Acessibilidade / Reportar erro
Este documento está relacionado com:

Perfil dos convênios celebrados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública com entes subnacionais no Brasil (2008-2022)

Perfil de los acuerdos firmados por el Ministerio de Justicia y Seguridad Pública con entidades subnacionales en Brasil (2008-2022)

Resumo

O presente artigo tem como objetivo analisar, com base na discussão sobre instrumentos de políticas públicas e nos estudos sobre as políticas de segurança pública no Brasil, o perfil das transferências voluntárias de recursos orçamentários da União celebradas por meio do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) com os entes subnacionais, no período de 2008 a 2022. Trata-se de uma pesquisa documental e de uma análise de conteúdo sobre dados de acesso público extraídos da Plataforma +Brasil. Identificou-se que os convênios dialogam com o paradigma da segurança pública voltada à prevenção da violência, que os estados das regiões Sudeste e Sul figuram como os maiores beneficiados das transferências voluntárias do MJSP e que o Congresso Nacional passou a ser o principal financiador dos convênios ao longo do tempo. O estudo conclui que é preciso esforços por parte do Governo Federal com vistas à distribuição de recursos de forma equânime pelo território.

Palavras-chave:
políticas públicas; coordenação federativa; segurança pública; instrumentos de políticas públicas

Resumen

Este artículo tiene como objetivo analizar, a partir de la discusión sobre instrumentos de políticas públicas y estudios sobre políticas de seguridad pública en Brasil, el perfil de las transferencias voluntarias de recursos del presupuesto del Gobierno federal celebradas a través del Ministerio de Justicia y Seguridad Pública (MJSP) con entidades subnacionales en el período de 2008 a 2022. Se trata de una investigación de análisis documental y análisis de contenido sobre datos de acceso público extraídos de la Plataforma Mais Brasil. Se identificó que los acuerdos dialogan con el paradigma de la seguridad pública centrada en la prevención de la violencia, que los estados del Sudeste y del Sur son los mayores beneficiarios de las transferencias voluntarias del MJSP y que el Congreso Nacional se convirtió con el tiempo en el principal financiador de los acuerdos. El estudio concluye que son necesarios esfuerzos por parte del Gobierno Federal para distribuir los recursos de forma equitativa en el territorio.

Palabras clave:
políticas públicas; coordinación federativa; seguridad pública; instrumentos de políticas públicas

Abstract

Based on the discussion about public policy instruments and studies on public security policies in Brazil, this article aims to analyze the profile of voluntary transfers of Union budget resources concluded through the Ministry of Justice and Public Security (MJSP) with subnational entities in the period from 2008 to 2022. The research adopted documentary analysis and content analysis on public access data extracted from the Mais Brasil Platform. It was identified that the agreements dialogue with the paradigm of public security focused on violence prevention. Also, the study showed that the states of the Brazilian Southeast and South regions are the largest beneficiaries of voluntary transfers from MJSP and that the National Congress became the primary funder of agreements over time. The study concludes that the federal government must improve resource distribution to equitably supply the territory.

Keywords:
public policies; federative coordination; public safety; public policy instruments

1. INTRODUÇÃO

As políticas voltadas à segurança pública receberam bastante atenção dos pesquisadores nas últimas décadas (Dutra & Souza, 2022Dutra, W. Z.; Souza, T. A. (2022). A (des)articulação federativa na pauta penal: uma análise dos repasses de recursos financeiros do Funpen aos governos estaduais. Revista Brasileira de Segurança Pública, 16(2), 154-181. Recuperado de https://doi.org/10.31060/rbsp.2022.v16.n2.1348
https://doi.org/10.31060/rbsp.2022.v16.n...
; L. M. Madeira & Rodrigues, 2015Madeira, L. M.; & Rodrigues, A. B. (2015). Novas bases para as políticas públicas de segurança no Brasil a partir das práticas do governo federal no período 2003-2011. Revista de Administração Pública, 49(1), 3-22. Recuperado de https://doi.org/10.1590/0034-76121702
https://doi.org/10.1590/0034-76121702...
; Novello & Alvarez, 2022Novello, R. H.; & Alvarez, M. C. (2022). Da ‘bancada da segurança’ à ‘bancada da bala’: deputados-policiais no Legislativo paulista e discursos sobre segurança pública. Dilemas - Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, 15(1), 81-101. Recuperado de https://doi.org/10.4322/dilemas.v15n1.41474
https://doi.org/10.4322/dilemas.v15n1.41...
; Peres, Bueno, Leite, & R. S. Lima, 2014Peres, U. D.; Bueno, S., Leite, C. K. S.; & Lima, R. S. (2014). Segurança pública: reflexões sobre o financiamento de suas políticas públicas no contexto federativo brasileiro. Revista Brasileira de Segurança Pública, 8(1), 132-153. Recuperado de https://revista.forumseguranca.org.br/index.php/rbsp/article/view/361
https://revista.forumseguranca.org.br/in...
; Quadros & R. M. Madeira, 2018Quadros, M. P. R.; & Madeira, R. M. (2018). Fim da direita envergonhada? Atuação da bancada evangélica e da bancada da bala e os caminhos da representação do conservadorismo no Brasil. Opinião Pública, 24(3), 486-522. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1807-01912018243486
https://doi.org/10.1590/1807-01912018243...
; Schabbach, 2014Schabbach, L. M. (2014) A agenda da segurança pública no Brasil e suas (novas) políticas. In L. M. Madeira (Org.), Avaliação de políticas públicas (pp. 216-231). Porto Alegre, RS: UFRGS. Recuperado de https://www.ufrgs.br/cegov/files/pub_37.pdf
https://www.ufrgs.br/cegov/files/pub_37....
). Entre esses estudos, destacam-se o realizado por L. M. Madeira e Rodrigues (2015)Sampaio, R.; & Lycarião, D. (2018). Eu quero acreditar! Da importância, formas de uso e limites dos testes de confiabilidade na análise de conteúdo. Revista de Sociologia e Política, 26(6), 31-47. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1678-987318266602
https://doi.org/10.1590/1678-98731826660...
, que, ao discutirem três gerações de políticas públicas de segurança pública, investigam como distintos referenciais foram sendo desenvolvidos sobre o objeto empírico e o trabalho de Peres et al. (2014)Peres, U. D.; Bueno, S., Leite, C. K. S.; & Lima, R. S. (2014). Segurança pública: reflexões sobre o financiamento de suas políticas públicas no contexto federativo brasileiro. Revista Brasileira de Segurança Pública, 8(1), 132-153. Recuperado de https://revista.forumseguranca.org.br/index.php/rbsp/article/view/361
https://revista.forumseguranca.org.br/in...
, o qual analisa o histórico do financiamento das políticas de segurança pública no Brasil.

A relação da União com os entes subnacionais no financiamento de políticas, contudo, ainda é um campo pouco investigado. O objetivo do artigo é analisar o perfil dos convênios celebrados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) com os entes subnacionais no período de 2008-2022 com base nas discussões sobre instrumentos de políticas públicas e na bibliografia que versa sobre as políticas de segurança pública no Brasil.

Assume-se que o MJSP ocupa um lugar central como financiador e desenvolvedor das políticas de segurança do país, por isso é relevante entender o modo pelo qual o órgão firma convênios com os entes subnacionais. Entende-se os entes subnacionais como todos aqueles que celebraram convênios com a Administração Pública federal - por exemplo, municípios, estados, organizações não governamentais (ONGs), associações civis, consórcios públicos etc. - no período estudado. Os dados foram coletados de uma consulta junto à Plataforma +Brasil, do Governo Federal. Trata-se de uma pesquisa exploratória e descritiva, dado que pretende promover uma reflexão analítica e produzir informações sobre a distribuição dos convênios junto aos entes subnacionais. Assim, não há hipóteses a serem testadas ou refutadas.

O artigo, designado à seção “Fórum: Perspectivas Práticas”, num primeiro momento, retoma brevemente a dimensão teórica do estudo; na sequência, descreve sua metodologia; por último, apresenta a discussão aventada e os resultados obtidos.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

L. M. Madeira e Rodrigues (2015Madeira, L. M.; & Rodrigues, A. B. (2015). Novas bases para as políticas públicas de segurança no Brasil a partir das práticas do governo federal no período 2003-2011. Revista de Administração Pública, 49(1), 3-22. Recuperado de https://doi.org/10.1590/0034-76121702
https://doi.org/10.1590/0034-76121702...
), assim como Schabbach (2014Schabbach, L. M. (2014) A agenda da segurança pública no Brasil e suas (novas) políticas. In L. M. Madeira (Org.), Avaliação de políticas públicas (pp. 216-231). Porto Alegre, RS: UFRGS. Recuperado de https://www.ufrgs.br/cegov/files/pub_37.pdf
https://www.ufrgs.br/cegov/files/pub_37....
), apontam três fases ou paradigmas que caracterizam o Estado brasileiro, sob a óptica das políticas de segurança pública. A primeira é representada pela ideia da segurança nacional, vigente no período da ditadura militar. Nela, o foco principal se voltou ao inimigo externo, materializado no combate ao comunismo, e no interno, correspondente a qualquer indivíduo entendido como contrário à ordem vigente. A ideia de ameaça à segurança, nessa fase, foi compreendida como tudo aquilo que ia de encontro ao Estado e aos interesses nacionais, intimamente associados aos benefícios daqueles que estavam no poder.

A segunda fase se voltou, a partir da Constituição Federal promulgada em 1988 (CF88), ao paradigma da segurança pública. Segundo Schabbach (2014Schabbach, L. M. (2014) A agenda da segurança pública no Brasil e suas (novas) políticas. In L. M. Madeira (Org.), Avaliação de políticas públicas (pp. 216-231). Porto Alegre, RS: UFRGS. Recuperado de https://www.ufrgs.br/cegov/files/pub_37.pdf
https://www.ufrgs.br/cegov/files/pub_37....
), até a década de 1990, as políticas de segurança pública eram vistas como de repressão, calcadas na atuação de órgãos de controle e na busca pela diminuição da criminalidade. Até esse momento, os estados da federação haviam ficado sob a responsabilidade de conduzir a polícia, com pouco protagonismo dos entes municipais e mecanismos de participação e accountability.

Conforme L. M. Madeira e Rodrigues (2015Madeira, L. M.; & Rodrigues, A. B. (2015). Novas bases para as políticas públicas de segurança no Brasil a partir das práticas do governo federal no período 2003-2011. Revista de Administração Pública, 49(1), 3-22. Recuperado de https://doi.org/10.1590/0034-76121702
https://doi.org/10.1590/0034-76121702...
), o segundo paradigma inova, em relação ao anterior, ao indicar que a segurança pública é dever do Estado e direito e responsabilidade de todos. Todavia, no rol de responsáveis pela segurança pública, eles destacam “apenas as instituições policiais federais e estaduais, não citando o papel de outras instituições governamentais na prevenção à violência, ou mesmo a importância da atuação dos municípios e da comunidade como um todo” (L. M. Madeira & Rodrigues, 2015, p. 7).

Segundo Schabbach (2014Schabbach, L. M. (2014) A agenda da segurança pública no Brasil e suas (novas) políticas. In L. M. Madeira (Org.), Avaliação de políticas públicas (pp. 216-231). Porto Alegre, RS: UFRGS. Recuperado de https://www.ufrgs.br/cegov/files/pub_37.pdf
https://www.ufrgs.br/cegov/files/pub_37....
), a partir do ano 2000, inaugurou-se uma tendência voltada à promoção de convivência social segura e pacífica, com respeito aos direitos humanos. A esse paradigma se deu o nome de Segurança Cidadã. De acordo com L. M. Madeira e Rodrigues (2015Madeira, L. M.; & Rodrigues, A. B. (2015). Novas bases para as políticas públicas de segurança no Brasil a partir das práticas do governo federal no período 2003-2011. Revista de Administração Pública, 49(1), 3-22. Recuperado de https://doi.org/10.1590/0034-76121702
https://doi.org/10.1590/0034-76121702...
), com o lançamento do Plano Nacional de Segurança Pública, em 2000, os municípios passaram a ser entendidos como ambientes de produção e promoção de políticas de segurança pública. Esse projeto almejava envolver a população e os territórios, de modo a propiciar maior accountability, participação social e efetividade na produção de segurança pública.

Um marco desse processo é o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), de 2007. Identifica-se como um momento importante o ano de 2018, quando foi instituído o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), atribuindo competência à União e estabelecendo atribuições legais a estados, Distrito Federal e municípios. Essa política tem um amplo leque de objetivos no sentido de criar um sistema coordenado de prestação da política.

Assim, o foco das políticas deixou de ser exclusivamente a segurança nacional e a repressão à violência e à criminalidade, passando a considerar outros elementos. É importante apontar que o SUSP pode ser compreendido como um esforço de coordenação do Governo Federal para o campo da segurança pública na formulação de políticas, programas e planos nacionais, assim como na constituição de sistemas únicos, em que se buscam a integração das ações dos diferentes entes governamentais e a estruturação de um sistema de transferência de recursos e descentralização (Bichir, Simoni, & Pereira, 2020Bichir, R., Simoni, S., Jr., & Pereira, G. (2020). Sistemas nacionais de políticas públicas e seus efeitos na implementação o caso do Sistema Único de Assistência Social (Suas). Revista Brasileira de Ciências Sociais, 35(102), e3510207. Recuperado de https://doi.org/10.1590/3510207/2020
https://doi.org/10.1590/3510207/2020...
).

No que tange à dimensão do financiamento, Bueno (2017Bueno, S. (2017). O papel da União no financiamento das políticas de segurança pública. (Boletim de Análise Político-Institucional, n. 11). Brasília, DF: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Recuperado de http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/8065
http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11...
) ofereceu um panorama sobre o papel da União no âmbito das políticas de segurança pública. Verificou-se que, a partir dos anos 2000, com a criação do Primeiro Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP) e do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), ações mais sistêmicas passaram a ser incluídas na agenda do Ministério da Justiça, assim como houve um incremento nos valores repassados a estados e municípios por meio de convênios. É importante destacar que a criação do FNSP, na década de 2000, representou um marco para o financiamento das políticas da pasta de segurança pública, pois significou um considerável aumento nos investimentos federais nessa área.

Em outras análises que pretendem observar os desdobramentos contemporâneos no campo destacado, Dutra e Souza (2022Dutra, W. Z.; Souza, T. A. (2022). A (des)articulação federativa na pauta penal: uma análise dos repasses de recursos financeiros do Funpen aos governos estaduais. Revista Brasileira de Segurança Pública, 16(2), 154-181. Recuperado de https://doi.org/10.31060/rbsp.2022.v16.n2.1348
https://doi.org/10.31060/rbsp.2022.v16.n...
) analisam os repasses oriundos do Fundo Penitenciário Nacional para os governos estaduais e concluem que o Governo Federal não foi o protagonista na pauta das políticas penais, haja vista que sua atuação no período nos anos recentes foi difusa e não coordenada. Além disso, destacamos a abordagem de Quadros e R. M. Madeira (2018Quadros, M. P. R.; & Madeira, R. M. (2018). Fim da direita envergonhada? Atuação da bancada evangélica e da bancada da bala e os caminhos da representação do conservadorismo no Brasil. Opinião Pública, 24(3), 486-522. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1807-01912018243486
https://doi.org/10.1590/1807-01912018243...
), bem como de Novello e Alvarez (2022Novello, R. H.; & Alvarez, M. C. (2022). Da ‘bancada da segurança’ à ‘bancada da bala’: deputados-policiais no Legislativo paulista e discursos sobre segurança pública. Dilemas - Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, 15(1), 81-101. Recuperado de https://doi.org/10.4322/dilemas.v15n1.41474
https://doi.org/10.4322/dilemas.v15n1.41...
), que analisam a participação dos profissionais da área da segurança pública em atividades político-partidárias e seus esforços para obter sucesso pela via eleitoral. Desse modo, trata-se da entrada de novos atores nas arenas decisórias de formulação de políticas públicas.

Os convênios, oriundos de transferências voluntárias, são um importante instrumento de cooperação intergovernamental na área da segurança pública (Peres et al., 2014Peres, U. D.; Bueno, S., Leite, C. K. S.; & Lima, R. S. (2014). Segurança pública: reflexões sobre o financiamento de suas políticas públicas no contexto federativo brasileiro. Revista Brasileira de Segurança Pública, 8(1), 132-153. Recuperado de https://revista.forumseguranca.org.br/index.php/rbsp/article/view/361
https://revista.forumseguranca.org.br/in...
), uma vez que é por meio deles que podem ser acessados os recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública e repassados a estados e municípios mediante o estabelecimento de convênios com o Governo Federal. É também por meio dos convênios que o Governo Federal pode direcionar esforços conjuntos, estabelecer suas prioridades de investimentos e realizar o planejamento estratégico de algumas ações (Lui & Miquelino, 2023Lui, L.; & Miquelino, W. (2023). Evolução dos convênios celebrados pelo Ministério da Agricultura com os entes subnacionais no Brasil. Revista de Economia e Sociologia Rural, 61(4), e266689. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1806-9479.2022.266689
https://doi.org/10.1590/1806-9479.2022.2...
).

Conforme indicam Lui, Schabbach, e Nora (2020Lui, L.; Schabbach, L. M.; & Nora, C. R. D. (2020). Regionalização da saúde e cooperação federativa no Brasil: o papel dos consórcios intermunicipais. Ciência & Saúde Coletiva, 25(12), 5065-5074. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1413-812320202512.03752019
https://doi.org/10.1590/1413-81232020251...
) e Meireles (2019Meireles, F. (2019). Alinhamento partidário e demanda por transferências federais no Brasil. Revista de Administração Pública, 53(1), 173-194. Recuperado de https://doi.org/10.1590/0034-761220170282
https://doi.org/10.1590/0034-76122017028...
), as transferências voluntárias têm a finalidade de destinar recursos federais a outro ente federado ou subnacional. O propósito do uso desse instrumento é promover o desenvolvimento de políticas públicas prioritárias para os agentes políticos. Os convênios estão desvinculados de determinação constitucional ou legal, ou seja, são discricionários. Eles podem ser oriundos de propostas financiadas pelos ministérios ou de emendas parlamentares.

No caso dos convênios financiados pelo MJSP, os recursos são liberados após a abertura de um edital e posterior envio de propostas de projetos/planos de trabalho pelos entes subnacionais. Quando se trata de emendas parlamentares, o processo geralmente é o oposto, tendo em vista que é designado pelo parlamentar, em primeiro lugar, o recurso para algum ente, o qual, na sequência, apresenta um plano de trabalho com os objetivos e a proposta de execução. Relacionado a isso, nos anos recentes, identificou-se um robusto ganho de poder por parte do Legislativo, sobretudo no que concerne ao poder de destinação de recursos por meio de emendas parlamentares (M. F. G. Silva & Teixeira, 2022Silva, M. F. G.; & Teixeira, M. A. C. (2022). A política e a economia do governo Bolsonaro: uma análise sobre a captura do orçamento. Cadernos Gestão Pública e Cidadania, 27(86), e85574. Recuperado de https://doi.org/10.12660/cgpc.v27n86.85574
https://doi.org/10.12660/cgpc.v27n86.855...
) e do chamado orçamento impositivo.

Consoante ao apontado por Lui et al. (2020Lui, L.; Schabbach, L. M.; & Nora, C. R. D. (2020). Regionalização da saúde e cooperação federativa no Brasil: o papel dos consórcios intermunicipais. Ciência & Saúde Coletiva, 25(12), 5065-5074. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1413-812320202512.03752019
https://doi.org/10.1590/1413-81232020251...
), existe um viés alocativo que pode ser atribuído aos acordos políticos dos governos subnacionais com a esfera de Governo Federal no que diz respeito às transferências voluntárias. Em outros termos, o Governo Federal distribui mais recursos para regiões governadas por aliados político-partidários e menos para aquelas governadas pela oposição (Meireles, 2024Meireles, F. (2024). Política distributiva em coalizão. Dados, 67(1), e20210135. Recuperado de https://doi.org/10.1590/dados.2024.67.1.308
https://doi.org/10.1590/dados.2024.67.1....
). Assim, não há neutralidade no uso desse tipo de instrumento de financiamento de política pública, posto que refletem as prioridades alocativas dos atores políticos que, em determinado momento, ocupam posições de poder.

Conforme L. L. Lima, Aguiar, e Lui (2021Lima, L. L., Aguiar, R. B., Lui, L. (2021). Conectando problemas, soluções e expectativas: mapeando a literatura sobre análise do desenho de políticas públicas. Revista Brasileira de Ciência Política, 36, e246779. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/0103-3352.2021.36.246779
https://doi.org/10.1590/0103-3352.2021.3...
), um instrumento de política pública constitui um dispositivo ao mesmo tempo técnico e social, que organiza relações sociais específicas entre o Estado e seus destinatários, de acordo com representações e significados que carrega. Direito e Koga (2020Direito, D. C.; Koga, N. M. (2020). Instrumentos e integração de políticas públicas: a rede do Cadastro Único. Revista de Administração Pública, 54(5), 1286-1306. Recuperado de https://doi.org/10.1590/0034-761220190092
https://doi.org/10.1590/0034-76122019009...
) indicam que os instrumentos ilustram a conexão entre como o Estado interfere na sociedade e quais são seus objetivos. Trata-se, portanto, de iniciativas governamentais que buscam organizar, normatizar, incentivar ou coibir determinados comportamentos sociais. Assim, estudá-los é compreender como o governo faz com que os atores sociais ajam da maneira desejada.

Segundo as autoras, porém, os instrumentos não são dispositivos neutros, pois produzem efeitos não obstante o objetivo formalmente perseguido pela política. No caso específico dos convênios, como não há nenhum tipo de regra que coordene sua distribuição - oriundos do Executivo ou do Legislativo -, em razão de se serem dependentes das alianças políticas e partidárias, pode haver a concentração de recursos em determinados estados e regiões, ao passo que há vazios assistenciais em outras. O conceito de “vazio assistencial” é proveniente da literatura que discute saúde pública (C. R. Silva, Carvalho, Cordoni, & Nunes, 2017Silva, C. R.; Carvalho, B. G.; Cordoni, L., Jr.; & Nunes, E. F. P. A. (2017). Dificuldade de acesso a serviços de média complexidade em municípios de pequeno porte: um estudo de caso. Ciência & Saúde Coletiva, 22(4), 1109-1120. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1413-81232017224.27002016
https://doi.org/10.1590/1413-81232017224...
; Tesser & Poli, 2017Tesser, C. D.; & Poli, P., Neto. (2017). Atenção especializada ambulatorial no Sistema Único de Saúde: para superar um vazio. Ciência & Saúde Coletiva, 22(3), 941-951. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1413-81232017223.18842016
https://doi.org/10.1590/1413-81232017223...
) e significa a alocação de recursos e serviços inexistentes ou insuficientes para a demanda em certa região. Corrigir os vazios assistenciais é uma dimensão importante para atingir a equidade num campo de política pública.

Dessa forma, há a necessidade de estudar o perfil dos convênios celebrados pelo MJSP com os entes subnacionais, a fim de compreender essa importante dimensão da política e propiciar o fomento de novas questões referentes ao objeto empírico.

3. METODOLOGIA

A pesquisa das transferências voluntárias busca oferecer um panorama dos convênios celebrados pelo MJSP com os mais diversos entes subnacionais. Trata-se de um exame de conteúdo no formato do modelo proposto por Sampaio e Lycarião (2018Sampaio, R.; & Lycarião, D. (2018). Eu quero acreditar! Da importância, formas de uso e limites dos testes de confiabilidade na análise de conteúdo. Revista de Sociologia e Política, 26(6), 31-47. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1678-987318266602
https://doi.org/10.1590/1678-98731826660...
), por meio de uma análise documental em que o corpus são 3.616 transferências voluntárias celebradas entre 2008 e 2022. Os dados são de domínio público e podem ser acessados na internet pela Plataforma +Brasil (2022). O recorte temporal se deu porque a base contém dados pormenorizados dos convênios celebrados apenas a partir de 2008. A coleta de dados se deu em agosto de 2022.

Foram inicialmente retirados do escopo da pesquisa 16 convênios cancelados e 282 anulados, restando 3.318 a serem analisados. As dimensões analíticas são: distribuição dos convênios por ano, volume de recursos aportados, órgão financiador (Emenda Parlamentar ou MJSP) e estado da federação. Além disso, com o exame de conteúdo pelos códigos dos programas dos convênios oferecidos pela própria plataforma +Brasil, identificaram-se quatros grandes áreas em que os recursos são empregados: segurança pública, proteção social, aprimoramento da execução penal e acesso à justiça. Cada uma delas contém subáreas que serão pormenorizadas na análise dos dados.

4. DADOS E DISCUSSÃO

O Gráfico 1 expõe a evolução da quantidade de convênios celebrados, enquanto o Gráfico 2 apresenta os valores despendidos ao longo dos anos.

Gráfico 1
Quantidade de convênios celebrados pelo MJSP com os entes subnacionais (2008-2022)

Optou-se por considerar os recursos empenhados, uma vez que a categoria “empenho” corresponde à primeira fase de execução de uma despesa e vincula os recursos orçamentários do Tesouro ao gasto correspondente. Além disso, a escolha se deu pelo fato de os convênios poderem perdurar por anos, com liberações parciais de recursos.

Gráfico 2
Valores, em reais, dos convênios celebrados pelo MJSP com entes subnacionais (2008-2022)

Tanto a quantidade de convênios quanto os valores empregados não seguem uma tendência, de modo que a distribuição é irregular. O maior valor foi empregado em 2013. Após esse ano, ocorreu um grande hiato até 2019. Não é possivel afrmar que o aumento depois dessa data se deveu a uma preocupação do Governo Federal em fortalecer o SUSP, pois houve uma queda no período posterior.

Observa-se, no Gráfico 3, que a distribuição dos convênios obedece a uma lógica irregular ao longo do tempo, sendo que a participação do Congresso como agente principal na política orçamentária ganha força ao longo dos anos, enquanto a do MJSP diminui. O gráfico também mostra que o aumento do número de convênios, depois de 2019, se deve a um interesse dos parlamentares em destinar emendas ao setor. Assim, não houve um robusto interesse do MJSP em celebrar convênios na esteira do SUSP. O que se deu, como pode ser identificado, foi uma tendência de dininuição do papel do Ministério como celebrador de convênios com os entes subnacionais. Identifica-se que não há um esforço, por parte do Governo Federal, em prol de uma lógica de distribuição consistente de recursos ao longo do tempo.

Gráfico 3
Distribuição dos convênios celebrados, por origem do recurso (2008-2022)

O aumento do interesse do Congresso pelo campo da segurança pública merece ser mais bem averiguado. O estudo de Quadros e R. M. Madeira (2018Quadros, M. P. R.; & Madeira, R. M. (2018). Fim da direita envergonhada? Atuação da bancada evangélica e da bancada da bala e os caminhos da representação do conservadorismo no Brasil. Opinião Pública, 24(3), 486-522. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1807-01912018243486
https://doi.org/10.1590/1807-01912018243...
) examina discursos e projetos de lei formulados por parlamentares entre 2010 e 2017 ligados à pauta da segurança pública no Congresso Nacional. Os autores identificam uma profunda participação desses atores no processo de articulação de interesses. No mesmo sentido, Novello e Alvarez (2022Novello, R. H.; & Alvarez, M. C. (2022). Da ‘bancada da segurança’ à ‘bancada da bala’: deputados-policiais no Legislativo paulista e discursos sobre segurança pública. Dilemas - Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, 15(1), 81-101. Recuperado de https://doi.org/10.4322/dilemas.v15n1.41474
https://doi.org/10.4322/dilemas.v15n1.41...
) constatam a forma como policiais e militares têm migrado para a política partidária ao longo do tempo. Desse modo, há um aumento da preocupação com o tema da segurança pública por parte de atores políticos situados no Legislativo. Atrelado a esse processo, o próprio Congresso ganhou mais poder no que tange à destinação de recursos, sobretudo após a EC 86/2016, que trata do orçamento impositivo, segundo apontam M. F. G. Silva e Teixeira (2022Silva, M. F. G.; & Teixeira, M. A. C. (2022). A política e a economia do governo Bolsonaro: uma análise sobre a captura do orçamento. Cadernos Gestão Pública e Cidadania, 27(86), e85574. Recuperado de https://doi.org/10.12660/cgpc.v27n86.85574
https://doi.org/10.12660/cgpc.v27n86.855...
).

Os dados contidos no Gráfico 3 ilustram que houve maior participação do Poder Legislativo no que tange à celebração de convênios nos anos recentes e que o processo foi acompanhado de menor protagonismo do Poder Executivo. Essa realidade deixa evidente que uma importante dimensão do financiamento das políticas de segurança pública no país - no caso, os convênios celebrados pelo MJSP - está inserida num ambiente institucional suscetível à descoordenação, tendo em vista a natureza do instrumento que vem sendo usado para financiar as políticas.

Argumenta-se, com base na proposição de Bichir et al. (2020Bichir, R., Simoni, S., Jr., & Pereira, G. (2020). Sistemas nacionais de políticas públicas e seus efeitos na implementação o caso do Sistema Único de Assistência Social (Suas). Revista Brasileira de Ciências Sociais, 35(102), e3510207. Recuperado de https://doi.org/10.1590/3510207/2020
https://doi.org/10.1590/3510207/2020...
), sobre a necessidade de construção de mecanismos capazes de garantir a equidade na distribuição de recursos pelo território, de modo a evitar sobreposição de recursos e vazios assistenciais. Como cada parlamentar atua de forma atomizada e sem a visão nacional, a tarefa de coordenador cabe ao MJSP.

O debate a respeito da sobreposição de recursos e vazios assistenciais aparece a seguir. Os Gráficos 4 e 5 mostram o número de convênios celebrados pelo MJSP, por unidade federativa (UF), ao longo do tempo. É importante destacar que também se dividiu pelo agente financiador, ou seja, se o recurso foi proveniente do MJSP ou de emendas parlamentares. Os estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, no Sudeste, bem como do Rio Grande do Sul e do Paraná, no Sul, figuram entre os que mais receberam recursos. Enquanto isso, os estados da região Norte e alguns das regiões Nordeste e Centro-Oeste receberam poucos aportes ao longo do tempo.

Gráfico 4
Convênios por UF e por origem do recurso (2008-2022)

Gráfico 5
Valores dos convênios por UF e por origem do recurso (2008-2022)

Um detalhe que chama a atenção é o fato de Minas Gerais ter recebido mais verbas por emenda parlamentar do que o MJSP, demonstrando que a articulação legislativa realizada pelos atores políticos daquele estado para a transferência de recursos foi bastante eficiente. Futuros estudos poderão investigar de que forma as burocracias partidárias se comportam e se articulam para obter recursos via convênios. Além disso, também será preciso observar as capacidades técnico-relacionais dos estados da federação para pleitear projetos na área.

No que tange às áreas de políticas públicas de segurança mais beneficiadas, o Gráfico 6 aponta que a pasta foi a que mais recebeu convênios (77%). Na sequência, vêm as políticas voltadas a acesso à justiça (11%), proteção social (7%) e aprimoramento da execução penal (5%).

Gráfico 6
Convênios celebrados pelo MJSP com entes subnacionais, por grupo de destinação (2008-2022)

A Tabela 1 apresenta a distribuição de convênios e recursos por grupo. As categorias e as subcategorias foram construídas com base na análise do material empírico.

Tabela 1
Distribuição de convênios e recursos alocados, por grupo de política pública, celebrados pelo MJSP com os entes subnacionais (2008-2022)

Em relação ao primeiro bloco, voltado às políticas de segurança pública, há maior atenção do MJSP às ações direcionadas ao aspecto material e de infraestrutura da política, dada a relevância das áreas de “Apoio a Estruturação, Reaparelhamento, Modernização Organizacional e Tecnológica das Instituições de Segurança Pública” e “Equipamentos, Execução de Custeio, Obras e Serviços de Engenharia”. Também é importante apontar que ações voltadas à capacitação da burocracia implementadora da política foram realizadas, no período estudado, em ações como “Educação e Valorização dos Operadores de Segurança Pública”. As temáticas voltadas ao aprimoramento de execução penal, proteção social e acesso à justiça receberam uma atenção diminuta no período estudado, indicando menor interesse nessas pautas em detrimento do tema da “Segurança pública”.

Um amplo conjunto de convênios dialoga com o terceiro paradigma da segurança pública, indicado por L. M. Madeira e Rodrigues (2015Madeira, L. M.; & Rodrigues, A. B. (2015). Novas bases para as políticas públicas de segurança no Brasil a partir das práticas do governo federal no período 2003-2011. Revista de Administração Pública, 49(1), 3-22. Recuperado de https://doi.org/10.1590/0034-76121702
https://doi.org/10.1590/0034-76121702...
), inclinado ao conceito de segurança cidadã. Um exemplo que pode ser identificado são os investimentos em áreas como “Sistema Integrado de Prevenção de Violência e Criminalidade”, “Políticas Contra as Drogas” e “Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania”. Não é objetivo do presente estudo investigar a vinculação conceitual entre os projetos e os paradigmas de segurança pública, ou mesmo verificar os efeitos dos referidos projetos em nível local. Futuras investigações poderão explorar essas dimensões. Além disso, outros estudos também poderão se ater mais aos convênios celebrados após a criação do SUSP, em 2018, e a de que modo as políticas financiadas dialogam com as estratégias presentes no Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSP) da União, bem como de seus entes subnacionais. Ainda não está claro de que maneira os objetivos dos convênios dialogam (ou não) com os objetivos do plano federal e dos entes subnacionais.

Segundo Bichir et al. (2020Bichir, R., Simoni, S., Jr., & Pereira, G. (2020). Sistemas nacionais de políticas públicas e seus efeitos na implementação o caso do Sistema Único de Assistência Social (Suas). Revista Brasileira de Ciências Sociais, 35(102), e3510207. Recuperado de https://doi.org/10.1590/3510207/2020
https://doi.org/10.1590/3510207/2020...
), o Governo Federal tem um amplo conjunto de instrumentos de distribuição de recursos aos entes subnacionais. Identificou-se que, dado o arranjo institucional, o Poder Legislativo é um ator importante na distribuição de recursos voltados ao campo da segurança pública, enquanto o MJSP, representando o Poder Executivo, tem deixado de ser o protagonista desse sistema. Além disso, haja vista que as emendas são frutos de demandas situacionais e atomizadas dos parlamentares, suscetíveis a processos de barganha política, corre-se o risco de haver sobreposição de recursos em determinadas regiões, e a preocupação com equidade do financiamento fica em segundo plano.

Futuras investigações poderão discutir quais são as lógicas de decisão dos atores sociais quanto à alocação de recursos e de que forma os governos estaduais se articulam com suas bancadas de deputados a fim de obter recursos para determinadas áreas de políticas públicas, em especial a segurança pública. Os convênios, pensados como um tipo de transferência voluntária de recursos da União, são instrumentos de fomento a certas atividades no país e precisam ser pensados com uma estratégia mais abrangente.

5. CONCLUSÃO

O presente trabalho teve por objetivo analisar, segundo discussões sobre instrumentos de políticas públicas e da bibliografia que versa acerca das políticas de segurança pública no Brasil, o perfil das transferências voluntárias da União celebradas pelo MJSP com os diversos entes subnacionais brasileiros. Verificou-se que, ao longo dos anos, aumentou a participação do Congresso Nacional na destinação de recursos orçamentários, corroborando o estudo de M. F. G. Silva e Teixeira (2022Silva, M. F. G.; & Teixeira, M. A. C. (2022). A política e a economia do governo Bolsonaro: uma análise sobre a captura do orçamento. Cadernos Gestão Pública e Cidadania, 27(86), e85574. Recuperado de https://doi.org/10.12660/cgpc.v27n86.85574
https://doi.org/10.12660/cgpc.v27n86.855...
), que evidenciaram o robusto crescimento do Congresso, impulsionado pelo fenômeno conhecido como “orçamento impositivo”, o qual permitiu o crescimento do poder de destinação de recursos mediante emendas parlamentares. Associado a isso, o interesse parlamentar em pautas atreladas à segurança pública (Quadros & R. M. Madeira, 2018Quadros, M. P. R.; & Madeira, R. M. (2018). Fim da direita envergonhada? Atuação da bancada evangélica e da bancada da bala e os caminhos da representação do conservadorismo no Brasil. Opinião Pública, 24(3), 486-522. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1807-01912018243486
https://doi.org/10.1590/1807-01912018243...
) se reflete na celebração dos convênios.

O artigo defende a tese de que os convênios celebrados pelo MJSP com os entes subnacionais são uma dimensão importante para pensar políticas de segurança pública no Brasil, tendo em vista seu caráter alocativo de recursos financeiros e discricionário em relação à temática de investimento. Identificou-se que o atual arranjo institucional permite que os convênios, entendidos como instrumentos de políticas públicas, sejam alocados para as áreas de maior interesse dos parlamentares e dos atores políticos em cargos de decisão. Há uma crescente alocação em determinadas regiões do país (Sudeste e Sul) e um imenso vazio assistencial em estados do Norte, do Centro-Oeste e do Nordeste.

Com base nas proposições de Bichir et al (2020Bichir, R., Simoni, S., Jr., & Pereira, G. (2020). Sistemas nacionais de políticas públicas e seus efeitos na implementação o caso do Sistema Único de Assistência Social (Suas). Revista Brasileira de Ciências Sociais, 35(102), e3510207. Recuperado de https://doi.org/10.1590/3510207/2020
https://doi.org/10.1590/3510207/2020...
), torna-se necessário que o MJSP, responsável por coordenar o SUSP, estabeleça um sistema coordenado, informado por evidências, e que garanta a equidade na distribuição dos recursos. O artigo corrobora os achados de Dutra e Souza (2022Dutra, W. Z.; Souza, T. A. (2022). A (des)articulação federativa na pauta penal: uma análise dos repasses de recursos financeiros do Funpen aos governos estaduais. Revista Brasileira de Segurança Pública, 16(2), 154-181. Recuperado de https://doi.org/10.31060/rbsp.2022.v16.n2.1348
https://doi.org/10.31060/rbsp.2022.v16.n...
) de que a distribuição de recursos por parte do MJSP aos entes subnacionais é difusa, carece de coordenação e estabelecimento de critérios técnicos. O artigo também contribui com esforços já conduzidos por Peres et al. (2014Peres, U. D.; Bueno, S., Leite, C. K. S.; & Lima, R. S. (2014). Segurança pública: reflexões sobre o financiamento de suas políticas públicas no contexto federativo brasileiro. Revista Brasileira de Segurança Pública, 8(1), 132-153. Recuperado de https://revista.forumseguranca.org.br/index.php/rbsp/article/view/361
https://revista.forumseguranca.org.br/in...
) no que diz respeito à compreensão do papel da União como financiadora das políticas no campo da segurança pública.

O artigo abre um importante leque de possibilidades de investigação acadêmica sobre a temática da segurança pública e seu financiamento. O campo de estudo já se preocupa com a inserção de profissionais da segurança pública no Legislativo e, a partir de agora, poderá também se dedicar a compreender que tipo de convênio esses parlamentares estão elaborando e quais políticas estão sendo desenvolvidas em âmbito local.

Verificou-se ainda que a maior parte dos convênios celebrados pelo MJSP é destinada à área de infraestrutura da política. Essas áreas de destinação também sugerem uma sintonia entre o que é financiado e o terceiro paradigma da segurança pública (L. M. Madeira & Rodrigues, 2015Madeira, L. M.; & Rodrigues, A. B. (2015). Novas bases para as políticas públicas de segurança no Brasil a partir das práticas do governo federal no período 2003-2011. Revista de Administração Pública, 49(1), 3-22. Recuperado de https://doi.org/10.1590/0034-76121702
https://doi.org/10.1590/0034-76121702...
), voltado ao conceito de segurança cidadã, prevenção da violência e capacitação da burocracia implementadora.

O estudo argumenta, por fim, que a estruturação do SUSP deve ser realizada de forma a compreender, com base em evidências cientificas, as principais necessidades e demandas regionais vinculadas à segurança pública, a fim de construir programas que distribuam recursos de acordo com as necessidades regionais. A discussão dos instrumentos de políticas públicas (Direito & Koga, 2020Direito, D. C.; Koga, N. M. (2020). Instrumentos e integração de políticas públicas: a rede do Cadastro Único. Revista de Administração Pública, 54(5), 1286-1306. Recuperado de https://doi.org/10.1590/0034-761220190092
https://doi.org/10.1590/0034-76122019009...
; L. L. Lima et al., 2021Lima, L. L., Aguiar, R. B., Lui, L. (2021). Conectando problemas, soluções e expectativas: mapeando a literatura sobre análise do desenho de políticas públicas. Revista Brasileira de Ciência Política, 36, e246779. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/0103-3352.2021.36.246779
https://doi.org/10.1590/0103-3352.2021.3...
) aplicada ao referido objeto empírico se mostrou interessante. Dessa forma, futuros estudos poderão investigar o impacto e a efetividade desses investimentos em nível local.

REFERÊNCIAS

  • Bichir, R., Simoni, S., Jr., & Pereira, G. (2020). Sistemas nacionais de políticas públicas e seus efeitos na implementação o caso do Sistema Único de Assistência Social (Suas). Revista Brasileira de Ciências Sociais, 35(102), e3510207. Recuperado de https://doi.org/10.1590/3510207/2020
    » https://doi.org/10.1590/3510207/2020
  • Bueno, S. (2017). O papel da União no financiamento das políticas de segurança pública (Boletim de Análise Político-Institucional, n. 11). Brasília, DF: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Recuperado de http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/8065
    » http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/8065
  • Direito, D. C.; Koga, N. M. (2020). Instrumentos e integração de políticas públicas: a rede do Cadastro Único. Revista de Administração Pública, 54(5), 1286-1306. Recuperado de https://doi.org/10.1590/0034-761220190092
    » https://doi.org/10.1590/0034-761220190092
  • Dutra, W. Z.; Souza, T. A. (2022). A (des)articulação federativa na pauta penal: uma análise dos repasses de recursos financeiros do Funpen aos governos estaduais. Revista Brasileira de Segurança Pública, 16(2), 154-181. Recuperado de https://doi.org/10.31060/rbsp.2022.v16.n2.1348
    » https://doi.org/10.31060/rbsp.2022.v16.n2.1348
  • Kopittke, A. L.; Ramos, M. P. (2021). O que funciona e o que não funciona para reduzir homicídios no Brasil: uma revisão sistemática. Revista de Administração Pública, 55(2), 414-437. Recuperado de https://doi.org/10.1590/0034-761220190168
    » https://doi.org/10.1590/0034-761220190168
  • Lima, L. L., Aguiar, R. B., Lui, L. (2021). Conectando problemas, soluções e expectativas: mapeando a literatura sobre análise do desenho de políticas públicas. Revista Brasileira de Ciência Política, 36, e246779. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/0103-3352.2021.36.246779
    » https://doi.org/10.1590/0103-3352.2021.36.246779
  • Lui, L.; & Miquelino, W. (2023). Evolução dos convênios celebrados pelo Ministério da Agricultura com os entes subnacionais no Brasil. Revista de Economia e Sociologia Rural, 61(4), e266689. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1806-9479.2022.266689
    » https://doi.org/10.1590/1806-9479.2022.266689
  • Lui, L.; Schabbach, L. M.; & Nora, C. R. D. (2020). Regionalização da saúde e cooperação federativa no Brasil: o papel dos consórcios intermunicipais. Ciência & Saúde Coletiva, 25(12), 5065-5074. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1413-812320202512.03752019
    » https://doi.org/10.1590/1413-812320202512.03752019
  • Madeira, L. M.; & Rodrigues, A. B. (2015). Novas bases para as políticas públicas de segurança no Brasil a partir das práticas do governo federal no período 2003-2011. Revista de Administração Pública, 49(1), 3-22. Recuperado de https://doi.org/10.1590/0034-76121702
    » https://doi.org/10.1590/0034-76121702
  • Meireles, F. (2019). Alinhamento partidário e demanda por transferências federais no Brasil. Revista de Administração Pública, 53(1), 173-194. Recuperado de https://doi.org/10.1590/0034-761220170282
    » https://doi.org/10.1590/0034-761220170282
  • Meireles, F. (2024). Política distributiva em coalizão. Dados, 67(1), e20210135. Recuperado de https://doi.org/10.1590/dados.2024.67.1.308
    » https://doi.org/10.1590/dados.2024.67.1.308
  • Novello, R. H.; & Alvarez, M. C. (2022). Da ‘bancada da segurança’ à ‘bancada da bala’: deputados-policiais no Legislativo paulista e discursos sobre segurança pública. Dilemas - Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, 15(1), 81-101. Recuperado de https://doi.org/10.4322/dilemas.v15n1.41474
    » https://doi.org/10.4322/dilemas.v15n1.41474
  • Peres, U. D.; Bueno, S., Leite, C. K. S.; & Lima, R. S. (2014). Segurança pública: reflexões sobre o financiamento de suas políticas públicas no contexto federativo brasileiro. Revista Brasileira de Segurança Pública, 8(1), 132-153. Recuperado de https://revista.forumseguranca.org.br/index.php/rbsp/article/view/361
    » https://revista.forumseguranca.org.br/index.php/rbsp/article/view/361
  • Plataforma +Brasil. (2022). Portal Recuperado de https://portal.plataformamaisbrasil.gov.br/maisbrasil-portal-frontend/
    » https://portal.plataformamaisbrasil.gov.br/maisbrasil-portal-frontend/
  • Quadros, M. P. R.; & Madeira, R. M. (2018). Fim da direita envergonhada? Atuação da bancada evangélica e da bancada da bala e os caminhos da representação do conservadorismo no Brasil. Opinião Pública, 24(3), 486-522. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1807-01912018243486
    » https://doi.org/10.1590/1807-01912018243486
  • Sampaio, R.; & Lycarião, D. (2018). Eu quero acreditar! Da importância, formas de uso e limites dos testes de confiabilidade na análise de conteúdo. Revista de Sociologia e Política, 26(6), 31-47. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1678-987318266602
    » https://doi.org/10.1590/1678-987318266602
  • Schabbach, L. M. (2014) A agenda da segurança pública no Brasil e suas (novas) políticas. In L. M. Madeira (Org.), Avaliação de políticas públicas (pp. 216-231). Porto Alegre, RS: UFRGS. Recuperado de https://www.ufrgs.br/cegov/files/pub_37.pdf
    » https://www.ufrgs.br/cegov/files/pub_37.pdf
  • Silva, C. R.; Carvalho, B. G.; Cordoni, L., Jr.; & Nunes, E. F. P. A. (2017). Dificuldade de acesso a serviços de média complexidade em municípios de pequeno porte: um estudo de caso. Ciência & Saúde Coletiva, 22(4), 1109-1120. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1413-81232017224.27002016
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232017224.27002016
  • Silva, M. F. G.; & Teixeira, M. A. C. (2022). A política e a economia do governo Bolsonaro: uma análise sobre a captura do orçamento. Cadernos Gestão Pública e Cidadania, 27(86), e85574. Recuperado de https://doi.org/10.12660/cgpc.v27n86.85574
    » https://doi.org/10.12660/cgpc.v27n86.85574
  • Tesser, C. D.; & Poli, P., Neto. (2017). Atenção especializada ambulatorial no Sistema Único de Saúde: para superar um vazio. Ciência & Saúde Coletiva, 22(3), 941-951. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1413-81232017223.18842016
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232017223.18842016

Pareceristas:

  • 5
    Jamil Civitarese (New York University, New York / NY - United States of America) https://orcid.org/0000-0002-8170-1356
  • 6
    Sabrina Oliveira de Figueiredo (Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória / ES - Brasil) https://orcid.org/0000-0002-3302-9489
  • 7
    Thaís Battibugli (Centro Universitário Padre Anchieta, Jundiaí / SP - Brasil) https://orcid.org/0000-0002-7122-8470
  • Relatório de revisão por pares: o relatório de revisão por pares está disponível neste link. https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/88614/83349

Editado por

Alketa Peci (Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro / RJ - Brasil) https://orcid.org/0000-0002-0488-1744
Gabriela Spanghero Lotta (Fundação Getulio Vargas, São Paulo / SP - Brasil) https://orcid.org/0000-0003-2801-1628

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    May-Jun 2023

Histórico

  • Recebido
    29 Dez 2022
  • Aceito
    25 Abr 2023
Fundação Getulio Vargas Fundaçãoo Getulio Vargas, Rua Jornalista Orlando Dantas, 30, CEP: 22231-010 / Rio de Janeiro-RJ Brasil, Tel.: +55 (21) 3083-2731 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rap@fgv.br