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Reforçando a contribuição social de gênero: a servidora pública qualificada versus a executiva

Fortalecemiento de la contribución social del género: la servidora pública cualificada frente a la ejecutiva

Resumo

Este estudo constitui uma abordagem quantitativa com base na análise de um modelo hipotético sobre o serviço público e sua relação com a construção social em torno do gênero. O universo da pesquisa consiste em mulheres altamente qualificadas que trabalham no serviço público e em empresas privadas de médio e grande portes no Brasil. A amostra final foi composta por 1.464 questionários válidos; destes, 18,6% de servidoras públicas. Foram testadas hipóteses para verificar a relação de dependência entre as variáveis: rendimento da mulher em relação ao seu par amoroso e o tipo de carreira; responsabilidade da mulher pelas atividades do lar e o tipo de carreira; rendimento em relação ao seu par amoroso e responsabilidade pelas atividades do lar; tempo de cuidado das mulheres com seus filhos e o tipo de carreira; motivadores do interesse em permanecer na carreira.

Palavras-chave:
empoderamento da mulher; equilíbrio entre trabalho e vida pessoal; divisão de tarefas com o par amoroso; rendimentos e dedicação às tarefas do lar

Resumen

Este estudio proporciona un enfoque cuantitativo basado en el análisis de un modelo hipotético del servicio público y su relación con la construcción social en torno al género. El universo de la investigación se limita a las mujeres altamente calificadas que trabajan en el servicio público y en las empresas privadas medianas y grandes en Brasil. Son 1.464 cuestionarios válidos, el 18,6 % de estos respondidos por servidoras públicas. Se probaron hipótesis para determinar la relación de dependencia entre las siguientes variables: rendimiento de la mujer con relación a su compañero y el tipo de carrera; responsabilidad de la mujer para con las actividades del hogar y el tipo de carrera; rendimiento con relación a su pareja y responsabilidad con las actividades del hogar; tiempo dedicado por las mujeres al cuidado de sus hijos y el tipo de carrera; factores motivadores de su interés en permanecer en la carrera.

Palabras clave:
empoderamiento femenino; equilibrio entre trabajo y vida personal; división de tareas con la pareja; ingresos, dedicación a las tareas del hogar

Abstract

This quantitative approach study analyzes a hypothetical model for the public service and its relationship with the social construction around gender. The research universe was limited to highly qualified women working in the public service and medium and large private companies in Brazil. From 1,464 valid questionnaires, 18.6% were completed by public servants. Hypotheses were tested to verify the relationship of dependence between the variables: women’s income in relation to their husbands’ and the type of career; women’s responsibility for household chores and the type of career; women’s and their husbands’ income in relation to mutual responsibility for household chores; time spent by women and their husbands with their children and the type of career; and motivators of interest in remaining in the career.

Keywords:
women empowerment; work-life balance; division of household chores with significant other; income and dedication to household chores

1. INTRODUÇÃO

O pressuposto no qual se baseia este artigo é que a carreira pública oferece condições favoráveis ao reforço da construção social em torno do gênero, na qual a identidade feminina é constituída a partir do mundo doméstico.

Para Morgado e Tonelli (2014Morgado, A. P. D. V., & Tonelli, M. J. (2014). Estudos sobre mulheres e gênero: epistemologias, semelhanças e diferenças. In Anais do 37o Encontro da Anpad. Rio de Janeiro, RJ. ), a partir dos anos 1970 houve avanço na pesquisa sobre a temática mulheres nas organizações. Entretanto, segundo Souza, Corvino e Lopes (2013Souza, E. M., Corvino, M. M. F., & Lopes, B. C. (2013). Uma análise dos estudos sobre o feminino e as mulheres na área de administração: a produção científica brasileira entre 2000 a 2010. Organizações & Sociedade, 20(67), 603-621.), nos anos de 2000 a 2010 ocorreu um baixo percentual de publicações acerca do tema nas principais revistas da área de administração no Brasil.

A contribuição deste estudo está ancorada na comparação entre o equilíbrio na vida profissional versus o equilíbrio na vida pessoal de mulheres altamente qualificadas que atuam no serviço público em relação àquelas que trabalham em grandes empresas privadas. A amostra é significativa e, além disso, compara a dedicação dessas mulheres às atividades do lar e aos cuidados com a família à dedicação de seus parceiros amorosos, homens, considerando, ainda, a variável rendimentos. Tais comparações não se encontravam disponíveis na literatura nacional.

2. UM OLHAR SOBRE GÊNERO

Este trabalho parte da concepção tratada por Louro (2013Louro, G. L. (2013). Gênero, sexualidade e educação. Uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis, RJ: Vozes., p. 25), segundo a qual, para entender o relacionamento entre mulheres e homens, é fundamental observar não os sexos, “mas sim tudo o que socialmente se construiu sobre os sexos”.

A visão que trata a diferença natural como base para padrões sociais de gêneros é manifestada, por exemplo, quando se relaciona a dominância masculina aos altos níveis de testosterona e essa diferença hormonal é vista como vantagem agressiva no ambiente de negócios (Connell & Pearse, 2015Connell, R., & Pearse, R. (2015). Gênero: uma perspectiva global. São Paulo, SP: Versos.).

Foi a partir dos movimentos feministas do pós-Segunda Guerra Mundial que o conceito de gênero se tornou mais teorizado (Haraway, 2004Haraway, D. (2004, junho). “Gênero” para um dicionário marxista: a política sexual de uma palavra. Cadernos Pagu, 2004(22), 201-246.). Entretanto, é na segunda onda do feminismo que esse conceito passou a ser mais problematizado (Louro, 2013Louro, G. L. (2013). Gênero, sexualidade e educação. Uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis, RJ: Vozes.). O feminismo dessa segunda onda busca tratar “a maneira como os corpos de mulheres eram representados e moldados” (Connell & Pearse, 2015Connell, R., & Pearse, R. (2015). Gênero: uma perspectiva global. São Paulo, SP: Versos., p. 93). No Brasil, o feminismo é visto nos anos 1970 como um movimento de mulheres dentro da oposição à ditadura, que vai se desenvolvendo nas décadas seguintes. O legado desse movimento diferenciou gerações de mulheres e modificou formas de pensar (Sarti, 2004Sarti, C. A. (2004). O feminismo brasileiro desde os anos 1970: revisitando uma trajetória. Estudos Feministas, 12(2), 35-50.).

Vários aspectos da vida das mulheres foram alterados e muitas dessas mudanças foram decorrentes dos movimentos feministas (Lopes, 1998Lopes, M. M. (1998). “Aventureiras” nas ciências: refletindo sobre gênero e história das ciências naturais no Brasil. Cadernos Pagu, 1998(10),345-368.). O aumento da escolaridade e da qualificação que, segundo Bruschini & Puppin (2004Bruschini, C., & Puppin, A. B. (2004). Trabalho de mulheres executivas no Brasil no final do século XX. Cadernos de Pesquisa, 34(121), 105-138.), propiciou não só a entrada no mercado de trabalho, mas sua permanência, também ocorreu a partir do feminismo.

Com o passar do tempo, elas estavam não apenas nas fábricas, mas também em escritórios, hospitais e escolas, e, ainda, exercendo atividades secundárias, porém, sempre sob o controle dos homens (Louro, 2013Louro, G. L. (2013). Gênero, sexualidade e educação. Uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis, RJ: Vozes.). Deixa-se, assim, de buscar justificativas para as desigualdades nas diferenças biológicas e passa-se a dar enfoque aos arranjos sociais, à história e às formas de representação (Louro, 2013Louro, G. L. (2013). Gênero, sexualidade e educação. Uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis, RJ: Vozes.). Ou seja, o que prejudica o crescimento e a visibilidade feminina não é sua fisiologia, mas a convenção, a tradição. O que as separa dos homens é o costume, o hábito e não uma “incapacidade” natural (Chanter, 2011Chanter, T. (2011). Gênero: conceitos-chave em filosofia. Porto Alegre, RS: Artmed.).

A prioridade deixa de ser a análise focada unicamente na mulher e passa a ser relacional, pois é no âmbito das relações que se constroem os gêneros. Assim, os estudos tratam também dos homens (Louro, 2013Louro, G. L. (2013). Gênero, sexualidade e educação. Uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis, RJ: Vozes.). Na verdade, falar de gênero é falar de fluidez. Atualmente, verifica-se que o masculino possui muito mais conteúdos femininos (Souza, Corvino, & Lopes, 2015Souza, P. M. R. A., Lopes, A. L. S. V., & Hilal, A. V. G. (2015). Centralidade do trabalho na perspectiva de mulheres, em diferentes faixas etárias, que trabalham em empresas privadas do Rio de Janeiro. In Anais do 39o Encontro Da Anpad. Belo Horizonte, MG. ).

“Gênero é o mecanismo pelo qual as noções de masculino e feminino são produzidas e naturalizadas” (Butler, 2014Butler, J. (2014). Regulações de gênero. Cadernos Pagu, 2014(42), 249-274., p. 253). A discussão de gênero vem “para contestar a naturalização da diferença sexual em múltiplas arenas de luta” (Haraway, 2004Haraway, D. (2004, junho). “Gênero” para um dicionário marxista: a política sexual de uma palavra. Cadernos Pagu, 2004(22), 201-246., p. 211). Masculino e feminino são construções sociais sobre o que seria “adequado” para mulheres e homens (Billing, 2011Billing, Y. D. (2011). Are women in management victims of the phantom of the male norm? Gender, Work and Organization, 18(3), 298-317.).

Quando se fala em família, por exemplo, tratamos de arranjos e relações que variam historicamente a partir dos desdobramentos das normas socialmente definidas e, também, das práticas que organizam as relações de gênero em uma sociedade (Biroli, 2013Biroli, F. (2013). Autonomia e desigualdades de gênero: contribuições do feminismo para a crítica democrática. Vinhedo, SP: Horizonte.).

Enclausurada no papel de mãe, a mulher não pode mais evitá-lo. Se isso ocorrer, sofrerá ampla condenação moral. Essa foi uma causa importante das dificuldades do trabalho feminino. A mulher passa a viver o peso da maior responsabilidade e da culpa por não estar correspondendo às expectativas sociais de ser uma “boa” mãe. Aquela que fazia bem o papel de mãe era admirada e a que fracassava era excluída da humanidade, chamada de “erro da natureza” (Badinter, 1985Badinter, E. (1985). Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira., p. 275). Esse peso do passado se reflete no presente: a culpa é sentida até os dias de hoje (Tanure, Mota-Santos, Carvalho, & Costa Nunes, 2015Tanure, B, Mota-Santos, C., Carvalho, A Neto , & Costa Nunes, S. (2015). O tipo psicológico dos altos executivos brasileiros e a percepção de estresse: onde os ‘fracos’ não têm vez. Base, 12(1), 40-51.; Mota-Santos, Tanure, & Carvalho, 2014Weerahann, F. A. D., & Cohen, L. (2013). The rhetoric and reality of home: work harmonization - a study of highly skilled Sri Lankan women from public and private sector organizations. The International Journal of Human Resource Management, 24(15), 2876-2893.).

Até os anos 1960, a diferença homem/mulher era fixada no biológico, na natureza. Era tão marcante que era considerado algo esperado que homens e mulheres exercessem tarefas diferentes e, logo, não tivessem os mesmos direitos (Badinter, 1986Badinter, E. (1986). Um é o outro: relações entre homens e mulheres. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira .).

No Brasil, na ditadura Vargas (1930-1945), a defesa pública daquilo que era considerado feminino ganha perspectiva: cuidar do lar e da família era uma atribuição considerada fundamental pela ditadura getulista para a construção de um Brasil “saudável e disciplinado” (Ostos, 2012Ostos, N. S. C. (2012, julho/dezembro). A questão feminina: importância estratégica das mulheres para a regulação da população brasileira (1930-1945). Cadernos Pagu, 39, 313-343.).

3. O PERCURSO DO TRABALHO FEMININO NO BRASIL

De acordo com Badinter (1986Badinter, E. (1986). Um é o outro: relações entre homens e mulheres. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira .), o patriarcado é, além de um sistema de opressão sexual, uma expressão de um sistema político. A manutenção de um modelo patriarcal de família onde cabe à mulher uma identidade construída a partir do âmbito doméstico se reflete na participação feminina no mercado de trabalho brasileiro desde a década de 1970 até hoje (Mota-Santos, Carvalho, Versiane, Caeiro, & Martins, 2016Mota-Santos, C. M ., Carvalho, A, Versiane Neto, F., Caeiro, M., & Martins, M. (2016). As mulheres estão quebrando as paredes de vidro? Um estudo com empreendedoras mineiras. Revista Economia & Gestão, 2016(16), 57-70.; Mota-Santos, Tanure, & Carvalho, 2015Tanure, B, Mota-Santos, C., Carvalho, A Neto , & Costa Nunes, S. (2015). O tipo psicológico dos altos executivos brasileiros e a percepção de estresse: onde os ‘fracos’ não têm vez. Base, 12(1), 40-51.).

O trabalho da mulher não depende apenas de sua qualificação e da demanda do mercado. Ele se difere do masculino, uma vez que precisa articular atividades familiares com as profissionais, o que prejudica sua disponibilidade para o trabalho (Carvalho, Tanure, & Andrade, 2010Carvalho, A., Neto, Tanure, B., & Andrade, J. (2010). Executivas: carreira, maternidade, amores e preconceitos. Revista de Administração de Empresas, 9(1), 1-23.; Carvalho, Tanure, & Mota-Santos, 2014Mota-Santos, C. M, Tanure, B, &Carvalho, A Neto, (2014). Mulheres executivas brasileiras: o teto de vidro em questão. Revista Administração em Diálogo, 16(3), 56-75.). Entre todas as atividades, a maternidade é a que mais interfere, principalmente quando os filhos são pequenos (Bruschini, 2000Bruschini, C. (2000). Gênero e trabalho no Brasil: novas conquistas ou persistência da discriminação? (Brasil, 1985/95). In M. I. B. Rocha (Org.), Trabalho e gênero: mudanças, permanências e desafios (pp. 13-58). São Paulo, SP: Ed. 34.).

O percurso do trabalho feminino passa a fazer parte das transformações políticas, sociais e econômicas do Brasil. Apesar disso, as atividades com o lar continuam sob a responsabilidade das mulheres (Bruschini, 1987Bruschini, C. (1987). Trabalho da mulher: igualdade ou proteção? Caderno de Pesquisa, 1987(61), 58-67., 1998Bruschini, C. (1998). Trabalho das mulheres e mudanças no período 1985-1995 (Textos FCC n. 17). São Paulo, SP: Fundação Carlos Chagas.; Bruschini & Puppin, 2004Bruschini, C., & Puppin, A. B. (2004). Trabalho de mulheres executivas no Brasil no final do século XX. Cadernos de Pesquisa, 34(121), 105-138.).

A partir dos anos 1980, a dupla jornada se tornou o grande desafio para as mulheres. As que recebem rendimentos mais elevados até tentam negociar a divisão das tarefas com o companheiro. Entretanto, sempre ficam mais sobrecarregadas, o que aumenta a condição de desigualdade (Madalozzo, Martins, & Shiraton, 2010Madalozzo, R., Martins, S. R., & Shiraton, L. (2010). Participação no mercado de trabalho e no trabalho doméstico: homens e mulheres têm condições iguais? Estudos Feministas, 18(2), 547-566.; Wolff, 2010Wolff, C. S. (2010). Profissões, trabalhos: coisas de mulheres. Estudos Feministas, 18(2), 503-506.).

A culpa e o cansaço aparecem justamente por não terem com quem dividir as demandas do lar, vivenciando negativamente, assim, o conflito para equilibrar a vida pessoal com a profissional (Salvagni & Canabarro, 2015Salvagni, J., & Canabarro, J. (2015). Mulheres líderes: as desigualdades de gênero, carreira e família nas organizações de trabalho. Revista de Gestão e Secretariado, 6(2), 88-110.; Tanure, Carvalho, & Andrade, 2007Tanure, B ., Carvalho, A Neto, & Andrade, J. (2007). Executivos: sucesso e (in)felicidade. Rio de Janeiro, RJ: Elsevier.). As casadas e com filhos dedicam mais horas por semana às atividades do lar (Bruschini, 2006Bruschini, C. (2006). Trabalho doméstico: inatividade econômica ou trabalho não remunerado. Revista Brasileira de Estudos Populacionais, 23(2), 331-353.).

Portanto, apesar do crescimento profissional das mulheres, ainda temos uma divisão social do trabalho que separa atividades atribuídas a cada um dos sexos, além de uma demarcação do masculino sobre o feminino (Bourdieu, 2014Bourdieu, P. (2014). A dominação masculina (12a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Bertrand Brasil.). Entretanto, fenômenos como a) a crise da forma burguesa da família nuclear; b) a entrada da mulher no mercado de trabalho; c) a separação da sexualidade da reprodução; e d) uma política de visibilidade da homossexualidade deixam mais atenuadas as fronteiras que separam a mulher no ambiente privado do homem no ambiente público. Há, assim, um modo diferente de enxergar as sexualidades (Arán, 2003Arán, M. (2003). Os destinos da diferença sexual na cultura contemporânea. Estudos Feministas, 11(2), 399-422.).

Atributos antes vistos como femininos (sensibilidade, polidez) hoje estão presentes na construção do que é ser masculino. Ou seja, pode-se falar de uma suavização do masculino (Souza et al., 2015Souza, P. M. R. A., Lopes, A. L. S. V., & Hilal, A. V. G. (2015). Centralidade do trabalho na perspectiva de mulheres, em diferentes faixas etárias, que trabalham em empresas privadas do Rio de Janeiro. In Anais do 39o Encontro Da Anpad. Belo Horizonte, MG. ). Falar da condição masculina significa falar: da entrada da mulher no espaço público; da transformação que modifica o espaço familiar; dos papéis parentais; e dos espaços profissionais (Smigay, 2000Smigay, K. E. V. (2000). Relações violentas no espaço da intimidade: drama privado ou tragédia pública? (Tese de Doutorado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP.).

Apesar disso, no ambiente do lar, Fiorin, Oliveira e Dias (2014Fiorin, P. C., Oliveira, C. T., & Dias, A. C. G. (2014). Percepções de mulheres sobre a relação entre trabalho e maternidade. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 15(1), 25-35.) ressaltam o quanto a divisão das tarefas mais igualitárias pode auxiliar as mulheres no crescimento de carreira sem renunciar à maternidade. Se no ambiente do lar está assim, no ambiente organizacional ainda prevalece o modelo hegemônico masculino competitivo, agressivo (Carvalho et al., 2014Carvalho, A Neto , Tanure, B, & Mota-Santos, C. M. (2014). Pride and prejudice beyond the glass ceiling: Brazilian female executives’ psychological type. Revista de Ciências da Administração, 16(39), 210-223.; Souza, Lopes, & Hilal, 2015Souza, P. M. R. A., Lopes, A. L. S. V., & Hilal, A. V. G. (2015). Centralidade do trabalho na perspectiva de mulheres, em diferentes faixas etárias, que trabalham em empresas privadas do Rio de Janeiro. In Anais do 39o Encontro Da Anpad. Belo Horizonte, MG. ), e essa percepção de desigualdade pode afetar até a intenção de deixar a empresa (Cavazotte, Oliveira, & Miranda, 2010Cavazotte, F. S. N., Oliveira, L. B., & Miranda, L. C. (2010). Desigualdade de gênero no trabalho: reflexos nas atitudes das mulheres e em sua intenção de deixar a empresa. Revista de Administração da USP, 45(1), 70-83.).

Apesar desse contexto, algumas mulheres não fazem escolhas norteadas pela maternidade (Maluf & Kahhale, 2010Maluf, V. M. D., & Kahhale, E. M. S. P. (2010). Mulher, trabalho e maternidade: uma visão contemporânea. Polêmica, 9(3), 143-160.), o que reforça a ideia de que a maternidade vista como única opção de realização pode estar sendo desconstruída (Fiorin et al., 2014Fiorin, P. C., Oliveira, C. T., & Dias, A. C. G. (2014). Percepções de mulheres sobre a relação entre trabalho e maternidade. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 15(1), 25-35.).

4. A CARREIRA PÚBLICA FEMININA

A carreira feminina no serviço público está relacionada com a presença da mulher na estrutura burocrática das organizações públicas. Para Smith (2015Smith, A. (2015). On the edge of a glass cliff: women in leadership in public organizations. Public Administration Quarterly, 39(3), 484-517.), a teoria da burocracia, no que se refere à representatividade, parte de duas assertivas. A primeira é que, para a efetiva representação da população, o trabalho no serviço público deve ter semelhança com as características demográficas da população, deve representar sua diversidade. Portanto, deve incluir as mulheres. Em segundo lugar, os trabalhadores do serviço público devem tomar decisões que beneficiem os vários grupos representados, inclusive as mulheres.

A carreira pública é, no geral, considerada menos problemática em termos do trabalhador conseguir compatibilizar vida pessoal e vida profissional. Também há uma visão compartilhada de que o ambiente de trabalho é menos estressante se comparado à iniciativa privada (Schilling, 2015Schilling, E. (2015). “Success is satisfaction with what you have?” Biographical balance of older female employees in public administration. Gender, Work & Organization, 22(5), 474-494.).

A presença feminina no serviço público tem sido foco de estudos em vários países. Para Cullen e Christopher (2012Cullen, L., & Christopher, T. (2012). Career progression of female accountants in the State public sector. Australian Accounting Review, 60(22), 68-85.), há um desafio colocado especialmente para as mulheres sobre como lidar com a compatibilização de papéis sociais relacionados com o gênero e os conflitos oriundos desses papéis. Para minimizar os conflitos entre vida pessoal e profissional, iniciativas têm sido adotadas por organizações públicas para estimular arranjos flexíveis de trabalho (part time - 4 horas de trabalho por dia). Esses arranjos têm-se traduzido em redução da jornada de trabalho e no trabalho das mães, de modo a coincidir com os horários escolares dos filhos. Na Austrália, por exemplo, o setor público vem reconhecendo a importância da flexibilidade no trabalho, pois se observa dificuldade para atrair e reter mão de obra feminina qualificada em áreas como finanças e contabilidade.

Weerahann e Cohen (2013Weerahann, F. A. D., & Cohen, L. (2013). The rhetoric and reality of home: work harmonization - a study of highly skilled Sri Lankan women from public and private sector organizations. The International Journal of Human Resource Management, 24(15), 2876-2893.) afirmam que alguns países têm se preocupado com a importância da harmonia entre trabalho e vida pessoal. Entretanto, ainda é incipiente a implementação de políticas organizacionais voltadas ao equilíbrio entre trabalho e família no serviço público. O Sri Lanka, por exemplo, constitui uma sociedade patriarcal, mas conta com 90% das mulheres em idade economicamente ativa participando da economia e o percentual de mulheres em cargos de gestão pública ou privada é de 20%. Para aumentar a presença feminina no setor público, há estímulo por parte do governo para a adoção de trabalhos flexíveis que acolham flexibilidade de horário e de local de trabalho.

Na Malásia e na maioria dos países do leste asiático, as empresas são controladas por famílias, pelo governo ou por indivíduos. Desde 2004 foi definido, por imposição legal, que 30% dos cargos de empresas públicas deveriam ser preenchidos por mulheres. Em 2011, a iniciativa foi ampliada para as empresas de capital aberto do setor privado (Abdullah, 2014Abdullah, S. N. (2014). The causes of gender diversity in Malasyan large firms. Journal of Management Governance, 18(4), 1137-1159.).

No Leste Europeu, o serviço público é majoritariamente composto por mulheres. Na Polônia, o mercado de trabalho cresceu em termos de trabalho em tempo parcial e novas configurações foram surgindo. A partir de 2000, cerca de 74% dos trabalhadores na educação e 84% na saúde eram mulheres. Apesar desses números, a forma como as mudanças vêm sendo implementadas acabou por fazer com que aumentasse a insatisfação e mesmo a evasão de mulheres profissionais do serviço público polonês. A forma de remuneração com enfoque na informalidade, a baixa satisfação e as condições de trabalho inadequadas, além da dificuldade de obter equilíbrio entre trabalho e família, têm feito com que as mulheres repensem sua carreira na iniciativa pública polonesa (Stennin & Hardy, 2005Stenning, A., & Hardy, J. (2005). Public sector reform and women’s work in Poland: “working for juice, coffee and cheap cosmetics”. Gender, Work and Organizations, 12(6), 503-526.).

Corroborando Schilling (2015Schilling, E. (2015). “Success is satisfaction with what you have?” Biographical balance of older female employees in public administration. Gender, Work & Organization, 22(5), 474-494.), Calas e Smircich (1997Calas, M., & Smircich, L. (1997). From “the woman’s” point of view: feminist approaches to organizations studies. In S. Clegg C. Hardy, T. Lawrence, & W. Nord (Eds.), Handbook of organization studies (pp. 218-257). London, England: Sage.) afirmam que há muitas mulheres brasileiras buscam prestar concurso para construir sua carreira como servidoras públicas no país. Há um imaginário socialmente construído de que a carreira como servidora pública é mais estável do que a carreira como executiva de organizações de médio e grande porte com função gerencial, que há mais segurança para a servidora pública por ter garantias trabalhistas mais sólidas e por não vivenciarem o temor e o preconceito tão forte por parte de seus empregadores ao se tornarem mães.

Pinto e Midlej (2012Pinto, E. L, & Midlej, S. (2012). Programa Pró-Equidade de Gênero: uma discussão sobre relações entre homens e mulheres na Caixa Econômica Federal. Revista de Administração Pública, 46(6), 1529-1550.) tratam da diversidade de gênero na iniciativa pública e dizem que ela se faz presente em função de imposição legal. Entretanto, ainda ocorre preconceito de gênero. O reduzido número de mulheres no topo das organizações públicas brasileiras reflete essa questão. Em 2003, o governo federal brasileiro, por meio da Medida Provisória (MP) n. 103/2003, criou a Secretaria Especial de Política para as Mulheres (SPM), vinculada à Presidência da República. Tal secretaria seria responsável por coordenar e articular políticas para as mulheres, promover a igualdade de gênero, acompanhar a legislação de ação afirmativa e definir ações públicas para cumprimento de acordos, convenções e planos de ação assinados no país. A implementação de programas nas organizações públicas brasileiras vem ocorrendo de forma lenta, por meio de adesão voluntária, após organização de um diagnóstico para a construção de um plano de ação.

Belle (1993Belle, F. (1993). Executivas: quais as diferenças na diferença. In Jean François Chanlat (Coord.), O indivíduo nas organizações (pp.195-231). São Paulo, SP: Atlas.) reforça que, na contemporaneidade, caiu a clara definição de papéis. Os contornos que definem quais são os papéis reservados ao que seja “masculino” ou “feminino” perdem sua definição, com a presença massiva das mulheres no contingente profissional das organizações, sejam elas públicas ou privadas, no Brasil e no exterior. Todavia, devido ao ritmo de trabalho demandado pelas organizações privadas em seus níveis gerenciais, parece haver um pouco mais de “espaço” na iniciativa pública para que a profissional contemporânea compatibilize seus papéis, devido à segurança e estabilidade, ao horário fixo de trabalho e às exigências mais exíguas da iniciativa pública em comparação à iniciativa privada.

5. METODOLOGIA

A abordagem é quantitativa e parte de um modelo hipotético em torno do pressuposto no qual se baseia este estudo, isto é, que a carreira pública oferece condições favoráveis ao reforço da construção social em torno do gênero, na qual a identidade feminina é constituída a partir do mundo doméstico. Foram coletados dados sobre a percepção das experiências vivenciadas por uma amostra de executivas atuantes em empresas privadas e servidoras públicas, ao longo de suas trajetórias profissionais.

A amostra foi coletada a partir da mailing list de uma das mais renomadas escolas de negócios do mundo, que mantém uma comunidade de Alumni com mais de 100 mil alunos/as e ex-alunos/as: a Fundação Dom Cabral (FDC).

O questionário foi desenvolvido em língua portuguesa, implementado em ambiente web, utilizando o programa computacional Survey Monkey, e contou com 68 questões. Estas foram conceitualmente analisadas e validadas por um grupo de estudiosos e pesquisadores de duas conceituadas instituições de Ensino Superior (IES) do Sudeste brasileiro, sob a perspectiva da clareza e relevância. Em seguida, realizou-se o pré-teste desse instrumento de coleta, contando com a participação de professores e alunos dessas IES, além de mulheres com perfil semelhante ao do público-alvo da pesquisa. Além de responder experimentalmente ao questionário, solicitou-se a essas profissionais que revisassem as questões, considerando a clareza de sua linguagem e apresentação. Com base em seus comentários foram realizadas as modificações necessárias no questionário.

O questionário foi publicado no site da FDC e enviado, por e-mail, a 22.294 mulheres da lista de Alumni da escola de negócios que participaram de algum dos seus cursos de educação executiva.

Às entrevistadas foi solicitado que se avaliassem em relação ao seu par amoroso, acerca de temáticas como rendimento financeiro, carga horária de trabalho, divisão das atividades do lar e do cuidado com os filhos. Elas também foram provocadas a refletir e a responder questões relacionadas com sua vivência profissional, especialmente no que tange aos fatores balizadores da sua trajetória, as estratégias de carreira, as promoções e a intenção de permanecer no mercado de trabalho. Por fim, as entrevistadas responderam questões sobre as mudanças significativas e sua satisfação com as múltiplas dimensões da vida pessoal e profissional.

Com o propósito de reduzir os eventuais vícios de coleta, especialmente os decorrentes da sujeição das respostas à percepção das respondentes acerca das expectativas sociais, foi a elas assegurada total confidencialidade dos dados, enfatizando que não havia respostas certas ou erradas. Tais cuidados possibilitaram mitigar a variância associada ao erro sistemático, o qual decorre do método de coleta de dados e não da natureza dos construtos estudados, ou common-method variance (CMV).

Após o período de cerca de 3 meses foram recebidos 1.979 questionários respondidos, do total de 22.294 enviados. Dentre eles foi feito um recorte de modo a manter na amostra apenas o público-alvo da pesquisa. Tal recorte se orientou por 4 critérios:

  1. Ocupação das mulheres, visando a manter apenas as respondentes que trabalham em organização pública ou privada, excluindo aquelas cuja ocupação fosse autodeclarada como profissionais autônomas, professoras, empreendedoras ou “do lar”;

  2. Posição hierárquica, mantendo apenas as mulheres que ocupam alguma função gerencial (gerentes, superintendentes, diretoras, presidentes), excluindo aquelas cuja função principal não envolve a visão sistêmica das organizações e a tomada de decisões estratégicas;

  3. Tamanho das organizações, mantendo as de grande e médio porte que possuem 250 funcionários ou mais; e

  4. Abrangência de mercado, mantendo as organizações que operam no mercado interno, podendo ou não possuir também operações fora do Brasil.

A amostra final foi composta por 1.464 respostas completas, mostrando-se significativa e representativa dos 2 grupos, com probabilidade de erro de 5%. Os testes t para a significância do viés de não resposta não revelaram qualquer diferença significativa (p < 0,05) entre as respondentes e as não respondentes. As comparações de respondentes precoces e tardias também não revelaram diferenças significativas (p < 0,05) (Armstrong & Overton, 1977Armstrong, S., & Overton, T (1977). Estimating nonresponse bias in mail surveys. Journal of Marketing Research 14(3), 396-402.).

Dessas 1.464 mulheres, 81,4% atuavam, à época da pesquisa, como executivas de 771 organizações privadas de médio e grande porte e 18,6% como servidoras públicas de 101 instituições públicas: 24 empresas estatais e 77 órgãos públicos.

A diferença entre as amostras de executivas dos setores privado e público se deve ao acesso à lista de Alumni da FDC, cuja área de atuação, em 42 anos de existência, sempre enfocou o setor privado.

Dessas 475 servidoras públicas, de 1 a 4 estão dispersas em 82 empresas estatais e órgãos públicos, como Polícia Militar, Polícia Federal, Eletrobrás e Ministério do Meio Ambiente.

Um total de 10 instituições (Prefeitura de São Paulo, Agência Nacional de Saúde, Hospital Sírio-Libanês, Infraero, Embrapa, Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Petrobras, Secretaria da Fazenda do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria do Planejamento do Estado de Minas Gerais e Secretaria do Planejamento do Estado de Alagoas) concentra de 6 a 17 respondentes cada. De 29 a 142 respondentes estão concentradas em 4 organizações: Agência Nacional do Petróleo, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Prefeitura do Rio de Janeiro e Prefeitura de Belo Horizonte.

6. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

A comparação etária entre os dois grupos supracitados revelou diferenças significativas de distribuição (Gráfico 1). As executivas pareceram ser mais jovens do que as servidoras públicas, com idade média de, respectivamente, 39 e 44 anos. A despeito dessa diferença de idade, as respondentes são predominantemente casadas em ambos os grupos e, em geral, têm 1 ou 2 filhos. Desse modo, considerou-se que se trata de grupos comparáveis, no que tange ao papel socialmente construído para a mulher no Brasil.

Gráfico 1
Distribuição etária das respondentes por tipo de carreira (executiva e servidora pública)

5.1 RENDIMENTOS EM RELAÇÃO AO PAR AMOROSO

A partir da amostra, em ambos os casos, as mulheres parecem empoderadas financeiramente em relação ao seu par amoroso. Se, como visto na literatura, anteriormente a mulher tinha pouquíssimas possibilidades de fazer carreira fora dos guetos tradicionais como saúde e educação no Brasil (Bruschini, 2004Bruschini, C., & Puppin, A. B. (2004). Trabalho de mulheres executivas no Brasil no final do século XX. Cadernos de Pesquisa, 34(121), 105-138.; Louro, 2013Louro, G. L. (2013). Gênero, sexualidade e educação. Uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis, RJ: Vozes.; Mota-Santos et al., 2014Mota-Santos, C. M, Tanure, B, &Carvalho, A Neto, (2014). Mulheres executivas brasileiras: o teto de vidro em questão. Revista Administração em Diálogo, 16(3), 56-75.), atualmente, ela começou a ocupar cargos estratégicos tão bem remunerados quanto os homens na mesma posição, tanto nas organizações privadas (Carvalho et al., 2014Carvalho, A Neto , Tanure, B, & Mota-Santos, C. M. (2014). Pride and prejudice beyond the glass ceiling: Brazilian female executives’ psychological type. Revista de Ciências da Administração, 16(39), 210-223.) quanto públicas, como mostra esta pesquisa. Se considerados os dois grupos juntos, para 49,9% das respondentes o rendimento é o único ou o principal da família, enquanto somente para 15,9% o par amoroso tem o principal ou o único rendimento (Tabela 1). Tal empoderamento se manifesta em ambos os grupos: 51,3% das executivas e 44,1% das servidoras públicas têm o rendimento único ou o principal da família (Gráfico 2).

O teste de qui-quadrado evidenciou que o “Rendimento em relação ao par amoroso” e o “Tipo de carreira (pública ou privada)” estão associados, especialmente nas categorias de rendimento principal e iguais (p < 0.05). Pode-se, assim, inferir que as executivas parecem ainda mais empoderadas financeiramente em relação aos seus pares amorosos do que as servidoras públicas. O teste de qui-quadrado trabalhou com estas hipóteses:

  • H0: O rendimento da mulher em relação ao seu par amoroso é independente do tipo de carreira (executivas ou servidoras públicas).

  • H1: Existe relação de dependência entre as variáveis rendimento da mulher em relação ao seu par amoroso e o tipo de carreira (executivas ou servidoras públicas).

Tabela 1
Distribuição das respondentes, segundo o rendimento em relação ao par amoroso

Gráfico 2
Distribuição das respondentes, segundo o rendimento em relação ao par amoroso e tipo de carreira

5.2 RESPONSABILIDADE PELAS ATIVIDADES DO LAR

A responsabilidade pelas atividades do lar sempre foi mais atribuída às mulheres do que aos seus pares amorosos, homens, como amplamente salientado na literatura (Badinter, 1985Badinter, E. (1985). Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira.; Billing, 2011Billing, Y. D. (2011). Are women in management victims of the phantom of the male norm? Gender, Work and Organization, 18(3), 298-317.; Biroli, 2013Biroli, F. (2013). Autonomia e desigualdades de gênero: contribuições do feminismo para a crítica democrática. Vinhedo, SP: Horizonte.; Mota-Santos et al., 2014Mota-Santos, C. M, Tanure, B, &Carvalho, A Neto, (2014). Mulheres executivas brasileiras: o teto de vidro em questão. Revista Administração em Diálogo, 16(3), 56-75.). Ao serem consideradas conjuntamente, 29,6% coordenam sozinhas as atividades do lar realizadas por empregados e 20,7% as realizam diretamente, ora sozinhas, ora com a ajuda do par amoroso (Tabela 2). Além disso, somente 3,1% das mulheres entrevistadas responderam que seus pares amorosos realizam as atividades do lar diretamente sozinhos ou com sua ajuda (Tabela 2).

Tabela 2
Distribuição das respondentes, segundo a responsabilidade pelas atividades do lar, em relação ao par amoroso

O teste de qui-quadrado evidenciou diferenças significativas entre as executivas e as servidoras públicas, no que se refere à responsabilidade pelas atividades do lar (p < 0,05). Nesse perspectiva, vale observar que a divisão equitativa das atividades do lar, seja coordenando o trabalho dos empregados ou realizando-o diretamente, parece mais prevalente entre as executivas (48,2%) do que para as servidoras públicas (40%) (Gráfico 4). Isso corrobora a literatura (Belle, 1993Belle, F. (1993). Executivas: quais as diferenças na diferença. In Jean François Chanlat (Coord.), O indivíduo nas organizações (pp.195-231). São Paulo, SP: Atlas.; Calas & Smircich, 1997Calas, M., & Smircich, L. (1997). From “the woman’s” point of view: feminist approaches to organizations studies. In S. Clegg C. Hardy, T. Lawrence, & W. Nord (Eds.), Handbook of organization studies (pp. 218-257). London, England: Sage.; Schilling, 2015Schilling, E. (2015). “Success is satisfaction with what you have?” Biographical balance of older female employees in public administration. Gender, Work & Organization, 22(5), 474-494.), que salienta a carreira pública como menos problemática em termos de compatibilização da vida pessoal e profissional do que o setor privado. Na mesma linha, a realização direta das atividades, ora sozinhas, ora com a ajuda do par amoroso, parece mais prevalente entre as servidoras públicas (28,9%) do que entre as executivas (18,6%) (Gráfico 4). O teste de qui-quadrado trabalhou com as hipóteses:

H0: A responsabilidade da mulher pelas atividades do lar é independente do tipo de carreira (executivas ou servidoras públicas).

H1: Existe relação de dependência entre as variáveis responsabilidade da mulher pelas atividades do lar e o tipo de carreira (executivas ou servidoras públicas).

O fato de que menos de 1% das mulheres afirmou que seus pares amorosos fazem diretamente sozinhos as atividades do lar, em ambos os grupos (Gráfico 3), corrobora ainda mais a expectativa social de atribuição dessas atividades ao feminino, como é amplamente salientado pela literatura (Badinter, 1985Badinter, E. (1985). Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira.; Billing, 2011Billing, Y. D. (2011). Are women in management victims of the phantom of the male norm? Gender, Work and Organization, 18(3), 298-317.; Biroli, 2013Biroli, F. (2013). Autonomia e desigualdades de gênero: contribuições do feminismo para a crítica democrática. Vinhedo, SP: Horizonte.; Mota-Santos et al., 2014Mota-Santos, C. M, Tanure, B, &Carvalho, A Neto, (2014). Mulheres executivas brasileiras: o teto de vidro em questão. Revista Administração em Diálogo, 16(3), 56-75.).

Gráfico 3
Distribuição das respondentes segundo a responsabilidade pelas atividades do lar, em relação ao par amoroso e tipo de carreira

5.3 RENDIMENTO E ATIVIDADES DO LAR EM RELAÇÃO AO PAR AMOROSO

A despeito do maior empoderamento financeiro em relação ao par amoroso, as mulheres participantes da pesquisa também parecem concentrar a responsabilidade pelas atividades de cuidado do lar. Observa-se, por exemplo, que apenas 6% das respondentes que possuem o único ou o principal rendimento da família disseram que seus pares amorosos realizam as atividades do lar diretamente sozinhos ou com sua ajuda (Tabela 3). Esse achado de pesquisa corrobora a literatura no tocante à importância do rendimento superior da mulher em relação ao homem como, ainda assim, sendo incapaz de reverter a tendência de negociar uma divisão mais igualitária das tarefas domésticas e do cuidado com os filhos (Madalozzo et al., 2010Madalozzo, R., Martins, S. R., & Shiraton, L. (2010). Participação no mercado de trabalho e no trabalho doméstico: homens e mulheres têm condições iguais? Estudos Feministas, 18(2), 547-566.; Wolff, 2010Wolff, C. S. (2010). Profissões, trabalhos: coisas de mulheres. Estudos Feministas, 18(2), 503-506.). Observa-se, ainda, que das mulheres com o único rendimento da família, 55% coordenam sozinhas e 31% realizam diretamente as atividades do lar (Tabela 3).

Tabela 3
Distribuição das respondentes segundo o rendimento e responsabilidade pelas atividades do lar, em relação ao par amoroso

O teste de qui-quadrado revelou associação entre o “rendimento em relação ao par” e a “responsabilidade pelas atividades do lar” em ambos os tipos de carreira: executiva e servidoras públicas (p < 0,05). O teste de qui-quadrado trabalhou com as seguintes hipóteses:

Teste de qui-quadrado - executivas

  • H0: As variáveis rendimento em relação ao seu par amoroso e responsabilidade pelas atividades do lar são independentes no grupo de mulheres executivas.

  • H1: As variáveis rendimento em relação ao seu par amoroso e responsabilidade pelas atividades do lar têm relação de dependência no grupo de mulheres executivas.

Teste de qui-quadrado - servidoras públicas

  • H0: As variáveis rendimento em relação ao seu par amoroso e responsabilidade pelas atividades do lar são independentes no grupo de mulheres que são servidoras públicas.

  • H1: As variáveis rendimento em relação ao seu par amoroso e responsabilidade pelas atividades do lar têm relação de dependência no grupo de mulheres que são servidoras públicas.

Para o grupo de mulheres executivas com rendimento único, 60% coordenam sozinhas e 27% realizam diretamente as atividades do lar (Gráfico 5). Nesse grupo, no entanto, também se observa que a divisão equitativa das tarefas do lar parece mais prevalente nas classes de mulheres com rendimento principal, igual e complementar ao do par amoroso (Gráfico 5). Ainda assim, em torno de 40% das mulheres de cada uma dessas classes de rendimento concentram a coordenação ou a realização das atividades do lar. Novamente, vemos que, mesmo estando igualmente ou mais empoderadas financeiramente do que seu par amoroso, isso não foi suficiente para alterar o desequilíbrio desfavorável à mulher na sociedade brasileira em relação aos homens nas mesmas posições sociais, o que vai ao encontro da lietratura (Madalozzo et al., 2010Madalozzo, R., Martins, S. R., & Shiraton, L. (2010). Participação no mercado de trabalho e no trabalho doméstico: homens e mulheres têm condições iguais? Estudos Feministas, 18(2), 547-566.; Wolff, 2010Wolff, C. S. (2010). Profissões, trabalhos: coisas de mulheres. Estudos Feministas, 18(2), 503-506.).

A condição das servidoras públicas, no que tange ao empoderamento financeiro e à responsabilidade pelas atividades do lar, é análoga à das executivas, ou seja, maior empoderamento financeiro não favorece maior equilíbrio quanto à responsabilidade pelas atividades do lar em relação ao homem (Gráfico 5). Para esse grupo, no entanto, há marcante diferença em relação às executivas. As servidoras públicas realizam as atividades do lar diretamente sozinhas ou com ajuda do par amoroso mais frequentemente do que as executivas, para as quais a coordenação com ajuda de empregados parece a alternativa quase unívoca (Gráfico 5).

Gráfico 4
Distribuição das respondentes segundo o rendimento e a responsabilidade pelas atividades do lar, em relação ao par amoroso por tipo de carreira

5.4 CUIDADO COM OS FILHOS

O teste de qui-quadrado evidenciou que a distribuição das mulheres, segundo o tempo de cuidado com os filhos e o tipo de carreira (pública ou privada), está fortemente associada (p < 0,05). O teste de qui-quadrado trabalhou com as seguintes hipóteses:

  • H0: O tempo de cuidado das mulheres com os seus filhos, quando eles estão acordados, é independente do tipo de carreira (executivas ou servidoras públicas).

  • H1: Existe relação de dependência entre as variáveis tempo de cuidado das mulheres com os seus filhos, quando eles estão acordados, e o tipo de carreira (executivas ou servidoras públicas).

Nessa perspectiva, a proporção de mulheres que cuida de seus filhos por 5 horas diárias é quase o dobro entre as servidoras públicas (22,3%) quando comparadas com as executivas (12,3%) (Gráfico 6).

Esse resultado vai ao encontro da literatura (Belle, 1993Belle, F. (1993). Executivas: quais as diferenças na diferença. In Jean François Chanlat (Coord.), O indivíduo nas organizações (pp.195-231). São Paulo, SP: Atlas.; Calas & Smircich, 1997Calas, M., & Smircich, L. (1997). From “the woman’s” point of view: feminist approaches to organizations studies. In S. Clegg C. Hardy, T. Lawrence, & W. Nord (Eds.), Handbook of organization studies (pp. 218-257). London, England: Sage.; Schilling, 2015Schilling, E. (2015). “Success is satisfaction with what you have?” Biographical balance of older female employees in public administration. Gender, Work & Organization, 22(5), 474-494.), que salienta a maior possibilidade de conciliar carreira e demandas da vida pessoal no setor público. Indo além da literatura, esse achado de pesquisa reforça a hipótese de que a carreira pública, por outro lado, favorece o reforço social de construção da identidade feminina a partir do mundo doméstico, pois das servidoras é “esperado” (socialmente) que se dediquem mais aos filhos, já que têm maior flexibilidade de horários de trabalho e carga horária diária menor, além de estabilidade profissional. Em uma sociedade machista, tal quadro se mostra ainda mais favorável para manter o status quo de mulher “do lar”.

Gráfico 5
Distribuição das respondentes, segundo o tempo dedicado ao cuidado com os filhos

Completando o quadro, há que se observar, ainda, que em ambos os tipos de carreira o tempo médio dedicado pelas mulheres ao cuidado com os filhos é significativamente maior do que o dedicado por seus pares amorosos. Porém, entre as executivas, esse tempo médio é 9,3% maior do que seus respectivos pares amorosos, ao passo que entre as servidoras públicas tal diferença alcança o patamar de 25,6% (Tabela 4). Ou seja, o tempo de cuidado dos filhos pelo par amoroso parece menos desigual entre as executivas do que entre as servidoras públicas.

Tabela 4
Tempo médio de cuidado com os filhos

5.5 RENDIMENTO E CUIDADOS COM OS FILHOS

O “rendimento em relação ao par amoroso”, bem como “os cuidados com os filhos” analisados separadamente pareceram, de novo, evidenciar que a carreira no serviço público, mais do que nas empresas privadas, poderia favorecer o reforço da construção social histórica em torno do feminino e do masculino. Esse achado de pesquisa vai além da literatura. Tal preceito parece ainda mais evidente quando conjugadas essas duas variáveis na comparação entre as executivas e as servidoras públicas.

As executivas e as servidoras públicas que têm rendimento único ou igual ao do par amoroso pareceram apresentar o mesmo comportamento em relação ao cuidado com os filhos. Cerca de 2/3 delas permanece com os filhos entre 2 e 4 horas por dia (Gráfico 6).

No entanto, há diferenças significativas entre as executivas e as servidoras em relação ao tempo de cuidado com os filhos, para as classes de rendimento principal e complementar ao do par amoroso. Observou-se que 44% das servidoras públicas que possuem rendimento complementar ao do par cuidam dos filhos por 5 horas ou mais diariamente, o que ocorre com somente 19,8% das executivas (Gráfico 6).

Gráfico 6
Distribuição das respondentes, segundo o rendimento em relação ao par amoroso e o tempo dedicado ao cuidado com os filhos

Entre as servidoras que possuem o rendimento principal do casal, 31% cuida dos filhos por 5 horas ou mais, o que ocorre com apenas 10,5% das Executivas nessa mesma situação (Gráfico 8). Esse resultado também vai ao encontro da literatura (Belle, 1993Belle, F. (1993). Executivas: quais as diferenças na diferença. In Jean François Chanlat (Coord.), O indivíduo nas organizações (pp.195-231). São Paulo, SP: Atlas.; Calas & Smircich, 1997Calas, M., & Smircich, L. (1997). From “the woman’s” point of view: feminist approaches to organizations studies. In S. Clegg C. Hardy, T. Lawrence, & W. Nord (Eds.), Handbook of organization studies (pp. 218-257). London, England: Sage.; Schilling, 2015Schilling, E. (2015). “Success is satisfaction with what you have?” Biographical balance of older female employees in public administration. Gender, Work & Organization, 22(5), 474-494.). Vale observar, ainda, que as executivas, independente do nível de rendimento, permanecem predominanemtente em torno de 2 a 4 horas por dia com seus filhos. Já entre as servidoras esse tempo sofre variações de acordo com a classe de rendimento (Gráfico 6).

O teste de comparações múltiplas de Fisher apontou a significância das diferenças do tempo de cuidado com os filhos entre executivas e servidoras públicas, nas classes de rendimento principal e complementar ao dos pares amorosos. Para as demais, tal diferença não se mostrou significativa.

5.6 INTERESSE EM PERMANECER NA ORGANIZAÇÃO EM QUE TRABALHA

A investigação dos motivadores para o interesse em permanecer ou não nas organizações em que atuam revelou diferenças significativas entre as executivas e as servidoras públicas.

As servidoras públicas parecem sensivelmente mais interessadas em permanecer nas organizações em que estão do que as executivas. A diferença de interesse se mostrou significativa (6%) (Gráfico 7). Entretanto, os motivos que suscitam tal interesse são diametralmente diferentes.

Os desafios estimulantes ocupam a primeira posição no ranking dos motivos pelos quais as executivas se interessam em permanecer na empresa em que trabalham. Para as servidoras públicas, no entanto, tal fator ocupa a quarta posição na escala de prioridades, sendo ultrapassado pelo “alinhamento com o planejamento de carreira e vida”, o “apoio social para dar suporte à família”, a “possibilidade de conciliar demandas da vida pessoal e profissional”. Claramente a pesquisa mostra que as servidoras valorizam o trabalho no setor público para conciliar melhor a vida profissional com a vida pessoal, o que vai ao encontro da literatura (Belle, 1993Belle, F. (1993). Executivas: quais as diferenças na diferença. In Jean François Chanlat (Coord.), O indivíduo nas organizações (pp.195-231). São Paulo, SP: Atlas.; Calas & Smircich, 1997Calas, M., & Smircich, L. (1997). From “the woman’s” point of view: feminist approaches to organizations studies. In S. Clegg C. Hardy, T. Lawrence, & W. Nord (Eds.), Handbook of organization studies (pp. 218-257). London, England: Sage.; Schilling, 2015Schilling, E. (2015). “Success is satisfaction with what you have?” Biographical balance of older female employees in public administration. Gender, Work & Organization, 22(5), 474-494.). Esses se mostraram fatores importantes também para as executivas, porém, não preponderantes como para as servidoras. Vale observar, ainda, que a “existência de licenças remuneradas e não remuneradas” é importante para a permanência de 25% das servidoras públicas e apenas 10% das executivas (Gráfico 8).

Gráfico 7
Distribuição das respondentes, segundo o interesse em permanecer nas organizações em que trabalha e o tipo de carreira

Gráfico 8
Distribuição das respondentes segundo o motivo pelo qual se interessam em permanecer nas organizações em que trabalham

Os “desafios estimulantes” foram citados por 60% das executivas e 41% das servidoras públicas. Já a “jornada de trabalho equilibrada”, seguida pela “existência de licenças remuneradas e não remuneradas”, foi significativamente mais citada pelas servidoras públicas (Gráfico 8).

Parece que os aspectos relacionados com a carreira e os desafios da organização são mais estimulantes para as executivas, o que pode levá-las a priorizá-los sobre o equilibrio entre o trabalho e a vida pessoal. Para as servidoras públicas, o alinhamento com a carreira também é importante, mas o equilíbrio, o apoio social e a possibilidade de conciliar a vida pessoal e profissional são tão importantes quanto (Gráfico 8).

O teste de qui-quadrado apontou diferenças significativas entre as executivas e as servidoras públicas no que se refere aos balizadores do interesse em permanecer nas organizações onde trabalham. O teste de qui-quadrado trabalhou com as hipóteses:

  • H0: Os motivadores do interesse em permanecer na carreira atual independem do tipo de carreira (executivas ou servidoras públicas).

  • H1: Os motivadores do interesse em permanecer na carreira atual dependem do tipo de carreira (executivas ou servidoras públicas).

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O pressuposto no qual se baseou este trabalho - de que a carreira pública oferece condições favoráveis ao reforço da construção social em torno do gênero, na qual a identidade feminina é constituída a partir do mundo doméstico - confirmou-se.

O serviço público pode representar uma alternativa importante para as mulheres equilibrarem as múltiplas demandas que lhes são absolutamente desfavoráveis, quando comparadas ao que a sociedade espera dos homens.

Este estudo confirma a literatura em relação à carreira pública, considerada menos problemática em termos do trabalhador conseguir compatibilizar a vida pessoal e a vida profissional do que na iniciativa privada.

No entanto, a pesquisa aqui discutida avança para além da literatura, uma vez que se realizou a comparação de mulheres qualificadas e de alto escalão que estão no ambiente público e no privado. Além disso, a comparação também ocorreu entre essas mulheres e seus pares amorosos, em relação aos rendimentos e à dedicação às atividades do lar, comparação existente na literatura internacional, mas indisponível com amostra significativa na literatura brasileira.

Outra contribuição que foi além da literatura e reforça a hipótese de que a carreira pública favorece a construção da identidade feminina a partir do mundo doméstico é o fato de que as servidoras dedicam mais tempo aos filhos e ao lar do que as executivas.

Os dados ressaltam que tanto as executivas como as servidoras públicas estão muito mais empoderadas financeiramente quando comparadas com seus pares amorosos, homens. Isso reforça a literatura no tocante ao empoderamento da mulher profissional em relação ao parceiro amoroso. É importante salientar que, mesmo empoderadas financeiramente, elas não conseguem sair do papel social imposto pela dominação masculina.

No caso da carreira feminina no serviço público, especialmente quando associada ao maior rendimento do par amoroso, há um exacerbamento ainda maior da condição da mulher como a principal responsável pelo cuidado com os filhos. O serviço público, mesmo demandando dedicação ao trabalho e alta qualificação, provê condições de trabalho, como horários fixos e jornadas menores, que propiciam maior tempo “livre” - o que não é proporcionado pela iniciativa privada.

A literatura ressalta que a culpa e o cansaço aparecem justamente por elas não terem com quem dividir as demandas do lar, vivenciando negativamente o conflito do equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional.

Parece haver um pouco mais de espaço no serviço público para que a profissional contemporânea compatibilize os papéis a ela impostos desde a sociedade patriarcal, devido à segurança e à estabilidade, ao horário fixo de trabalho e às exigências mais exíguas no serviço público - se comparadas à iniciativa privada.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2019

Histórico

  • Recebido
    05 Maio 2017
  • Aceito
    09 Maio 2018
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