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O papel da herança cultural nos processos de ingresso na carreira diplomática brasileira entre 1995-2015

El papel del patrimonio cultural en los exámenes de admisión a la carrera diplomática brasileña entre 1995-2015

Resumo

A seleção de novos membros para ocupar cargos na estrutura burocrática federal brasileira mudou progressivamente durante a segunda metade da década de 1990. Se a orientação inicial foi marcada pela retomada quantitativa dos concursos públicos federais (1995-2002), após 2003 a tendência foi de buscar atrair uma maior diversidade de setores sociais nas carreiras públicas - e a seleção de diplomatas não ficou alheia a este processo. A análise qualitativa de fontes primárias (documentos) e fontes secundárias (revisão de literatura) permitiu verificar que, juntamente com iniciativas já reconhecidas na literatura - aumento do número de vagas e da remuneração, isenção de inscrição, entre outras -, a própria modificação das questões formuladas nas provas aplicadas entre 1995 e 2015 pode ser entendida como uma medida com o objetivo de alteração do perfil dos ingressantes na carreira diplomática. Entre 1995 e 2004, a prova avaliou e selecionou os candidatos mediante questões de “cultura geral”, que privilegiavam uma certa “herança cultural” reputada como sinal de distinção social e associada a um perfil social pretensamente sofisticado. No entanto, entre 2004 e 2015 parece ter havido uma padronização das novas questões, que, afastando-se das exigências tácitas de refinamento cultural, dariam preferência a outros perfis de candidatos.

Palavras-chave:
administração pública federal; carreira diplomática; Instituto Rio Branco; concurso de admissão à carreira diplomática; carreira diplomática e herança cultural

Resumen

La selección de nuevos miembros para ocupar los cargos públicos federales brasileños cambió progresivamente durante la segunda mitad de la década de 1990. Si la orientación inicial estuvo marcada por la reanudación cuantitativa de los concursos públicos federales (1995-2002), en el período posterior a 2003 esta tendencia buscó atraer una mayor diversidad de sectores sociales a las carreras públicas - y la selección de diplomáticos no quedó ajena a este proceso. El análisis cualitativo de fuentes primarias (documentos) y fuentes secundarias (revisión bibliográfica) permitió constatar que, junto a iniciativas ya reconocidas en la literatura - aumento del número de vacantes y remuneración, exención de registro, entre otras -, se puede entender la modificación de las preguntas formuladas en los exámenes aplicados entre 1995 y 2015 como una medida hacia la alteración del perfil de quienes ingresan a la carrera diplomática. Entre 1995 y 2004 la prueba evaluó y seleccionó a los candidatos a través de preguntas de “cultura general”, que privilegiaron un “patrimonio cultural” reputado como signo de distinción social y asociado a un perfil social supuestamente sofisticado. Sin embargo, entre 2004 y 2015 parece haberse producido una estandarización de las nuevas preguntas, que, alejándose de las exigencias tácitas del refinamiento cultural, darían preferencia a otros perfiles de candidatos.

Palabras clave:
administración pública federal; carrera diplomática; Instituto Rio Branco; concurso para el ingreso a la carrera diplomática; carrera diplomática y patrimonio cultural

Abstract

The selection of new members to occupy positions in the Brazilian federal bureaucratic framework changed progressively during the second half of the 1990s. If the initial orientation was characterized by the quantitative resumption of federal public tenders (1995-2002), post-2003, this trend sought to attract a greater diversity of social sectors in public careers — and the selection of diplomats was not alien to this process. The qualitative analysis of primary sources (documents) and secondary sources (literature review) showed that, along with initiatives already recognized in the literature — increase in the number of vacancies and remuneration, exemption from registration, among others — the very modification of questions formulated in the exams applied between 1995 and 2015 can be understood as a measure toward the alteration of the profile of those entering the diplomatic career. Between 1995 and 2004, the test evaluated and selected the candidates through questions of “general culture,” which privileged a certain “cultural heritage” reputed as a sign of social distinction and associated with an allegedly sophisticated social profile. However, between 2004 and 2015, there seems to have been a standardization of the new questions, which, moving away from the tacit requirements of cultural refinement, gave preference to other candidate profiles.

Keywords:
federal public administration; diplomatic career; Rio Branco Institute; public exam for admission to the diplomatic career; diplomatic career and cultural heritage

1. INTRODUÇÃO

Dentro do estudo da Administração Pública, o Ministério de Relações Exteriores (MRE) tem um destaque especial por conta da peculiaridade de seu funcionamento e de seu ethos (Drezner, 2000Drezner, D. (2000). Ideas, Bureaucratic Politics, and Crafting of Foreign Policy. American Journal of Political Science, 44(4), 733-749. Recuperado dehttps://doi.org/10.2307/2669278
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; Moura, 2006Moura, C. P. (2006). O inglês, o parentesco e o elitismo na Casa de Rio Branco. Cena Internacional, 8(1), 20-34., 2007). Estudos recentes que buscam compreender o funcionamento dessas entidades e suas peculiaridades propõem que a compreensão da relação entre as esferas da administração nacional e internacional necessita de uma reflexão que ultrapasse as análises clássicas voltadas puramente à interação entre instituições (Putnam, 2010Putnam, R. (2010). Diplomacia e Política Doméstica: A Lógica dos Jogos de Dois Níveis. Revista de Sociologia Política, 18(36), 147-174. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/S0104-44782010000200010
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).

Assim, uma abordagem que cada vez mais vem sendo adotada é a investigação dos detalhes da vida daqueles que gerem, na prática, o funcionamento da política externa dentro das instituições estatais, ou seja, os funcionários do corpo diplomático. Seguindo a linha de iniciativas que buscam compreender o papel e o resultado de ações afirmativas em diferentes processos de admissão (Venturini, 2021Venturini, A. C. (2021). Ação afirmativa em programas de pós-graduação no Brasil: padrões de mudança institucional. Revista de Administração Pública, 55(6), 1250-1270. Recuperado de https://doi.org/10.1590/0034-761220200631
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), há um crescente interesse em compreender se seria possível afirmar haver um perfil determinado - em termos de origem, raça, gênero e renda - que compõe os quadros burocráticos do Itamaraty e como isso poderia ser resultado da permanência de distintas práticas de exclusão na história do país (Amparo & Moreira, 2021Amparo, G. A. S., & Moreira, J. B. (2021). A diplomacia não tem rosto de mulher: o Itamaraty e a desigualdade de gênero. Meridiano 47 - Journal of Global Studies, 22, e2200. Recuperado de https://doi.org/10.20889/M47e22001
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; Cavalcanti, 2022Cavalcanti, T. (2022, abril 16). Diplomacia brasileira quer acabar com rótulo de masculina, branca e de pai para filho. Folha de São Paulo. Recuperado de https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2022/04/diplomacia-brasileira-quer-acabar-com-rotulo-de-masculina-branca-e-de-pai-para-filho.shtml
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; Lima & A. J. S. N. Oliveira, 2018Lima, R. C., & Oliveira, A. J. S. N. (2018). Manutenção e mudanças no Ministério das Relações Exteriores: perfis do corpo diplomático e padrões na carreira. Revista de Administração Pública, 52(5), 797-821. Recuperado de https://doi.org/10.1590/0034-7612175199
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). Nessa análise, tal exclusão seria atribuída a uma estrutura discriminatória geral vigente no país (S. Almeida, 2018Almeida, S. (2018). Racismo estrutural. São Paulo, SP: Jandaíra.; Moreira, 2017aMoreira, A. J. (2017a). Cidadania Sexual: Estratégia para Ações Inclusivas. Belo Horizonte, MG: Arraes., 2020Moreira, A. J. (2020). Tratado de Direito Antidiscriminatório. São Paulo, SP: Contracorrente.), a qual promoveria formas dispersas de microagressões (Moreira, 2017bMoreira, A. J. (2017b). O que é discriminação? Belo Horizonte, MG: Casa do Direito.) responsáveis por excluir, ao longo das diferentes trajetórias individuais, pessoas auto ou heteroidentificadas, por não corresponder ao “perfil usual”.

Certamente, processos de seleção não são a principal barreira a privilegiar determinados grupos em detrimento de outros: forças excludentes distintas exercem esse papel anteriormente ao momento da seleção. Contudo provas aplicadas em processos seletivos não são apenas mecanismos de aferição quantitativa de conhecimento: elas podem ser entendidas também como mecanismos sociais que aferem saberes em uma dimensão qualitativa (Fidelis, 2008Fidelis, A. C. S. (2008). Do Cânone Literário às Provas de Vestibular: Canonização e Escolarização da Literatura (Tese de Doutorado). Universidade de Campinas, Campinas, SP.; Freire, 1997Freire, P. (1997). Pedagogia da Autonomia(6a ed.). São Paulo, SP: Paz e Terra.; Freitas, 2010Freitas, L. C. (2010). Avaliação: para além da forma escola. Educação: Teoria e Prática, 20(35), 89-99. Recuperado dehttps://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/educacao/article/view/4086
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, 2016Freitas, L. C. (2016). A importância da avaliação: em defesa de uma responsabilização participativa. Em Aberto, 29(96), 127-140. Recuperado dehttps://doi.org/10.24109/2176-6673.emaberto.29i96.3156
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). Em outros termos, provas não apenas mensuram quantidade de conhecimento em determinados campos do saber: elas também realizam seleções de candidatos em função de determinado perfil desejado ou consagrado - no caso estudado, o perfil designado para aqueles que deverão exercer a administração da política externa do país - (Bourdieu, 2002aBourdieu, P., & Champagne, P. (2002). Os excluídos do interior. In M. A. Nogueira, & A. Catani (Eds.), Escritos de Educação(4a ed., pp. 217-228). Rio de Janeiro, RJ: Vozes., 2002bBourdieu, P. (2002b). As contradições da herança. In M. A Nogueira, & A. Catani (Eds.), Escritos de Educação(4a ed., pp. 229-238). Rio de Janeiro, RJ: Vozes.; Bourdieu & Champagne, 2002Bourdieu, P. (2002a). A Escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In M. A. Nogueira, & A. Catani (Eds.), Escritos de Educação(4a ed., pp. 39-64). Rio de Janeiro, RJ: Vozes.).

Assim, mesmo que provas de ingresso não sejam a única barreira nas trajetórias particulares, elas precisam ser vistas como igualmente capazes de limitar o acesso de determinados perfis sociais a posições chave - com repercussões não apenas em termos de autoestima individual, mas também em termos de reconhecimento da maior ou menor abertura jurídico-institucional e social para alguns grupos em detrimentos de outros (Honneth, 2009Honneth, A. (2009). Luta por reconhecimento: a Gramática Moral dos Conflitos Sociais (2a ed.). São Paulo, SP: Editora 34.; Moreira, 2017bMoreira, A. J. (2017b). O que é discriminação? Belo Horizonte, MG: Casa do Direito.).

Ao se adentrar especificamente no campo da diplomacia, estudos apresentados por autores como Bretas (2017Bretas, D. L. (2017). O processo seletivo dos diplomatas brasileiros (1995-2010) (Tese de Doutorado). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC.), Cheibub (1984Cheibub, Z. B. (1984). Diplomacia, diplomatas e política externa: aspectos do processo de institucionalização do Itamaraty (Dissertação de Mestrado). Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ., 1989Cheibub, Z. B. (1989). A carreira diplomática no Brasil: o processo de burocratização do Itamarati. Revista de Administração Pública, 23(2), 97-128. Recuperado dehttps://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/9157
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), C. A. P.Faria, Lopes, e Casarões (2013Faria, C. A. P., Lopes, W. B., & Casarões, G. (2013). Itamaraty on the Move: Institutional and Political Change in Brazilian Foreign Service under Lula da Silva’s Presidency (2003-2010). Bulletin of Latin American Research, 32(4), 468-482. Recuperado de https://doi.org/10.1111/blar.12067
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), Lima e A. J. S. N. Oliveira (2018Lima, R. C., & Oliveira, A. J. S. N. (2018). Manutenção e mudanças no Ministério das Relações Exteriores: perfis do corpo diplomático e padrões na carreira. Revista de Administração Pública, 52(5), 797-821. Recuperado de https://doi.org/10.1590/0034-7612175199
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), Moura (2006Moura, C. P. (2006). O inglês, o parentesco e o elitismo na Casa de Rio Branco. Cena Internacional, 8(1), 20-34., 2007Moura, C. P. (2007). O Instituto Rio Branco e a Diplomacia Brasileira: Um estudo da carreira e socialização. Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV.), Sanz (2001Sanz, O. J. S. (2001). La formación del diplomático 1890-1914: ¿elitismo o profesionalismo? Cuadernos de Historia Contemporánea, 23, 241-270. Recuperado dehttps://revistas.ucm.es/index.php/CHCO/article/view/CHCO0101110241A
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), Siss e V. S. Almeida (2019Siss, A., & Almeida, V. S. (2019). O poder da branquitude e racismo institucional: percepções sobre o acesso à diplomacia brasileira. Série-Estudos, 24(50), 83-102. Recuperado dehttps://doi.org/10.20435/serie-estudos.v24i50.1172
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) e Souza (2006Souza, A. C. (2006). O Instituto Rio Branco e a diplomacia brasileira: um estudo de carreira e socialização. Revista de Antropologia, 49(2), 803-813. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0034-77012006000200012
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) reforçam esta tese, apontando que a formação e a origem de diplomatas brasileiros, os métodos de seleção e ingresso na carreira no país, os entornos sociais e culturais dos funcionários selecionados - ou seja, condições que marcam o indivíduos e alteram sua forma de atuação - impactam na direção das atividades diplomáticas. Logo, a forma de ingresso na carreira diplomática precisa ser compreendida também como um fator primordial na análise das forças que atuam na formulação da política externa brasileira (PEB)

Desde 2003, a prova do Concurso de Admissão à Carreira Diplomática (CACD) do Instituto Rio Branco (IRBr) é composta pelas seguintes áreas do conhecimento: Português, Inglês, História (do Brasil e mundial), Política Internacional, Geografia, Economia, Direito (Nacional e Internacional Público). Dentre estas áreas, nota-se que a prova de português é aquela que mais chama atenção, o que ocorre por dois motivos.

Primeiro, pelo menos desde Nicolau Maquiavel (2010Maquiavel, N. (2010). Diálogo sobre nossa língua. Belo Horizonte, MG: Editora UFGM.), porque o pensamento político ocidental tradicionalmente atribui a idiomas o papel de construção e de consolidação de união política estável - ou, mais estritamente, de união nacional dentro de um Estado (Manent, 2006Manent, P. (2006). La Raison des Nations. Paris, France: Gallimard.). Ainda que o idioma não seja o único elemento capaz de construir o repertório cultural apto a promover a agregação política (Anderson, 2008Anderson, B. (2008). Comunidades imaginadas. São Paulo, SP: Companhia das Letras.), reconhece-se que políticas de construção de unidade nacional passam muitas vezes pela escolha institucional de privilegiar determinado idioma em detrimento de outros (Kymlicka, 2007Kymlicka, W. (2007). Multicultural Odysseys. Oxford, UK: Oxford University.) - implicando, de forma intencional ou não, o progressivo desaparecimento destes últimos (Cruz, Masinire, & López, 2021Cruz, E. S., Masinire, A. & López, E. V. (2021). The impact of COVID-19 on education provision to indigenous people in Mexico. Revista de Administração Pública, 55(1), 151-164. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/0034-761220200502
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; Sengupta, 2022Sengupta, P. (2022). Language, communication, and the COVID-19 pandemic: criticality of multi-lingual education. International Journal of Multilingualism. Recuperado de https://doi.org/10.1080/14790718.2021.2021918
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). Isso ocorre, em grande parte, porque o idioma em si mesmo transmite, não apenas palavras e conexões sintáticas, mas um repertório simbólico e axiológico de origem social responsável por consolidar expectativas de coesão e de identificação coletiva (Giddens, 1999Giddens. A. (1999). Estruturalismo, Pós-Estruturalismo e a Produção da Cultura. In G. Anthony, & T. Jonathan(Eds.), Teoria Social Hoje(pp. 283-288). São Paulo, SP: UNESP.).

Isso por si só justificaria, em particular, um olhar atento à prova no CACD. Com efeito, a carreira diplomática é privativa de brasileiros natos (art. 12, §3º, inciso V, da Constituição Federal de 1988Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. (2011). Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Brasília, DF. Recuperado dehttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm
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). Isso significa que este posto-chave da Administração Pública está reservado apenas àqueles que supostamente partilham de determinado repertório cultural nacional comum - o que, no Brasil, considerando ser o português o idioma oficial do país (Art. 13 da Constituição Federal de 1988Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. (2011). Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Brasília, DF. Recuperado dehttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm
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), é transmitido tradicionalmente pela língua comum.

Precisamente por essa razão, o segundo motivo para concentrar a atenção sobre a prova de português do CACD reside no fato de que, nesta prova, tradicionalmente se cobram textos literários para a admissão à carreira diplomática. Neste particular, autores como Antonio Candido (2000Candido, A. (2000). Formação da Literatura Brasileira: Momentos Decisivos (9a ed., Vol. 1.) São Paulo, SP: Editora Itatiaia.) e Terry Eagleton (1996Eagleton, T. (1996). Literary theory: an introduction (2a ed.). Hoboken, NJ: Blackwell Publishing.) ressaltam o grande poder que a literatura tem de, não só transmitir uma determinada visão da história de cada sociedade, mas também consagrar ideologias políticas e filosóficas de modo implícito ou explícito.

Essa tese é reforçada nos estudos de Bourdieu (2002aBourdieu, P., & Champagne, P. (2002). Os excluídos do interior. In M. A. Nogueira, & A. Catani (Eds.), Escritos de Educação(4a ed., pp. 217-228). Rio de Janeiro, RJ: Vozes., 2002bBourdieu, P. (2002b). As contradições da herança. In M. A Nogueira, & A. Catani (Eds.), Escritos de Educação(4a ed., pp. 229-238). Rio de Janeiro, RJ: Vozes.; Bourdieu & Champagne, 2002Bourdieu, P. (2002a). A Escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In M. A. Nogueira, & A. Catani (Eds.), Escritos de Educação(4a ed., pp. 39-64). Rio de Janeiro, RJ: Vozes.) que destacam a relação entre o jogo de poder e de dominação na sociedade expressos pela herança cultural transmitida por meio do conhecimento da literatura. Assim, se a carreira diplomática é reservada a brasileiros natos - que se unem em torno de representações coletivas nacionais preservadas e transmitidas por meio da língua portuguesa -, analisar quais e como obras literárias são cobradas nas provas de seleção do CACD permite descobrir se, dentre os critérios de seleção de candidatos, determinada herança cultural exerce ou exerceu um crivo adicional na preferência de alguns dos brasileiros natos em detrimento de outros.

Para compreender isso, este texto levantou, sistematizou e analisou editais, guias de estudos e questões constantes das etapas de múltipla escolha das provas do CACD realizadas desde o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995) até o ano em que o mandato do governo Dilma Roussef chegou ao fim (2015). O objetivo deste exame consistiu em evidenciar elementos que permitissem identificar continuidades e rupturas entre os governos do período selecionado no que se refere a conteúdos e habilidades exigidos para o ingresso no corpo diplomático brasileiro.

Entenda-se que, mais do que simplesmente compreender a variação temporal das provas do CACD em si mesmas, a presente análise sugere que tal variação reflete a adoção de estratégias políticas domésticas conscientes voltadas a combater resquícios de tradicionais formas de exclusão no país e a promover determinadas políticas de inclusão ou de transformação social dentro dos quadros burocráticos. Neste particular, note-se que a análise de editais de seleção e documentos conexos tem se revelado frutífera para a compreensão de diferentes escolhas e estratégias da Administração Pública brasileira, como apontam, em outras temas, os estudos de F. S. Coelho e Menon (2018Coelho, F. S., & Menon, I. O. (2018). A quantas anda a gestão de recursos humanos no setor público brasileiro? Um ensaio a partir das (dis)funções do processo de recrutamento e seleção - os concursos públicos. Revista do Serviço Público, 69, 151-180. Recuperado de https://doi.org/10.21874/rsp.v69i0.3497
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), Couto e C. Coelho (2015Couto, H. L. G., & Coelho, C. (2015). Fatores críticos no comportamento do gestor público responsável por compras sustentáveis: diferenças entre consumo individual e organizacional. Revista de Administração Pública, 49(2), 519-543. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/0034-7612113443
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), Mattos (2020Mattos, S. M. O. (2020). Ministério Público e domínio racial: poucas ilhas negras em um arquipélago não-negro. Revista Brasileira de Políticas Públicas, 10(2), 267-294. Recuperado de https://doi.org/10.5102/rbpp.v10i2.6896
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), Mello e Resende (2019Mello, L., & Resende, U. P. (2019). Concursos públicos para docentes de universidades federais na perspectiva da Lei 12.990/2014: desafios à reserva de vagas para candidatas/os negras/os. Sociedade e Estado, 34(1), 161-184. Recuperado de https://doi.org/10.1590/s0102-6992-201934010007
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), Sá, Donadon, e Braga (2021) R. M. P. Silva (2016Silva, R. M. P. (2016). Especialista em políticas públicas e gestão governamental: um estudo sobre convergência entre processos seletivos e atribuições legais (Tese de Doutorado). Universidade de Brasília, Brasília, DF.) e Venturini (2021Venturini, A. C. (2021). Ação afirmativa em programas de pós-graduação no Brasil: padrões de mudança institucional. Revista de Administração Pública, 55(6), 1250-1270. Recuperado de https://doi.org/10.1590/0034-761220200631
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).

Apesar da importância que textos literários podem ter no processo institucional de distinção social, ainda há uma lacuna na análise deste tema ao se abordar especificamente o Itamaraty no período mencionado. O trabalho de Zairo Cheibub (1984Cheibub, Z. B. (1984). Diplomacia, diplomatas e política externa: aspectos do processo de institucionalização do Itamaraty (Dissertação de Mestrado). Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ., 1989Cheibub, Z. B. (1989). A carreira diplomática no Brasil: o processo de burocratização do Itamarati. Revista de Administração Pública, 23(2), 97-128. Recuperado dehttps://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/9157
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) é tido como uma das principais referências para o estudo da formação do corpo diplomático brasileiro. O autor sistematiza três períodos distintos do Itamaraty: - patrimonialista, carismático e burocrático-racional - e destaca uma mudança na forma como os diplomatas eram selecionados na sociedade. O autor traz à tona uma sistematização muito útil e interessante, porém sua análise se encerra no período do fim da ditadura brasileira. Com isso, acredita-se que o estudo de períodos mais recentes da história brasileira dialogaria com a tese proposta por Cheibub e poderia argumentar sobre os limites, as continuidades e a permanência de suas conclusões.

Autores como Bretas (2017Bretas, D. L. (2017). O processo seletivo dos diplomatas brasileiros (1995-2010) (Tese de Doutorado). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC.), Lima e A. J. S. N. Oliveira (2018Lima, R. C., & Oliveira, A. J. S. N. (2018). Manutenção e mudanças no Ministério das Relações Exteriores: perfis do corpo diplomático e padrões na carreira. Revista de Administração Pública, 52(5), 797-821. Recuperado de https://doi.org/10.1590/0034-7612175199
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) e Moura (2007Moura, C. P. (2007). O Instituto Rio Branco e a Diplomacia Brasileira: Um estudo da carreira e socialização. Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV.) analisaram períodos posteriores da instituição. A importância e a relevância da sistematização e das análises propostas por estes estudos, portanto, devem ser reconhecidas. Moura (2007)Moura, C. P. (2007). O Instituto Rio Branco e a Diplomacia Brasileira: Um estudo da carreira e socialização. Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV. realiza uma análise antropológica dos mecanismos de consagração das heranças culturais no dia a dia da vivência diplomática do MRE. Entretanto, pelo próprio foco de seu texto, a autora aprofunda-se pouco nos aspectos da prova e do sistema de ingresso, limitando-se a descrever em breves momentos a percepção que os candidatos admitidos tinham a respeito da prova. Já a tese de Bretas (2017Bretas, D. L. (2017). O processo seletivo dos diplomatas brasileiros (1995-2010) (Tese de Doutorado). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC.) concentra-se nas provas de primeira e segunda fase do mesmo período que a presente pesquisa analisa e, apesar de fazer uma longa e relevante sistematização das provas, o estudo não examina com profundidade o significado das mudanças. Por fim, Lima e A. J. S. N. Oliveira (2018Lima, R. C., & Oliveira, A. J. S. N. (2018). Manutenção e mudanças no Ministério das Relações Exteriores: perfis do corpo diplomático e padrões na carreira. Revista de Administração Pública, 52(5), 797-821. Recuperado de https://doi.org/10.1590/0034-7612175199
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) avançam na análise do perfil do corpo diplomático e apresentam, inclusive, uma reflexão em torno de região geográfica, origem familiar, estudos, entre outros. Contudo, o estudo não confere destaque ao papel do processo seletivo na alteração desses perfis.

Uma análise mais aprofundada das mudanças no modo como as provas de primeira fase são formuladas, com destaque para a significativa alteração da valorização da “cultura geral”, pode complementar os estudos atuais e auxiliar no entendimento mais amplo dos processos descritos pelos autores. Para atingir esse objetivo, este texto está dividido em cinco seções, incluindo esta introdução. A segunda seção apresenta, delimita e justifica os materiais consultados - fontes primárias e secundárias - e os métodos utilizados para desenvolver a análise qualitativa das provas selecionadas do CACD, apontando a literatura pertinente que analisa o papel de herança cultural como critério de distinção social e de consagração de posições de poder. A terceira seção expõe de maneira sistematizada os principais resultados da análise da série histórica das questões, encontrando padrões e rupturas nos formatos das provas. A quarta seção busca indicar como essas variações sinalizam alterações nos critérios de seleção de candidatos em termos de conteúdo e de habilidades. A quinta seção dedica-se às considerações finais.

2. MATERIAIS CONSULTADOS E METODOLOGIA

2.1 Abordagem qualitativa de documentos e de revisão bibliográfica

Este texto se lastreia em uma pesquisa qualitativa baseada em fontes primárias (análise documental) e secundárias (revisão bibliográfica). As fontes primárias consistiram basicamente nas provas do CACD e nos respectivos editais e guias de estudo dos anos de 1995 a 2015 - incluindo o ano de 2003, quando atipicamente houve duas aplicações de prova do CACD, razão pela qual ambas foram analisadas, aqui diferenciadas entre 2003.1 (primeira aplicação) e 2003.2 (segunda aplicação). As fontes secundárias consistiram em artigos, livros e capítulos de livros que tratam dos objetivos da PEB no período e dos mecanismos políticos usados pelo Partido dos trabalhadores (PT) para a implementação de sua agenda política.

As provas do CACD estão distribuídas em diversas fases. De modo geral, podem ser divididas entre as provas da primeira fase do concurso, as quais contêm apenas questões de múltipla escolha, e as provas das demais etapas do concurso, as quais são estruturadas por meio de questões de caráter dissertativo. Foram, no entanto, excluídas da presente análise as questões aplicadas na prova oral nos anos anteriores a 2004 - quando esta espécie de exame deixou de ser realizada - devido à dificuldade de acesso, por parte dos pesquisadores, ao conteúdo e documentos dessa modalidade de prova.

Após uma leitura preliminar de todos os documentos, constataram-se mudanças significativas nas provas da primeira fase, constituídas de múltipla escolha. Diante de tais mudanças, e considerando ser a prova da primeira fase a mais disputada do concurso (Moura, 2007Moura, C. P. (2007). O Instituto Rio Branco e a Diplomacia Brasileira: Um estudo da carreira e socialização. Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV.), este estudo se concentrou na compreensão das alterações que ocorreram nesta prova no período analisado. Neste particular, como a prova de 1995 não foi estruturada em questões de múltipla escolha - de acordo com o modelo anterior do IRBr -, as questões deste ano não foram analisadas no presente texto. Essa exclusão não impede, contudo, a consideração de outros aspectos do edital do CACD daquele ano, como salários iniciais e número de vagas. Seja como for, para a análise inicial, criou-se uma base de dados em que as questões foram divididas primeiramente entre as áreas de conhecimento da prova. No caso de as provas não possuírem divisão explícita por área, as questões foram alocadas na categoria correspondente ao tema que prevalecia nas alternativas ou no texto de apoio da questão.

O recorte temporal desta pesquisa tem sua justificativa em três questões. Em primeiro lugar, há uma gama de estudos que analisam a transição da política externa entre os governos de Dilma Rousseff, Luiz Inácio Lula da Silva e seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso (P. R. Almeida, 2003Almeida, P. R. (2003). A política internacional do Partido dos Trabalhadores: da fundação à diplomacia do governo Lula. Revista de Sociologia Política, 20, 87-102. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/S0104-44782003000100008
https://doi.org/10.1590/S0104-4478200300...
; Boito & Berringer, 2013Boito, A. J., & Berringer, T. (2013). Brasil: classes sociais, neodesenvolvimentismo e política externa nos governos Lula e Dilma. Revista de Sociologia Política, 21(47), 31-38. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0104-44782013000300004
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; Bretas, 2017Bretas, D. L. (2017). O processo seletivo dos diplomatas brasileiros (1995-2010) (Tese de Doutorado). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC.; C. Fonseca, 2017Fonseca, C. (2017, setembro) O Brasil de Lula: A permanente procura de um lugar no sistema internacional. Relações Internacionais, 55, 51-70. Recuperado de https://doi.org/10.23906/ri2017.55a04
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; Guilherme, 2014Guilherme, C. A. S. (2014). A América do Sul como Prioridade: A Política Externa do Governo Lula/PT (2003-2010). História em Reflexão, 8(15), 1-14. Recuperado dehttps://ojs.ufgd.edu.br/index.php/historiaemreflexao/article/view/3350
https://ojs.ufgd.edu.br/index.php/histor...
; Lessa, 2003Lessa, A. C. (2003). O primeiro ano do Governo Lula: renovação na continuidade. Meridiano 47 - Journal of Global Studies, 40-41, 6-7. Recuperado de https://doi.org/10.20889/M47e44041001
https://doi.org/10.20889/M47e44041001...
; Miranda & Bischoff, 2018Miranda, J., & Bischoff, V. (2018). Educação internacional como soft power: O ensaio da política externa de Dilma Rousseff. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, 13(3), 899-915. Recuperado de https://doi.org/10.21723/riaee.v13.n3.2018.10096
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; Ricupero, 2017Ricupero, R. (2017). A Diplomacia na Construção do Brasil: 1750-2016. Rio de Janeiro, RJ: Versal.; Souza, 2006Souza, A. C. (2006). O Instituto Rio Branco e a diplomacia brasileira: um estudo de carreira e socialização. Revista de Antropologia, 49(2), 803-813. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0034-77012006000200012
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). Assim, busca-se dialogar com esses estudos e dar luz a uma área pouco analisada até o momento, mas que contribui com a formulação geral das políticas públicas em questão e auxiliam na compreensão dos meios usados pelos governos para implementar suas agendas de mudança - nesse caso, via CACD. Em segundo lugar, as provas deste concurso passaram a adotar um padrão baseado em questões de múltipla escolha na primeira fase apenas de 1995 em diante. Dessa forma, uma análise comparativa quantitativa, por exemplo, de número de questões, seria inviável. Em terceiro lugar, deve-se destacar um dado material da própria pesquisa. Boa parte dos documentos usados não se encontravam em acesso público nem em formato digital durante a realização dos levantamentos. Sua obtenção dependeria, em grande parte, do acesso ao acervo físico do Itamaraty e do Instituto Rio Branco. Como esta pesquisa foi realizada durante a pandemia - entre 2020 e 2021 -, estes locais encontravam-se fechados ao acesso do público em geral, impossibilitando a obtenção de tais documentos.

Ao todo, foram analisados 22 Editais, 19 guias de estudo, 22 provas de primeira fase e 91 provas das demais fases. Em razão da ênfase deste texto nas provas da primeira fase, foram consideradas aqui apenas a tabulação e a análise das 1500 questões da primeira fase. É importante lembrar que parte dos documentos levantados encontrava-se disponível no site do IRBr (2022a, 2022b). Contudo parte considerável dos arquivos estava incompleta, mal escaneada ou ausente no site oficial. Desse modo, o acesso a tais arquivos foi devidamente solicitado por meio de pedido formulado nos termos da Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011). Para a obtenção de informações adicionais à pesquisa, também foi relevante a colaboração da Secretaria de Comunicação e Cultura do Ministério das Relações Exteriores.

Nesta pesquisa, optou-se por não utilizar entrevistas com quadros do Itamaraty como fontes primárias. Apesar de se reconhecer a importância dessa triangulação - realizada em estudos conhecidos que também analisaram editais (Couto & C. Coelho, 2015Couto, H. L. G., & Coelho, C. (2015). Fatores críticos no comportamento do gestor público responsável por compras sustentáveis: diferenças entre consumo individual e organizacional. Revista de Administração Pública, 49(2), 519-543. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/0034-7612113443
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; Mattos, 2020Mattos, S. M. O. (2020). Ministério Público e domínio racial: poucas ilhas negras em um arquipélago não-negro. Revista Brasileira de Políticas Públicas, 10(2), 267-294. Recuperado de https://doi.org/10.5102/rbpp.v10i2.6896
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; Mello & Resende, 2019Mello, L., & Resende, U. P. (2019). Concursos públicos para docentes de universidades federais na perspectiva da Lei 12.990/2014: desafios à reserva de vagas para candidatas/os negras/os. Sociedade e Estado, 34(1), 161-184. Recuperado de https://doi.org/10.1590/s0102-6992-201934010007
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; B. C. S. C. M. Oliveira & Santos, 2015Oliveira, B. C. S. C. M., & Santos, L. M. L. (2015). Compras públicas como política para o desenvolvimento sustentável. Revista de Administração Pública, 49(1), 189-206. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/0034-76121833
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; Pinto & Midlej, 2012Pinto, E. L., & Midlej, S. (2012). Programa Pró-Equidade de Gênero: uma discussão sobre relações entre homens e mulheres na Caixa Econômica Federal. Revista de Administração Pública, 46(6), 1529-1550. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0034-76122012000600006
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; Sá et al., 2021; R. M. P. Silva, 2016Silva, R. M. P. (2016). Especialista em políticas públicas e gestão governamental: um estudo sobre convergência entre processos seletivos e atribuições legais (Tese de Doutorado). Universidade de Brasília, Brasília, DF.; Venturini, 2021Venturini, A. C. (2021). Ação afirmativa em programas de pós-graduação no Brasil: padrões de mudança institucional. Revista de Administração Pública, 55(6), 1250-1270. Recuperado de https://doi.org/10.1590/0034-761220200631
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) -, aspectos materiais relativos à própria condução da pesquisa levaram à não realização dessa coleta de informações. De fato, o financiamento da pesquisa que subsidiou o presente estudo durou um ano e meio e, diante da necessidade de levantar e de solicitar documentos ainda não disponíveis eletronicamente, bem como de priorizar a sistematização do grande volume de informações extraídas de tais documentos, teve precedência o trabalho em torno de todos esses documentos - os quais, como já mencionado acima, estavam inacessíveis fisicamente em razão da restrição de acesso às instituições por conta da pandemia da COVID-19.

Contudo, objetivando suprir, parcialmente, a ausência de entrevistas, optou-se por complementar com fontes secundárias as informações coletadas. Nesses termos, foram incluídos aqui depoimentos pessoais transcritos - como no estudo de Ricupero (2017Ricupero, R. (2017). A Diplomacia na Construção do Brasil: 1750-2016. Rio de Janeiro, RJ: Versal.) - ou transcrições de entrevistas - relatadas nos trabalhos de Moura (2006Moura, C. P. (2006). O inglês, o parentesco e o elitismo na Casa de Rio Branco. Cena Internacional, 8(1), 20-34., 2007Moura, C. P. (2007). O Instituto Rio Branco e a Diplomacia Brasileira: Um estudo da carreira e socialização. Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV.), Siss e V. S. Almeida (2019Siss, A., & Almeida, V. S. (2019). O poder da branquitude e racismo institucional: percepções sobre o acesso à diplomacia brasileira. Série-Estudos, 24(50), 83-102. Recuperado dehttps://doi.org/10.20435/serie-estudos.v24i50.1172
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) - que abordam a própria percepção de candidatos aprovados acerca do concurso e de suas experiências pessoais com ele.

Reconhece-se que, apesar disso, certamente esse esforço de complementação ainda deixa em aberto conclusões que são levantadas como hipótese neste trabalho. No entanto, mesmo com tais limitações, é possível levantar alguns pressupostos com base nas informações recolhidas e sistematizadas. Propõe-se, com isso, iniciar o debate com a comunidade acadêmica em torno deste tema e, por sua vez, sugerir pontos de partida para investigações futuras - para as quais se registra aqui o convite.

2.2 A herança cultural como critério de distinção social e de consagração de posições de poder

As provas de primeira fase nem sempre tiveram suas áreas claramente definidas. Até 2003, era comum, por exemplo, a cobrança de diversas questões nomeadas como “cultura geral”, que, por sinal, tiveram maior incidência em relação ao total de questões até 2001. Envolviam, em sua grande maioria, o conhecimento de literatura e de áreas próximas - como música e teatro. A partir de 2003, houve uma transição: as questões de “cultura geral” foram extintas e uma parte do conteúdo foi transferido à prova de português, porém, com uma mudança significativa na forma de cobrança, como será mostrado adiante.

Assim, é interessante pontuar onde se situam socialmente as forças que atuam sobre a consagração de uma “cultura geral” e de uma literatura que seja considerada relevante, de forma que a banca examinadora a inclua nas provas (Eagleton, 1996Eagleton, T. (1996). Literary theory: an introduction (2a ed.). Hoboken, NJ: Blackwell Publishing.). Ao elaborar as teorias de campos, Bourdieu (1968Bourdieu, P. (1968). Campo intelectual e projeto criador. In J. Pouillon, M. Barbut , M. Godelier, P. Macherey , P. Bourdieu, A. J. Greimas, & J. Ehrmann(Eds.), Problemas do estruturalismo(pp. 105-145). Rio de Janeiro, RJ: Zahar., 1984Bourdieu, P. (1984). Questions de Sociologie. Paris, France: Minuit., 1989Bourdieu, P. (1989). O Poder Simbólico. Rio de Janeiro, RJ: DIFEL/Bertrand Brasil., 1996Bourdieu, P. (1996). A Ilusão Biográfica. In M. Ferreira, & J. Amado (Eds.), Usos & Abusos da História Oral (pp. 183-191). Rio de Janeiro, RJ: Fundação Getulio Vargas., 2004Bourdieu, P. (2004). Coisas Ditas. São Paulo, SP: Brasiliense.) analisa como a disputa pelos poderes nos diversos segmentos da sociedade perpassa uma disputa por quais aspectos legitimam os sujeitos como pertencentes ou não a um determinado “campo” - como o caso do poder político associado à diplomacia (Giannattasio, 2021Giannattasio, A. (2021). National Political Ideologies and International Legal Practices: Raul Fernandes (1877-1968) In P. S. Morris(Ed.), The League of Nations and the Development of International Law (pp. 9-73). Abingdon, UK: Routledge.). Entende-se que analisar a mudança no processo avaliativo de ingresso à carreira diplomática é analisar uma alteração em uma força que expressa qual perfil social se busca selecionar para ocupar uma posição socialmente consagrada como “elevada” (Giannattasio, 2021Giannattasio, A. (2021). National Political Ideologies and International Legal Practices: Raul Fernandes (1877-1968) In P. S. Morris(Ed.), The League of Nations and the Development of International Law (pp. 9-73). Abingdon, UK: Routledge.; Moura, 2006Moura, C. P. (2006). O inglês, o parentesco e o elitismo na Casa de Rio Branco. Cena Internacional, 8(1), 20-34., 2007).

Da mesma forma, Bourdieu também demonstra que há uma relação direta com a legitimação burocrática de uma herança cultural pertencente às elites econômicas e políticas por meio de provas, principalmente aquelas que valorizam características culturais de acesso restrito ao público em geral, com grande destaque para a literatura (Bourdieu, 2002Bourdieu, P. (2002a). A Escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In M. A. Nogueira, & A. Catani (Eds.), Escritos de Educação(4a ed., pp. 39-64). Rio de Janeiro, RJ: Vozes.a, 2002bBourdieu, P. (2002b). As contradições da herança. In M. A Nogueira, & A. Catani (Eds.), Escritos de Educação(4a ed., pp. 229-238). Rio de Janeiro, RJ: Vozes.; Bourdieu & Champagne, 2002). Já no campo da Pedagogia, estudos também apontam para a mesma ideia, ou seja, a noção de que testes e provas têm a finalidade de consagrar perfis sociais detentores de um determinado capital considerado como “cultura” por cada campo (Bourdieu, 1984Bourdieu, P. (1984). Questions de Sociologie. Paris, France: Minuit., 1989Bourdieu, P. (1989). O Poder Simbólico. Rio de Janeiro, RJ: DIFEL/Bertrand Brasil.; Fidelis, 2008Fidelis, A. C. S. (2008). Do Cânone Literário às Provas de Vestibular: Canonização e Escolarização da Literatura (Tese de Doutorado). Universidade de Campinas, Campinas, SP.; Freire, 1997Freire, P. (1997). Pedagogia da Autonomia(6a ed.). São Paulo, SP: Paz e Terra.; Freitas, 2010Freitas, L. C. (2010). Avaliação: para além da forma escola. Educação: Teoria e Prática, 20(35), 89-99. Recuperado dehttps://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/educacao/article/view/4086
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, 2016Freitas, L. C. (2016). A importância da avaliação: em defesa de uma responsabilização participativa. Em Aberto, 29(96), 127-140. Recuperado dehttps://doi.org/10.24109/2176-6673.emaberto.29i96.3156
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).

Assim, entende-se que a mudança na formulação das questões objetivas do CACD - pertencentes à fase que mais elimina candidatos - pode representar uma alteração do tipo de capital cultural que o Ministério das Relações Exteriores buscou consagrar nos candidatos no período analisado.

3. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS: CONTINUIDADES, RUPTURAS E PADRONIZAÇÃO DAS PROVAS DO CONCURSO ENTRE 1995 E 2015

3.1 Aspectos gerais quantitativos do concurso

Drezner (2000Drezner, D. (2000). Ideas, Bureaucratic Politics, and Crafting of Foreign Policy. American Journal of Political Science, 44(4), 733-749. Recuperado dehttps://doi.org/10.2307/2669278
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) argumenta que a existência de instituições burocráticas perenes e estáveis na história depende, dentre tantos outros fatores, de uma coesão cultural e política de cada Instituição. No caso de instituições com forte cultura organizacional procedimental, pode-se ainda perceber uma resistência maior à introdução de novas ideias políticas mediante forças externas (Drezner, 2000Drezner, D. (2000). Ideas, Bureaucratic Politics, and Crafting of Foreign Policy. American Journal of Political Science, 44(4), 733-749. Recuperado dehttps://doi.org/10.2307/2669278
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). Diante disso, de um ponto de vista de gestão de recursos humanos, a introdução de novas racionalidades poderia ocorrer mediante inovações institucionais em processos de seleção.

Neste particular, foi possível constatar mudanças interessantes nas provas, as quais dialogam com estudos anteriores. C. A. P. Faria et al. (2013Faria, C. A. P., Lopes, W. B., & Casarões, G. (2013). Itamaraty on the Move: Institutional and Political Change in Brazilian Foreign Service under Lula da Silva’s Presidency (2003-2010). Bulletin of Latin American Research, 32(4), 468-482. Recuperado de https://doi.org/10.1111/blar.12067
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) apontam, por exemplo, uma ampliação do quadro institucional do Itamaraty durante o governo Lula. Como será visto mais adiante, na discussão dos resultados, essa tendência acompanha um movimento geral de reforma da composição da Administração Pública Federal desde o governo anterior, ainda que segundo uma racionalidade distinta (Costa & Lamarca, 2013Costa, N. R., & Lamarca, I. (2013). Os Governos FHC e Lula e a política para a força de trabalho civil do Governo Central Brasileiro. Ciência & Saúde Coletiva, 18(6), 1601-1611. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S1413-81232013000600012
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; Gomes, L. B. Silva, & Sória, 2012Silva, A. L. R., & Andriotti, L. S (2012). A cooperação sul-sul na política externa do Governo Lula (2003-2010). Conjuntura Austral, 3(14), 69-93. Recuperado de https://doi.org/10.22456/2178-8839.32986
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; Ventura & Cavalieri, 2021Ventura, T., & Cavalieri, M. A. R. (2021). Diferenciais de salários dentro do Poder Executivo Brasileiro: uma análise de cluster. Revista de Administração Pública, 55(4), 757-781. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/0034-761220190357
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). O Gráfico 1 sinaliza o aumento expressivo do número de vagas ofertadas para candidatos do CACD a partir do segundo mandato do primeiro presidente do governo PT. Porém, após a posse de Dilma Rousseff, esses valores voltaram aos patamares dos governos anteriores a 2006.

Gráfico 1
Número de vagas do concurso - Por ano

Ao mesmo tempo, não se pode ignorar ter havido um aumento do montante do salário real no mesmo período. Conforme exposto no Gráfico 2, entre 2006 e 2010, a remuneração inicial dos servidores praticamente dobrou em valores reais, não sendo demais mencionar que os salários iniciais de ingresso passaram a ser divulgados publicamente nos editais do CACD a partir de 2003 - sendo um evidente fator de atração a eventuais interessados pela carreira diplomática como trajetória profissional viável no Estado brasileiro (C. A. P. Faria et al., 2013Faria, C. A. P., Lopes, W. B., & Casarões, G. (2013). Itamaraty on the Move: Institutional and Political Change in Brazilian Foreign Service under Lula da Silva’s Presidency (2003-2010). Bulletin of Latin American Research, 32(4), 468-482. Recuperado de https://doi.org/10.1111/blar.12067
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). Apesar de não divulgados nos editais anteriores a 2003, os valores anteriores foram obtidos via Lei nº 12.527 (Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. (2011). Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Brasília, DF. Recuperado dehttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
) e contabilizados pelos autores.

Gráfico 2
Alteração do salário inicial de entrada na carreira diplomática

Há assim um claro movimento de ampliação dos quadros profissionais do Itamaraty, o qual seria estimulado pelo aumento do número de funcionários do órgão, permitindo, assim, ao governo introduzir na estrutura burocrática novos integrantes. Autores como A. L. R. Silva e Andriotti (2012Silva, A. L. R., & Andriotti, L. S (2012). A cooperação sul-sul na política externa do Governo Lula (2003-2010). Conjuntura Austral, 3(14), 69-93. Recuperado de https://doi.org/10.22456/2178-8839.32986
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) argumentam ter havido uma estratégia de ampliação da presença do Brasil no continente africano desde o governo FHC, o que exigiu, por exemplo, a ampliação do número de embaixadas na região. Ao se analisar a lotação dos postos na África entre 1995 e 2010, por meio de consulta no Setor de Gestão e Recursos Humanos do Departamento do Serviço Exterior do Itamaraty, observa-se que isso foi acompanhado pela ampliação do número de vagas, mais especificamente entre 2006 e 2010.

De um lado, o aumento de vagas e do salário relaciona-se certamente ao crescimento na demanda de funcionários em virtude da abertura de novos postos de serviço. Por outro lado, a entrada de um maior número de novos membros na administração do Itamaraty também pode ser vista como uma oportunidade para alterar substancialmente o perfil dos quadros que fazem parte do corpo diplomático do Estado brasileiro. Logo, em face do aumento da oferta de cargos, é possível suscitar ter havido uma estratégia conjunta de inserir novos funcionários na burocracia do Itamaraty com a finalidade de alterar o perfil daqueles que representariam o país e atuariam internamente na burocracia responsável por parte da formulação da política externa. Desse modo, diante de demandas internas de aumento de representatividade nos diferentes espaços de poder do país, torna-se importante avaliar que tipo de indivíduo era visado para incorporar novas perspectivas no Itamaraty. Nesses termos, é importante compreender os requisitos ditos e não ditos dos processos seletivos, o que se expressa não apenas por meio das questões da prova em si, mas antes deles: na formulação dos editais e nos guias de estudo. Este último aspecto será analisado na seção seguinte.

3.2 Aspectos gerais qualitativos do concurso

O processo de racionalização de uma instituição burocrática pode ser lido não necessariamente como uma busca pela eficiência das funções exercidas por aquele órgão, mas como um processo de legitimação normativa das relações de poder existentes naquele contexto (G. A. Oliveira, 1970Oliveira, G. A. (1970). A Burocracia Weberiana e a Administração Federal Brasileira. Revista de Administração Pública, 4(2), 47-74. Recuperado de https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/4847
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; Trubek, 2007Trubek, D. (2007). Max Weber sobre Direito e Ascensão do Capitalismo (1972) Revista Direito GV, 3(1), 151-186. Recuperado de https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/revdireitogv/article/view/35203
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).

Entre inúmeras formas de controle que instituições realizam sobre aqueles que exercem atividade profissional “em seu nome”, são adotadas estratégias afetivas, simbólicas, normativas, físicas que refletem um modo de agir e de pensar autônomo da instituição em relação aos próprios indivíduos que compõem o seu quadro burocrático. Essas estratégias se articulam para (i) reproduzir no tempo essas maneiras comportamentais e cognitivas com as quais a instituição se autocompreende, e (ii) informar como os indivíduos que compõem seu quadro burocrático devem agir e pensar - não apenas pela instituição, mas como ela, uma vez que aderem sua subjetividade à da instituição (J. Faria, 2007Faria, J. (2007). Economia Política do Poder - As Práticas do Controle nas Organizações (Vol. 3). Curitiba, PR: Juruá.; Garcia, 2014Garcia, M. (2014). Novos Horizontes Epistemológicos para a Pesquisa Empírica em Direito: ‘Descentrar’ o Sujeito, ‘Entrevistar’ o Sistema e Dessubstancializar as Categorias Jurídicas. Revista de Estudos Empíricos em Direito, 1(1), 182-209. Recuperado dehttps://doi.org/10.19092/reed.v1i1.13
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).

Nesse sentido, o Itamaraty também possui em torno de si um ethos institucionalmente criado e replicado ao longo do tempo, ethos reproduzido e legitimado continuamente mediante valorização positiva de protocolos que a instituição tem para si, para fora e para os aspirantes ao ingresso na carreira (Moura, 2006Moura, C. P. (2006). O inglês, o parentesco e o elitismo na Casa de Rio Branco. Cena Internacional, 8(1), 20-34., 2007Moura, C. P. (2007). O Instituto Rio Branco e a Diplomacia Brasileira: Um estudo da carreira e socialização. Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV.). No período analisado, algumas exigências foram alteradas no edital e podem ser entendidas como parte integrante de tentativa de mudança do perfil dos diplomatas. Ainda que essas alterações não impliquem a modificação integral do próprio ethos da instituição, podem sugerir uma tentativa de modificar a percepção dos próprios candidatos sobre a instituição, mesmo sem deixar de sinalizar a predileção por determinado tipo de candidato.

Com efeito, há o reconhecimento do espaço das relações diplomáticas como um espaço marcado por “cerimoniais devidos”, cujo cumprimento sinaliza o atendimento de expectativas associadas à sofisticação social ou ao refinamento comportamental. Em outras palavras, habilidades relacionais ligadas a específicos padrões de gosto, gesto, porte e vestimenta, percebidos como requintados, seriam igualmente relevantes para o desempenho das atividades profissionais a serem ensinadas pelo IRBr aos futuros integrantes do Itamaraty. Neste particular, é ilustrativa a narrativa de Ricupero (2017Ricupero, R. (2017). A Diplomacia na Construção do Brasil: 1750-2016. Rio de Janeiro, RJ: Versal., p. 20), a qual sinaliza a preocupação do Itamaraty em comunicar antecipadamente aos candidatos a valorização de padrões sociais “seletos”, próprios da atividade diplomática:

Na carta, eu também registrava, deslumbrado, minha descoberta do mundo fascinante do Itamaraty e da diplomacia. Com inexperientes 21 anos, crescido num dos cantos mais pobres do operário bairro do Brás dos anos 1940 e 1950 [...], eu nunca havia sido exposto a um cenário tão majestoso e imponente. [...]. Meu encantamento [durante as provas] chegou ao auge quando, em certo momento, contínuos de luvas e uniformes brancos com botões dourados nos serviram café em elegantes xícaras de bordas de ouro com as armas da República. Foi amor à primeira vista [...] (Ricupero, 2017Ricupero, R. (2017). A Diplomacia na Construção do Brasil: 1750-2016. Rio de Janeiro, RJ: Versal., p. 20).

Independentemente de concordar ou não com o ethos valorizado por uma instituição, é interessante notar que o ambiente criado por qualquer exame de admissão por si só sinaliza a preferência dessa instituição por determinados signos de prestígio social em detrimento de outros. Isso não seria diferente no CACD do IRBr.

Um primeiro aspecto dessa preferência é observado na exigência de vestimenta social por parte dos candidatos. Até 2004, o edital pontuava explicitamente a obrigatoriedade de traje completo de passeio - terno e gravata -, exigência que não tem sido feita após os anos de 2005. A obrigatoriedade que se repete, desde então, diz respeito apenas à necessidade de que os candidatos usem um “traje apropriado nos dias de realização das provas”. A exigência de trajes “apropriados” parece ser recorrente em outros concursos públicos de seleção de candidatos para a Administração Pública, em cargos exercidos por profissões que se reconhecem como tradicionais, sofisticadas e refinadas - como cargos do Sistema de Justiça (Advocacia Geral da União, 2015Advocacia Geral da União. (2015, junho 13). Concurso público para provimento de cargos vagos de Advogado da União de 2ª categoria: edital nº 1 - AGU. Recuperado dehttp://www.cespe.unb.br/concursos/agu_15_adv/arquivos/AGU_ADV_2015_ED_1___ABERTURA.PDF
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; Ministério Público do Estado de Goiás, 2021Ministério Público do Estado de Goiás. (2021, outubro 14). Edital do 61º concurso de ingresso na carreira do Ministério Público do Estado de Goiás resolução n. 03/2021-csmp - edital n. 97/2021-csmp. Recuperado dehttp://netstorage.fgv.br/mpgo21/Republicado_EDITAL_61o_CONCURSO_PARA_INGRESSO_NA_CARREIRA_DO_MINISTERIO_PUBLICO_final.pdf
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).

Ocorre que a simples exigência de determinado padrão de vestimenta para adequação ao ambiente da prova do CACD é um aspecto que impacta na experiência dos próprios candidatos antes, durante e depois das provas. Isso porque não apenas muitos sequer usaram trajes formais anteriormente em outros espaços e em outras oportunidades de interação social (Moura, 2007Moura, C. P. (2007). O Instituto Rio Branco e a Diplomacia Brasileira: Um estudo da carreira e socialização. Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV.), como também se perpetua determinada forma de como eles entendem, continuam a entender ou passam a entender o Itamaraty, aprovados ou não no processo seletivo: um espaço para poucos.

Neste particular, os candidatos aprovados nos exames são rapidamente introduzidos no cerimonial apropriado por meio de comunicações exclusivas. Para os aprovados do sexo masculino, por exemplo, são indicadas expressamente combinações de tipos e de cores de ternos e de gravatas para cada dia da semana, para assistir às aulas ou para participar de outros eventos sociais, sempre conforme a formalidade e a discrição esperadas. Do mesmo modo, antes mesmo da posse, requer-se/espera-se que, em tal cerimônia, eles e seus convidados saibam se apresentar trajados de acordo com a sofisticação exigida pelo ethos da instituição - afinal, faria parte do rito de consagração definitiva da entrada deles neste espaço social exclusivo (Moura, 2007Moura, C. P. (2007). O Instituto Rio Branco e a Diplomacia Brasileira: Um estudo da carreira e socialização. Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV.).

A partir de 2002, o Itamaraty passou a recorrer a mecanismos voltados a incentivar o acesso e a permanência de candidatos, por meio da provisão de recursos necessários para realizar as provas. Nesse ano, houve a criação de cotas para candidatos portadores de deficiência, assim como, a partir de 2015, em virtude da Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014, houve a criação de um programa de ação afirmativa para candidatos autodeclarados negros (Ministério das Relações Exteriores & Instituto Rio Branco, 2022Ministério das Relações Exteriores & Instituto Rio Branco. (2022, abril 29). Programa de ação afirmativa. Recuperado de https://www.gov.br/mre/pt-br/instituto-rio-branco/programa-de-acao-afirmativa
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). Desde 2002, também é possível realizar a inscrição de modo virtual, evitando o deslocamento para as cidades onde a prova é aplicada - até 2010, as provas eram aplicadas nas cidades de Belém (PA), Belo Horizonte (MG), Curitiba (PR), Florianópolis (SC), Fortaleza (CE), Porto Alegre (RS), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), São Paulo (SP). Vale comentar também que, desde 1995, não há mais a exigência de idade para se realizar o concurso - antes restrito àqueles entre 21 e 35 anos.

Dessa forma, essas e outras pequenas mudanças parecem sugerir uma tentativa de alterar o processo de ingresso na carreira diplomática durante os anos em análise, com o objetivo de atender a demandas sociais internas de ampliação e diversificação de representatividade social dentro dos quadros burocráticos do Estado brasileiro. É interessante mencionar a publicação dos Guias de Estudos voltados ao auxílio dos candidatos que estão se preparando para o concurso. Nesta publicação, considerada leitura obrigatória pelo edital, são dispostos textos de apoio, leituras recomendadas e amostras de questões das fases escritas que são apontadas como “exemplos”. A publicação do guia ocorreu até 2013 e, a partir de então, passou a ser publicado um anuário elaborado pelos próprios alunos, que não continha indicação de recomendações de leitura oficiais.

A principal mudança do Guia encontra-se em dois aspectos. Primeiro, a partir da aplicação de 2004, o teste pré-seleção passou a ter uma lista de leituras recomendadas - algo que não ocorria anteriormente. Antes, mencionava-se o foco em conhecimentos gerais, o que inviabilizava a indicação de uma leitura específica. Em segundo lugar, apesar de historicamente sempre haver a cobrança de literatura ficcional nas provas do CACD, apenas em 2007 foi inserida uma lista de obras de leitura obrigatória - o que permaneceu até 2010. Entretanto pequenos aspectos da própria redação do Guia chamam a atenção. Ao, por exemplo, descrever o conteúdo a ser cobrado pelas provas objetivas - anteriormente chamados de teste pré-seleção (TPS) -, o Guia de Estudos de 1997 estabelece:

[...] Trata-se, pois, de um tipo de prova imprevisível, já que seus resultados só serão significativos se forem a expressão de vivência contínua, não programável ou controlável. Não há, portanto, publicação específica a ser indicada para sua preparação.

A melhor - e única - forma de se preparar para esse tipo de prova é abrir os olhos para o mundo ao redor: ler muito e bem (romances, poesias, jornais, revistas, teatro...), estar atento a todo tipo de manifestação cultural (cinema, teatro, esporte, concertos, exibições musicais em geral...), pôr-se em estado de prontidão permanente para a realidade política, social, econômica do país e do mundo, cultivar as artes em geral, tanto nas suas manifestações eruditas, como nas populares, procurar contemplar todo o espetáculo humano com um olhar desperto e crítico, tentando discernir o que é merecedor de atenção especial do que é corriqueiro (Ministério das Relações Exteriores & Instituto Rio Branco, 1997Ministério das Relações Exteriores, & Instituto Rio Branco. (1996, março). [1996] Teste de Pré-Seleção. Brasília, DF: Autor., pp. 25-26, grifo nosso).

Nos anos que se seguiram, até 2003, o texto segue modelos parecidos, muitas vezes com o mesmo texto, e, quando em formas diferentes, com o mesmo conteúdo. Já em contraposição, em 2004 o Guia de Estudos estabelece o seguinte em relação às provas objetivas:

As questões do TPS versarão majoritariamente sobre as disciplinas que serão objeto de exame nas fases subseqüentes do Concurso, sem se limitar aos programas descritos neste Guia de Estudos. Tenderão a explorar aspectos fundamentais e conhecimentos relevantes de cada matéria, privilegiando a capacidade de raciocínio do candidato, e não apenas o conhecimento memorizado. Dentre as disciplinas avaliadas, o Português e o Inglês terão destaque especial. Além do conhecimento da norma culta da Língua Portuguesa, se buscará aferir as habilidades de compreensão e interpretação de textos.

Uma parcela das questões, entretanto, abrangerá noções de cultura geral e de cultura brasileira, que não se restringem às disciplinas que constituem o restante das provas do Concurso. Trata-se da avaliação de um tipo de conhecimento (indispensável para a carreira diplomática), que não tem contornos demarcáveis, originário das fontes mais diversas e refratário ao confinamento em manuais específicos (não é outra a razão por que não se indica um Manual para o Teste). O fato de o TPS conter questões menos previsíveis do que as das fases seguintes não é casual: esse teste procura avaliar também a sedimentação de conhecimentos direta ou indiretamente relevantes para o exercício da profissão de diplomata. Embora finita, essa gama de conhecimentos possui uma extensão tal que não se sujeita a uma preparação satisfatória a curto prazo (Ministério das Relações Exteriores & Instituto Rio Branco, 2004Ministério das Relações Exteriores, & Instituto Rio Branco. (2004, janeiro). [2004] Guia de Estudos para o Concurso de Admissão ao Curso de Preparação à Carreira de Diplomata. Brasília, DF: Autor., p. 27, grifo nosso).

Por fim, de 2006 em diante, o Guia torna-se muito mais sintético, limitando-se a menos de meia página.

O Teste de Pré-Seleção (TPS), como o nome indica, é uma prova preliminar e seletiva, de caráter eliminatório. Seu objetivo é testar, de modo amplo, a capacidade de compreensão e a cultura dos candidatos.

O TPS tem natureza própria, se comparado com as provas das Fases subseqüentes. Em termos de orientação para estudo, não comporta recomendações particulares, uma vez que não lhe corresponde um programa específico.

[...] Ainda que, na preparação dos candidatos, sejam certamente muito úteis as informações constantes deste Guia sobre as provas de Português (Segunda Fase), de História do Brasil, da Geografia e de Inglês (Terceira Fase), o conteúdo das questões do TPS não se limitará a esses programas. O mesmo vale para História Mundial (disciplina que não consta das provas de Terceira Fase), cujo programa é reproduzido ao final deste volume - junto com a bibliografia pertinente - conforme figurava no Guia de Estudos de 2004 (Ministério das Relações Exteriores & Instituto Rio Branco, 2005Ministério das Relações Exteriores, & Instituto Rio Branco. (2005, dezembro). [2006] Concurso de Admissão ao Curso de Preparação à Carreira de Diplomata: Guia de Estudos. Brasília, DF: Autor., p. 19, grifo nosso).

Assim, pode-se verificar que, gradativamente, a questão da “cultura geral” passar a ter menos peso na aferição da formação dos candidatos, apesar de a menção a ela continuar existindo em todos os anos. Da mesma forma, algo interessante de perceber é que, cada vez mais, há a disponibilização de uma bibliografia de apoio. Mesmo que se continue pontuando que o teste abrangerá mais do que o contido no Guia de Estudo, a partir de 2004 há a explicitação de uma bibliografia geral para auxiliá-lo. Além disso, entre 2007 e 2010, a prova contava, inclusive, com uma lista de obras de leitura obrigatória de literatura ficcional, como Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis (Ministério das Relações Exteriores & Instituto Rio Branco, 2006Ministério das Relações Exteriores, & Instituto Rio Branco. (2006, dezembro). [2007] Concurso de Admissão ao Curso de Preparação à Carreira de Diplomata: Guia de Estudos. Brasília, DF: Autor., p. 17).

3.3 Aspectos quantitativos e qualitativos das provas de primeira fase

Ao lado das modificações de alguns dos requisitos de admissão previstos nos documentos analisados acima, há ainda diversas outras, identificadas nas próprias provas do CACD, que precisam ser sublinhadas. Entende-se que a modificação dos tipos de questão para avaliar conhecimento e selecionar candidatos também traduz o movimento de mudança do perfil dos quadros diplomáticos.

Com efeito, a prova em si expõe habilidades e conhecimentos preferidos ou preteridos dos futuros integrantes do MRE, operando assim como o instrumento que, a pretexto de avaliar, de fato realiza a seleção e a consequente exclusão ou inclusão de determinados candidatos. Todavia argumenta-se que a seleção de candidatos é feita não apenas levando-se em conta uma simples presença ou ausência de conhecimento sobre conteúdos, mas também perfis sociais seletos que demonstrem deter determinado tipo de conhecimento reconhecido como sofisticado.

O argumento apresentado acima tem base na análise da série histórica de provas de primeira fase entre 1996 e 2015 - o instrumento reconhecido por ser a grande “peneira” de seleção que barra um grande número dos candidatos (Moura, 2007Moura, C. P. (2007). O Instituto Rio Branco e a Diplomacia Brasileira: Um estudo da carreira e socialização. Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV., pp. 58-60).

É interessante pontuar uma grande inconsistência presente no número de questões das provas ao decorrer dos anos - o que impacta, por exemplo, na definição da nota de corte absoluta, já que a prova é composta por um sistema de pontuações negativa para cada erros, de maneira que a eventual seleção aleatória de alternativa nas questões de múltipla escolha não beneficie um candidato que não tenha convicção sobre a adequação da resposta. Assim, o peso que cada questão pode ter por ano se altera, como é mostrado no Gráfico 3.

Gráfico 3
Número de questões em provas objetivas

Outra característica importante para se entender a fase objetiva da prova é observar como as questões são distribuídas pelas áreas de conhecimento. Nem todas as provas possuem uma divisão explícita de área de conhecimento, mas se pode observar uma incidência perene das áreas de História (tanto mundial quanto do Brasil), Português, Política Internacional, Geografia, Inglês, Direito (nacional e internacional), Economia e questões nomeadas pelo concurso como “cultura geral” -, isto é, o conhecimento de obras artísticas, arquitetônicas, plásticas, cinematográficas e acontecimentos recentes que envolvem essas obras. Em menor grau, pode-se observar uma cobrança também de questões de lógica nos anos iniciais do governo FHC. Nos anos em que havia uma divisão clara quanto à área de conhecimento das questões, adotou-se o que estava disposto na prova. Nos anos em que não havia esse tipo de diferenciação, a questão foi identificada como pertencendo à área mais próxima de conhecimento da temática. Assim, o Gráfico 4 mostra evolução proporcional das áreas de conhecimento que incidiram nas primeiras fases.

Gráfico 4
Porcentagem de incidência por área do conhecimento nas provas de primeira fase

Duas mudanças são identificáveis por meio do Gráfico 4. Em primeiro lugar, a prova passa por um evidente processo de padronização relacionada à distribuição de áreas do conhecimento a partir da metade do segundo mandato de Lula - efeito que se manteve nos governos de Dilma. Antes disso, a distribuição de cada área do conhecimento - e, portanto, seu peso relativo - era volátil ano a ano. Apesar de existir uma pequena variação no número de questões, como é mostrado no Gráfico 3, a proporção relativa das matérias manteve-se praticamente constante, gerando uma maior possibilidade de previsibilidade da prova por parte dos candidatos. Em segundo lugar, é importante atentar para a padronização das questões. De um lado, observa-se que português e história, em conjunto, passaram a compor praticamente metade das questões da prova a partir de 2004. Salvo algumas exceções, até esta data, as questões dessas duas áreas não apresentavam grande diferença numérica em relação às demais, chegando a incidir menos que outras áreas. De outro lado, há uma brusca queda na cobrança de questões que poderiam ser identificadas como integrando o amplo espectro da prova de “cultura geral” - as quais chegaram a compor mais de 50% da prova em momentos anteriores. O desaparecimento dessas questões ocorreu praticamente em 2003, no primeiro ano de mandato do governo Lula.

Tendo em mente especificamente as questões de português, é possível dimensionar a alteração do peso dado a questões de cultura geral nas provas da primeira fase do CACD - e, por consequência, à herança cultural dos candidatos. Isso porque, diferentemente das questões das outras áreas de conhecimento que foram cobradas, as questões de Português (i) avaliam o conhecimento de textos não acadêmicos e culturais - como poesia, romance etc. - e (ii) herdaram parte das questões anteriormente identificadas como de “cultura geral”.

Desse modo, foi realizada uma tabulação das questões que possuíam uma abordagem especificamente voltada a textos literários, visto que estava entre as que incidiam com mais frequência na prova de “cultura geral”. Foram considerados textos que se enquadram, de modo geral, dentro do cânone da teoria literária clássica - como diário publicado, crônica, conto, poesia, romance, epopeia, cartas publicadas, entrevistas publicadas, tirinhas e peças teatrais -, sendo essas ficcionais ou não (Bloom, 2013Bloom, H. (2013). O cânone ocidental: os grandes livros e escritores essenciais de todos os tempos (5a ed.). Lisboa, Portugal: Círculo de leitores.; Eagleton, 1996Eagleton, T. (1996). Literary theory: an introduction (2a ed.). Hoboken, NJ: Blackwell Publishing.). Não foram analisados artigos, teses acadêmicas, documentos oficiais, ensaios acadêmicos, notícias de jornais e semelhantes, os quais foram eventualmente utilizados nas questões apresentadas pelo CACD aos candidatos.

Depois desse primeiro mapeamento geral das questões que envolvessem literatura, os textos de cada uma delas foram lidos com o objetivo de identificar: o modo como o texto de literatura era apresentado ao candidato; como a pergunta era formulada de acordo com o texto. Diante disso, caso a questão abordasse literatura, era categorizada em um dos três grupos: (i) questões linguísticas, as quais avaliam o domínio de mecanismos estruturais da língua analisada - denominadas simplesmente como “gramaticais” -; (ii) questões literárias, que envolviam interpretação sem a necessidade do conhecimento prévio do texto - designadas como “interpretativas” -; e (iii) questões que buscavam apenas constatar se o candidato possuía o conhecimento prévio de alguma obra ou texto literário - nomeadas aqui de “verificação de leitura”.

Gráfico 5
Tipo de questão envolvendo literatura por ano1 1 Na segunda aplicação do ano de 2003, não houve nenhum tipo de questão envolvendo textos literários.

A prova de português herdou parte das questões consideradas como de “cultura geral” ao longo dos anos. No início do período analisado, a prova de Português era dedicada quase exclusivamente a gramática, enquanto a prova de cultura geral era composta por questões que tratavam de textos literários. Ao longo do tempo, as questões envolvendo literatura foram deslocadas para a prova de português, mas de forma significativamente distinta. De modo mais abrangente, constatou-se que, entre 1995 e 2002, aproximadamente 100 questões cobravam do candidato o conhecimento prévio de alguma obra de áreas da cultura tais como: cinema, música, artes plásticas ou literatura - sem menção específica no edital de quais obras seriam cobradas.

No modelo inicial, todas as questões de literatura buscavam avaliar se o candidato havia tido algum contato prévio com textos literários dos mais diversos tipos, mesmo sem qualquer menção a eles em Editais. Após 2004, questões sobre textos de literatura reduziram-se drasticamente: a partir de então, todas as questões envolvendo texto literário passaram a se concentrar em aspectos gramaticais ou interpretativos de excertos de textos fornecidos pela prova, não exigindo qualquer tipo de conhecimento prévio por parte do candidato sobre o texto, sobre movimentos literários ou sobre contextos relacionados à literatura.

Autores como Antonio Candido (2000Candido, A. (2000). Formação da Literatura Brasileira: Momentos Decisivos (9a ed., Vol. 1.) São Paulo, SP: Editora Itatiaia.) e Terry Eagleton (1996Eagleton, T. (1996). Literary theory: an introduction (2a ed.). Hoboken, NJ: Blackwell Publishing.) ressaltam o grande poder que a literatura tem de, não só transmitir uma determinada visão da história de cada sociedade, mas também consagrar ideologias políticas e filosóficas de modo implícito ou explícito. Essa tese é reforçada nos estudos de Bourdieu (2002aBourdieu, P., & Champagne, P. (2002). Os excluídos do interior. In M. A. Nogueira, & A. Catani (Eds.), Escritos de Educação(4a ed., pp. 217-228). Rio de Janeiro, RJ: Vozes.) que destacam a relação entre o jogo de poder e de dominação na sociedade com a herança cultural transmitida por meio do conhecimento da literatura. Nesses termos, ao se observar a mudança na forma como a literatura era cobrada nas provas do CACD, pode-se perceber que esse movimento parece refletir uma tendência de diminuir a importância de determinada herança cultural dos candidatos como forma de selecionar os mais aptos a integrar o seleto espaço do Itamaraty.

A título de exemplo, conforme mostra a Figura 1, eram extremamente comuns questões que exigiam do candidato conhecimento de algum texto específico da literatura ficcional, mesmo que este não fosse expresso como leitura obrigatória nos editais ou guias de estudo.

Figura 1
Questão 7 do teste pré-seleção de 1996

Já a partir de 2003, as questões que antes abrangiam o aspecto de “cultura geral” passam a limitar-se apenas à prova de português, com a manutenção da cobrança de literatura ficcional. Entretanto a forma de cobrança muda significativamente. De maneira quase unânime, as questões passam a cobrar do candidato muito mais um conhecimento técnico e/ou interpretativo acerca da obra, como é mostrado na Figura 2. Obviamente que o conhecimento prévio do texto pode auxiliar nas questões, mas de modo muito menos significativo do que indicado na Figura 1. Além disso, nos raríssimos casos em que o conhecimento prévio da obra mostrava-se relevante, constatou-se que se tratava de obras indicadas como leitura obrigatória no Guia de Estudos.

Figura 2
Questões 11, 12 e 13 da prova objetiva de 2009

Desse modo, ao tornar a prova do CACD mais técnica, a partir de 2003 iniciou-se uma padronização que parece ter deixado de incluir questões que tinham o intuito de mensurar a herança cultural dos candidatos e de selecioná-los baseando-se nisso. Sem deixar de preferir determinados perfis de candidatos como forma de atender uma agenda política interna de maior representatividade social, a seleção de indivíduos via CACD parece ter deixado de se pautar por uma lógica de exclusão daqueles cuja origem social não lhes permitiu portar e performar marcadores de distinção social baseados na ideia de sofisticação cultural.

4. A MUDANÇA DO PERFIL E DAS FORÇAS DO CAMPO DO CORPO DIPLOMÁTICO: ALGUMAS INTERPRETAÇÕES E PRESSUPOSTOS

Com o advento do governo Lula em 2003, é possível estimar uma reconfiguração da formulação das políticas públicas voltadas para seleção dos quadros burocráticos do país, processo esse que já se encontrava em curso anteriormente (R. M. P. Silva, 2016Silva, R. M. P. (2016). Especialista em políticas públicas e gestão governamental: um estudo sobre convergência entre processos seletivos e atribuições legais (Tese de Doutorado). Universidade de Brasília, Brasília, DF.). Ainda que tenha sido iniciado projeto semelhante durante o governo do período de 1995 a 2002 (L. C. B. Pereira, 1998Pereira, L. C. B. (1998). A reforma do estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, 45, 49-95. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0102-64451998000300004
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), argumenta-se que a forma de realizar essa modificação a partir de 2003 teria sido orientada de maneira a promover algumas inovações em relação ao modelo anterior, tendo sido essa uma prática continuada pelo governo de Dilma Rousseff (C. A. P. Faria et al., 2013Faria, C. A. P., Lopes, W. B., & Casarões, G. (2013). Itamaraty on the Move: Institutional and Political Change in Brazilian Foreign Service under Lula da Silva’s Presidency (2003-2010). Bulletin of Latin American Research, 32(4), 468-482. Recuperado de https://doi.org/10.1111/blar.12067
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; C. Fonseca, 2017Fonseca, C. (2017, setembro) O Brasil de Lula: A permanente procura de um lugar no sistema internacional. Relações Internacionais, 55, 51-70. Recuperado de https://doi.org/10.23906/ri2017.55a04
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; Lessa, 2003Lessa, A. C. (2003). O primeiro ano do Governo Lula: renovação na continuidade. Meridiano 47 - Journal of Global Studies, 40-41, 6-7. Recuperado de https://doi.org/10.20889/M47e44041001
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; Tiuman, 2017Tiuman, P. E. B. (2017). A História da Disciplina Literatura no Ensino Secundário Brasileiro e as Avaliações Externas: o exame vestibular, o ENEM e o Enade de Letras (Tese de Doutorado). Universidade Estadual de Maringá, Maringá, PR.). É reconhecido, por exemplo, que o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) - o principal meio de ingresso em universidades públicas do país - mostrou-se como instrumento conscientemente voltado a aprofundar e a ampliar a universalização do ensino superior em todo território brasileiro, principalmente com a uniformização adotada a partir de 2009 (T. I. Pereira & L. F. S. C. Silva, 2010Pereira, T. I., & Silva, L. F. S. C. (2010) As políticas públicas do ensino superior no Governo Lula: expansão ou democratização? Revista Debates, Porto Alegre, 4(2), 10-31. Recuperado dehttps://doi.org/10.22456/1982-5269.16316
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; Tiuman, 2017Tiuman, P. E. B. (2017). A História da Disciplina Literatura no Ensino Secundário Brasileiro e as Avaliações Externas: o exame vestibular, o ENEM e o Enade de Letras (Tese de Doutorado). Universidade Estadual de Maringá, Maringá, PR.). Do mesmo modo, entende-se que as provas de admissão para o IRBr também foram um espaço de exercício de uma política pública consciente do mesmo governo, direcionada à reformulação do perfil de pessoas voltadas a compor os quadros burocráticos nacionais.

Estudos como os de R. M. P. Silva (2016Silva, R. M. P. (2016). Especialista em políticas públicas e gestão governamental: um estudo sobre convergência entre processos seletivos e atribuições legais (Tese de Doutorado). Universidade de Brasília, Brasília, DF.) são de grande valor para representar e analisar os aspectos gerais da mudança dos concursos públicos no país. Contudo acredita-se que esses estudos têm seu maior mérito na apresentação de uma longa sistematização de dados quantitativos referentes aos concursos. A presente pesquisa, por sua vez, busca ir além e adentrar os meandros políticos e sociais que se relacionam com as escolhas por trás dessas mudanças e seus significados. Por uma limitação prática, em detrimento do estudo supracitado, esta pesquisa escolheu um concurso específico para poder realizar uma análise aprofundada da história e disputas ao redor da instituição. Considerou-se que o Itamaraty, por ser um dos ministérios mais tradicionais do país - além de selecionar um corpo burocrático que possui uma atribuição iminentemente relacionada com a política -, seria um caminho interessante para se abrir este campo de análise.

A composição dos integrantes do Itamaraty também foi afetada por essa prática. De fato, a ampliação do número de vagas, a previsão de políticas de isenção nas inscrições, o aumento do salário real e a previsão de pagamento de subsídio - equivalente à metade do valor do salário -, durante o período de formação no IRBr, são alguns dos estímulos usualmente apontados como instrumentos voltados a reformular a composição do conjunto de pessoas que formulam e operacionalizam profissionalmente a PEB (Bretas, 2017Bretas, D. L. (2017). O processo seletivo dos diplomatas brasileiros (1995-2010) (Tese de Doutorado). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC.; C. A. P. Faria et al., 2013Faria, C. A. P., Lopes, W. B., & Casarões, G. (2013). Itamaraty on the Move: Institutional and Political Change in Brazilian Foreign Service under Lula da Silva’s Presidency (2003-2010). Bulletin of Latin American Research, 32(4), 468-482. Recuperado de https://doi.org/10.1111/blar.12067
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; Moura, 2006Moura, C. P. (2006). O inglês, o parentesco e o elitismo na Casa de Rio Branco. Cena Internacional, 8(1), 20-34., 2007Adorno, S. (1988). Os aprendizes do poder: o bacharelismo liberal na política brasileira. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.; G. A. Oliveira, 1970Oliveira, G. A. (1970). A Burocracia Weberiana e a Administração Federal Brasileira. Revista de Administração Pública, 4(2), 47-74. Recuperado de https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/4847
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).

Com base no que foi exposto, levanta-se a hipótese de que as mudanças apontadas na seção anterior expressam um projeto de alteração do perfil de candidatos que irão compor o corpo diplomático do Itamaraty, tendo como finalidade reformular parte das políticas públicas do Estado brasileiro (P. R. Almeida, 2003Almeida, P. R. (2003). A política internacional do Partido dos Trabalhadores: da fundação à diplomacia do governo Lula. Revista de Sociologia Política, 20, 87-102. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/S0104-44782003000100008
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; Boito & Berringer, 2013Boito, A. J., & Berringer, T. (2013). Brasil: classes sociais, neodesenvolvimentismo e política externa nos governos Lula e Dilma. Revista de Sociologia Política, 21(47), 31-38. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0104-44782013000300004
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). Autores como C. A. P. Faria et al. (2013Faria, C. A. P., Lopes, W. B., & Casarões, G. (2013). Itamaraty on the Move: Institutional and Political Change in Brazilian Foreign Service under Lula da Silva’s Presidency (2003-2010). Bulletin of Latin American Research, 32(4), 468-482. Recuperado de https://doi.org/10.1111/blar.12067
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) demonstraram que uma das estratégias adotadas pelo governo Lula para a alteração da política externa foi exatamente o aumento significativo de novos membros nos quadros burocráticos da diplomacia, com a finalidade de introduzir perspectivas mais alinhadas ao projeto de governo no Itamaraty. Parte das mudanças de orientação deste segmento da Administração Pública, do âmbito da política externa, foi criticada por diplomatas e acadêmicos em virtude de, em tese, simbolizar uma “politização” da PEB, que até então se mostraria “apartidária” por conta de um consenso sobre a necessidade de sua neutralidade para atuar como política de Estado (C. Fonseca, 2017Fonseca, C. (2017, setembro) O Brasil de Lula: A permanente procura de um lugar no sistema internacional. Relações Internacionais, 55, 51-70. Recuperado de https://doi.org/10.23906/ri2017.55a04
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; Guilherme, 2014Guilherme, C. A. S. (2014). A América do Sul como Prioridade: A Política Externa do Governo Lula/PT (2003-2010). História em Reflexão, 8(15), 1-14. Recuperado dehttps://ojs.ufgd.edu.br/index.php/historiaemreflexao/article/view/3350
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; Ricupero, 2017Ricupero, R. (2017). A Diplomacia na Construção do Brasil: 1750-2016. Rio de Janeiro, RJ: Versal.).

Entretanto, ao se considerar apenas o método de ingresso dos diplomatas, pode-se observar um processo oposto: a valorização de aspectos técnicos em detrimento de conhecimentos culturais específicos, que historicamente serviram de base para a consagração das elites econômicas e políticas brasileiras (Giannattasio, 2021Giannattasio, A. (2021). National Political Ideologies and International Legal Practices: Raul Fernandes (1877-1968) In P. S. Morris(Ed.), The League of Nations and the Development of International Law (pp. 9-73). Abingdon, UK: Routledge.) e europeias (Bourdieu, 2002aBourdieu, P., & Champagne, P. (2002). Os excluídos do interior. In M. A. Nogueira, & A. Catani (Eds.), Escritos de Educação(4a ed., pp. 217-228). Rio de Janeiro, RJ: Vozes.) - afinal, apenas determinados perfis sociais, ao decorrer da vida, tiveram a chance de “cultivar as artes em geral”, no Brasil, conforme solicitado e previsto pelos editais (Amparo & Moreira, 2021Amparo, G. A. S., & Moreira, J. B. (2021). A diplomacia não tem rosto de mulher: o Itamaraty e a desigualdade de gênero. Meridiano 47 - Journal of Global Studies, 22, e2200. Recuperado de https://doi.org/10.20889/M47e22001
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).

O Itamaraty, por muito tempo, foi considerado e visto como um “resquício da nobreza brasileira” (Moura, 2007Moura, C. P. (2007). O Instituto Rio Branco e a Diplomacia Brasileira: Um estudo da carreira e socialização. Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV., p. 47) ou até mesmo um “[...] recanto seguro onde um jovem da elite poderia crescer tranquilamente” (Barros, 1986, p. 30, como citado em C. A. P. Faria et al., 2013Faria, C. A. P., Lopes, W. B., & Casarões, G. (2013). Itamaraty on the Move: Institutional and Political Change in Brazilian Foreign Service under Lula da Silva’s Presidency (2003-2010). Bulletin of Latin American Research, 32(4), 468-482. Recuperado de https://doi.org/10.1111/blar.12067
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, p. 469) - tendo aqui em mente determinada tradição de seleção de representantes diplomáticos na história brasileira (Giannattasio, 2021Giannattasio, A. (2021). National Political Ideologies and International Legal Practices: Raul Fernandes (1877-1968) In P. S. Morris(Ed.), The League of Nations and the Development of International Law (pp. 9-73). Abingdon, UK: Routledge.). Porém o Ministério já passava por um processo de tentativa da diminuição de aspectos que privilegiavam determinadas classes sociais, processo este também criticado por setores diplomáticos e sociais mais tradicionais (Moura, 2006Moura, C. P. (2006). O inglês, o parentesco e o elitismo na Casa de Rio Branco. Cena Internacional, 8(1), 20-34., 2007Moura, C. P. (2007). O Instituto Rio Branco e a Diplomacia Brasileira: Um estudo da carreira e socialização. Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV.).

Nesse contexto, Lima e A. J. S. N. Oliveira (2018Lima, R. C., & Oliveira, A. J. S. N. (2018). Manutenção e mudanças no Ministério das Relações Exteriores: perfis do corpo diplomático e padrões na carreira. Revista de Administração Pública, 52(5), 797-821. Recuperado de https://doi.org/10.1590/0034-7612175199
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) identificam, nos períodos de 1997 a 2002 e 2003 a 2010, uma tendência de 20% de aprovação de mulheres. Amparo e Moreira (2021Amparo, G. A. S., & Moreira, J. B. (2021). A diplomacia não tem rosto de mulher: o Itamaraty e a desigualdade de gênero. Meridiano 47 - Journal of Global Studies, 22, e2200. Recuperado de https://doi.org/10.20889/M47e22001
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) verificaram uma oscilação neste número entre 2007 e 2017. De acordo com dados levantados e compilados pelas autoras, entre 2007 e 2010, o número de mulheres ingressantes na carreira girava em torno de 26% do total dos aprovados, tendo quase atingido 40% em 2014 e ultrapassado os 40% em 2017. Contudo as mesmas autoras apontam uma queda nesse percentual em 2011 - cerca de 10% de mulheres ingressantes - e o retorno da oscilação entre 20% e 30% nos anos de 2015 e 2016.

Ao mesmo tempo, Lima e A. J. S. N. Oliveira (2018Lima, R. C., & Oliveira, A. J. S. N. (2018). Manutenção e mudanças no Ministério das Relações Exteriores: perfis do corpo diplomático e padrões na carreira. Revista de Administração Pública, 52(5), 797-821. Recuperado de https://doi.org/10.1590/0034-7612175199
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) identificam, nos anos de 1997 a 2002 e 2003 a 2010, a contínua aprovação predominante de um maior número de candidatos identificados com a cor branca - mais de 95% dos candidatos aprovados. Em termos de renda, os mesmos autores indicam que, mesmo com a concessão de bolsas para candidatos ao CACD, entre os anos de 2002 e 2012, apenas cerca de 6% dos bolsistas foram de fato aprovados - com oscilações consideráveis entre, por exemplo, 0,0% (2005), 7,69% (2008), 1,37% (2010) e 2,53% (2012).

Por esse motivo, a mesma literatura avalia que ainda se pode notar a manutenção de determinado perfil na composição do corpo diplomático brasileiro. Seriam identificadas, assim, permanências elitistas em termos de gênero, raça e renda - tanto no ingresso na carreira (Amparo & Moreira, 2021Amparo, G. A. S., & Moreira, J. B. (2021). A diplomacia não tem rosto de mulher: o Itamaraty e a desigualdade de gênero. Meridiano 47 - Journal of Global Studies, 22, e2200. Recuperado de https://doi.org/10.20889/M47e22001
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; Lima & A. J. S. N. Oliveira, 2018Lima, R. C., & Oliveira, A. J. S. N. (2018). Manutenção e mudanças no Ministério das Relações Exteriores: perfis do corpo diplomático e padrões na carreira. Revista de Administração Pública, 52(5), 797-821. Recuperado de https://doi.org/10.1590/0034-7612175199
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), como no progresso ao longo desta (Amparo & Moreira, 2021Adorno, S. (1988). Os aprendizes do poder: o bacharelismo liberal na política brasileira. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.; Lima & A. J. S. N. Oliveira, 2018Lima, R. C., & Oliveira, A. J. S. N. (2018). Manutenção e mudanças no Ministério das Relações Exteriores: perfis do corpo diplomático e padrões na carreira. Revista de Administração Pública, 52(5), 797-821. Recuperado de https://doi.org/10.1590/0034-7612175199
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).

Outra permanência elitista foi igualmente identificada por Lima e A. J. S. N. Oliveira (2018Lima, R. C., & Oliveira, A. J. S. N. (2018). Manutenção e mudanças no Ministério das Relações Exteriores: perfis do corpo diplomático e padrões na carreira. Revista de Administração Pública, 52(5), 797-821. Recuperado de https://doi.org/10.1590/0034-7612175199
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): agora, em termos da formação superior que se espera dos candidatos. De um lado, os cursos jurídicos ainda parecem manter algum protagonismo - mais de 40% dos ingressantes entre 1997 e 2002, e pouco menos de 40% entre 2003 e 2010 (Lima & A. J. S. N. Oliveira, 2018Lima, R. C., & Oliveira, A. J. S. N. (2018). Manutenção e mudanças no Ministério das Relações Exteriores: perfis do corpo diplomático e padrões na carreira. Revista de Administração Pública, 52(5), 797-821. Recuperado de https://doi.org/10.1590/0034-7612175199
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). De outro lado, na avaliação dos mesmos autores, somente teria havido uma mudança na origem regional das elites ingressantes: “das universidades cariocas de elite” (Lima & A. J. S. N. Oliveira, 2018Lima, R. C., & Oliveira, A. J. S. N. (2018). Manutenção e mudanças no Ministério das Relações Exteriores: perfis do corpo diplomático e padrões na carreira. Revista de Administração Pública, 52(5), 797-821. Recuperado de https://doi.org/10.1590/0034-7612175199
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, p. 819) para outras universidades de elite do país (Lima & A. J. S. N. Oliveira, 2018Lima, R. C., & Oliveira, A. J. S. N. (2018). Manutenção e mudanças no Ministério das Relações Exteriores: perfis do corpo diplomático e padrões na carreira. Revista de Administração Pública, 52(5), 797-821. Recuperado de https://doi.org/10.1590/0034-7612175199
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), como a “USP conjuntamente com a UnB” (Lima & A. J. S. N. Oliveira, 2018Lima, R. C., & Oliveira, A. J. S. N. (2018). Manutenção e mudanças no Ministério das Relações Exteriores: perfis do corpo diplomático e padrões na carreira. Revista de Administração Pública, 52(5), 797-821. Recuperado de https://doi.org/10.1590/0034-7612175199
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, p. 819).

Assim, considera-se a hipótese de que a alteração do modelo de questões possa, talvez, refletir e transmitir um projeto de país proposto pelos governos em análise - que, por sinal, são marcados por uma busca por mudanças nas estruturas sociais com recurso a um projeto amplo de conciliação (Giugliano & Novion, 2018Giugliano, R. G., & Novion, J. (2018). O Partido dos Trabalhadores: da formação ao golpe de 2016, elementos para análise. Abya-yala: Revista sobre Acesso à Justiça e Direitos nas Américas, 2(3), 215-230. Recuperado de https://doi.org/10.26512/abyayala.v2i3.22976
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; Singer, 2012Singer, A. (2012). Os sentidos do lulismo: Reforma gradual e pacto conservador. São Paulo, SP: Companhia das Letras.). Certamente, nessa hipótese, o Itamaraty não deixou de ser considerado “elitista” - ainda há barreiras no acesso ao concurso, como a exigência de ensino superior, o que exclui boa parte da população brasileira ou que indiretamente privilegia alguns setores sociais (Lima & A. J. S. N. Oliveira, 2018Lima, R. C., & Oliveira, A. J. S. N. (2018). Manutenção e mudanças no Ministério das Relações Exteriores: perfis do corpo diplomático e padrões na carreira. Revista de Administração Pública, 52(5), 797-821. Recuperado de https://doi.org/10.1590/0034-7612175199
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; Siss & V. S. Almeida, 2019Siss, A., & Almeida, V. S. (2019). O poder da branquitude e racismo institucional: percepções sobre o acesso à diplomacia brasileira. Série-Estudos, 24(50), 83-102. Recuperado dehttps://doi.org/10.20435/serie-estudos.v24i50.1172
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). Entretanto entende-se que há uma mudança, intencional ou não, do tipo de elite que teria acesso às disputas pela consagração do campo simbólico e prático da diplomacia.

Deve-se ter em mente que o desenvolvimento da diplomacia do Brasil possui estreitas relações históricas com o desenvolvimento do campo do Direito - ampla e quase exclusivamente acessado pelas elites políticas do Brasil (Adorno, 1988Adorno, S. (1988). Os aprendizes do poder: o bacharelismo liberal na política brasileira. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.; Lima & A. J. S. N. Oliveira, 2018Lima, R. C., & Oliveira, A. J. S. N. (2018). Manutenção e mudanças no Ministério das Relações Exteriores: perfis do corpo diplomático e padrões na carreira. Revista de Administração Pública, 52(5), 797-821. Recuperado de https://doi.org/10.1590/0034-7612175199
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; Moura, 2006Moura, C. P. (2006). O inglês, o parentesco e o elitismo na Casa de Rio Branco. Cena Internacional, 8(1), 20-34., 2007Moura, C. P. (2007). O Instituto Rio Branco e a Diplomacia Brasileira: Um estudo da carreira e socialização. Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV.). Neste particular, note-se que se o bacharelado em Direito é, até hoje, o título acadêmico mais frequente entre os novos ingressantes do Itamaraty (Lima & A. J. S. N. Oliveira, 2018Lima, R. C., & Oliveira, A. J. S. N. (2018). Manutenção e mudanças no Ministério das Relações Exteriores: perfis do corpo diplomático e padrões na carreira. Revista de Administração Pública, 52(5), 797-821. Recuperado de https://doi.org/10.1590/0034-7612175199
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). Talvez, por conta disso, é possível perceber que muitas características consagradas pelo campo do Direito também fazem parte do campo da Diplomacia - como pertencer a círculos sociais famosos ou comunidades epistêmicas, ser “sofisticado”, “culto”, e mesmo apreciador de boas artes e literatura (Giannattasio, 2021Giannattasio, A. (2021). National Political Ideologies and International Legal Practices: Raul Fernandes (1877-1968) In P. S. Morris(Ed.), The League of Nations and the Development of International Law (pp. 9-73). Abingdon, UK: Routledge.; Moura, 2006Moura, C. P. (2006). O inglês, o parentesco e o elitismo na Casa de Rio Branco. Cena Internacional, 8(1), 20-34., 2007Moura, C. P. (2007). O Instituto Rio Branco e a Diplomacia Brasileira: Um estudo da carreira e socialização. Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV.).

Diante do exposto, é possível pensar que as mudanças sofridas pelas provas refletem uma disputa no patamar que essas características devem ocupar no ethos do Itamaraty. Enquanto as questões com a exigência de um conhecimento prévio de obras artísticas legitimam a herança cultural como fator central para ser membro dos quadros diplomáticos do país, questões mais tecnocráticas refletem uma consagração de outras elites que não aquelas que tiveram acesso à “alta cultura” (Bourdieu, 2002aBourdieu, P., & Champagne, P. (2002). Os excluídos do interior. In M. A. Nogueira, & A. Catani (Eds.), Escritos de Educação(4a ed., pp. 217-228). Rio de Janeiro, RJ: Vozes.). Há uma relação direta entre ambas as elites, tendo em vista que o conhecimento técnico ainda se encontra - apesar da universalização do acesso ao ensino superior proposta pelos governos do PT - majoritariamente atrelado aos mesmos círculos sociais que têm acesso à “cultura geral” cobrada pelas provas anteriores (Holanda, 1995Holanda, S. B. (1995). Raízes do Brasil (25a ed.). São Paulo, SP: Companhia das Letras.; T. I. Pereira & L. F. S. C. Silva, 2010Pereira, T. I., & Silva, L. F. S. C. (2010) As políticas públicas do ensino superior no Governo Lula: expansão ou democratização? Revista Debates, Porto Alegre, 4(2), 10-31. Recuperado dehttps://doi.org/10.22456/1982-5269.16316
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). Porém a grande mudança encontra-se na legitimação burocrático-legal dessa herança cultural constante das provas até 2003, o que também pode apontar uma tentativa de separação mais acentuada entre esses campos.

Levanta-se também a hipótese de esse processo simbolizar uma disputa geral dos campos da política brasileira, sendo o CACD um reflexo dessa dinâmica, tendo em vista que se trata de um concurso estratégico politicamente por selecionar aqueles que serão os porta-vozes - e, em algum sentido, a própria personificação - do Estado. Os governos do PT continuaram e aceleraram parte de um projeto de redesenho do Estado brasileiro pós-1988 - o qual, após fase inicial de estabilização fiscal (Costa & Lamarca, 2013Costa, N. R., & Lamarca, I. (2013). Os Governos FHC e Lula e a política para a força de trabalho civil do Governo Central Brasileiro. Ciência & Saúde Coletiva, 18(6), 1601-1611. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S1413-81232013000600012
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; Fiori, 2000Fiori, J. L. (2000). O cosmopolitismo de cócoras. Estudos Avançados, 14(39), 21-32. Recuperado de https://www.revistas.usp.br/eav/article/view/9525
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; G. Oliveira & Turolla, 2003Oliveira, G., & Turolla, F. (2003). Política econômica do segundo governo FHC: mudança em condições adversas. Tempo Social, 15(2), 195-217. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/S0103-20702003000200008
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; Teixeira & Pinto, 2012Teixeira, R. A., & Pinto, E. C. (2012). A economia política dos governos FHC, Lula e Dilma: dominância financeira, bloco no poder e desenvolvimento econômico. Economia e Sociedade, 21(Especial), 909-941. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0104-06182012000400009
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), buscou aumentar a atratividade dos cargos públicos recorrendo a novas políticas salariais (Costa & Lamarca, 2013; Gomes et al., 2012Gomes, D. C., Silva, L. B., & Sória, S. (2012). Condições e relações de trabalho no serviço público: o caso do governo Lula. Revista de Sociologia e Política, 20(42), 167-181. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/S0104-44782012000200012
https://doi.org/10.1590/S0104-4478201200...
; Ventura & Cavalieri, 2021Ventura, T., & Cavalieri, M. A. R. (2021). Diferenciais de salários dentro do Poder Executivo Brasileiro: uma análise de cluster. Revista de Administração Pública, 55(4), 757-781. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/0034-761220190357
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). Entretanto acredita-se que essa estratégia material também passou por uma alteração simbólica quanto ao tipo de fator de consagração que marcaria as elites que ocupariam esses postos - afinal, parte da construção dos campos sociais depende do monopólio sobre o tipo de simbologia a ser considerada como legítima ou não (Bourdieu, 1984Bourdieu, P. (1984). Questions de Sociologie. Paris, France: Minuit.).

A cordialidade, o bem falar, a “cultura” e o cultivo das artes tidas como clássicas e “superiores” marcaram boa parte do projeto de construção do Brasil e das dinâmicas entre as elites e a sociedade (Holanda, 1995Holanda, S. B. (1995). Raízes do Brasil (25a ed.). São Paulo, SP: Companhia das Letras., 2012Holanda, S. B. (2012). O homem cordial. São Paulo, SP: Pinguim Clássicos & Companhia das Letras.). A ascensão dos governos do PT simbolizou todo um processo de luta da população brasileira por maior participação social e por um aprofundamento da democracia (Singer, 2012Singer, A. (2012). Os sentidos do lulismo: Reforma gradual e pacto conservador. São Paulo, SP: Companhia das Letras.). Assim, pode-se ler as alterações do CACD como pertencente a uma dinâmica que busca consagrar as pessoas que falam em nome do Estado brasileiro - e, por sua vez, o próprio Estado - em outros termos que não mais aqueles usados pelas elites tradicionais brasileiras.

Por fim, é interessante também considerar como essa política relaciona-se com a própria formulação da PEB no período. O Governo Federal buscou, durante os governos do PT, aprofundar um processo, iniciado por FHC, de construção da imagem de uma potência que falasse em nome do Sul global e liderasse as nações em desenvolvimento - o que explica, por exemplo, parte do processo de expansão dos postos na África (Saraiva, 2002Saraiva, J. F. S. (2002). Política exterior do Governo Lula: o desafio africano. Revista Brasileira de Política Internacional, 45(2), 5-25. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/S0034-73292002000200001
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, 2015Saraiva, J. F. S. (2015). A África no século XXI: um ensaio acadêmico. Brasília, DF: FUNAG.; A. L. R. Silva & Andriotti, 2012Silva, A. L. R., & Andriotti, L. S (2012). A cooperação sul-sul na política externa do Governo Lula (2003-2010). Conjuntura Austral, 3(14), 69-93. Recuperado de https://doi.org/10.22456/2178-8839.32986
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). Pode-se considerar que essa alteração dá-se também nos termos do discurso, uma vez que o Brasil passa a buscar construir sua identidade baseado mais na integração América Latina-Ocidente (Guimarães, 2020Guimarães, F. S. (2020). The uneasy ‘well-placed’ state: Brazil within Latin America and the West. Cambridge Review of International Affairs, 33(4), 603-619. Recuperado dehttps://doi.org/10.1080/09557571.2020.1723059
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). Nota-se que essa transição gera algum tipo de ruído nos campos do Itamaraty, porque, se as rupturas são raras no MRE, mais raras são as mudanças no estilo diplomático, independentemente do presidente da República e das condições estruturais (G. Fonseca, 2011Fonseca, G. Jr. (2011, março). Política Externa Brasileira: Padrões e descontinuidades no período republicano. Relações Internacionais, 29, 15-32. Recuperado dehttps://ipri.unl.pt/images/publicacoes/revista_ri/pdf/ri29/n29a02.pdf
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). Assim, a busca por diplomatas mais técnicos e a desvalorização de uma cultura erudita nas questões - que em algumas ocasiões cobravam apenas conhecimentos relacionados à tradição europeia de arte2 2 Na aplicação de 1996, por exemplo, dentre 40 questões, aproximadamente, que envolviam o conhecimento de algum tipo prévio de arte, 15 demandavam o conhecimento de autores europeus e 1 de um autor norte-americano. - também podem ser entendidas como uma disputa dentro desse campo, com a finalidade de construir uma nova elite que se consagre por meios diferentes daqueles herdados diretamente do período colonial e que consagraram todas as demais gerações anteriores do Itamaraty.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Provas aplicadas em processos seletivos não são apenas mecanismos de aferição quantitativa de conhecimento: podem ser entendidas também como mecanismos sociais que aferem saberes dentro de uma dimensão simbólica (Fidelis, 2008Fidelis, A. C. S. (2008). Do Cânone Literário às Provas de Vestibular: Canonização e Escolarização da Literatura (Tese de Doutorado). Universidade de Campinas, Campinas, SP.; Freire, 1997Freire, P. (1997). Pedagogia da Autonomia(6a ed.). São Paulo, SP: Paz e Terra.; Freitas, 2012, 2016). De fato, elas não apenas medem quantidade de conhecimento: também selecionam socialmente candidatos de acordo com o perfil desejado (Bourdieu, 2002aBourdieu, P., & Champagne, P. (2002). Os excluídos do interior. In M. A. Nogueira, & A. Catani (Eds.), Escritos de Educação(4a ed., pp. 217-228). Rio de Janeiro, RJ: Vozes., 2002bCandido, A. (2000). Formação da Literatura Brasileira: Momentos Decisivos (9a ed., Vol. 1.) São Paulo, SP: Editora Itatiaia.) - no caso estudado, o perfil reputado como adequado para aqueles que deverão ingressar na carreira diplomática no Brasil e integrar os quadros burocráticos de quem realizar a PEB.

Nesses termos, analisar a variação temporal das provas do CACD não constitui somente uma estratégia de verificação de conteúdos e de currículo mínimo cobrados nas questões. Como tais provas exercem papel de controle na identificação e na consagração de candidatos portadores dos signos sociais de distinção reputados como necessários à carreira diplomática, trata-se, sim, de reconhecer que compreender tal variação permite vislumbrar estratégias domésticas de renovação das condições de acesso a cargos da Administração Pública Federal - consiste também em uma forma de combater resquícios de tradicionais formas de exclusão social no país.

Por meio de uma análise qualitativa baseada em fontes primárias (análise documental) referentes às provas do CACD realizadas entre 1995 e 2015 e de fontes secundárias (revisão bibliográfica), o presente texto buscou compreender se, dentre os critérios de seleção de candidatos no CACD, determinada herança cultural exerce ou exerceu um crivo na preferência de candidatos em detrimento de outros. A ênfase foi dada a questões apresentadas na prova de português, pois, considerando ser a carreira diplomática reservada a brasileiros natos e ser o idioma um fator tradicionalmente reconhecido como instrumento de transmissão e de perpetuação de identidades coletivas relacionadas ao estado nacional, compreender o modo como o português é cobrado nas provas do CACD poderia sinalizar eventual preferência por determinada herança cultural em detrimento de outras e, consequentemente, de determinado perfil social em detrimento de outros.

Houve restrições materiais relacionadas: (i) à impossibilidade de consulta física a documentos em virtude das medidas de isolamento social derivadas da pandemia da COVID-19; (ii) ao tempo de resposta à solicitação, por meio da Lei de Acesso à Informação, de acesso a documentos originalmente não disponíveis em formato eletrônico; (iii) à necessidade de compilação e de sistematização de informações presentes em documentos que foram disponibilizados somente aos poucos; (iv) à duração do financiamento da pesquisa. Em virtude de tais restrições, a presente análise debruçou-se sobre editais, guias de estudos e questões das etapas de múltipla escolha do CACD, bem como sobre testemunhos por escrito em fontes secundárias, não tendo sido possível efetuar a triangulação de informações por meio de entrevistas, como realizado em outros estudos que, de forma similar, analisaram editais de concursos públicos.

Ainda assim, tais limitações não impedem o levantamento de hipóteses em torno do CACD na seleção de futuros membros da carreira diplomática, as quais podem auxiliar em uma maior compreensão das nuances entre as políticas adotadas no período 1995-2015 na seleção de civis para os quadros da Administração Pública Federal brasileira.

Nesses termos, identificou-se que, ao lado de iniciativas já reconhecidas na literatura - aumento do número de vagas e remuneração, isenção de inscrição, entre outras -, a partir de 2004, a prova deixou de avaliar e de selecionar os candidatos por meio de questões de “cultura geral”. Tendo havido uma padronização das novas questões em um perfil mais técnico, parece que o CACD não mais se pautou por uma lógica de exclusão daqueles cuja origem social não lhes permitiu portar e performar marcadores de distinção social baseados na ideia de sofisticação cultural.

Assim, se o redesenho do Estado brasileiro pós-1988 passa, entre 1995 e 2002, por uma fase de retomada quantitativa dos concursos públicos federais, é possível notar, a partir de 2003, medidas que buscaram tornar atrativas as carreiras públicas na Administração Pública Federal - de maneira a atender também a demandas internas de aumento de representatividade nos diferentes espaços públicos de poder, o que significa mitigar as tradicionais formas de exclusão social consolidadas nas instituições brasileiras. A variação das formas de cobrança de questões no CACD a partir de 2004 pode ser compreendida, assim, como inserida neste movimento geral de reformulação dos quadros burocráticos da Administração Pública Federal do país.

Ademais, note-se que a alteração na forma de cobrar questões de português e de literatura certamente não deixou de selecionar um grupo social seleto - ou, ainda, uma elite -para a carreira diplomática, uma vez que, afinal, o requisito mínimo é ser portador de diploma de ensino superior, o que exclui boa parte da população brasileira. De todo modo, ao buscar selecionar diplomatas por meio de padrões mais técnicos e ao deixar de valorizar uma cultura supostamente erudita relacionada à tradição europeia de arte, pode-se perceber no CACD a preferência pela seleção de um novo perfil de elite: esta se consagraria por meios diferentes daqueles herdados diretamente do período colonial, os quais teriam consagrado até então as elites tradicionais brasileiras nas gerações anteriores da carreira diplomática do país.

Por fim, entende-se que este estudo corrobora a percepção de ser positiva uma agenda de investigação que se debruce sobre a análise de editais e de concursos públicos - afinal, este tipo de pesquisa pode sugerir importantes informações sobre continuidades e mudanças nas formas de compreensão e de composição das diferentes carreiras públicas. De todo modo, registra-se, aqui, o convite para futuras pesquisas conjuntas sobre a carreira diplomática brasileira que aprofundem os resultados acima encontrados à luz da análise de fontes primárias adicionais.

AGRADECIMENTOS

Esta pesquisa contou com o fomento proporcionado ao bacharelando Caique Sanches Bodine pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Processo FAPESP nº 2020/09019-0) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Processo CNPq-USP 2020/495). Gostaríamos ainda de agradecer, primeiramente, a todas as recomendações literárias e teóricas que o doutorando Fabio Roberto Mariano nos proporcionou, do qual muitas referências aqui presentes nasceram. Em segundo lugar, agradecemos igualmente as contribuições da professora Daniela Carla Decaro Schettini para a análise estatística da amostra que obtivemos. Por fim, sem o apoio e as informações fornecidas, via contato por e-mail, telefone e plataforma Fala.Br, pelo Ministério das Relações Exteriores, em especial à Secretaria de Comunicação e Cultura, e pelo Instituto Rio Branco, em especial à Coordenação-Geral e à Diretora- Geral, boa parte dos documentos usados neste estudo não teria sido acessada, razão pela qual agradecemos também aos funcionários que gentilmente se disponibilizaram a nos auxiliar.

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  • 1
    Na segunda aplicação do ano de 2003, não houve nenhum tipo de questão envolvendo textos literários.
  • 2
    Na aplicação de 1996, por exemplo, dentre 40 questões, aproximadamente, que envolviam o conhecimento de algum tipo prévio de arte, 15 demandavam o conhecimento de autores europeus e 1 de um autor norte-americano.
  • 7
    Um dos revisores não autorizou a divulgação de sua identidade.
  • 8
    Relatório de revisão por pares: o relatório de revisão por pares está disponível neste link.

Editado por

Editora-chefe: Alketa Peci (Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro / RJ - Brasil) https://orcid.org/0000-0002-0488-1744
Editora adjunta: Gabriela Spanghero Lotta (Fundação Getulio Vargas, São Paulo / SP - Brasil) https://orcid.org/0000-0003-2801-1628
Fernando de Souza Coelho (Universidade de São Paulo, São Paulo / SP - Brasil) https://orcid.org/0000-0003-2803-0722
Rodolfo de Camargo Lima (Universidad Católica de Temuco, Temuco - Chile) https://orcid.org/0000-0003-3236-3626

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Oct 2022

Histórico

  • Recebido
    07 Mar 2022
  • Aceito
    13 Ago 2022
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