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Paradoxos na divulgação de salários de servidores em municípios

Paradojas en la difusión de información sobre los sueldos de los funcionarios por los municipios

Resumo

A folha de pagamento é uma das maiores despesas do município, porém uma das mais difíceis de serem monitoradas. Se a divulgação dos salários de servidores é de interesse público para controle, a divulgação das despesas com pessoal, na forma como previsto em lei, pode não ser suficiente para detectar diversos tipos de irregularidades. Analisamos os paradoxos envolvidos na divulgação de dados da folha de pagamento e as tensões que emergem do posicionamento de diversos interessados na questão. Entrevistamos profissionais de prefeituras, sindicatos, empresas de softwares, tribunais de contas, organizações sociais e jornalistas. Procuramos reunir diversas perspectivas e interesses envolvidos na divulgação de salários e benefícios de servidores como exemplo dos desafios de ampliar a transparência pública. Com abordagem indutiva, apresentamos uma lista não exaustiva de irregularidades que reconhecidamente ocorrem no país e que, por não serem detectadas apenas com os dados divulgados nos portais de transparência, demandam cooperação entre diversos atores de controle.

Palavras-chave:
paradoxo; transparência; governo aberto; folha de pagamento

Resumen

La nómina es uno de los mayores gastos del municipio, pero también es uno de los más difíciles de monitorear. Si la divulgación de los salarios de los funcionarios públicos es de interés público para su control, la divulgación de los gastos en personal según lo dispuesto por la ley puede no ser suficiente para identificar algunas irregularidades. Analizamos las paradojas presentes en la apertura de dichos datos y las tensiones que surgen del posicionamiento de los diferentes interesados en el asunto. Entrevistamos a profesionales de alcaldías, sindicatos, empresas de software, tribunales de cuentas, organizaciones sociales y periodistas para reunir diversas perspectivas e intereses involucrados en la divulgación de sueldos y beneficios de los servidores públicos como ejemplo de los desafíos para ampliar la transparencia pública. Con un enfoque inductivo, presentamos una lista no exhaustiva de las irregularidades que a menudo ocurren en Brasil que, por no ser detectadas simplemente a través de los datos publicados en los portales de transparencia, exigen la cooperación entre los diferentes agentes de control para combinar múltiples fuentes de datos y evidencias.

Palabras clave:
paradoja; transparencia; gobierno abierto; nómina de servidores

Abstract:

Although local governments’ payrolls are a significant expense, they are one of the most difficult to monitor. The disclosure of civil servants’ salaries to improve control is a measure of public interest, but the mere information on the government’s personnel expenses as provided by law may not be sufficient to detect irregularities. This study analyzes the paradoxes of disclosing salary information and the tensions among the parties related to this issue. We interviewed local government employees, unions, software companies, courts of accounts, nonprofit organizations, and journalists, gathering different interests and perspectives, addressing the issue as an example of the challenges to improve public transparency. Based on an inductive approach, the research offers a non-exhaustive list of irregularities in Brazil that are not detected by simply disclosing information in transparency portals. Our findings point out that detecting and addressing such irregularities require the cooperation of several control agents to combine multiple data sources and evidence.

Keywords:
paradox; transparency; open government; payroll disclosure/salary disclosure

1. INTRODUÇÃO

Venho como cidadão indignado com o descaso das autoridades em nossa cidade... onde os indícios e fatos de uma quantidade de funcionários fantasmas, notoriamente visíveis [e cita o nome de 5 pessoas e suas reais ocupações]. Esses são uns dos muitos casos a serem investigados... Segue em anexo as documentações “colhido” no portal da transparência [do município] para avaliação deste Tribunal (Texto da representação feita à Ouvidoria do MP-PE e TCE-PE por fontes não identificadas) (Tôrres, 2020Tôrres, L. (2020, junho 11). Prefeitura de Sirinhaém emprega funcionário fantasma. LeiaJá. Recuperado de https://www.leiaja.com/politica/2020/06/11/prefeitura-de-sirinhaem-emprega-funcionario-fantasma/
https://www.leiaja.com/politica/2020/06/...
).

A descrição trata da denúncia de funcionários fantasmas feita por um cidadão envolvendo a prefeitura de Sirinhaém, em Pernambuco. Ele se diz indignado com os evidentes indícios de funcionários fantasmas e nomeia os acusados. Casos de irregularidades envolvendo salários de servidores públicos municipais podem ser mais comuns do que os que vêm à tona. Entre as ilegalidades já conhecidas e noticiadas na mídia estão os funcionários fantasmas em prefeituras, as rachadinhas de salários de assessores nas câmaras de vereadores e os servidores que ocupam múltiplas funções com horários de trabalho conflitantes. Mas essas podem não ser as únicas irregularidades.

A transparência pública, no entendimento atual de agências internacionais como a Transparency International ou o Budgetary Partnerhip, seria uma forma de inibir tais práticas. As pesquisas sobre transparência assumem que a pressão da população levaria governos a assumirem uma posição a favor da transparência e a divulgarem melhor seus atos e o uso de recursos, ou que municípios com mais recursos materiais e humanos teriam mais condições de ser transparentes. Apesar de, no Brasil, a transparência de governos ter sido ampliada, ela ainda é parcial (Antunes, 2018Antunes, M. C. (2018). A efetividade informacional dos portais de transparência governamentais na perspectiva do cidadão. Perspectivas em Gestão & Conhecimento, 8(2), 162-178.; Cruz, T. A. B. Silva, & Spinelli, 2016Cruz, M. C. M. T., Silva, T. A. B., & Spinelli, M. V. (2016). O papel das controladorias locais no cumprimento da Lei de Acesso à Informação pelos municípios brasileiros. Cadernos EBAPE.BR, 14(3), 721-743.; Leite, Colares, & Andrade, 2015Leite, G. A Filho, Colares, A. F. V., & Andrade, I. C. F. (2015). Transparência da gestão fiscal pública: um estudo a partir dos portais eletrônicos dos maiores municípios do estado de minas gerais. Revista Contabilidade Vista & Revista, 26(2), 114-136.; Michener, Contreras, & Niskier, 2018Michener, G., Contreras, E., & Niskier, I. (2018). From Opacity to Transparency? Evaluating Access to Information in Brazil Five Years Later. Revista de Administração Pública, 52(4), 610-29.). Uma prática recorrente para limitar a ação de controle é divulgar informações como despesas com salários em arquivos PDF, e não organizadas em planilhas, o que facilitaria o cruzamento e a análise de dados.

Aqui, trazemos a discussão da transparência de salários de servidores propondo que diversos interesses estão em jogo. O debate vai além do dualismo “governo reporta e cidadão monitora”, considerando de que modo sindicatos, associação de servidores e órgãos de auditoria interagem com as práticas de transparência vigentes. A divulgação de salários passa por um potencial paradoxo “opacidade e transparência”, com suas contradições e tensões afetando diversos atores na sociedade (Schad, Lewis, Raisch, & Smith, 2016Schad, J., Lewis, M. W., Raisch, S., & Smith, W. K. (2016). Paradox Research in Management Science: Looking Back to Move Forward. The Academy of Management Annals, 10(1), 5-64.). Alguns desses atores apoiarão e outros rejeitarão a publicização de salários.

No Brasil, a regulação nacional de transparência de governos (Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. (2011). Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º , no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Brasília, DF. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/Lei/L12527.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
; Decreto nº 7.724, de 16 de maio de 2012Decreto nº 7.724, de 16 de maio de 2012. (2012). Regulamenta a Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, que dispõe sobre o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do caput do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição. Brasília, DF. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/decreto/d7724.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
) normatizou, em 2011, a divulgação dos salários de servidores públicos. Historicamente, municípios operavam em diferentes níveis de transparência/opacidade de suas atividades, tendendo à opacidade. Com a nova regulação, muitos municípios e estados ampliaram o nível de transparência sobre a execução orçamentária, a alocação de cargos de confiança e o reembolso de despesas com viagens ou pagamento de diárias. Contudo, a pressão por divulgação de salários de servidores públicos - por exemplo, a publicização da folha de pagamento de servidores ativos das prefeituras - é uma questão sensível social e politicamente. Diversos questionamentos foram verbalizados por servidores e sindicatos.

Salários representam uma grande parte das despesas de caráter continuado de municípios, o que, por isso só, justifica a necessidade e o interesse em controlá-los. Além disso, a divulgação da remuneração individual de servidores e a composição de quadro de pessoal permitem o controle de uma das fontes de endividamento público. A base do controle de gastos com pessoal já estava presente nas Leis Camata I e II, incorporadas em seguida na Lei de Responsabilidade Fiscal. O controle de salários também traz evidências para a análise da terceirização de mão de obra, que tende a burlar o limite de gastos com pessoal.

Assim, a divulgação de folha de pagamento vai além de uma questão fiscal. Uma melhor divulgação da folha de pagamento ajuda a detectar irregularidades como servidores fantasmas, nepotismo e maquiagem contábil em gastos com pessoal. Por outro lado, expõe servidores a um debate e ao julgamento social sobre o vínculo de trabalho e salários praticados. Essa discussão foi aquecida recentemente pela Reforma da Previdência; pelo debate da Lei n° 13.429/2017 (Lei nº 13.429, de 31 de março de 2017Lei nº 13.429, de 31 de março de 2017. (2017). Altera dispositivos da Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974, que dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas e dá outras providências; e dispõe sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros. Brasília, DF. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13429.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
), sobre a ampliação da terceirização de serviços e conflitos de múltiplos tipos de vínculos (Bastos, 2019Bastos, J. A. (2019). Servidores, funcionários, terceirizados e empregados: a babel dos vínculos, cotidiano de trabalho e vivências dos trabalhadores em um serviço público (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.); e pela crise fiscal que motivou as recentes propostas para a Reforma Administrativa (Peci, Franzese, Lopez, Secchi, & Dias, 2021Secchi, L., Farranha, A. C., Rodrigues, K. F., Bergue, S. T., & Medeiros-Costa, C. C. (2021). Reforma Administrativa no Brasil: Passado, Presente e Perspectivas para o Futuro frente à PEC 32/2020. Cadernos Gestão Pública e Cidadania, 26(83), e-82430.; Ribeiro, 2021Ribeiro, L. M. S. (2021). A construção de agenda da Reforma Administrativa no Brasil após a crise fiscal de 2015/2016 (Dissertação de Mestrado). Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, RJ.; Secchi, Farranha, Rodrigues, Bergue, & Medeiros-Costa, 2021Peci, A., Franzese, C., Lopez, F. G., Secchi, L., & Dias, T. F. (2021). A nova Reforma Administrativa: O que sabemos e para onde vamos?Cadernos Gestão Pública e Cidadania, 26(84), e-83753.).

Nosso objetivo neste artigo não é explicar a variação na divulgação dos salários nos municípios, e sim, baseados em algumas irregularidades associadas à folha de pagamento conhecidas, discutir se a transparência da folha de pagamento é suficiente para detectar tais irregularidades, bem como quais tensões e resistências emergem da abertura desses dados. Ao final, argumentamos que, para que a divulgação da folha de pagamento contribua para reduzir as irregularidades, são necessários esforços de múltiplos agentes de controle e que pode ser um otimismo não justificado esperar que ações isoladas ou desarticuladas consigam resolver a questão.

2. TRANSPARÊNCIA PÚBLICA E PARADOXOS

Transparência pública, aqui, é tratada como um estado resultante da abertura do órgão público divulgando ou dando acesso aos dados que eram de seu acesso restrito (Janssen, 2012Janssen, M., Charalabidis, Y., & Zuiderwijk, A. (2012). Benefits, adoption barriers and myths of open data and open government. Information systems management, 29(4), 258-268.; Sandoval-Almazán, 2015Sandoval-Almazán, R. (2015). Open government and transparency: building a conceptual framework. Convergencia, 22(68), 203-227.). Trata-se de um estado temporário, dinâmico, que pode ser ampliado ou reduzido, variando para diversas matérias - atos administrativos, licitação, sindicâncias etc. - e contextos (Grimmelikhuijsen & Feeney, 2017Grimmelikhuijsen, S. G., & Feeney, M. K. (2017). Developing and testing an integrative framework for open government adoption in local governments. Public Administration Review, 77(4), 579-590.). A literatura nacional sobre o assunto trata da transparência como uma característica do município ou do órgão (Cruz et al., 2016Cruz, M. C. M. T., Silva, T. A. B., & Spinelli, M. V. (2016). O papel das controladorias locais no cumprimento da Lei de Acesso à Informação pelos municípios brasileiros. Cadernos EBAPE.BR, 14(3), 721-743.; Zuccolotto, Riccio, & Sakata, 2014Zuccolotto, R., Riccio, E. L., & Sakata, M. C. G. (2014). Characteristics of scientific production on governmental transparency. International Journal of Auditing Technology, 2(2), 134-152.), defendendo que gestores públicos, em geral, se restringem a ampliar a transparência pública como uma reação direta a novas demandas legais (Dias, Aquino, P. B. Silva, & Albuquerque, 2020Dias, L. N. S, Aquino, A. C. B, Silva, P. B, & Albuquerque, F. S. (2020). Terceirização de portais de transparência fiscal em governos locais. Revista de Contabilidade e Organizações, 14, e164383.; Neves & P. B. Silva, 2019Neves, F. R., & Silva, P. B. (2019). Do visível para o invisível: e-government em Portais Públicos de Municípios. In Anais do 10º Congresso Nacional de Administração e Contabilidade, Rio de Janeiro, RJ.). Um exemplo dessa reação à regulação são os portais de transparência - nome cunhado pelo governo federal em 2004 -, os quais foram amplamente adotados, retirando milhares de governos locais da total opacidade do orçamento público para algum nível, ainda restrito, de transparência (Antunes, 2018Antunes, M. C. (2018). A efetividade informacional dos portais de transparência governamentais na perspectiva do cidadão. Perspectivas em Gestão & Conhecimento, 8(2), 162-178.; Leite et al., 2015Leite, G. A Filho, Colares, A. F. V., & Andrade, I. C. F. (2015). Transparência da gestão fiscal pública: um estudo a partir dos portais eletrônicos dos maiores municípios do estado de minas gerais. Revista Contabilidade Vista & Revista, 26(2), 114-136.; Michener et al., 2018Michener, G., Contreras, E., & Niskier, I. (2018). From Opacity to Transparency? Evaluating Access to Information in Brazil Five Years Later. Revista de Administração Pública, 52(4), 610-29.).

A literatura internacional em transparência já mostra que as demandas legais por maior transparência pressionam pela publicização de dados e afetam o equilíbrio entre grupos com diferentes interesses em relação ao nível de transparência (Janssen, Charalabidis, & Zuiderwijk, 2012Janssen, M., Charalabidis, Y., & Zuiderwijk, A. (2012). Benefits, adoption barriers and myths of open data and open government. Information systems management, 29(4), 258-268.). Ao contrário de algumas hipóteses propostas, o nível de transparência não se resume a uma questão de tecnologia (Kornberger, Meyer, Brandtner, & Höllerer, 2017Kornberger, M., Meyer, R. E., Brandtner, C., & Höllerer, M. A. (2017). When Bureaucracy Meets the Crowd: Studying “Open Government” in the Vienna City Administration. Organization Studies, 38(2), 179-200.). Quando um governo altera o nível de transparência de um município ao publicizar dados, induz uma mudança de processos e rotinas da organização (Felin, Lakhani, & Tushman, 2014Felin, T., Lakhani, K. R., & Tushman, M. (2014). Special issue of Strategic Organization: “Organizing crowds and innovation”. Strategic Organization, 12(3), 220-221.; Hippel & Krogh, 2003Hippel, E. von, & Krogh, G. von (2003). Open source software and the “privatecollective” innovation model: issues for organization science. Organization Science, 14(2), 209-223.), uma nova lógica de atuação (Blasio & Selva, 2019Blasio, E., & Selva, D. (2019). Implementing open government: A qualitative comparative analysis of digital platforms in France, Italy and United Kingdom. Quality & Quantity, 53(2), 871-896.) e uma acomodação do nível de transparência (Christensen & Cheney, 2014Christensen, L. T., & Cheney, G. (2014). Peering into transparency: Challenging ideals, proxies, and organizational practices. Communication Theory, 25(1), 70-90.; Costas & Grey, 2014Costas, J., & Grey, C. (2014). Bringing secrecy into the open: Towards a theorization of the social processes of organizational secrecy. Organization Studies, 35(10), 1423-1447.; Garsten & Montoya, 2008Garsten, C., & Montoya, M. L. de (2008). Introduction: examining the politics of transparency. In C. Garsten & M. L. Montoya (Eds.), Transparency in a new global order: unveiling organizational visions. Cheltenham, UK: Edward Elgar.). De igual modo, pode gerar tensões entre democracia e burocracia (Josserand, Teo, & Clegg, 2006Josserand, E., Teo, S., & Clegg, S. (2006). From bureaucratic to post-bureaucratic: the difficulties of transition. Journal of Organizational Change Management, 19(1), 54-64.), nem sempre levando ao aprimoramento democrático (Janssen et al., 2012Janssen, M., Charalabidis, Y., & Zuiderwijk, A. (2012). Benefits, adoption barriers and myths of open data and open government. Information systems management, 29(4), 258-268.).

Assim, a própria literatura de transparência já discute paradoxos presentes e que cada movimento por maior transparência traz reações, resistências e consequências nem sempre claras e convergentes. A questão central a ser considerada é que grupos de interesse têm diferentes posicionamentos em relação à transparência e à participação social, bem como sobre o que e quando divulgar.

Aqui, aplicamos o conceito de paradoxo, contradições persistentes que se sobrepõem ou pressões para que diferentes objetivos que nem sempre são facilmente conciliáveis sejam atendidos (Fairhurst & Banghart, 2016Putnam, L. L., Fairhurst, G. T., & Banghart, S. (2016). Contradictions, Dialectics, and Paradoxes in Organizations: A Constitutive Approach. Academy of Management Annals, 10(1), 65-171.; Schad et al., 2016Schad, J., Lewis, M. W., Raisch, S., & Smith, W. K. (2016). Paradox Research in Management Science: Looking Back to Move Forward. The Academy of Management Annals, 10(1), 5-64.; Smith & Lewis, 2011Smith, W. K., & Lewis, M. W. (2011). Toward a theory of paradox: A dynamic equilibrium model of organizing. Academy of Management Review, 36(2), 381-403.). Pressões por vezes não conciliáveis - como maior transparência e evitar que salários sejam divulgados - pedem soluções para resolver ou mitigar tais dilemas (Putnam, Fairhurst, & Banghart, 2016Putnam, L. L., Fairhurst, G. T., & Banghart, S. (2016). Contradictions, Dialectics, and Paradoxes in Organizations: A Constitutive Approach. Academy of Management Annals, 10(1), 65-171.; Schad et al., 2016Schad, J., Lewis, M. W., Raisch, S., & Smith, W. K. (2016). Paradox Research in Management Science: Looking Back to Move Forward. The Academy of Management Annals, 10(1), 5-64.). Aquino e Cardoso (2019Aquino A. C. B., & Cardoso R. L. (2019). Accounting Framework (Re)Interpretation to Accommodate Tensions from Financial Sustainability Competing Concepts. In J. Caruana, I. Brusca, E. Caperchione, S. Cohen, & F. M. Rossi (Eds.), Financial Sustainability of Public Sector Entities(Public Sector Financial Management, pp. 83-102). Cham, UK: Palgrave Macmillan.) analisaram como o governo federal lidou com um paradoxo temporal introduzido pela regulação contábil que trouxe o conceito de “sustentabilidade financeira” aos regimes próprios de previdência. Os autores mostraram que, para acomodar pressões, o conceito de sustentabilidade financeira foi interpretada com o frame de curto prazo e que uma manobra contábil permitiu proteger a regulação contábil, retirando dela o cálculo que gerava ameaças às metas fiscais de governos. Eles sugerem, com base na literatura de paradoxos, que políticos engajam, aceitam ou acomodam os conflitos atendendo a um dos polos do paradoxo (Aquino & Cardoso, 2019Aquino A. C. B., & Cardoso R. L. (2019). Accounting Framework (Re)Interpretation to Accommodate Tensions from Financial Sustainability Competing Concepts. In J. Caruana, I. Brusca, E. Caperchione, S. Cohen, & F. M. Rossi (Eds.), Financial Sustainability of Public Sector Entities(Public Sector Financial Management, pp. 83-102). Cham, UK: Palgrave Macmillan.), assimilando a tensão existente até encontrarem uma forma de acomodar as demandas conflitantes.

Tratar transparência e opacidade como polos opostos é vê-los como mutuamente excludentes. No entanto, cada um contém o oposto do outro, sendo ontologicamente inseparáveis (Schad et al., 2016Schad, J., Lewis, M. W., Raisch, S., & Smith, W. K. (2016). Paradox Research in Management Science: Looking Back to Move Forward. The Academy of Management Annals, 10(1), 5-64.). No caso em questão, o paradoxo surge dos efeitos de uma construção social, retórica - por exemplo, a “transparência de governos é desejável” -, que passa a ter coerção por uma legislação. Então, grupos de interesse exercem pressão para que a organização aceite a regulação e mude sua posição no paradoxo (Farjoun, 2010Farjoun, M. (2010). Beyond dualism: Stability and change as a duality. Academy of Management Review, 35(2), 202-225.; Schad et al., 2016Putnam, L. L., Fairhurst, G. T., & Banghart, S. (2016). Contradictions, Dialectics, and Paradoxes in Organizations: A Constitutive Approach. Academy of Management Annals, 10(1), 65-171.), aumentando a transparência ou mantendo a posição de opacidade.

Uma maior abertura da organização à transparência ampliada pode abrir espaço para opositores criticarem a atuação dos gestores, seus eventuais erros de gestão e assuntos até então reservados a membros da organização (Dobusch et al., 2019Dobusch, L., von Krogh, G., Splitter, V., Walgenbach, P., & Whittington, R. (2019). Special Issue Call for Papers: Open Organizing in an Open Society? Conditions, Consequences and Contradictions of Openness as an Organizing Principle. Organizational Studies. Recuperado dehttps://journals.sagepub.com/pb-assets/cmscontent/OSS/CfP_Open%20Organizing_in_an_Open_Society-1543405737790.pdf
https://journals.sagepub.com/pb-assets/c...
). Assim, a despeito de a transparência aumentar a credibilidade dos gestores públicos (Darusalam et al., 2019Darusalam, D., Said, J., Omar, N., Janssen, M., & Sohag, K. (2019). Diffusion of ICT for Corruption Detection in Open Government Data. Knowledge Engineering and Data Science, 2(1), 10-18.), os políticos podem preferir a opacidade em detrimento da transparência (Janssen et al., 2012Janssen, M., Charalabidis, Y., & Zuiderwijk, A. (2012). Benefits, adoption barriers and myths of open data and open government. Information systems management, 29(4), 258-268.; Michener, Contreras, & Niskier, 2018Michener, G., Contreras, E., & Niskier, I. (2018). From Opacity to Transparency? Evaluating Access to Information in Brazil Five Years Later. Revista de Administração Pública, 52(4), 610-29.), preservando o atual modus operandi da administração pública (Bannister & Connolly, 2011). Apesar de governos lançarem projetos de dados abertos (Lindquist & Huse, 2017Lindquist, E. A., & Huse, I. (2017). Accountability and monitoring government in the digital era: Promise, realism and research for digital-era governance. Canadian Public Administration, 60(4), 627-656.), eles evitam uma exposição desnecessária e, de forma seletiva, mantêm o sigilo em alguns temas (Hautz, Seidl, & Whittington, 2017Hautz, J., Seidl, D., & Whittington, R. (2017). Open strategy: dimensions, dilemmas, dynamics. Long Range Planning, 50(3), 298-309.; Wong & Welch, 2004Wong, W., & E. Welch. (2004). Does e-government promote accountability? A comparative analysis of website openness and government accountability. Governance, 17(2), 275-97.). Por fim, para lidar com as pressões por transparência, os governos gerenciam eventuais situações conflitantes com cidadãos, órgãos fiscalizadores, sindicatos ou servidores, ampliando ou reduzindo níveis de divulgação de certos temas, a depender do contexto (Kornberger et al., 2017Kornberger, M., Meyer, R. E., Brandtner, C., & Höllerer, M. A. (2017). When Bureaucracy Meets the Crowd: Studying “Open Government” in the Vienna City Administration. Organization Studies, 38(2), 179-200.).

A dualidade do paradoxo permanece latente, por vezes despercebida, em diferentes intensidades. Todavia, dependendo do contexto, pode vir à tona, como em situações de escassez, mudança ou crises (Jay, 2013Jay, J. (2013). Navigating paradox as a mechanism of change and innovation in hybrid organizations. Academy of Management Journal, 56(1), 137-159.; Smith & Lewis, 2011Smith, W. K., & Lewis, M. W. (2011). Toward a theory of paradox: A dynamic equilibrium model of organizing. Academy of Management Review, 36(2), 381-403.). Por exemplo, quando surgem escândalos associados a servidores públicos, os diversos interessados podem se manifestar, reagindo quanto ao nível de transparência da folha de pagamento -em discursos, lobby, negociações ou manifestações. Os gestores da organização procurarão soluções para acomodar as pressões, e o resultado pode ser uma constante oscilação entre os polos (Ashforth & Reingen, 2014Ashforth, B. E., & Reingen, P. H. (2014). Functions of dysfunction: Managing the dynamics of an organizational duality in a natural food cooperative. Administrative Science Quarterly, 59(3), 474-516.; Schad et al., 2016Schad, J., Lewis, M. W., Raisch, S., & Smith, W. K. (2016). Paradox Research in Management Science: Looking Back to Move Forward. The Academy of Management Annals, 10(1), 5-64.), como observado nos movimentos de abertura e fechamento de dados na mudança de mandato, ou com ações de grupos de interesse.

Schad et al. (2016Schad, J., Lewis, M. W., Raisch, S., & Smith, W. K. (2016). Paradox Research in Management Science: Looking Back to Move Forward. The Academy of Management Annals, 10(1), 5-64.) listam diversas respostas encontradas na literatura empírica de paradoxos. Entre elas, estão reconhecer e conviver com o paradoxo e suas tensões; fazer a separação espacial e temporal; buscar síntese. A separação espacial, por exemplo, seria dar diferentes níveis de transparência a distintos temas ou departamentos, enquanto a síntese seria encontrar um modo de mitigar a fonte de tensão de algum grupo - por exemplo, não divulgando dados pessoais de servidores, a fim de esvaziar críticas baseadas em privacidade.

3. BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DAS TENSÕES NA DIVULGAÇÃO DE SALÁRIOS DE SERVIDORES NO BRASIL

A publicização de salários de servidores, de forma nominal e individualizada, ganhou força no Brasil e no exterior na última década. Em 2010, por exemplo, o primeiro-ministro britânico divulgou a lista dos maiores salários de servidores civis do Reino Unido, com nomes, cargos e salários anuais, justificando no blog oficial do governo que se tratava de um assunto de interesse público, de modo que todos deveriam conhecer os salários pagos com recurso público (The Guardian, 2010The Guardian. (2010, maio 03). In full: the highest paid civil servants. Recuperado de https://www.theguardian.com/news/datablog/2010/may/31/senior-civil-servants-salaries-data
https://www.theguardian.com/news/datablo...
).

No Brasil, a prefeitura de São Paulo já havia divulgado a lista nominal de servidores e seus salários brutos em 2009. Em resposta, sindicatos e associações interromperem a divulgação, após conseguirem uma liminar no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, argumentando que tal divulgação não estava amparada legalmente - a Lei nº 14.720/2008 (Lei nº 14.720, de 25 de abril de 2008Lei nº 14.720, de 25 de abril de 2008. (2008). Dispõe sobre a publicação de informações sobre funcionários, empregados e servidores, vinculados ao Poder Público Municipal, no endereço eletrônico do órgão em que se encontram em exercício, e dá outras providências. São Paulo, SP. Recuperado de http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/lei-14720-de-25-de-abril-de-2008/detalhe
http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/l...
) e o Decreto Municipal nº 50.070/2008 (Decreto nº 50.070 de 02 de outubro de 2008Decreto nº 50.070 de 02 de outubro de 2008. (2008). Regulamenta a Lei nº 14.720, de 25 de abril de 2008, que dispõe sobre a publicação de informações sobre funcionários, empregados e servidores, vinculados ao Poder Público Municipal, no endereço eletrônico do órgão ou ente em que se encontram em exercício. Brasília, DF. Recuperado dehttp://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/decreto-50070-de-2-de-outubro-de-2008
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) não previam a divulgação de vencimentos; apenas da lista dos servidores. A liminar, porém, foi suspensa por decisão monocrática de Gilmar Mendes, ministro no Supremo Tribunal Federal no mesmo ano de 2009.Supremo Tribunal Federal. (2015). Recurso Extraordinário com Agravo 652.777 São Paulo. Brasília, DF: Autor. Recuperado dehttp://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoPeca.asp?id=307135406&tipoApp=.pdf
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Em sua decisão, o ministro sugeriu uma síntese para o conflito: “Uma solução hipoteticamente viável para a finalidade almejada seria a substituição do nome do servidor por sua matrícula funcional”.

Dois anos depois, a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 201Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. (2011). Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º , no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Brasília, DF. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/Lei/L12527.htm
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) e o Decreto nº 7.724/2012 (Decreto nº 7.724, de 16 de maio de 2012Decreto nº 7.724, de 16 de maio de 2012. (2012). Regulamenta a Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, que dispõe sobre o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do caput do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição. Brasília, DF. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/decreto/d7724.htm
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) regularam a obrigatoriedade de tornar pública a remuneração individual de quem ocupa cargos públicos. Outros órgãos e entidades públicas no Brasil passaram a divulgar salários, como a Universidade de São Paulo em 2014, em geral com reações e questionamentos por parte dos servidores (G1, 2014G1. (2014, novembro 17). USP divulga salários de professores e servidores. Recuperado de http://g1.globo.com/educacao/noticia/2014/11/usp-divulga-salarios-de-professores-e-servidores.html
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).

Um caso emblemático envolveu a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), a associação e o sindicato dos funcionários dessa instituição e o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. Esse episódio foi a base para a consolidação nacional do tema (ver o Recurso Extraordinário ARE 652.777/SP). O argumento a favor da publicização das políticas salariais, da relação de servidores ativos afastados ou em licença e dos valores pagos mensalmente a cada um defendia que, quanto maior a transparência, mais o controle social poderia inibir tais irregularidades. A Controladoria-Geral da União à época, também já defendia a publicidade dos salários (Processo nº 00190.003938/2012-33), alinhada à tendência internacional e à Open Govemment Partnership, que propõe que a transparência de salários é parte da luta “contra a corrupção, participação social e de fomento ao desenvolvimento de novas tecnologias, de maneira a tornar os governos mais abertos, efetivos e responsáveis” (Ministério da Cultura, 2012Ministério da Cultura. (2012). Open Governement Partership: A participação cidadã na elaboração das metas do PNC é apresentada como exemplo de transparência. Recuperado de http://rubi.casaruibarbosa.gov.br/bitstream/20.500.11997/16403/1/OPENGO~1.PDF
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).

Por outro lado, sindicatos de servidores argumentavam que a divulgação de salários contrariava princípios constitucionais do direito à intimidade ou à vida privada. A controvérsia na questão foi resolvida em 2015, quando o Supremo Tribunal Federal apreciou o Recurso Extraordinário, reconhecendo repercussão geral da questão e se posicionando a favor da publicização individual dos salários.

A controvérsia estava na tensão entre os princípios de publicidade e transparência e os de privacidade e intimidade (Mansour, 2017Mansour, I. M. A. D. S. (2017). O STF e a divulgação nominalmente individualizada da remuneração dos servidores públicos: uma análise crítica do Recurso Extraordinário 652.777-SP (Dissertação de Mestrado). Universidade de Brasília, Brasília, DF.). A decisão do Supremo Tribunal Federal suportou a posição de 2017 do relator, ministro Napoleão Maia Filho, no Superior Tribunal de Justiça, a favor da obrigatoriedade da divulgação individualizada e nominal das remunerações dos servidores públicos, procurando preservar a privacidade. A síntese do paradoxo, nas palavras do relator, foi assim descrita: “[Ter seu salário divulgado] é o preço que se paga pela opção por uma carreira pública no seio de um Estado republicano [...], e o risco pessoal e familiar [...] se atenua com a proibição de revelar o endereço residencial, o CPF e a CI de cada servidor”.

Recentemente, o Projeto de Lei nº 3.867, de 2020Projeto de lei nº 3.867, de 2020. (2020). Acrescenta dispositivos ao artigo 32-B, da Lei 8.212 de 24 de julho de 1.991, de forma a dar publicidade à contabilidade e folhas de pagamentos dos órgãos da administração direta, autarquias, fundações e empresas públicas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Brasília, DF. propôs que a Receita Federal também publique informações das folhas de pagamentos das entidades da administração pública, o que possibilitaria confiabilidade aos dados, que seriam cruzados. Por fim, a recente decisão do Tribunal Superior Eleitoral sobre o indeferimento do registro da candidatura de uma vereadora de São Paulo nas eleições de 2020 tipificou a prática da rachadinha - quando políticos se apropriam de parte do salário de servidores que nomearam -, praticada pela vereadora como apropriação ilícita e dano ao erário.

Esses são alguns movimentos passados que mostram a potencial tensão quanto à divulgação de salários de servidores. Prefeitos ou governadores, membros do Legislativo, observatórios sociais, sindicatos e associações de servidores assumem diferentes posições, que, por vezes, são manifestadas na mídia, no debate legislativo e na literatura especializada em administração pública.

4. METODOLOGIA

Entrevistamos contadores e responsáveis pela gestão de portais de transparência fiscal, representantes de sindicatos, fornecedores de sistemas de contabilidade, responsáveis por observatórios sociais, jornalistas e auditores de órgãos de controle. Ao todo, foram 38 entrevistas, com duração média de 47 minutos cada. Analisamos ainda documentos de auditoria, relatórios públicos e notícias divulgadas na mídia de grande circulação, a fim de coletar as irregularidades mais frequentes associadas aos salários de servidores públicos em municípios.

O objetivo foi captar múltiplas perspectivas sobre o mesmo fenômeno. Não pretendemos dar uma resposta definitiva à questão, e sim abrir o tema em torno da presença de múltiplos atores e tensões na discussão de transparência. Todos os entrevistados das prefeituras são de municípios jurisdicionados ao Tribunal de Contas do Estado de São Paulo Com isso, mantemos um mesmo entendimento do órgão de controle sobre a divulgação de salários. Os entrevistados atuam em municípios que utilizam o mesmo sistema de contabilidade e de folha de pagamento, tendo a mesma solução para a integração dos dados de folha de pagamento ao portal de transparência. Com essa escolha, isolamos variações de tecnologia na gestão da folha de pagamento e na divulgação de salários. Mesmo assim, observamos diferentes níveis de desagregação de dados sobre a folha de pagamento dessas prefeituras, ou seja, diferentes níveis de transparência.

Adotamos uma abordagem qualitativa e indutiva, deixando emergirem os aspectos que configuravam o paradoxo nas decisões de maior divulgação da folha de pagamento dos servidores. Como dito, não é nosso objetivo dar uma resposta ampla a toda a federação, tampouco explicar por que algumas prefeituras têm maior transparência que outras, algo que outros estudos já procuram fazer isso (Leite et al., 2015Leite, G. A Filho, Colares, A. F. V., & Andrade, I. C. F. (2015). Transparência da gestão fiscal pública: um estudo a partir dos portais eletrônicos dos maiores municípios do estado de minas gerais. Revista Contabilidade Vista & Revista, 26(2), 114-136.; W. A. O. Silva & Bruni, 2019Silva, W. A. O., & Bruni, A. L. (2019). Variáveis socioeconômicas determinantes para a transparência pública passiva nos municípios brasileiros. Revista de Administração Pública, 53(2), 415-431.).

5. TRANSPARÊNCIA E IRREGULARIDADES

As entrevistas apontaram algumas irregularidades associadas à folha de pagamento. Não se trata de uma lista exaustiva, e tais irregularidades ocorrem em diferentes frequências pelo país. Neste artigo, buscamos apenas evidenciar que a divulgação de despesas com pessoal e de salários nem sempre permite a detecção de alguns tipos de irregularidades.

Com base nos relatos, identificamos irregularidades associadas a desvios de recursos públicos em forma de pagamento de salários e benefícios indevidos, favorecendo pessoas; manobras para atingir metas de gastos e atender à legislação orçamentária e fiscal (compliance); artifícios para gerar fluxo de caixa. Em alguns casos, manobras para gerar fluxo de caixa podem vir associadas a outras que visam atingir a metas de gastos. O Quadro 1 apresenta ocorrências típicas em cada uma delas e de que maneira a divulgação detalhada da folha de pagamento contribuiria para a identificação de tais irregularidades.

Alguns desses desvios, como servidores fantasmas, recebimento indevido de diárias ou gratificações, múltiplos cargos sem cumprir a jornada de trabalho ou com acúmulo impedido pela Constituição, favorecem pessoas com os recursos desviados ou pagos de forma indevida.

Quando tais práticas estão presentes, alguns servidores ou grupos são favorecidos e tendem a trabalhar para mantê-las escondidas, mesmo que a grande maioria dos servidores não seja contrária à abertura da folha de pagamento. Ações como pagamento de servidores fantasmas não são detectáveis só pelas despesas com pessoal e pela lista de salários publicados nos portais de transparência; é necessária a confrontação com a existência ou não daquele indivíduo no local de trabalho. Os casos conhecidos vêm a público por denúncias ou investigações desdobradas de outras irregularidades apuradas. A identificação de jornadas de trabalho não cumpridas, carga horária inexequível e funcionários fantasmas depende de denúncia ou depoimento de pessoas que diariamente acompanham equipes e rotinas daquele departamento.

QUADRO 1
EXEMPLOS DE IRREGULARIDADES E PAPEL DA TRANSPARÊNCIA DA FOLHA DE PAGAMENTO

QUADRO 1
continuação

Assim, os atores que atuam na detecção incluem auditores em Tribunais de Contas e de controle social como observatórios sociais. A detecção também pode vir de denúncias de servidores, de pessoas que acabam tendo contato com indícios de irregularidade ou por suspeitas levantadas com base em processos de colaboração premiada.

O cruzamento de dados da folha de pagamento entre prefeituras ou com autoridades fiscais, como a Receita Federal, seria fundamental para a detecção dessas irregularidades. Nesse caso, um mínimo de padronização do layout dos dados enviados pelos diversos municípios seria necessário. Contudo, atualmente, não existe padronização para publicação de salários, o que em geral impede a verificação do acúmulo de cargos por uma mesma pessoa. Como a legislação protege a divulgação de informações pessoais de servidores, como discorre um auditor de tribunal entrevistado, a divulgação incompleta ou abreviada do nome do servidor inviabiliza o cruzamento de dados:

[...] A gente não tem o CPF de cada servidor, ou não tem o cargo, e não tem como fazer isso só por meio dos portais da transparência. [...] Teve caso de gente que acumulava 3, 4, 5 cargos públicos. [...] Esse é um trabalho que poderia ser feito se tivesse um layout mínimo, padronizado de todos os entes (União, estados e municípios), de modo que fosse possível criar um robô para fazer esses cruzamentos.

Segundo outro entrevistado, o Tribunal de Contas da União tenta investir nessa linha de atuação, cruzando dados federais, estaduais e municipais com dados da iniciativa privada. Entretanto, depende da adesão voluntária dos Tribunais de Contas, que compartilhariam a folha de pagamento dos jurisdicionados, porém nem todos os Tribunais aderiram ao projeto.

Algumas irregularidades podem ser detectadas pelos tribunais. Um exemplo são os gastos de pessoal inflados para atingir as metas de gastos com educação, criação de algum tipo de gratificação indevida para gastar todo o montante de recursos da educação. Quando a ideia é reduzir artificialmente os gastos com pessoal, despesas com salários de médicos, advogados e contadores terceirizados não são somadas no gasto com pessoal. Mas, apesar de serem detectados por Tribunais de Contas que possuem dados em granularidade, as organizações de controle social nem sempre terão como segregar manualmente as despesas correntes do total das despesas para fazer esse controle.

Por fim, a apropriação indébita de recursos de servidores é a retenção indevida do Instituto Nacional do Seguro Social ou de parcelas descontadas do salário mensal de servidores - por exemplo, para quitar empréstimo consignado feito por eles. No primeiro caso, a prefeitura deixa de repassar a parcela do imposto debitada dos servidores por anos descontado no contracheque, mas não recolhidos. No segundo, deixa de repassar a parcela do consignado debitada dos servidores e usa o recurso sem repassá-lo ao agente financeiro. Com isso, faz uma operação de crédito não autorizada, não contabilizada nos limites de endividamento.

Apesar de o tema ser algo internacionalmente debatido em termos de transparência e boas práticas de salários (Chêne, 2009Chêne, M. (2009, novembro 22). Low salaries, the culture of per diems and corruption. U4 Expert Answer. Recuperado de https://www.u4.no/publications/low-salaries-the-culture-of-per-diems-and-corruption
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; Soreide, Tostensen, & Skage, 2012Soreide, T., Tostensen, A., & Skage, I. A. (2012). Hunting for per diem: The uses and abuses of travel compensation in three developing countries. Recuperado de http://www.cmi.no/publications/file/4436-hunting-for-perdiem.Pdf
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), o atual nível de transparência permite poucas ações de controle. Os dados publicados em portais de transparência no Brasil servem para algumas funções de controle, mas não para todas - como saber funções que estão sendo terceirizadas e a análise temporal de mudanças na remuneração.

A divulgação de dados de folha de pagamento e provável detecção de irregularidades não depende apenas de tecnologia disponível, mas também de uma decisão política sobre o escopo e a granularidade dos dados divulgados. O tipo e os detalhes de divulgação afetam as chances de detecção de irregularidades. Por exemplo, a não divulgação dos descontos na folha preserva a privacidade do servidor, como no caso de pensões alimentícias e empréstimos consignados, e não são relevantes para a detecção de irregularidades. Porém, a discriminação dos benefícios recebidos é necessária, pois somente o valor líquido do pagamento não permite analisar eventuais valores indevidos, como gratificações e reembolsos.

Por outro lado, detalhes sobre reembolso de despesas e diárias seriam úteis, por ser uma forma de remunerar de modo indevido grupos favorecidos. Por fim, a detecção de algumas irregularidades é possível apenas pela ação de órgãos fiscalizadores, com cruzamento de outros dados e evidências. Em outros casos, tampouco os Tribunais de Contas conseguem detectar, uma vez que dependem de denúncia. A divulgação da folha de pagamento é só o início do processo de controle.

6. TENSÕES DA DIVULGAÇÃO DA FOLHA DE PAGAMENTO

Hoje, é pacificado na jurisprudência que a divulgação detalhada dos salários é legítima e que, apesar de informações pessoais serem protegidas - como empréstimos consignados ou descontos por pensões -, outras são de interesse público - como acréscimos por diárias recebidas, gratificações ou outros benefícios. O tema continua cercado de diferentes posicionamentos e coloca sindicatos e servidores em exposição, abrindo espaço para questionamento da população sobre remuneração e privilégios, ao mesmo tempo que afeta o espaço de barganha do prefeito em relação a aumentos salariais e distribuição de cargo para suas coalizões políticas.

Cada um dos grupos interessados pode demandar uma informação específica para cumprir sua função social. Talvez o observatório social ou um grupo na sociedade queira identificar servidores fantasmas na folha de pagamento. Porém, os questionamentos da sociedade sobre salários levariam sindicatos e associações de servidores a resistirem à divulgação dessas informações. De igual modo, alguns prefeitos podem usar aumentos salariais para angariar capital político junto a servidores e seus familiares.

As entrevistas feitas corroboram a análise dos portais de transparência, indicando que uma maior divulgação de salários não é uma questão de recursos tecnológicos. Contadores entrevistados e técnicos no setor de contabilidade entendem que transparência é “atender ao parâmetro dado pelo Tribunal”. Em última análise, prefeituras buscam se legitimar pela reputação conferida pela avaliação do Tribunal de Contas ao portal: “O [nosso] portal da transparência é perfeito; inclusive, obtemos nota boa do tribunal sobre isso aí. [...] Tudo de que o tribunal precisa está no portal da transparência”. Em geral, o “atendimento mínimo” à legislação de transparência segundo o Tribunal de Contas quanto à folha de pagamento guia as ações de divulgação das prefeituras, como também mostrado em Dias et al (2021)Dias, L. N. S, Aquino, A. C. B, Silva, P. B, & Albuquerque, F. S. (2020). Terceirização de portais de transparência fiscal em governos locais. Revista de Contabilidade e Organizações, 14, e164383..

Como dito por outro contador entrevistado, se a questão é estar de acordo com o entendimento do tribunal,

não há mais nada a fazer, tudo está no portal e nenhum ajuste é necessário. Acho que não tem nada mais detalhado para fazer, porque tudo está no portal da transparência. O que é lei federal a empresa está preparada [para fazer] no software dela. [...] Não vejo nenhum ajuste necessário para melhorar [o portal].

Por outro lado, toda tecnologia de integração de banco de dados e divulgação em interfaces eletrônicas à disposição das prefeituras não garante que o nível de divulgação seja preservado e não esteja sujeito à decisão de prefeitos de retirar dados do portal ou reduzir o nível de transparência quando lhes for conveniente. Uma das prefeituras chegou a reduzir a divulgação das informações da folha de pagamento por estar além do que outras detalhavam e do que o próprio tribunal exigia: “A prefeitura pediu ao fornecedor que abolisse essa parte [dos descontos da folha]. Sim, porque na lei não pede esses descontos, só o salário.” Como dito por um entrevistado, ao dar exemplo de controle de fornecedores, dependendo do uso dos dados, pode haver um fechamento por parte da prefeitura:

Alguns veículos de imprensa começaram a utilizar isso para fazer denúncias contra o governo, e então foi solicitado, à época, que a gente tirasse algumas ferramentas do site para dificultar esse tipo de procedimento. Hoje, a gente não tem essa ferramenta de somar determinado credor, fornecedor.

Os diversos interesses em jogo na divulgação da folha de pagamento envolvem tensões e conflitos em potencial. Nas entrevistas, identificamos pressões de duas fontes de conflitos: dos interesses de servidores, na interação de prefeito, servidores e sindicatos; e do interesse fiscal e financeiro da prefeitura, na interação entre prefeitos e o Tribunal de Contas. Ou seja, no continuum opacidade e transparência, esses dois tipos de pressão levam o nível de divulgação na direção de um dos extremos do paradoxo. A primeira fonte de pressão é mais associada ao receio de exposição de favorecimento de pessoas a segunda pressão está mais relacionada às metas de conformidade orçamentária e fiscal. Como descrito a seguir, duas soluções diferentes emergem ao paradoxo.

Quanto aos interesses de servidores, que ocorrem na interação das preferências de prefeito, servidores e sindicatos, parte das justificativas já foi resolvida pelo entendimento do Supremo Tribunal Federal. Se, por um lado, existem ganhos políticos para prefeitos que adotam a bandeira da transparência, estes prefeitos acabam entrando em conflito com sindicatos de servidores concursados pressionados pela percepção social quanto a seus salários no serviço público. Por outro lado, sindicatos têm interesse em dados de transparência para denunciar contratação de funcionários temporários e comissionados, em vez de concursados, e, mais recentemente, para questionar posicionamentos a favor de um modelo de Reforma Administrativa dedicada a resolver os supersalários no serviço público.

Por fim, servidores, sobretudo em cargos de alto escalão, podem se sentir desconfortáveis com a divulgação de sua remuneração, por isso prefeririam um menor detalhamento da folha de pagamento. Apesar da primeira reação contrária à divulgação no passado, os próprios servidores poderiam ter interesse em denunciar crimes como rachadinhas ou funcionários fantasmas e usar essa divulgação para sustentar as denúncias que potencialmente partem dos próprios servidores dos órgãos, por ser esse um crime de difícil identificação apenas pelas informações dos portais da transparência.

A fonte de tensão seria parcialmente resolvida pela síntese ao paradoxo (Schad et al., 2016Schad, J., Lewis, M. W., Raisch, S., & Smith, W. K. (2016). Paradox Research in Management Science: Looking Back to Move Forward. The Academy of Management Annals, 10(1), 5-64.), dada pelo Supremo Tribunal Federal, o “risco pessoal e familiar [...] se atenua com a proibição de revelar o endereço residencial, o CPF e a CI de cada servidor”. Contudo, a síntese resolve a questão da privacidade, mas não as demais, como a pressão social na comparação de salários médios com a iniciativa privada e o risco de expor potenciais irregularidades. Para evitar tais riscos, em alguns casos, a prefeitura divulga a folha completa, mas não escalas ou jornadas de trabalho, um tipo de separação espacial (Schad et al., 2016Schad, J., Lewis, M. W., Raisch, S., & Smith, W. K. (2016). Paradox Research in Management Science: Looking Back to Move Forward. The Academy of Management Annals, 10(1), 5-64.).

Observamos ainda que, em períodos críticos, a prefeitura pode fazer uma separação temporal (Schad et al., 2016Schad, J., Lewis, M. W., Raisch, S., & Smith, W. K. (2016). Paradox Research in Management Science: Looking Back to Move Forward. The Academy of Management Annals, 10(1), 5-64.) até que a pressão diminua, tirando dados do portal ou interrompendo a série de dados com alguma justificativa. Por exemplo, em ano eleitoral, prefeitos com justificativa infundada de estarem atendendo à legislação eleitoral retiram o acesso do público ao portal de transparência.

Se sindicatos e servidores pressionam para reduzir o acesso público a detalhes da folha e a prefeitura prefere não assumir os riscos de uma divulgação mais ampla, resta a organizações não governamentais, imprensa e Câmara Municipal gerarem pressões pela abertura. Contudo, nem sempre a Câmara é exemplo de apoio à transparência de salários. Como relatado por um servidor entrevistado: “Nós da prefeitura não conseguimos saber os salários dos servidores do Legislativo, mas eles sabem o nosso.” Podemos citar ainda que a posição político-partidário e o fato de o grupo estar ou não no governo afetam a posição que os grupos de situação ou posição adotam a respeito da transparência da folha de pagamento, que pode mudar de acordo com os acordos políticos vigentes.

Já na discussão fiscal, prefeitos podem ser plenamente auditados pelos Tribunais de Contas mesmo não ampliando a transparência em portais. Os tribunais são os reais balizadores da transparência como órgãos de controle. Nossas entrevistas com auditores mostraram que a auditoria sobre folhas de pagamento varia, mas, de modo geral, é feita de forma superficial ou precária: “É algo recorrente para os Tribunais de Contas do Brasil [...]; a gente acaba se prendendo a detalhes [...], mas ‘o elefante’ que é a folha de pagamento acaba não sendo vista e auditada da forma que deveria ser. [...] As informações ainda chegam com muita precariedade para a gente [...], e isso atrasa muito. Poderíamos estar ali fazendo uma auditoria não apenas de conformidade”.

Os tribunais também atuam de maneira tímida ao certificar o conteúdo dos portais e das informações disponibilizadas para controle social - de forma mais recorrente, analisam se a informação está disponibilizada no portal, mas não a veracidade das informações. As informações divulgadas nos portais de transparência nem sempre são confiáveis, e às vezes a informação nos portais diverge do relatado aos órgãos de controle.

Ao que parece, para prefeituras, o meio de solucionar o paradoxo em relação ao tribunal é acomodar o nível de divulgação ao patamar da fiscalização pelo Tribunal de Contas sobre os portais de transparência. Como o tribunal tem acesso completo à folha de pagamento e não depende dos dados do portal, a prefeitura segrega duas informações: uma que entrega ao Tribunal de Contas - a folha de pagamento completa - e aquela informada no portal para acesso público. A solução dada é a separação espacial (Schad et al., 2016Schad, J., Lewis, M. W., Raisch, S., & Smith, W. K. (2016). Paradox Research in Management Science: Looking Back to Move Forward. The Academy of Management Annals, 10(1), 5-64.), duas informações em diferentes níveis de transparência para cada grupo de interesse.

Em resumo, a decisão sobre o nível de transparência está na prefeitura, que acomoda as pressões do paradoxo com estratégias como separação espacial e temporal. De todo modo, tais estratégias, apesar de reduzirem as pressões dos interessados, não necessariamente aumentam as chances de detecção das irregularidades. A forma como o paradoxo é acomodado favorece uma redução da transparência e uma menor chance de detectar irregularidades com folhas de pagamento.

7. CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES

A questão do nível de transparência aqui foi tratada como consequência de tensões e pressões manifestadas ou latentes de um paradoxo: o de que prefeitos e secretários dão respostas visando acomodar as pressões de grupos de interesse. Essa visão contrapõe a tradicional literatura que trata transparência como um patamar atingido dependente dos recursos financeiros, tecnológicos ou sociais existentes naquele município, ou mesmo de orientação política do governo.

Assim como em outros assuntos que demandam transparência de governos, a divulgação de folha de pagamento é resultado de uma interação social complexa e lida com o interesse de grupos que têm influência sobre prefeito e secretários. Como tratado pela literatura de paradoxos, as tensões que emergem do paradoxo podem permanecer despercebidas, em estágio potencial, latente, até que surjam conflitos entre certos grupos ou mudança do contexto (Smith & Lewis, 2011Smith, W. K., & Lewis, M. W. (2011). Toward a theory of paradox: A dynamic equilibrium model of organizing. Academy of Management Review, 36(2), 381-403.). Quando a divulgação da folha de pagamento se tornou um debate nacional, as tensões estavam em torno da privacidade individual do servidor público, até que o Supremo Tribunal Federal deu uma síntese para a questão, preservando a identidade do servidor.

A solução de preservar a identidade do servidor não reduziu outras fontes de preocupação, e prefeituras praticam dois níveis de publicização de folha de pagamento: a entrega granular e completa de dados da folha de pagamento para os Tribunais de Contas; a divulgação de salários e benefícios em menor nível de detalhes, em que o governo consegue suportar as pressões de servidores, sindicatos, políticos e sociedade. Em casos isolados, quando surgem eventuais escândalos que colocam em risco a reputação de agentes políticos, a transparência pode ser ainda mais reduzida. Por fim, os níveis de abertura e transparência não devem ser vistos como algo estático, e sim em constante equilíbrio dinâmico, consequência de tensões e pressões do contexto.

A acomodação da transparência de salários no atual nível e a forma como as pressões do paradoxo são acomodadas trazem algumas implicações. Primeiro, a transparência de dados continuará sob efeito das pressões do paradoxo enquanto prefeitos tiverem de acomodar tais pressões. Cabe ao ente publicizar seus dados, porém uma maior padronização nacional dos Tribunais de Contas sobre como a folha de pagamento deveria ser divulgada, de forma a permitir cruzamento de dados e comparações, favoreceria o controle social. Essa padronização poderia contribuir para aumentar o nível de detalhes divulgados pelas prefeituras.

Com o atual nível de divulgação de salários e benefícios, é praticamente impossível detectar certas irregularidades. Os dados detalhados da folha de pagamento são coletados pela maioria dos Tribunais de Contas, mas tais bases não são abertas para controle social e, muitas vezes, não são plenamente exploradas pelos auditores. Os mecanismos de cooperação intergovernamental para o compartilhamento de bases de dados são frágeis ou inexistentes, e o compartilhamento de dados da folha de pagamento para controle não é uma ampla realidade nem entre os Tribunais de Contas - há os que ainda resistem em aderir a iniciativas para compartilhamento essas informações.

Esse cenário dificulta uma maior orquestração das ações de controle interinstitucional de casos de acumulação ilícita de cargos, funcionários fantasmas, nepotismo, entre outros desvios de finalidade. Como algumas irregularidades são detectáveis apenas com o cruzamento de dados e a colaboração de diversos atores, mas tais dados não estão disponíveis, a sociedade depende de um golpe de sorte.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Feb 2022

Histórico

  • Recebido
    30 Dez 2020
  • Aceito
    19 Out 2021
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