciais. Embora permeado de paradoxos, desde Vargas o sistema burocrático foi capaz de dar conta da tarefa de modernização do Estado brasileiro. A partir de meados dos anos 1990, contudo, o Brasil passou por profundas transformações. Entre elas, a profissionalização e a qualificação da sua burocracia agora recrutada majoritariamente por meio de concursos públicos. No entanto, em algumas áreas de políticas essa profissionalização ainda está incompleta, o que não acontece com a burocracia responsável pelo controle das normas e procedimentos voltados para o accountability da burocracia e para o controle dos gastos públicos. Isso sinaliza que o Brasil cumpre hoje um dos requisitos da modernização de um Estado democrático inserido na economia globalizada, ou seja, profissionalizar a burocracia, controlá-la mediante procedimentos administrativos e legais, e ajustar despesas a receitas. Mas sinaliza também a prevalência de um tipo de controle em que outras burocracias e não os representantes eleitos fiscalizam a que formula e implementa políticas. Se um dos principais requisitos de uma burocracia weberiana é o recrutamento por mérito, seu controle, para Weber, cabe aos representantes eleitos e não a outros burocratas. Por fim, o artigo também conclui confirmando uma das premissas da literatura sobre capacidade estatal, ou seja, a de que capacidade não se distribui uniformemente entre todas as agências do governo, afetando, portanto, a capacidade estatal em determinadas políticas.

Este trabalho está organizado da seguinte forma. A primeira parte apresenta uma síntese teórico-conceitual sobre modernização e capacidade estatal. A segunda analisa as tentativas de construção de capacidade burocrática na esfera federal. A terceira discute as diversas modalidades de recrutamento da burocracia federal e suas consequências sobre a capacidade do Estado. A última parte conclui.

2. Modernização e capacidade do Estado: notas conceituais

Propostas de reformas voltadas para a modernização do Estado, populares durante várias décadas do século passado, foram posteriormente criticadas. Uns proclamavam seu caráter anti-histórico e a imposição do modelo norte-americano e capitalista de desenvolvimento. Outros contestaram o argumento de que a modernização econômica e social levaria automaticamente à modernização política, ou seja, a democracias estáveis. Isso porque, afirmava Huntington (1968HUNTINGTON, Samuel. Political order in changing societies. New Haven: Yale University Press, 1968.), à medida que sociedades se modernizam, elas se tornam mais complexas e desordenadas e, se a modernização econômica e social não vier acompanhada da modernização política e institucional, ou seja, da criação de instituições capazes de administrar as demandas e as tensões da modernização, seu resultado seria a violência e o advento de regimes antidemocráticos e anticapitalistas.

Confrontada por outras molduras teóricas (a da dependência, por exemplo, e, mais recentemente, a da globalização), a modernização e seu receituário, embora não descartada e continuando a ser um dos principais paradigmas do modelo de desenvolvimento brasileiro, foi objeto de críticas sem uma avaliação mais rigorosa da sua importância para a superação de alguns dos entraves ao desenvolvimento brasileiro. Com novos nomes e roupagens, como governança, por exemplo, a modernização retorna à agenda acadêmica, mas com novas abordagens, como se verá adiante.

A modernização se desdobra em três grandes tipos, todos com impacto sobre o papel do Estado: (a) social, na qual o Estado é pressionado pela sociedade a promover mudanças, ou seja, um processo que se desenvolve no sentido sociedade-Estado; (b) social via Estado, na qual as pressões para reformar a sociedade provêm do próprio Estado, ou seja, um processo que se desenvolve no sentido Estado-sociedade; e (c) do Estado, na qual o foco é a eficiência e sua expressão mais conhecida é a institucionalização da organização burocrática nos moldes preconizados por Weber, ou seja, um processo que se desenvolve no sentido Estado-Estado.3 3 Para uma discussão sobre os diferentes tipos de modernização, ver Margetts (2010). Este trabalho focaliza o último tipo de modernização.

A despeito da enorme produção teórica e empírica sobre modernização, nunca ficaram suficientemente claros os critérios pelos quais mudanças estruturais ou institucionais podem ser classificadas como “modernas”. Associa-se modernização à ideia de progresso e ao rompimento com o passado naquilo que é identificado como insatisfatório e como entrave ao desenvolvimento da economia, da sociedade e do Estado. Importante ressaltar que a modernização é um processo contínuo e, nesse sentido, não tem um fim. Até onde tenho conhecimento, a tentativa mais estruturada de definir critérios capazes de classificar uma reforma ou uma política como moderna foi feita por Margetts (2010MARGETTS, Helen. Modernization dreams and public policy reform. In: MARGETTS, Helen; PERRI, Henri; HOOD, Christopher (Ed.). Paradoxes of modernization: unintended consequences of public policy reform. Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 20-33.), que, a partir da vasta literatura sobre o tema, identificou três características recorrentes nessa literatura: (a) elementos de racionalidade econômica, ou seja, incentivos que estimulem mudanças por parte de atores e instituições; (b) formalização de regras e padronização de procedimentos; e (c) especialização de tarefas e profissionalização baseadas em conhecimento técnico e científico. A última característica é o foco deste trabalho.

No entanto, e como argumentado, o conceito de modernização por si só é insuficiente para que o Estado exercite seu poder de, entre outras atribuições, formular e implementar políticas. Daí por que cabe associar o conceito de modernização ao de capacidade do Estado, seguindo as trilhas abertas por Mann (1984MANN, Michael. The autonomous power of the state: its origins, mechanisms and results. European Journal of Sociology, v. 25, n. 2, p. 185-213, 1984.) e Skocpol (1985SKOCPOL, Theda. Bringing the state back in: strategies of analysis in current research. In: EVANS, Peter B.; RUESCHEMEYER, Dietrich; SKOCPOL, Theda (Ed.). Bringing the state back in. Nova York: Cambridge University Press, 1985. p. 3-43.), entre outros, no sentido do entendimento dos mecanismos que podem transformar atributos em poder.

O conceito de capacidade do Estado foi cunhado por Tilly (1985TILLY, Charles. War making and state making as organized crime. In: EVANS, Peter B.; RUESCHEMEYER, Dietrich; SKOCPOL, Theda (Ed.). Bringing the state back in. Nova York: Cambridge University Press, 1985. p. 169-191.) para analisar o poder do Estado na arrecadação de impostos. Hoje, é aplicado por vários ramos das ciências humanas. A difusão do conceito decorreu da importância e do impacto de outro conceito - o de autonomia relativa do Estado -, desenvolvido no livro organizado por Evans, Rueschemeyer e Skocpol (1985SKOCPOL, Theda. Bringing the state back in: strategies of analysis in current research. In: EVANS, Peter B.; RUESCHEMEYER, Dietrich; SKOCPOL, Theda (Ed.). Bringing the state back in. Nova York: Cambridge University Press, 1985. p. 3-43.). A relação entre autonomia relativa e capacidade estatal foi bem capturada por Skocpol (1985SKOCPOL, Theda. Bringing the state back in: strategies of analysis in current research. In: EVANS, Peter B.; RUESCHEMEYER, Dietrich; SKOCPOL, Theda (Ed.). Bringing the state back in. Nova York: Cambridge University Press, 1985. p. 3-43.:9), que define capacidade estatal como a “habilidade do Estado de implementar seus objetivos, particularmente diante da oposição de grupos sociais poderosos”.

Com diferentes abordagens e rótulos, o conceito foi objeto de pesquisa de autores consagrados como Mann (1984MANN, Michael. The autonomous power of the state: its origins, mechanisms and results. European Journal of Sociology, v. 25, n. 2, p. 185-213, 1984.), Skocpol (1985SKOCPOL, Theda. Bringing the state back in: strategies of analysis in current research. In: EVANS, Peter B.; RUESCHEMEYER, Dietrich; SKOCPOL, Theda (Ed.). Bringing the state back in. Nova York: Cambridge University Press, 1985. p. 3-43.), Skocpol e Finegold (1982), Evans, Rueschemeyer e Skocpol (1985EVANS, Peter B.; RUESCHEMEYER, Dietrich; SKOCPOL, Theda. Bringing the state back in. Nova York: Cambridge University Press, 1985.), Chubb e Peterson (1989CHUBB, John; PETERSON, Paul (Ed.). Can the government govern? Washington: The Brookings Institution, 1989.), Geddes (1994GEDDES, Barbara. Politician’s dilemma: building state capacity in Latin America. Berkeley: University of California Press, 1994.) e, mais recentemente, e com foco específico no papel das burocracias nos países em desenvolvimento, Grindle (2012GRINDLE, Merilee. Jobs for the boys: patronage and the state in comparative perspective. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2012.), para citar apenas alguns.

Capacidade do Estado comporta inúmeras definições, cada uma capturando diferentes aspectos do conceito. Mann (1984MANN, Michael. The autonomous power of the state: its origins, mechanisms and results. European Journal of Sociology, v. 25, n. 2, p. 185-213, 1984.) a define como a capacidade do Estado de penetrar na sociedade e implementar, logisticamente, decisões políticas, cunhada na expressão “poder infraestrutural do Estado”. Evans (1992EVANS, Peter B. The state as problem and solution: predation, embedded autonomy, and adjustment. In: HAGGARD, Stephan; KAUFMAN, Robert R. (Ed.). The politics of economic adjustment. Princeton, NJ: Princeton University Press , 1992. p. 139-191.) a define como a capacidade de ação do Estado, ou seja, o conjunto de instrumentos e instituições de que dispõe o Estado para estabelecer objetivos, transformá-los em políticas e implementá-las. Já para Skocpol e Finegold (1982SKOCPOL, Theda; FINEGOLD, Kenneth. State capacity and economic intervention in the early New Deal. Political Science Quarterly, v. 97, n. 2, p. 255-278, 1982.), capacidade do Estado significa que os governos têm, ou podem mobilizar rapidamente, conhecimento, instituições e organizações capazes de implementar políticas.

A importância do conceito deriva do fato de que a pura vontade dos agentes ou atores políticos não é suficiente para que objetivos sejam alcançados. Da mesma forma, os atributos dos Estados precisam ser complementados por mecanismos que viabilizem sua ação. Em síntese, o Estado deve ser capaz de penetrar no seu território, alcançar diferentes grupos sociais (Mann, 1984MANN, Michael. The autonomous power of the state: its origins, mechanisms and results. European Journal of Sociology, v. 25, n. 2, p. 185-213, 1984.) e contar com instrumentos, instituições e organizações para a provisão de bens e serviços (Evans, 1992EVANS, Peter B. The state as problem and solution: predation, embedded autonomy, and adjustment. In: HAGGARD, Stephan; KAUFMAN, Robert R. (Ed.). The politics of economic adjustment. Princeton, NJ: Princeton University Press , 1992. p. 139-191.; Skocpol e Finegold, 1982SKOCPOL, Theda; FINEGOLD, Kenneth. State capacity and economic intervention in the early New Deal. Political Science Quarterly, v. 97, n. 2, p. 255-278, 1982.).

Como reconhecido na literatura, o conceito é abrangente, além de envolver inúmeras dimensões. Colocado sob a forma de componentes, o conceito incorpora quatro grandes grupos: político, legal, organizacional/administrativo e de política pública. O componente político diz respeito às “regras do jogo” que regulam o comportamento político, societal e econômico. O componente legal diz respeito às regras jurídicas que regulam o comportamento dos atores e das instituições. O componente organizacional/administrativo remete à capacidade de prover bens e serviços com eficiência. Por fim, o componente de políticas públicas, objeto deste artigo, diz respeito a instituições e estratégias que influenciam decisões sobre políticas, sua formulação e execução. Esse componente incorpora, entre outros, a construção de capacidade burocrática e o grau de profissionalização da burocracia para investigar as condições em que políticas são formuladas e executadas. Contudo, uma das mais importantes ressalvas sobre a capacidade do Estado é sua desigualdade ou variedade entre áreas de políticas públicas (Skocpol e Finegold, 1982SKOCPOL, Theda; FINEGOLD, Kenneth. State capacity and economic intervention in the early New Deal. Political Science Quarterly, v. 97, n. 2, p. 255-278, 1982.).

Uma das questões derivadas do conceito de capacidade estatal é a capacidade para fazer o quê. As respostas mais usuais são cobrar tributos, prover bens e serviços, fazer cumprir contratos e proteger direitos. Capacidade incorpora, portanto, tanto uma dimensão burocrática como de alcance territorial.

Por fim, capacidade estatal é um processo, o que significa que sua análise captura um momento no tempo, embora algumas capacidades possam ser mantidas por séculos. Importante também ressaltar que os achados de pesquisas baseadas no conceito de capacidade do Estado se constituem em proxies para se chegar a conclusões sobre uma ou algumas das inúmeras dimensões de capacidade.

3. Mudanças no papel do Estado brasileiro: do state building à modernização

A estrutura e o funcionamento do Estado brasileiro em moldes modernos e que dessem conta de produzir transformações econômicas e sociais foram, desde o início do século passado, objeto de esforços de diferentes atores políticos, econômicos e sociais e de diferentes regimes políticos. Essas transformações também exigiram a criação de novas instituições para formular e implementar políticas, assim como adaptá-las às novas circunstâncias e ao crescimento das demandas. A criação de instituições para esse novo Estado demandava um corpo burocrático em moldes weberianos devido à tradicional e longeva liderança do Estado brasileiro nessas transformações. Contudo, o recrutamento desse corpo burocrático foi extremamente variado ao longo das décadas.

A construção das instituições de um Brasil moderno, capitalista, industrial e urbano teve início na Era Vargas, e a do aparato para o funcionamento do governo com a criação, em 1936, do Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp). Instituído com o objetivo específico de recrutar e formar uma burocracia profissionalizada, a missão do Dasp ia mais além: eliminar os obstáculos ao desenvolvimento econômico e social, ou seja, gerar capacidade. Várias avaliações dessa experiência mostram seus sucessos e insucessos, mas principalmente as resistências de grupos políticos e burocráticos. No entanto, a tentativa de selecionar a burocracia pela via do concurso público alcançou resultados medíocres.4 4 Sobre as contradições e os conflitos enfrentados pelo Dasp, ver, entre outros, Draibe (1985), Geddes (1994) e Nunes (1997). A reconstrução da sua trajetória foi feita por Wahrlich (1983), entre outros. Como informam Gaetani e Heredia (2002GAETANI, Francisco; HEREDIA, Blanca. The political economy of civil service reform in Brazil: the Cardoso years. Document prepared for the Red de Gestión y Transparencia del Diálogo Regional de Política del Banco Interamericano de Desarrollo. Mimeografado. 2002.), até 1960, apenas 10% da burocracia havia sido recrutada por concurso. Embora não se tenham dados para o regime militar, a opção por recrutar a alta burocracia das agências descentralizadas, a maioria sem concurso, pode indicar que esse percentual continuava expressando a pequena parcela da burocracia que havia ingressado no serviço público por concurso. Figueiredo (2010)FIGUEIREDO, Argelina. Executivo e burocracia. In: LESSA, Renato (Org.). Horizontes das ciências sociais no Brasil: ciência política. São Paulo: Anpocs, 2010. p. 191-216., citando Celso Lafer, que utilizou dados do Dasp, informa que em 1943 apenas 37% dos servidores eram funcionários públicos e, desses, apenas 11% eram concursados.

Após a experiência do Dasp, a administração pública não parou de ser reformada, assim como a busca de constituição de uma burocracia profissionalizada. No governo Kubitschek, algumas tentativas de retomar as propostas iniciais do Dasp foram feitas, mas ao final o governo optou pela estratégia de insular algumas agências públicas responsáveis pela promoção das principais políticas do Plano de Metas. A partir desse período, mas mais especificamente durante o regime militar, teve início o crescimento da máquina pública pela via da criação de agências descentralizadas que acabaram gerando, mais tarde e com sua proliferação, problemas de coordenação, accountability e controle. Nesse período também conviveram formas distintas de recrutamento da burocracia.

A reforma administrativa do regime militar, de 1967, decorreu, em grande parte, da necessidade de aprofundar a política de substituição de importações, na qual o governo ampliava sua participação na economia por meio de grandes projetos voltados para completar a infraestrutura e a industrialização. As avaliações sobre os resultados dessa reforma concluem que dela decorreram a expansão da burocracia pública, dos gastos do setor governo e do número de agências descentralizadas, que chegou a 274 no fim do regime (Graef, 2009GRAEF, Aldino. A organização de carreiras do Poder Executivo da administração pública federal brasileira. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DE RECURSOS HUMANOS, 2009, Brasília.). Durante esse período, a principal forma de recrutamento da burocracia foi por meio das inúmeras agências descentralizadas e o regime jurídico era o da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o que, se, por um lado, retirava a estabilidade dos servidores, por outro, significava salários mais altos e benefícios indiretos.

A acelerada expansão do setor governo começou a mostrar sinais de esgotamento, junto com o regime militar. A chamada crise fiscal, cujo elemento mais visível era a impossibilidade de domar a inflação, foi um dos legados da fase expansionista e fragmentada do governo federal, expansão que também ocorreu nos estados.

Com a redemocratização, da qual resultou a Constituição de 1988, foram consagrados vários princípios e direitos que, mais tarde, passaram a ser vistos como entraves à modernização do aparato governamental, ao controle da inflação e à inauguração de um novo Estado que substituísse o Estado Desenvolvimentista da Era Vargas. Do ponto de vista do recrutamento da burocracia, os constituintes de 1988 mantiveram a proibição de ingresso na carreira pública por via que não o concurso e incluíram os servidores das autarquias e fundações no sistema de regime jurídico único. Essas decisões foram uma resposta ao diagnóstico de que o emprego público teria sido usado como instrumento de clientelismo, mas delas resultou que milhares de servidores regidos pela CLT, portanto, sem estabilidade, passassem a gozar não só de estabilidade, mas também de aposentadoria integral.5 5 A estimativa é que entre 400 e 500 mil servidores passaram ao regime de estabilidade. Disponível em: <http://innomics.wordpress.com/2007/11/23/entrevista-com-francisco-gaetani/>. Acesso em: 12 out. 2010. Outra consequência foi que cerca de 45 mil servidores, a maioria recém-incorporada ao regime estatutário, requereram aposentadoria (Gaetani e Heredia, 2002GAETANI, Francisco; HEREDIA, Blanca. The political economy of civil service reform in Brazil: the Cardoso years. Document prepared for the Red de Gestión y Transparencia del Diálogo Regional de Política del Banco Interamericano de Desarrollo. Mimeografado. 2002.). Entre 1988 e 1994, o número de servidores federais caiu de 705.548 para 587.802, parte pelas demissões durante o governo Collor e parte pela transformação de servidores celetistas e não concursados em precocemente aposentados (Gaetani e Heredia, 2002GAETANI, Francisco; HEREDIA, Blanca. The political economy of civil service reform in Brazil: the Cardoso years. Document prepared for the Red de Gestión y Transparencia del Diálogo Regional de Política del Banco Interamericano de Desarrollo. Mimeografado. 2002.).

No governo Fernando Henrique Cardoso, começam a ecoar no Brasil exemplos das reformas conhecidas como gerenciais ou New Public Management, modeladas para reduzir a intervenção do Estado na economia e nas políticas públicas e para o controle dos gastos públicos. No caso brasileiro, as premissas eram as de que o Estado era o principal responsável pela crise fiscal e pelo descontrole da inflação, era mau gestor, carecia de mecanismos de accountability e era capturado por práticas clientelistas e patrimonialistas. Esse diagnóstico teve três consequências principais. A primeira foi a extinção de inúmeras agências descentralizadas e a demissão, durante o mandato do presidente Collor, de número considerável de servidores federais, tentando cumprir uma de suas promessas de campanha de grande apelo popular, a da “caça aos marajás”. Collor também proibiu novos concursos. As 274 agências descentralizadas foram reduzidas para 52, que se desdobravam em 68 subsidiárias (Graef, 2009GRAEF, Aldino. A organização de carreiras do Poder Executivo da administração pública federal brasileira. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DE RECURSOS HUMANOS, 2009, Brasília.).

A segunda foi a elaboração do Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado, que buscava constituir e valorizar o que o Plano chamou de carreiras típicas do Estado. Entre essas carreiras, estava a de especialista em políticas públicas e gestão governamental (EPPGG), conhecida como gestor governamental, criada em 1989. A terceira foi uma reforma da estrutura e das funções dos governos, mediante várias emendas à Constituição, com medidas voltadas para a desregulamentação, quebra de monopólios estatais e participação do capital privado nacional e estrangeiro em atividades e setores onde a atuação do Estado era preponderante.

O diagnóstico do governo ineficiente e gastador irresponsável dos recursos dos contribuintes teve vida curta. Embora os concursos tenham sido reiniciados em 1995, é a partir de 2003 que se inicia uma política agressiva para recompor a burocracia federal por meio da realização de concursos, do fortalecimento do sistema governamental, notadamente o tributário, de controle dos gastos, de controle externo e interno da administração pública (Tribunais de Contas, Ministérios Públicos e Controladoria-Geral da União,) e da atividade de polícia administrativa e judiciária (Polícia Federal).

O fortalecimento burocrático e institucional dos organismos de controle aponta para uma nova agenda da modernização do Estado, que incorpora, além da contínua profissionalização da burocracia e da busca da efetividade das políticas públicas e da sua gestão, a criação e o fortalecimento de instituições responsáveis pela manutenção do Estado democrático. Ou seja, não se entende mais o Estado como acessório das atividades econômicas e indutor/provedor do desenvolvimento social, mas também como instrumento para o fortalecimento da democracia através do seu controle.6 6 Este não é um fenômeno apenas brasileiro. Como nos informa Olsen (2005), o mesmo ocorreu em todo o mundo. No entanto, e como em geral acontece com reformas de todo tipo, modernizadoras ou não, esse novo papel do Estado também tem custos e consequências inesperados.

A síntese desta seção é que o Brasil continua perseguindo uma modernização na direção Estado-Estado e Estado-sociedade, ao tempo em que incorporou instrumentos mais refinados de controle típicos das democracias avançadas - o accountability dos governantes e da burocracia -, assim como novas políticas públicas - universalização da saúde e da educação fundamental e expansão dos programas de combate à pobreza. Além dessas políticas de modernização, o Brasil hoje também incorpora o receituário da globalização, com a manutenção da política de controle dos gastos públicos.

4. As tentativas de construção de capacidade burocrática7 7 Este tema é tratado também por Abrucio e colaboradores (2010).

Foram inúmeras as tentativas de construção da burocracia brasileira, mas sua marca principal foi, até o início dos anos 2000, a opção por variadas formas de recrutamento como meio de conciliar as demandas da modernização do Estado por uma burocracia profissionalizada com as necessidades de diferentes partidos e regimes políticos, assim como com a urgência da transformação do modelo macroeconômico e, mais tarde, da política de inclusão social, sempre sob a liderança do governo federal.

No pré-1964, o marco foi o Plano de Metas de JK, considerado um caso bem-sucedido de planejamento estatal. Coube ao grupo misto BNDE-Cepal o apoio técnico para a formulação e implementação do Plano. Esse período foi o de constituição de estruturas burocráticas paralelas através da criação de comissões especiais, dando início ao que se chamou de insulamento burocrático, ou seja, uma estratégia para que a burocracia não fosse “contaminada” pelas pressões político-partidárias.

O regime militar marcou sua visão sobre a administração pública brasileira com a edição, em 1967, do Decreto-Lei no 200, que transferiu grande número de atividades públicas para agências governamentais descentralizadas, que contavam com flexibilidade para o recrutamento de seus quadros técnicos. Essa estratégia deslocou para essas agências as principais atividades econômicas do Estado, de onde também eram recrutados os quadros burocráticos, deixando as demais políticas a cargo de uma burocracia pouco profissionalizada.8 8 Sobre a segmentação entre a burocracia da política macroeconômica e social no Brasil ver, entre outros, Evans (1993) e Schneider (1991).

A Constituição de 1988 manteve a obrigatoriedade de regime jurídico único para todos os servidores civis, mas retirou das fundações e autarquias sua flexibilidade operacional e de contratação de servidores por meio da CLT, a elas atribuindo normas de funcionamento idênticas às que regem a administração direta. A transição de regime político, associada ao descontrole da inflação, tirou da agenda do governo federal o tema da reconstrução da burocracia.

Se a Constituição de 1988 restaurou a ordem democrática, o ambiente político ainda era turbulento e a inflação permanecia descontrolada. Com a eleição do presidente Cardoso, a política de ajuste fiscal foi aprofundada e o tema da constituição de uma nova burocracia voltou à agenda do governo com o Plano Diretor para a Reforma do Aparelho de Estado, de 1995. O foco principal do Plano era a reconstrução da burocracia, sua profissionalização e ajustes na sua remuneração. A proposta foi concentrada no chamado núcleo estratégico do Estado, que abrigaria, na terminologia do Plano, cinco carreiras típicas de Estado: advocacia, diplomacia, políticas públicas, polícia e fiscalização.

Antes do Plano, porém, havia sido criada a carreira de EPPGG, proposta oficializada em 1987 e que percorreu uma longa trajetória de avanços e recuos, tendo sido aprovada em 1989. O EPPGG seria um profissional com formação generalista que comporia os quadros superiores da administração federal. Para a formação desses quadros, foi criada a Escola Nacional de Administração Pública (Enap), nos mesmos moldes da Escola Nacional de Administração (ENA), da França.9 9 Tanto a Enap como a futura carreira de EPPGG e seu curso de formação tiveram como inspiração relatório elaborado em 1982 pelo embaixador Sergio Paulo Rouanet, a pedido do Dasp. O caminho para a criação do novo cargo foi lento e enfrentou vetos de grupos políticos e de corporações de servidores públicos contrários à nova carreira.10 10 Para uma descrição da trajetória da carreira de EPPGG e da Enap, ver, entre outros, Ferrarezi e colaboradores (2008). Durante o governo Collor, por exemplo, a carreira de EPPGG foi extinta, sendo recriada no governo Itamar Franco e os concursos reiniciados em 1995. Os atrativos da nova carreira tornaram esse concurso bastante competitivo nos seus anos iniciais pela inexistência de outros que permitissem a participação de todo e qualquer tipo de formação superior. Entre 1995 e 2010, o grupo denominado de Gestão passou a contar com 3.588 concursados, dos quais o maior número (1.545) para o cargo de EPPGG.11 11 Esse grupo é constituído dos seguintes cargos: analista de comércio exterior, analista de planejamento orçamento, analista de finanças e controle, EPPGG e cargos de nível intermediário. O Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado incorporou com entusiasmo a carreira de EPPGG.

Com a mudança de partido político em 2003, a proposta de fortalecer apenas as chamadas carreiras típicas de Estado foi substituída por uma política agressiva de recrutamento de servidores, principalmente para cargos de nível superior. A partir de 2003 e até 2010 foram autorizadas 213.015 novas vagas, tendo 206.284 sido preenchidas. No entanto, o maior número de vagas - 100.382 - foi destinado à recomposição do quadro docente das inúmeras universidades federais e à criação de várias novas unidades de ensino superior, seguido do Ministério da Saúde - 18.452 -, Previdência Social - 18.008 - e Fazenda - 11.834.12 12 Dados extraídos de: <www.servidor.gov.br/publicacao/boletim_estatistico/bol_estatistico_10/Bol176_Dez2010.pdf>. Com exceção do Ministério da Fazenda, o maior volume de vagas não se concentrou nas chamadas carreiras típicas de Estado. Isso não significa, todavia, que essas carreiras não tenham sido estruturadas. Muito pelo contrário, elas são hoje as mais estruturadas e seus quadros recrutados por concurso. Isso ocorreu com o Ministério das Relações Exteriores, com as carreiras jurídicas do Poder Executivo, com a Polícia Federal e com a dos auditores da CGU.13 13 Os auditores da CGU fazem parte do Grupo de Gestão e integram a categoria de Analista de Finanças e Controle. A estruturação dessas carreiras e seu recrutamento por concurso público mostram a grande importância atribuída às instâncias de controle. Contudo, a formação da burocracia para as demais áreas, principalmente para as encarregadas da política social e de infraestrutura, ainda está incompleta, embora tenha ocorrido crescimento dos concursados em alguns ministérios encarregados de políticas sociais, como se verá adiante. Esse crescimento se deu por concursos abertos principalmente para a categoria denominada de Plano Geral de Cargos do Poder Executivo (PGPE), que é composta por cargos efetivos de nível superior, intermediário e auxiliar não integrantes de carreiras específicas.

Não só ocorreu crescimento da força de trabalho do setor público federal como aumentou o quantitativo de servidores com nível superior de escolaridade, que cresceu de 182.303, em 1997, para 223.404, em 2009, e para 240.485, em 2010, representando, em 2010, mais da metade dos servidores civis ativos da União (MPOG/SRH, 2010MPOG/SRH. Boletim estatístico de pessoal. Brasília, dez. 2010.:45). Excluídos os professores das universidades federais, os servidores concursados que detêm curso superior passaram de 25,9% em 1995 para 38,58% em 2010.14 14 Em dezembro de 2014, o governo federal contava com um total de 568.020 servidores ativos, sendo 277.320 com nível superior. Na ausência de estudos que avaliem a qualidade da burocracia brasileira, o aumento do número de servidores com curso superior pode ser usado como proxy da sua crescente profissionalização e qualificação. Os ocupantes de cargos em comissão também têm alta qualificação. Dados de um survey de D’Araújo (2007) sobre os ocupantes desses cargos durante o governo Lula mostram que 97% têm curso superior e mais de 50% têm pós-graduação.

Como interpretar as diversas formas de recrutamento da burocracia mostradas anteriormente à luz do conceito de capacidade do Estado? E mais, o que significa a adoção de uma forma de recrutamento - por concurso -, hoje a principal via de entrada da burocracia no serviço público, sobre a capacidade do Estado? A seção seguinte busca resposta para essas questões.

5. Formas de recrutamento da burocracia federal e suas consequências sobre a capacidade do Estado

Como argumentado, foram diversas as modalidades de recrutamento da burocracia federal ao longo do processo de modernização do Estado brasileiro. Em todo esse processo, conviveram distintas modalidades de recrutamento na tentativa de dar respostas às demandas sociais, políticas e econômicas do país. Contudo, pela primeira vez na trajetória da burocracia federal, a forma de recrutamento se dá hoje por meio de uma modalidade predominante, ou seja, o concurso. Isso significa que as interpretações anteriores sobre quem é e a quem serve a burocracia federal perderam poder explicativo?

Desde a tese de Faoro (1958FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo: Globo, 1958.), a burocracia começou a ser analisada mais como uma variável explicativa das relações entre o Estado e a sociedade e menos como um objeto per se. A tese de Faoro era a da longa sobrevivência do que ele chamou de “estamento burocrático”, que dominava o sistema político e social, tornando o Estado brasileiro um Estado patrimonial.

Com o advento do regime autoritário, cresce o interesse acadêmico sobre o sistema burocrático, mantendo-se a mesma chave analítica de prevalência do Estado sobre a sociedade. Grande parte das análises desse período foi influenciada pelo modelo burocrático-autoritário desenvolvido por O’Donnell (1986) para explicar o funcionamento dos regimes autoritários da América Latina.

As análises sobre o papel da burocracia no regime militar foram relativamente abundantes em comparação com o período anterior, embora concentradas na burocracia encarregada da política macroeconômica. Recorrente na análise sobre o período pré e pós-64, a interpretação de que a burocracia encarregada da política macroeconômica seria uma burocracia insulada dos interesses contrários ao projeto político e macroeconômico dominante, enquanto a da área social seria eminentemente clientelista. Parte dos trabalhos que analisaram o papel da burocracia das políticas macroeconômicas desse período também debateu a tese da sua autonomia. Muitos cientistas sociais contribuíram para o melhor entendimento da burocracia constituída durante o regime militar para a formulação e implementação de políticas macroeconômicas.15 15 Ver, por exemplo, Diniz e Boschi (1978), Evans (1995), Gouvêa (1994) e Martins (1991). Para uma revisão dessa literatura, ver Figueiredo (2010), e para uma análise sobre os vínculos entre burocracia, Executivo, partidos e grupos de interesse na política macroeconômica, ver Loureiro e colaboradores (2010). Tratam também do tema Pires e Gomide (2015). A força do clientelismo, no entanto, era o que mais caracterizaria o sistema burocrático brasileiro na maioria das análises. Clientelismo combinado com insulamento burocrático de algumas agências seriam as marcas do sistema burocrático brasileiro.

Em síntese, da literatura sobre a burocracia antes da redemocratização podem ser extraídas duas conclusões. A primeira é a da sua inserção como um dos fatores explicativos da relação entre o Estado e a sociedade, com o domínio do primeiro sobre a segunda e com forte conteúdo clientelista.16 16 Ver, por exemplo, Campelo de Souza (1976) e Evans (1993). Essa chave analítica tem hoje pouca capacidade explicativa pela predominância dos concursos, tornando a seleção da burocracia pouco permeável à representação de grupos de interesse, partidários ou a relações interpessoais, requerendo, portanto, o estudo da burocracia como objeto per se. No entanto, e a despeito de formas de recrutamento que incorporavam diferentes gramáticas políticas, na expressão de Nunes (1997NUNES, Edson. A gramática política do Brasil: clientelismo e insulamento burocrático. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.), estratégias foram montadas para que as políticas preferenciais dos diferentes governos e dos diferentes regimes políticos fossem executadas. A segunda é a existência de capacidade burocrática em algumas políticas e não em outras. Essa conclusão sobrevive, embora com novas roupagens, e pode ser mais bem compreendida por meio de uma das principais premissas do conceito de capacidade estatal, ou seja, a capacidade do Estado de formular e implementar políticas públicas é desigual entre as diversas políticas públicas.

Com a redemocratização, a promulgação da Constituição de 1988, a normalidade democrática e as políticas iniciais de ajuste fiscal para o controle da inflação e das contas públicas, o governo do presidente Cardoso começa a recompor a burocracia federal. O governo buscou, inicialmente, seguir as diretrizes do Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado. A ideia-força da reforma seria a adoção de formas gerenciais de gestão pública na linha do New Public Management referido anteriormente. Contudo, houve pouco sucesso na adoção de princípios gerenciais de gestão e mais na recomposição da carreira burocrática (Gaetani e Heredia, 2002GAETANI, Francisco; HEREDIA, Blanca. The political economy of civil service reform in Brazil: the Cardoso years. Document prepared for the Red de Gestión y Transparencia del Diálogo Regional de Política del Banco Interamericano de Desarrollo. Mimeografado. 2002.), embora essa recomposição tivesse sido concentrada no que o Plano considerava carreiras típicas de Estado. Nenhum dos dois grandes objetivos do Plano deixou de encontrar forte resistência e pontos de veto no interior do próprio governo, em outros setores da burocracia, no Judiciário e no Congresso.

A formação de uma nova burocracia a ser recrutada por concurso foi tarefa complexa. Paradoxalmente, algumas poucas agências descentralizadas sempre conservaram a forma de recrutamento do seu corpo burocrático por meio de processos seletivos. Esse foi o caso, por exemplo, do BNDES e da Petrobras. Também sempre foi mantida a obrigatoriedade do concurso para as carreiras jurídicas do Executivo, Banco Central, carreira diplomática e Forças Armadas, órgãos que, pelas suas características, não criaram agências descentralizadas.

Um dos diagnósticos do Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado era o de que as medidas da Constituição de 1988 em relação à administração pública e aos seus servidores eram um retrocesso por fortalecer o que o Plano chamava de rigidez burocrática. A Emenda Constitucional 19, de 1988, foi uma tentativa de reformar parte da Constituição que regulava a matéria, mas ficou restrita às regras sobre aposentadoria.17 17 Posteriormente, a Emenda Constitucional 41, de 2003, também criou regras mais rígidas em relação à aposentadoria dos servidores estatutários.

A alternativa encontrada pelo governo do PSDB para dar resposta ao diagnóstico da rigidez burocrática criada pela Constituição de 1988 foi a de conceber um modelo de organização que permitiria a participação do setor privado na provisão de serviços públicos e, portanto, contratações pela via da CLT. A Lei no 9.637/1998 instituiu, assim, as Organizações Sociais (OSs), entidades privadas sem fins lucrativos selecionadas pelo Estado para assumirem alguns serviços públicos. No entanto, o PT e o PDT entraram com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a lei. Após sucessivos adiamentos, o mérito da ação começou a ser definido apenas em 2011, 13 anos após a proposta das OSs, e não foi, até esta data, concluído.18 18 As OSs foram adotadas em estados e municípios, mas não na esfera federal.

A proposta do Plano de profissionalizar apenas a burocracia das chamadas carreiras típicas de Estado acabou sendo irrealista. Com a baixa qualificação dos servidores disponíveis e com o seu decréscimo, o governo federal teve de buscar outras alternativas para contar com um quadro qualificado. Estava em curso, contudo, a política restritiva de gasto, o que impedia aumento de despesas com a folha salarial. A alternativa encontrada recaiu sobre o contracting out por meio de organismos internacionais que integram o Sistema ONU no Brasil. Os principais organismos que abrigaram esses servidores foram Unesco, Pnud, Fao e OMS (OCDE, 2010)OCDE. Avaliação da gestão de recursos humanos no governo - relatório da OCDE: Brasil 2010. Brasília: OCDE, 2010.. A estimativa foi a de que cerca de 8 mil pessoas foram contratadas nessa modalidade (Gaetani e Heredia, 2002GAETANI, Francisco; HEREDIA, Blanca. The political economy of civil service reform in Brazil: the Cardoso years. Document prepared for the Red de Gestión y Transparencia del Diálogo Regional de Política del Banco Interamericano de Desarrollo. Mimeografado. 2002.). No entanto, esse tipo de contratação teve vida curta, tendo vigorado entre 1995 e o início dos anos 2000, sendo extinto por intervenção de um dos órgãos de fiscalização da ordem jurídica, o Ministério Público do Trabalho. Como consequência, e com a eleição de uma nova coalizão partidária liderada pelo PT, as vagas aumentaram e os concursos não mais se restringiram às carreiras típicas de Estado, embora, como se verá, elas sejam hoje as mais estruturadas.19 19 Entre 1995 e 2002 (governo Cardoso), 51.613 servidores foram contratados por concurso e entre 2003 e 2010 (governo Lula), 154.671, o que representa um crescimento próximo de 200%. A decisão do governo Lula pode ter sido reflexo do crescimento de 27% do valor médio do PIB real entre os dois governos (dados do PIB extraídos de: <www.ipeadata.gov.br>).

A tabela 1 mostra o quantitativo dos ingressos no setor público via concurso nos últimos 15 anos.

Tabela 1
Ingressos no Serviço Público Federal por concurso público (1995-2010)

Como forma de enfrentar a complexidade da abertura de concursos, o governo federal também adotou outra modalidade de recrutamento, conhecida como contratos temporários. Assim como ocorreu com os concursos públicos, os contratos temporários também não pararam de crescer, tendo iniciado, em 1995, com cerca de 5 mil e atingido mais de 12 mil em 2010.20 20 Os contratos temporários incluem profissionais de nível superior e médio. Incluem também professores substitutos para as universidades federais, que representam, em geral, a metade desses contratos.

Os cargos em comissão também não pararam de crescer. O número total passou de mais de 70 mil para cerca de 85 mil entre 1997 e 2010. Os ocupantes dos cargos de Diretoria e Assessoramento Superior (DAS), onde são abrigados os cargos de confiança da coalizão política que governa, mas também servidores de carreira e especialistas, totalizam cerca de 22 mil.21 21 Sobre o perfil dos ocupantes desses cargos durante o governo do presidente Lula, ver D’Araújo (2007). Loureiro e Abrucio (1999) analisaram as nomeações para cargos de confiança no Ministério da Fazenda durante o primeiro mandato do presidente Cardoso. Lopes (2015) tratou o tema associando-o ao presidencialismo de coalizão. Tal como aconteceu com a profissionalização da burocracia pela via do concurso público, a ocupação do cargo de DAS passou a valorizar o servidor de carreira. Em 2005, o Decreto no 5.497 determinou que 75% dos DASs dos níveis 1 a 3 e 50% do nível 4 passassem a ser ocupados exclusivamente por servidores de carreira.

Quais as consequências dessa nova modalidade de seleção dos quadros burocráticos? Evans (1992EVANS, Peter B. The state as problem and solution: predation, embedded autonomy, and adjustment. In: HAGGARD, Stephan; KAUFMAN, Robert R. (Ed.). The politics of economic adjustment. Princeton, NJ: Princeton University Press , 1992. p. 139-191., 1995) aponta as características institucionais centrais de uma burocracia weberiana: recrutamento meritocrático, regras para contratar e demitir que substituam nomeações por critérios políticos e demissões sem critérios e preenchimento dos altos cargos da burocracia por meio de promoção interna. No mesmo veio, Peters (1995PETERS, Guy. The politics of bureaucracy. Londres: Longman Publishers USA, 1995.) propõe os seguintes indicadores para analisar o grau de profissionalização da burocracia: (a) recrutamento - métodos e padrões; (b) estrutura da administração dos programas - organização interna, variações e reorganizações; (c) relações com grupos de pressão, partidos, sindicatos, ONGs, entidades de assistência social; (d) controle da burocracia, ou seja, sua accountability e responsividade e sua relação com os políticos eleitos. Portanto, tanto pelos critérios de Evans como pelos indicadores de Peters, a burocracia federal brasileira possui hoje as principais características de uma burocracia weberiana.

A despeito do grande crescimento no quantitativo da burocracia pública e da sua qualificação, o processo de burocratização do setor público federal ainda está inacabado. Isso é particularmente importante nas carreiras da área social e em um dos principais ministérios responsáveis pela política de infraestrutura: Transportes. Persistem, portanto, heterogeneidades na distribuição da burocracia profissionalizada entre os ministérios que formulam e coordenam diferentes políticas.

Apesar da grande prioridade dos programas sociais nos governos liderados pelo PT, a abertura de concurso para a Carreira de Desenvolvimento de Políticas Sociais, criada no final de 2010, e que iniciaria a composição dos quadros de especialistas dos Ministérios da Educação, Saúde, Desenvolvimento Social, Desenvolvimento Agrário, Direitos Humanos, Mulher, Igualdade Racial e Emprego, ocorreu apenas no final de 2012. Foram abertas 825 das 2.400 vagas autorizadas pelo Congresso. Esses especialistas têm salário inicial de R$ 5.466,53, contrastando com os valores dos salários iniciais dos especialistas da área fiscal, da CGU e os EPPGG.22 22 No período foram abertos concursos para os seguintes cargos com os seguintes salários: analista de finanças e controle, R$12.961,00, auditor-fiscal da Receita Federal, R$ 13.600,00, analista de finanças e controle, cargo que integra a CGU, R$ 12.960,77 e EPPGG, R$ 10.905,76. Dados disponíveis em: <www.esaf.fazenda.gov.br/concursos/concursos_selecoes/ATPS-2012/ATPS_2012_home.html>. O mesmo ocorre com a carreira de analista em infraestrutura de transportes, cujo salário inicial é de R$ 7.815,81. Isso confirma, mais uma vez, o que diz a literatura sobre capacidade do Estado, ou seja, a desigualdade entre as diversas áreas de política. A decisão de profissionalizar mais as funções de controle e menos as de políticas sociais e de infraestrutura tem repercussões sobre a capacidade do Estado de implementar essas políticas?

Se a estruturação das carreiras responsáveis pela política social ainda está incompleta, isso não significa que as políticas dessa área não estejam sendo implantadas. A política de inclusão social tem mostrado resultados expressivos, assim como a da educação fundamental e a da saúde básica. Ressalte-se que resultados expressivos significa, aqui, tão somente que (a) as inúmeras avaliações sobre os programas de transferência de renda e de aposentadorias não contributivas mostram seu impacto sobre a redução da pobreza; (b) a queda nos indicadores de mortalidade infantil e de esperança de vida ao nascer pode ser creditada à política de atenção básica à saúde; e (c) a educação fundamental foi universalizada, o que abre uma nova agenda voltada para melhorar sua qualidade. Já a política de infraestrutura, diferentemente da social, tem enfrentado inúmeros problemas. Várias avaliações apontam para as enormes dificuldades de sua implementação.

Os dados anteriores mostram que tanto a burocracia que atua nas políticas sociais como na de infraestrutura tem salários menores do que as que atuam nos organismos de controle (Planejamento, Fazenda e CGU), e sua profissionalização, se mensurada por concursos competitivos, ainda está incompleta. Como explicar, então, o relativo sucesso da implementação das políticas sociais e as dificuldades encontradas na política de infraestrutura? Os resultados diferenciados podem ser explicados pelas duas principais definições clássicas de capacidade estatal mencionadas. No caso das políticas sociais, a definição de Mann (1984MANN, Michael. The autonomous power of the state: its origins, mechanisms and results. European Journal of Sociology, v. 25, n. 2, p. 185-213, 1984.), de que existe capacidade quando o Estado tem instrumentos para penetrar no território, pode ser a variável explicativa. A extensa rede de agências da Caixa Econômica Federal e de lotéricas, aliada à prévia experiência dos municípios na provisão dos serviços de educação fundamental e de saúde básica podem ser os fatores explicativos para a rápida implementação dessas políticas.23 23 O conceito de capacidade infraestrutural do Estado foi testado por Alves (2015) na análise da política de saúde no Brasil. Essa explicação é complementada pela definição de Skocpol e Finegold (1982SKOCPOL, Theda; FINEGOLD, Kenneth. State capacity and economic intervention in the early New Deal. Political Science Quarterly, v. 97, n. 2, p. 255-278, 1982.), ou seja, capacidades são construídas quando os governos têm, ou podem mobilizar rapidamente, conhecimento, instituições e organizações capazes de implementar políticas.

Outro indicador que pode explicar as razões da implementação das políticas sociais é o apoio que recebem dos EPPGGs. Os dados mostram que em 2010 o maior número absoluto e relativo dos gestores governamentais estava alocado principalmente nas áreas de planejamento (13%) e fazendária (8,4%), responsáveis pelo controle fiscal, e na Presidência da República (8,5%). No entanto, não é desprezível o número de gestores nos ministérios das áreas sociais: 7% no Ministério da Educação e 5,5% no MDS e no Ministério da Saúde, em contraste com 0,89% no Ministério dos Transportes.24 24 Dados absolutos disponíveis em: <www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/segep/eppgg/EPPGG-DEZ2012-1.pdf>. Acesso em: 12 nov. 2015.

No que se refere à política de infraestrutura, o mecanismo utilizado para contornar as restrições de um corpo burocrático ainda incompleto não é o reforço da burocracia concursada para outras funções, mas sim mudanças na legislação de licitações para dar conta das inúmeras obras para os eventos esportivos que ocorrem e ocorrerão no Brasil no período 2014-16 e para agilizar as obras do PAC. Assim é que em 2011 a Lei no 12.462 instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) para as obras dos eventos esportivos e em 2012 a Lei no 12.688 estendeu esse regime para as obras do PAC. O RDC permite a flexibilização de licitações e contratos para obras públicas.

Se a substituição de um sistema de patronagem ou clientelista pelo recrutamento por concurso é, como argumenta Evans (1992EVANS, Peter B. The state as problem and solution: predation, embedded autonomy, and adjustment. In: HAGGARD, Stephan; KAUFMAN, Robert R. (Ed.). The politics of economic adjustment. Princeton, NJ: Princeton University Press , 1992. p. 139-191., 1995), condição necessária, embora não suficiente, para que o Estado seja moderno, o indicador de controle da burocracia apontado por Peters (1995PETERS, Guy. The politics of bureaucracy. Londres: Longman Publishers USA, 1995.) também assume relevância. No entanto, o controle da burocracia pelos representantes eleitos, principalmente os que integram o Legislativo, aspecto ressaltado na literatura norte-americana sobre o tema25 25 Essa literatura integra a teoria da delegação e parte do pressuposto de que existe o risco de burocratas usurparem o papel de políticos eleitos nos processos relacionados com as políticas. Ver, entre outros, Huber e McCarty (2004). e por Weber, é praticamente inexistente no Brasil, como mostram Arantes e colaboradores (2010ARANTES, Rogério B. et al. Controles democráticos sobre a administração pública no Brasil: Legislativo, tribunais de contas, Judiciário e Ministério Público. In: LOUREIRO, Maria Rita; ABRUCIO, Fernando L.; PACHECO, Regina S. (Org.). Burocracia e política no Brasil: desafios para o Estado democrático no século XXI. Rio de Janeiro: Ed. FGV , 2010. p. 109-148.), Olivieri (2011OLIVIERI, Cecilia. Os controles políticos sobre a burocracia. Rev. Adm. Pública, v. 45, n. 5, p. 1395-1424, set./out. 2011.) e Pacheco (2010PACHECO, Regina. Profissionalização, mérito e proteção da burocracia no Brasil. In: LOUREIRO, Maria Rita; ABRUCIO, Fernando L.; PACHECO, Regina (Org.). Burocracia e política no Brasil: desafios para o Estado democrático no século XXI. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010. p. 277-306.), e como argumenta um gestor governamental.26 26 Entrevista com Francisco Gaetani, publicada em Ipea (2012). Isso significa que o modelo brasileiro de funcionamento da máquina pública é hoje caracterizado por burocracias (CGU, MP e TCU) que controlam aquelas que participam da formulação e implementam políticas. Ou, em outra chave teórica, agentes controlam agentes com escassa participação dos principais - políticos e cidadãos.

6. Considerações finais

Este trabalho mostrou a ocorrência de múltiplos mecanismos utilizados pelos diferentes governos e regimes políticos brasileiros para a criação de capacidade burocrática. A despeito da existência de “gramáticas” diferenciadas convivendo simultaneamente e de uma “gramática” hoje predominante, o governo sempre foi capaz de construir capacidade burocrática para dar conta das prioridades dos diferentes regimes políticos, das diferentes coalizões governativas e para diferentes políticas públicas, ou seja, para enfrentar a tarefa da modernização dos tipos Estado-sociedade e Estado-Estado. É claro que a burocracia é apenas uma das dimensões da capacidade do Estado e outras dimensões jogam papel importante nos resultados das políticas públicas. No entanto, o sistema burocrático construído no Brasil neste século é bastante distinto dos anteriores pela predominância de uma forma de recrutamento baseada na competição e no mérito. Nesse sentido, o sistema burocrático brasileiro se enquadra perfeitamente em um dos critérios que constituem o Estado “moderno”, ou seja, a burocracia federal é hoje caracterizada pela especialização de tarefas e pela profissionalização e qualificação da burocracia. Isso não significa, todavia, que o Estado brasileiro do século passado carecia de capacidade para implementar suas políticas.

O artigo mostrou também que mudou o que se identificava como marca característica do sistema burocrático brasileiro, ou seja, clientelismo e/ou patrimonialismo, havendo hoje a prevalência do universalismo de procedimentos e da profissionalização e qualificação da burocracia pela via do concurso público. Todavia, a maior mudança parece ter ocorrido no fortalecimento da capacidade burocrática das instâncias de controle, seja o fiscal, seja o da observância de regras e procedimentos. Se, por um lado, esse fortalecimento é um indicador do amadurecimento da democracia brasileira e da inserção do país na economia globalizada, também pode significar a prevalência dos meios, ou dos controles, sobre os fins, ou sobre os resultados das políticas públicas. Uma das características da burocracia weberiana, o controle político dos burocratas, portanto, ainda está fora da agenda.

Por fim, o artigo confirmou uma das hipóteses do conceito de capacidade burocrática aqui testada, qual seja, a de que essa capacidade não se distribui de forma uniforme entre políticas.

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  • WAHRLICH, Beatriz M. S. Reforma administrativa na era de Vargas Rio de Janeiro: Editora FGV, 1983.
  • 1
    Para uma discussão sobre a eficácia da burocracia na América Latina associada ao conceito de cultura política, ver, entre outros, Bozeman (2015).
  • 2
    A expressão capacidade do Estado ou capacidades estatais, mais discutida adiante, pode ser desdobrada em múltiplas dimensões, sendo a capacidade burocrática, objeto deste artigo, uma delas. Sobre suas dimensões e sua relação com as questões do desenvolvimento nos países da América Latina, ver, entre outros, Corporación Andina de Fomento (2015)CORPORACIÓN ANDINA DE FOMENTO. Capacidades estatales. Diez textos fundamentales. Buenos Aires: CAF, 2015., e sobre sua aplicabilidade nas políticas sociais, ver Repetto (2003)REPETTO, Fabián. Capacidad estatal: requisito necesario para uma mejor política social en América Latina. In: CONGRESO INTERNACIONAL DEL CLAD SOBRE LA REFORMA DEL ESTADO Y DE LA ADMINISTRACIÓN PÚBLICA, VIII, 2003, Panamá..
  • 3
    Para uma discussão sobre os diferentes tipos de modernização, ver Margetts (2010).
  • 4
    Sobre as contradições e os conflitos enfrentados pelo Dasp, ver, entre outros, Draibe (1985)DRAIBE, Sônia. Rumos e metamorfoses: um estudo sobre a constituição do Estado e as alternativas da industrialização no Brasil-1930-1960. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985., Geddes (1994) e Nunes (1997). A reconstrução da sua trajetória foi feita por Wahrlich (1983)WAHRLICH, Beatriz M. S. Reforma administrativa na era de Vargas. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1983., entre outros.
  • 5
    A estimativa é que entre 400 e 500 mil servidores passaram ao regime de estabilidade. Disponível em: <http://innomics.wordpress.com/2007/11/23/entrevista-com-francisco-gaetani/>. Acesso em: 12 out. 2010.
  • 6
    Este não é um fenômeno apenas brasileiro. Como nos informa Olsen (2005)OLSEN, Johan P. Maybe it is time to rediscover bureaucracy. Journal of Public Administration Research and Theory, v. 16, n. 1, p. 1-24, 2005., o mesmo ocorreu em todo o mundo.
  • 7
    Este tema é tratado também por Abrucio e colaboradores (2010).
  • 8
    Sobre a segmentação entre a burocracia da política macroeconômica e social no Brasil ver, entre outros, Evans (1993)EVANS, Peter B. O Estado como problema e solução. Lua Nova, n. 28-29, p. 107-157, 1993. e Schneider (1991)SCHNEIDER, Ben R. Politics within the state: elite bureaucrats and industrial policy in authoritarian Brazil. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 1991..
  • 9
    Tanto a Enap como a futura carreira de EPPGG e seu curso de formação tiveram como inspiração relatório elaborado em 1982ROUANET, Sérgio P. Criação no Brasil de uma Escola Superior de Administração Pública. Mimeografado. 1982. pelo embaixador Sergio Paulo Rouanet, a pedido do Dasp.
  • 10
    Para uma descrição da trajetória da carreira de EPPGG e da Enap, ver, entre outros, Ferrarezi e colaboradores (2008)FERRAREZI, Elisabete; ZIMBRÃO, Adélia; AMORIM, Sônia N. A experiência da Enap na formação inicial para a carreira de especialista em políticas públicas e gestão governamental - EPPGG: 1988 a 2006. Brasília: Cadernos Enap, 2008..
  • 11
    Esse grupo é constituído dos seguintes cargos: analista de comércio exterior, analista de planejamento orçamento, analista de finanças e controle, EPPGG e cargos de nível intermediário.
  • 12
    Dados extraídos de: <www.servidor.gov.br/publicacao/boletim_estatistico/bol_estatistico_10/Bol176_Dez2010.pdf>.
  • 13
    Os auditores da CGU fazem parte do Grupo de Gestão e integram a categoria de Analista de Finanças e Controle.
  • 14
    Em dezembro de 2014, o governo federal contava com um total de 568.020 servidores ativos, sendo 277.320 com nível superior.
  • 15
    Ver, por exemplo, Diniz e Boschi (1978)DINIZ, Eli; BOSCHI, Renato. Empresariado nacional e Estado no Brasil. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1978., Evans (1995)EVANS, Peter B. Embedded autonomy: states and industrial transformation. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1995., Gouvêa (1994)GOUVÊA, Gilda P. Burocracia e elites burocráticas no Brasil. São Paulo: Pauliceia, 1994. e Martins (1991)MARTINS, Luciano. Estado capitalista e burocracia no Brasil pós-64. 2. ed.Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.. Para uma revisão dessa literatura, ver Figueiredo (2010), e para uma análise sobre os vínculos entre burocracia, Executivo, partidos e grupos de interesse na política macroeconômica, ver Loureiro e colaboradores (2010)LOUREIRO, Maria Rita; OLIVIERI, Cecília; MARTES, Ana C. B. Burocratas, partidos e grupos de interesse: o debate sobre política e burocracia no Brasil. In: LOUREIRO, Maria Rita; ABRUCIO, Fernando L.; PACHECO, Regina S. (Org.). Burocracia e política no Brasil: desafios para o Estado democrático no século XXI. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2010. p. 73-108.. Tratam também do tema Pires e Gomide (2015)PIRES, Roberto R. C.; GOMIDE, Alexandre A. Variações setoriais em arranjos de implementação de programas federais. Revista do Serviço Público, v. 66, n. 2, p. 195-226, 2015..
  • 16
    Ver, por exemplo, Campelo de Souza (1976)CAMPELO DE SOUZA, Maria do Carmo. Estado e partidos políticos no Brasil. São Paulo: Alfa-Ômega, 1976. e Evans (1993).
  • 17
    Posteriormente, a Emenda Constitucional 41, de 2003, também criou regras mais rígidas em relação à aposentadoria dos servidores estatutários.
  • 18
    As OSs foram adotadas em estados e municípios, mas não na esfera federal.
  • 19
    Entre 1995 e 2002 (governo Cardoso), 51.613 servidores foram contratados por concurso e entre 2003 e 2010 (governo Lula), 154.671, o que representa um crescimento próximo de 200%. A decisão do governo Lula pode ter sido reflexo do crescimento de 27% do valor médio do PIB real entre os dois governos (dados do PIB extraídos de: <www.ipeadata.gov.br>).
  • 20
    Os contratos temporários incluem profissionais de nível superior e médio. Incluem também professores substitutos para as universidades federais, que representam, em geral, a metade desses contratos.
  • 21
    Sobre o perfil dos ocupantes desses cargos durante o governo do presidente Lula, ver D’Araújo (2007). Loureiro e Abrucio (1999)LOUREIRO, Maria Rita; ABRUCIO, Fernando. Política e burocracia no presidencialismo brasileiro: o papel do Ministério da Fazenda no primeiro governo Fernando Henrique Cardoso. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 14, n. 41, p. 69-89, 1999. analisaram as nomeações para cargos de confiança no Ministério da Fazenda durante o primeiro mandato do presidente Cardoso. Lopes (2015)LOPEZ, Felix G. (Org.) Cargos de confiança no presidencialismo de coalizão brasileiro. Brasília: Ipea, 2015. tratou o tema associando-o ao presidencialismo de coalizão.
  • 22
    No período foram abertos concursos para os seguintes cargos com os seguintes salários: analista de finanças e controle, R$12.961,00, auditor-fiscal da Receita Federal, R$ 13.600,00, analista de finanças e controle, cargo que integra a CGU, R$ 12.960,77 e EPPGG, R$ 10.905,76. Dados disponíveis em: <www.esaf.fazenda.gov.br/concursos/concursos_selecoes/ATPS-2012/ATPS_2012_home.html>.
  • 23
    O conceito de capacidade infraestrutural do Estado foi testado por Alves (2015)ALVES, Jorge A. (Un?)Healthy politics: the political determinants of subnational health systems in Brazil. Latin American Politics and Society, v. 57, n. 4, p. 119-142, 2015. na análise da política de saúde no Brasil.
  • 24
    Dados absolutos disponíveis em: <www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/segep/eppgg/EPPGG-DEZ2012-1.pdf>. Acesso em: 12 nov. 2015.
  • 25
    Essa literatura integra a teoria da delegação e parte do pressuposto de que existe o risco de burocratas usurparem o papel de políticos eleitos nos processos relacionados com as políticas. Ver, entre outros, Huber e McCarty (2004)HUBER, John D.; MCCARTY, Nolan. Bureaucratic capacity, delegation, and political reform. American Political Science Review, v. 98, n. 3, p. 481-494, 2004..
  • 26
    Entrevista com Francisco Gaetani, publicada em Ipea (2012).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2017

Histórico

  • Recebido
    15 Jun 2015
  • Aceito
    20 Abr 2016
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