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The future of childhood

RESENHA

Flávia Pires

Doutoranda em Antropologia Social – Museu Nacional (UFRJ)

Prout, Alan. The future of childhood, New York/London, Routledge Falmer, 2005.

Alan Prout ensaia nesse livro uma crítica aos chamados new social studies of childhood. Junto com o autor, Allison James, Chris Jenks, J. Hockey e outros pesquisadores britânicos desenvolveram essa perspectiva a partir dos anos 80. Nessa obra Prout aponta a saturação dessa perspectiva, ao afirmar a necessidade de renovação no campo dos estudos da infância e indicar como caminhos possíveis as teorias da complexidade e do ator-rede, tendo como referência os trabalhos de Bruno Latour, Donna Haraway e Gilles Deleuze.

New social studies of childhood foi o nome adotado por sociólogos, psicólogos, antropólogos e geógrafos que tinham como objetivo principal corrigir o tratamento teórico dado até então às crianças, como seres incompletos, passivos, instintivos. O conjunto de textos que se produziu a partir de então se concentra na tentativa de conceber a infância como um fenômeno social ou, mais longe ainda, uma construção social, rompendo com qualquer explicação de natureza biológica. Na psicologia, ciência que mais havia estudado o tema, elaborou-se uma crítica à noção de desenvolvimento (posto que esta não dava espaço aos fatores sociais e históricos que influenciam o desenvolvimento da criança, centrando-se no aspecto biológico e no desenvolvimento individual). Já na sociologia e na antropologia a crítica focou a noção de socialização (tratada como uma via de mão única, na qual a sociedade adulta – ativa –, molda as crianças – passivas). O autor pontua que parte dos new social studies of childhood ainda hoje está preocupada em romper com a determinação biológica e afirmar a supremacia do social. Em sentido contrário, Prout propõe que recuemos um pouco e incorporemos diferentes campos do conhecimento deixados para trás na correria da fuga do determinismo biológico, entre eles a sociobiologia e a biologia evolutiva. A infância, apesar de social, nunca foi só social. O autor inicia e finaliza seu livro afirmando que os estudos sobre crianças devem ser áreas de interdisciplinaridade, trazendo à baila as ciências humanas, sociais e, por que não, naturais.

O livro se divide em cinco capítulos. No primeiro, "Changing childhood in a globalizing world", Prout afirma que a infância foi implicada, afetada e desestabilizada pelas mudanças sociais, tecnológicas e econômicas contemporâneas. Segundo ele, uma conseqüência da modernidade tardia é o borramento da fronteira nítida entre infância e idade adulta. Nesse solo cresce, por exemplo, a teoria do fim da infância, da qual o autor não compartilha porque esta enfatiza (assim como a teoria de Phillipe Ariès) uma única concepção de infância, essencializando o conceito e negligenciando outras formas de infância fora da Europa e dos Estados Unidos. Para Prout, um mundo globalizado produz uma infância globalizada – contexto que exige novos enfoques teóricos.

De acordo com o capítulo 2, "Childhood studies and the modern mentality", os estudos sobre crianças emergiram como parte do conceito moderno de infância, desenvolvidos em grande medida por Áries, no livro História social da criança e da família (1978) (L'enfant et la vie familiale sous l'ancien regime – 1962) – no qual se define infância como um período distinto da idade adulta. Vai nessa direção a afirmação de que a infância é uma invenção moderna. Nesse capítulo o autor expõe ainda a influência do darwinismo sobre esses estudos a partir do final do século XIX até as últimas décadas do século XX, quando cedeu lugar ao primado do social com construcionismo social. O darwinismo deixou como legado a compreensão dos fenômenos da infância pela biologia, no qual o desenvolvimento da pediatria e da psicologia da criança são alguns dos exemplos.

No decorrer do século XX o social foi gradativamente adicionado aos estudos sobre infância, e a tarefa dos pesquisadores ficara sendo a de definir a extensão da influência biológica e da influência social na vida das crianças. No entanto, já no final do século XX, a abordagem que prevalece é o construcionismo social, no qual o biológico é tomado como residual, e conseqüentemente o foco da pesquisa é a diversidade histórica, espacial, social e cultural que se desenvolve sobre uma biologia universal (a imaturidade biológica).

Vê-se que, como no darwinismo social, mais uma vez, no construcionismo social, biologia e sociedade são vistas como lados distintos, reforçando os dualismos que, segundo Prout, vêm marcando negativamente os estudos sobre infância. As dicotomias que mais marcaram os new social studies of childhood foram: estrutura versus agência, indivíduo versus sociedade, ser versus tornar-se (being versus becoming). A proposta do livro é a superação desses dualismos, buscando o meio incluído (included middle) (p. 69), conceito de Bobbio, citado por Prout, como um espaço que comporta os dois lados de uma mesma moeda.

No capítulo 3, "The dualities of the social", Prout afirma que não se trata de abandonar as dicotomias, uma vez que elas produzem efeitos do mundo social, mas de entender que elas emergem como resultado de processos heterogêneos. Tentativas de encontrar esse meio incluído, em que biologia e sociedade sejam abordadas como uma única entidade, estão presentes nas pesquisas sobre infância, de acordo com o autor, por exemplo, no estudo das relações geracionais e do curso de vida.

No capítulo 4, "Childhood, nature and culture", o autor aprofunda-se na defesa de uma ciência que não trate a cultura e a biologia como puras entidades e sim como realidades mutuamente implicadas. A infância, se tratada como uma construção social, reproduz a oposição entre natureza e cultura. Prout faz também uma pequena exposição da biologia social contemporânea mostrando que alguns cientistas naturais são sensíveis à afirmação de que biologia e cultura devem trabalhar juntas não como causa e efeito, mas em um sentido mais recíproco. Por fim, o autor apresenta alguns estudos sobre o corpo da criança, que não é premissa unicamente da cultura ou da biologia, mas afirmando que as condições materiais, inclusive a mídia e a tecnologia, interferem na constituição do mesmo.

O capítulo 5, que dá título ao livro, "The future of childhood", começa com uma apropriação de Deleuze, para quem não apenas as crianças são seres não incompletos, como o mundo todo está envolto em uma rede de devires, aberto aos múltiplos tornar-se ou devires. É dele que Prout toma emprestado o conceito de mundo enquanto assemblages constituídas de materiais os mais heterogêneos. Assim também é o conceito de infância apregoado por Prout: "a infância deve ser vista como [...] uma multiplicidade de 'naturezas-culturas', uma variedade de híbridos complexos constituídos a partir de materiais heterogêneos e através do tempo. Ela é cultural, biológica, social, individual, histórica, tecnológica, espacial, material, discursiva..., e ainda mais. A infância não deve ser vista como um fenômeno unitário, mas como um conjunto múltiplo de construções que emergem da conexão e desconexão, fusão e separação desses materiais heterogêneos" (p. 144; tradução minha1 Nota ). E arremata afirmando a relação entre uma das dicotomias mais trabalhadas pelos new social studies of childhood, a agência e a estrutura: a criança é um "ser tornando-se" (being in becoming) (idem).

A última parte do livro é dedicada à psicofarmatologia, às tecnologias reprodutivas e às tecnologias da comunicação e informação enquanto áreas que promovem as instâncias de assemblages natureza-cultura, sociedade-tecnologia, discurso-materialidade no campo da infância. Com isso, Prout coloca-nos naquele mesmo terreno do rizoma, de Deleuze, no qual biologia e sociedade estão na mesma rede. Segundo ele, esses tópicos não podem ser negligenciados nos atuais estudos sobre infância, dada sua atualidade e relevância em relação à vida das crianças.

Talvez aqui coubesse uma crítica ao livro. De quais crianças o autor estaria falando? Não haveria aqui também uma ênfase em um certo tipo de infância, bastante próximo da Europa e dos Estados Unidos? Que pertinência há em falar de psicofarmatologia tratando-se de crianças no semi-árido nordestino ou nas sociedades ameríndias? Minha sugestão é que a infância deve ser foco de estudos que enfatizam a relação entre natureza e cultura não apenas em ambientes onde as novas tecnologias de reprodução, comunicação e informação estão largamente difundidas. Afinal, tratar a natureza e a cultura correlacionadas é uma ferramenta útil para se estudar o universo infantil e não apenas uma contingência histórica.

Finalizando, diria que o livro The future of childhood pode ser lido como um bom sinal para os que se interessam pelo estudo das crianças. Finalmente os pais dos new social studies of childhood se deram conta de que seu bebê não é mais uma criança. Resta a esperança de que aqui nos trópicos também reflitamos sobre as crianças por meio de outros caminhos que não se limitem a começar pela agência e tampouco terminar no construcionismo social.

1 "Childhood should be seen as [...] a multiplicity of 'nature-cultures', that is a variety of complex hybrids constitued from heterogeneous materials and emergent through time. It is cultural, biological, social, individual, historical, technological, spatial, material, discursive... and more. Childhood is not to see as a unitary phenomenon but a multiple set of constructions emergent from the connection and disconnection, fusion and separation of these heterogeneous materials" (p. 144).

  • Nota
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Ago 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 2004
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