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Uma análise espacial de como o crescimento e a desigualdade afetam a pobreza no Brasil

Resumo

A presente pesquisa busca analisar os impactos do crescimento econômico e da desigualdade de renda na pobreza urbana e rural dos estados do Brasil, considerando os efeitos dos níveis iniciais de desenvolvimento e desigualdade. Para tanto, as elasticidades da renda e a desigualdade da pobreza foram calculadas por meio de um painel dinâmico espacial, utilizando uma adaptação da abordagem desenvolvida por Kalwij e Verschoor (2004) e dados de 2004 a 2014. A incorporação do fator espacial permite capturar os efeitos da localização geográfica na pobreza local. Os resultados encontrados sugerem que a redução da pobreza ocorre mais intensamente quando associada a reduções nos níveis de desigualdade. As elasticidades de renda foram maiores (em termos absolutos) nas áreas rurais, enquanto as elasticidades de desigualdade foram maiores nas estimativas da área urbana. A tendência crescente da elasticidade-desigualdade e a tendência decrescente da elasticidade-renda encontradas sugerem que há uma tendência positiva do crescimento econômico, onde a pobreza apresentará uma tendência negativa. Da mesma forma, se a redução da desigualdade apresentar uma tendência negativa, o valor absoluto da pobreza apresentará um comportamento decrescente. Concluiu-se também que uma política pública de combate à pobreza por meio do crescimento econômico ou da redução das desigualdades aplicadas ao ambiente urbano ou rural obterá resultados mais eficientes se aplicada com maior duração.

Palavras-chave:
crescimento; desigualdade; pobreza; painel dinâmico espacial; Brasil

Abstract

This research seeks to analyze the impacts of economic growth and income inequality on Brazilian states’ urban and rural poverty, considering the effects of the initial levels of development and inequality. The elasticities of income and inequality of poverty were calculated through a dynamic spatial panel, using an adaptation of the approach developed by Kalwij and Verschoor (2004), and data from 2004 to 2014. Incorporating the spatial factor allows us to capture the effects of the geographical location on local poverty. The results suggest that a poverty reduction occurs more intensely when associated with reductions in the inequality levels. Income elasticities were greater (in absolute terms) in rural areas, while the inequality elasticities were greater in the urban area estimates. The growing trend of the inequality elasticity and the decreasing trend of the income elasticity suggest a positive trend of economic growth and a negative trend of poverty. Likewise, if the reduction in inequality shows a negative trend, the absolute value of poverty will decrease. Thus, a public policy to combat poverty through economic growth or reducing inequalities applied to the urban or rural environment would obtain more efficient results if applied in the long term.

Keywords:
growth; inequality; poverty; spatial dynamic panel; Brazil

Resumen

La presente investigación busca analizar los impactos del crecimiento económico y la desigualdad de ingresos en la pobreza urbana y rural de los estados de Brasil, considerando los efectos de los niveles iniciales de desarrollo y desigualdad. Para ello, se calcularon las elasticidades de los ingresos y la desigualdad de la pobreza a través de un panel dinámico espacial, utilizando una adaptación del enfoque desarrollado por Kalwij y Verschoor (2004), y datos de 2004 a 2014. La incorporación del factor espacial nos permite capturar los efectos de la ubicación geográfica en la pobreza local. Los resultados encontrados sugieren que la reducción de la pobreza ocurre más intensamente cuando se asocia con reducciones de los niveles de desigualdad. Las elasticidades de la renta fueron más altas (en términos absolutos) en las áreas rurales, mientras que las elasticidades de la desigualdad fueron más altas en las estimaciones de las áreas urbanas. La tendencia creciente de elasticidad-desigualdad y la tendencia decreciente de la elasticidad ingreso encontradas sugieren que existe una tendencia positiva de crecimiento económico, donde la pobreza mostrará una tendencia negativa. Asimismo, si la reducción de la desigualdad muestra una tendencia negativa, el valor absoluto de la pobreza mostrará un comportamiento decreciente. También se concluyó que una política pública de lucha contra la pobreza mediante el crecimiento económico o la reducción de las desigualdades aplicadas al ambiente urbano o rural obtendrá resultados más eficientes si se aplica con una mayor duración.

Palabras clave:
crecimiento; desigualdad; pobreza; panel dinámico espacial; Brasil

1. INTRODUÇÃO

Um tema recorrente na pesquisa econômica envolve a pobreza, os seus determinantes e, mais importante, qual a maneira mais adequada de preparar políticas públicas destinadas a reduzir o número de pessoas que vivem em condições subótimas, privadas de bens e serviços.

A pobreza em seu conceito básico se refere a algum tipo de privação, que pode ser material ou também incluir elementos sociais e culturais, em face dos recursos disponíveis a uma pessoa ou família. Essa privação pode ser de natureza absoluta, relativa ou subjetiva (Kageyama & Hoffmann, 2006Kageyama, A., & Hoffmann, R. (2006). Pobreza no Brasil: uma perspectiva multidimensional. Economia E Sociedade, 15(1) 79-112.).

Na visão de Araújo, Alves e Besarria (2013)Araujo, J. M., Alves, J. A., & Besarria, C. N. (2013). O impacto dos gastos sociais sobre os indicadores de desigualdade e pobreza nos estados brasileiros no período de 2004 a 2009. Revista De Economia Contemporânea, 17(2), 249-275., no Brasil, os problemas com a pobreza existem desde o período da colonização, agravados com o desenvolvimento da sociedade, o surgimento da indústria e os avanços tecnológicos. Embora a pobreza seja tratada como um fenômeno persistente no Brasil, os trabalhos de Ramos (2015Ramos, C. A. (2015). A queda da pobreza e da concentração de renda no brasil. “À la Recherche” da teoria perdida. Nova Economia, 25(3), 599-620.) e Rocha (2006Rocha, S. (2006). Pobreza e indigência no brasil - algumas evidências empíricas com base na PNAD 2004. Nova Economia, 16(2), 265-299.) mostram uma trajetória decrescente desse fenômeno em períodos como o final dos anos 1990 e 2000.

Como força principal das variações negativas nas condições de pobreza, Araújo et al. (2013)Araujo, J. M., Alves, J. A., & Besarria, C. N. (2013). O impacto dos gastos sociais sobre os indicadores de desigualdade e pobreza nos estados brasileiros no período de 2004 a 2009. Revista De Economia Contemporânea, 17(2), 249-275. destacam os efeitos do crescimento econômico e das políticas públicas de natureza redistributiva. Além disso, Rocha (2006Rocha, S. (2006). Pobreza e indigência no brasil - algumas evidências empíricas com base na PNAD 2004. Nova Economia, 16(2), 265-299.) discute o importante papel da educação e do mercado de trabalho no combate à pobreza.

Como Ravallion (2001) observa, o crescimento econômico desempenha um papel importante na redução dos níveis de pobreza. Para o autor, o crescimento dá aos indivíduos maiores possibilidades de obtenção de renda, o que proporciona maiores chances de acesso a bens e serviços básicos.

No entanto, existem vários trabalhos na literatura econômica que tratam o crescimento econômico como um mecanismo necessário para reduzir a pobreza, mas que não o consideram uma condição suficiente para esse fim. Essa abordagem pode ser observada em Annengues, Souza, Figueredo e Lima (2015Annengues, A. C., Souza, W. P. S. F., Figueredo, E., & Lima, F. S. (2015). Elasticidade da pobreza: aplicação de uma nova abordagem empírica para o Brasil. Planejamento E Políticas Públicas, 44, 145-166.), Araújo, Marinho e Campêlo (2017Araújo, J. A., Marinho, E., & Campêlo, G. L. (2017, diciembre). Crecimento económico y concentración del ingreso: sus efectos em la pobreza del Brasil. Revista De La Cepal, 123, 37-57.) e Tabosa, Irffi e Guimarães (2014Tabosa, F. J. S., Irffi, G., & Guimarães, D. B. (2014). Elasticidades renda e desigualdade da pobreza no Nordeste de 1981 a 2009. Revista De Política Agrícola, 23(1), 65-76.). Em geral, esses trabalhos argumentam que, embora o crescimento atue como um mecanismo para diminuir a pobreza, esse mecanismo seria mais eficiente se aplicado concomitantemente a medidas redistributivas.

Além disso, Ney e Hoffmann (2008Ney, M. G., & Hoffmann, R. (2008). A contribuição das atividades agrícolas e não-agrícolas para a desigualdade de renda no Brasil rural. Economia Aplicada, 12(3), 365-393.) indicam que os impactos do crescimento econômico e da concentração de renda no Brasil podem apresentar diferentes aspectos, dependendo da situação censitária. Essa perspectiva é analisada por Araújo, Tabosa e Khan (2012Araújo, J. A., Tabosa, F. J. S., & Khan, A. S. (2012). Elasticidade renda e elasticidade desigualdade da pobreza no nordeste brasileiro. Revista De Política Agrícola, 21(1), 50-59.), em um trabalho voltado para a região Nordeste do Brasil. De acordo com esses autores, a pobreza rural é mais sensível às mudanças no crescimento econômico, enquanto a pobreza urbana é mais sensível às mudanças na desigualdade de renda.

A pobreza consiste em um fenômeno de difícil mensuração, tendo em vista seus determinantes muitas vezes intangíveis. Araújo et al. (2017Araújo, J. A., Marinho, E., & Campêlo, G. L. (2017, diciembre). Crecimento económico y concentración del ingreso: sus efectos em la pobreza del Brasil. Revista De La Cepal, 123, 37-57.), por exemplo, consideram que os níveis iniciais de desigualdade e desenvolvimento atuam como determinantes da pobreza, devendo, portanto, ser considerados na elaboração de políticas destinadas a diminuir o número de pobres.

Usando uma metodologia espacial, Souza, Tabosa, Araujo e Khan (2017Souza, H. G., Tabosa, F. J., Araujo, J. A., & Khan, A. S. (2017, agosto). Análise espaço-temporal da pobreza nos estados brasileiros. Revista De Desenvolvimento Econômico, 2(37), 212-232.), assim como Souza, Tabosa e Araujo (2019)Souza, H. G., Tabosa, F. J. S., & Araujo, J. A. (2019). Elasticidades ingreso y desigualdad de la pobreza en áreas urbanas y rurales de los estados brasileños: un enfoque espacial. Revista Cepal, 129, 79-98., encontram que a pobreza nos estados brasileiros também é afetada pelos efeitos da proximidade espacial. Assim, mudanças no crescimento econômico ou nos níveis de desigualdade nos estados brasileiros levariam a um transbordamento espacial da pobreza.

Diante dessas considerações, o presente trabalho busca responder ao seguinte problema: qual o impacto do crescimento econômico e da desigualdade de renda sobre a pobreza nas áreas urbana e rural dos estados brasileiros? A compreensão disso pode ser valiosa para sugerir políticas públicas adequadas para aliviar a questão no Brasil. Como a literatura econômica parece sugerir que a redução da pobreza é mais do que meramente promover o crescimento econômico, e que pode haver um aspecto espacial para os determinantes da pobreza, seria uma contribuição relevante estudar essas questões com mais profundidade.

Para tanto, esta pesquisa leva em consideração a hipótese de que a pobreza nas áreas urbana e rural dos estados do Brasil expressa uma certa dependência espacial, onde variações nos determinantes da pobreza em um dos estados federativos do país, causariam mudanças na pobreza não apenas naquele estado, mas, também, nos estados vizinhos.

Portanto, o objetivo desta pesquisa é analisar os impactos do crescimento econômico e da desigualdade de renda sobre a pobreza urbana e rural nos estados brasileiros, levando em consideração os efeitos dos níveis iniciais de desenvolvimento e da desigualdade. Vale ressaltar que a contribuição para a literatura acadêmica proposta por esta pesquisa é a inovação da abordagem técnica e metodológica aplicada à análise da pobreza, que poderá, indiscutivelmente, ser capaz de fornecer resultados mais robustos frente ao problema em foco.

Os resultados encontrados sugerem que a redução da pobreza ocorre de forma mais intensa quando associada à redução dos níveis de desigualdade. As elasticidades de renda foram maiores nas áreas rurais, enquanto as elasticidades de desigualdade foram maiores nas estimativas da área urbana. Como se pode observar uma tendência crescente da elasticidade da desigualdade e uma tendência decrescente da elasticidade-renda, isso sugere que há uma tendência positiva do crescimento econômico e uma tendência negativa da pobreza. Da mesma forma, se a redução da desigualdade apresentar uma tendência negativa, o valor absoluto da pobreza apresentará um comportamento decrescente.

Assim, o presente trabalho está subdividido em cinco partes, incluindo esta breve introdução. A segunda, que segue, engloba a fundamentação teórica e empírica da literatura na qual se baseia o trabalho. A terceira seção refere-se ao referencial metodológico utilizado. A quarta parte do trabalho discute os resultados encontrados. Por fim, as considerações finais são feitas.

2. REVISÃO DE LITERATURA

Esta seção tem como objetivo apresentar um breve contexto da literatura acadêmica, dos trabalhos que tratam da pobreza e seus determinantes. Nesse sentido, as principais conclusões encontradas nesses trabalhos que verificam o impacto do crescimento econômico e da desigualdade de renda sobre a pobreza são apresentadas a seguir.

2.1 Crescimento Econômico e Pobreza

2.1.1 Evidência Internacional

Há uma quantidade elevada de trabalhos que discutem a pobreza e suas relações com o crescimento econômico, como Griffith e Nallari (2011Griffith, B., & Nallari, R. (2011). Understanding growth and poverty theory, policy, and empirics. Washington, DC: The World Bank.), Ravallion (2004Ravallion, M. (2004). Pro-poor growth: a primer (Policy Research Working Papers, N. 3242). Washington, DC: The World Bank .) e Bourguignon (2002).

Ravallion (2004Ravallion, M. (2004). Pro-poor growth: a primer (Policy Research Working Papers, N. 3242). Washington, DC: The World Bank .) aponta que o crescimento econômico geralmente ocorre de uma forma que beneficia os mais pobres. O autor, porém, também aponta que os fatores que fazem a distribuição dos ganhos ser pró-pobre, em alguns casos, podem ocorrer em detrimento do crescimento econômico.

De acordo com a abordagem de Kakwani e Pernia (2000Kakwani, N., & Pernia, E. M. (2000). What is pro-poor growth? Asian Development Review, 18(1), 1-16.), o crescimento econômico só acontecerá em benefício dos mais pobres se o aumento da renda desse grupo for maior que o aumento da renda dos considerados não pobres, o que seria promover a redução da desigualdade. Portanto, o crescimento favorece as camadas sociais mais pobres se este for acompanhado de uma queda da pobreza proporcionalmente maior do que seria se todas as rendas tivessem aumentado na mesma proporção.

Embora a pobreza seja mais frequentemente vista como consequência de rendimentos médios baixos, há motivos para acreditar que os efeitos da elevada desigualdade inicial também impedem o crescimento futuro a favor dos pobres. Em muitos países em desenvolvimento, esse fenômeno pode ocorrer de forma plausível, devido à existência de falhas que impedem algumas pessoas de explorar o desenvolvimento gerado pelo crescimento (Ravallion, 2004Ravallion, M. (2004). Pro-poor growth: a primer (Policy Research Working Papers, N. 3242). Washington, DC: The World Bank .).

A promoção do crescimento a favor dos pobres requer uma estratégia deliberadamente enviesada em favor desse grupo, de modo que os pobres se beneficiem proporcionalmente mais do que os ricos. Esse resultado reduziria rapidamente a incidência de pobreza, de forma que aqueles que estão na parte inferior da curva de distribuição do consumo pudessem atender às suas necessidades mínimas básicas (Kakwani & Pernia, 2000Kakwani, N., & Pernia, E. M. (2000). What is pro-poor growth? Asian Development Review, 18(1), 1-16.).

Tochetto, Ribeiro, Comim e Porto (2004Tochetto, D. G., Ribeiro, E. P., Comim, F. V., & Porto, S. S. Jr . (2004). Crescimento Pró-Pobre No Brasil - Uma Análise Exploratória. In Anais do 32º Encontro Nacional De Economia, João Pessoa, PB.) indicam que há uma série de abordagens que procuram explicar como o crescimento econômico atua como um fator de diminuição do nível de pobreza, sendo que estes autores destacam uma variedade de elementos, tais como os elementos espaciais do crescimento, os padrões de cada setor econômico, o grau de intensidade e o uso de fatores de produção, o grau de desigualdade de renda e riqueza, as dimensões não econômicas, o padrão e a qualidade dos gastos públicos e o impacto ambiental de crescimento. Os autores também apontam que aspectos como falhas de crédito e no mercado de capitais, grau de dualismo das economias, distorção nos mercados de câmbio e imperfeições em outros mercados também desempenham um papel na conversão do crescimento em redução da pobreza.

Bourguignon (2004Bourguignon, F. (2004). The Social Consequences Of Economic Growth. In P. Aghion, & S. Durlauf (Eds.), The Handbook Of Economic Growth. Amsterdam, Netherlands: Elsevier.) argumenta que uma estratégia de desenvolvimento econômico mais apropriada deve ser baseada na distribuição de renda e crescimento econômico, ao invés da relação apenas entre pobreza e crescimento. Nesse sentido, o autor indica que as medidas de desenvolvimento devem ser direcionadas para a eliminação da pobreza por meio de mecanismos que promovam o crescimento e a redução das desigualdades.

Datt, Ravallion e Murgai (2016Datt, G., Ravallion, M., & Murgai, R. (2016, September). Growth, urbanization and poverty reduction in India (Discussion Paper). Melbourne, Australia: Monash Business School.) realizam uma análise setorial dos impactos do crescimento econômico sobre a pobreza. Para os autores, o declínio da pobreza ocorre mais rapidamente com níveis mais elevados de crescimento, o que ocorre em seu modo pró-pobre. Além disso, os autores indicam que o crescimento do consumo urbano impulsiona os ganhos dos pobres rurais e urbanos.

Portanto, pode-se ver que a literatura acadêmica sugere uma relação entre crescimento econômico e pobreza, no entanto, como promover o crescimento pró-pobre dependerá do foco das políticas públicas, e não há uma resposta homogênea sobre como exatamente o crescimento econômico impacta a pobreza. Como o funcionamento dessa relação depende não apenas de como as políticas públicas são aplicadas, mas de qual país está sendo analisado, vale a pena tentar estabelecer os efeitos do crescimento econômico sobre a pobreza no Brasil, como alguns outros autores, apresentados a seguir, tentaram.

2.1.2 Evidência para o Brasil

Oliveira e Jacinto (2015Oliveira, V. R., & Jacinto, P. A. (2015). Crescimento Pró-Pobre Ou Empobrecedor? Uma Análise Para Os Estados Brasileiros, No Período 1995-2011. Nova Economia, 25(1), 161-180.) avaliam se o recente crescimento econômico do Brasil tem favorecido o estrato mais pobre da sociedade, ao reduzir a desigualdade de renda e aumentar os níveis médios de renda, considerando diferentes situações censitárias. Os autores concluem que houve uma mudança significativa na qualidade do crescimento econômico, beneficiando principalmente os pobres urbanos. Eles observaram, no entanto, que esse movimento foi acompanhado por um aumento do número de estados com um crescimento empobrecedor das áreas rurais do país.

Ribeiro, Araujo e Feitosa (2015Ribeiro, L. L., Araujo, J. A., & Feitosa, D. G. (2015, abril). Crescimento pró-pobre? Uma análise para os meios urbano e rural no Brasil. Pesquisa E Planejamento Econômico, 45(1), 155-176.) também examinam os impactos do crescimento econômico sobre a pobreza considerando os ambientes urbano e rural dos estados brasileiros. Neste trabalho, os autores constatam que, embora o crescimento econômico ocorra a favor dos mais pobres no Brasil como um todo, apenas as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do país vivenciaram um padrão de crescimento que reduziu a pobreza e a desigualdade de renda.

Araújo et al. (2012Araújo, J. A., Tabosa, F. J. S., & Khan, A. S. (2012). Elasticidade renda e elasticidade desigualdade da pobreza no nordeste brasileiro. Revista De Política Agrícola, 21(1), 50-59.) demonstram, por meio do cálculo das elasticidades renda e desigualdade da pobreza, que, no Brasil, o crescimento econômico desempenha um papel variado na redução da pobreza, dependendo da situação censitária. Os autores argumentam que a pobreza rural é mais sensível ao crescimento econômico quando comparada à pobreza urbana. Assim, como também verificado por Annengues et al. (2015Annengues, A. C., Souza, W. P. S. F., Figueredo, E., & Lima, F. S. (2015). Elasticidade da pobreza: aplicação de uma nova abordagem empírica para o Brasil. Planejamento E Políticas Públicas, 44, 145-166.) e Hoffmann (2005), Araújo et al. (2012)Araújo, J. A., Tabosa, F. J. S., & Khan, A. S. (2012). Elasticidade renda e elasticidade desigualdade da pobreza no nordeste brasileiro. Revista De Política Agrícola, 21(1), 50-59., demonstram que o crescimento econômico se torna um mecanismo mais eficiente de redução da pobreza, seja ela urbana ou rural, se associado a medidas redistributivas.

Por fim, Ney e Hoffmann (2008Ney, M. G., & Hoffmann, R. (2008). A contribuição das atividades agrícolas e não-agrícolas para a desigualdade de renda no Brasil rural. Economia Aplicada, 12(3), 365-393.) argumentam que a pobreza rural no Brasil pode ser reduzida por meio do crescimento econômico, tanto nas áreas rurais quanto nas urbanas. Os autores ressaltam, no entanto, o papel fundamental de reduzir as desigualdades no meio rural, para que o crescimento ocorra de forma a reduzir as disparidades na distribuição dos recursos e, assim, o ato de diminuir a pobreza rural seja mais eficiente.

Assim, a evidência empírica no Brasil parece sugerir que o crescimento econômico alivia a pobreza, pois geralmente parece favorecer os mais pobres da sociedade, no entanto, existem conclusões divergentes se esse impacto é maior nas áreas urbanas ou rurais do país, o que serve de motivação para o presente trabalho de tentar determinar qual é o caso.

2.2 Concentração de renda e Pobreza

A outra relação explorada neste trabalho é entre desigualdade de renda e pobreza. Vários autores pesquisaram essa relação ao longo dos anos, tanto na literatura internacional quanto para o caso brasileiro.

2.2.1 Evidência Internacional

A literatura que associa a condição de pobreza aos efeitos das desigualdades na distribuição dos recursos é bastante ampla. Por exemplo, as abordagens de Atkinson e Bourguignon (2014Bourguignon, F. (2014). The growth elasticity of poverty reduction: explaining heterogeneity across countries and time periods. In T. S, Eicher, & S. J. Turnovsky (Eds.), Inequality and Growth: Theory and Policy Implications (pp. 3-26). Cambridge, MA: MIT Press.), Bourguignon (2015Bourguignon, F. (2015). Appraising income inequality databases in Latin America. Journal Of Economic Inequality, 13(4), 557-578., 2017Bourguignon, F. (2017). The globalization of inequality. Princeton, NJ: Princeton University Press.), Fosu (2010Fosu, A. K. (2010). Growth, inequality, and poverty reduction in developing countries: recent global evidence (Working Paper, N° 2011/01). Helsinki, Finland: Instituto Mundial De Investigaciones De Economía Del Desarrollo (Unu-Wider).), Ravallion (2014Ravallion, M. (2014). Income inequality in the developing world. Science, 344 (6186), 851-855.) e Ravallion (2017)Ravallion, M. (2017). Inequality and globalization: a review essay. Journal Of Economic Literature, 56(2), 620-642., são alguns dos trabalhos mais referenciados.

O crescimento geralmente ajudou a reduzir a incidência da pobreza absoluta, mas menos em países mais desiguais. A alta desigualdade também ameaça impedir o progresso futuro contra a pobreza ao atenuar as perspectivas de crescimento. As percepções das crescentes lacunas absolutas nos padrões de vida entre ricos e pobres em economias em crescimento também são consistentes com as evidências (Ravallion, 2014Ravallion, M. (2014). Income inequality in the developing world. Science, 344 (6186), 851-855.).

Bourguignon (2017Bourguignon, F. (2017). The globalization of inequality. Princeton, NJ: Princeton University Press.) analisou a desigualdade na distribuição de renda e estudou os determinantes sociais e econômicos da recente realidade econômica mundial, que elevou o padrão de vida de mais de meio bilhão de pessoas nos países emergentes. Para o autor, o aumento da qualidade de vida das pessoas veio principalmente da redução das disparidades entre os estratos sociais mais ricos e os mais pobres. Bourguignon (2017)Bourguignon, F. (2017). The globalization of inequality. Princeton, NJ: Princeton University Press. afirma ainda que a redução da desigualdade deve ser considerada como um dos principais mecanismos de redução da pobreza.

Bourguignon (2004Bourguignon, F. (2004). The Social Consequences Of Economic Growth. In P. Aghion, & S. Durlauf (Eds.), The Handbook Of Economic Growth. Amsterdam, Netherlands: Elsevier.) explica que as melhores estratégias de combate à pobreza geralmente estão ligadas a mecanismos de redistribuição. Essa perspectiva também foi apresentada por Atkinson e Bourguignon (2014Atkinson, A. B., & Bourguignon, F. (2014). Handbook of income distribution. Amsterdam, Netherlands: Elsevier.).

2.2.2 Evidência para o Brasil

Barros, Foguel e Ulyssea (2006Barros, R. P. D., Foguel, M. N., & Ulyssea, G. (2006). Desigualdade de renda no Brasil: uma análise da queda recente. Brasília, DF: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.) analisam as características da desigualdade e sua evolução recente no Brasil. Os autores concluem que o comportamento dos níveis de concentração de renda observados no Brasil nas últimas décadas tem alto impacto na redução da pobreza e da pobreza extrema. Aponta-se, também, que esse fato só ocorre porque a queda da desigualdade de renda só ocorre quando a renda média dos mais pobres cresce mais rápido do que a renda média nacional.

Para Barros, Carvalho, Franco e Mendonça (2000Barros, R. P. D., Henriques, R., & Mendonça, R. (2000). Desigualdade e pobreza no Brasil: retrato de uma estabilidade inaceitável. Revista Brasileira De Ciências Sociais, 15(42), 123-142.), a desigualdade na distribuição de renda e nas oportunidades de inclusão econômica e social é o principal determinante dos elevados níveis de pobreza que atingem a sociedade brasileira. Além disso, os autores destacam a importância de estabelecer estratégias de combate à pobreza que não excluam o crescimento econômico, mas que enfatizem, sobretudo, o papel das políticas redistributivas que enfrentem a desigualdade.

Barros, Carvalho, Franco e Mendonça (2010Barros, R., Carvalho, M., Franco, S., & Mendonça, R. (2010). Determinantes da queda na desigualdade de renda no Brasil (Texto Para Discussão Nº 1460). Brasília, DF: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.) argumentam que, apesar da queda acentuada nas disparidades de distribuição de renda, a desigualdade de renda brasileira continua extremamente elevada. Além disso, também mostram que melhorias na distribuição da renda derivada do trabalho e também da renda não relacionada ao trabalho foram os principais fatores responsáveis pela redução dos níveis de pobreza no Brasil.

Annengues et al. (2015Annengues, A. C., Souza, W. P. S. F., Figueredo, E., & Lima, F. S. (2015). Elasticidade da pobreza: aplicação de uma nova abordagem empírica para o Brasil. Planejamento E Políticas Públicas, 44, 145-166.) desenvolveram um trabalho no qual os impactos do crescimento econômico e da desigualdade de renda no Brasil foram verificados considerando estimativas não paramétricas para os municípios e estados brasileiros. Os autores sugerem que, tanto para os estados quanto para os municípios, a elasticidade da desigualdade é maior do que a elasticidade da renda, evidenciando que a pobreza denota maior sensibilidade às mudanças nos níveis de desigualdade quando comparada às mudanças no crescimento econômico.

Araújo et al. (2012Araújo, J. A., Tabosa, F. J. S., & Khan, A. S. (2012). Elasticidade renda e elasticidade desigualdade da pobreza no nordeste brasileiro. Revista De Política Agrícola, 21(1), 50-59.) também analisam o impacto do crescimento econômico e da desigualdade de renda na pobreza, calculando as elasticidades de renda e desigualdade para as áreas urbana e rural dos estados do Nordeste brasileiro. Os autores mostram que a pobreza urbana é mais sensível a mudanças nos níveis de desigualdade em comparação com a pobreza rural. No entanto, esses autores sugerem que a elasticidade da desigualdade geralmente é maior do que a elasticidade da pobreza, portanto, medidas de redistribuição de recursos no combate à pobreza são consideradas extremamente importantes.

Assim, a literatura acadêmica, tanto internacional quanto a com foco no Brasil, sugere que a redução da desigualdade de renda parece reduzir a pobreza, e que as políticas públicas voltadas para a redução da pobreza devem, primordialmente, apresentar mecanismos para diminuir a distância entre os mais ricos e os mais pobres da sociedade. Além disso, parece haver um impacto maior na pobreza urbana quando a desigualdade de renda é reduzida do que nas áreas rurais, pelo menos para uma região específica do Brasil, o Nordeste, conforme encontrado por Araújo et al. (2012Araújo, J. A., Tabosa, F. J. S., & Khan, A. S. (2012). Elasticidade renda e elasticidade desigualdade da pobreza no nordeste brasileiro. Revista De Política Agrícola, 21(1), 50-59.). O presente trabalho, então, pretende aprofundar essa discussão não apenas explorando a relação entre desigualdade de renda e pobreza no Brasil como um todo, mas analisando a diferença nas áreas urbana e rural do país, e comparando os resultados com a literatura existente.

O número de pessoas consideradas pobres no Brasil apresentou tendência decrescente durante a década de 1990 (Barros, 2009). Esse comportamento é observado na Figura 1 para os anos de 2000 e início de 2010, tanto para o meio urbano quanto para o rural.

É possível perceber uma correlação positiva entre as mudanças na proporção de pobres e a desigualdade de renda nas duas situações censitárias analisadas. Essa correlação pode ser explicada considerando os resultados apresentados por Araújo et al. (2012Araújo, J. A., Tabosa, F. J. S., & Khan, A. S. (2012). Elasticidade renda e elasticidade desigualdade da pobreza no nordeste brasileiro. Revista De Política Agrícola, 21(1), 50-59.), que sugerem que parte considerável das variações na pobreza rural e urbana advém de mudanças na concentração de renda.

Deve-se enfatizar que a desigualdade de renda tem efeitos diferentes na pobreza, dependendo da situação censitária. No entanto, Araújo et al. (2012Araújo, J. A., Tabosa, F. J. S., & Khan, A. S. (2012). Elasticidade renda e elasticidade desigualdade da pobreza no nordeste brasileiro. Revista De Política Agrícola, 21(1), 50-59.) identificam o fato de que a pobreza urbana é mais sensível a mudanças nos níveis de desigualdade, enquanto a pobreza rural é mais sensível a mudanças no crescimento econômico.

Além de contribuir para os estudos existentes e já citados sobre as relações entre pobreza, crescimento e desigualdade no Brasil, o presente trabalho abre uma nova discussão sobre como essas relações podem ser mensuradas. Além de considerar a análise desagregada em termos da situação censitária aqui apresentada como um novo aspecto e contribuição importante, esta pesquisa tenta demonstrar que a pobreza, e a forma como responde às mudanças nos níveis de crescimento e desigualdade, também tem um enfoque geográfico, algo que ainda é raramente abordado na literatura econômica.

3. METODOLOGIA

Para responder às questões descritas na seção introdutória, é necessário utilizar um conjunto de técnicas para o tratamento dos dados organizados no espaço e no tempo. O recurso metodológico utilizado é uma adaptação da abordagem desenvolvida por Kalwij e Verschoor (2004Kalwij, A., & Verschoor, A. (2004, November). How good is growth for the poor? The role of the initial income distribution in regional diversity in poverty trends (Working Paper Series, N. 115). Tilburg, The Netherlands: University Tilburg.), aplicada com técnicas econométricas capazes de considerar os efeitos da proximidade espacial.

A ideia básica em Kalwij e Verschoor (2004Kalwij, A., & Verschoor, A. (2004, November). How good is growth for the poor? The role of the initial income distribution in regional diversity in poverty trends (Working Paper Series, N. 115). Tilburg, The Netherlands: University Tilburg.) é que, embora a variação no crescimento da renda seja responsável pela maior parte da variação na redução da pobreza entre diferentes regiões, o impacto das variações na desigualdade e nas elasticidades da pobreza é frequentemente muito elevado para ser ignorado, e varia dependendo do inverso do nível inicial de desenvolvimento - que é dado pela razão entre a pobreza e a renda familiar per capita inicial - e o nível inicial de desigualdade.

Os detalhes metodológicos da adaptação feita à abordagem de Kalwij e Verschoor (2004Kalwij, A., & Verschoor, A. (2004, November). How good is growth for the poor? The role of the initial income distribution in regional diversity in poverty trends (Working Paper Series, N. 115). Tilburg, The Netherlands: University Tilburg.) são discutidos nas subseções seguintes.

3.1 Matriz de Proximidade Espacial

O primeiro passo a ser considerado é modelar a vizinhança das unidades espaciais de forma numérica. Para tanto, foi construída uma matriz de proximidade espacial que consiste em um instrumento capaz de identificar vizinhos de uma determinada região por meio da representação de áreas em termos numéricos. Com base na especificação dada por Almeida (2012Almeida, E. (2012). Econometria espacial aplicada. Campinas, SP: Alínea.), a matriz de vizinhança possui a seguinte estrutura:

W i j = 1 s e i e j s ã o v i z i n h o s 0 s e i e j n ã o s ã o v i z i n h o s (1)

A matriz é construída a partir de um conjunto de n áreas {A1, ..., An }, resultando em uma matriz W (1) (n x n) onde cada um dos elementos W ij representa a medida de proximidade entre Ai e Aj .

3.2 Estimação dinâmica para dados espaciais em painel

Tendo em vista que os dados são distribuídos em tempo e espaço, considera-se inicialmente o modelo convencional de efeitos fixos dado por:

y t = α t + X t β + ε t t (2)

De tal modo, {α 1 , ..., α n } é um vetor que corresponde aos efeitos fixos, y é a variável dependente e X é a matriz de variáveis independentes. Utilizando o procedimento de incorporação dos efeitos espaciais dados por Elhorst (2010Elhorst, J. P. (2010). Applied spatial econometrics: raising the bar. Spatial Economic Analysis, 5(1), 9-28.) chega-se a um modelo geral de efeitos fixos que engloba a dependência espacial incluindo defasagens espaciais para que se tenha o controle da autocorrelação espacial, sendo dado por:

y t = α + ρ W 1 y t + ε t + X t β + W 1 X t τ + ξ t t c o m ξ t t = λ W 2 ξ t + ε t (3)

Onde W i y t é a variável dependente espacialmente defasada, W 2 ξ t são os erros espacialmente defasados, W é a matriz de vizinhança e λ e ρ são os parâmetros espaciais escalares, sendo τ um vetor de coeficientes espaciais. Já o modelo geral de efeitos aleatórios com dependência espacial é dado por Almeida (2012Almeida, E. (2012). Econometria espacial aplicada. Campinas, SP: Alínea.) como:

y t = ρ W y t + X t β + W X t τ + ξ t W i t h ξ t = α + λ W ξ t + ε t (4)

Neste trabalho, as estimações efetuadas pressupõem de que a pobreza não responde pontualmente às alterações no crescimento econômico e na desigualdade de renda, em vista da necessidade de tempo para a absorção das mudanças por parte das pessoas. Almeida (2012Almeida, E. (2012). Econometria espacial aplicada. Campinas, SP: Alínea.) sugere que essa especificação pode ser feita por meio da inserção da defasagem temporal da variável dependente no conjunto de regressores.

Almeida (2012Almeida, E. (2012). Econometria espacial aplicada. Campinas, SP: Alínea.) indica, ainda, que, nesse procedimento, existem duas fontes de endogeneidade: a endogeneidade temporal, que ocorre visto que E(W1ytεt ) ≠ 0; e a endogeneidade temporal, a qual ocorre por que E(y t-1 ε t ) ≠ 0.

Um estimador convencional de modelos dinâmicos para dados em painel com especificação espacial como dado na Equação 5 elimina, contudo, os efeitos fixos por meio do processo da diferenciação das variáveis.

Δ y t = ρ Δ W y t - j + δ Δ y t - j + Δ X t β + Δ W X 1 τ + Δ ε t (5)

Embora a Equação 5 elimine os efeitos fixos no processo de diferenciação, a variável dependente defasada temporalmente ainda é endógena, porquanto y t-j é correlacionado com ε t . Para tanto, Arellano e Bover (1995Arellano, M., & Bover, O. (1995). Another Look At The Instrumental Variable Estimation Of Error-Components Models. Journal Of Econometrics, 68(1), 29-51.) e Blundell e Bond (1998Blundell, R., & Bond, S. (1998). Initial conditions and moment restrictions in dynamic panel data models. Journal Of Econometrics, 87(1), 115-143.) propuseram a utilização do estimador Sistema GMM para painel dinâmico.

Este estimador utiliza instrumentos para formar as condições de momento e torna a estrutura de modelagem mais eficiente, lidando com os efeitos fixos não observados e com o problema de endogeneidade presente na defasagem de tempo da variável dependente. Assim, as defasagens na variável dependente em nível são instrumentos para a equação da primeira diferença, e as defasagens das variáveis na primeira diferença são instrumentos válidos para a equação em nível. A consistência desse método se dá pelo fato de esses instrumentos não se correlacionarem com o termo de erro (Araújo et al., 2015Araújo, I. F Jr., Gonçalves, E., & Almeida, E. (2015). Efeitos de externalidades dinâmicas e espaciais sobre o crescimento local: evidências do Brasil (1995-2013). In Anais do 43º Encontro Nacional De Economia, Florianópolis, SC.).

Para corrigir a endogeneidade espacial, utiliza-se a proposta de Kukenova e Monteiro (2009Kukenova, M., & Monteiro, J. A. (2009). Spatial dynamic panel model and system GMM: a Monte Carlo investigation. Munich, Germany: University Library Of Munich.), de modo que se estima a Equação 5 por meio do Método de Generalizado de Momentos na sua forma sistêmica, usando apenas a especificação do modelo Lag espacial, no qual ρ ≠ 0, τ = 0 and λ = 0.

Nesse procedimento, são utilizadas defasagens espaciais e temporais para instrumentalizar ΔWy t e Δy t-1 . Assim como indicado por Araújo Júnior et al., (2015Araújo, I. F Jr., Gonçalves, E., & Almeida, E. (2015). Efeitos de externalidades dinâmicas e espaciais sobre o crescimento local: evidências do Brasil (1995-2013). In Anais do 43º Encontro Nacional De Economia, Florianópolis, SC.), as defasagens da variável dependente em nível são instrumentos para a equação em primeira diferença e as defasagens dessas variáveis em primeira diferença são instrumentos válidos para a equação em nível.

De acordo com Araújo et al. (2017Araújo, J. A., Marinho, E., & Campêlo, G. L. (2017, diciembre). Crecimento económico y concentración del ingreso: sus efectos em la pobreza del Brasil. Revista De La Cepal, 123, 37-57.), uma variável independente é estritamente exógena se não estiver correlacionada com os termos de erro passados, presentes e futuros; fracamente exógena se for apenas correlacionada com os termos de erro do passado; e endógena se estiver correlacionada com erros passados, presentes ou futuros. Nesse sentido, as variáveis explicativas dos modelos estimados posteriormente são subdivididas em dois grupos, sendo o conjunto de instrumentos, contendo as defasagens espaciais e temporais da variável dependente e as variáveis explicativas, endógenas ao modelo.

Almeida (2012Almeida, E. (2012). Econometria espacial aplicada. Campinas, SP: Alínea.) indica que a consistência do método GMM é verificada pela estatística de Sargan.

A fim de encontrar o valor da renda e da desigualdade das elasticidades da pobreza, uma abordagem espacial foi usada para o modelo dinâmico especificado por Kalwij e Verschoor (2004Kalwij, A., & Verschoor, A. (2004, November). How good is growth for the poor? The role of the initial income distribution in regional diversity in poverty trends (Working Paper Series, N. 115). Tilburg, The Netherlands: University Tilburg.).

A inclusão do aspecto temporal nas estimativas implica a obtenção de resultados dinâmicos, não apenas estáticos. A incorporação do fator espacial permite captar os efeitos da localização geográfica sobre a pobreza local. Nesse sentido, a correção da endogeneidade por meio da instrumentação dos regressores endógenos é feita considerando a especificação de Araújo et al. (2015Araújo, I. F Jr., Gonçalves, E., & Almeida, E. (2015). Efeitos de externalidades dinâmicas e espaciais sobre o crescimento local: evidências do Brasil (1995-2013). In Anais do 43º Encontro Nacional De Economia, Florianópolis, SC.) 1 1 Foram feitas estimações com as matrizes do tipo Queen, Rook e K vizinhos com K = 1; K = 2; K = 3; K = 4; K = 5 e K = 10. , que utiliza duas defasagens temporais e espaciais como instrumentos em uma estimativa dinâmica espacial. Neste trabalho, são utilizadas até duas defasagens, para que a validade dos instrumentos seja verificada por meio da estatística de Sargan.

Para estabelecer o número de defasagens espaciais, foi utilizada uma matriz de pesos espaciais para encontrar um ajuste mais adequado do modelo, conforme feito por Araújo et al. (2015Araújo, I. F Jr., Gonçalves, E., & Almeida, E. (2015). Efeitos de externalidades dinâmicas e espaciais sobre o crescimento local: evidências do Brasil (1995-2013). In Anais do 43º Encontro Nacional De Economia, Florianópolis, SC.). Este procedimento é baseado em LeSage e Pace (2010), que demonstraram que a escolha da matriz de pesos espaciais não altera os efeitos marginais das estimativas, visto que o mais importante é a especificação adequada do modelo.2 2 Para as estimações esboçadas na Tabela 1, utilizou-se uma matriz de contiguidade do tipo Queen, tendo em vista que essa matriz mostrou maior adequabilidade aos dados e maior validade dos instrumentos.

Para a estimação referente ao hiato quadrático da pobreza no meio urbano, foram utilizadas duas defasagens espaciais e uma defasagem temporal para instrumentalizar os componentes endógenos do modelo referente à proporção de pobres. Em relação às demais estimações, foram utilizadas uma defasagem espacial e uma defasagem temporal.

Nesta pesquisa, buscamos capturar os impactos da desigualdade de renda e do crescimento econômico em um conjunto de indicadores de pobreza. Seguimos o procedimento apresentado em Kalwij e Verschoor (2004Kalwij, A., & Verschoor, A. (2004, November). How good is growth for the poor? The role of the initial income distribution in regional diversity in poverty trends (Working Paper Series, N. 115). Tilburg, The Netherlands: University Tilburg.), que indicam que a pobreza varia conforme suas interações com o crescimento, a desigualdade e o desenvolvimento mudam. Adaptando a Equação 5 à abordagem de Kalwij e Verschoor (2004)Kalwij, A., & Verschoor, A. (2004, November). How good is growth for the poor? The role of the initial income distribution in regional diversity in poverty trends (Working Paper Series, N. 115). Tilburg, The Netherlands: University Tilburg. considerando o método GMM, obtemos:

Δ l n P j i t = β 0 + P Δ W l n P j i t - j + δ Δ l n P J i t - j + δ Δ l n P j i t - j + β 1 Δ l n y ¯ i t + β 2 Δ l n y ¯ l n G i t - 1 + β 3 Δ l n y i t l n z i t y ¯ i t - 1 + β 4 Δ l n G i t + β 5 Δ l n G i t l n G i t - 1 + β 6 Δ l n G i t l n z i t y ¯ i t - 1 + β 7 l n G i 0 + β 8 l n z i t y ¯ i t - 1 + Δ ε t (6)

Onde PJ é o indicador de pobreza utilizado, com j = 0,1,2; y- é a renda familiar per capita média, G é a desigualdade de renda representada pelo índice de Gini; [Δ ln[y¯ ]ln Git-1] e Δ ln[yit] ln [Zit/y¯it-1] representam respectivamente, as interações entre a variação da renda familiar per capita média e o índice de Gini inicial para o estado i; e o inverso do nível iicial de desenvolvimento Zitit/y¯it-1 (linha de pobreza dividida pela renda familiar per capita inicial); [Δ ln[Git]ln [Git-1]] e [Δ ln[Gitit]ln[Zitit/y¯it-1] representam, respectivamente, as interações entre o índice de desigualdade de Gini e o índice de desigualdade inicial do estado i e o inverso do nível inicial de desenvolvimento.

Para obter as elasticidades renda e desigualdade, é necessário considerar os efeitos dessas interações, assim:

ε y ¯ i t P 0,1 , 2 = β 1 + β 2 l n G i t - 1 + β 3 l n z i t y ¯ i t - 1 (7)

ε G i t P 0,1 , 2 = β 4 + β 6 l n z i t y ¯ i t - 1

Onde e são respectivamente as elasticidades renda e desigualdade em sua forma dinâmica. Como os modelos estimados de acordo com a Equação 6 possuem interações entre as variáveis explicativas - que estão na forma logarítmica -, o cálculo das elasticidades de desigualdade de renda e pobreza apresentadas na Equação 7 é dado pela derivada total da Equação 6 em relação aos indicadores de pobreza e desigualdade, seguindo a especificação de Kalwij e Verschoor (2004Kalwij, A., & Verschoor, A. (2004, November). How good is growth for the poor? The role of the initial income distribution in regional diversity in poverty trends (Working Paper Series, N. 115). Tilburg, The Netherlands: University Tilburg.).

3.3 Dados

Para indicar o nível de pobreza, , and são utilizados, os quais são dados por:

P 0 = q n P 1 = 1 q i = 1 q z - y i z P 2 = 1 q z - y i z 2 (8)

Onde P 0 informa proporção de pobres, q representa a quantidade de pobres, n representa o número de indivíduos, z denota a linha de pobreza e y diz respeito a renda familiar per capita (valores monetários foram atualizados para o ano de 2015 utilizando o Índice Nacional de Preços ao Consumidor - IPCA). Para a construção desse índice considera-se como pobre o indivíduo detentor de um montante inferior à linha de pobreza. Para tanto, a linha de pobreza utilizada é informada pelo Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS). A desigualdade na distribuição de renda é medida pelo índice de Gini e é utilizada como proxy para o crescimento econômico a renda familiar per capita.

Os dados utilizados foram obtidos por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD, disponibilizada anualmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Tendo em vista a indisponibilidade da base de dados da PNAD para o ano de 2010, os valores desse ano foram obtidos por meio da média aritmética dos anos anteriores e sucessivos.

A escolha da PNAD como fonte de dados se deu em função de sua periodicidade anual e de abrangência nacional. Os dados estão disponíveis em um período de 11 anos (2004 a 2014). Ressalta-se que a utilização desse período se deve à disponibilidade de informações sobre o meio rural para todos os estados brasileiros. As análises são feitas para o meio rural e urbano, sendo delimitadas pela PNAD para cada uma das 26 unidades da Federação brasileira, incluindo também o Distrito Federal.

4. RESULTADOS

Nesta seção apresentamos os resultados encontrados com o método utilizado, bem como as discussões para com o arcabouço literário existente acerca do tema.

Observando a Figura 1, também é possível notar que a pobreza, seja nas áreas urbanas ou rurais do Brasil, apresenta uma tendência de queda maior do que a redução dos níveis de desigualdade. Visualmente, verifica-se que, embora tenha diminuído no período analisado, a concentração de renda é um fenômeno mais persistente e menos volátil do que a pobreza.

Figura 1
Média da proporção de pobres e da desigualdade de renda nos meios urbano e rural do Brasil

Os resultados das estimativas do modelo proposto na seção anterior são apresentados na Tabela 1. Em relação ao ambiente urbano, o componente tempo de primeira ordem apresentou sinal negativo e foi estatisticamente significativo, confirmando a hipótese de persistência da pobreza, conforme encontrado por Araújo et al. (2017Araújo, J. A., Marinho, E., & Campêlo, G. L. (2017, diciembre). Crecimento económico y concentración del ingreso: sus efectos em la pobreza del Brasil. Revista De La Cepal, 123, 37-57.).

Em relação à defasagem espacial de primeira ordem, o coeficiente foi positivo e estatisticamente significativo para a proporção de pobres e o hiato de pobreza, o que indica a existência de um transbordamento espacial da pobreza na área urbana. Para o hiato quadrático, a componente espacial é positiva somente após a inserção de duas defasagens. Esse comportamento também foi encontrado por Araújo et al. (2015Araújo, I. F Jr., Gonçalves, E., & Almeida, E. (2015). Efeitos de externalidades dinâmicas e espaciais sobre o crescimento local: evidências do Brasil (1995-2013). In Anais do 43º Encontro Nacional De Economia, Florianópolis, SC.) para as atividades industriais no Brasil, e por Paci e Usai (2008Paci, R., & Usai, S. (2008). Agglomeration economies, spatial dependence and local industry growth. Revue D’économie Industrielle, 123, 87-109.), para o setor industrial italiano.

Os autores atribuem o sinal negativo da defasagem espacial de primeira ordem ao efeito da polarização das atividades industriais. Com relação ao hiato quadrático da pobreza, o sinal negativo da defasagem espacial de primeira ordem pode advir das diferenças de renda no meio urbano dos estados brasileiros.

Quanto ao crescimento econômico e suas interações com o inverso do desenvolvimento inicial, verifica-se que o sinal é positivo para a proporção de pobres (0,9723) e para o hiato quadrático de pobreza (3,7026), e há significância estatística para estes indicadores. Esse resultado indica que, no meio urbano, mudanças no crescimento econômico levam a maiores reduções dos níveis de pobreza em áreas onde o nível inicial de desenvolvimento é mais elevado, conforme verificado por Araújo et al. (2017Araújo, J. A., Marinho, E., & Campêlo, G. L. (2017, diciembre). Crecimento económico y concentración del ingreso: sus efectos em la pobreza del Brasil. Revista De La Cepal, 123, 37-57.) para os estados brasileiros.

Em relação ao meio rural, verifica-se que, em relação à proporção de pobres, a defasagem apresentou significância estatística e sinal negativo, conforme verificado por Tabosa, Castelar e Irffi (2016Tabosa, F. J. S., Castelar, P. U. C., & Irffi, G. D. (2016). Brasil, 1981-2013: efectos del crecimiento económico y de la desigualdad de los ingresos en la pobreza. Revista De La Cepal, 120, 163-180.) e Araújo et al. (2017Araújo, J. A., Marinho, E., & Campêlo, G. L. (2017, diciembre). Crecimento económico y concentración del ingreso: sus efectos em la pobreza del Brasil. Revista De La Cepal, 123, 37-57.) para o Brasil como um todo, indicando que, nas áreas rurais, a pobreza apresenta uma persistência intertemporal.

Comparando os valores dos coeficientes de defasagem temporal para os indicadores rurais com os coeficientes obtidos para esta mesma variável no ambiente urbano, verifica-se que estes valores são maiores para os indicadores de pobreza rural, o que sugere que a persistência da pobreza ocorre a mais de forma intensa nesta situação censitária.

Além disso, em relação ao hiato da pobreza, observa-se que o coeficiente das interações do crescimento econômico com a desigualdade inicial no meio rural mostra que mudanças nos níveis de renda reduzem a distância entre a renda dos pobres e a linha de pobreza em maior magnitude em áreas onde a desigualdade inicial é menor3 3 Note-se que os coeficientes obtidos para a variável podem mostrar um sinal negativo nos resultados da Tabela 1, já que a desigualdade é relacionada a outras variáveis do modelo, através das interações, fazendo com que não seja o verdadeiro coeficiente associado ao índice de Gini. .

Tabela 1
Resultados das estimações para os indicadores de pobreza

Com os resultados delineados na Tabela 1, é possível obter as elasticidades renda e desigualdade da pobreza em seu aspecto dinâmico. Os resultados desse procedimento estão descritos na Tabela 3, no apêndice. Para facilitar a interpretação e visualização, a Tabela 2 mostra as elasticidades dinâmicas para o Brasil e suas grandes regiões em termos de médias.

Os resultados obtidos com as elasticidades dinâmicas corroboram o que foi demonstrado nos trabalhos de Annengues et al. (2015Annengues, A. C., Souza, W. P. S. F., Figueredo, E., & Lima, F. S. (2015). Elasticidade da pobreza: aplicação de uma nova abordagem empírica para o Brasil. Planejamento E Políticas Públicas, 44, 145-166.), Barros et al. (2006Barros, R. P. D., Foguel, M. N., & Ulyssea, G. (2006). Desigualdade de renda no Brasil: uma análise da queda recente. Brasília, DF: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.), Araújo et al. (2017Araújo, J. A., Marinho, E., & Campêlo, G. L. (2017, diciembre). Crecimento económico y concentración del ingreso: sus efectos em la pobreza del Brasil. Revista De La Cepal, 123, 37-57.), Hoffmann (2005), Araújo et al. (2012)Araújo, J. A., Tabosa, F. J. S., & Khan, A. S. (2012). Elasticidade renda e elasticidade desigualdade da pobreza no nordeste brasileiro. Revista De Política Agrícola, 21(1), 50-59. e Souza et al. (2019Souza, H. G., Tabosa, F. J. S., & Araujo, J. A. (2019). Elasticidades ingreso y desigualdad de la pobreza en áreas urbanas y rurales de los estados brasileños: un enfoque espacial. Revista Cepal, 129, 79-98.), os quais sugerem que a redução da pobreza ocorre de forma mais intensa quando associada a reduções nos níveis de desigualdade.

As elasticidades-renda foram maiores (em termos absolutos) nas áreas rurais, enquanto as elasticidades-desigualdade de renda foram maiores nas estimativas para as áreas urbanas, como também observado por Araújo et al. (2012Araújo, J. A., Tabosa, F. J. S., & Khan, A. S. (2012). Elasticidade renda e elasticidade desigualdade da pobreza no nordeste brasileiro. Revista De Política Agrícola, 21(1), 50-59.). Esse fato indica que uma política pública de combate à pobreza por meio do crescimento econômico terá maiores efeitos no meio rural, enquanto uma política de combate à pobreza baseada na redução das disparidades terá melhores resultados no meio urbano.

Tabela 2
Elasticidades renda e desigualdade da pobreza em valores médios.

A Figura 2 mostra o comportamento das elasticidades renda e desigualdade de renda da proporção de pobres nas áreas urbanas e rurais do Brasil, por meio do cálculo das médias anuais das elasticidades. É possível visualizar uma tendência crescente das elasticidades-desigualdade, enquanto as elasticidades-renda denotam um comportamento decrescente. Esse resultado sugere que a pobreza está se tornando mais sensível às mudanças no crescimento econômico e nos níveis de desigualdade.

Vale ressaltar uma observação simples, mas importante, relacionada aos resultados apresentados na Figura 2. As contribuições acadêmicas sobre as relações entre pobreza, crescimento e desigualdade relacionadas ao Brasil mostram uma relação inversa entre pobreza e crescimento, e uma relação positiva entre pobreza e a desigualdade, como pode ser verificado em Araújo et al. (2012Araújo, J. A., Tabosa, F. J. S., & Khan, A. S. (2012). Elasticidade renda e elasticidade desigualdade da pobreza no nordeste brasileiro. Revista De Política Agrícola, 21(1), 50-59.) e Souza et al. (2019Souza, H. G., Tabosa, F. J. S., & Araujo, J. A. (2019). Elasticidades ingreso y desigualdad de la pobreza en áreas urbanas y rurales de los estados brasileños: un enfoque espacial. Revista Cepal, 129, 79-98.).

A tendência crescente da elasticidade-desigualdade e a tendência decrescente da elasticidade-renda da pobreza na Figura 2 representam evidências de que, nos períodos analisados, há uma tendência positiva no crescimento econômico, onde a pobreza apresentará uma tendência negativa. Da mesma forma, se a redução da desigualdade apresentar uma tendência negativa, o valor absoluto da pobreza apresentará um comportamento decrescente.

Do ponto de vista econômico, esse resultado nos leva a concluir que as políticas públicas voltadas para o combate à pobreza por meio do crescimento econômico ou da redução das desigualdades terão resultados mais robustos se aplicadas com maior duração, dadas as tendências das elasticidades mencionadas acima.

Figura 2
Média anual das elasticidades renda e desigualdade da proporção de pobres

Ante o exposto, reforçam-se as conclusões tomadas na literatura anteriormente citada, que sugerem que o crescimento econômico é um fator de elevada importância na redução da pobreza, entretanto, as políticas públicas que visem à redução dos níveis de pobreza surtirão maiores efeitos quando associadas a medidas redistributivas.

Outro ponto relevante a se destacar é que a redução da pobreza, decorrente do crescimento econômico e da redução da desigualdade, pode ocorrer por diversos motivos, como através das políticas de transferência direta de renda (como o Programa Bolsa Família, por exemplo), o aumento real do salário mínimo no período analisado, a redução da taxa de desemprego e os baixos níveis de inflação alinhados à estabilidade econômica (Tabosa et al., 2016Tabosa, F. J. S., Castelar, P. U. C., & Irffi, G. D. (2016). Brasil, 1981-2013: efectos del crecimiento económico y de la desigualdad de los ingresos en la pobreza. Revista De La Cepal, 120, 163-180.).

5. CONCLUSÃO

Este trabalho teve como objetivo analisar os impactos do crescimento econômico e da desigualdade de renda sobre a pobreza urbana e rural dos estados do Brasil, levando em consideração efeitos espaciais e temporais. Para tanto, foi utilizada uma abordagem econométrica para obter o comportamento dinâmico das elasticidades renda e desigualdade da pobreza, por meio de um painel dinâmico espacial.

Por via da inserção do componente espacial nas estimações, verificou-se um transbordamento da pobreza nos meios urbano e rural das Unidades da Federação brasileiras. Já a inclusão do componente temporal permitiu concluir que a pobreza exprime um comportamento de persistência, tanto no meio urbano quanto no meio rural.

Corroborando os resultados encontrados, observou-se que a pobreza rural é mais sensível a mudanças no crescimento econômico, enquanto a pobreza no meio urbano apresenta maior sensibilidade a mudanças nos níveis de desigualdade de renda.

Por meio de interações entre o crescimento econômico e o nível inicial de desenvolvimento, verificou-se que as mudanças no crescimento econômico das áreas urbanas levam a reduções adicionais nos níveis de pobreza em áreas onde o nível inicial de desenvolvimento é mais elevado.

Ao calcular as elasticidades dinâmicas, constatou-se que o crescimento econômico é um mecanismo importante para a redução da pobreza. Nota-se, entretanto, que a redução da pobreza, seja ela urbana ou rural, ocorre de forma mais intensa quando associada à redução dos níveis de desigualdade.

Concluiu-se também que uma política pública de combate à pobreza por meio do crescimento econômico ou da redução das desigualdades aplicada ao meio urbano ou rural obterá mais resultados se aplicada com maior duração.

Por fim, a importância do crescimento econômico e a redução das disparidades na aplicação de medidas de combate à pobreza requerem atenção. Também parece ser necessário incluir os efeitos dos níveis iniciais de desenvolvimento e da desigualdade na formulação dos meios para reduzir os níveis de pobreza.

A redução da pobreza pode ocorrer devido a políticas de transferência direta de renda, aumento real do salário mínimo no período analisado, redução da taxa de desemprego, baixos níveis de inflação e estabilidade econômica. Esse cenário tornou-se propício ao crescimento econômico e à redução da desigualdade de renda no país (Tabosa et al., 2016Tabosa, F. J. S., Castelar, P. U. C., & Irffi, G. D. (2016). Brasil, 1981-2013: efectos del crecimiento económico y de la desigualdad de los ingresos en la pobreza. Revista De La Cepal, 120, 163-180.).

É importante destacar algumas limitações que o presente trabalho possui, bem como indicar que mudanças futuras podem ser feitas e quais caminhos devem ser percorridos por pesquisadores que desejam estudar diferentes segmentos deste tema:

Limitações:

  • Este trabalho calcula as elasticidades de renda e desigualdade da pobreza para o Brasil usando uma abordagem espacial. No entanto, a medição da pobreza ocorre apenas de forma unidimensional. Sugere-se que trabalhos futuros visem abordar esta questão.

  • A indisponibilidade de dados mais desagregados em uma frequência contínua de tempo impede uma análise em um nível de desagregação abaixo da escala estadual.

  • O modelo aqui utilizado não é capaz de fornecer informações sobre elasticidades no caso de ocorrer um movimento migratório de pobreza entre as situações censitárias analisadas.

Sugestões para trabalhos futuros:

  • Para pesquisadores interessados em dar continuidade a esta pesquisa, preenchendo as lacunas deixadas pelas limitações existentes no período em que este trabalho foi elaborado, seria interessante buscar uma forma de calcular as elasticidades renda e desigualdade da pobreza considerando os efeitos indiretos e totais da autocorrelação espacial.

  • Sugere-se também a aplicação de alguns controles ao modelo, o que possibilitaria reduzir o erro de estimativa, bem como fornecer resultados mais robustos às estimativas.

REFERENCES

  • Almeida, E. (2012). Econometria espacial aplicada Campinas, SP: Alínea.
  • Annengues, A. C., Souza, W. P. S. F., Figueredo, E., & Lima, F. S. (2015). Elasticidade da pobreza: aplicação de uma nova abordagem empírica para o Brasil. Planejamento E Políticas Públicas, 44, 145-166.
  • Araújo, I. F Jr., Gonçalves, E., & Almeida, E. (2015). Efeitos de externalidades dinâmicas e espaciais sobre o crescimento local: evidências do Brasil (1995-2013). In Anais do 43º Encontro Nacional De Economia, Florianópolis, SC.
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  • 1
    Foram feitas estimações com as matrizes do tipo Queen, Rook e K vizinhos com K = 1; K = 2; K = 3; K = 4; K = 5 e K = 10.
  • 2
    Para as estimações esboçadas na Tabela 1, utilizou-se uma matriz de contiguidade do tipo Queen, tendo em vista que essa matriz mostrou maior adequabilidade aos dados e maior validade dos instrumentos.
  • 3
    Note-se que os coeficientes obtidos para a variável podem mostrar um sinal negativo nos resultados da Tabela 1, já que a desigualdade é relacionada a outras variáveis do modelo, através das interações, fazendo com que não seja o verdadeiro coeficiente associado ao índice de Gini.
  • [Versão traduzida]

APÊNDICE

Tabela 3
Média das elasticidades dinâmicas para o meio urbano e rural das regiões brasileiras

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    Mar-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    03 Out 2019
  • Aceito
    08 Out 2020
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