1. Introdução
Este trabalho tem como objetivo aprofundar a compreensão dos elementos da coordenação informal nas organizações que operam em cenários de alta complexidade e incerteza.1 Entre eles, liderança e confiança aparecem em alguns trabalhos como elementos de maior relevância para explicar a diferença de desempenho entre organizações muitas vezes similares (Braun et al., 2013; Pinheiro Neto, 2013; Zanini et al., 2013; Haas, 2015; Legood, Thomas e Sacramento, 2016; Hasel e Grover, 2017). Especialmente em contextos de alta complexidade e imprevisibilidade, o engajamento e a confiança são apontados como fundamentais para garantir a cooperação na busca dos ajustes internos necessários para a construção de respostas rápidas aos desafios do ambiente (Zanini et al., 2013; Hannah et al., 2009).
Neste sentido, apresentamos uma análise dos antecedentes da confiança no líder nas equipes operacionais no Batalhão de Operações Policiais Especiais da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (Bope/RJ), uma unidade policial de operações especiais, que constitui uma força de intervenção da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ). Na literatura, essas organizações são reconhecidas como critical action organizations (CAOs) (Hannah et al., 2009). Segundo Hannah e colaboradores (2009), as organizações de ação crítica se caracterizam pelo engajamento em eventos extremos, como em combates, com alto potencial de consequências críticas de grandes proporções envolvendo o risco de vida de ambos, membros e não membros.
Para melhor compreender esses elementos de coordenação informal, liderança e confiança, estudamos o caso do Bope/RJ, onde alta incerteza, imprevisibilidade, complexidade e volatilidade do ambiente podem ser estudadas em situações extremas, pois ao contrário das organizações produtivas, onde há controle e relativa previsibilidade sobre as variáveis que interferem nas rotinas operacionais, o combate ao crime pressupõe a capacidade de enfrentar ações randômicas ou propositalmente planejadas para reduzir a efetividade das ações policiais. Ou seja, a rotina de trabalho ocorre em um ambiente onde a reação proposital aos esforços das equipes policiais é a característica fundamental da atividade e onde o erro ou um eventual fracasso pode resultar em perdas de vidas de policiais ou civis.
Em linha com o estudo das CAOs, alguns trabalhos preliminares abordando a organização (Zanini, Colmerauer e Lima, 2015; Zanini, Migueles e Colmerauer, 2014; Zanini et al., 2013; Pinheiro Neto, 2013; Storani, 2008) demonstram que a confiança no líder é fator fundamental para a aceitação de risco, mesmo em contextos extremos, onde os riscos pessoais e institucionais próprios da atividade-fim da organização podem ser de grande magnitude. Nesses estudos anteriores, os antecedentes de confiança foram investigados de acordo com escalas internacionalmente testadas.2 O aprofundamento desta análise nos fez perceber, no entanto, que aspectos característicos do ambiente institucional onde a organização opera podem colocar desafios específicos para a definição dos fatores-chave dos antecedentes de confiança.
Ao abordarmos o contexto institucional específico onde está inserida a organização e seu impacto na relação entre os antecedentes da confiança e a confiança no líder, este estudo contribui igualmente para a formulação das teorias e definições de liderança em contexto. Alguns estudiosos têm chamado a atenção para essa necessidade (Oc, 2017; Nevicka et al., 2013; Hannah et al., 2009; Avolio, 2007; Porter e McLauglin, 2006; Waldman et al., 2006).
Assim, ao examinarmos os estudos qualitativos de Zanini, Migueles e Colmerauer (2014) e Pinheiro Neto (2013), que apontam para a redução da distância de poder (definida por Hofstede, 2001, como um indicador do grau de aceitação da desigualdade e da distância entre o topo e a base) e o exercício da liderança compartilhada, como fatores críticos para a aceitação da liderança e do risco, levantamos a hipótese de que a dimensão cultural distância de poder, comparativamente alta no Brasil, correlaciona-se negativamente com a confiança no líder e, portanto, com a efetividade e a produtividade dos esforços da organização. Anteriormente, na perspectiva da teoria da troca entre líder e liderado (LMX), estudos empíricos (Rockstuhl et al., 2012; Dulebohn et al., 2012; Smritianand e Park, 2015; Yu, Matta e Cornfield, 2017) já demostraram que a dimensão distância de poder, tal como definida por Hofstede (2001), modera as relações de confiança entre líder e liderado. Adicionalmente, utilizando as escalas dos antecedentes da confiança de Whitener e colaboradores (1998), buscamos aprofundar este estudo dos antecedentes da confiança, por meio de uma análise quantitativa, relacionando separadamente cada escala com a confiança profissional e pessoal no líder.
2. Estudo do caso Bope/RJ
Criada em 1978, esta unidade de intervenção da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro conta com aproximadamente 400 policiais especializados em ações de combate ao crime em áreas de alto risco e resgate de reféns. Buscamos compreender a especificidade dos vínculos existentes entre os policiais do Bope/RJ, que possuem um trabalho intenso de combate ao tráfico de drogas infiltrado nas favelas cariocas com fortes características de guerrilha urbana, para o qual desenvolveram competências específicas. A forma de organização e o estilo de liderança do Bope/RJ, bem como suas competências essenciais (Prahalad, 1993), já foram estudados em outros trabalhos. Pinheiro Neto (2013) observa que a capacidade de planejar de forma participativa, com baixo grau de distância de poder nas relações hierárquicas, é estruturante do conjunto das competências organizacionais que sustentam sua excelência operacional, fortalecendo as relações de confiança entre líderes e liderados e entre pares. Segundo Pinheiro Neto (2013), a baixa distância de poder contribui positivamente para o aumento da confiança. Zanini e colaboradores (2013) observam o papel central das relações de confiança e da liderança como fatores críticos para gerar cooperação e aceitação do risco extremo no Bope/RJ e que a predisposição do policial combatente em se engajar em situações críticas está relacionada de maneira significante com a confiança no líder, confirmando a relevância da liderança em organizações militares (Weber, 1968; Clausewitz, 1996). O mesmo estudo identificou que a confiança profissional no líder está positivamente relacionada com o comprometimento afetivo e normativo. Zanini, Colmerauer e Lima (2015) analisam a relação entre a confiança no líder e o comprometimento dos subordinados e confirmam que o estilo mais consultivo de liderança está positivamente relacionado com a confiança pessoal e profissional no líder.
3. Efeitos da distância de poder
Os estudos quantitativos sobre cultura comparada realizados por Hofstede (2001) selecionam seis dimensões comparativas em culturas nacionais. Entre elas, identificamos a distância de poder (IDP - índice de distância de poder) como uma dimensão crítica para a efetividade e a eficiência operacional, impactando especialmente as relações entre líderes e liderados dentro das organizações (Migueles, Lafraia e Costa, 2007; Rockstuhl et al., 2012; Dulebohn et al., 2012; Zanini et al., 2013; Pinheiro Neto, 2013; Smritianand e Park, 2015; Mulki, Caemmerer e Heggde, 2015; Tian e Peterson, 2016). Para esta pesquisa, a seleção dessa dimensão cultural específica foi realizada após a análise de outros estudos em que essa dimensão aparece como crítica para a capacidade da organização de desenvolver relações de confiança interna (Zanini et al., 2013; Zanini, Migueles e Colmerauer, 2014).
Na pesquisa comparativa realizada por Hofstede (2001), o Brasil foi considerado um país com alta distância de poder. Essa dimensão reflete, comparativamente, como os indivíduos menos poderosos de cada sociedade esperam e aceitam que o poder seja distribuído desigualmente (Hofstede, 1997, 2001). Quanto maior o índice de distância de poder de um país, mais confortáveis encontram-se os indivíduos daquele país com uma repartição desigual de poder. Segundo Hofstede (1997:42), distância de poder é “a medida do grau de aceitação, por aqueles que têm menos poder nas instituições e organizações de um país, de uma repartição desigual de poder”. No ambiente de trabalho de países com baixa distância de poder, a hierarquia é vista apenas como um arranjo temporário estabelecido por conveniência. Os empregados esperam um estilo consultivo do seu chefe, a diferença entre os salários da base e do topo é relativamente pequena e os subordinados esperam ser consultados nas decisões que afetam seu trabalho. Em países com alta distância de poder, a diferença de hierarquia é vista como um fato existencial, e os empregados esperam um chefe autoritário e paternalista (Hofstede, 2001).
Analisando o contexto específico do Bope/RJ, Storani (2008) e Pinheiro Neto (2013) observam que o processo seletivo rigoroso funciona como um rito de passagem do policial. A aceitação é parte do processo de integração na equipe e a convivência com regras disciplinares rígidas regula os comportamentos, a exposição constante ao alto risco de vida durante as operações, estabelecendo, ao final, uma relação mais estreita entre os policiais de diferentes patentes militares, criando uma estrutura única que promove a redução da percepção de distância de poder e um maior sentimento de igualdade aos que pertencem ao grupo. Pinheiro Neto (2013:47) observa que o exercício da liderança compartilhada, o planejamento participativo e o treinamento rigoroso se somam ao processo fundamental para aceitação e redução do risco nas operações, garantindo o aumento da previsibilidade em relação ao comportamento dos membros e da confiabilidade em relação aos planos táticos e operacionais.
A velocidade da operação, por um lado, e a impossibilidade da total compreensão do cenário onde ela ocorre à distância, por outro, demandam um processo de tomada de decisão ad hoc. A possibilidade de o líder de uma equipe em operação ferir-se em combate é parte integral do planejamento dos riscos da operação (Pinheiro Neto, 2013:48). Portanto, a liderança compartilhada passa a ser fundamental para a continuidade das operações e para a necessidade de realizar eventuais resgates de policiais feridos. Assim, Pinheiro Neto (2013) observa que o preparo para assumir a liderança é parte da formação dos membros das unidades. Nesse contexto, a redução da distância de poder aparece como um fator-chave para a efetividade em cenários velozes, complexos e com inúmeros imprevistos. Nesses estudos anteriores, no entanto, não foi considerada a redução da distância de poder na análise das relações causais entre os elementos antecedentes da confiança e sua influência na confiança dos subordinados no líder. Assim, neste presente trabalho, aprofundamos o estudo dessa relação, por meio de uma análise quantitativa, relacionando separadamente cada um dos antecedentes da confiança com a confiança no líder. Para tanto, utilizamos o banco de dados usado por Zanini e colaboradores (2013). As questões que avaliam a distância de poder já se encontravam nesse questionário, originalmente utilizado por Hofstede (2001).3
4. Relações de confiança líder-liderado
A teoria dos contratos e da agência (Wolff, 1996; Williamson, 1996) mostra que contratos formais representam uma redução imperfeita da natureza das relações que ocorrem nas organizações. Mecanismos alternativos são necessários para garantir que todos os eventos imprevisíveis e contingenciais, quando da realização dos acordos iniciais, sejam adequadamente endereçados pela cooperação entre as partes. A confiança é reconhecida na literatura da teoria dos contratos como um elemento central para uma melhor avaliação dos contratos relacionais (Wolff, 1996; Ripperger, 1998). Para o propósito deste artigo, assumimos a definição de confiança proposta por Ripperger (1998:36) como: “a aceitação voluntária e antecipada de um investimento de risco, pela abdicação de mecanismos contratuais explícitos de segurança e de controle, na expectativa de que a outra parte não agirá de forma oportunista”. Na definição da confiança, outras perspectivas teóricas assumem igualmente a centralidade da vulnerabilidade e do risco (Rousseau et al., 1998; Gillespie, 2003; Tzafrir e Dolan, 2004). Por exemplo, Rousseau e colaboradores (1998:395) definem confiança como: “um estado psicológico que consiste na intenção de aceitar a vulnerabilidade baseado em expectativas positivas sobre as intenções ou comportamentos de outra pessoa”. Tzafrir e Dolan (2004) observam a existência de componentes comuns às diferentes definições de confiança associadas à vulnerabilidade e ao risco, por exemplo, a reciprocidade.
Nessas perspectivas, a confiança é uma crença, expectativa ou percepção do liderado, e não uma característica da relação ou do líder. Gillespie (2003) afirma que a confiança nas relações de trabalho é predominantemente manifesta por meio de dois comportamentos distintos, sendo o primeiro relacionado com contar com os outros, e o segundo relacionado com divulgação de informações pessoais ou confidenciais para outras pessoas. A autora distingue duas dimenssões: pessoal e profissional. A confiança profissional contrasta com a natureza mais pessoal orientada para confidências, portanto cabendo a distinção entre as formas pessoal e profissional de confiança. Segundo a autora, ao confidenciar ou compartilhar algo pessoal, prevalece uma base emocional e relacional de confiança, revelando vulnerabilidade, frequentemente acompanhada de apego, expressões de cuidado e preocupação. Nesse sentido, a dimensão pessoal é semelhante à noção de confiança afetiva, e é consistente com a opinião de que há componentes de confiança que diferem na medida em que eles têm base emocional (Mcallister, 1995). Segundo Gillespie (2003), ao contrário da confiança pessoal, a confiança profissional está baseada na percepção das habilidades profissionais e das competências que levam à confiabilidade, isto é, contar com o líder para lhe ajudar a resolver questões importantes, obter seu apoio em situações difíceis, ou confiar na sua avaliação do trabalho.
As relações de confiança entre líderes e liderados têm sido abordadas em algumas linhas de pesquisa, notavelmente entre elas na teoria da troca entre líder e liderado - leader member exchange (LMX) (Pillai, Schriesheim e Williams, 1999; Schriesheim, Castro e Cogliser, 1999; Braun et al., 2013; Zhu et al., 2013). Nessa perspectiva, a confiança na liderança emerge e é descrita operacionalmente como um processo de troca social (Whitener et al., 1998) assumindo centralidade, uma vez que a teoria LMX tem sido definida propriamente como um processo de construção da confiança (Bauer e Green, 1996; Liden, Wayne e Stilwell, 1993; Scandura e Pellegrini, 2008). Estudos empíricos desenvolvidos dessa perspectiva teórica apontam para a confiança no líder como um dos principais fatores relacionados com o desempenho organizacional (Martin et. al., 2016; Banks et al., 2014) e revelam alguns fatores críticos como antecedentes para a confiança no líder. Por exemplo, Dirks e Ferrin (2002) realizaram uma meta-análise buscando compreender os fatores críticos na relação de confiança no líder e, entre as variáveis antecedentes da confiança, aquelas que apresentaram maior relação, encontram-se o estilo de liderança transformacional (envolvendo elementos afetivos na relação), a percepção de justiça (interacional, processual e distributiva) e a percepção de suporte organizacional. Gillespie e Mann (2004) confirmam que a confiança no líder está relacionada direta e positivamente com um estilo de liderança consultivo, com o compartilhamento das decisões, com a qualidade da comunicação interna e com o compartilhamento de valores comuns. Holland, Cooper e Sheehan (2017) confirmam que a confiança na liderança está positivamente relacionada com o suporte direto do líder ao subordinado. Boies, Fiset e Gill (2015) e Ruppel e Harrington (2000) confirmam que a qualidade da comunicação é um fator crítico para a confiança no líder. Clark e Payne (2006) identificam uma forte relação entre percepções de habilidade, integridade, justiça e abertura ao outro, por parte do liderado, como fatores determinantes para a construção das relações de confiança no líder. Caza (2015) confirma que a confiança no líder aumenta na medida em que o subordinado percebe sinceridade emocional do líder. Ainda que esses estudos confirmem algumas variáveis como antecedentes da confiança no líder, observamos que estes variam e precisam ser compreendidos em seu contexto específico.
Para a melhor compreensão da construção da confiança no líder em contextos específicos (Dirks e Ferrin, 2002), buscamos aprofundar a compreensão da relação de causalidade pela análise dos antecedentes da confiança. Neste sentido, Whitener e colaboradores (1998) apresentam um modelo teórico para a análise dos antecedentes da confiança nas organizações, com base em cinco dimensões selecionadas a partir de trabalhos acadêmicos com forte relação com a confiança, que são: percepção de consistência, integridade, compartilhamento e delegação de autoridade em processos de tomada de decisão, demonstração de preocupação com o subordinado e comunicação interna.
Neste artigo, utilizamos essas mesmas escalas para analisar as hipóteses que são sugeridas, a fim de melhor compreender os elementos críticos do modelo de coordenação informal nas equipes de operações policiais especiais. Assim, a partir da análise dos estudos anteriores sobre a confiança no líder e após identificar seus antecedentes, formulamos as seguintes hipóteses, identificando separadamente as dimensões de confiança profissional e pessoal no líder:
H1a: Distância de poder possui uma relação direta e inversa com confiança profissional no líder.
H1b: Distância de poder possui uma relação direta e inversa com confiança pessoal no líder.
H2a: Percepção da comunicação interna está associada a maiores níveis de confiança profissional no líder.
H2b: Percepção da comunicação interna está associada a maiores níveis de confiança pessoal no líder.
H3a: Percepção de consistência da gestão está associada a maiores níveis de confiança profissional no líder.
H3b: Percepção de consistência da gestão está associada a maiores níveis de confiança pessoal no líder.
H4a: Percepção de integridade da gestão está associada a maiores níveis de confiança profissional no líder.
H4b: Percepção de integridade da gestão está associada a maiores níveis de confiança pessoal no líder.
H5a: Percepção de compartilhamento e delegação de autoridade está associada a maiores níveis de confiança profissional no líder.
H5b: Percepção de compartilhamento e delegação de autoridade está associada a maiores níveis de confiança pessoal no líder.
H6a: Percepção de demonstração de preocupação com os subordinados está associada a maiores níveis de confiança profissional no líder.
H6b: Percepção de demonstração de preocupação com os subordinados está associada a maiores níveis de confiança pessoal no líder.
5. Metodologia
Para testar as hipóteses propostas foram aplicados questionários estruturados divididos em quatro partes: perguntas sobre motivação, liderança e distância de poder (Hofstede, 2001); um inventário de perguntas sobre confiança interpessoal (Gillespie, 2003); antecedentes da confiança (Whitener et al., 1998); e variáveis demográficas. Os respondentes eram todos policiais operacionais do Bope/RJ.
5.1 População e amostra
A distribuição dos questionários ocorreu em 2012, de forma direta e manual, dentro das instalações do Bope/RJ, que contava naquele momento com cerca de 400 policiais operacionais, correspondendo a nossa população total. A amostra do estudo contou com 115 policiais do Bope/RJ, representando 28,75% do total de policiais operacionais da unidade. A amostra se caracteriza por policiais de faixa etária entre 30 e 39 (cerca de 64%), casados (cerca de 70%) e com grau de instrução até o ensino médio (66%). Possuem um tempo médio de aproximadamente oito anos na unidade, e 74% dos policiais possuem mais de cinco anos de trabalho na unidade. Em sua grande maioria, são cabos (68,6%) e soldados (17,6%).
5.2 Instrumento de pesquisa e coleta de dados
O instrumento de coleta, um questionário estruturado, foi dividido em quatro partes. A primeira parte do questionário continha questões que investigavam as motivações dos policiais para participarem de operações de risco, os fatores motivacionais, o estilo de liderança que possuem e o que desejam. Tais perguntas foram desenvolvidas exclusivamente para esta pesquisa e estão ligadas ao contexto específico do Bope. Exemplos de questões: o que mais lhe motiva a trabalhar nesta unidade? Qual é a principal característica que deve ter um membro do Bope? Além desses aspectos, a primeira parte do questionário continha o construto distância de poder (DP) por meio das questões propostas por Hofstede (2001). As questões se relacionavam com o grau de aceitação dos subordinados em discordarem do seu superior direto e o estilo de liderança do superior (consultivo, autocrático/paternalista ou baseado na opinião da maioria, mas não consultivo).
A segunda parte apresentava questões relativas à confiança no superior, no colega e na equipe, escala originalmente denominada behavioral trust inventory (BTI) por Gillespie (2003). A escala possui boa confiabilidade, com ambos os fatores com Alfas de Cronbach superiores a 0,89 (Fator 1 - Dependência α = 0.90 a 0.92 | Fator 2 - Divulgação α = 0.89 a 0.95), sendo apontada em diversos trabalhos como uma medida alternativa e confiável para confiança (McEvily e Tortoriello, 2011; Schoorman et al., 2007; Lewicki et al., 2006; Gillespie e Mann, 2004). Tal questionário já havia sido validado para o contexto brasileiro por Zanini (2007), Cotta (2010) e Frederico (2012). A escala é composta de 10 itens, avaliados em escala Likert de sete pontos, variando de 1 a 7 (1: nem um pouco disposto, 7: extremamente disposto). No referido questionário, cada grupo de cinco perguntas tem por objetivo medir aspectos diferentes da confiança, e os itens de número 1 a 5 medem a confiança profissional, enquanto os itens de 6 a 10 medem a confiança pessoal.
A terceira parte do questionário continha as escalas de Whitener e colaboradores (1998) relativas aos antecedentes de confiança, formado por cinco fatores: comunicação interna (α = 0.73); integridade na gestão (α = 0.91); consistência na gestão (α = 0.74); compartilhamento e delegação de autoridade (α = 0.82); e demonstração de preocupação com os subordinados (α = 0.92). Cada um desses cinco indicadores é formado por três itens, medidos em uma escala de 5 pontos (em que 1 = discordo completamente e 5 = concordo completamente). Em Whitener e colaboradores (1998), consistência refere-se à percepção do comportamento da pessoa a que se deposita a confiança (por exemplo, nos superiores) por meio de uma expectativa de reciprocidade e dignidade que a mesma possui em ser confiável. Integridade refere-se à percepção do nível com que a gestão da organização, mediante seus representantes, diz a verdade e cumpre com suas promessas. Compartilhamento e delegação de autoridade mede a percepção do grau de envolvimento dos membros no processo decisório da organização e como esta busca compartilhar tais decisões com seus membros. Essa atribuição adiciona valor ao envolvimento dos membros como sendo parte do processo de decisão na organização indicando o nível com que a organização valoriza a contribuição dos seus membros. A demonstração de preocupação refere-se à percepção dos membros quanto à disposição da gestão da organização em se preocupar com seu bem-estar quando na tomada de decisões importantes ou cotidianas em detrimento de outros interesses. A percepção da comunicação interna está relacionada com o grau de acessibilidade, confiabilidade e transparência da informação que é compartilhada com os membros da organização.
A quarta parte do questionário continha variáveis demográficas pessoais, como educação, faixa etária, quantidade de subordinados e tempo de trabalho. Uma parte final do instrumento foi disponibilizada para que expressassem sua opinião e quaisquer comentários adicionais.
5.3 Análise de dados
O trabalho utilizou o modelo de Equações Estruturais, por meio de algoritmo de máxima verossimilhança (maximum likelihood), com rotação oblíqua Promax. A análise foi feita em duas etapas. A primeira analisou as variáveis latentes a serem utilizadas nos testes das hipóteses propostas, com o objetivo de mensurar e avaliar a qualidade da mensuração realizada, ao analisar a validade convergente, discriminante e confiabilidade do instrumento de mensuração dos construtos (Hair, Ringle e Sarstedt, 2014). A segunda etapa avaliou as hipóteses do presente estudo, ao estimar os betas que correspondem às relações existentes entre variáveis independentes e as dependentes.
6. Resultados
6.1 Análise das variáveis latentes
A verificação da consistência foi realizada pela análise das variáveis latentes utilizando o modelo de equação estrutural com coeficientes padronizados. As variáveis analisadas são: confiança pessoal no líder, confiança profissional no líder, percepção da comunicação interna, percepção de consistência da gestão, percepção de integridade da gestão, percepção de compartilhamento e delegação de autoridade e percepção de demonstração de preocupação com os subordinados.
Conforme demonstrado na tabela 1, o teste modelo apresenta boa validade convergente. Todas as perguntas apresentaram bom carregamento dos fatores (cargas acima de 0,5), exceto por um item (consistência 1).4 Para o teste de validade convergente, utilizamos igualmente a variância média extraída (AVE). Nos construtos utilizados, o AVE é superior ao limite de 0,5 indicado pela literatura (Fornell e Larcker, 1981). Assim, podemos verificar boa validade convergente dos construtos.5 Para medir a confiabilidade, utilizamos o critério definido por Hair e colaboradores (2009), de que a confiabilidade composta (CC) deve ser superior a 0,7, o que também foi atingido, sendo 0,82 a menor CC entre as variáveis analisadas. Assim, os resultados apresentados fornecem subsídios para que as relações testadas no modelo estrutural sejam consideradas válidas, já que o instrumento de mensuração apresentou validade discriminante, validade convergente e confiabilidade. A tabela 1sumariza os resultados.
Tabela 1 Cargas fatoriais, AVE e CC
Construtos e Itens | C1 | C2 | C3 | C4 | C5 | C6 | C7 |
---|---|---|---|---|---|---|---|
C1: Confiança Profissional no Líder | |||||||
Profissional 1 | 0,75 | ||||||
Profissional 2 | 0,78 | ||||||
Profissional 3 | 0,82 | ||||||
Profissional 4 | 0,85 | ||||||
Profissional 5 | 0,78 | ||||||
C2: Confiança Pessoal no Líder | |||||||
Pessoal 1 | 0,89 | ||||||
Pessoal 2 | 0,62 | ||||||
Pessoal 3 | 0,77 | ||||||
Pessoal 4 | 0,67 | ||||||
Pessoal 5 | 0,80 | ||||||
C3: Percepção de Consistência da Gestão | |||||||
Consistência 1 | 0,28 | ||||||
Consistência 2 | 0,52 | ||||||
Consistência 3 | 0,88 | ||||||
C4: Percepção de Integridade da Gestão | |||||||
Integridade 1 | 0,82 | ||||||
Integridade 2 | 0,88 | ||||||
Integridade 3 | 0,79 | ||||||
C4: Delegação de Autoridade | |||||||
Delegação 1 | 0,81 | ||||||
Delegação 2 | 0,84 | ||||||
Delegação 3 | 0,63 | ||||||
C5: Demonstração de Preocupação | |||||||
Preocupação 1 | 0,77 | ||||||
Preocupação 2 | 0,82 | ||||||
Preocupação 3 | 0,84 | ||||||
C6: Comunicação Interna | |||||||
Comunicação 1 | 0,84 | ||||||
Comunicação 2 | 0,84 | ||||||
Comunicação 3 | 0,78 | ||||||
AVE | 0,63 | 0,57 | 0,37 | 0,69 | 0,59 | 0,66 | 0,67 |
CC | 0,90 | 0,87 | 0,86 | 0,82 | 0,85 | 0,85 | 0,86 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
6.2 Testes das hipóteses
Após as análises da validade e confiança dos construtos, partimos para a análise das hipóteses, a partir de um modelo de equações estruturais. Para tal, utilizamos o método da máxima verossimilhança, com coeficientes padronizados. Dois modelos foram estimados, para cada uma das variáveis dependentes analisadas (confiança profissional no líder e confiança pessoal no líder), com o objetivo de testar as hipóteses anteriormente elencadas.
Ao analisar as relações entre as variáveis independentes e a variável dependente confiança profissional no líder, podemos perceber que, conforme proposto na hipótese H1a, existe uma relação direta e inversa com confiança profissional no líder (β = -0,30; SE = 0,89; p < 0,01). Quanto maior a distância de poder, menor é a confiança profissional no líder imediato. Contudo, em relação a esse construto, nenhuma outra hipótese é confirmada. Diante dos resultados, as hipóteses H2a, H3a, H4a, H5a e H6a foram rejeitadas, uma vez que não apresentaram significância estatística. Em termos práticos, a percepção de comunicação interna, de percepção de consistência e integridade na gestão, de compartilhamento e delegação de autoridade e demonstração de preocupação com os empregados não possuem relação com a confiança profissional no líder no contexto do Bope/RJ.
Partimos então para o teste da relação entre as variáveis independentes e a variável dependente confiança pessoal no líder. Os resultados demonstram significância na relação entre a percepção de compartilhamento e delegação de autoridade e a confiança pessoal no líder (β = 0,31; SE = 0,14; p < 0,05). Quanto maior a percepção de compartilhamento e delegação de autoridade no processo de decisão do Bope/RJ, maior a confiança pessoal no líder. Além disso, a relação entre a percepção da qualidade da comunicação interna e confiança pessoal no líder (β = 0,28; SE = 0,15; p < 0,10) é igualmente significante. Ou seja, quanto maior a percepção da qualidade da comunicação interna (avaliada pela acessibilidade, confiabilidade e transparência da informação, que é compartilhada com os membros), maior é a confiança pessoal no líder. Assim, suportamos as hipóteses H2b e H5b, e rejeitamos as proposições H1b, H3b, H4b e H6b. Os resultados dos testes de hipóteses estão sumarizados na tabela 2.
Tabela 2 Resultados dos testes das hipóteses
β | S.E. | p-Valor | Hipótese | |
---|---|---|---|---|
H1a | -0,30 | -0,30 | 0,01 | Suportada |
H1b | -0,13 | 0,09 | 0,15 | Não Suportada |
H2a | 0,20 | 0,15 | 0,20 | Não Suportada |
H2b | 0,28 | 0,15 | 0,06 | Suportada |
H3a | 0,00 | 0,13 | 1,00 | Não Suportada |
H3b | -0,01 | 0,14 | 0,93 | Não Suportada |
H4a | 0,07 | 0,16 | 0,65 | Não Suportada |
H4b | -0,22 | 0,15 | 0,14 | Não Suportada |
H5a | 0,00 | 0,16 | 0,98 | Não Suportada |
H5b | 0,31 | 0,14 | 0,02 | Suportada |
H6a | 0,25 | 0,18 | 0,16 | Não Suportada |
H6b | 0,05 | 0,19 | 0,80 | Não Suportada |
Fonte: Elaborada pelos autores.
6.2 Testes das hipóteses
Após as análises da validade e confiança dos construtos, partimos para a análise das hipóteses, a partir de um modelo de equações estruturais. Para tal, utilizamos o método da máxima verossimilhança, com coeficientes padronizados. Dois modelos foram estimados, para cada uma das variáveis dependentes analisadas (confiança profissional no líder e confiança pessoal no líder), com o objetivo de testar as hipóteses anteriormente elencadas.
Ao analisar as relações entre as variáveis independentes e a variável dependente confiança profissional no líder, podemos perceber que, conforme proposto na hipótese H1a, existe uma relação direta e inversa com confiança profissional no líder (β = -0,30; SE = 0,89; p < 0,01). Quanto maior a distância de poder, menor é a confiança profissional no líder imediato. Contudo, em relação a esse construto, nenhuma outra hipótese é confirmada. Diante dos resultados, as hipóteses H2a, H3a, H4a, H5a e H6a foram rejeitadas, uma vez que não apresentaram significância estatística. Em termos práticos, a percepção de comunicação interna, de percepção de consistência e integridade na gestão, de compartilhamento e delegação de autoridade e demonstração de preocupação com os empregados não possuem relação com a confiança profissional no líder no contexto do Bope/RJ.
Partimos então para o teste da relação entre as variáveis independentes e a variável dependente confiança pessoal no líder. Os resultados demonstram significância na relação entre a percepção de compartilhamento e delegação de autoridade e a confiança pessoal no líder (β = 0,31; SE = 0,14; p < 0,05). Quanto maior a percepção de compartilhamento e delegação de autoridade no processo de decisão do Bope/RJ, maior a confiança pessoal no líder. Além disso, a relação entre a percepção da qualidade da comunicação interna e confiança pessoal no líder (β = 0,28; SE = 0,15; p < 0,10) é igualmente significante. Ou seja, quanto maior a percepção da qualidade da comunicação interna (avaliada pela acessibilidade, confiabilidade e transparência da informação, que é compartilhada com os membros), maior é a confiança pessoal no líder. Assim, suportamos as hipóteses H2b e H5b, e rejeitamos as proposições H1b, H3b, H4b e H6b. Os resultados dos testes de hipóteses estão sumarizados na tabela 2.
7. Discussões
Baseado nos estudos anteriores de Zanini, Migueles e Colmerauer (2014) e Pinheiro Neto (2013) que identificaram a dimensão cultural distância de poder como fator crítico para a promoção das relações de confiança no líder no Bope/RJ, neste presente estudo, aplicando métodos quantitativos, pudemos confirmar os achados desses estudos anteriores. Quanto maior a distância de poder, menor é a confiança profissional no líder imediato (b = -0,30, p < 0,01). Portanto, a hipótese H1a foi confirmada. No entanto, não encontramos relação entre a variável distância de poder e a confiança pessoal no líder. Ou seja, a hipótese H1b não se confirmou. A confirmação da hipótese H1a corrobora os resultados de outros estudos empíricos na perspectiva da teoria da troca entre líder e liderado (Rockstuhl et al.; 2012; Dulebohn et al., 2012; Smritianand e Park, 2015; Yu, Matta e Cornfield, 2017) que confirmam a dimensão cultural distância de poder, tal como definida por Hofstede (2001), como moderadora das relações de confiança entre líderes e liderados.
Referente às hipóteses utilizando as escalas de Whitener e colaboradores (1998), estudos anteriores (Krosgaard, Brodt e Whitener, 2002; Zanini, Lusk e Wolff, 2009; Zanini et al., 2013) confirmam uma relação positiva entre os antecedentes da confiança e a confiança no líder. Nesses estudos, no entanto, as escalas que compõem os antecedentes da confiança foram analisadas em conjunto, e não separadamente como procedemos em nosso estudo.
Em nossa análise, as hipóteses H2a, H3a, H4a, H5a e H6a foram rejeitadas. Não encontramos significância estatística na análise das variáveis: percepção de comunicação interna, consistência e integridade na gestão, compartilhamento e delegação de autoridade e demonstração de preocupação com os empregados, com a confiança profissional no líder. Igualmente, não encontramos relação entre as variáveis: percepção de consistência e integridade na gestão e demonstração de preocupação com os empregados, com a confiança pessoal no líder. Ou seja, as hipóteses H3b, H4b e H6b igualmente não se confirmaram.
As hipóteses H2b e H5b foram confirmadas. Ou seja, quanto maior a percepção da qualidade da comunicação interna (avaliada pela acessibilidade, confiabilidade e transparência da informação compartilhada com os subordinados), maior é a confiança pessoal no líder. Além disso, quanto maior a percepção do compartilhamento e delegação de autoridade no processo de decisão do Bope/RJ, maior a confiança pessoal no líder. Esses resultados corroboram estudos anteriores que indicam uma relação positiva entre a qualidade da comunicação interna e a confiança no líder (Robert e You, 2017; Zanini, Colmerauer e Lima, 2015; Drescher, 2014; Men e Stacks, 2014; Thomas, Zolin e Hartman, 2009; Gillespie e Mann, 2004; Krosgaard, Brodt e Whitener, 2002). Especialmente com os estudos de Gillespie e Mann (2004), que confirmam que a confiança no líder está relacionada direta e positivamente com um estilo de liderança consultivo (com o compartilhamento das decisões), com a qualidade da comunicação interna e com o compartilhamento de valores comuns. Thomas, Zolin e Hartman (2009) confirmam igualmente uma forte relação entre o compartilhamento e a transparência da comunicação com a confiança no líder. Men e Stacks (2014) confirmam que a transparência na comunicação e a participação dos subordinados estão diretamente relacionadas com a confiança no líder, com o comprometimento e a satisfação do subordinado. Corroborando a confirmação da hipótese H5b, Robert e You (2017) confirmam uma relação positiva entre o compartilhamento da liderança e a confiança no líder, e Drescher e colaboradores (2014) confirmam uma relação positiva entre compartilhamento da liderança e confiança no líder e na equipe.
Além disso, nossos resultados encontram consonância com outros estudos mais recentes, indicando uma relação positiva com desempenho. Por exemplo, Boies, Fiset e Gil (2015) observam uma relação positiva entre a qualidade da comunicação interna e a confiança no líder, com efeito moderador sobre o desempenho e a criatividade da equipe. Drescher e colaboradores (2014) observam uma relação positiva entre o compartilhamento e delegação da liderança e a confiança no líder, que por sua vez estão positivamente relacionados com o desempenho da equipe. Drescher e Garbers (2016) confirmam que o compartilhamento da liderança e a qualidade da comunicação possuem efeito positivo com desempenho e satisfação. Hoch (2014) confirma uma relação positiva entre o compartilhamento da liderança e o desempenho, mediado pelo compartilhamento da informação.
Ao analisarmos o conjunto dos resultados do teste das hipóteses, nosso estudo revela uma distinção entre os antecedentes da confiança e as formas pessoal e profissional de confiança no líder. Há uma relação direta e negativa entre distância de poder e confiança profissional no líder. Ou seja, quanto maior a distância de poder, menor a confiança profissional no líder. Esse resultado confirma as observações de Pinheiro Neto (2013), abordando a mesma organização, quando ressalta a relevância dos aspectos profissionais da relação líder-liderado para a redução da distância de poder, como o exercício da liderança compartilhada, o planejamento participativo e o treinamento conjunto para gerar credibilidade. Segundo o autor, tais aspectos se somam ao processo fundamental de aceitação do risco nas operações, garantindo o aumento da previsibilidade em relação ao comportamento dos membros e a confiabilidade em relação aos planos táticos e operacionais realizados em conjunto entre líderes e subordinados. Segundo o mesmo autor, essa dinâmica integrativa de trabalho estabelece uma relação mais estreita entre policiais de diferentes patentes militares, criando uma estrutura única que promove a redução da distância de poder e um maior sentimento de igualdade aos que pertencem ao grupo. Zanini, Migueles e Colmerauer (2014:73) observam que, pela própria dinâmica das operações, a liderança compartilhada é um exercício permanente nas rotinas operacionais. Os líderes das equipes assumem um papel mediador entre os objetivos organizacionais, traduzidos pela “missão comum” e a ação autônoma dos membros das equipes. Ou seja, segundo essas observações de campo, agora confirmadas pelo nosso estudo, não são as atitudes, habilidades e qualidades individuais dos líderes que definem a redução da distância de poder, mas pesam os processos e rotinas da gestão que conferem autonomia ao executante. Esse resultado corrobora o estudo de Haas (2015), investigando um contexto de mesma natureza (Polícia Metropolitana de Buenos Aires), confirmando que a confiança nos superiores está positivamente relacionada com os aspectos profissionais da relação com os subordinados que estabelecem igualdade entre os indivíduos, por exemplo, na aplicação e aceitação das regras de conduta.
Ao mesmo tempo, nossos resultados confirmam que os antecedentes da confiança das escalas de Whitener e colaboradores (1998) estão relacionados com a confiança pessoal no líder. Ou seja, quando prevalece uma base afetiva e emocional, revelando situações de vulnerabilidade do indivíduo (Gillespie, 2003). Quando analisamos separadamente essas escalas, observamos que as escalas de consistência, integridade e demonstração de preocupação reforçam uma relação de dependência do subordinado por traços pessoais de seu superior hierárquico (Whitener et al., 1998), ou seja, o impacto do superior e suas características individuais sobre o subordinado. Especificamente, a escala de preocupação com o subordinado sugere uma relação paternalista/personalista, de impacto indefinido ou irrelevante na autonomia do executante. Por outro lado, as escalas qualidade da comunicação e compartilhamento e delegação de autoridade remetem a atributos organizacionais e práticas da gestão (Whitener et al., 1998).
Nossos resultados confirmam que os antecedentes da confiança que induzem à confiança pessoal no líder não estão baseados nessas escalas que remetem aos atributos individuais desse líder (consistência, integridade e demonstração de preocupação), mas naqueles que remetem aos atributos organizacionais (qualidade da comunicação e compartilhamento e delegação de autoridade). Portanto, observamos que o impacto dos atributos pessoais do líder tem um peso menor para a autonomia do executante, uma vez que os atributos organizacionais estão presentes. Esses atributos organizacionais diminuem o impacto das características pessoais do líder, tanto na definição do fluxo do trabalho como na criação do “espaço de autonomia” do executante. Nesse sentido, constituem-se precondições para o aumento da autonomia do subordinado e para sua autodeterminação no trabalho, especialmente na tomada de decisões ad hoc na execução de tarefas críticas. Consideramos a confirmação dessas relações consistente com a redução da distância de poder pela confiança profissional no líder, pois são atributos organizacionais que garantem o “espaço de autonomia” ao executante pelo aumento da confiabilidade e previsibilidade.
8. Limitações e direção para pesquisas futuras
O presente estudo indica oportunidades para futuras pesquisas, por exemplo, buscando melhor compreender como a relação entre os antecedentes da confiança e a confiança profissional e pessoal no líder podem impactar o desempenho das equipes operacionais. Outra possibilidade de investigação é observar a dinâmica da relação temporal dos elementos que determinam as relações de confiança entre líderes e liderados (Jones e Shah, 2016). Outras limitações deste estudo representam igualmente oportunidades para pesquisas futuras. Não analisamos a efetividade da relação entre esses elementos de coordenação informal e os elementos de coordenação formal, nem analisamos em profundidade a cultura organizacional (seu misticismo, ritos, rituais e símbolos) que poderia nos ajudar a melhorar nossa análise sobre os nossos resultados. Finalmente, não comparamos a unidade estudada com outras unidades policiais de mesma natureza institucional.
9. Conclusões
O presente trabalho busca aprofundar a compreensão dos elementos da coordenação informal nas organizações que operam em cenários de alta complexidade e incerteza, reconhecidas na literatura como critical action organizations, a partir da análise dos antecedentes da confiança no líder. O estudo oferece uma contribuição relevante para a melhor compreensão dos elementos antecedentes que formam o vínculo de confiança no líder, identificando e isolando as variáveis de maior relevância do modelo de coordenação informal nessas organizações. Nossos resultados confirmam que a dimensão cultural distância de poder tem relação direta com a confiança profissional no líder, e que a percepção da qualidade da comunicação interna e a percepção do compartilhamento e delegação de autoridade estão diretamente relacionadas com a confiança pessoal no líder. Assim, este estudo contribui igualmente para a análise do contexto onde a organização está inserida e seus desafios específicos, na definição dos fatores-chave dos antecedentes de confiança. O estudo contribui, igualmente, para a teoria da troca entre líder e liderado (LMX), bem como para a perspectiva de uma teoria da liderança em contexto, buscando identificar os fatores críticos específicos de acordo com a tipologia organizacional.