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Lourdes Gonçalves Furtado

Depoimento

Lourdes Gonçalves Furtado

Pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi, Membro do Conselho Editorial da Revista de Antropologia

É manifesto, em nossos meios universitários, um crescente

interesse pelo estudo da realidade étnica e social

do Brasil. Pesquisadores, professores e estudantes buscam

uma compreensão mais profunda da cultura nacional

e de suas raízes históricas. Têm consciência cada vez

mais viva de que o profissional, para cumprir o papel que lhe

cabe na sociedade, necessita estar a par da formação técnica

em seu campo de atividades, de uma visão objetiva

das características e dos problemas específicos do meio

sociocultural em que deve agir.

Egon Schaden, 19 de setembro de 1971.

Um lustro de disseminação da antropologia brasileira. O sonho de Egon Schaden, vislumbrado na epígrafe, tornou-se realidade, cuja sensibilidade transformou a Revista de Antropologia, criada por ele em 1953, na plataforma de encontro de antropólogos brasileiros e estrangeiros, e de pesquisadores afins, apresentando seus relatos, suas análises, suas inquietações e seus etos científicos diante das sociedades a que se dedicam; materializou-se no espaço de compartilhamento de saberes científicos que disseminam conhecimentos sob o olhar antropológico e geram consciências de respeito aos povos indígenas, rurais e urbanos, contextualizando situações, relações e processos socioculturais, os quais instigam o debate nacional e internacional sobre questões locais e globais.

Elaborada e administrada por vários anos pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA), atualmente se mantém sob a gestão da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), veiculando trabalhos da comunidade antropológica, por meio de um esforço conjunto de seu editor responsável, da Comissão Editorial e do Conselho Editorial, do qual tenho o privilégio de ser um de seus integrantes.

Neste ano a Revista de Antropologia, primeiro periódico especializado em antropologia publicado no Brasil, sai em nova viagem, iniciada há 50 anos quando o grande mestre idealizava um espaço que veiculasse periodicamente os resultados das pesquisas nesse campo científico. Hoje continua a prestar serviços à academia e à sociedade, cujos processos se espelham em suas páginas em diferentes abordagens na seqüência do tempo.

Por esse motivo é que seus editores lançam este volume especial, cuja intenção "é suscitar uma reflexão sobre estes 50 anos da Revista e tornar o evento um momento marcante e expressivo" da trajetória deste importante periódico científico. Certamente que, para nós antropólogos, que labutamos nesse ofício, é um instante de júbilo e de reflexão no sentido de meditarmos sobre a relevância de sua presença no contexto editorial brasileiro e internacional.

Primeiro, por ser o primeiro periódico especializado no campo antropológico publicado no País, o que por si mostra o esforço e a visão de mundo de seus criadores, tendo à frente Egon Schaden. E que, graças à tenacidade dos que a dirigiram por anos seguidos, chega aos 50 anos com a mesma responsabilidade, a mesma marca editorial, isto é, com os mesmos objetivos de ponte entre a academia e o público.

Segundo, por garantir uma plataforma para o aprendizado da antropologia, e para o debate sobre o ser da sociedade e dos sistemas socioculturais inerentes, contribuindo para a geração de conhecimento sobre processos identitários e interculturais, construção e descontrução de conceitos e paradigmas reveladores da dinâmica da cultura e da sociedade, das categorias nativas e do pensamento antropológico.

Terceiro, por sinalizar para uma perspectiva de futuro que coloca questões éticas e está a exigir estudos, reflexões e opiniões, no campo das ciências sociais, sobre a sociedade contemporânea, sua dinâmica e o quadro adverso que presenciamos. Os desafios de nosso tempo crescem e se redimensionam, exigindo posicionamentos dos antropólogos e de outros cientistas sociais. Ter uma revista especializada como a Revista de Antropologia, que transita no terreno das ciências sociais, é contar com uma ferramenta básica inerente ao savoir faire próprio ao fazer antropológico, e para o estímulo à pesquisa e à disseminação de seus resultados e das convicções de seus autores.

A disseminação dos resultados das pesquisas requer veículos capazes de conduzir os conhecimentos gerados a seus destinos, caso contrário seria encastelar a ciência dentro de si mesma, perdendo assim sua função criadora e de ação transformadora. A Revista de Antropologia, como outras especializadas, tem essa função: participa do processo criador e gerador de conhecimentos em benefício das sociedades – desde as mais simples às mais complexas. Deve por isso ser alvo de políticas públicas que a reconheçam como instrumento de permuta; que a estimulem em qualidade de conteúdo e padrão gráfico, de modo a alcançar inserção no sistema de indexação; que a legitimem como parte inerente ao processo de produção científica do respectivo País. Creio que a presença desta Revista vem cumprindo essa função no cenário brasileiro.

E finalmente, o quarto motivo, pela contribuição ao conhecimento de caminhos teóricos e metodológicos das ciências sociais no Brasil, e das tendências de pensamento e ação em diferentes regiões do País, onde se encontram instalados institutos de pesquisa científica e unidades de ensino superior.

Desse modo, reconhecendo os méritos da Revista, sua trajetória e função no seio acadêmico, alio-me a todos os colegas que praticam o ofício de antropólogo para homenagear este periódico em seu meio século de existência, não apenas como membro de seu Conselho Editorial mas também como integrante do Museu Paraense Emílio Goeldi, atualmente integrado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, que há 137 anos vem desenvolvendo pesquisa básica, direcionada à aplicação tecnológica, nos campos da antropologia (estudos sobre populações indígenas, caboclas, pesqueiras, e sobre migrantes, por exemplo), lingüística, botânica, zoologia e ciências da terra. Como aconteceu com a Revista de Antropologia, marcada pelos sonhos do professor Egon Schaden, da USP, o Museu Paraense Emílio Goeldi foi calcado nos ideais de Domingos Soares Ferreira Penna, da Sociedade Filomática – embrião do referido instituto – e de Emílio Goeldi, legitimados em 6 de outubro de 1886.

Recebido em novembro de 2003.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jun 2004
  • Data do Fascículo
    2003
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