Acessibilidade / Reportar erro

Os efeitos da coprodução nos resultados da conciliação judicial: a percepção da sociedade sobre um serviço inovador

Los efectos de la coproducción en los resultados de la conciliación judicial: la percepción de la sociedad de un servicio innovador

Resumo

Este estudo examinou os efeitos da coprodução e das competências do prestador de serviços nos resultados da conciliação judicial no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), a partir da percepção de satisfação das partes litigantes e dos advogados usuários do serviço. A conciliação judicial é uma inovação do Poder Judiciário que visa a aumentar a eficiência e o valor gerado pelos serviços de Justiça e trata-se de um processo coproduzido, no qual os usuários participam da prestação dos serviços públicos. Para alcançar o objetivo proposto, utilizaram-se dados secundários provenientes da pesquisa de satisfação do usuário elaborada e aplicada pela equipe técnica do TJDFT e a amostra final, após o tratamento dos dados, consistiu em 1.735 partes litigantes e 764 advogados. Para análise dos dados, aplicaram-se as técnicas de análise fatorial exploratória e de regressão logística e os resultados sugerem que a coprodução é a variável com maior poder preditivo dos resultados do serviço, tanto para o cidadão como para a imagem do Poder Judiciário, na perspectiva das partes. Por fim, os resultados do serviço para o cidadão, se positivos, aumentam a probabilidade da imagem do Poder Judiciário também ser positiva, na percepção dos dois grupos investigados.

Palavras-chave:
coprodução; satisfação com serviços; inovação em serviços; serviços públicos; Poder Judiciário

Resumen

Este estudio examinó los efectos de la coproducción y las competencias del prestador de servicios en los resultados de la conciliación judicial en el Tribunal de Justicia del Distrito Federal y Territorios (TJDFT), a partir de la percepción de satisfacción de las partes litigantes y de los abogados usuarios del servicio. La conciliación judicial es una innovación cuyo propósito es aumentar la eficiencia y el valor generado por los servicios de justicia y se trata de un proceso coproducido, en que los usuarios tienen un papel esencial en la prestación de los servicios públicos. Para alcanzar el objetivo propuesto, se utilizaron datos secundarios provenientes de la encuesta de satisfacción del usuario, elaborada y aplicada por el equipo técnico del TJDFT y la muestra final, después del tratamiento de los datos, consistió en 1.735 partes litigantes y 764 abogados. Para el análisis de los datos, se aplicaron las técnicas de análisis factorial exploratorio y de regresión logística, y los resultados sugieren que la coproducción es la variable con mayor poder predictivo de los resultados del servicio, tanto para el ciudadano como para la imagen del Poder Judicial, desde la perspectiva de las partes. Por último, los resultados del servicio para el ciudadano, si fueran positivos, aumentan la probabilidad de que la imagen del Poder Judicial también sea positiva, según la percepción de los dos grupos investigados.

Palabras clave:
coproducción; satisfacción con los servicios; innovación en servicios; servicios públicos; Poder Judicial

Abstract

This study examined the effects of coproduction and the competencies of the service provider on the results of the Judicial Conciliation at the State Courthouse of Distrito Federal, based on the satisfaction of the litigants and lawyers who used the service. The Judicial Conciliation is an innovation to increase efficiency and results for the general public and is a coproduced process, in which the users play an essential role in the provision of public services. The study used secondary data obtained from a customer satisfaction survey designed by the TJDFT. The final research sample consisted of 1,735 litigants and 764 lawyers. For the data analysis, exploratory factor analysis and logistic regression were used, and the results of the regressions suggest that coproduction is the variable that best explains the results of the service for the customers as well as for the reputation of the Judiciary, from the perception of the litigants. Finally, the perception that the service was beneficial to citizens increases the likelihood of the customer to develop a positive image of the Judiciary, according to the results obtained both in the litigants’ and lawyers’ samples.

Keywords:
coproduction; service satisfaction; innovation in services; public services; Judiciary

1. INTRODUÇÃO

O interesse pela coprodução no setor público cresceu a partir da década de 1980 (Alford, 2002Alford, J. (2002). Why do public-sector clients coproduce? Toward a contingency theory. Administration and Society, 34(1), 32-56.) e uma das razões para o aumento da importância desse tema é a capacidade da coprodução em solucionar diversas barreiras que inibem a eficiência na prestação de serviços públicos (Needham, 2008Needham, C. (2008). Realising the potential of co-production: negotiating improvements in public services. Social Policy & Society, 7(2), 221-231.). Essa crescente relevância também ocorreu devido a transformações na estrutura e formas de governança do setor público, que alterou a relação entre os cidadãos e os serviços (Torfing, 2013Torfing, J. (2013). Collaborative innovation in the public sector. In S. P. Osborne, & L. Brown (Eds.), The handbook of innovation in public services (pp. 301-316). Cheltenham, England: Edward Elgar .). Assim, é fundamental compreender como implementar e gerir essa interação, de modo a otimizar os resultados e a efetividade do serviço (Osborne, 2013Osborne, S. P. (2013). A services-influenced approach to public service innovation? In S. P. Osborne & L. Brown (Eds.), The handbook of innovation in public services (pp. 60-71). Cheltenham, England: Edward Elgar.). Apesar da relevância, a literatura no tema ainda é incipiente, dificultando a consolidação de uma teoria sistemática com evidências empíricas que auxiliem na compreensão do que ocorre quando os cidadãos participam da prestação dos serviços públicos, bem como os efeitos da coprodução na percepção da qualidade dos serviços prestados (Mustak, Jaakkola, & Halinen, 2013Mustak, M., Jaakkola, E., & Halinen, A. (2013). Customer participation and value creation: a systematic review and research implications. Managing Service Quality, 23(4), 341-359.; Verschuere, Brandsen, & Pestoff, 2012Verschuere, B., Brandsen, T., & Pestoff, V. (2012). Co-production: the state of the art in research and the future agenda. Voluntas, 23(4), 1083-1101.).

O Poder Judiciário brasileiro, que apresenta uma série de problemas críticos que afetam seu desempenho, foi uma das esferas do setor público que recorreu à coprodução para tentar aumentar sua eficiência. Esse setor dispõe de uma estrutura grande, complexa, lenta e incapaz de gerar soluções previsíveis em um prazo razoável e a custos acessíveis para todos. Esses problemas são causados, em parte, pelo crescimento do número de novos processos todos os anos, pelo elevado número de recursos previstos pela lei, por formalidades protelatórias nas audiências, bem como pelo formalismo cartorial excessivo (Bottini, 2006Bottini, P. C. (2006). A reforma do Judiciário: aspectos relevantes. In C., Slakmon, M. R., Machado, & P. C., Bottini (Orgs.), Novas direções na governança da justiça e da segurança (pp. 217-226). Brasília, DF: Ministério da Justiça.; Sadek, 2004Sadek, M. T. A. (2004). Poder Judiciário: perspectivas de reforma. Opinião Pública, 10(1), 1-62.; Vieira & Pinheiro, 2008Vieira, L. J. M., & Pinheiro, I. A. (2008). Contribuições do Conselho Nacional de Justiça para a gestão do Poder Judiciário. In Anais do 32o Encontro da Anpad. Rio de Janeiro, RJ. ).

Essa estrutura induz a problemas como dificuldades de acesso, que distanciam grande parte da população que desconhece seus direitos e percebe a Justiça como cara e lenta. Segundo as estatísticas da Direção-Geral da Política de Justiça, a duração média dos processos de Justiça Cível findos nos tribunais judiciais de 1a instância é de 37 meses (Ministério da Justiça, 2014). Esse prazo demonstra que obter uma decisão judicial leva um tempo extremamente longo e é um processo muito oneroso, principalmente para os cidadãos que desejam resolver conflitos pouco complexos. Devido às formalidades do Poder Judiciário, esse serviço público acaba perdendo contato com os problemas e a realidade das partes, e tal falta de contato acaba se tornando outra barreira para a resolução de conflitos (Campos, 2009Campos, J. P. (2009). A conciliação judicial (Dissertação de Mestrado). Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal.).

Isso faz com que a maior parte da sociedade recorra ao Poder Judiciário apenas em último caso, enquanto alguns setores se aproveitam das deficiências da Justiça para obter vantagens, aproveitando-se, inclusive, da morosidade do Poder Judiciário (Sadek, 2004Sadek, M. T. A. (2004). Poder Judiciário: perspectivas de reforma. Opinião Pública, 10(1), 1-62.). Esses problemas e a falta de eficiência do Judiciário levaram à aprovação, em 2004, da Emenda Constitucional (EC) n. 45, que instituiu a Reforma do Judiciário (Renault, 2005Renault, S. R. T. (2005). A reforma do Poder Judiciário sob a ótica do governo federal. Revista do Serviço Público, 58(2), 127-135.) e, desde então, várias inovações foram implementadas, muitas delas pontuais (Lima & Cruz, 2011Lima, T. C., & Cruz, M. V. G. (2011). O Conselho Nacional de Justiça e as reformas do Poder Judiciário: aspectos da tecnologia da informação. In Anais do 35o Encontro da Anpad. Rio de Janeiro, RJ. ), mas que, conjuntamente, podem apresentar resultados positivos (Renault, 2005).

Além das mudanças que têm por objetivo o aumento da eficiência de gestão e da atividade jurisdicional, o modelo de Justiça brasileiro tem dado maior destaque à justiça restaurativa (Sica, 2006Sica, L. (2006). Bases para o modelo brasileiro de justiça restaurativa. In C. Slakmon, M. R. Machado, & P. C. Bottini (Orgs.), Novas direções na governança da Justiça e da segurança (pp. 455-490). Brasília, DF: Ministério da Justiça .). Nessa nova visão da Justiça, que é apoiada pela Organização das Nações Unidas (ONU), a sociedade tem um papel mais acentuado e abrangente, podendo ser tanto receptora das políticas de reforço e reparação quanto um ator social nesse processo (Sica, 2006). Dessa forma, a conciliação judicial foi uma das inovações implementadas, ocasionando uma migração do tradicional modelo contencioso de resolução de conflitos, alicerçado na falta de confiança de comunicação e na competição entre as partes litigantes, para um modelo de caráter mais colaborativo, que depende da interação e da negociação entre os envolvidos para obter êxito (Silva, 2012Silva, E. B. (2012). A efetividade da prestação jurisdicional civil a partir da conciliação (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.).

Com isso, a conciliação judicial, que consiste em uma única audiência na qual as partes, perante um conciliador, podem entrar em acordo, buscando a melhor solução para os envolvidos (Brasil, 2014), tornou-se obrigatória em todos os processos cíveis que tramitam no Poder Judiciário (Brasil, 2010; Silva, 2012Silva, E. B. (2012). A efetividade da prestação jurisdicional civil a partir da conciliação (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.). A presença de advogados é facultativa e esse processo permite que as partes evitem gastos e transtornos emocionais em questões que poderiam levar anos na Justiça, principalmente se a conciliação for pré-processual, ou seja, os envolvidos buscam as centrais de conciliação antes que a disputa chegue à Justiça (Brasil, 2014).

A oferta desse serviço foi um meio de aumentar a celeridade dos processos judiciais e aproximar a Justiça da sociedade, tornando o Judiciário mais eficiente e aumentando o valor gerado pelos serviços de Justiça (Lima & Cruz, 2011Lima, T. C., & Cruz, M. V. G. (2011). O Conselho Nacional de Justiça e as reformas do Poder Judiciário: aspectos da tecnologia da informação. In Anais do 35o Encontro da Anpad. Rio de Janeiro, RJ. ). A conciliação judicial é mais adequada para situações circunstanciais e esporádicas (Vargas, 2006Vargas, L. F. B. D. (2006). Julgados de paz e mediação: uma nova face da Justiça. Coimbra, Portugal: Almedina.) e, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), esse serviço é indicado para conflitos relacionados com pensão alimentícia, guarda de filhos, divórcio, partilha de bens, acidentes de trânsito, dívidas em bancos, danos morais, demissão do trabalho, questões de vizinhança, entre outros.

Para a prestação desse serviço, a Resolução n. 125 (Brasil, 2010), do CNJ, pressupõe a formação de um quadro de conciliadores adequadamente preparados, a disponibilização da infraestrutura necessária e a criação de uma nova cultura nacional de solução de conflitos de interesses por meio da negociação (Brasil, 2010; Silva, 2012Silva, E. B. (2012). A efetividade da prestação jurisdicional civil a partir da conciliação (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.). Essa capacitação constante dos conciliadores e mediadores deve focar não apenas competências técnicas relacionadas com o método, como estratégias de negociação e gestão de conflitos, mas também competências comportamentais, baseadas em ética, neutralidade, imparcialidade, comunicação e empatia, para que o conciliador consiga auxiliar as partes na resolução do conflito por meio do diálogo eficaz (Silva, 2012).

O conciliador deve estimular a comunicação (Silva, 2012Silva, E. B. (2012). A efetividade da prestação jurisdicional civil a partir da conciliação (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.), pode fazer sugestões e apresentar soluções para o caso, colaborando para a obtenção de um acordo; porém, uma vez que as partes são as principais responsáveis pela solução do conflito, os envolvidos podem acatar ou não as propostas do conciliador (Brasil, 2014; Campos, 2009Campos, J. P. (2009). A conciliação judicial (Dissertação de Mestrado). Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal.). Dessa forma, o tribunal, no caso desta pesquisa o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), é responsável por prover um local com infraestrutura adequada à prestação do serviço, pela formação dos conciliadores, que são voluntários, e por garantir a qualidade do serviço.

Como a conciliação judicial é uma inovação do Poder Judiciário que visa a melhorar os resultados gerados para a sociedade por meio da coprodução, mostra-se fundamental identificar a contribuição que essa inovação traz à esfera pública (Hartley, 2011Hartley, J. (2011). Public value through innovation and improvement. In J., Benington, & M. H., Moore (Eds.), Public value: theory and practice (pp. 171-184). Basingstoke, England: Palgrave. ). Ou seja, a inovação no setor público não deve ser analisada apenas em termos de melhorias no serviço ou no processo, mas em termos de valor público, do que a sociedade valoriza (Benington, 2011Benington, J. (2011). From private choice to public value? In J,. Benington, & M., Moore (Eds.), Public value: theory and practice (pp. 31-51). Basingstoke, England: Macmillan.). Uma vez que a conciliação judicial tem por principal foco os cidadãos, a percepção de satisfação dos usuários do serviço é o principal elemento de orientação das decisões dos gestores envolvidos nessa política pública. A mensuração da satisfação dos cidadãos com o serviço público estabelece um marco no Judiciário de transparência, responsividade, democracia e aplicação do acesso à Justiça, incorporando opiniões e sugestões para a melhoria da qualidade dos resultados gerados.

Assim, estudar a conciliação judicial se justifica por ser uma tentativa do serviço público de aumentar o valor gerado pelos serviços de Justiça, por ser um serviço que depende da coprodução para ser prestado e pela escassez de pesquisas que abordam esse objeto de estudo. A escolha do TJDFT se deu, principalmente, pelo fato do órgão já haver implementado a conciliação judicial. Em 2015 foram realizadas cerca de 30 mil sessões de conciliação, das quais 32,6% terminaram em acordo; foram negociados R$ 38,9 milhões e 106.629 pessoas foram atendidas. Além dos números apresentados, a escolha desse tribunal também se deu pelo fato de já haver desenvolvido e aplicado a Pesquisa de Satisfação do Usuário, que visa a mensurar a percepção dos cidadãos sobre aspectos como a coprodução, as principais dificuldades e oportunidades de melhoria para o serviço, as competências do conciliador e os resultados gerados para o usuário e para a imagem do Poder Judiciário.

Diante do exposto, o objetivo geral deste estudo é testar as relações entre a coprodução e as competências do prestador de serviços nos resultados da conciliação judicial no TJDFT a partir da percepção das partes litigantes e dos advogados usuários do serviço. Para permitir a consecução do objetivo geral de pesquisa, delinearam-se os seguintes objetivos específicos: a) verificar evidências de validade do instrumento de pesquisa de satisfação das partes litigantes, elaborado pelo TJDFT para a conciliação judicial; b) verificar evidências de validade do instrumento de pesquisa de satisfação dos advogados, elaborado pelo TJDFT para a conciliação judicial; c) testar, empiricamente, a relação entre a percepção da coprodução e as competências do prestador do serviço, e a percepção de resultados da conciliação judicial no TJDFT, sob a ótica das partes usuárias do serviço; d) testar, empiricamente, a relação entre a percepção das competências do prestador do serviço e a percepção de resultados da conciliação judicial no TJDFT, sob a ótica dos advogados usuários do serviço.

2. COPRODUÇÃO EM SERVIÇOS PÚBLICOS

O conceito de coprodução começou a ser desenvolvido e aplicado no final da década de 1970 e no início da década de 1980 (Brudney & England, 1983Brudney, J. L., & England, R. E. (1983). Toward a definition of the coproduction concept. Public Administration Review, 43(1), 59-65.; Jakobsen, 2013Jakobsen, M. (2013). Can government initiatives increase citizen coproduction? Results of a randomized field experiment. Journal of Public Administration Research and Theory, 23(1), 27-54.; Percy, 1984Percy, S. L. (1984). Citizen participation in the co-production of urban services. Urban Affairs Quarterly, 19(4), 431-446.; Sharp, 1980Sharp, E. B. (1980). Toward a new understanding of urban services and citizen participation: the coproduction concept. Midwest Review of Public Administration Review, 14(2), 240-246.), para identificar uma abordagem em que bens e serviços são produzidos com alto grau de envolvimento do usuário (Szkuta, Pizzicannella, & Osmo, 2014Szkuta, K., Pizzicannella, R., & Osimo, D. (2014). Collaborative approaches to public sector innovation: a scoping study. Telecommunications Policy, 38(5-6), 558-567. ). Na realidade dos serviços públicos, a coprodução consiste no envolvimento direto do cidadão na concepção e entrega dos serviços à sociedade, junto com os agentes do Estado. Esse processo depende da cooperação voluntária dos cidadãos e apresenta impactos positivos para os resultados dos serviços (Brudney & England, 1983). A coprodução com o cidadão desafia o modelo tradicional de prestação de serviços públicos, em que o Estado fornece bens e serviços para uma sociedade passiva (Alford, 1998Alford, J. (1998). A public management road less travelled: clients as co-producers of public services. Australian Journal of Public Administration, 57(4), 128-137.; Mattson, 1986Mattson, G. A. (1986). The promise of citizen coproduction: some persistent issues. Public Productivity Review, 10(2), 51-56.; Vamstad, 2012Vamstad, J. (2012). Co-production and service quality: the case of cooperative childcare in Sweden. Voluntas, 23(4), 1173-1188.; Verschuere et al., 2012Verschuere, B., Brandsen, T., & Pestoff, V. (2012). Co-production: the state of the art in research and the future agenda. Voluntas, 23(4), 1083-1101.). Na coprodução com o cidadão, o Estado não considera a sociedade apenas consumidora, mas parceira, expandindo o papel do cidadão de um consumidor passivo dos serviços públicos para um ator que tem um envolvimento ativo no tratamento de problemas sociais (Alford, 1998; Mattson, 1986).

Todos os bens e serviços públicos podem ser produzidos pelo fornecedor e pelos seus usuários (Ostrom, 1996Ostrom, E. (1996). Crossing the great divide: coproduction, synergy, and development. World Development, 24(6), 1073-1087.), e a implementação de programas de coprodução pelo Estado pode aumentar a quantidade e qualidade dos serviços ofertados (Bifulco & Ladd, 2006Bifulco, R., & Ladd, H. F. (2006). Institutional change and coproduction of public services: the effect of charter schools on parental involvement. Journal of Public Administration Research and Theory, 16(4), 553-576.; Brudney & England, 1983Brudney, J. L., & England, R. E. (1983). Toward a definition of the coproduction concept. Public Administration Review, 43(1), 59-65.; Warren, Harlow, & Rosentraub, 1982Warren, R., Harlow, K. S., & Rosentraub, M. S. (1982). Citizen participation in services: methodological and policy issues in co-production research. Southwestern Review of Management and Economics, 2(3), 41-55.) e, ainda, resultar na redução de custos e contribuir para o aumento da satisfação dos usuários dos serviços públicos (Bitner, Faranda, Hubbert, & Zeithaml, 1997Bitner, M. J., Faranda, W. T., Hubbert, A. R., & Zeithaml, V. A. (1997). Customer contributions and roles in service delivery. International Journal of Service Industry Management, 8(3), 193-205.; Warren et al., 1982). Dessa forma, a coprodução pode ser uma forma eficaz de atingir os objetivos do Estado, porém, a quantidade limitada de pesquisas que investigam os resultados da coprodução no setor público impossibilita a elaboração de conclusões generalizáveis (Verschuere et al., 2012Verschuere, B., Brandsen, T., & Pestoff, V. (2012). Co-production: the state of the art in research and the future agenda. Voluntas, 23(4), 1083-1101.).

Assim, este estudo define coprodução em serviços de Justiça como:

  • Cooperação e comunicação entre os atores envolvidos com o serviço em busca de um consenso sobre a melhor solução para o conflito.

Nesta definição, enfatiza-se a importância da flexibilidade e da comunicação entre os cidadãos que utilizam os serviços de Justiça e a natureza colaborativa da coprodução. No caso específico da conciliação judicial, a coprodução ocorre entre o conciliador e as partes litigantes, bem como entre os cidadãos envolvidos no conflito, que devem comunicar-se para chegar a um consenso sobre a melhor solução para o problema em questão.

Para identificar o estado da arte sobre os resultados da coprodução, realizou-se uma busca sistemática na literatura, adotando como palavras-chave: coprodução e satisfação; coprodução e satisfação; efeitos e coprodução; efeitos e coprodução; resultado e coprodução; resultado e coprodução; coproduction e satisfaction; co-production e satisfaction; effects e coproduction; effects e co-production; results e coproduction; results e co-production. As palavras-chave foram escolhidas por esta pesquisa investigar os efeitos da coprodução nos resultados da conciliação judicial. Essa busca foi realizada no título, no resumo e nas palavras-chave dos artigos publicados em periódicos revisados por pares, no portal de periódicos da Capes, sem recorte temporal. Dos 28 artigos encontrados, 11 foram descartados por abordarem outras áreas de conhecimento, resultando em 17 artigos selecionados. Esse resultado corrobora as lacunas de pesquisa já identificadas na literatura, que aponta a escassez de estudos que investigam o impacto da coprodução para o serviço (Chen, Tsou, & Ching, 2011Chen, J.-S., Tsou, H.-T, & Ching, R. K. H. (2011). Co-production and its effects on service innovation. Industrial Marketing Management, 40(8), 1331-1346.; Verschuere et al., 2012Verschuere, B., Brandsen, T., & Pestoff, V. (2012). Co-production: the state of the art in research and the future agenda. Voluntas, 23(4), 1083-1101.) e os efeitos da coprodução na percepção da qualidade dos serviços prestados (Verschuere et al., 2012).

Um dos artigos selecionados aborda uma maior complexidade do setor público para realizar pesquisas desse tipo, pois existe uma dificuldade inerente ao setor público: mensurar valor (Kelly, 2005Kelly, J. M. (2005). The dilemma of the unsatisfied customer in a market model of public administration. Public Administration Review, 65(1), 76-84.). O esforço para atender simultaneamente a todos os stakeholders leva os gestores a focar indicadores internos de desempenho e não indicadores externos de criação de valor para o usuário, porém, os indicadores internos não conseguem mensurar todos os resultados e a eficiência real do serviço (Kelly, 2005). Os resultados no serviço público devem ser medidos levando em consideração a satisfação do usuário com o serviço prestado, e a avaliação da satisfação dos cidadãos em relação aos serviços públicos provê uma medida significativa dos resultados do serviço para os usuários. Isso ocorre porque, muitas vezes, indicadores internos dos órgãos públicos levam em consideração o processo de prestação do serviço, não abordando a relação entre a prestação do serviço e a satisfação do usuário, bem como o nível de alcance dos objetivos dos serviços e os resultados gerados para a sociedade (Kelly, 2005). Dessa forma, justifica-se a realização deste estudo e a utilização de pesquisas de satisfação com os usuários do serviço público de conciliação judicial do TJDFT.

Alguns estudos já constataram que a coprodução está associada à melhoria da percepção dos usuários da qualidade e do valor gerado pelo serviço (Anderson & Sullivan, 1993Anderson, E. W., & Sullivan, M. W. (1993). The antecedents and consequences of customer satisfaction for firms. Marketing Science, 12(2), 125-143.; Kelley, Donnelly, & Skinner, 1990Kelley, S. W., Donnelly, J. H., Jr., & Skinner, S. J. (1990). Customer participation in service production and delivery. Journal of Retailing, 66(3), 315-325.; Pestoff, 2012Pestoff, V. (2012). Co-production and third sector social services in Europe: some crucial conceptual issues. In V. Pestoff, T. Brandsen, & B. Verschuere (Eds.), New public governance, the third sector and co-production (pp. 13-35). London, England: Routledge.; Thomas, Ott, & Liese, 2011Thomas, T., Ott, S., & Liese, H. (2011). Coproduction, participation and satisfaction with rehabilitation services following the 2001 earthquake in Gujarat, India. International Social Work, 54(6), 751-766.). Troye e Supphellen (2012Troye, S., & Supphellen, M. (2012). Consumer participation in coproduction: “I made it myself” effects on consumers’ sensory perceptions and evaluations of outcome and input product. Journal of Marketing, 76(2), 33-46.) concordam com essa relação ao afirmar que a participação do usuário no processo de prestação do serviço pode ser associada à crescente satisfação tanto com o serviço ofertado quanto com seus resultados. Dessa maneira, converge-se para a primeira e segunda hipóteses deste estudo:

Hipótese 1: A ocorrência da coprodução aumenta a probabilidade das partes litigantes terem uma percepção positiva dos resultados do serviço para os usuários da conciliação judicial do TJDFT.

Hipótese 2: A ocorrência da coprodução aumenta a probabilidade das partes litigantes terem uma percepção positiva da imagem do Poder Judiciário.

Ademais, a literatura identifica que a percepção de resultados do serviço também está atrelada à percepção de competências do prestador do serviço (Shim, Sheu, Chen, Jiang, & Klein, 2010Shim, J. T., Sheu, T. S., Chen, H.-G., Jiang, J. J., & Klein, G. (2010). Coproduction in successful software development projects. Information and Software Technology, 52(10), 1062-1068.; Zainuddin, Russel-Bennett, & Previte, 2013Zainuddin, N., Russel-Bennett, R., & Previte, J. (2013). The value of health and wellbeing: an empirical model of value creation in social marketing. European Journal of Marketing, 47(9), 1504-1524.). O estudo de Zainuddin et al. (2013), realizado no setor saúde, identificou que tanto as competências técnicas quanto as comportamentais do prestador do serviço influenciam a percepção de valor do usuário. Dessa forma, apresentam-se as demais hipóteses deste estudo:

Hipótese 3: A percepção da presença das competências do prestador de serviços aumenta a probabilidade de percepção positiva dos resultados para os usuários do serviço de conciliação judicial do TJDFT.

Hipótese 3a: A percepção da presença das competências do prestador de serviços aumenta a probabilidade das partes litigantes terem uma percepção positiva dos resultados para os usuários do serviço de conciliação judicial do TJDFT.

Hipótese 3b: A percepção da presença das competências do prestador de serviços aumenta a probabilidade dos advogados terem uma percepção positiva dos resultados para os usuários do serviço de conciliação judicial do TJDFT.

Hipótese 4: A percepção da presença das competências do prestador de serviços aumenta a probabilidade de percepção positiva da imagem do Poder Judiciário.

Hipótese 4a: A percepção da presença das competências do prestador de serviços aumenta a probabilidade das partes litigantes terem uma percepção positiva da imagem do Poder Judiciário.

Hipótese 4b: A percepção da presença das competências do prestador de serviços aumenta a probabilidade dos advogados terem uma percepção positiva da imagem do Poder Judiciário.

Hipótese 5: A percepção positiva dos resultados do serviço para o usuário aumenta a probabilidade da percepção positiva da imagem do Poder Judiciário.

Hipótese 5a: A percepção positiva dos resultados do serviço para o usuário aumenta a probabilidade das partes litigantes terem uma percepção positiva da imagem do Poder Judiciário.

Hipótese 5b: A percepção positiva dos resultados do serviço para o usuário aumenta a probabilidade dos advogados terem uma percepção positiva da imagem do Poder Judiciário.

3. MÉTODO

Para consecução deste estudo, utilizaram-se os dados provenientes da pesquisa de satisfação da conciliação judicial do TJDFT, preenchidas entre janeiro de 2013 e outubro de 2014. O instrumento foi elaborado pelos servidores do TJDFT, com base nas exigências e normas do CNJ, para mensurar os resultados gerados pela conciliação e a satisfação do cidadão usuário do serviço. Essa iniciativa vai ao encontro da literatura, que argumenta que o resultado de um serviço público deve ser mensurado não apenas por indicadores de processos internos, mas também em termos da percepção do cidadão em relação ao valor gerado, e visa, principalmente, a fornecer insumos para tomada de decisões e planejamento de melhorias do serviço de conciliação judicial do TJDFT.

O questionário foi construído em 2012, após a realização de levantamento de outros sistemas de avaliações existentes, benchmarking em órgãos públicos brasileiros e tribunais norte-americanos, consultas às resoluções e aos normativos do CNJ e pesquisas acadêmicas sobre parâmetros utilizados em pesquisas de qualidade em serviços de conciliação no âmbito nacional e internacional. Após sua elaboração, o questionário passou por uma etapa de validação com servidores, supervisores e coordenadores do tribunal, bem como com os cidadãos usuários do serviço. Apesar disso, o instrumento não passou por nenhum tipo de validação psicométrica ou análise estatística mais robusta antes desta pesquisa.

Os questionários são entregues ao final da audiência, são respondidos sem a presença do conciliador e seu preenchimento não é obrigatório. Caso os cidadãos e advogados optem por participar na pesquisa, o formulário é depositado em uma urna de avaliações, localizada fora da sala de audiência. Os questionários são tabulados por servidores do órgão e os dados não recebem nenhum tipo de tratamento.

No instrumento, os itens que mensuravam os resultados da conciliação judicial, a visão do Poder Judiciário e a coprodução, este último presente apenas nos questionários das partes, tinham três opções de resposta: “sim”; “não”; e “em parte”. Para os fins deste estudo, os dados foram transformados em dicotômicos e foram excluídos todos os casos em que os respondentes marcaram “em parte” em um ou mais itens, pois essas respostas não são conclusivas, levando em consideração os fenômenos investigados. Esses dados foram, então, transformados, atribuindo-se o valor 1 para “sim” e 0 para “não”. Os itens que mensuram as competências do prestador são associados a uma escala de 6 pontos, de 1 a 5, além da opção “N/A” (não se aplica). O item que mensura as expectativas das partes e advogados é categórico e composto por quatro opções de resposta: “superadas”; “atendidas”; “parcialmente atendidas”; e “não atendidas”. Para que essa variável fosse transformada em dicotômica, atribuiu-se o número 1 para as respostas “superadas” e “atendidas”, uma vez que indicam um resultado positivo para o cidadão, e o número 0 para as respostas “parcialmente atendidas” e “não atendidas”, pois representam um resultado não satisfatório para o usuário do serviço.

No tratamento dos dados, optou-se por excluir todos os casos omissos e casos extremos, resultando na amostra final de 1.735 casos das partes litigantes e 764 dos advogados. Ambos os instrumentos foram, então, submetidos à análise fatorial exploratória. Os resultados dos testes U de Mann-Whitney indicaram que existe diferença estatística significativa entre os grupos de requerentes e requeridos do processo, tanto na amostra das partes quanto na dos advogados. Os requerentes são os cidadãos e os advogados que entram com o processo judicial ou pedido de conciliação, demandando a solução de algum conflito. Já os requeridos são as partes citadas nesses processos, que recebem uma notificação do tribunal para comparecer à sessão de conciliação e participar da solução do conflito. Dessa forma, pela diferença entre a percepção desses dois atores, esta pesquisa analisou os dois grupos separadamente nas etapas de regressão.

Os modelos teóricos hipotetizados foram testados utilizando a regressão logística stepwise forward e os resultados estatísticos foram complementados com a análise de conteúdo das questões abertas e comentários dos participantes. Para efeitos da análise qualitativa, foram consideradas as três perguntas abertas dos questionários, a saber:

  1. “Se não houve acordo, o que você acredita ter gerado o impasse?”;

  2. “Comentários sobre os resultados da conciliação”; e

  3. “Elogios, sugestões e críticas sobre a conciliação”.

Foram analisadas 1.194 questões abertas respondidas pelas partes e 854 questões dos advogados, que foram categorizadas de acordo com o assunto ou o tema de que tratavam e com a recorrência que foram citadas (Bardin, 2006Bardin, L. (2006). Análise de conteúdo. Lisboa, Portugal: Ed. 70.). A saturação foi atingida em ambos os casos e as categorias de análise corroboraram os resultados obtidos pelas análises quantitativas e variáveis e fenômenos investigados por este estudo.

4. RESULTADOS

Esta seção apresenta os resultados das análises fatoriais exploratórias, dos modelos empíricos testados e a análise qualitativa das questões abertas. Os resultados apresentados são discutidos posteriormente.

4.1 VERIFICAÇÃO DE EVIDÊNCIAS DE VALIDADE DOS INSTRUMENTOS

O teste de KMO dos dados da medida de satisfação das partes foi de 0,895 e o alfa de Cronbach da escala foi de 0,845. Foram extraídos quatro fatores que explicam 75,52% da variância total dos itens e os agrupamentos apresentam lógica conceitual e alinhamento com as teorias utilizadas por esta pesquisa. Os quatro fatores são: coprodução; competências do prestador do serviço; resultados do serviço de conciliação judicial para o cidadão; e resultados do serviço para o Poder Judiciário. As cargas fatoriais foram satisfatórias, entre 0,966 e 0,652, e nenhuma das variáveis apresentou cargas cruzadas. Os alfas de Cronbach dos fatores também foram aceitáveis, variando de 0,968 a 0,766. O Quadro 1 apresenta a estrutura fatorial do questionário de satisfação das partes litigantes.

Quadro 1
Estrutura fatorial do questionário de satisfação das partes

Sobre a medida de satisfação dos advogados, a fatorabilidade dos dados dessa escala foi comprovada pelo índice de KMO, que teve valor de 0,911. A confiabilidade e consistência interna da escala foi confirmada pelo alfa de Cronbach de 0,852. Extraíram-se três fatores que explicam 69,51% da variância total dos itens e o agrupamento das questões em fatores confirmou o que era esperado com base na lógica conceitual deste estudo. Os fatores são: competências do prestador do serviço, resultados do serviço para o Poder Judiciário e resultados do serviço de conciliação judicial para o cidadão. As cargas fatoriais variam entre 0,961 e 0,602. Nenhum dos itens apresentou cargas cruzadas, e os alfas de Cronbach dos fatores também foram aceitáveis, de 0,965 a 0,642, apesar de terem sido um pouco mais baixos do que na medida de satisfação das partes. O Quadro 2 apresenta a estrutura fatorial do questionário de satisfação das partes litigantes.

Quadro 2
Estrutura fatorial do questionário de satisfação dos advogados

4.2 MODELOS EMPÍRICOS

Com base na literatura apresentada, dos fenômenos abarcados por esta pesquisa e os resultados da análise fatorial exploratória, definiram-se os modelos empíricos para serem testados por meio da regressão logística. Devido à diferença entre as médias identificadas pelo teste U de Mann-Whitney, os modelos de regressão foram realizados tanto na amostra do questionário das partes de forma geral quanto para as distintas posições no processo, requerente ou requerido. O mesmo foi realizado na amostra do questionário dos advogados. Uma vez que as respostas da amostra final estavam bem distribuídas entre os grupos, com 47,9% dos questionários de partes requerentes e 52,1% de partes requeridas, 47% correspondiam aos advogados requerentes e 53% aos advogados requeridos, não houve problemas de efeitos de tamanho de amostra distintos nos resultados.

4.2.1 MODELOS EMPÍRICOS DA MEDIDA APLICADA ÀS PARTES LITIGANTES

O primeiro modelo testou a relação entre a coprodução e as competências do prestador do serviço nos resultados do serviço para o cidadão, sob a ótica das partes (H1: a ocorrência da coprodução aumenta a probabilidade das partes litigantes terem uma percepção positiva dos resultados do serviço para os usuários da conciliação judicial do TJDFT; e H3a: a percepção da presença das competências do prestador de serviços aumenta a probabilidade das partes litigantes terem uma percepção positiva dos resultados para os usuários do serviço de conciliação judicial do TJDFT). A Tabela 1 apresenta os principais resultados da regressão logística para esse modelo, contemplando a amostra geral, das partes requerentes e requeridas.

Tabela 1
Regressão logística da variável dependente Resultados do serviço para o cidadão - partes litigantes

Observa-se que, estatisticamente, os resultados das partes requerentes foram um pouco melhores do que os das partes requeridas, levando-se em consideração a estatística de Wald, o Exp(B) e o R2 de Nagelkerke. Esses resultados significam que a variável coprodução tem um papel maior para o primeiro grupo do que para o segundo. Além disso, a variável competências do prestador do serviço não foi incluída em nenhum dos dois modelos, demonstrando que essa variável não tem impacto significativo na predição dos resultados do serviço para o cidadão. Com base nesses resultados, a H1 foi confirmada e a H3a foi rejeitada neste estudo.

O segundo modelo elaborado para a medida de satisfação das partes teve por objetivo identificar a relação entre a coprodução, as competências do prestador do serviço e os resultados para o cidadão na percepção da imagem do Poder Judiciário, sob a ótica das partes. As hipóteses testadas foram:

Hipótese 2: A ocorrência da coprodução aumenta a probabilidade das partes litigantes terem uma percepção positiva da imagem do Poder Judiciário.

Hipótese 4a: A percepção da presença das competências do prestador de serviços aumenta a probabilidade das partes litigantes terem uma percepção positiva da imagem do Poder Judiciário.

Hipótese 5a: A percepção positiva dos resultados do serviço para o usuário aumenta a probabilidade das partes litigantes terem uma percepção positiva da imagem do Poder Judiciário.

A Tabela 2 apresenta os principais resultados da regressão logística para esse modelo.

Tabela 2
Regressão logística da variável dependente Resultados para a imagem do Poder Judiciário - partes litigantes

Com base nos resultados apresentados, constata-se que, nesse segundo modelo, todas as variáveis independentes são estatisticamente significativas e contribuem para uma percepção positiva da imagem do Poder Judiciário, enquanto para as partes requeridas apenas o fator de coprodução foi incluído no modelo e, mesmo assim, com o valor de B, a estatística de Wald e o R2 de Nagelkerke baixos. Apesar da amostra das partes requeridas ter apresentado esses resultados, no modelo de regressão com a amostra geral das partes, as variáveis competências e resultados do serviço para o cidadão foram incluídas no modelo, junto com a coprodução. Assim, esses resultados confirmaram a H2, H4a e H5a.

4.2.2 MODELOS EMPÍRICOS DA MEDIDA APLICADA AOS ADVOGADOS

Assim como na amostra do questionário das partes, foram definidos dois modelos empíricos para a medida de satisfação dos advogados. Um dos modelos delineados teve por objetivo identificar os efeitos das competências do prestador do serviço nos resultados do serviço para o cidadão, sob a ótica dos advogados (H3b). Os resultados desse modelo não foram significativos, nem na amostra total de advogados nem para os requeridos ou requerentes. Dessa forma, os resultados desta pesquisa rejeitaram a H3b.

O segundo modelo buscou testar a relação entre as competências do prestador do serviço e os resultados do serviço para o usuário na percepção da imagem do Poder Judiciário, sob a ótica dos advogados (H4b: a percepção da presença das competências do prestador de serviços aumenta a probabilidade dos advogados terem uma percepção positiva da imagem do Poder Judiciário; e H5b: A percepção positiva dos resultados do serviço para o usuário aumenta a probabilidade dos advogados terem uma percepção positiva da imagem do Poder Judiciário). A Tabela 3 apresenta os principais resultados da regressão logística, contemplando os resultados da amostra geral, dos advogados requerentes e requeridos.

Tabela 3
Regressão logística da variável dependente Resultados para a imagem do Poder Judiciário - Advogados

Observa-se, pelos resultados apresentados, que os advogados requerentes e requeridos têm uma percepção muito semelhante a respeito dos resultados para o Poder Judiciário. Para os advogados respondentes, apenas os resultados da conciliação judicial para o cidadão usuário do serviço predizem a variável dependente testada e, assim como ocorreu no primeiro modelo, as competências do prestador do serviço não foram incluídas, não contribuindo para a imagem do Judiciário. Assim, a H4b foi rejeitada e a H5b foi confirmada nesta pesquisa.

4.3 ANÁLISES QUALITATIVAS

Esta subseção apresenta os resultados das análises qualitativas das respostas às questões abertas dos questionários de satisfação das partes litigantes e dos advogados. Após a análise das 4.256 e 1.811 respostas abertas das partes litigantes e dos advogados, respectivamente, os dados foram agrupados em categorias, observando a recorrência, saturação e fenômenos e variáveis abordados nesta pesquisa.

4.3.1 PARTES LITIGANTES

Após a análise, as informações foram agrupadas em quatro categorias principais, que estão relacionadas com as variáveis abordadas por esta pesquisa, a saber: Relacionamento entre as partes; Competências dos conciliadores; Satisfação com o serviço; e Infraestrutura. Cada uma dessas categorias será descrita a seguir.

Na categoria “Relacionamento entre as partes” são citadas, com muita frequência, questões relacionadas com a falta de abertura e interesse da outra parte em negociar, bem como questões comportamentais. Na categoria “Competências dos conciliadores”, os respondentes apontaram tanto fatores positivos (326 comentários) quanto pontos negativos (59 comentários). As respostas positivas abordam aspectos como o fato do conciliador ter transmitido confiança, apresentado as informações com clareza, facilitado a comunicação e a negociação. As questões negativas citavam a falta de objetividade, o excesso de formalismo e a apresentação dos fatos de forma parcial.

A “Satisfação com o serviço” abarca, principalmente, a importância da conciliação judicial para a sociedade, aspectos que deixaram os usuários satisfeitos e como o serviço contribuiu para a resolução daquele conflito, apesar de nem todas as respostas dessa categoria terem surgido de sessões que terminaram em acordo. Por fim, a categoria “Infraestrutura” é composta principalmente por reclamações. As de maior recorrência estavam relacionadas com a sinalização para chegada ao local de conciliação e no interior do prédio, a climatização do ambiente e a dificuldade de acesso daquelas pessoas que dependem de transporte público. Esses resultados demonstram que as expectativas dos usuários desse serviço vão muito além apenas do resultado da conciliação judicial, mas abarcam toda a experiência que o cidadão teve desde o momento que saiu de sua casa para que aquele serviço pudesse ser prestado.

O Quadro 3 apresenta um resumo das categorias e algumas evidências de citações das respostas dos participantes.

Quadro 3
Análise qualitativa das respostas das partes

4.3.2 ADVOGADOS

Na análise das respostas qualitativas dos advogados, surgiram categorias muito semelhantes às das partes: Relacionamento entre as partes; Competências dos conciliadores; Resultados do serviço; e Atendimento e infraestrutura. Essas categorias são descritas a seguir.

Apesar de não haver questões sobre coprodução no questionário dos advogados, essa foi a categoria mais recorrente nas respostas dos participantes. A percepção que os advogados têm sobre essa categoria é muito semelhante à percepção apresentada pelas partes, de que o mau “Relacionamento entre as partes” no processo é uma das principais causas para a conciliação não terminar em acordo. Os advogados, além de identificar posturas que dificultam a coprodução, apontaram que, muitas vezes, as empresas têm um posicionamento e uma estratégia de não conciliar, não apresentando proposta de acordo na audiência de conciliação. Essa postura impossibilita o acordo e gera insatisfação na parte contrária.

Na categoria “Competências dos conciliadores”, 81 comentários se referiram a características positivas e 42 a características negativas. Sobre as habilidades positivas apresentadas, os advogados destacaram a imparcialidade de alguns conciliadores, a capacitação, a habilidade de comunicação e de conduzir a audiência. Entretanto, vários respondentes indicaram que a parte inicial da audiência, destinada à apresentação do caso, é muito longa, cansativa e repetitiva, principalmente quando as partes estão acompanhadas de advogados, bem como a falta de neutralidade e a insistência em buscar um acordo por parte de alguns conciliadores.

A respeito da categoria “Resultados do serviço”, os advogados levantaram questões como o aumento da celeridade para o Judiciário, a diminuição de custos com o processo, a facilitação do acesso à Justiça a todos e, também, a possibilidade de solucionar conflitos de forma mais rápida. Na última categoria, “Atendimento e infraestrutura”, os advogados respondentes reclamaram do atendimento, da cordialidade de alguns funcionários, da falta de informação e de algumas falhas de comunicação. Apontaram, ainda, várias oportunidades de aprimoramento, como melhoria da climatização, dos móveis da sala de audiência, da sinalização interna do fórum. Assim como as partes, os advogados também indicaram problemas como o trânsito para chegar ao tribunal e a dificuldade de acesso daquelas pessoas que dependem de transporte público.

As categorias, frequências e evidências encontradas nos questionários são apresentadas no Quadro 4.

Quadro 4
Análise qualitativa das respostas dos advogados

5. DISCUSSÃO

Como no setor público a mensuração da inovação, no caso a conciliação judicial, é realizada por meio da percepção dos diferentes atores envolvidos (partes e advogados) sobre o valor público gerado (Hartley, 2008Hartley, J. (2008). The innovation landscape for public service organizations. In J., Hartley, C. , Donaldson, C,Skelcher, & M., Wallace (Eds.), Managing to improve public services (pp. 197-216). Cambridge, England: Cambridge University Press.), os efeitos da inovação para a sociedade e para o serviço público foram mensurados por meio da percepção de satisfação dos agentes envolvidos em relação aos resultados para o cidadão e para o Poder Judiciário. Tomou-se essa decisão porque a inovação já surgiu e foi incorporada ao serviço prestado pelo TJDFT, assim, entendem-se os resultados ou efeitos da inovação como resultados da conciliação judicial.

Os resultados apresentados na seção anterior e resumidos no Quadro 5 são discutidos em duas subseções, uma para a amostra das partes litigantes e outra para os advogados.

Quadro 5
Resultados das hipóteses testadas

5.1 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS - PARTES LITIGANTES

Em relação à H1, a coprodução apresenta um efeito positivo sobre a variação de resultados para o cidadão maior quando a parte é requerente [Exp(B) = 4,633] do que quando a parte é requerida [Exp(B) = 2,403]. Esses valores indicam que, quando a parte é requerente e existe a presença de coprodução, a probabilidade de observarem-se, também, resultados positivos para o cidadão é quase o dobro do que quando a parte é requerida. Ou seja, para os cidadãos requerentes, a importância dada ao fato de sentirem-se compreendidos e compreenderem a outra parte é maior. Isso pode ser consequência da própria forma como o conflito foi gerado e o processo judicial foi montado; a parte que entra com o processo na Justiça, muitas vezes, tem mais vontade de solucionar aquela questão do que a parte que foi acionada. Esses resultados foram evidenciados na análise qualitativa, na qual a maioria dos comentários e das reclamações relativos à falta de relacionamento entre as partes e à postura apresentada na sessão de conciliação decorreu das questões abertas respondidas por partes requerentes.

Além disso, no Quadro 1 se percebe que a maioria dos comentários válidos fazia menção à falta de coprodução e aos problemas de relacionamento entre as partes, indicando que os respondentes atribuem o sucesso e o insucesso do serviço de conciliação judicial no TJDFT à variável coprodução. Uma vez que a contribuição de uma inovação deve ser analisada em termos de valor público (Benington, 2011Benington, J. (2011). From private choice to public value? In J,. Benington, & M., Moore (Eds.), Public value: theory and practice (pp. 31-51). Basingstoke, England: Macmillan.), da contribuição gerada à esfera pública (Hartley, 2011Hartley, J. (2011). Public value through innovation and improvement. In J., Benington, & M. H., Moore (Eds.), Public value: theory and practice (pp. 171-184). Basingstoke, England: Palgrave. ) e que valor público é definido em termos do que a sociedade valoriza (Benington, 2011Benington, J. (2011). From private choice to public value? In J,. Benington, & M., Moore (Eds.), Public value: theory and practice (pp. 31-51). Basingstoke, England: Macmillan.), pode-se afirmar que, no caso da conciliação judicial do TJDFT, o valor público gerado pela inovação e, consequentemente, pelo serviço é entregue à sociedade por meio da coprodução.

Esse resultado corrobora a literatura, que aponta que a coprodução está associada ao aumento da percepção de qualidade e valor gerado pelo serviço aos usuários (Anderson & Sullivan, 1993Anderson, E. W., & Sullivan, M. W. (1993). The antecedents and consequences of customer satisfaction for firms. Marketing Science, 12(2), 125-143.; Bifulco & Ladd, 2006Bifulco, R., & Ladd, H. F. (2006). Institutional change and coproduction of public services: the effect of charter schools on parental involvement. Journal of Public Administration Research and Theory, 16(4), 553-576.; Brudney & England, 1983Brudney, J. L., & England, R. E. (1983). Toward a definition of the coproduction concept. Public Administration Review, 43(1), 59-65.; Kelley et al., 1990Kelley, S. W., Donnelly, J. H., Jr., & Skinner, S. J. (1990). Customer participation in service production and delivery. Journal of Retailing, 66(3), 315-325.; Pestoff, 2012Pestoff, V. (2012). Co-production and third sector social services in Europe: some crucial conceptual issues. In V. Pestoff, T. Brandsen, & B. Verschuere (Eds.), New public governance, the third sector and co-production (pp. 13-35). London, England: Routledge.) e que a experiência do cidadão no serviço depende quase inteiramente da coprodução, ou seja, quanto maior a interação, maior a possibilidade do serviço atender às necessidades do cliente e maior o valor gerado para o usuário (Needham, 2008Needham, C. (2008). Realising the potential of co-production: negotiating improvements in public services. Social Policy & Society, 7(2), 221-231.). A coprodução em serviços públicos também faz com que o cidadão assuma maior responsabilidade pelos resultados da prestação do serviço (Brudney & England, 1983Brudney, J. L., & England, R. E. (1983). Toward a definition of the coproduction concept. Public Administration Review, 43(1), 59-65.), o que explica a atribuição da falta de acordo no serviço de conciliação judicial nas questões abertas do questionário a problemas de interação e coprodução entre as partes.

Freire (2006Freire, M. D. (2006). Administração alternativa de conflitos: perspectivas para a ampliação do acesso à Justiça e a prevenção à violência. In C. ,Slakmon, M. R., Machado, & P. C., Bottini (Orgs.), Novas direções na governança da Justiça e da segurança (pp. 113-130). Brasília, DF: Ministério da Justiça .) afirma que o acesso à Justiça e à justiça restaurativa, por aumentarem a eficiência e a eficácia dos processos judiciais e pré-judiciais, são capazes de contribuir para a prevenção da violência e a criação de uma cultura de resolução pacífica de conflitos na sociedade, podendo, inclusive, reduzir os índices de criminalidade, principalmente dos crimes oriundos de pequenos conflitos e desentendimentos. Dessa forma, de maneira mais ampla, a coprodução pode ser o principal meio para que a conciliação judicial tenha êxito, evitando que conflitos pequenos e pouco complexos tomem proporções maiores em processos judiciais que demorariam anos nos tribunais, ou, ainda, sejam motivos de crimes gerados na própria comunidade, como brigas entre vizinhos, pequenos furtos, lesões corporais e homicídios.

Outro ponto que se destaca é o fato de apenas dois itens do questionário fazerem parte do fator de coprodução, a saber: “Sentiu-se melhor compreendido(a) pela outra parte” e “Sentiu que compreende melhor a outra parte”. Isso reforça o caráter relacional desse tipo de inovação (Djellal & Gallouj, 2005Djellal, F., & Gallouj, F. (2005). Mapping innovation dynamics in hospitals. Research Policy, 34(6), 817-835.), que surgiu para suprir uma deficiência do Poder Judiciário, aumentando a interação e a colaboração entre as partes, o que possibilita a resolução do conflito por meio do diálogo eficaz e da busca de um consenso, para que os envolvidos no processo sintam que ganharam algo (Campos, 2009Campos, J. P. (2009). A conciliação judicial (Dissertação de Mestrado). Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal.; Silva, 2012Silva, E. B. (2012). A efetividade da prestação jurisdicional civil a partir da conciliação (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.).

A H3a indicava que a percepção de presença das competências do prestador do serviço aumenta a probabilidade das partes terem uma percepção positiva dos resultados para os usuários do serviço de conciliação judicial do TJDFT. Embora a literatura aponte que as competências do prestador são um fator essencial para a qualidade gerada pelo serviço (Djellal, Gallouj, & Miles, 2013Djellal, F., Gallouj, F., & Miles, I. (2013). Two decades of research on innovation in services: which place for public services? Structural Change and Economic Dynamics, 2013(27), 98-117.; Gallouj & Savona, 2010Gallouj, F., & Savona, M. (2010). Towards a theory of innovation in services: a state of the art. In F., Gallouj, & F. ,Djellal (Eds.), The handbook of innovation and services (pp. 27-48). Northampton, MA: Edward Elgar.; Gallouj & Weinstein, 1997Gallouj, F., & Weinstein, O. (1997). Innovation in services. Research Policy, 26(4-5), 537-556.; Shim et al., 2010Shim, J. T., Sheu, T. S., Chen, H.-G., Jiang, J. J., & Klein, G. (2010). Coproduction in successful software development projects. Information and Software Technology, 52(10), 1062-1068.; Zainuddin et al., 2013Zainuddin, N., Russel-Bennett, R., & Previte, J. (2013). The value of health and wellbeing: an empirical model of value creation in social marketing. European Journal of Marketing, 47(9), 1504-1524.), essa hipótese não foi confirmada pelo modelo empírico testado. Analisando as características do serviço investigado, percebe-se que o conciliador atua conferindo suporte, não prestando o serviço em si, pois seu papel é promover a comunicação e a reflexão das partes por meio de diversos tipos de questionamento, mantendo-se neutro e imparcial (Silva, 2012Silva, E. B. (2012). A efetividade da prestação jurisdicional civil a partir da conciliação (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.). Os conciliadores são capacitados para auxiliar os cidadãos na resolução do conflito por meio do diálogo eficaz (Silva, 2012Silva, E. B. (2012). A efetividade da prestação jurisdicional civil a partir da conciliação (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.), podendo colaborar para a obtenção do acordo por meio de sugestões, porém, não são os responsáveis pela resolução do conflito (Campos, 2009Campos, J. P. (2009). A conciliação judicial (Dissertação de Mestrado). Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal.). Dessa forma, o resultado do serviço depende mais da coprodução entre as partes do que da atuação do conciliador. Apesar disso, as Competências dos conciliadores constituíram uma categoria muito recorrente na análise qualitativa, demonstrando que a atuação do conciliador é reconhecida como importante pelas partes, mesmo que não tenham explicado a variável dependente no modelo, resultados do serviço para o usuário.

A H2, que previa que a ocorrência de coprodução aumenta a probabilidade das partes terem uma percepção positiva da imagem do Poder Judiciário, foi confirmada tanto para as partes requerentes [Exp(B) = 2,605] quanto para as requeridas [Exp(B) = 1,746]. Mais uma vez, a razão de chance do modelo das partes para o fator de coprodução é maior para as requerentes do que para as requeridas. Uma das razões para a relevância desse fenômeno para os serviços públicos é a capacidade da coprodução de solucionar diversas barreiras que inibem a eficiência na prestação de serviços públicos (Needham, 2008Needham, C. (2008). Realising the potential of co-production: negotiating improvements in public services. Social Policy & Society, 7(2), 221-231.) e o aumento da eficiência dos serviços prestados gera uma imagem institucional positiva.

Em relação à H4a, de que as competências do prestador do serviço apresentam um efeito positivo sobre a variação de resultados para a imagem do Poder Judiciário, as razões de chance não foram altas, evidenciando que as competências são o fator investigado que menos contribui para a imagem positiva do Judiciário. Tal resultado é interessante, pois as competências dos prestadores do serviço não predizem os resultados do serviço para o cidadão, demonstrando que, apesar das partes atribuírem o resultado da conciliação judicial apenas à coprodução, a presença das competências do conciliador impacta a percepção da imagem do Poder Judiciário. Esses resultados corroboram as informações geradas pela análise qualitativa, em que os elogios ao nível de preparo e capacitação dos conciliadores foram muito recorrentes.

Já na H5a, o fator resultados do serviço para o cidadão apresenta um efeito positivo sobre a variação de resultados para a imagem do Poder Judiciário quando a parte é requerente [Exp(B) = 3,451] e na amostra geral [Exp(B) = 1,999], mas não tem significância estatística quando a parte é requerida. A conciliação judicial, assim como a maior parte das inovações no serviço público, tem por objetivo aumentar a eficiência do Judiciário (Lynn, 2013Lynn, L. E Jr. (2013). Innovation and reform in public administration: one subject or two? In S. P. Osborne, & L. Brown (Eds.), The handbook of innovation in public services (pp. 29-43). Northampton, MA: Edward Elgar .), mais especificamente a celeridade dos processos judiciais e a proximidade entre a Justiça e a sociedade (Lima & Cruz, 2011Lima, T. C., & Cruz, M. V. G. (2011). O Conselho Nacional de Justiça e as reformas do Poder Judiciário: aspectos da tecnologia da informação. In Anais do 35o Encontro da Anpad. Rio de Janeiro, RJ. ). Dessa forma, já era esperado que a percepção dos resultados do serviço para o cidadão aumentasse a probabilidade de uma imagem positiva do Poder Judiciário. Essa percepção positiva também foi encontrada na análise qualitativa, na categoria Satisfação com o serviço.

De modo geral, os resultados demonstram que a conciliação judicial é uma forma de aumentar a moralização e a confiabilidade dos serviços de Justiça, bem como ampliar o acesso à Justiça e à cidadania. Por meio da coprodução inerente ao processo de conciliação, pode-se restabelecer padrões de reciprocidade entre a sociedade e o Poder Judiciário e focar a solução efetiva de conflitos, aumentando a credibilidade desses órgãos perante a sociedade. Esses aspectos já haviam sido citados em uma pesquisa realizada por F. F. Sauerbronn e J. F. R. Sauerbronn (2015Sauerbronn, F. F., & Sauerbronn, J. F. R. (2015). Representações sociais da reforma do Judiciário: um estudo baseado nas perspectivas dos servidores do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Revista de Administração Pública, 49(3), 719-737.) que analisou as representações sociais que permeavam as percepções de 263 servidores sobre a Reforma do Judiciário.

Apesar dos benefícios que a conciliação judicial pode trazer para os serviços de Justiça, percebe-se, pelos resultados da H4a e H5a, que os requeridos não se envolvem tanto no processo de conciliação judicial, dando menor importância aos resultados gerados. Isso pode ocorrer devido a grande número de sessões de conciliação serem destinadas à resolução de conflitos entre a parte litigante requerente e organizações como instituições bancárias, empresas de telecomunicação e empresas de transporte aéreo. Com isso, a maioria das partes requeridas consiste em prepostos de grandes empresas, que muitas vezes não têm autonomia para negociar ou não estão preparados para essa situação. Essa falta de interesse dos requeridos foi o comentário mais recorrente das partes requerentes nas questões abertas. Dessa forma, identifica-se a necessidade de conscientização das partes requeridas em relação aos objetivos e à importância da conciliação judicial, para aumentar o envolvimento com o serviço prestado, uma vez que, quanto maior o envolvimento e a participação de todas as partes interessadas no serviço, maior sua qualidade (Bitner et al., 1997Bitner, M. J., Faranda, W. T., Hubbert, A. R., & Zeithaml, V. A. (1997). Customer contributions and roles in service delivery. International Journal of Service Industry Management, 8(3), 193-205.; Needham, 2008Needham, C. (2008). Realising the potential of co-production: negotiating improvements in public services. Social Policy & Society, 7(2), 221-231.).

5.2 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS - ADVOGADOS

No primeiro modelo empírico testado para a amostra dos advogados, os resultados da regressão logística não foram significativos, podendo indicar que, na percepção dos advogados respondentes, as competências do prestador do serviço não aumentam nem diminuem a probabilidade de ocorrência de resultados positivos para o cidadão. Assim, os resultados deste estudo não confirmaram a H3b, de que a percepção da presença das competências do prestador de serviços aumenta a probabilidade dos advogados terem uma percepção positiva dos resultados para os usuários do serviço de conciliação judicial do TJDFT.

Já os resultados para a H4b, que previa que a percepção das competências do prestador do serviço aumenta a probabilidade dos advogados terem uma percepção positiva dos resultados para o Poder Judiciário, podem ser atribuídos ao fato da presença do advogado não ser obrigatória na conciliação judicial, ou seja, essa inovação foi implementada com foco no cidadão e os conciliadores foram treinados para atender às partes que não têm conhecimento jurídico e que têm um conflito pouco complexo. Com isso, os advogados, assim como os conciliadores, atuam no sentido de dar confiança e orientar as partes, não sendo responsáveis pela solução final. Dessa forma, a visão que o advogado tem do Poder Judiciário, que atua rotineiramente junto aos tribunais e fóruns do Distrito Federal, é composta por outras variáveis, que não as competências do prestador do serviço.

Apesar disso, a categoria de análise qualitativa Competências dos conciliadores demonstra que os advogados reconhecem a importância do conciliador judicial e das competências para a prestação do serviço. Os advogados são, inclusive, mais críticos em relação a essa categoria do que as partes, apresentando maior percentual de comentários explicitando habilidades que ainda precisam ser aprimoradas.

Em relação à H5b, observa-se que os advogados requeridos e os advogados requerentes têm uma percepção muito semelhante dos resultados para o Poder Judiciário. Por meio da análise qualitativa, percebe-se que os advogados consideram a conciliação judicial uma inovação do Poder Judiciário e que esse novo serviço gera muitos resultados positivos tanto para o cidadão quanto para a Justiça de forma geral. Essa percepção está alinhada aos principais objetivos da conciliação judicial: aumentar a celeridade dos processos judiciais e aproximar a Justiça da sociedade (Lima & Cruz, 2011Lima, T. C., & Cruz, M. V. G. (2011). O Conselho Nacional de Justiça e as reformas do Poder Judiciário: aspectos da tecnologia da informação. In Anais do 35o Encontro da Anpad. Rio de Janeiro, RJ. ). Essa visão corrobora, também, a expectativa do CNJ quanto à conciliação judicial, de que esse serviço apresente resultados positivos na solução eficaz das causas, bem como na redução de tempo, custos e transtornos emocionais das partes (Brasil, 2014Brasil. (2014). Conciliação. Brasília, DF: Conselho Nacional de Justiça .).

Outro ponto que merece destaque é que, apesar do questionário dos advogados não mensurar variáveis de coprodução, a categoria mais recorrente na análise qualitativa das questões abertas foi a de Relacionamento entre as partes. Os advogados identificaram, como causa principal do insucesso da conciliação judicial, problemas de relacionamento entre os envolvidos - e esse resultado, em conjunto com os observados nos modelos empíricos das partes, corrobora a relevância da coprodução para o serviço de conciliação judicial.

Além disso, há indícios, pela proporção de questões abertas preenchidas pelos advogados e pela quantidade de sugestões de melhorias, que, por estarem frequentemente nos fóruns e tribunais, também têm interesse em melhorar o serviço, já que continuarão a utilizá-lo. Essas idas rotineiras podem proporcionar mais insumos aos advogados para criticar e fazer comentários sobre o serviço, já que apresentam um conhecimento mais amplo do Poder Judiciário. Tais comentários e sugestões variam desde questões triviais de infraestrutura até questões mais complexas, como formas de aumentar o envolvimento dos diversos atores na prestação do serviço, meios de punição para que ambas as partes percebam a conciliação judicial com maior seriedade e maneiras de alocar os conciliadores com base no tempo de experiência para otimizar os resultados do serviço. Essa preocupação com o serviço é vista como positiva pela literatura de inovação e coprodução, que relata que o envolvimento dos stakeholders com a prestação do serviço frequentemente induz processos de inovação (Djellal et al., 2013Djellal, F., Gallouj, F., & Miles, I. (2013). Two decades of research on innovation in services: which place for public services? Structural Change and Economic Dynamics, 2013(27), 98-117.; Gallouj & Weinstein, 1997Gallouj, F., & Weinstein, O. (1997). Innovation in services. Research Policy, 26(4-5), 537-556.; Von Hippel, 1978Von Hippel, E. (1978). Successful industrial products from customer ideas. Journal of Marketing, 42(1), 39-49.), gerando resultados ainda melhores para o usuário e para a organização prestadora do serviço.

Alguns dos problemas apontados pelos advogados respondentes podem ser solucionados com a implementação do novo Código de Processo Civil, que institui que as partes deverão estar acompanhadas de advogados e que o não comparecimento injustificado de uma das partes à sessão de conciliação judicial será sancionado com multa (Lei n. 13.105, 2015Lei Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. (2015). Código de Processo Civil. Brasília, DF.). Essas medidas indicam que não é mais permitido que uma das partes falte à audiência com a justificativa de que não tem interesse em conciliar e que a presença do advogado se faz obrigatória para que ambos os lados tenham conhecimento das implicações jurídicas e consequências de fazer ou não o acordo na audiência. Assim, essas determinações legais podem aumentar o envolvimento e a importância do advogado no processo de conciliação judicial, bem como reduzir o desperdício de recursos públicos e o desgaste do cidadão nos casos em que a outra parte simplesmente não comparecia à audiência, pois não tinha interesse em conciliar.

6. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

Este trabalho buscou testar as relações entre a coprodução e as competências do prestador de serviços nos resultados da conciliação judicial no TJDFT a partir da percepção das partes litigantes e dos advogados usuários do serviço. A definição do objeto de estudo desta pesquisa se justificou pela necessidade de analisar a inovação no setor público não apenas em termos de melhorias no processo, mas em termos de valor público, investigando fatores que são valorizados pela sociedade (Hartley, 2011Hartley, J. (2011). Public value through innovation and improvement. In J., Benington, & M. H., Moore (Eds.), Public value: theory and practice (pp. 171-184). Basingstoke, England: Palgrave. ; Benington, 2011Benington, J. (2011). From private choice to public value? In J,. Benington, & M., Moore (Eds.), Public value: theory and practice (pp. 31-51). Basingstoke, England: Macmillan.). A partir dessa visão, optou-se por estudar a conciliação judicial, considerando tratar-se de uma inovação já implementada no TJDFT, por esse serviço ter por objetivo aumentar a celeridade dos processos judiciais, aproximar a Justiça da sociedade, bem como envolver os cidadãos na prestação do serviço e na solução de seus próprios conflitos judiciais.

O delineamento deste artigo também teve o intuito de reduzir algumas lacunas de pesquisa já apontadas na literatura, como a escassez de estudos que investigam os resultados da coprodução para serviço público, principalmente sob a ótica do usuário do serviço e da sua percepção de valor, bem como de suprir uma lacuna metodológica por meio da utilização de abordagens quantitativas de análise de dados (Verschuere et al., 2012Verschuere, B., Brandsen, T., & Pestoff, V. (2012). Co-production: the state of the art in research and the future agenda. Voluntas, 23(4), 1083-1101.). Além disso, este artigo se propôs a compreender os efeitos da coprodução na percepção da qualidade dos serviços prestados, outra lacuna apontada pela literatura (Verschuere et al., 2012Verschuere, B., Brandsen, T., & Pestoff, V. (2012). Co-production: the state of the art in research and the future agenda. Voluntas, 23(4), 1083-1101.).

Sinteticamente, os resultados deste estudo foram: a) a coprodução é a variável que apresenta maior predição sobre os resultados do serviço tanto para o cidadão quanto para a imagem do Poder Judiciário, sob a perspectiva das partes; b) as competências do conciliador são preditoras apenas dos resultados para o Poder Judiciário na perspectiva das partes, resultado que vai de encontro à literatura (Djellal et al., 2013Djellal, F., Gallouj, F., & Miles, I. (2013). Two decades of research on innovation in services: which place for public services? Structural Change and Economic Dynamics, 2013(27), 98-117.; Shim et al., 2010Shim, J. T., Sheu, T. S., Chen, H.-G., Jiang, J. J., & Klein, G. (2010). Coproduction in successful software development projects. Information and Software Technology, 52(10), 1062-1068.; Zainuddin et al., 2013Zainuddin, N., Russel-Bennett, R., & Previte, J. (2013). The value of health and wellbeing: an empirical model of value creation in social marketing. European Journal of Marketing, 47(9), 1504-1524.); c) os resultados do serviço para o cidadão, se positivos, aumentam a probabilidade da imagem do Poder Judiciário também ser positiva, tanto sob a ótica das partes quanto dos advogados; d) as partes atribuem outros fatores e experiências à sua percepção de satisfação com o processo de conciliação judicial, que não apenas o serviço prestado durante a audiência; e e) embora os advogados não sejam usuários finais da conciliação judicial, demonstram preocupação em melhorar o serviço público prestado.

Esses resultados corroboram as teorias de inovação, que afirmam que as organizações tendem a focar inovações relacionadas, principalmente, com eficiência, desenvolvimento de novos serviços e aprimoramento da experiência e da satisfação do usuário (Bitner & Brown, 2008Bitner, M. J., & Brown, S. W. (2008). The service imperative. Business Horizons, 51(1), 39-46.). Esta pesquisa também demonstrou, empiricamente, que a coprodução em serviços públicos apresenta resultados que adicionam valor para o cidadão, por meio do aumento da qualidade do serviço prestado, e para a organização prestadora, corroborando a literatura (Brudney & England, 1983Brudney, J. L., & England, R. E. (1983). Toward a definition of the coproduction concept. Public Administration Review, 43(1), 59-65.; Kelley et al., 1990Kelley, S. W., Donnelly, J. H., Jr., & Skinner, S. J. (1990). Customer participation in service production and delivery. Journal of Retailing, 66(3), 315-325.; Pestoff, 2012Pestoff, V. (2012). Co-production and third sector social services in Europe: some crucial conceptual issues. In V. Pestoff, T. Brandsen, & B. Verschuere (Eds.), New public governance, the third sector and co-production (pp. 13-35). London, England: Routledge.; Thomas et al., 2011Thomas, T., Ott, S., & Liese, H. (2011). Coproduction, participation and satisfaction with rehabilitation services following the 2001 earthquake in Gujarat, India. International Social Work, 54(6), 751-766.). Além disso, os resultados apresentados, confirmando os achados de Needham (2008Needham, C. (2008). Realising the potential of co-production: negotiating improvements in public services. Social Policy & Society, 7(2), 221-231.), comprovaram que a experiência do cidadão com o serviço de conciliação judicial depende quase inteiramente da coprodução, ou seja, quanto maior a interação com a outra parte litigante, maior a possibilidade do serviço gerar valor para o usuário. A coprodução em serviços públicos aumenta a responsabilidade do cidadão pelos resultados do serviço (Brudney & England, 1983Brudney, J. L., & England, R. E. (1983). Toward a definition of the coproduction concept. Public Administration Review, 43(1), 59-65.) e, na conciliação judicial do TJDFT, o valor público gerado pela inovação é entregue à sociedade por meio da coprodução.

Quanto às considerações práticas, esta pesquisa enfatiza a relevância da coprodução para a qualidade dos serviços públicos, assim como inovações que buscam aumentar a coprodução entre os cidadãos e entre o cidadão e o prestador do serviço, gerando valor para a sociedade. Esse maior envolvimento do cidadão com a prestação do serviço não contribui apenas para que a sociedade tenha maior conhecimento sobre o contexto e as limitações desses serviços, compartilhando as responsabilidades pelos resultados obtidos, mas também possibilita que os cidadãos identifiquem possíveis melhorias e inovações incrementais na administração pública. Os resultados deste estudo indicam, inclusive, que a presença da coprodução é mais importante do que as competências do prestador de serviços. Dessa forma, é importante que as organizações públicas enfoquem a qualidade da comunicação e a interação com o cidadão para otimizar os resultados e a efetividade do serviço, bem como para melhorar sua imagem perante a sociedade.

Ressalta-se, ainda, a importância da gestão dos órgãos do Poder Judiciário na introdução da coprodução em seus processos de prestação de serviços, garantindo que os cidadãos se sintam compreendidos, percebam o processo como justo e tenham uma imagem positiva da Justiça. Os resultados obtidos nesta pesquisa permitem inferir que a coprodução em serviços de Justiça pode aumentar a celeridade dos processos judiciais e reduzir os custos dos tribunais, já que a conciliação é um serviço mais rápido e demanda menor infraestrutura. Além disso, corroborando os argumentos de Sadek (2004Sadek, M. T. A. (2004). Poder Judiciário: perspectivas de reforma. Opinião Pública, 10(1), 1-62.), as análises qualitativas possibilitaram identificar a procrastinação como um elemento do contexto do Judiciário. A gestão na implementação e manutenção da coprodução com os cidadãos também se mostra relevante para reduzir a protelação intencional de algumas partes litigantes e de grandes empresas, que se aproveitam a morosidade da Justiça para postergar a solução do conflito.

Especificamente para o serviço de conciliação judicial, sugere-se que o TJDFT desenvolva mecanismos para aumentar o envolvimento das partes requeridas com o serviço ofertado, no sentido de aumentar a conscientização sobre a importância da justiça restaurativa, do caminho da negociação para a solução de conflitos e dos benefícios que o acordo pode gerar para as partes. Outra sugestão é nivelar as expectativas dos litigantes, esclarecendo que a conciliação judicial é uma tentativa de solução do conflito por meio de consenso, o que torna muito provável que ambos os lados tenham que fazer concessões para alcançar um acordo. Essa medida poderia evitar a criação de expectativas fora da realidade, principalmente da parte requerente, problema frequentemente citado nas respostas às questões abertas.

Como limitações desta pesquisa se pode citar o uso de dados secundários como única fonte de dados. Os questionários também foram elaborados pelo TJDFT para utilização interna, e, por esse motivo, há possibilidade de não se terem investigado todas as facetas das variáveis em exame. Além disso, a inexistência de perguntas sociodemográficas, como gênero, idade, raça, impossibilitou a identificação de possíveis padrões de resposta entre as percepções dos grupos, como orientado por Kelly (2005Kelly, J. M. (2005). The dilemma of the unsatisfied customer in a market model of public administration. Public Administration Review, 65(1), 76-84.).

Em síntese, a agenda de pesquisa deve estar orientada à expansão e à sedimentação dos estudos sobre o tema, buscando superar as limitações de pesquisa e alcançar resultados mais generalizáveis, com o objetivo de melhor compreender o processo de geração de valor dos serviços públicos para a sociedade e como a coprodução está relacionada com os resultados gerados. Dessa forma, recomenda-se a replicação deste estudo em outros estados e em outros serviços públicos, a investigação dessas variáveis sob a perspectiva do prestador de serviço, a identificação de fatores críticos para que o envolvimento do cidadão na coprodução gere resultados positivos para o serviço e a investigação de outras variáveis preditoras de satisfação com os serviços públicos. Ademais, sugere-se a realização de pesquisas qualitativas para investigar em maior profundidade como a coprodução gera valor para serviços públicos e identificar elementos de contexto que podem atrapalhar a coprodução em serviços de Justiça e nos serviços públicos em geral. Por fim, acredita-se que a agenda de pesquisa proposta poderá contribuir não apenas para o avanço da literatura de inovação e coprodução em serviços públicos, mas também auxiliar o Poder Judiciário e a administração pública a estruturar sua gestão e seus serviços de modo a aumentar o valor público ofertado à sociedade.

REFERÊNCIAS

  • Alford, J. (1998). A public management road less travelled: clients as co-producers of public services. Australian Journal of Public Administration, 57(4), 128-137.
  • Alford, J. (2002). Why do public-sector clients coproduce? Toward a contingency theory. Administration and Society, 34(1), 32-56.
  • Anderson, E. W., & Sullivan, M. W. (1993). The antecedents and consequences of customer satisfaction for firms. Marketing Science, 12(2), 125-143.
  • Bardin, L. (2006). Análise de conteúdo Lisboa, Portugal: Ed. 70.
  • Benington, J. (2011). From private choice to public value? In J,. Benington, & M., Moore (Eds.), Public value: theory and practice (pp. 31-51). Basingstoke, England: Macmillan.
  • Bifulco, R., & Ladd, H. F. (2006). Institutional change and coproduction of public services: the effect of charter schools on parental involvement. Journal of Public Administration Research and Theory, 16(4), 553-576.
  • Bitner, M. J., & Brown, S. W. (2008). The service imperative. Business Horizons, 51(1), 39-46.
  • Bitner, M. J., Faranda, W. T., Hubbert, A. R., & Zeithaml, V. A. (1997). Customer contributions and roles in service delivery. International Journal of Service Industry Management, 8(3), 193-205.
  • Bottini, P. C. (2006). A reforma do Judiciário: aspectos relevantes. In C., Slakmon, M. R., Machado, & P. C., Bottini (Orgs.), Novas direções na governança da justiça e da segurança (pp. 217-226). Brasília, DF: Ministério da Justiça.
  • Brasil. (2010). Resolução n. 125, de 29 de novembro de 2010 Brasília, DF: Conselho Nacional de Justiça.
  • Brasil. (2014). Conciliação Brasília, DF: Conselho Nacional de Justiça .
  • Brudney, J. L., & England, R. E. (1983). Toward a definition of the coproduction concept. Public Administration Review, 43(1), 59-65.
  • Campos, J. P. (2009). A conciliação judicial (Dissertação de Mestrado). Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal.
  • Chen, J.-S., Tsou, H.-T, & Ching, R. K. H. (2011). Co-production and its effects on service innovation. Industrial Marketing Management, 40(8), 1331-1346.
  • Djellal, F., & Gallouj, F. (2005). Mapping innovation dynamics in hospitals. Research Policy, 34(6), 817-835.
  • Djellal, F., Gallouj, F., & Miles, I. (2013). Two decades of research on innovation in services: which place for public services? Structural Change and Economic Dynamics, 2013(27), 98-117.
  • Freire, M. D. (2006). Administração alternativa de conflitos: perspectivas para a ampliação do acesso à Justiça e a prevenção à violência. In C. ,Slakmon, M. R., Machado, & P. C., Bottini (Orgs.), Novas direções na governança da Justiça e da segurança (pp. 113-130). Brasília, DF: Ministério da Justiça .
  • Gallouj, F., & Savona, M. (2010). Towards a theory of innovation in services: a state of the art. In F., Gallouj, & F. ,Djellal (Eds.), The handbook of innovation and services (pp. 27-48). Northampton, MA: Edward Elgar.
  • Gallouj, F., & Weinstein, O. (1997). Innovation in services. Research Policy, 26(4-5), 537-556.
  • Hartley, J. (2008). The innovation landscape for public service organizations. In J., Hartley, C. , Donaldson, C,Skelcher, & M., Wallace (Eds.), Managing to improve public services (pp. 197-216). Cambridge, England: Cambridge University Press.
  • Hartley, J. (2011). Public value through innovation and improvement. In J., Benington, & M. H., Moore (Eds.), Public value: theory and practice (pp. 171-184). Basingstoke, England: Palgrave.
  • Jakobsen, M. (2013). Can government initiatives increase citizen coproduction? Results of a randomized field experiment. Journal of Public Administration Research and Theory, 23(1), 27-54.
  • Kelley, S. W., Donnelly, J. H., Jr., & Skinner, S. J. (1990). Customer participation in service production and delivery. Journal of Retailing, 66(3), 315-325.
  • Kelly, J. M. (2005). The dilemma of the unsatisfied customer in a market model of public administration. Public Administration Review, 65(1), 76-84.
  • Lei Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015 (2015). Código de Processo Civil. Brasília, DF.
  • Lima, T. C., & Cruz, M. V. G. (2011). O Conselho Nacional de Justiça e as reformas do Poder Judiciário: aspectos da tecnologia da informação. In Anais do 35o Encontro da Anpad Rio de Janeiro, RJ.
  • Lynn, L. E Jr. (2013). Innovation and reform in public administration: one subject or two? In S. P. Osborne, & L. Brown (Eds.), The handbook of innovation in public services (pp. 29-43). Northampton, MA: Edward Elgar .
  • Mattson, G. A. (1986). The promise of citizen coproduction: some persistent issues. Public Productivity Review, 10(2), 51-56.
  • Ministério da Justiça. (2014). Os números da Justiça 2013: principais indicadores das estatísticas da Justiça Brasília, DF: Direção-Geral da Política de Justiça.
  • Mustak, M., Jaakkola, E., & Halinen, A. (2013). Customer participation and value creation: a systematic review and research implications. Managing Service Quality, 23(4), 341-359.
  • Needham, C. (2008). Realising the potential of co-production: negotiating improvements in public services. Social Policy & Society, 7(2), 221-231.
  • Osborne, S. P. (2013). A services-influenced approach to public service innovation? In S. P. Osborne & L. Brown (Eds.), The handbook of innovation in public services (pp. 60-71). Cheltenham, England: Edward Elgar.
  • Ostrom, E. (1996). Crossing the great divide: coproduction, synergy, and development. World Development, 24(6), 1073-1087.
  • Percy, S. L. (1984). Citizen participation in the co-production of urban services. Urban Affairs Quarterly, 19(4), 431-446.
  • Pestoff, V. (2012). Co-production and third sector social services in Europe: some crucial conceptual issues. In V. Pestoff, T. Brandsen, & B. Verschuere (Eds.), New public governance, the third sector and co-production (pp. 13-35). London, England: Routledge.
  • Renault, S. R. T. (2005). A reforma do Poder Judiciário sob a ótica do governo federal. Revista do Serviço Público, 58(2), 127-135.
  • Sadek, M. T. A. (2004). Poder Judiciário: perspectivas de reforma. Opinião Pública, 10(1), 1-62.
  • Sauerbronn, F. F., & Sauerbronn, J. F. R. (2015). Representações sociais da reforma do Judiciário: um estudo baseado nas perspectivas dos servidores do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Revista de Administração Pública, 49(3), 719-737.
  • Sharp, E. B. (1980). Toward a new understanding of urban services and citizen participation: the coproduction concept. Midwest Review of Public Administration Review, 14(2), 240-246.
  • Shim, J. T., Sheu, T. S., Chen, H.-G., Jiang, J. J., & Klein, G. (2010). Coproduction in successful software development projects. Information and Software Technology, 52(10), 1062-1068.
  • Sica, L. (2006). Bases para o modelo brasileiro de justiça restaurativa. In C. Slakmon, M. R. Machado, & P. C. Bottini (Orgs.), Novas direções na governança da Justiça e da segurança (pp. 455-490). Brasília, DF: Ministério da Justiça .
  • Silva, E. B. (2012). A efetividade da prestação jurisdicional civil a partir da conciliação (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.
  • Szkuta, K., Pizzicannella, R., & Osimo, D. (2014). Collaborative approaches to public sector innovation: a scoping study. Telecommunications Policy, 38(5-6), 558-567.
  • Thomas, T., Ott, S., & Liese, H. (2011). Coproduction, participation and satisfaction with rehabilitation services following the 2001 earthquake in Gujarat, India. International Social Work, 54(6), 751-766.
  • Torfing, J. (2013). Collaborative innovation in the public sector. In S. P. Osborne, & L. Brown (Eds.), The handbook of innovation in public services (pp. 301-316). Cheltenham, England: Edward Elgar .
  • Troye, S., & Supphellen, M. (2012). Consumer participation in coproduction: “I made it myself” effects on consumers’ sensory perceptions and evaluations of outcome and input product. Journal of Marketing, 76(2), 33-46.
  • Vamstad, J. (2012). Co-production and service quality: the case of cooperative childcare in Sweden. Voluntas, 23(4), 1173-1188.
  • Vargas, L. F. B. D. (2006). Julgados de paz e mediação: uma nova face da Justiça Coimbra, Portugal: Almedina.
  • Verschuere, B., Brandsen, T., & Pestoff, V. (2012). Co-production: the state of the art in research and the future agenda. Voluntas, 23(4), 1083-1101.
  • Vieira, L. J. M., & Pinheiro, I. A. (2008). Contribuições do Conselho Nacional de Justiça para a gestão do Poder Judiciário. In Anais do 32o Encontro da Anpad Rio de Janeiro, RJ.
  • Von Hippel, E. (1978). Successful industrial products from customer ideas. Journal of Marketing, 42(1), 39-49.
  • Warren, R., Harlow, K. S., & Rosentraub, M. S. (1982). Citizen participation in services: methodological and policy issues in co-production research. Southwestern Review of Management and Economics, 2(3), 41-55.
  • Zainuddin, N., Russel-Bennett, R., & Previte, J. (2013). The value of health and wellbeing: an empirical model of value creation in social marketing. European Journal of Marketing, 47(9), 1504-1524.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2019

Histórico

  • Recebido
    19 Jul 2017
  • Aceito
    22 Mar 2018
Fundação Getulio Vargas Fundaçãoo Getulio Vargas, Rua Jornalista Orlando Dantas, 30, CEP: 22231-010 / Rio de Janeiro-RJ Brasil, Tel.: +55 (21) 3083-2731 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rap@fgv.br