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Práticas das universidades federais no combate à COVID-19: a relação entre investimento público e capacidade de implementação

Prácticas de las universidades federales en la lucha contra la COVID-19: la relación entre inversión pública y capacidad de implementación

Resumo

Esse artigo busca analisar a relação entre os recursos públicos investidos nas universidades federais e sua capacidade de implementação de respostas à COVID-19. O artigo contribui, inicialmente, com um método de categorização para avaliação do direcionamento das práticas de combate à COVID-19 pelas universidades federais. A análise dos dados sinaliza uma tendência de relação positiva entre o nível de gastos executados e a capacidade de implementação de respostas por meio de projetos de pesquisa e de extensão, principalmente, para o desenvolvimento de tecnologias. Essa reorientação enseja uma discussão sobre desdobramentos para as políticas públicas de Ciência, Tecnologia e Inovação e para o fortalecimento do Sistema Federal de Educação Superior, de modo a garantir a infraestrutura necessária para a resolução de problemas complexos, como os gerados pela pandemia da COVID-19.

Palavras-chave:
COVID-19; sistema federal de educação superior; financiamento da educação; ciência, tecnologia e inovação; investimento em ciência

Resumen

Este artículo busca analizar la relación entre los recursos públicos invertidos en universidades federales y su capacidad para implementar respuestas a la COVID-19. Por lo tanto, el artículo inicialmente contribuye con un método y una forma de categorización para evaluar la aplicación de prácticas para combatir la COVID-19 por parte de las universidades federales. El análisis de los datos señala una tendencia de relación positiva entre el nivel de gastos ejecutados y la capacidad de implementar respuestas a través de proyectos de investigación y extensión, principalmente para el desarrollo de tecnologías. Esta reorientación da lugar a una discusión sobre los desdoblamientos de las políticas públicas de Ciencia, Tecnología e Innovación y para el fortalecimiento del sistema federal de educación superior, a fin de garantizar la infraestructura necesaria para resolver problemas complejos como los generados por la COVID-19.

Palabras clave:
COVID-19; sistema federal de educación superior; financiamiento de la educación; ciencia, tecnología e innovación; inversión en ciencia

Abstract

This article aims to analyze the relationship between public resources invested in federal universities and their capability to respond to COVID-19. The article presents a categorization method to evaluate the practices of combating COVID-19 organized by federal universities. Data analysis indicates a positive relationship between the level of expenditures and the ability to implement research and extension projects, mainly for the development of technologies. The discussion presents consequences for the public policies of Science, Technology, and Innovation to strengthen the Federal System of Higher Education, to guarantee the necessary infrastructure to solve complex problems such as those generated by COVID-19.

Keywords:
COVID-19; federal higher education system; education financing; science, technology and innovation; investment in science

1. INTRODUÇÃO

Quando um país enfrenta um inimigo letal, como uma pandemia virótica, o Estado e a sociedade buscam apoio da ciência e das instituições de pesquisa para combatê-lo. No Brasil, apesar de o País ter aumentado os gastos em ciência, tecnologia e inovação (CT&I) na última década, rompendo um longo ciclo de estagnação de investimentos, o nível de desenvolvimento em pesquisa básica, pesquisa aplicada e geração de patentes ainda está aquém das possibilidades diante dos vastos recursos naturais e humanos presentes em solo brasileiro. Isso é fruto da incapacidade política de elevar de forma significativa os gastos em CT&I em relação ao PIB, bem como resultado da descontinuidade e da insuficiência de investimentos em CT&I dos últimos 50 anos, quando políticas explícitas da área foram incorporadas à agenda do Governo Federal (Pelaez, Invernizzi, Fuck, Bagatolli, & Oliveira, 2017Pelaez, V., Invernizzi, N., Fuck, M. P., Bagatolli, C., & Oliveira, M. R. (2017). A Volatilidade da Agenda de Políticas de C&T no Brasil. Revista de Administração Pública, 51(5), 788-809.).

A incorporação aconteceu por meio da estruturação do financiamento da pesquisa a partir dos anos 1970, com a estruturação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível Superior (CAPES). O primeiro com a função de promover a Pesquisa Nacional e o segundo com a função de promover a formação avançada e o aperfeiçoamento de recursos humanos para a pós-graduação. Nesse período, o financiamento da pesquisa no País contou com o aporte de recursos privados americanos por meio de acordos internacionais, como o realizado pelo Ministério da Educação (MEC) e a United States Agency for International Development (USAID). Além disso, foram criadas agências de financiamento, como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Essas fundações contribuíram de forma significativa para a implantação de novas metodologias de financiamento da pesquisa e da inovação no Brasil (Bastos, 1997Bastos, E. M. C. (1997). O sistema brasileiro de C&T e o novo paradigma de desenvolvimento econômico. Revista de Administração Pública, 31(3), 116-132.).

Essas agências de fomento compõem a atual estrutura de financiamento; entretanto, elas têm sofrido com a instabilidade e descontinuidade das políticas de CT&I ao longo dos governos. Desde 2016, os recursos destinados ao financiamento da pesquisa por meio do CNPq e da Finep têm sofrido quedas substanciais, o que tem impactado no andamento e na viabilidade de projetos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico (P&D).

Com a emergência de saúde pública ocasionada pelo novo coronavírus (COVID-19) e devido ao desconhecimento de suas características próprias e ao seu célere espraiamento infectivo em um mundo cada vez mais interconectado (Peeri et al., 2020Peeri, N. C., Shrestha, N., Rahman, M. S., Zaki, R., Tan, Z., Bibi, S. … Haque, U. (2020, February 21). The SARS, MERS and novel coronavirus (COVID-19) epidemics, the newest and biggest global health threats: what lessons have we learned? International Journal of Epidemiology, dyaa033, 1-10. Recuperado dehttps://doi.org/10.1093/ije/dyaa033
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; Naqvi, 2020Naqvi, A. (2020). COVID-19: Visualizing regional socioeconomic indicators for Europe. International Institute for Applied Systems Analysis (IIASA Report). Laxenburg, Austria: IIASA.), os impactos da COVID-19 reestabelecem novas configurações sobre a atuação do Estado nos diversos setores da economia, e não apenas no da saúde. Além disso, conforme Rodriguez-Morales et al. (2020Rodriguez-Morales, A. F., Gallego, V., Escalera-Antezana, J. P., Méndez, C. A., Zambrano, L. I., Franco-Paredes, C. ... Cimerman, S. (2020, May-June). COVID-19 in Latin America: the implications of the first confirmed case in Brazil. Travel Medicine and Infectious Disease, 35, 101613. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.tmaid.2020.101613
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), nos países da América Latina, em especial o Brasil, onde o vírus prolifera mais do que em seus países limítrofes, somam-se a carência e a precariedade dos sistemas públicos de saúde, o que exige mais investimentos estatais e esforços de comunicação para combater os impactos negativos da doença e, em especial, investimento em P&D.

Considerando o investimento de recursos públicos em instituições federais de ensino superior (Ifes), integrantes do Sistema Nacional de CT&I, a partir de 2003 (Alves & Oliveira, 2014Alves, C. G. M. F., & Oliveira, M. A. (2014). Análise do investimento e produção em C&T no Brasil entre 2002 e 2010. Revista Eletrônica de Ciência Administrativa, 13(2), 156-171.; Marini & Silva, 2011Marini, M. J., & Silva, C. L. (2011). Política de Ciência e Tecnologia e Desenvolvimento Nacional: reflexões sobre o plano de ação brasileiro. Desenvolvimento em Questão, 9(17), 9-38.), a eficiência na sua aplicação pelas Ifes tem sido alvo de estudos que buscam, de alguma maneira, verificar como esse investimento retorna para a sociedade (Alves & Oliveira, 2018Alves, C. G. M. F., & Oliveira, M. A. (2018). Análise de eficiência em ciência e tecnologia das universidades públicas e institutos federais localizados no Estado do Rio de Janeiro: um estudo pré-crise econômica de 2014. Revista Economia & Gestão, 18(49), 46-66.; Lima, 2004Lima, M. B. (2004). Proposta de avaliação dos impactos de investimentos em ciência e tecnologia a partir da abordagem do desenvolvimento sustentável. Revista Alcance, 11(2), 295-313.; Marinho, 1998Marinho, A. (1998). O aporte de recursos públicos para as instituições federais de ensino superior. Revista de Administração Pública, 32(4), 83-93.; Ohayon & Rosenberg, 2014Ohayon, P., & Rosenberg, G. (2014). Análise dos indicadores de ciência, tecnologia e inovação no âmbito da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Revista do Serviço Público, 65(3), 297-319.). Em meio às medidas de isolamento social acarretadas pela COVID-19, as populações e os governos internacionais voltam-se para as instituições de pesquisa, que podem encontrar soluções. No Brasil, os polos de pesquisa estão concentrados nas Ifes, especialmente nas universidades públicas.

Assim, este artigo objetiva analisar como as universidades federais investem os recursos governamentais recebidos em ações de combate à COVID-19. Não obstante, para compreender a capacidade de resposta das universidades federais à COVID-19 por meio de projetos de pesquisa e de extensão, é necessário, primeiramente, compreender a estrutura e o financiamento da pós-graduação e da pesquisa no Brasil.

2. ESTRUTURA E FINANCIAMENTO DA PÓS-GRADUAÇÃO E DA PESQUISA NO BRASIL

A expansão recente das universidades federais e, consequentemente, a ampliação da rede de pesquisa, foi um resultado do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, o Reuni (2007-2012). Este Programa desempenhou um papel importante no aumento dos recursos públicos direcionados à criação de novas universidades, assim como na ampliação das universidades federais já existentes (Ministério da Educação, 2009Ministério da Educação. (2009, 30 de outubro). Relatório de Primeiro Ano - Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni). Brasília, DF: MEC/SESu/DIFES. Recuperado dehttp://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=2069-reuni-relatorio-pdf&category_slug=dezembro-2009-pdf&Itemid=30192
http://portal.mec.gov.br/index.php?optio...
).

O crescimento da pós-graduação nas intuições federais pode ser observado pelo aumento do número de cursos ofertados, que tiveram um crescimento de 135% entre 2004-2018, chegando a 2.479 programas em 2017. Em 2018, o número de cursos decresceu 0,28% em relação ao ano anterior, com o fechamento de seis programas de pós-graduação nas instituições federais, segundo dados do GeoCapes (Ministério da Educação, 2020Ministério da Educação. (2020). Geocapes. Brasília, DF: Autor . Recuperado de https://geocapes.capes.gov.br/geocapes).

De 2004 a 2018, o número de docentes pesquisadores vinculados aos programas de instituições federais cresceu 192%. Em 2018, 62.662 docentes estavam vinculados aos programas de instituições públicas. O número de discentes matriculados nos programas de pós-graduação cresceu 198% entre 2004 e 2018, passando de 57.339 alunos a 170.803 em 2018. O número de egressos titulados também teve um crescimento de 156% nesse período, com a graduação de mais de 49 mil pesquisadores em 2018 (Ministério da Educação, 2020Ministério da Educação. (2020). Geocapes. Brasília, DF: Autor . Recuperado de https://geocapes.capes.gov.br/geocapes).

Áreas importantes no combate à COVID-19, como a de Saúde, de Ciências Biológicas e de Engenharia, tiveram crescimento superior a 60% entre 2004 e 2018. A área de Saúde cresceu 81,3% entre 2004 e 2018, sendo a maior área em termos de número de programas nas instituições federais, com 338 cursos de mestrado e doutorado. A área de Ciências Biológicas, outra área importante no combate à doença, teve um crescimento de 64,4% no número de cursos nas instituições federais. A área de Engenharia teve um crescimento no número de programas de 80,18% entre 2004 e 2018 (Ministério da Educação, 2020Ministério da Educação. (2020). Geocapes. Brasília, DF: Autor . Recuperado de https://geocapes.capes.gov.br/geocapes), uma área central ao desenvolvimento de equipamentos de proteção individual e respiradores.

Analisar a estrutura de pesquisa demanda avaliar os recursos investidos nas instituições federais para o financiamento de ensino, pesquisa, extensão e pós-graduação. De 2004 a 2019, o aumento dos recursos federais direcionados ao financiamento da educação foi significativo, passando de 2,03% para 5,32% em 2017, e reduzindo para 4,66% do gasto total do governo federal em 2019 (Controladoria Geral da União, 2020Controladoria Geral da União. (2020). Portal da Transparência do Governo Federal. Brasília, DF: Autor. Recuperado de http://www.portal transparencia.gov.br/
http://www.portal transparencia.gov.br/...
).

Desde o primeiro trimestre de 2015, o País entrou em recessão econômica, e, além da queda do PIB, os dados evidenciam redução no consumo das famílias, no emprego e na renda (Rossi & Mello, 2017Rossi, P. & Mello, G. (2017, abril). Choque recessivo e a maior crise da história: a economia brasileira em marcha ré. (Nota do Cecon, n. 1). Campinas, SP: UNICAMP.). Essa recessão representou uma queda dos recursos públicos investidos em políticas sociais, como saúde e educação, e a adoção, por parte do governo federal, desde 2016, de um conjunto de políticas de austeridade econômica. Para Bassi (2018Bassi, C. M. (2018, agosto). Implicações dos Novos Regimes Fiscais no Financiamento da Educação Pública(Texto para discussão, 2407). Brasília, DF: Ipea. Recuperado dehttps://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2407.pdf
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), a Emenda Constitucional n.º 95, também conhecida como a Emenda Constitucional do Teto dos Gastos Públicos, representa em termos operacionais um limite das despesas públicas ao Índice Nacional de preços ao Consumidor Amplo (IPCA) por vinte anos. Para Rossi e Dweck (2016Rossi, P. & Mello, G. (2017, abril). Choque recessivo e a maior crise da história: a economia brasileira em marcha ré. (Nota do Cecon, n. 1). Campinas, SP: UNICAMP.), a realização de um ajuste fiscal por meio de emenda constitucional teve como grande objetivo a desvinculação de receitas do orçamento para investimentos em saúde e educação. Para Rossi e Mello (2017Rossi, P.; Dweck, E. (2016). Impacts of the new fiscal regime on health and education. Reports in Public Health. 32(12), e00194316. Recuperado de https://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00194316
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), essas políticas de austeridade não foram efetivas à retomada econômica e podem representar um elevado custo social.

Os investimentos na área de educação já estão sendo impactados pela Emenda Constitucional n.º 95. Sob o impacto da Emenda, o MEC teve seus gastos reduzidos em 6,7 bilhões em 2019, em relação ao gasto público na área em 2017 (Controladoria Geral da União, 2020Controladoria Geral da União. (2020). Portal da Transparência do Governo Federal. Brasília, DF: Autor. Recuperado de http://www.portal transparencia.gov.br/
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). A redução afetou os recursos destinados à CAPES, que perdeu 1,2 bilhão de investimento em 2019, em relação ao gasto executado em 2016 (Controladoria Geral da União, 2020Controladoria Geral da União. (2020). Portal da Transparência do Governo Federal. Brasília, DF: Autor. Recuperado de http://www.portal transparencia.gov.br/
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). A redução dos gastos públicos afetou o financiamento de projetos de pesquisas, bem como a distribuição de bolsas de mestrado e doutorado.

Em meio à pandemia, a CAPES estruturou o Programa Estratégico Emergencial de Prevenção e Combate a Surtos, Endemias, Epidemias e Pandemias com o objetivo de apoiar projetos de pesquisa vinculados a programas de pós-graduação stricto sensu. O Programa lançou três editais, sendo um direcionado a epidemias, outro a fármacos e imunologia, e um terceiro, a área de telemedicina e dados médicos. Os recursos serão destinados a despesas de capital, de custeio e bolsas de estudos de mestrado, doutorado e pós-doutorado. Os recursos totais investidos no Programa ficam em torno de 110 milhões de reais, diluídos em média 4 anos de investimento, pela natureza das bolsas de doutorado e de mestrado que serão ofertadas. Esse valor significa menos de 10% dos cortes orçamentários da CAPES em 2019, quando comparado ao orçamento de 2016 (Controladoria Geral da União, 2020Controladoria Geral da União. (2020). Portal da Transparência do Governo Federal. Brasília, DF: Autor. Recuperado de http://www.portal transparencia.gov.br/
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). Esse investimento não é suficiente para a reconstrução da política de Ciência e Tecnologia e para o enfrentamento de problemas complexos como os gerados pela COVID-19.

Outra agência importante no financiamento da pesquisa no Brasil, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação (MCTICMinistério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. (2016). Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação 2016-2022. Brasília, DF: Autor. Recuperado dehttps://portal.insa.gov.br/images/documentos-oficiais/ENCTI-MCTIC-2016-2022.pdf
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), também tem sido impactada com cortes orçamentários. O CNPq diminui sua participação no total de recursos investidos pelo MCTIC: de 31,88%, em 2004, para 15,99%, em 2019 (Controladoria Geral da União, 2020Controladoria Geral da União. (2020). Portal da Transparência do Governo Federal. Brasília, DF: Autor. Recuperado de http://www.portal transparencia.gov.br/
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). Essa redução proporcional dos recursos destinados ao CNPq impactou o financiamento da pesquisa no Brasil, suspendendo alguns projetos em andamento nas universidades, alguns até mesmo relacionados diretamente ao combate de epidemias.

Em meio aos cortes orçamentários sofridos pelo Sistema Federal de Educação Superior nos últimos anos, o Brasil foi impactado pela COVID-19 em março de 2020. A pandemia demandou das universidades federais a implementação de práticas de combate à doença.

3. MÉTODO

Este estudo, de caráter quantitativo e exploratório, é baseado na coleta de dados secundários nos sites institucionais das universidades federais e nos bancos de dados governamentais. Para analisar as relações entre os recursos públicos investidos e a capacidade de implementação de respostas à COVID-19, o seguinte protocolo de coleta de dados foi adotado.

Primeiramente, para contextualizar e compreender as práticas de combate à COVID-19 das universidades federais, foram observados os seguintes mecanismos, fontes e critérios de coleta:

  1. O recorte inicial para coleta de dados foi a relação de 27 instituições listadas na nota da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais (Andifes), publicada em 12 de março de 2020, sobre o compartilhamento das ações das universidades federais sobre a COVID-19.

  2. Acesso às páginas institucionais destas universidades federais, em ordem alfabética. Em cada site, primeiramente, buscou-se a seção institucional reservada para notícias relacionadas à COVID-19; quando a seção não foi encontrada, a notícia foi coletada diretamente na seção de notícias institucionais. O período de coleta abrangeu notícias publicadas em março e abril de 2020. Foram consideradas apenas as ações divulgadas pelas universidades no portal institucional. As práticas porventura desenvolvidas e publicadas apenas em sites de Centros, Programas e Grupos de Pesquisa não foram contempladas neste levantamento. Este critério foi adotado em razão do reconhecimento das ações pela Universidade.

  3. Em seguida, foi realizada a categorização das notícias coletadas. A primeira fase de categorização foi realizada com base nas categorias criadas por duas universidades que criaram bancos para as ações de combate à COVID-19. Esta categorização foi incrementada e expandida para a versão final deste estudo, de forma a contemplar todas as práticas identificadas nas demais instituições. A categorização das ações foi realizada após a coleta, e revista pelos autores.

É importante destacar que estudos baseados em análise de bancos de dados estão sujeitos a vieses, que podem ocorrer nos seguintes fatores: consistência dos registros, categorização e método de análise. É preciso considerar que registros incompletos ou o próprio método de categorização podem interferir nos resultados obtidos. Dessa forma, tendo em vista obter mais homogeneidade homogeneidade nos resultados e conclusões, os seguintes protocolos foram adotados:

  1. Em relação à qualidade dos dados: respeitados o recorte das universidades fornecidas pela Andifes e a coleta integral das ações ou notícias no período relatado. Dessa maneira, ainda que represente uma amostra, dado o caráter exploratório deste estudo, há integralidade nestes registros.

  2. Em relação à categorização: utilização de categorias a priori revistas pelos pesquisadores. Desse modo, como foi adotada uma categorização expandida com base no que foi identificado em duas universidades, houve mais consenso e integralidade na classificação das ações.

  3. Em relação à análise: uma vez que há registros consistentes, e devidamente categorizados, a análise (contagem) é realizada com o apoio de software.

Abaixo, a relação das categorias finais de classificação das ações das universidades relativas à pandemia da COVID-19.

  1. Acompanhamento estatístico em Portais e Censos da COVID-19: pesquisas populacionais para projeção de casos, sistematização de dados e difusão de análises técnicas relacionadas à COVID-19 em portais, possibilitando monitoramento de casos, projeções, agregando análise e inteligência para tomada de decisão.

  2. Aperfeiçoamento de infraestrutura de laboratórios: direcionamento de recursos para criação de novos laboratórios especializados em questões relacionadas à COVID-19.

  3. Aplicativos, plataformas e algoritmos: desenvolvimento de softwares que apoiem a resolução de problemas, desde chatbots, registros de casos, até doações para auxiliar no combate à COVID-19.

  4. Apoio à comunidade: ações sociais solidárias ampliadas no contexto da pandemia e diretamente voltadas para as comunidades e para grupos em situação de vulnerabilidade.

  5. Apoio à economia local: apoio a empresas, envolvendo suporte a políticas públicas ou transmissão de conhecimento direto para micro e pequenos empreendimentos.

  6. Apoio aos Hospitais: apoio direto, por meio de capacitação ou reforço de infraestrutura hospitalar, através dos hospitais universitários ou suporte aos hospitais regionais, em virtude da sobrecarga no Sistema Público de Saúde.

  7. Atendimento online: criação de canais virtuais de atendimento à população, para orientações médicas e psicossociais relativas à COVID-19.

  8. Desenvolvimento de equipamentos hospitalares: criação de novos equipamentos para combate à COVID-19, envolvendo tecnologias de baixo custo e eficiência, como respiradores, ventiladores e outros.

  9. Desenvolvimento de fármacos e vacinas: pesquisas que envolvem sequenciamento genético e análise de fármacos para prevenção e tratamento da COVID-19.

  10. Desenvolvimento de testes e ensaios clínicos: ações de produção de protocolos e de execução de testes e ensaios clínicos relacionados à COVID-19.

  11. Difusão de informações orientativas e culturais para a sociedade: desenvolvimento de conteúdo orientativo e cultural, tendo em vista a disponibilizar informações de natureza clínica, psicológica, nutricional e social, bem como a promoção de ações culturais para a população em isolamento social em razão da COVID-19.

  12. Estudos de impacto social, econômico e ambiental: pesquisas científicas desenvolvidas e divulgadas institucionalmente para compreender os impactos da COVID-19 nestas três dimensões.

  13. Fomento: indução, alinhamento e apoio de novos projetos de pesquisa e extensão tendo como base o grau de resposta à COVID-19.

  14. n. Hospital de Campanha: criação de hospitais de campanha com a infraestrutura da universidade para tratamento dos efeitos da COVID-19.

  15. Orientações em Conselhos de Crise: apoio científico a conselhos governamentais criados em virtude da COVID-19, para tomadas de decisão nos campos da Saúde, Economia, Sociedade e Ambiente.

  16. Participação na rede para compra, produção e distribuição de insumos: participação da Universidade em colaboração a redes de suprimentos, seja em compras, dado o acesso a matérias primas; produção, tal como conversão de álcool em álcool gel ou distribuição; e apoio no acesso destes materiais à comunidade.

As categorias iniciais foram agrupadas em uma nova categorização mais abrangente, com cinco macrocategorias, apresentado no Quadro 1. A macrocategoria Desenvolvimento de Tecnologias envolve a criação de tecnologias físicas (vacinas, fármacos, equipamentos hospitalares, EPIs, etc.) e virtuais (portais estatísticos, aplicativos, algoritmos, etc) como forma de gerar capacidade de análise e resposta direta à COVID-19. A macrocategoria Intervenção Direta na Sociedade envolve as práticas extensivas da universidade, por meio das quais ela se integra diretamente com atores sociais e amplia o apoio em função dos efeitos da COVID-19. A macrocategoria Difusão de Informações para Sociedade consiste na difusão de conhecimentos científicos sobre a COVID-19 elaborados em diversas áreas, em linguagem acessível à população. A macrocategoria Participação na Rede de Suprimentos envolve um tipo de prática emergente nas universidades, relacionada à participação na produção em cadeia de suprimentos para a COVID-19. Por fim, a macrocategoria Produção de Estudos de Impacto abrange o conjunto de pesquisas, básicas e aplicadas, sobre Impacto Social, Econômico e Ambiental da COVID-19.

QUADRO 1
DESCRIÇÃO DAS CATEGORIAS

Em um segundo momento, para compreender os investimentos feitos pelas universidades que compõem a amostra, foram coletados os dados diretamente do Portal da Transparência, referentes aos recursos próprios e de terceiros executados entre 2016 e 2019. As universidades federais foram classificadas em quatro grupos, considerando o recurso aplicado:

  1. G1, composto por sete universidades com gasto abaixo de trezentos milhões, com uma média orçamentária de R$ 236.025.177/ano e um desvio padrão de R$ 53.286.665 (coeficiente de variação de 22%);

  2. G2, composto por sete universidades com gasto entre 500 milhões e um bilhão, com uma média orçamentária de R$ 782.458.604/ano e um desvio padrão de R$ 150.344.852 (coeficiente de variação de 19%);

  3. G3, composto por nove universidades com gasto entre um bilhão e dois bilhões, com uma média orçamentária de R$ 1.534.681.414 e um desvio padrão de 259.417.023 (coeficiente de variação de 16%);

  4. G4, composto por três universidades com gasto acima de dois bilhões, com uma média orçamentária de R$ 2.704.600.529 e um desvio padrão de R$ 848.502.583 (coeficiente de variação de 31%).

As universidades foram alocadas segundo a frequência dos seus gastos. Pelo coeficiente de variação, observa-se que os grupos têm baixa variabilidade, menor que 30%, o que indica homogeneidade na maioria dos grupos. A única exceção é o Grupo 4, composto por 3 instituições, duas com orçamento na faixa de 2 bilhões e uma com orçamento de 3,5 bilhões. Contudo, como o objetivo é classificar as universidades segundo a soma do gasto público em baixo, médio, alto e superior, entende-se que a classificação representa os grupos.

Os dois bancos de dados, práticas das universidades federais e com o banco de dados de gasto executado pelas universidades, foram unificados para fins de análise, a partir da identificação das práticas com base no nome da universidade.

4. DISCUSSÕES

Dois resultados da análise do banco de dados de práticas e gastos das universidades federais, particularmente importantes, são discutidos nesta seção. Foram coletadas 426 ações de combate à COVID-19 no período analisado. Contudo o objetivo do trabalho não é quantificar, mas identificar os macropadrões observados, com base na ocorrência e na natureza da ação. Outras ações poderão ser categorizadas e comparadas em novos estudos, considerada a dinâmica do campo.

4.1 De que forma as macrocategorias de práticas estão distribuídas?

Durante a coleta de dados sobre as ações, que abrangem os dois primeiros meses de ocorrência da COVID-19 no Brasil, foi observada, pelas cinco macrocategorias, a configuração de orientação do portfólio de práticas desenvolvidas pelas universidades federais - explicitada nos parágrafos a seguir. Portanto, tendo por base as 426 práticas coletadas, obteve-se uma amostragem que possibilitou inferir um padrão de ação no Sistema Federal de Educação Superior Brasileiro, limitado ao período analisado e às instituições observadas.

Foi possível observar que, do total de práticas das universidades federais, 40,87% estavam orientadas para o Desenvolvimento de Tecnologias. Isso significa um expressivo volume de recursos orientados para aperfeiçoamento de infraestrutura de laboratórios, desenvolvimento de novos EPIs, desenvolvimento de testes e ensaios clínicos, aplicativos, plataformas e algoritmos, desenvolvimento de fármacos e vacinas, desenvolvimento de equipamentos hospitalares e acompanhamento estatístico em portais e censos da COVID-19. Este resultado sinaliza uma contribuição da pesquisa desenvolvida pelas universidades federais no combate à doença. Essas práticas alinham-se à relevância destas instituições no desenvolvimento de inovações, uma vez que a geração de patentes no Brasil está concentrada nas universidades federais, que possuem infraestrutura e programas de pós-graduação.

Verificou-se também que 23,96% das práticas mapeadas estavam orientadas para a Intervenção Direta na Sociedade, com projetos de apoio à comunidade, apoio a hospitais, atendimento online, apoio à economia, hospital de campanha, orientações em conselhos de crise e fomento. Isso implica relação entre universidade e sociedade, em estreitamento de laços e valorização da prática extensionista universitária. Além disso, a amplitude da rede de universidades federais no território nacional permite a interiorização das ações, uma vez que os efeitos da pandemia são difusos.

A Difusão de Informações para a Sociedade representa 20,49% das práticas, mediante projetos de apoio a comunidades locais baseados em orientações científicas, combatendo a desinformação e os impactos diretos da COVID-19 e promovendo informações culturais. Por se tratar de uma pandemia que também depende do comportamento individual para mitigar os seus efeitos (Anderson, Heesterbeek, Klinkenberg, & Hollingsworth, 2020Anderson, R., Heesterbeek, H., Klinkenberg, D., & Hollingsworth, T. (2020). How will country-based mitigation measures influence the course of the COVID-19 epidemic? The Lancet, 395(10228), 931-934.), o acesso a informações com base científica representa um ponto crítico no combate à doença.

Percebeu-se que 9,38% das práticas estavam relacionadas à Participação na Rede de Suprimentos, sobretudo para a obtenção de álcool gel e EPI. Esta é uma prática nova, que se beneficiou da infraestrutura dos laboratórios das universidades, demonstrando a capacidade de atuação em redes colaborativas com a iniciativa privada, para o desenvolvimento de cadeias nacionais de suprimentos, principalmente na área médica e farmacêutica. A última macrocategoria, Produção de Estudos de Impacto, corresponde a 5,21% das práticas, que se relacionam a estudos científicos importantes para a compreensão de fenômenos.

A análise das práticas de combate à COVID-19 desenvolvidas pelas universidades federais mostrou que essas instituições possuem infraestrutura física e humana para implementar, rapidamente, ações que integram a pesquisa e a extensão na resolução de problemas complexos e com impacto em diferentes áreas, como Saúde, Economia, Ambiente e Sociedade. A constatação de 65% de práticas orientadas a Desenvolvimento de Tecnologias e Intervenção Direta na Sociedade contrapõe-se à narrativa segundo a qual a universidade federal seria uma instituição fechada em si mesma, e pouco orientada à realidade local. Os percentuais obtidos, conforme a Figura 1, podem variar futuramente com uma nova coleta de dados, mas, considerando-se a distribuição proporcional identificada nas macrocategorias, é possível afirmar que o Sistema Federal de Educação Superior Brasileiro tem atuado de forma efetiva no combate à COVID-19, em razão do seu desenvolvimento tecnológico e da sua capacidade de intervir diretamente na sociedade.

FIGURA 1
CONFIGURAÇÃO DAS PRÁTICAS DAS UNIVERSIDADES FEDERAIS NO COMBATE À COVID-19

4.2 Como estas práticas se relacionam com os gastos executados pelas universidades federais?

A Tabela 1 indica uma correlação positiva entre as práticas federais e o volume de recursos públicos investidos. Ou seja, de forma global, quanto maior o orçamento da universidade, maior poderá ser sua capacidade de desenvolver ações de combate à COVID-19, desde que bem direcionados os recursos para a solução de problemas complexos, os quais requerem competência multidisciplinar e de avançado nível de conhecimento.

As instituições que compõem os grupos G1 e G2 (orçamento abaixo de 1 bilhão) correspondem a cerca de 19% das Práticas de Desenvolvimento de Tecnologias, enquanto as instituições G3 e G4 (orçamento acima de 1 bilhão) respondem por 81% destas práticas. No mesmo grupo, as universidades de menor volume de recursos respondem por 17% das Práticas de Intervenção Direta na Sociedade, enquanto as de maior volume respondem por 82% das ações.

Já nas Práticas de Difusão de Informações para a Sociedade, a proporção é de 23% para o primeiro grupo e de 76% para o segundo grupo. No caso das Práticas de Participação na Rede de Suprimentos, a proporção é de praticamente 42% e 48% para os dois grupos. Em Práticas de Produção de Estudos de Impacto, ou seja, estudos de impacto sobre a COVID-19, a proporção foi de 69% para os de alto orçamento e 31% para os de baixo orçamento.

Em termos de ações totais, a proporção é de 22% para o grupo das universidades de menor orçamento e 78% para o das universidades de maior orçamento. Dessa forma, o que se observa pela Tabela 1, em padrões globais, é que existe uma relação positiva entre o recurso executado e a capacidade relativa a Práticas de Desenvolvimento de Tecnologias, de Intervenção Direta na Sociedade, de Difusão de Informações na Sociedade, de Participação na Rede de Suprimentos, e de Produção de Estudos de Impacto. Esta análise mostra que a menor proporcionalidade de práticas de G4 sobre G3 se dá pelo número de instituições, uma vez que G4 tem apenas três instituições, enquanto G3 tem nove. Contudo, tendo em vista que o volume de práticas de G4 é superior à G2 e G1, infere-se que há uma relação positiva entre o gasto executado e a capacidade de resposta a partir das práticas de combate à COVID-19. Ainda que o objetivo deste estudo não seja a precisão do percentual em si, uma vez que se trata de um recorte temporal, e evidentemente esses percentuais sofrerão alguma flutuação em novas coletas e análises, pontua-se que o padrão global, pela distribuição 80%-20%, denota, aqui, uma tendência à relação do gasto com a capacidade de resposta.

TABELA 1
RELAÇÃO ENTRE PRÁTICAS E VOLUME DE RECURSOS EXECUTADOS

4.3 A quais desdobramentos estas relações levam?

Com base nos dados observados, existe uma expressiva tendência identificada, que deverá ser ampliada para um censo das Práticas das Universidades Federais. Dessa forma, os resultados preliminares possibilitam a proposição de um modelo inicial, configurado sob a seguinte perspectiva de análise: o que levou à implementação destas práticas pelo Sistema Federal de Educação Superior?

Existem três fatores externos relevantes, ou determinantes: o primeiro determinante foi a necessidade gerada pela COVID-19 - um problema complexo que requer novos conhecimentos -, uma vez que as respostas à nova doença ainda não estão disponíveis. O segundo determinante observado foram o alinhamento e a colaboração entre as instituições; conforme nota da Andifes, este foi um problema reconhecido nacionalmente e que contou com a coalizão de diversos agentes. Pode-se mencionar, ainda, que o volume de recursos executados é crítico ante a extensão das práticas identificadas. O terceiro determinante aponta que quanto maior o volume de recursos públicos investidos, maior a capacidade de resposta científica e tecnológica à COVID-19. Além do orçamento, é necessário criar uma rede de instituições orientadas à resolução de um problema comum.

As relações observadas e propostas neste modelo, expresso na Figura 2, levam a desdobramentos das políticas públicas que interferem nestes três determinantes: em relação à capacidade orçamentária, há necessidade de revisão da Emenda Constitucional n.º 95, de recuperação dos investimentos nas Instituições de Ciência e Tecnologia e de ampliação do financiamento da CAPES e do CNPq.

Em relação ao determinante de orientação aos problemas complexos, atualmente, é observada uma destinação maior de recursos financeiros e humanos para estruturação de práticas de combate à COVID-19 nas universidades federais. Dessa forma, a criação de um Sistema de Pesquisa e Intervenção Integrado voltado a outros problemas complexos e sistêmicos do Brasil também se configura um desdobramento. Do total de práticas identificadas nesta amostra e recorte temporal, 64,93% estão orientadas a ações de desenvolvimento de tecnologias e intervenção direta na sociedade. Ainda que sujeito a flutuações, esse percentual demonstra uma orientação importante relacionada às potencialidades e capacidades de respostas, de forma ativa, a problemas complexos. Constatou-se, também, serem fundamentais o alinhamento e a colaboração entre instituições que levem à ampliação do apoio das universidades públicas à indústria nacional para inovação, especialmente em relação aos problemas complexos que precisam de respostas e soluções integradas, como é o caso da pandemia.

Pela natureza das práticas, espera-se que elas resultem na identificação mais ágil e efetiva de soluções sistêmicas para a COVID-19, em contribuições para o sistema de saúde, para o sistema econômico e para o bem-estar da sociedade. Dessa forma, aponta-se como fundamental a construção de uma nova percepção da universidade pública. A percepção de uma instituição importante não apenas nos momentos de desenvolvimento, mas para a constituição de uma rede de suporte e de base na superação de crises e de momentos de incerteza e turbulência. Assim, os resultados deste estudo evidenciam que os cortes orçamentários sofridos pelas universidades federais representam uma ameaça à solução de problemas complexos que venham a afetar a sociedade brasileira.

FIGURA 2
ESTRUTURA DE PRÁTICAS DE COMBATE À COVID-19 PARA O SISTEMA FEDERAL DE EDUCAÇÃO SUPERIOR

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Cada vez mais, os investimentos em Educação Superior e em Ciência, Tecnologia e Inovação são necessários para a resolução de problemas complexos, como os desencadeados em função da COVID-19. Estes demandam integração de conhecimentos entre diferentes áreas como saúde, engenharia, sociologia e economia, e articulação de diferentes atores. Os investimentos realizados nos últimos 16 anos na formação de recursos humanos qualificados para a área de Ciência, Tecnologia e Inovação, bem como a ampliação do quadro de pesquisadores e de programas de pós-graduação contribuíram significativamente para ampliar a capacidade de resposta do Sistema Federal de Educação Superior na construção de soluções em diferentes áreas para combater os impactos da COVID-19 no País.

Um dos principais resultados observados no estudo consiste na identificação de uma tendência de relação direta entre as Universidades que receberam maior investimento público e seu grau de resposta em termos de projetos de desenvolvimento tecnológico, intervenção direta, difusão de conhecimento para a sociedade, rede de compra, produção e distribuição de insumos e suprimentos, e produção de conhecimento visando estudos de impacto. Esses achados, no entanto, não representam um argumento e uma simples solução de que apenas o investimento “per se” é preditor da capacidade de resposta. Ou seja, que apenas aumentar os investimentos representa um aumento direto na capacidade de resposta. Conforme discutido no modelo, além da capacidade orçamentária de gestão dos investimentos recebidos, a orientação destes recursos em torno de problemas complexos, criando priorização e foco, são igualmente importantes. Ademais, é preciso observar que há práticas adotadas pelas Universidades que dependem da colaboração de recursos entre as Instituições. Portanto, o ponto que se apresenta em análise não é sobre o orçamento individual de cada instituição, mas a capacidade do Sistema Federal de Educação Superior como um todo. E sobre esta capacidade, salientam-se os impactos estruturais da Emenda Constitucional nº 95, da recuperação dos investimentos em instituições de Ciência e Tecnologia e da ampliação do financiamento da CAPES e do CNPq.

Assim, a Universidade Federal, por meio do Sistema Federal de Educação Superior, que tem sido historicamente cobrado pelo retorno sobre o investimento realizado pela sociedade brasileira, demonstrou, a partir dos resultados obtidos, que possui capacidade de prover respostas institucionalizadas, organizadas e integradas com diferentes instituições de pesquisa do Brasil e do Mundo e orientadas à sua comunidade local e regional, a partir destes determinantes e nas categorias analisadas.

A pandemia da COVID-19, pelo seu alto grau de difusão, espalhou-se rapidamente pelo País, promovendo transformações no campo social, na saúde e na economia. Desta forma, os resultados apontam que o Sistema Federal de Educação Superior está sendo importante para a construção de soluções nos mais diferentes campos, mitigando os efeitos desta crise. Além disso, essas práticas podem deixar um futuro legado quanto à institucionalização de ações preventivas para solucionar novos problemas complexos.

Além disso, este estudo contribui com uma metodologia para comparação e avaliação das práticas das Universidades para o combate à COVID-19. Considerando a dinamicidade de novas ações criadas, recomendam-se futuras pesquisas analisando a capacidade de implementação a partir destas categorias, bem como identificando novas relações, tais como dimensões de governança e relacionamento com a sociedade. Também são recomendados estudos futuros com expansão da amostra, análise das práticas para além das vinculadas aos canais institucionais, e análise de implementação a partir das rubricas de gastos nas Universidades.

Por fim, considerando a necessidade sistêmica de implantação ampla de práticas voltadas para o desenvolvimento de tecnologias, de intervenções diretas na sociedade baseadas em CT&I e de difusão de informações que atuam sobre o comportamento dos indivíduos, é preciso considerar o Sistema Federal de Educação Superior, incluindo cientistas e pesquisador(as), como um ativo estratégico para o País.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Aug 2020

Histórico

  • Recebido
    01 Maio 2020
  • Aceito
    19 Jun 2020
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