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"Caindo na cana" com Marilyn Monroe: tempo, espaço e "bóias-frias"

Resumos

Neste artigo pretendo discutir um drama social ("cair na cana") que marca a passagem para uma condição ambígua, liminar. Se uma das experiências associadas ao "modernismo" é a de vivermos simultaneamente em tempos e espaços diferentes, certamente os "bóias-frias" são nossos contemporâneos modernistas. Paradoxalmente, em se tratando de uma imagem que certamente seduziu alguns campos intelectuais durante os anos 70 e 80, teriam as tentativas de definir o "bóia-fria", transformando imagem em categoria, contribuindo para a sua constituição em uma espécie de fóssil recente da produção academica?

"Bóia-fria"; tempo; espaço; imagem dialética; ritual


In this article I intend to discuss a social drama ("falling in the cane") which marks the passage to an ambiguous and liminal social condition. If "modernism" has to do with living in different times and spaces simultaneously, certainly the "bóias-frias" are our "modernist" comtemporaries. Paradoxacally, considering that we are dealing with a tensio-packed image which certainly seduced intellectual groups during the seventies and eighties, we may venture to inquire whether the attempts to define the "bóia-fria", tuning image into category, contributed to the formation of a sort of recent fossil of academic production.

"Bóia-fria"; time; space; dialectical image; ritual


"Caindo na cana" com Marilyn Monroe: Tempo, espaço e "bóias-frias"

John Cowart Dawsey

"and it seems to me you lived your life

like a candle in the wind, never knowing who to cling to

when the rain set in".1 1 "...e eu penso que você viveu como uma vela no vento, sem nunca saber a quem recorrer no tempo da chuva" (minha tradução).

("Candle in the wind", música de Elton John e

Bernie Taupin, dedicada a Marilyn Monroe)

RESUMO: Neste artigo pretendo discutir um drama social ("cair na cana") que marca a passagem para uma condição ambígua, liminar. Se uma das experiências associadas ao "modernismo" é a de vivermos simultaneamente em tempos e espaços diferentes, certamente os "bóias-frias" são nossos contemporâneos modernistas. Paradoxalmente, em se tratando de uma imagem que certamente seduziu alguns campos intelectuais durante os anos 70 e 80, teriam as tentativas de definir o "bóia-fria", transformando imagem em categoria, contribuindo para a sua constituição em uma espécie de fóssil recente da produção academica?

PALAVRAS-CHAVE: "Bóia-fria", tempo, espaço, imagem dialética, ritual...

A primeira vez em que subi na carroceria de um caminhão de "bóias-frias" nesse ritual de um antropólogo supostamente virando "bóia-fria" para virar antropólogo, me deparei com o rosto de Marilyn Monroe na camiseta de uma moça. Outras camisetas traziam inscrições estranhamente familiares: "Harvard University", "Hollywood ¾ Sucesso" e "Space Invaders". De alguma forma reconheci alguns dos meus próprios devaneios e fantasmas nas camisetas desses novos companheiros de viagem. Estas inscrições, no entanto, não eram mais fantasmagóricas que os rostos sobre os quais a sociedade havia inscrito "bóia-fria". Nem eram mais fantasmagóricas que o antropólogo.

Neste artigo pretendo discutir um acontecimento ao qual as pessoas às vezes chamam de "cair na cana". Não se nasce "bóia-fria". Torna-se. Torna-se? Quero discutir esse "tornar-se" em relação às concepções de tempo e de espaço que nos situam no universo. Certamente estou falando sobre processos que afetam a todos nós.

Creio que ao falarmos do "bóia-fria" estamos tratando mais de uma imagem ¾ uma imagem carregada de tensões ¾ do que de uma identidade. Trata-se de uma experiência vivida como algo desconcertante. Um deslocamento da subjetividade. Seria o "bóia-fria" a projeção de uma experiência recalcada de agramaticalidade generalizada? Creio que neste espelho a própria imagem de um Brasil híbrido, tal como a que ganha vida nas interpretações de Roberto da Matta, oscila, decompõe¾se, e irrompe transfigurada numa contra-imagem carregada de tensões não resolvidas. Tentar definir o "bóia-fria" em termos de uma suposta identidade seria uma forma de recalcar a experiência caleidoscópica do deslocamento? Paradoxalmente, em se tratando de uma imagem que certamente seduziu alguns campos intelectuais durante os anos 70 e 80, as tentativas de definir o "bóia-fria", transformando imagem em categoria, teriam contribuído para a sua transformação em uma espécie de fóssil recente da produção acadêmica?

"Uma estória que eles contam sobe eles mesmos"

As minhas primeiras anotações em caderno de campo sobre "caindo na cana" são de julho de 1983, Piracicaba, escritas à noite num cômodo apegado ao barraco da família de "Dona Maria dos Anjos" e "Seu José". "Dona Maria dos Anjos", geralmente bastante conversadeira, estava quieta. Apenas o barulho da pedra raspando contra uma lâmina de ferro quebrava o silêncio. O menino, "Vilsinho", veio me contar: "Ó... Tá afiando o podão. Meu pai vai cair na roça!" Naquela noite "Dona Maria dos Anjos" fez um bolo de fubá. Mas não havia festa. O clima, que em muitas outras ocasiões era descontraído e irreverente, naquela noite estava tenso. "Dona Maria dos Anjos" embrulhou um pedaço do bolo numa folha de papel e enfiou na mochila do marido. Em cima da cadeira colocou o chapéu e a roupa que "Seu José" vestiria na manhã seguinte. "Vai caçar a botina do seu pai!" ¾ "Dona Maria dos Anjos" disse ao filho. Antes de dormir, num suspiro, ela falou: "O José vai cair na cana".

"Cair na cana" faz parte de um conjunto de experiências que marcam ou marcaram, mesmo que de forma passageira, a vida de muitas famílias de trabalhadores com raízes no campo, que vieram a Piracicaba e a outras cidades do interior de São Paulo. Não há dúvidas de que estas experiências são determinadas, em grande medida, pela "evolução das relações de produção", por processos referidos como "modernização", "industrialização da agricultura", e "penetração do capitalismo." O aparecimento, em Piracicaba, das primeiras favelas e de uma população significativa de "bóias-frias" em princípios dos anos 70 coincide com a construção do primeiro distrito industrial e instalação da Caterpillar, uma empresa multinacional agro-industrial. Relatos de alguns migrantes rurais que vivenciaram esses processos na época fazem a conexão: "os favelados construíram a Caterpillar, depois caiu tudo na cana." Porém, "cair na cana" não é simplesmente um produto da industrialização. Os trabalhadores também produzem esta experiência. Na forma pela qual a vivenciam, eles comunicam algo sobre si e sobre os outros. Ao "caírem na cana" interpretam corporalmente esse processo que chamamos de industrialização, e formam disposições2 2 Ou um habitus (Bourdieu, 1974). Claro, trata-se de pensar o habitus como algo que precede a experiência pela qual também é formado. , em relação às forças que atuam em seu meio. "Cair na cana" faz parte do "fazer-se" (Thompson, 1987) de trabalhadores residentes na periferia de cidades do interior paulista.

Se "cair na cana" é uma interpretação feita pelos próprios trabalhadores "bóias-frias" sobre relações de trabalho que vigoram durante a safra da cana e, num sentido maior, sobre transformações associadas à introdução destas relações de trabalho, esta interpretação assume a forma de uma dramatização. Neste drama os trabalhadores servem como os seus próprios atores e espectadores. O cenário certamente lhes é em grande parte pré-determinado. Porém, os elementos que constituem o cenário tomam vida, ganham movimento, e, às vezes, são alterados, deslocados ou reconstituídos pelas dramatizações criadas pelos trabalhadores. "Cair na cana" pode despertar emoções entre parentes e vizinhos. Às vezes, como no caso que acabei de relatar, um clima tenso, de expectativa, precede o acontecimento. É um ato que, no contexto das trajetórias de vida de muitas famílias, provoca reações3 3 "Cair na cana" pode ser comparado a outros dramas vivenciados por trabalhadores e descritos na literatura antropológica. Remeto o leitor ao trabalho de Margarida Moura (1988) sobre processos de despejo entre agregados do Vale do Jequitinhonha. Ver também a experiência do "desnudamento" de trabalhadores aliciados pela Companhia de Tecidos Paulista no periodo de 1920 a 1950 descrita por José Sérgio Leite Lopes (1988:39-58). .

Quando "Pagé", que se dizia carpinteiro de profissão, "caiu na cana", os seus amigos e vizinhos de "saravá" zombaram: "Pagé pé-de-cana! Bóia-fria!" "Lourinho" que também "caiu na cana" ficou com tanta raiva que arremessou o podão no mato e nunca mais voltou ao canavial. "Barnabé" brigou com o "gato" e teve que voltar a pé do canavial para a cidade, chegando em casa de madrugada. Outra pessoa me disse que um conterrâneo seu de Minas Gerais que havia "caído na cana" ficou desgostoso da vida e se deitou na linha do trem. Na madrugada em que "Bidú" "caiu na cana", ele tomou uma "bóia-quente" (pinga) com o seu café e, entre risos rabelaisianos, subiu no caminhão.

Seria significativo, talvez, se uma pesquisa empírica revelasse que grande parte ou a maioria dos trabalhadores que mora na periferia de Piracicaba já passou, uma vez ou outra, pela experiência de "cair na cana". Porém, a importância que esta experiência tem para moradores não se traduz simplesmente por dados quantitativos. "Cair na cana" torna-se significativo principalmente porque diz algo sobre transformações que afetam a todos, mesmo os que nunca cortaram cana. Ao "caírem na cana", trabalhadores dizem algo sobre essas transformações. "Cair na cana" é uma leitura de famílias de migrantes rurais sobre a sua experiência. Usando a formulação clássica de Geertz (1978:316), é "uma estória sobre eles que eles contam a si mesmos."

"Tempo de fartura" e "tempo do dinheiro"

No barraco, entre as três e cinco horas, matinalmente, "Ico" e seu pai, o "Seu José", lutavam com um velho rádio-relógio. "Ico! Ico! A hora!" Os ruídos do rádio arranhavam as paredes dos ouvidos e do barraco. No escuro "Ico" sintonizava uma das estações de música sertaneja. Entre uma música e outra, o locutor informava as horas e os minutos: "Cinco e quinze! Levanta vagabundo! É hora de trabalhar! Cinco e quinze e ainda tá na cama?! Dona de casa, joga água na cara dele!"

Leach (1974:207) nos diz que tempo e espaço são invenções culturais: "Falamos na medida do tempo, como se o tempo fosse uma coisa concreta a ser medida; mas de fato nós criamos o tempo através da criação de intervalos na vida social. Até que tivéssemos feito isso, não havia tempo para ser medido" (grifo do autor). Talvez para leitores mais que familiarizados com lutas tais como as do "Seu José" e "Ico", não seja difícil ter a sensação de que o relógio seria uma invenção que contraria a própria natureza.

No seu trabalho clássico sobre os Nuer, Evans-Pritchard produz um espelho no qual vemos, por meio de um jogo de imagens invertidas, as nossas lutas contra relógios. Evans-Pritchard (1978:116) diz: "(os) Nuer não possuem uma expressão equivalente ao `tempo' de nossa língua e, portanto, não podem, como nós podemos, falar do tempo como se fosse algo de concreto, que passa, pode ser perdido, pode ser economizado, e assim por diante. Não creio que eles jamais tenham a mesma sensação de lutar contra o tempo ou de terem que coordenar as atividades com uma passagem abstrata do tempo, porque seus pontos de referência são principalmente as próprias atividades que, em geral, têm um caráter de lazer. Os acontecimentos seguem uma ordem lógica, mas não são controlados por um sistema abstrato, não havendo pontos de referência autônomos aos quais as atividades devem se conformar com precisão. Os Nuer têm sorte."

Thompson (1989) também tende a naturalizar concepções de tempo que seriam anteriores a cosmologias do capitalismo industrial. Os diferentes sistemas de marcar os intervalos, como as horas, relacionam¾se a distintas relações de trabalho. Assim, em sociedades camponesas ou em vilas de pescadores, as atividades de trabalho dependem em boa parte do ritmo "natural" do tempo (frio ou calor, dia ou noite, marés). O ritmo do tempo acompanha o das tarefas a serem feitas; as pessoas se orientam de acordo com os afazeres sociais. Eis o que Thompson chama de task orientation. Em comunidades onde prevalece esta concepção de tempo, nota-se pouca separação entre "trabalho" e "vida". O próprio trabalho está imerso nas relações sociais.

Usando o espelho etnográfico, Taussig (1980:5) tira suas conclusões: "Para nós, [...] [o tempo] é uma abstração, mas também uma substância; ele passa, pode ser perdido, guardado, e assim por diante. Além disso, tratamos do tempo como se fosse um ser animado; lutamos contra ele. O tempo se transforma em algo abstraído das relações sociais devido ao caráter específico destas relações, e também se transforma em substância animada. Vejo isto como uma ilustração particular do fetichismo da mercadoria. Produtos das interrelações das pessoas deixam de ser vistos enquanto tais, sendo considerados como se estivessem acima das pessoas, controlando-as, e de alguma forma vital até mesmo as produzindo." (minha tradução). Tempo fetiche.

Pode ser difícil saber de onde vem esta nostalgia, se do antropólogo ou de seus "outros" etnográficos. "Na época em que meu pai era vivo..." Assim "Dona Maria dos Anjos" ocasionalmente começava os seus "causos" quando queria evocar um passado de "fartura". "Podia chegar com fome, não importava quem fosse, ele dava de comer; podia ser gente estranha, não deixava passar fome". Claro, "fartura" nesse caso sinaliza mais do que quantidade ou qualidade de comida. Trata-se de um código de sociabilidade, ou mesmo, conforme poderia sugerir uma arqueologia de linguagens ao estilo de Marcel Mauss, uma modalidade de troca.

"Naquele tempo plantava prá comer, hoje é só cana. Plantação de pobre é milho, arroz, feijão, mandioca. Só prá comer. Plantação de rico é prá ficar rico, fazer dinheiro. Mas quem faz a riqueza do rico é o pobre". Estas falas podem evocar lembranças de discussões antigas, tais como as de Aristóteles sobre valores de uso e de troca (mercadoria), retomadas por Karl Marx para expressar tanto a indignação quanto os sonhos de uma época. O capitalismo contrariou princípios de falas antigas. Erich Fromm (1965:130) contrasta princípios medievais e modernos: "No sistema medieval o capital era o servo do homem, mas no sistema moderno ele se tornou senhor. No mundo medieval as atividades econômicas eram um meio tendo em vista uma finalidade; a finalidade era a própria vida, ou ¾ no entendimento da Igreja Católica ¾ a salvação espiritual do homem. Atividades econômicas são necessárias, até mesmo as riquezas podem servir aos propósitos de Deus, mas toda a atividade externa tem significado e dignidade apenas na medida em que promove as finalidades da vida. A atividade econômica e o desejo de lucro como fins em si mesmos pareciam tão irracionais quanto a sua ausência parece ser para o pensamento moderno." (minha tradução).

Tenho a convicção de que as pessoas com as quais convivia eram tão "pós-modernas" quanto "medievais", mas quando o "Seu Pinheiro" dizia solenemente que "todo homem merece proteção e cuidado", o seu interlocutor antropológico não deixava de configurar mentalmente um "habitus" e uma "história incorporada" de "lavrador-católico-do-Norte-de-Minas", recém convertido ao metodismo, que ainda se espantava com as tendências dessacralizantes de novos tempos e espaços.

Alguns moradores evocavam lembranças de mutirões, cantorias e conversas demoradas ao redor de fogões de lenha. A comida teria sido mais saborosa; "hoje tem que fazer tudo com pressa". "Até mesmo prá nascer tem que marcar hora...; as mães cai tudo na faca, só cesárea (partos cesareanos)." "As festas antigamente varavam a noite, festa de três, quatro dias, uma semana, às vezes mais; hoje é baile de uma noite só; mesmo assim o pessoal não agüenta, vai embora cedo."

Nostalgia por um tempo em que o tempo teria sido concebido de outra forma? Nostalgia por ficções? Ou, seria esta nostalgia a reação de quem percebe a realidade do presente enquanto ficção? Seria a nostalgia uma forma de desconstruir os fundamentos cosmológicos dessa realidade do presente? Seria, enfim, uma forma de desrealizar o real?

Eventos freqüentemente marcam a passagem no tempo. Creio que "cair na cana" sinaliza, além de uma passagem no tempo, a percepção de uma mudança de concepções de tempo. Muitas vezes dramatiza a passagem de um passado idealizado enquanto "tempo de fartura" para um presente visto como "tempo de fome e escassez". Mulheres de um caminhão de turma, entrevistadas por Verena Martinez-Alier (1975) nos anos 70, contrastam um passado recente lembrado como um "tempo de fartura" e um agora representado como o "tempo do dinheiro". Os lavradores que estavam virando "bóias-frias" em Mossâmedes, Goiás, entrevistados por Carlos Rodrigues Brandão (1984) nos anos 70, também falavam de um "tempo antigo", caracterizado pela "fartura", e dos "dias de hoje", caracterizados pela "ambição".

Ao representarem as transformações, trabalhadores associam "dinheiro" com "fome". "Tempo do dinheiro" contrapõe-se ao "tempo de fartura". "Tempo do dinheiro" é tempo de comida mais fraca, comida fria, "bóia-fria" (Woortmann 1986).

Essa experiência pode sugerir que não estamos muito longe dos séculos XVIII e XIX evocados por Polanyi (1968:113) em suas interpretações a respeito do profundo estranhamento sentido por grande parte da população inglesa em relação ao uso da fome enquanto incentivo ao trabalho e engenharia política visando a constituição do "mercado livre". A ganância representava para muitos ingleses uma afronta a tradições antigas. Na linguagem de Thompson (1989b), contrariava princípios básicos de uma "economia moral" anterior.

Na favela em que realizei esta pesquisa, a fome e a morte eram ameaças constantes, capazes de irromper nos limiares da experiência cotidiana. Para quem depende do "ganho" para sobreviver e ganha por produção, seja por tonelada ou seja por metros de cana cortada, um dia em que não se vai à roça pode significar fome iminente.

Num desses dias, durante uma semana em que havia pouca cana para cortar, "Seu José" olhava do banquinho em frente ao seu barraco para urubus que, em círculos, sobrevoavam a favela: "Os urubu lá em cima tão com fome e tão de olho em quem tá com fome aqui em baixo, rê, rê."

Quando "Isaías" sofreu um acidente de trabalho, com um corte profundo na mão, ele parou de trabalhar. Logo a família se viu sem mantimentos, tendo que recorrer às redes de parentes e vizinhos. "Isaías" também recorreu à pinga. No dia em que seu filho de quatro anos de idade, em meio à vizinhança, chutou as panelas vazias de sua mãe na valeta porque estava com fome, "Neusa" se confrontou com "Isaías". Ofendido, "Isaías" bateu em "Neusa". Dando apoio à "Neusa", vizinhos e parentes cortaram relações com "Isaías". No dia seguinte, enfaixando a mão que ainda estava inflamada, "Isaías" voltou ao trabalho.

Ianni (1976:51) cita um trabalhador (entrevistado por Maria da Conceição Quinteiro): "A gente vem prá cá por causa mesmo de dinheiro, porque a gente se mata demais." O "tempo do dinheiro" provoca inversões, espanto. "Cair na cana" dramatiza o espanto.

De sua parte, alguns observadores "ocidentais" têm demonstrado o seu espanto em relação à indiferença de povos "tradicionais" com o dinheiro ou outras formas de enriquecimento. Uma testemunha que visitou as minas de prata do Peru em 1840 cita o exemplo de um índio que comprou um relógio de ouro por 204 dólares (o salário médio semanal era de um dólar) e, após ter examinado o relógio por alguns minutos e visto que a coisa não lhe serviria para nada, despedaçou o relógio no chão (Taussig, 1980:207).

Weber (1958) nos fala do "tradicionalismo" dos povos que, ao receberem salários mais elevados, preferem diminuir suas jornadas de trabalho ao invés de aumentarem os seus ganhos. Do ponto de vista destes povos, Weber ensina, o irracional é a "ganância", esse desejo de fazer dinheiro a qualquer custo, mesmo em detrimento de princípios básicos de ajuda mútua e reciprocidade.

Não me espantei da mesma forma que alguns observadores "ocidentais". Espantosa talvez seja a idéia de que haja no mundo de hoje algo parecido com observadores "ocidentais" deparando-se com os povos "tradicionais". Claro, encontrei ou ouvi falar de pessoas, como eu, que preferiam não se "matar de trabalhar". Algumas excêntricas, tais como "Cabeça Branca", um ser quase mitológico, que, amarrando notas de dinheiro desvalorizado num barbante, as teria arrastado pelas ruas da cidade, dizendo "tudo mundo corre atrás do dinheiro, mas o dinheiro corre atrás de mim."

As turmas de "bóias-frias" com as quais andei eram freqüentemente menores nas segundas-feiras, o que me fazia lembrar das "Santas Segundas-Feiras" do século XVIII na Inglaterra, que encontrava nos textos de Thompson (1989a). Ao terminarem mais cedo os seus "eitos"4 4 Um "eito" é um conjunto de 5 ou 7 fileiras de cana a ser cortada por cada trabalhador. Nos anos 70 o "eito" era menor: 3 fileiras. , cortadores de cana no interior de São Paulo às vezes preferiam nadar em riachos próximos ao invés de começarem o corte de um novo "eito". Porém, seria difícil argumentar que trabalhadores "modernos" seriam mais motivados pelos ganhos oferecidos.

Tampouco encontrei "índios" despedaçando relógios (por mais que eu mesmo tenha me imaginado enquanto tal). As pessoas com as quais convivia conheciam bem a "utilidade" desses "moinhos do diabo", para usar a expressão do campesinato argelino encontrada por Bourdieu. Relógios circulavam nas redes de troca da favelas, às vezes de pulso em pulso, como símbolos de status e mercadorias altamente valorizadas. Algumas pessoas falavam de relógios com extrema sofisticação, pelo menos aos olhos deste observador, distinguindo modelos e configurações.

Em todo caso, demonstrações de desprezo ao dinheiro não eram raras. As história de vida do "Seu José", narradas por "Dona Maria dos Anjos", teciam-se freqüentemente em torno de alguns momentos dramáticos em que este homem "honesto e trabalhador" teria "perdido o juízo" jogando o dinheiro do pagamento no chão aos pés de patrões ou turmeiros. "O Zé não é gente não", dizia "Dona Maria dos Anjos" com uma pitada de humor. Por meio deste quase ritual, relações de trabalho estabelecidas a partir de acordos verbais eram rompidas ou, mediante reparos, reestabelecidas. Não se tratava simplesmente do desprezo ao dinheiro; a partir de um código de reciprocidade, desprezava-se uma contraprestação considerada insuficiente, ridícula.

Numa discussão bastante citada a respeito dos Nuer, Evans-Pritchard (1978:113, 114) escreve: "[O] tempo, para eles, consiste numa relação entre várias atividades (...) O relógio diário é o gado, o círculo de tarefas pastoris, e a hora do dia e a passagem do tempo durante o dia são para os Nuer, fundamentalmente, a sucessão dessas tarefas e as suas relações mútuas."

Na favela, creio que o relógio diário era, em grande parte, o círculo de tarefas de algumas mulheres que permaneciam durante o dia na vizinhança, mantendo redes de reciprocidade e articulando os seus afazeres com as idas e vindas de pessoas que se encontravam em movimento entre locais de trabalho e moradia. Se, de um lado, essas mulheres davam forma a uma noção de tempo que Thompson chama de "orientação às tarefas" (task-orientation), por outro, esperava-se delas freqüentemente o comportamento de um relógio. "Manoel Cavalo", que trabalhava numa empresa, xingou a sua mãe na madrugada em que ela deixou de "funcionar" conforme esperado, fazendo com que o filho "perdesse a hora" e colocando em risco o seu emprego. Com o apoio de vizinhas, a mãe de "Manoel Cavalo" se defendeu: "Não sou despertador!" Creio que o lado misterioso do cotidiano dessa experiência social tem a ver com a maneira com que concepções de tempo contrastantes se articulam, reificando-se nos movimentos corporais de mulheres. Trata-se de um mistério bastante cotidiano.

O "mapa do mundo"

O "Seu Pinheiro", recém-chegado a Piracicaba, certa vez desenhou para mim o "mapa do mundo" no chão de terra do seu barraco. Um círculo imenso representava Minas Gerais. Colado neste, dois círculos bem menores: os Estados do Paraná e São Paulo. Na periferia do último, um círculo minúsculo: os Estados Unidos da América. Neste gesto, ao incluir este último círculo no seu desenho do "mundo", creio que o "Seu Pinheiro" não apenas espelhava no chão de seu barraco uma imagem por mim às vezes projetada, ou seja, a de um americano para brasileiro ver, mas fazia um convite, introduzindo algumas de minhas teias sociais nas suas.

Eunice Durham (1978:136) nos fala de concepções de espaço de migrantes rurais: "Nenhuma migração pode ser compreendida exclusivamente como um deslocamento geográfico. As migrações representam também uma movimentação no universo social e é deste ponto de vista que elas nos interessam de modo particular. Mesmo porque, a própria definição do espaço e do ambiente geográfico é condicionada culturalmente. [...] O universo espacial do homem de campo é formado de lugares onde seus conhecidos estiveram, ou onde moram pessoas de sua relação. Espaço geográfico e espaço social se constituem como uma realidade única. [...] Uma família que se muda não vai apenas morar em outro lugar ¾ vai morar com outras pessoas. Desse modo, a movimentação é definida freqüentemente antes pela alteração nas relações sociais que pela modificação do lugar geográfico de residência."

Como interpretar o uso e consumo constante de produtos vindos do Norte de Minas Gerais entre migrantes rurais da mesma procedência, que "caíram na cana" no Estado de São Paulo? Faziam parte das estratégias de sobrevivência apropriadas para tempos de inflação, baixíssimos salários e desemprego recorrente? Provavelmente. Mas, quem sabe serviam para recompor teias sociais que eram significativas por outras razões também. Diziam algo, talvez, a respeito dos vínculos desses migrantes com uma terra, a qual, de certa forma, ainda pertenciam e em relação a qual sentiam emoções de quem ali havia feito a sua morada, em alguns casos com direitos à herança. Assim interpreto o uso do alho que "Dona Maria dos Anjos" pendurava num prego sobre a porta de sua cozinha, como também o plantio de urucum com sementes mineiras. Creio que as plantas medicinais mediavam tempos e espaços não apenas físicos mas cosmológicos, assim produzindo os seus efeitos terapêuticos. Eis uma forma para se entender algo da emoção com que "Dona Maria dos Anjos" repartia um requeijão de Minas trazido por parentes. Assim também interpreto o sentimento de dignidade que o "Seu José" transmitia ao colocar na cabeça o seu chapéu de couro macio do Norte de Minas Gerais, nas madrugadas em que se vestia para ir aos canaviais.

Estas práticas, que seduzem antropólogos a jogos de analogias etnográficas, podem ter o efeito de tornar o "exótico" mais familiar. Evans-Pritchard (1978:132) fala das ligações dos Nuer com a terra: "A força do sentimento tribal pode ser constatada pelo fato de que, algumas vezes, os homens que pretendem deixar a tribo onde nasceram para estabelecer-se permanentemente em outra tribo levam consigo um pouco da terra de sua região natal e a bebem numa solução de água, acrescentando devagar, a cada dose, uma quantidade maior da terra de sua nova região, rompendo, assim, os laços místicos com a antiga e construindo laços místicos com a nova. Disseram-me que, se um homem deixar de fazer isso, poderá vir a morrer de nueer, sanção que pune a infração de certas obrigações rituais."

Um dos dramas maiores do "bóia-fria", que o distingue inclusive de um Nuer sofrendo de nueer, pode ser esse: os alimentos (a bóia-fria) que ele consome no trabalho, sentado sobre a palha de cana cortada, não servem mais para fortalecer os seus vínculos com a terra, não falam mais das trocas recíprocas entre as pessoas, ou entre essas e a terra, seja a terra dos antepassados ou seja a terra das usinas, dos canaviais5 5 O esboço dessa idéia vem de uma conversa estimulante com Margarida Maria Moura em que comentamos trabalhos de Antônio Cândido, Carlos Rodrigues Brandão e José de Souza Martins. .

Quando entrei na favela pela primeira vez, senti como se estivesse pisando nos limiares de um espaço constituído a partir de princípios inversos aos do "panopticon" de Foucault. Os arranjos espaciais da favela se apresentavam à revelia de um espaço analítico, disciplinar. A favela se mostrava como realidade opaca, um aglomerado de barracos, labirinto de trilhas, um caos aparente a derrotar os impulsos iniciais e otimistas de um "olhar antropológico" ingênuo. O observador logo se viu sendo visto e observado. Mais do que me deparar com um "outro", vi-me sendo visto como tal.

Em Vigiar e Punir, Foucault(1983:131) diz: "Os aparelhos disciplinares] trabalham o espaço de maneira muito mais flexível e mais fina. E em primeiro lugar segundo o princípio da localização imediata ou do quadriculamento. Cada indivíduo no seu lugar; e em cada lugar, um indivíduo. Evitar distribuições por grupos; decompor as implantações coletivas; analisar as pluralidades confusas, maciças ou fugidias. O espaço disciplinar tende a se dividir em tantas parcelas quando corpos ou elementos há a repartir. É preciso anular os efeitos das repartições indecisas, o desaparecimento descontrolado dos indivíduos, sua circulação difusa, sua coagulação inutilizável e perigosa; tática de antideserção, de antivadiagem, de antiaglomeração. Importa estabelecer as presenças e as ausências, saber onde e como encontrar os indivíduos, instaurar as comunicações úteis, interromper as outras, poder a cada instante vigiar o comportamento de cada um, apreciá-lo, sancioná-lo, medir as qualidades ou os méritos. Procedimento, portanto, para conhecer, dominar e utilizar. A disciplina organiza um espaço analítico."

Segundo o princípio do quadriculamento, "cada indivíduo no seu lugar; e em cada lugar um indivíduo." Na favela, bens e pessoas circulavam. Quando bens se estacionavam, pessoas aglomeravam-se. Cada indivíduo em vários (inúmeros) lugares; e em cada lugar vários (inúmeros) indivíduos. Arranjos espaciais desenvolviam-se e alteravam-se conforme as tentativas de criar e manter essas redes de reciprocidade.

Trata-se, conforme a expressão de Roberto da Matta (1987:32), de um espaço "embebido" socialmente. Um espaço banhado em relações de sociabilidade. As tentativas de mapear barracos numa favela como essa podem ser frustrantes. Mapas de cidades tornam-se inúteis. É preciso que as pessoas se movimentem através de teias sociais. "O barraco do Seu Chico fica logo ali em baixo... do lado do chafariz... em frente ao barraco da Maria dos Anjos..."

As trilhas serpenteavam formando labirintos, num espaço social sem muros e quase sem cercas, introduzindo, quem por ali entrava, aos olhares na favela e aos próprios terreiros de barracos e redes de vizinhança. Das janelas ou portas abertas ouvia-se freqüentemente um "vamos chegar". Alguns passavam pedindo uma "benção", outros debochavam, ou simplesmente davam um "bom dia". Pessoas menos conhecidas às vezes pediam "licença" para passar. Quem não pertencesse a essas redes ou quem desconhecesse o que poderíamos, com a licença de Van Gennep, chamar literalmente de "rituais de passagem", entrava na favela e passava pelos barracos como "intruso".

Para morar na favela era preciso, de alguma forma, ser do "pedaço". Talvez por isso mesmo logo fiquei sendo conhecido como "João de Maria dos Anjos", uma espécie de apelido que me situou numa teia de relações. Um segundo apelido, "João Branco", serviria como sinal diacrítico. José Guilherme Cantor Magnani (1984:137, 139-40) escreve: "para ser do `pedaço' é preciso estar situado numa particular rede de relações que combina laços de parentesco, vizinhança, procedência. Enquanto o núcleo do `pedaço' apresenta um contorno nítido, suas bordas são fluidas e não possuem uma delimitação territorial precisa. O termo na realidade designa aquele espaço intermediário entre o privado (a casa) e o público, onde se desenvolve uma sociabilidade básica, mais ampla que a fundada nos laços familiares, porém mais densa, significativa e estável que as relações formais e individualizadas impostas pela sociedade."

A partir dessa discussão seria possível propor um quadro dicotomizante, uma realidade mítica talvez um pouco desinteressante devido a simplicidade dos seus termos: a favela como um suposto espaço de reciprocidade "sitiado" por outro, o espaço quadriculado da cidade envolvente. Neste esquema se oporiam as fantasmagorias reificadas: disciplina/sociabilidade; rua/favela.

Não se tratava, para a infelicidade deste aprendiz de hermeneuta, de uma dicotomia tão elegante e tão simples. Certamente concepções de espaço visando a preservação de redes de sociabilidade se articulavam em movimentos de resistência a projetos urbanizadores da prefeitura, que visavam a remoção de favelados. No entanto, a Associação de Favelados resistiu de forma paradoxal, promovendo por conta própria a urbanização das favelas. Trilhas e caminhos deram lugar a ruas; barracos foram enumerados e alinhados.

As iniciativas da Associação, apoiadas por muitos moradores, não deixaram de ser polêmicas. Durante uma das reuniões abertas, envolvendo moradores, de um lado, e engenheiros e técnicos de uma universidade, de outro, o companheiro de uma mãe de santo, tido como "inventor" de espingardas caseiras, deu um tiro para o alto, provocando tremores entre algumas das pessoas presentes. O gesto foi entendido como uma demonstração de oposição à abertura de uma rua na favela. O próprio presidente da Associação, porém, não se mostrou alterado: "O Celsão está na dele", comentou.

Alguns meses depois deste acontecimento, ao observar de sua janela a passagem de dois rapazes pela rua que agora estava sendo construída, a própria "Dona Maria dos Anjos", cujo genro e marido eram fundadores da Associação de Favelados, comentou laconicamente: "Não sei se essa rua vai ser boa, não; acho que vai aumentar a malandragem; vai entrar gente estranha aqui."

Creio que essa polêmica nos coloca diante de concepções de tempo e espaço contrastantes que, no entanto, incorporavam-se simultaneamente na experiência de muitas pessoas, algumas das quais eu viria a conhecer também nos canaviais quando, além de "faveladas", tornavam-se "bóias-frias".

"Quando a gente caiu nesse buraco..." Dessa forma "Dona Maria dos Anjos" e outros contadores de histórias às vezes iniciavam suas narrativas sobre o povoamento da favela. A existência de diversos grupos na favela possibilitava a configuração de um espaço híbrido. Da janela de sua cozinha, "Dona Maria dos Anjos" às vezes percorria um imaginário geográfico em que se destacavam aglomerados de barracos de paranaenses, no alto da favela; mosaicos piracicabanos, mais em baixo, próximos ao barraco do "saravá"; redes de vizinhos do Norte de Minas Gerais; e barracos salpicados de um cearense aqui, um sergipano ali, e alguns baianos mais adiante. No entanto, para os propósitos daquilo que ainda está para ser dito sobre a experiência de "cair na cana", trata-se de salientar não apenas o fato de ser híbrido o espaço da favela, mas eram híbridas também, como acabamos de ver, as formas em que esse espaço era concebido.

Como em breve deverá ficar claro, ao olharmos mais de perto a experiência dos chamados "bóias-frias", esta discussão sobre o "cair no buraco", que não deixa de ser uma dramatização da experiência de tornar-se favelado, serve de prelúdio e homologia à interpretação que darei a outro drama, o "cair na cana", anunciado no início deste texto e agora, caro leitor, objeto novamente de nossa atenção.

A maioria das pessoas com as quais conversei falavam dessas experiências do ponto de vista de migrantes rurais que viram um "tempo de fartura" interrompido, e seus vínculos com a terra enfraquecidos. Porém, a experiência de "cair na cana", assim como a de tornar-se "favelado", também pode marcar a interrupção de tentativas de ascensão social dentro de uma concepção de "tempo do relógio", na perspectiva de que "tempo é dinheiro". É o caso, talvez, de favelados piracicabanos que "construíram a Caterpillar e depois caiu tudo na cana". Ou então, é o que ouvimos nos comentários de parentes e vizinhos a respeito de conhecidos "que caíram na cana", quando dizem coisas do tipo "coitado, isso não é nem profissão". Como veremos adiante, "cair na cana" pode representar a passagem para um tempo liminal. Seria uma espécie de purgatório? Seria, ao mesmo tempo, um tipo de espaço extraordinário em que visões lúdicas da vida se acentuam?

O diabo e a menarca

Tornar-se "bóia-fria" é um processo que leva a pessoa a defrontar-se com a alteridade. Deslocamentos geográficos acompanham deslocamentos da subjetividade. A pessoa é provocada a se ver como "outra". Concepções de tempo e espaço são alteradas. Tempos e espaços naturalizados decompõem-se. Tornam-se "outros".

O migrante rural que virou "bóia-fria" reencontra-se com a terra, porém essa terra está profundamente alterada. Ela não é mais lugar de morada, de família e parentesco.6 6 Beatriz Heredia (1980) fala da "morada da vida". Margarida Moura (1988:87) analisa concepções de agregados do Vale do Jequitinhonha: " [...] gera-se na terra cedida ao agregado, para morar e plantar, uma concepção de posse concebida como resultado do uso útil que dá a ambos, do trabalho familiar que banha ambas as realidades cotidianamente. A idéia camponesa de terra como lugar onde se mora e se trabalha tem aqui plena vigência. [...] A planta viva, a moradia cotidiana, a terra enfim, na sua expressiva condição de reprodução física dos homens e produção direta dos meios de vida, banham a realidade da terra com idéia de posse familiar e costumeira." Ela não é lugar sacralizado por rituais e Folias de Santos Reis ou romarias (Brandão, 1984b:29; Fernandes, 1985:28; Queiroz, 1983). Os seus ritmos industrializam-se. A terra virou mercadoria. Com a transformação, o que ela produz serve antes para a troca do que para o uso. Ela mesma transformou-se em bem de troca.

Num estudo de dois casos, Michael Taussig (1980) nos fala de processos de deslocamento cultural associados à proletarização de camponeses das regiões andinas. O primeiro trata de camponeses do Vale do Cauca na Colômbia que, além de trabalharem em suas próprias terras, são levados a se empregarem sazonalmente como assalariados em fazendas de cana-de-açúcar. Usam códigos diferentes para os dois espaços. Ao tratarem de suas relações de trabalho nas terras camponesas, pensam em termos de ajuda mútua, reciprocidade, cuidados com as terras, e reprodução de suas famílias. As relações de trabalho nas fazendas, que visam a produção de mercadorias, são pensadas de forma distinta. Ali, acordos com o diabo são feitos por trabalhadores que querem aumentar sua produção e, conseqüentemente, os seus ganhos individuais. Porém, a longo prazo, conforme relatos da população, tais acordos levam à esterilidade da terra, da cana e dos homens. Levam eventualmente à morte. Movidos pela ganância, trabalhadores "matam-se" de trabalhar. Nas próprias terras dos camponeses, em que princípios de reciprocidade tomam precedência sobre relações monetárias, tais acordos não são feitos.

O segundo caso refere-se aos mineiros da Bolívia. Em minas bolivianas, trabalhadores participam de rituais em que procuram obter favores ou ao menos aplacar a ira do "Tio", o espírito maligno, verdadeiro "dono" da mina. De acordo com os mineiros, o "Tio" pode fazer aumentar a produção, mas, a longo prazo, ele provoca o desgaste físico, a doença e a morte.

A tese de Taussig (1980:xii): "O fetichismo do mal, na figura do diabo, é uma imagem que serve para fazer a mediação do conflito entre formas pré-capitalistas e capitalistas de objetivar a condição humana." (minha tradução). Os rituais ligados à figura do diabo, fundamentados em princípios cosmológicos ancestrais, pré-Incas, e influenciados posteriormente pelo maniqueísmo do catolicismo espanhol, servem como rituais de mediação entre aquilo que Taussig, num repente de evolucionismo social, entende por espaços "pré-capitalistas", com seus princípios de reciprocidade, e espaços capitalistas, com seus princípios de mercadoria. Os rituais propiciam a passagem de um tempo e espaço marcados pelo fetichismo dos espíritos ancestrais camponeses para outros marcados pelo fetichismo da mercadoria.

As concepções de José de Souza Martins (1991) que se referem à "terra de negócio" e "terra de trabalho" também evocam princípios cosmológicos contrastantes encontrados em contextos de luta pela terra entre camponeses no Brasil. Numa acepção diferenciada, apesar de que não menos evocativa, Afrânio Garcia Jr. (1983, 1990) também fala de "terra de trabalho". Já mencionamos o trabalho de Beatriz Heredia (1980) relacionado à forma com que pequenos produtores concebem a terra enquanto "morada da vida".

No caso dos "bóias-frias" do Estado de São Paulo, assim como nos casos estudados por Taussig, condições são geradas para um encontro entre concepções diferentes de tempo e espaço. Trata-se também de uma passagem. Porém, a meu ver, "cair na cana" não propicia o mesmo tipo de passagem. Não se trata, como poderíamos supor, da passagem de um espaço com o código de reciprocidade para outro com o código da utilidade. Na linguagem de Roberto da Matta (1987), que pretendo explorar em breve, não estamos lidando com um ritual de passagem da "casa" para a "rua", ou com um ritual que ajude a fazer sentido a existência desses espaços diferentes num mesmo universo cultural.

"Cair na cana" dramatiza a passagem de um espaço definido para outro indefinido, ou seja, para um espaço ambíguo, liminar. Talvez a analogia mais apropriada seja com determinadas representações androcêntricas do ritual da menarca entre camponeses, discutidas por Klaas Woortmann (1986). Pela passagem ritualizada da menarca, a menina torna-se mulher. Porém, de acordo com Woortmann, não se trata aqui, ao contrário do que freqüentemente encontramos no registro etnográfico, da passagem de um estado definido para outro não menos definido. A menarca, conforme as interpretações de camponeses interpretadas por Klaas Woortmann, envolve a passagem de um estado mais definido, indiferenciado do homem, para a condição ambígua, liminar, da mulher. A menarca sinalizaria a passagem para um estado caracterizado por fluxos mensais (menstruações), vistos como períodos tendentes ao desequilíbrio, e pela possibilidade da gravidez, à qual se associa uma representação do feto enquanto ser liminar. Enfim, de acordo com esta hipótese, a representação da menarca entre camponeses contribuiria para a construção de um gênero feminino marcado pela ambigüidade.

"Cair na cana", este outro texto androcêntrico, também dramatiza a passagem para uma condição ambígua. Significa a entrada em relações sazonais, ou mesmo intermitentes. O "bóia-fria", enquanto figura que "caiu na cana", surge nas épocas da safra e transforma-se ou desaparece na entressafra. Em tempos de chuva, o trabalho é interrompido. Mais importante, como veremos a seguir, a construção dessa figura fugidia do "bóia-fria" envolve um conjunto de deslocamentos culturais.

"Casa" e "rua"

Falamos da noção de um tempo-fetiche que surge com o capitalismo industrial. Assim fazendo corremos o risco de adotarmos o esquema do evolucionismo linear de acordo com o qual marcamos etapas cumulativas de noções de tempo primitivas para modernas. Quer dizer, usamos a noção de tempo linear para explicar o seu próprio aparecimento.

A abordagem de Roberto da Matta representa uma tentativa para evitar esse risco. Em vez de procurar ver como certas noções de tempo e espaço são ultrapassadas por outras, pode ser mais interessante investigar como noções contrastantes se inserem em relações estruturadas. Em sociedades como a dos Estados Unidos, nos diz o autor, uma ética associada à noção de um tempo linear (e um espaço disciplinar) pode se tornar hegemônica. Porém, em sociedades tais como a brasileira ¾ essa imagem fulgurante de um Brasil híbrido do Roberto da Matta, certamente um dos possíveis Brasis, ¾ precisamos estar atentos à maneira com que éticas variadas se interrelacionam, sem que nenhuma demonstre sinais de hegemonia. Analisando a cultura brasileira, o autor fala de dois códigos (espaços) principais, "casa" e "rua", as quais corresponderiam respectivamente a noções de tempo cíclico e linear. Em sociedades como essa, os rituais mais significativos podem representar não tanto uma disposição no sentido de constituir a hegemonia de uma determinada ética (como o código da "rua" no caso dos Estados Unidos) quanto um meio de relacionar e criar complementaridades entre éticas distintas (DaMatta, 1987:68).

Esta perspectiva talvez permita entender um pouco mais as inquietações culturais provocadas pela figura do "bóia-fria". Por que a tradução (traição) "cold-snack" para o inglês de Goodman e Redclift (1977:353) deixa de produzir o efeito pejorativo? Seria porque a idéia de um lanche frio (e rápido) na hora do almoço já faça parte das expectativas de uma população que se expressa através da linguagem do "cold-snack"? No Brasil de Roberto da Matta é importante que condições sejam criadas para que o trabalhador faça a sua refeição (quente e preparada com cuidado pessoal para ser consumida sem pressa) em "casa", o que pode significar não necessariamente um deslocamento geográfico mas, ao menos, a criação de um espaço e tempo caseiros no local de trabalho.

A cultura brasileira, DaMatta nos diz, combina códigos variados, permitindo que brasileiros vivam em diversos tempos e espaços ao mesmo tempo. Uma sociedade relacional ganha realidade através de rituais que permitem passagens entre espaços e tempos diferentes. Certamente ao falarmos de "bóias-frias" estamos falando sobre processos que afetam a todos nós. Seria o "bóia-fria" a projeção de uma experiência de agramaticalidade generalizada?

Ao nos defrontarmos com a figura do "bóia-fria" estamos diante de uma experiência vivida como algo desconcertante. A questão não é tanto que aqui vemos um processo pelo qual um código da "casa" é ameaçado pelo código da "rua". Mais significativa é a experiência de deslocamento da subjetividade em que a própria imagem de um Brasil híbrido, tal como essa que ganha vida nas interpretações de Roberto da Matta, oscila, se decompõe, e irrompe transfigurada numa contra-imagem carregada de tensões não resolvidas. Tentar definir o "bóia-fria" em termos de uma suposta identidade seria uma forma de recalcar a experiência de deslocamento? Creio que ao falarmos do "bóia-fria" estamos tratando mais de uma imagem ¾ essa imagem carregada de tensões ¾ do que de uma identidade. A seguir, nesse espelho, faço um rascunho da experiência de estranheza, e da própria alteridade.

Carnavais e batalhões

Já mencionamos a experiência do migrante rural que, ao virar "bóia-fria", reencontra-se com a terra; uma terra, porém, profundamente alterada. O vai-e-vém diário entre campo e cidade acentua o sentimento de que as coisas estariam "fora de lugar". O deslocamento geográfico pode associar-se a um profundo senso de deslocamento cultural. Trabalhadores que num passado não muito remoto construíram a sua morada no campo voltam ao mesmo. Porém, a experiência do reencontro pode ser desconcertante. O campo que era morada virou terra de usina e local de venda de força de trabalho (Na chegada ao canavial, ainda de madrugada, um lamento irrompe do fundo do caminhão: "Esse é o lugar onde o filho chora sem a mãe saber."). O senso de estranhamento pode ser maior na medida em que são transportados em caminhões originalmente destinados para o transporte de matéria- prima ou gado (na carroceria de um caminhão, saindo para o canavial, num lampejo e em tom de deboche, um rapaz tece uma série de analogias, com uma exclamação final lúdica, surpreendente: "Caminhão de boi, boiada, bóia-fria! Eu sou boy!"). Enquanto os "bóias-frias" eram transportados em caminhões antigos e dilapidados, a própria cana-de-açúcar viajava em caminhões novos, com motores potentes. Inversões, espanto.

O tempo de comer do "bóia-fria" ocorria no espaço do trabalho, mas esse espaço não era "terra de morada". "Bóias-frias" comiam sob a vigilância de um turmeiro ou fiscal. A comida fria sinalizava a distância física, corporal e emocional entre casa e trabalho; dramatizava a quebra de vínculos com a terra.

Aquilo que o "bóia-fria" come também "fala" do rompimento destes vínculos. O arroz, feijão, milho, batata, ou outros itens que o "bóia-fria" possivelmente encontra na sua marmita não constituem produtos por ele cultivado em terra em que mora. Às vezes, leva só café e pipoca. Talvez encontre produtos de quintal, uma folha de alface, xuxu, ou, às vezes, até mesmo um pedaço de frango. Porém, a comida não expressa relações de proximidade com a terra em que se trabalha. Como produtos de quintal, espaço da mulher, podem sinalizar a "humilhação" do "homem provedor".

Comida "fria" é comida "fraca", comida de "doente". Trata-se de comida apropriada para quem se encontra em estados de liminaridade, de passagem (Brandão, 1981).

As próprias estações de chuva sugeriam deslocamentos culturais. Assim como pequenos produtores rurais, "bóias-frias" estão sujeitos ao tempo e aos ritmos da natureza. Porém, ao contrário de pequenos produtores rurais, eles estão separados da terra. Vivem sob um regime salarial. Sendo pagos por tarefa, entre as turmas que acompanhei, deixavam de receber pelos dias em que estavam parados. Em dias de chuva, quando caminhões e ônibus ficavam impedidos de irem ao campo, não trabalhavam. A chuva, que no imaginário camponês significa um "tempo de fartura", representa o "tempo da fome" do "bóia-fria". Espanto, inversões.

"Bóias-frias" costumavam também fazer uma apanha de produtos da terra (frutas, mandioca, lenha) saindo de seus "eitos" durante a jornada de trabalho para percorrerem as terras da fazenda. Essa apanha podia ser importante como complemento da renda salarial. Ela "fala" de princípios de reciprocidade que subjazem vínculos sociais e relações entre pessoas e terra no universo camponês. Porém, em terras de usineiros e fornecedores de usinas, essa prática assume aspectos de algo furtivo, de coisa feita às escondidas.

As turmas se constituíam geralmente em torno de redes de reciprocidade envolvendo vizinhos, amigos e parentes. Os pontos de parada que constituíam a trajetória do turmeiro eram determinados pela configuração destas redes. No entanto, o trabalho nos canaviais também podia ser altamente competitivo. Geralmente, turmeiros determinavam que trabalhadores avançassem nos "eitos" a partir de extremos opostos. Numa situação em que trabalhadores são pagos por produção, as rivalidades se intensificavam. Quando a produção era registrada por metro de cana cortada, a colocação da estaca demarcando o ponto de encontro entre trabalhadores vindo de direções opostas suscitava tensões, às vezes brigas.

Turmas eram reunidas informalmente, através de entendimentos verbais, característicos das chamadas relações de clientela que aparentemente vigoravam em áreas do meio rural. Porém, estes entendimentos com "gatos" ocorriam num contexto de relações impessoais. O turmeiro era visto simplesmente como alguém interessado em extrair o máximo dos trabalhadores sem oferecer em troca "proteção e cuidado". No dia em que ele "caiu na cana", "Seu José" disse: "O pessoal [é] que pôs o nome de gato... [ele] pode unhar a gente, rê, rê."

Em dias de pagamento, aos sábados, trabalhadores aglomeravam-se em frente à casa do turmeiro. Em suas lembranças alguns evocavam um universo rural em que a casa do fazendeiro se impunha no imaginário. Ao mesmo tempo, ironizavam o "gato", riam de sua "pobreza", de seu caminhão decrépito, arrebentado. "É duro trabalhar prá pobre!" ¾ diziam ¾ "Tenho horror de pobre!" ¾ rachavam de rir ¾ a casa de turmeiro seria a paródia da imagem idealizada de uma casa grande de fazenda, e a figura do turmeiro na soleira da porta de sua cozinha seria a caricatura altamente cômica de fazendeiro na varanda da mesma casa grande, ou de um Federico Lundgren, por exemplo, conforme o retrato vivo proporcionado por José Sérgio Leite Lopes (1988). Esta casa de turmeiro não abriga. Não dramatiza o senhorio de um dono sobre terras e trabalhadores. Localiza-se geralmente na periferia da cidade, próxima às casas ou aos barracos dos próprios trabalhadores.7 7 Margarida Moura (1988:102) analisa transformações no significado da casa-grande entre agregados ameaçados de despejo: "O fazendeiro proíbe de criar um porco, de ter um cavalo [...]. Desaparece a doação do leite tirado das vacas do fazendeiro [...]. Não há mais toucinho e fubá para pagar o trabalho feminino na casa-sede [...]. A casa-grande, lugar generoso por excelência, é agora caminho fechado."

Talvez seja possível falar de outros deslocamentos. A presença de crianças e adolescentes freqüentemente contribuía para o irrompimento de momentos lúdicos. Às vezes, trabalhadores mais jovens interrompiam o trabalho, abandonando suas "ruas" (fileiras de cana) para banhar-se em rios ou ribeirões próximos aos canaviais. Encontram-se "ninhos de amor" em meio aos canaviais. Neste sentido, "cair na cana" se associava às vezes a outros rituais de iniciação capazes de despertar bastante interesse entre membros de uma turma. Trocas de olhares, gracejos, risos. Mulheres e moças usando brincos e lenços coloridos. Imagens sedutoras. "Marilyns Monroe". Rapazes vestindo camisetas, bonés ou chapéus chamativos. Sentimentos de integração entre vida e trabalho, assim como experiências do lúdico em "terra de trabalho" num contexto em que terra e trabalho não se separam da morada, eram freqüentemente evocados nas lembranças de quem, num passado relativamente recente, havia vindo do campo. Poderíamos evocar cenas do registro antropológico, tais como as de casais fazendo amor em suas hortas ou em roçados, numa relação de mímese com as forças afrodisíacas da terra, despertando a própria fertilidade da natureza. Porém, nos espaços de produção agro-industrial de quem havia "caído na cana", sob um regime de trabalho assalariado e vigiado, em que um "tempo de ganância" ganhava vida própria, a imagem dos "ninhos de amor" ou "camas de palha" em meio aos canaviais oscilava, às vezes suscitando outras também oscilantes, incertamente negativas, tais como a "vagabundagem" e "putaria". Imagens sedutoras e ao mesmo tempo associadas à sensação de algo que estaria "fora de lugar". Uma anedota: recentemente descobri que uma versão anterior deste projeto havia sido registrada inadvertidamente em relatórios do MEC sob o título "Caindo na Cama", um tropeço interessante como todo tropeço, que provavelmente me fez lembrar que eu mesmo fui "cair na cana" com Marilyn Monroe.

"Cair na cana" sinaliza um conjunto de experiências cuja característica fundamental é o deslocamento. Por isso, o trabalho do "bóia-fria" tem um caráter liminal. Apresenta aspectos de festividade e inversão de valores. Tenho em mente algumas cenas vívidas, carnavalizantes, nas carrocerias de caminhões, em noites quando as turmas regressavam dos canaviais, envolvendo batucadas generalizadas, com garrafas de pinga circulando ("bóia-fria gosta de bóia-quente"), e rapazes dependurados desafiando carros e caminhões, ostensivamente mijando na estrada. Porém, cortar cana não é exatamente uma festa. Pertence a um cotidiano talvez até demasiado cotidiano. No entanto, haveria na experiência do "cair na cana" um certo ar de estranheza e, neste sentido, extraordinário? Um extraordinário cotidiano? Uma experiência de estar se vendo de forma deslocada, como um estranho familiar? Em todo caso, cortar cana é um trabalho penoso pelo qual muitos são forçados a buscar sua sobrevivência. Por isso, essa situação de liminalidade é vivida não tanto como festa quanto como estigma.8 8 Para o contraste entre cotidiano e tempo extraordinário, ver DaMatta (1979:30). Para uma discussao do conceito de estigma, ver Goffman (1988). Em meados dos anos 80, quando acompanhei algumas turmas, me chamava a atenção como, às vezes, na carroceria dos caminhões, especialmente às sextas-feiras à noite regressando à cidade, dois climas se interpenetravam: um clima carnavalesco envolvendo especialmente trabalhadores mais jovens, e um clima de esgotamento, de gente estirada no chão da carroceria, "esticando a espinha", um batalhão em farrapos, em retirada.

Rituais de deboche, o "trabalhador armado" e outras leituras

"Cair na cana" não seria a única leitura feita por cortadores de cana de sua experiência de vida. Talvez nem seja a mais importante. A existência de textos múltiplos e dissonantes, a meu ver, impede que qualquer uma das leituras se reifique numa imagem petrificada do "bóia-fria", seja "operário", "camponês" ou "ambíguo". A seguir, uma discussão exploratória de outras possíveis leituras.

Em madrugadas, das carrocerias de caminhões saindo para os canaviais, rapazes trajando suas vestimentas de "bóias-frias" zombavam de outras pessoas do mesmo gênero, possivelmente operários de fábricas ou da construção civil andando de bicicleta ou esperando em pontos de ônibus. Num clima "carnavalesco", empunhando seus podões, os rapazes chamavam aos outros de "bóias-frias", "pé-de-cana!" Invertendo os usos comuns da linguagem, lançavam contra os outros os termos pejorativos pelos quais eles mesmos, e geralmente só eles, eram chamados. Seriam mestres da ironia tomando distância do estigma associado à figura do "bóia-fria"? Ao mesmo tempo, estariam contribuindo para reforçar este estigma (Dawsey, 1990:81)? Que tipo de rituais seriam esses? Rituais da desordem? Ao invés de formularem identidades coletivas ou criarem coesão social em torno de símbolos comuns, estariam desmanchando imagens solidificadas? Através do deboche, esses "bóias-frias" estariam acirrando a crise de identidades vistas como identidades em crise?

Outros rituais poderiam ser explorados. Ao final de cada dia, depois das medições feitas pelo "gato" com sua "vara voadora", trabalhadores comparavam a quantidade de metros que cada um cortou. Tomavam como referência os "melhores" trabalhadores. Zombavam dos "piores." Rituais cotidianos. Ocorriam dentro de uma seqüência de relações, em rodas de conversa formadas por trabalhadores que se preparavam para a viagem de volta à cidade. Destacavam o valor do trabalho do cortador de cana. Nesses momentos o "bóia-fria" aparecia como um verdadeiro trabalhador, como aquele que, apesar de "marginalizado", "fazia a riqueza da região". Era quem tinha "coragem" para trabalhar, "disposição". Não tinha medo de criar calos, de formar "murundú". Aqui, o trabalho dos "melhores" cortadores de cana, medido em centenas de metros de cana cortada, ou toneladas, contrapunha-se ao "preço da cana", quase sempre considerado "baixíssimo", oferecido ao trabalhador. Dramatizavam o confronto entre o valor do trabalho de um "lavrador" e o "preço da cana" pago pelo turmeiro. Dramatizavam a "exploração". A dramatização do contraste entre valores do pagamento recebido e mercadoria produzida impulsionava reivindicações contra o turmeiro por um "preço da cana" mais elevado (Dawsey, 1990:81). Ocasionalmente, nas manhãs seguintes, logo ao chegarem aos canaviais, as turmas retiravam as suas marmitas formando rodas de conversa, recusando-se a cortar cana. Os "melhores" cortadores geralmente lideravam as paradas.

Um conjunto de leituras da experiência dos cortadores de cana se associava à imagem do trabalhador "armado". Imaginem os leitores a figura de um cortador de cana, trajando as vestes do "bóia-fria" manchadas pela mistura do "mel" com cinza de cana queimada. Em uma das mãos, a sacola com marmita, na outra o podão. Já é final de dia e, havendo descido do caminhão, esta figura a quem vou dar o nome fictício de "Pagé" começa a voltar para o seu barraco na favela. Ao passar em frente a um boteco, vários rapazes, seus conhecidos, riem e caçoam: "Pagé bóia-fria! pé-de-cana!" Num gesto rápido, "Pagé" vira empunhando o seu podão, risca o chão a sua frente e desafia: "Vem, vem se for homem!" Todos se calam. Após alguns instantes de tensão, "Risadinha", o dono do boteco, chama "Pagé" para tomar um gole de "mé." Enquanto o "Pagé" toma o seu gole, "Risadinha" diz: "Esse vai cortar cana só para andar armado, rê, rê." "Pagé" parece gostar do comentário. No caso, a experiência de "cair na cana" é reinterpretada. Num gesto, o "podão" vira "arma" (Dawsey, 1990:82). Certa noite, "Seu José" comentou: "Hoje na roça a poliçaiada tava lá parada, olhando nós, cinqüenta home, mulher e criança, tudo de facão... Os home olhando... rê, rê." Quando as greves de Guariba e Bebedouro estouraram em 1984, "podões" também viraram "armas".

Na tentativa de relativizar ainda mais este texto que venho construindo, cabe fazer um lembrete: "cair na cana" se articula freqüentemente a um discurso sobre a humilhação do "homem", nos termos de um código de honra do provedor masculino. Certamente o texto que agora escrevo não deixa de ser uma leitura androcêntrica de uma leitura androcêntrica. Uma proporção significativa de turmas de "bóias-frias" consiste de mulheres, adolescentes e crianças. Em várias das turmas que conheci, mulheres eram figuras centrais9 9 Cf. Dawsey (1990:87) para a descrição de um caso. . Turmas se formavam às vezes em torno de mulheres que mantinham a coesão de redes de parentes, vizinhos e amigos10 10 Cf. Lomnitz (1977) e Stack (1975) para discussões sobre redes de reciprocidade articuladas por mulheres entre "pobres urbanos". . As paradas de turmas e greves espontâneas que presenciei pouco antes das grandes greves de Guariba e Bebedouro em 1984, articulavam-se através destas redes.

Pavor do "impuro"

Uma temática da pureza percorreu grande parte da literatura sobre "bóias-frias". Vinícius C. Brant (1975:73) falava do declínio da cafeicultura e colonato na região de Assis num contexto em que se desenvolve simultaneamente "o trabalho assalariado em termos puros (por hora ou por jornada de trabalho) (grifos meus)". O surgimento do "bóia-fria" teria sinalizado um "processo de proletarização completa" (Brant, 1975:39).

Octávio Ianni (1976:27) chegou a falar da parceria como uma forma "disfarçada" de assalariado rural, sendo o "bóia-fria" um verdadeiro assalariado, um operário. Dizia o autor (Ianni, 1976:49): "O bóia-fria é a forma mais desenvolvida em que se expressa o caráter das relações de produção na agroindústria açucareira. (...) o trabalhador da agroindústria transformou-se num operário sem nenhum dos meios de produção, salvo o podão." O mesmo autor (Ianni, 1976:62) escreveu: "O bóia-fria, pau-de-arara ou volante, nasce com o desenvolvimento do capital agroindustrial, sob o qual a força de trabalho adquire a sua forma mais acabada de força produtora de mais-valia."

Partindo de uma visão histórica parecida, José Graziano da Silva (1981:4) falava em termos de um processo de "industrialização da agricultura" que liberta "a produção agrícola das condições impostas pela Natureza" e que se associa "à formação de um mercado de trabalho constituído exclusivamente por assalariados puros" (grifos meus). Divergindo, porém, da ênfase de Ianni, este autor entendia que o "bóia-fria" representava ainda uma categoria mesclada: "não é o produto final, acabado, do processo de proletarização do camponês." (Graziano da Silva, 1981:5). "Essa é apenas uma forma transitória." O "bóia-fria", no caso, purifica-se virando inteiramente proletário.

Em seu projeto de doutorado, Francisco J. C. Alves (1987:18) escreveu: "O processo de modernização da agricultura, pelo seu caráter conservador e concentrador, atua no sentido de criação de uma categoria de trabalhadores assalariados rurais cada vez mais pura, isto é, de trabalhadores assalariados que não tenham nenhum acesso à terra e vivam exclusivamente da venda de sua força de trabalho." (grifo meu).

O "processo de modernização" visualizado por esta tradição de pesquisa assume, às vezes, aspectos de uma força autônoma, independente de vontades humanas ou mesmo de suas relações sociais. "Ele", esse processo modernizador, "liberta" a produção da natureza. Além de fabricar produtos, em parceria com a terra e o trabalho, pode inclusive fabricar o próprio solo, a terra. Enfim, "ele" cria o "bóia-fria" e as diversas categorias de trabalhadores. O "bóia-fria" "nasce" através dele. Trata-se de um "processo de modernização" fetiche. Mesmo que o "bóia-fria" seja um ser ambíguo, mesclado, o "processo de modernização" pode ainda "purificá-lo".

Como E. P. Thompson (1987, v.I:11) nos diz, "a classe é uma relação e não uma coisa". A identidade do "bóia-fria" não é uma "coisa" produzida por um "processo de modernização". "A classe é definida pelos homens enquanto vivem sua própria história e, ao final, esta é sua única definição." (Thompson, 1987, v.I:12).

Creio que "cair na cana" seja um dos textos que trabalhadores da periferia de Piracicaba produzem, ou pelo menos, até meados dos anos 80 quando morei em seu meio, vinham produzindo "enquanto vivem sua própria história". É um em texto no qual falam de si mesmos e de sua "classe".

Talvez em vista dos campos intelectuais que em épocas recentes já se apaixonaram por discussões em torno dessa figura, "caindo na cana" pareça ser um texto demasiado ambíguo. Talvez o pavor do "impuro", do ambíguo ou do anômalo, como Mary Douglas (1976) nos mostra, seja próprio de qualquer cultura ou sistema de classificação. Natural que a produção intelectual através dos anos tenha refletido algo desse pavor. Por outro lado, seguindo as discussões da mesma autora sobre funções revitalizadoras de figuras ambíguas ou anômalas (ver sua discussão sobre o pangolim), talvez seja também compreensível que os campos acadêmicos tenham durante certo tempo se deixado seduzir pelas imagens ambíguas projetadas sobre o chamado "bóia-fria". Paradoxalmente, as tentativas de definir esta "categoria" teriam contribuído para transformá-la em uma espécie de fóssil recente da produção acadêmica?

Talvez as questões estivessem realmente mal colocadas. Nem proletário, nem camponês. Quer terra para morar ou salários melhores? Em 1984, Maria Conceição D'Incao (1984:8) escreveu: "[A questão do bóia-fria] passa tanto pela questão camponesa como pela questão proletária. Essa duplicidade de referências liga-se ao fato de os bóias-frias constituírem a manifestação concreta da forma tendencialmente predominante, através da qual se realiza o processo de proletarização do homem do campo." A mesma autora (D'Incao, 1984:38-9) ainda questionou as questões que vinham sendo colocadas: "`Afinal, o bóia-fria quer terra ou direitos trabalhistas?' [...] O erro desse questionamento consiste em se continuar operando com modelos mecânicos, já que por trás desta pergunta está a preocupação de saber se o bóia-fria é um camponês temporariamente perdido, ou um proletário no sentido exato do termo. A partir daí, o seu enquadramento nos velhos projetos autoritários é simples. Esquece-se que as demandas das classes populares têm formas próprias de expressão e nascem coladas às necessidades e possibilidades do dia-a-dia. E acredita-se poder mobilizar trabalhadores exauridos na luta pela sobrevivência, com bandeiras construídas a partir de expectativas teóricas, definidas fora do contexto de seu quotidiano."

Creio que o questionamento feito aos "velhos projetos autoritários" marcou um momento importante nesses debates. Uma discussão, porém, da meta-linguagem dos discursos sobre o "bóia-fria" e outras figuras de um imaginário associado aos movimentos sociais, formulados em diversos campos intelectuais, ainda está por ser feita. Em relação ao texto de D'Incao, eu não deixaria de questionar a persistência de uma certa visão estratigráfica das relações entre "demandas" e "necessidades", que deixa de lado a questão da atividade interpretativa não apenas das chamadas "classes populares" mas dos próprios intelectuais que estão sendo vistos através das imagens que projetam sobre as "classes populares"11 11 Fazemos eco, em parte, ao trabalho instigante de Maria Célia Paoli. Num estudo sobre a história operária dos anos 30 e 40, Paoli (1983:52) diz: "Esta é uma história que não pode ser reduzida a uma história institucional, à qual se atribui uma lógica pré-fixada modelarmente. O `fazer-se' de uma classe, para usar novamente a expressão de Thompson, ocorre apenas na luta e não em modelos que abstraíram o chão histórico que lhes deram origem, e que se transformaram em descrições vazias sobre o que deve ser a classe, o sindicato, o partido, o Estado e a própria história." . Enfim, as tentativas de definir a identidade dos "bóias-frias" representariam formas com que intelectuais e militantes procuravam objetivar e coisificar alguns de seus mitos ou fantasmas? Seriam formas de projetar sobre outros uma experiência de estranheza recalcada? Talvez seja necessário aplicar uma hermenêutica da suspeita em relação a essas tentativas persistentes de definir a identidade dos outros.

"Uma estória que contamos sobre nós mesmos"

Johannes Fabian (1983) e George Marcus (1990) nos alertam para ilusões de etnógrafos que fazem um corte entre, de um lado, os tempos e espaços por eles vividos e, de outro, os tempos e espaços vividos por pessoas que etnógrafos encontram no campo da pesquisa. Este alerta aplica-se particularmente ao caso aqui considerado.

Os "bóias-frias" não são os únicos a se defrontarem com tempos e espaços divergentes. Roberto da Matta nos revela um Brasil feito de diversos espaços e tempos. Se uma das experiências associadas ao "modernismo" é a de viver em tempos e espaços diferentes ao mesmo tempo, certamente os "bóias-frias" são nossos contemporâneos modernistas. Como dizia no início deste artigo, a primeira vez em que subi na carroceria de um caminhão de "bóias-frias" nesse ritual de um antropólogo supostamente virando "bóia-fria" para virar antropólogo, deparei-me com o rosto de Marilyn Monroe na camiseta de uma moça. Outras camisetas traziam inscrições estranhamente familiares: "Harvard University", "Hollywood ¾ Sucesso" e "Space Invaders". De alguma forma reconheci alguns dos meus próprios devaneios e fantasmas nas camisetas desses novos companheiros de viagem. Essas inscrições, no entanto, não eram mais fantasmagóricas que os rostos sobre os quais a sociedade havia inscrito "bóia-fria". Nem eram mais fantasmagóricas que o antropólogo.

Por mais que vivam longe dos nossos olhos ¾ e aqui às vezes, com a ajuda de Baudelaire (1991), me imagino como quem fizesse parte de uma espécie de "família de olhos" acadêmicos ¾ levantando de madrugada e voltando ao entardecer ou à noite, num vai-e-vém entre a periferia da cidade e os canaviais, os "bóias-frias" participam ativamente de nossas relações sociais. Seriam projeções fantasmagóricas de uma experiência de estranheza generalizada? Particularmente em regiões canavieiras, em que o percurso da cana influi nos destinos do conjunto da sociedade, o que os cortadores de cana fazem não representa apenas uma curiosidade. Assim como a cana-de-açúcar, a figura do "bóia-fria" se impõe no imaginário, às vezes se projetando por espaços mais amplos. Porém, talvez com uma força maior do que nossas representações da cana poderiam ter, a figura do "bóia-fria" perturba. Com ela nos defrontamos, como membros dessa "família de olhos" acadêmicos, com a questão da alteridade. Trata-se realmente de "alcançar o mais estranho dos outros como se fosse um outro nós" (Lévi-Strauss, 1974:19). Essa imagem ambígua, oscilante, carregada de tensões sociais, tem ares de coisa simultaneamente "perigosa" e "sedutora", de ameaça potencial às nossas classificações, justamente porque vivemos nos mesmos tempos e espaços dos "bóias-frias". Afinal, como diz a tradução do nome de um dos filmes de Marilyn, "o pecado mora ao lado". Sabemos que "cair na cana" também é uma estória que eles contam sobre nós.

Este é um texto que mexe com emoções. É um texto absorvente. A ambigüidade dos "bóias-frias" nos remete a um processo de desconstrução de categorias e identidades. Sugere, enfim, uma experiência de deslocamento de concepções de tempo e espaço, uma sensação de "tudo que é sólido desmancha no ar", e uma agramaticalidade generalizada não apenas dos fantasmagóricos "bóias-frias", mas dos fantasmagóricos caçadores de fantasmas também. Talvez, ao final dessa estória "cair na cana" tenha se tornado uma "estória que contamos sobre nós mesmos".

Notas

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ABSTRACT: In this article I intend to discuss a social drama ("falling in the cane") which marks the passage to an ambiguous and liminal social condition. If "modernism" has to do with living in different times and spaces simultaneously, certainly the "bóias-frias" are our "modernist" comtemporaries. Paradoxacally, considering that we are dealing with a tensio-packed image which certainly seduced intellectual groups during the seventies and eighties, we may venture to inquire whether the attempts to define the "bóia-fria", tuning image into category, contributed to the formation of a sort of recent fossil of academic production.

KEY WORDS: "Bóia-fria", time, space, dialectical image, ritual.

Aceito para publicação em outubro de 1996.

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  • 1
    "...e eu penso que você viveu como uma vela no vento, sem nunca saber a quem recorrer no tempo da chuva" (minha tradução).
  • 2
    Ou um
    habitus (Bourdieu, 1974). Claro, trata-se de pensar o
    habitus como algo que precede a experiência pela qual também é formado.
  • 3
    "Cair na cana" pode ser comparado a outros dramas vivenciados por trabalhadores e descritos na literatura antropológica. Remeto o leitor ao trabalho de Margarida Moura (1988) sobre processos de despejo entre agregados do Vale do Jequitinhonha. Ver também a experiência do "desnudamento" de trabalhadores aliciados pela Companhia de Tecidos Paulista no periodo de 1920 a 1950 descrita por José Sérgio Leite Lopes (1988:39-58).
  • 4
    Um "eito" é um conjunto de 5 ou 7 fileiras de cana a ser cortada por cada trabalhador. Nos anos 70 o "eito" era menor: 3 fileiras.
  • 5
    O esboço dessa idéia vem de uma conversa estimulante com Margarida Maria Moura em que comentamos trabalhos de Antônio Cândido, Carlos Rodrigues Brandão e José de Souza Martins.
  • 6
    Beatriz Heredia (1980) fala da "morada da vida". Margarida Moura (1988:87) analisa concepções de agregados do Vale do Jequitinhonha:
    " [...] gera-se na terra cedida ao agregado, para morar e plantar, uma concepção de posse concebida como resultado do uso útil que dá a ambos, do trabalho familiar que banha ambas as realidades cotidianamente. A idéia camponesa de terra como lugar onde se mora e se trabalha tem aqui plena vigência. [...] A planta viva, a moradia cotidiana, a terra enfim, na sua expressiva condição de reprodução física dos homens e produção direta dos meios de vida, banham a realidade da terra com idéia de posse familiar e costumeira."
  • 7
    Margarida Moura (1988:102) analisa transformações no significado da casa-grande entre agregados ameaçados de despejo: "O fazendeiro proíbe de criar um porco, de ter um cavalo [...]. Desaparece a doação do leite tirado das vacas do fazendeiro [...]. Não há mais toucinho e fubá para pagar o trabalho feminino na casa-sede [...]. A casa-grande, lugar generoso por excelência, é agora caminho fechado."
  • 8
    Para o contraste entre cotidiano e tempo extraordinário, ver DaMatta (1979:30). Para uma discussao do conceito de estigma, ver Goffman (1988).
  • 9
    Cf. Dawsey (1990:87) para a descrição de um caso.
  • 10
    Cf. Lomnitz (1977) e Stack (1975) para discussões sobre redes de reciprocidade articuladas por mulheres entre "pobres urbanos".
  • 11
    Fazemos eco, em parte, ao trabalho instigante de Maria Célia Paoli. Num estudo sobre a história operária dos anos 30 e 40, Paoli (1983:52) diz: "Esta é uma história que não pode ser reduzida a uma história institucional, à qual se atribui uma lógica pré-fixada modelarmente. O `fazer-se' de uma classe, para usar novamente a expressão de Thompson, ocorre apenas na luta e não em modelos que abstraíram o chão histórico que lhes deram origem, e que se transformaram em descrições vazias sobre o que deve ser a classe, o sindicato, o partido, o Estado e a própria história."
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Nov 2000
    • Data do Fascículo
      1997

    Histórico

    • Aceito
      Out 1996
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