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Nem instituição, nem indivíduo: notas sobre carisma e agência a partir de testemunhos de graças de devotos de dois frades franciscanos

Neither institution, nor individual: notes about the charism and agency from the Grace Testimonies of Two Franciscan Friars’ Votary

RESUMO

Este texto se debruça sobre testemunhos de graças de devotos de frei Fabiano de Cristo (1676-1747) e de frei Rogério Neuhaus (1859-1934), a fim de discutir as noções de carisma e agência. O material analisado consiste em cartas escritas pelos devotos e encontradas em suas biografias e em arquivos franciscanos. A reflexão sobre o carisma se mostrou um bom meio de pôr em tela as discussões sobre divíduo, indivíduo e agência. Na esteira da agenda de pesquisa da antropologia dos últimos anos, que objetiva ir além de certa “razão sociológica”, este texto afirma que, para compreender as relações entre frades e seus devotos, parece prejudicial ter que escolher entre carisma de função ou individual. Nessas cartas, a agência não pode ser somente encontrada nem no indivíduo, nem na instituição e sim diluída em toda a malha que reúne divindades, humanos e outras coisas. Além disso, o artigo argumenta que os testemunhos de graça evocam uma noção de divíduo.

PALAVRAS-CHAVE:
Graça; carisma; agência; divíduo; frei Fabiano de Cristo (1676-1747); frei Rogério Neuhaus (1859-1934)

ABSTRACT

This paper analyses the grace testimonies of devotees of friar Fabiano de Cristo (1676-1747) and friar Rogério Neuhaus (1859- 1934), in order to discussing the notions of charism and agency. The analyzed material consists in votary’ letters that can be found at biographies and Franciscan archives office. The reflection about charism allowed discuss anthropological notions like dividual, individual and agency. Following the anthropological research agenda, that aims to go bellowed of the sociologic reason, this text affirms that choice between charism of function and individual charism is not a good way to understanding the relations between friars and votary. In the votary’ letters, the agency cannot be found nether just in the individual, nor just in the institution. The agency is diluted in the meshwork that joins divinity, human and others things. Besides that, the paper evokes a notion of dividual.

KEYWORDS:
Grace; charism; agency; dividual; friar Fabiano de Cristo (1676-1747); friar Rogério Neuhaus (1859-1934)

INTRODUÇÃO

Este texto se debruça sobre testemunhos de graças de devotos de frei Fabiano de Cristo1 1 No século, João Barbosa. Nascido em Portugal no ano de 1676, veio ao Brasil em busca das minas de ouro. Depois de ver seu sócio ser morto, decide ser religioso e entra para a Ordem dos Frades Menores (OFM), em 1704. Era irmão leigo, isto é, não fora ordenado sacerdote. Quase toda sua vida religiosa foi vivida no Convento Santo Antônio do Rio de Janeiro como enfermeiro e porteiro. Faleceu nesse convento em 1747 com fama de santidade. (1676-1747) e de frei Rogério Neuhaus2 2 No século, Henrique Neuhaus. Nascido na Alemanha no ano de 1869, veio ao Brasil em 1891 no contexto da chamada romanização já ordenado padre. Depois de atuar por quase três décadas no planalto de Santa Catarina, foi transferido ao Rio de Janeiro, onde acabou falecendo em 1934 com fama de santidade. Cuidadoso com os enfermos, distribuía remédios homeopáticos, visitava hospitais e doentes em suas casas, levando sacramentos e promovendo curas por meio de sua bênção. (1859-1934), a fim de discutir as noções de carisma e agência. Tanto frei Fabiano quanto frei Rogério foram franciscanos da Ordem dos Frades Menores que viveram no Convento Santo Antônio, no Rio de Janeiro (RJ, Brasil), onde faleceram com fama de santidade. Durante suas vidas e principalmente após suas mortes, proliferam-se em cartas remetidas ao Convento fluminense, bem como publicações em jornais, agradecendo por graças alcançadas por intercessão dos frades. Frei Rogério tentou difundir a devoção do frei Fabiano, o que justifica a análise conjunta de suas trajetórias.

Este texto faz parte de uma pesquisa mais ampla que busca acompanhar religiosos católicos que se dedicavam a promover a saúde dos devotos no contexto do catolicismo brasileiro. São seguidas práticas contemporâneas e históricas a fim de construir um painel das transformações dessas práticas de promoção da saúde no interior de uma instituição religiosa como meio de, por um lado, conhecer como as transformações no culto refletem no modo como se promove a saúde, e, por outro, verificar como as mudanças no campo na saúde alteram as rotinas dos curandeiros católicos.3 3 Trata-se de minha pesquisa de doutoramento. Além dos dois frades aqui abordados, também investigo as trajetórias de Frei Galvão (1739-1822), Padre Eustáquio (1890-1943), Padre Aloísio (1913-2006) e Frei Hugolino (1926-2011), aos quais se poderá remeter, caso a argumentação exigir.

Como recorte dessa investigação, este artigo se dedica à análise de cartas e de publicações em periódicos com testemunhos de graça. Foi facultado o acesso às correspondências arquivadas no Arquivo do Convento Santo Antônio do Rio de Janeiro.4 4 Foi realizado também pesquisa no Arquivo Histórico da Província Franciscana de Nossa Senhora da Imaculada Conceição (SP), onde encontraram-se certa de outras 100 cartas de devotos. Ainda que o conteúdo dessas cartas corrobore as principais ideias aqui defendidas, sua análise não foi incluída no presente artigo. Aproveito para reforçar meu agradecimento a Elizabete Barbero, do Arquivo Histórico da Província Franciscana de Nossa Senhora da Imaculada Conceição (SP), e especialmente a frei Roger Brunório, do Convento Santo Antônio do Rio de Janeiro, com quem mantive diálogo que contribuiu largamente para a realização dessa pesquisa. Completam o material analisado os testemunhos de graça encontrados nas biografias escritas por frei Pedro Sinzig sobre os dois religiosos cujas devoções aqui são enfocadas (Sinzig, 1928SINZIG, Pedro. 1928. Frei Fabiano de Christo: Um servo de Deus no Rio de Janeiro (Irmão Franciscano, falecido, em fama de santidade, no Convento de Santo Antônio, aos 17 de outubro de 1747, e cujos ossos foram reencontrados em 1° de maio de 1924.). Petrópolis, Vozes .; 1939SINZIG, Pedro. 1939. Frei Rogério O.F.M. (2nd ed.). Petrópolis, Vozes .). Grande intelectual da Primeira República, Pedro Sinzig nasceu em 1876 e veio ao Brasil na juventude, tendo se tornado confrade de Fabiano e Rogério ainda no século XIX.5 5 Os dados sobre Sinzig foram encontrados no site da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil. Disponível em: http://www.franciscanos.org.br/?page_id=909. Acesso em: 06 mai. 2017. Faleceu na sua Alemanha natal em 1952. Foi musicista, escritor e jornalista. Além das citadas biografias, escreveu mais de quatro dezenas de livros. Partindo da análise dos testemunhos de graça dos devotos dos freis Fabiano e Rogério encontrados nesses materiais, bem como outros registros documentais, este artigo propõe uma reflexão sobre o carisma, o que se mostrou um bom meio de pôr em tela as discussões sobre divíduo, indivíduo e agência. Inicialmente, apresentarei breve discussão sobre como essas temáticas têm sido abordadas na literatura antropológica.

CARISMA E INDIVÍDUO NA LITERATURA ANTROPOLÓGICA

Os testemunhos de cura aqui analisados evocam a questão do carisma, classicamente debatida por Max Weber. Escrita no início do século XX, as reflexões de Weber (2000WEBER, Max. 2000. “Sociologia da Religião (tipos de relações comunitárias religiosas)”. In: WEBER, Max. Economia e Sociedade (4ª ed.). Brasília, Editora Universidade de Brasília, pp. 281-418.) sobre as práticas religiosas se tornaram uma referência incontornável às análises das relações entre as sociedades e as religiões. Seus escritos influenciaram boa parte dos pesquisadores em sociologia e em antropologia. Dentre os antropólogos, Clifford Geertz (2008GEERTZ, Clifford. 2008. A Interpretação das Culturas (1a ed; 13a). Rio de Janeiro, Editora LTC.) talvez tenha sido o mais bem-sucedido a reivindicar a linhagem do intelectual alemão. Sua antropologia interpretativa, retomando as ideias weberianas, pensa a cultura como um sistema de significados e a religião como cultura.

Além de promover essas concepções semióticas, a influência weberiana divulgou certa análise institucionalista das religiões. Muitos livros e artigos se escreveram classificando as práticas religiosas como seita ou religião, procurando magos, profetas e sacerdotes. Para citar alguns dos trabalhos mais conhecidos, poderiam ser lembrados a crítica à sociologia weberiana da religião escrita por Pierre Bourdieu (1992BOURDIEU, Pierre. 1992. Economia das trocas simbólicas (3ed ed.). São Paulo, Perpectiva.) e a sociologia da secularização de Peter Berger (1997BERGER, Peter. 1997. Rumor de anjos: a sociedade moderna e a redescoberta do sobrenatural. Petrópolis, Vozes.), que desenvolveu as ideias da diferenciação das esferas da vida moderna e da chamada privatização da religião.

Ainda que seja indiscutível a contribuição de Weber e de sua linhagem às ciências sociais da religião, têm emergido perspectivas distintas que buscam traçar outros caminhos ao pensar sobre as práticas religiosas. Em parte, essa procura por alternativas se deve aos fatos empíricos: as práticas religiosas não se confinaram aos ambientes domésticos e parecem insistir em participar das praças e das ruas, dos gabinetes políticos e das decisões neles tomadas6 6 Nesse sentido, a literatura é vasta. Sobre o contexto brasileiro, um extenso levantamento de controvérsias sobre a presença da religião no espaço foi realizado por Ranquetat Jr. (2012). . Em última análise, a própria hipótese da purificação das esferas na modernidade parece não ter se confirmado e ao invés de haver religião aqui e política acolá, observa-se a proliferação dos híbridos (Latour, 1994LATOUR, Bruno. 1994. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. São Paulo, Editora 34.).

Outra trilha de pesquisas distinta do weberianismo se constituiu em torno da categoria de indivíduo. Weber propusera certo individualismo metodológico como melhor modo de investigar as ações sociais, metodologia que muitos antropólogos assumiram, destacadamente Dumont (1997DUMONT, Louis. 1997. “Introdução: As castas e nós”. In: DUMONT, Louis. Homo hierarchicus: o sistema de castas e suas implicações. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, pp. 49-67.). Outros antropólogos, contudo, afirmaram o quanto a categoria de indivíduo poderia inviabilizar a compreensão de noções êmicas. Nesse sentido, Strathern (2006STRATHERN, Marilyn. 2006. O Gênero da dádiva: problemas com as mulheres e problemas com a sociedade na Melanésia. Campinas, Editora da Unicamp.) propôs a noção de divíduo para entender a melanésia em que pesquisou.7 7 Este trabalho, portanto, compartilha com Mosko (2010) a preocupação de ir além da vinculação entre cristianismo e individualismo. Trata-se de um esforço compartilhado por vários antropólogos que tentam, na expressão de Tim Ingold (2016INGOLD, Tim. 2016. “Chega de etnografia! A educação da atenção como propósito da antropologia”. Educação, v. 39, n. 3: 404-411. DOI: https://doi.org/https://doi. org/10.15448/1981-2582.2016.3.21690
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), ir além das redomas.

Na esteira dessas investigações, este trabalho utiliza os testemunhos de graça dos devotos dos freis Fabiano e Rogério, bem como outros materiais documentais, para refletir sobre o carisma, o que se mostrou um bom meio de pôr em tela as discussões sobre divíduo, indivíduo e agência. Grosso modo, Weber (Op. Cit.: 161 et seq.) percebeu um processo de rotinização das práticas na modernização em que as instituições absorvem as propriedades dos carismas, certos dons capazes de atrair seguidores fiéis aos profetas, mediante, por exemplo, a concessão de graças. Dessa forma, se um profeta institui uma igreja, esta, caso seja bem-sucedida, incorpora o carisma do fundador. Não raro, a Igreja Católica, talvez por sua antiguidade, é vista como uma instituição religiosa bastante racionalizada. Por isso, a capacidade de agência dos frades deveria ser atribuída menos a eles do que às graças provenientes das instituições. O hábito não apenas faria o frade, mas também suas potências como intercessor. Assim, Weber apresenta uma concepção pendular: ou as graças viriam do indivíduo profeta, ou da posição do sacerdote nas instituições.

É sabido que não se deve atribuir a Weber e a sua cuidadosa linguagem, tão fugidia das generalizações, assertivas demasiado rígidas como essas.8 8 Além disso, importantes reflexões seguem sendo feitas com base no referencial do intelectual alemão, inclusive em antropologia. Oro (2003) consegue esmiuçar as articulações da Igreja Universal do Reino de Deus no campo político brasileiro. Já Webster (2013) empreende um questionamento da dicotomia entre imanência e transcendência. Sua reflexão apresenta várias conexões com a presente análise. Ao contrário, há de se frisar que categorias como profeta e sacerdote devem ser tomadas como tipos ideais, que na realidade, tão mais rica, não se encontrariam. Tanto é assim que, nas próximas páginas, trata-se também dos dilemas que geram a emergência de um carisma de frade no interior de uma instituição.

Este texto argumenta que a existência desses dilemas, contudo, não indica apenas a inabilidade dos tipos ideais para acontecerem empiricamente. O artigo aproveita os testemunhos de graça para tratar da questão da agência, tema que tem movimentado muitos debates em antropologia (Cf. Gell, 1998GELL, Alfred. 1998. Art and Agency: An Anthropological Theory. In: Contemporary Sociology. Clarendon Press.; Ingold, 2015INGOLD, Tim. 2015. Estar vivo: Ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. Petrópolis, Vozes .; Latour, 1992LATOUR, Bruno. 1992. Ciencia en Accion. Cómo seguir a los científicos e ingenieros a través de la sociedad. Maidenhead, Open University Press.; Ortner, 2007ORTNER, Sherry B. 2007. “Poder e projetos: reflexões sobre a agência”. In: GROSSI, Miriam P.; ECKERT, Cornelia; FRY, Peter H. (Eds.). Conferências e diálogos: Saberes e práticas antropológicas. Blumenau, Nova Letra, pp. 45-80.). A concepção pendular weberiana foi criticada por Bourdieu (Op. Cit.), que observou certo subjetivismo na sua teoria do carisma. O sociólogo francês percebeu que não é possível a emergência de um profeta sem um corpo de crentes em suas profecias. Desloca, então, a agência e, em alguma medida, a distribui também entre os fiéis.

A proposta de Bourdieu, todavia, segue restrita aos humanos e compartilha com Ortner (2007ORTNER, Sherry B. 2007. “Poder e projetos: reflexões sobre a agência”. In: GROSSI, Miriam P.; ECKERT, Cornelia; FRY, Peter H. (Eds.). Conferências e diálogos: Saberes e práticas antropológicas. Blumenau, Nova Letra, pp. 45-80.) certo antropocentrismo. São humanos os profetas, são humanos os fiéis, o que não raro faz emergir uma razão sociológica. Já o convite feito pela chamada virada ontológica (Cf. Henare, Holbraad e Wastell, 2007HENARE, Amiria; HOLBRAAD, Martin; WASTELL, Sari. 2007. “Introduction: thinking through things”. In: HENARE, Amiria; HOLBRAAD, Martin; WASTELL, Sari (Eds.). Thinking Through Things: Theorising Artefacts Ethnographically.. Abingdon, Routledge.) consiste em também observar as contribuições de outras coisas - as forças das águas, as ações dos materiais, os desígnios das divindades, etc. - na constante reconfiguração do mundo. Além disso, esse convite também implica em “[...] leva[r] o pensamento nativo a sério” (Viveiros de Castro, 2006VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 2006. A Inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo, Cosac Naify. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-93132003000100015
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: 129), o que não se constitui como uma opção do pesquisador, senão uma exigência de um contínuo processo de simetrização (Reyes, 2015REYES, Luis Fernando de Jesús. 2015. Negros devenires: siguiendo a las trayectorias de las negritudes materiales en Bolivia. Porto Alegre, dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.: 57). Aporte fundamental para as reflexões sobre a arte e as coisas em antropologia, Gell (1998GELL, Alfred. 1998. Art and Agency: An Anthropological Theory. In: Contemporary Sociology. Clarendon Press.) tampouco propõe, ao sugerir a noção de abdução da agência, uma superação do fundamento humano da agência das coisas. Em sua crítica da noção de agência, Ingold (2012INGOLD, Tim. 2012. Trazendo as coisas de volta à vida: emaranhados criativos num mundo de materiais. Horizontes Antropológicos, v. 18, n. 37: 25-44. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-71832012000100002
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) destaca que semelhante noção de abdução reafirma redomas.

Nos textos dos devotos dos freis Fabiano e Rogério, é possível encontrar uma noção de agência que se avizinha da apresentada por alguns autores preocupados em aproximar populações antes que em produzir distinções entre os de aqui e os de acolá, os católicos e os melanésios. Ao invés de reforçar as superfícies que separam coisas e mundo, indivíduo e coletivo, esses agradecimentos obliteram essas distinções. À luz, portanto, dos relatos presentes nos testemunhos de cura, não se pode confiar nem no indivíduo, nem na instituição como origem do carisma. É o que tentarei mostrar a seguir.

NEM INSTITUIÇÃO, NEM INDIVÍDUO

A devota de frei Fabiano de Cristo Herondina N. V., moradora da cidade paulista de Santos, aproveitou o feriado da República de 1973 para escrever uma carta que remeteria ao Convento Santo Antônio da capital fluminense. Na correspondência, Herondina elucidou como se tornou devota do frade falecido quase 250 anos antes: “Minha falecida tia, Thereza M. M., era devota e foi por intermédio dela que tenho as relíquias e as orações”.9 9 Os textos antigos foram atualizados conforme a gramática e a ortografia vigentes contemporaneamente. Preservou-se, contudo, os sentidos e, no mais possível, a estrutura oracional. Tratava-se, pois, de uma devoção transmitida no âmbito familiar. E também acionada a fim de conseguir graças a parentes:

Revmo. Pe. Superior do Convento de Santo Antônio

Sou muito devota de Frei Fabiano de Cristo e como alcancei várias graças venho nos comunicar. [...]

1ª graça) Meu filho estava doente e o médico meio indeciso sobre a doença.

Passaram três meses e como não acertasse o diagnóstico recorri a Frei Fabiano e graças a ele descobri que o meu filho estava com pedras na vesícula. Foi operado e hoje se sente bem.

2ª) Meu irmão andava muito triste e doente - como era um moço alegre muito nos preocupou. Foi por intermédio de Frei Fabiano que consegui que meu irmão fosse para Lindóia e o médico diagnosticou estafa.

Outras graças de saúde tenho conseguido. Graças a ele tenho também saúde pois estive várias vezes doente.

Herondina N. Vieira

Depois dessa assinatura, indica seu endereço. Em seguida, ainda solicita o envio de relíquias e santinhos do frade, bem como o correto endereço do Convento, pois gostaria de encaminhar um “pequeno óbulo” à casa franciscana. A intenção de receber objetos devocionais relacionados ao filho de São Francisco estava ligada à vontade de difundir seu culto: “Tenho propagado a devoção d’este querido santinho”. Por fim, pede bênção e orações do padre superior, encerrando a carta com um muito obrigado.

Esse agradecimento final, bem como o pedido de bênção e orações, difere das gratidões presentes nos parágrafos anteriores da mensagem, destinados ao frade da virada do século XVII ao XVIII. Difere não apenas pelo irmão a que se destina, mas também em função da razão pela qual a devota Herondina se vê obrigada a expressar gratidão a cada um. Frei Fabiano de Cristo merece o agradecimento de sua fiel pelas graças que lhe concedeu, ao passo que o padre superior faz jus por receber a carta e lhe dar bênçãos e lhe incluir em suas orações.

A potencialidade dessas orações e bênçãos, aparentemente, se devem ao fato de o confrade de Fabiano ser superior de um Convento. De fato, Herondina pode ter imaginado que ser abençoada por uma pessoa que ocupa semelhante lugar em uma tal instituição poderia contribuir para receber graças. E é bastante comum pessoas hoje pedirem bênçãos a sacerdotes quando os cumprimentam, o que também deveria acontecer nos inícios da década de 70, quando Herondina escrevia. Seguindo esse raciocínio, não seria difícil concluir que o padre superior carrega um certo carisma advindo da posição que ocupa. Conforme a terminologia weberiana (Weber, 2000WEBER, Max. 2000. “Sociologia da Religião (tipos de relações comunitárias religiosas)”. In: WEBER, Max. Economia e Sociedade (4ª ed.). Brasília, Editora Universidade de Brasília, pp. 281-418.), seria o carisma relacionado à função.

Em oposição, as graças garantidas à devota Herondina e à sua família pelo frei Fabiano se deveriam, pelo menos em boa parte, a outro tipo de carisma, a saber, o carisma individual desse irmão leigo. Foram o frei Fabiano e seus dons que conseguiram descobrir as pedras que se formaram na vesícula do filho. Esses mesmos dons iluminaram o médico de seu irmão a perceber a estafa que lhe afligia. São esses carismas do indivíduo que parecem mobilizar Herondina a ser devota do frade, a conservar as relíquias ganhas de sua tia, fazer as orações para ele, distribuir objetos de devoção entre conhecidos.

O modo de a devota conseguir esses objetos para distribuir remete a um processo de crescimento da instituição na pessoa do frade, que pode ser elucidado pelas categorias weberianas. É a instituição franciscana que se encarrega de receber os pedidos de material sobre o seu filho famoso e de responder distribuindo-os. As biografias mais conhecidas sobre o frade foram escritas por seus irmãos de hábito (Baggio, 1974BAGGIO, Hugo. 1974. Frei Fabiano de Cristo. Rio de Janeiro, Convento de Santo Antônio.; Conceição, 1754CONCEIÇÃO, Frei Apolinário da. 1754. “Venerável Fr. Fabiano de Chrisfto”. In: CONCEIÇÃO, Frei Apolinário. Pequenos na terra, grandes no céu: memórias históricas dos religiosos da Ordem Seráfica, que do humilde estado de Leigos subiram ao mais alto grão de perfeição. Lisboa, Oficina do Doutor Manuel Alvarez Sollano, pp. 588-597.; Sinzig, 1928SINZIG, Pedro. 1928. Frei Fabiano de Christo: Um servo de Deus no Rio de Janeiro (Irmão Franciscano, falecido, em fama de santidade, no Convento de Santo Antônio, aos 17 de outubro de 1747, e cujos ossos foram reencontrados em 1° de maio de 1924.). Petrópolis, Vozes .). Durante as décadas de 20 e início da seguinte, frei Rogério foi responsável por verdadeira campanha pela difusão da devoção e pela beatificação do chamado servo de Deus, como nos conta o biógrafo dos dois:

Frei Rogério não esperava que lhe falassem de frei Fabiano ou que lhe pedissem alguma relíquia. Ele tomava a iniciativa, tanto no confessionário quanto fora dele, tanto com os humildes e os leigos, quanto com os cultos, os padres e os bispos. Ansioso por ver propagado este culto, em mesmo se limitava a dar a relíquia pedida; dava logo 2, 3, meia dúzia e mais para que o visitante, por sua vez, se transformasse em propagandista. Do mesmo modo propagou, em longa escala, o primeiro trabalho publicado sobre frei Fabiano (Sinzig, 1939SINZIG, Pedro. 1939. Frei Rogério O.F.M. (2nd ed.). Petrópolis, Vozes .: 302).

Nesse processo, por certo, o próprio frei Fabiano é transformado. E o discurso hagiográfico (Certeau, 1982CERTEAU, Michel de. 1982. A escrita da historia. Rio de Janeiro, Forense Universitária.) presente nas citadas biografias remete a isso.

Toda essa análise, contudo, não salienta alguns aspectos centrais, ainda que explique o processo e o torne compreensível. A antropologia, mais preocupada com o modo como as pessoas vivem do que em explicar suas vidas, busca destacar outros elementos. Para isso, é necessário analisar as outras cartas de devotos enviadas ao Convento.

Assim como a da Herondina, cerca de outras 75 cartas relacionadas a frei Fabiano de Cristo foram deixadas pelos carteiros no Convento nas décadas de 70, 80 e 90.10 10 Foram essas três décadas que tive acesso na pesquisa que fiz no Convento Santo Antônio, do Rio de Janeiro, em janeiro de 2018. Trata-se de cartas que, por alguma razão circunstancial, ainda não foram ao arquivadas no Arquivo Franciscano da Província da Imaculada Conceição, que fica em São Paulo. Foi coletado material também nesse Arquivo. Ainda que o conteúdo dessas cartas corrobore as principais ideias aqui defendidas, sua análise não foi incluída no presente artigo. Dezenas de correspondências de devotos de frei Rogério foram transcritas por seu biógrafo (Sinzig, 1939SINZIG, Pedro. 1939. Frei Rogério O.F.M. (2nd ed.). Petrópolis, Vozes .). A maioria delas trazia testemunhos de graças. A moradora da capital do Espírito Santo Maria Francisca M., 80 anos, aproveitou outro feriado para escrever uma carta ao Superior do Convento. No Dia do Trabalhador de 1983, escreveu “[...] num dever de devoção e como cristã, católica, apostólica, contar um caso que aconteceu comigo, cuja intervenção de Frei Fabiano de Cristo foi um verdadeiro milagre!”. Descreve que estava se banhando nos mares de Vitória quando sentiu algo se agarrar em sua perna. Sua reação imediata foi sair da água a fim de saber do que se tratava e, então, percebeu que se formara uma hemorragia no membro inferior afetado: “Saí da água e esfreguei areia até que o sangue estancou”.

A partir do malogrado banho de mar, Maria Francisca iniciou um itinerário terapêutico. “Passados dias o local começou a coçar muito e quanto mais coçava mais aumentava a coceira. Recorri a tudo quanto foi médico e medicamentos caseiros. Virou um eczema horrível, tendo [incompreensível] passado para a outra perna, aumentando o sofrimento”, relatou. Esse itinerário foi alterado por outro itinerário terapêutico. Uma amiga sua fora ao Rio para tratar um problema renal lhe trouxe um presente-surpresa, uma relíquia de frei Fabiano:

Continuava nesse desespero grande. Uma senhora amiga, por motivos de saúde, foi ao Rio, tendo extraído um rim. Daí, na casa de saúde, a essa senhora, uma amiga deu uma relíquia de frei Fabiano de Cristo, a qual foi recebida com indiferença, pois a senhora não era católica. Chegando a Vitória a doente deu-me: “Maria, trouxe um presente para você”, mas nunca m’o deu. Fiquei sem coragem de lembrar-lhe. Novamente, [incompreensível] a senhora voltar ao Rio para novo tratamento, dessa vez não pôde extrais o outro rim, pois já não possuía um. Voltando a Vitória (fazia tempo), ela lembrou do presente prometido e me deu a relíquia.

(Carta arquivada no Arquivo do Convento Santo Antônio, do Rio de Janeiro).

Diante do presente, Maria Francisca não ficou muito animada, já que desconhecia o frade cuja pessoa era tornada presente pela relíquia: “Não fiquei muito entusiasmada, na verdade, pois não sabia ainda das virtudes de Frei Fabiano”. Essa atitude indiferente em relação ao regalo mudou depois de, em plena crise de cócegas, ouvir uma voz lhe recordando do frade: “Passado muito tempo, em uma noite, acordei à meia-noite, com as pernas coçando desesperadamente. Ouvi, então, uma voz que me disse: ‘Frei Fabiano de Cristo!’”

Essa voz fazia as vezes de uma revelação das potencialidades do filho de são Francisco. Maria cujo segundo nome homenageava o santo de Assis rezou pedindo os favores do irmão leigo: “Lembrei-me então da relíquia e pedi com todo o fervor: ‘Frei Fabiano de Cristo, cura as minhas pernas!’.” E conseguiu ser atendida em seu apelo pela cura: “No dia seguinte minhas pernas não coçavam mais e eu esqueci completamente desse problema. Passado um mês, sem colocar mais qualquer remédio, lembrei de olhar as pernas e vi, com surpresa e, ainda sem a menor mancha, limpas, como até hoje estão”.

Por conceder essa graça à Maria Francisca, frei Fabiano conquistou uma devota: “Uma graça, uma grande graça, sem dúvida me havia concedido Frei Fabiano, de quem hoje sou grande devota”. E por isso se mostra bastante agradecida: “Frei Fabiano me curou de um grande mal. Obrigada, meu Deus. Com os cumprimentos atenciosa da [incompreensível] em Jesus Cristo. Louvado sejam Jesus e Maria”.

Ao demonstrar essa gratidão, Maria Francisca se diz obrigada a Deus, ainda que atribua a cura “de um grande mal” ao frade. Isso pode parecer uma incoerência, mas é bastante comum nos testemunhos coletados, como se vê nos textos abaixo. Antonieta escreveu para agradecer “[...] três graças do frei Fabiano de Cristo”, mas, ao descrever a primeira, a atribui tanto ao frade quanto a Deus:

Recife, 10 de outubro de 78

Rev. Pe. Superior do Convento de S. Antônio do Rio.

Venho por meio desta, comunicar a V. Ver. Que alcancei três graças do Frei Fabiano de Cristo. Vou descrevê-las:

1a: Por um filho nenem ter sido mordido de um cachorro doente, mas graças a Deus e a ele, está recuperado. Apenas está muito nervoso.

2a: Por no momento que orava pedindo a vitória do Brasil, não cheguei a terminar o Brasil dava o ‘gool’.

3a: Por ter aparecido uma manhã uma mancha no meu seio, com fé, pedir a ele, e alcancei, sem nenhum medicamento.

Queira o sr. me desculpar pela minha futilidade do jogo, fiz isso porque os meus estavam muito preocupados, onde já tive dois que teve infarto.

Agradeço por tudo que ele tem feito aos meus, já enviei uma pedra agradecendo a graça que meu filho alcançou. Com o nome Antônio Carlos.

Agradece Antoniete J.

(Carta arquivada no Arquivo do Convento Santo Antônio, do Rio de Janeiro - Grifos meus).

De modo parecido, Tereza P. de F. se mostra grata simultaneamente a Deus e a frei Fabiano:

Rio 29/3/84

O servo de Deus Frei Fabiano de Cristo

Agradeço uma grande graça alcançada. Estando com uma úlcera no estômago, sarou em pouco tempo com novenas feita a Frei Fabiano de Cristo o meu muito obrigado e de toda a minha família, depois das novenas fiz uma radiografia para minha maior alegria, e de todos da família estava tudo sarado e limpo, como que lavado com sabão, mas eu sei que foi lavado sim com a graça de Deus e Maria Imaculada minha mãe em Frei Fabiano de Cristo.

Obrigado meu Deus, obrigado mais uma vez a mãe de Deus e minha mãe, em Frei Fabiano de Cristo.

Tereza P. de F..

(Carta arquivada no Arquivo do Convento Santo Antônio, do Rio de Janeiro - Grifos meus).

Outro modo de ser agradecido a Deus e a frei Fabiano é expressar que este último atua como mediador junto ao primeiro, alcançado favores, curas, enfim, graças e milagres. Assim escreveram alguns devotos de frei Rogério, como Romano Marques Machado e Ida A., bem como de frei Fabiano, como Leonor F. de F. e Iolanda D. se mostram gratos simultaneamente a Deus e a frei Fabiano. A eles, Deus concedeu graças, como aliviar dores nas colunas e salvar auxiliares da morte e tirar cunhados da maçonaria, atendendo as preces de frei Fabiano, acionado pelas súplicas de suas devotas:

No dia 15 deste mês (setembro de 1937) - escreveu-me Conceição do Arroio (Osório) Rio Gr. do Sul, o sr. Romano Marques Machado - após trabalhar quase todo o dia no campo, lidando com o gado, estávamos, pela tarde, de regresso à casa, descansando em uma venda, quando fomos, inesperadamente, insultados e bombardeados por um bandido protegido das autoridades policiais deste município. [...] um auxiliar meu saira gravemente ferido. O bandido atirara-lhe pelas costas, onde penetrou o projetil, saindo na região umbilical. Chamado urgente o médico, este constatou que a bala penetrara os intestinos, sendo o ferimento mortal. Transportado o ferido para a vila, foi o seu estado agravando-se cada vez mais, chegando o médico a afirmar a algumas pessoas que médico e remédio de nada serviam para salvá-lo; somente um desses milagres lá de cima. [...] eu fizera a promessa de [...] dar 10 contos de réis, para iniciar-se a canonização (beatificação) do santo frei Rogério, se o ferido sarasse.

Sexta-feira, pela manhã, começou a melhorar progressivamente. [...] Foi um grande milagre que o santo frei Rogério alcançou de nosso Senhor, para maior glória de Deus e exaltação da s. Igreja. (Sinzig, 1939SINZIG, Pedro. 1939. Frei Rogério O.F.M. (2nd ed.). Petrópolis, Vozes .: 549 - Grifos meus)

Em carta de 5.9.1934, escreve a sra. Ida A., de Vitória:

‘Eu estava constantemente atacada de dores horríveis no fígado, acompanhadas de vômitos; não podia comungar... Consultei os melhores médicos; um deles disse que talvez fosse um tumor no fígado ou no estômago. Recorri ao servo de Deus frei Rogério, pedindo ficar curada até setembro. Graças a Deus, pela intercessão de seu servo frei Rogério, obtive minha cura. Não tenho mais dieta; faço as refeições como quero; não escolho comida; nada me faz mal, quando antes até a água que bebia provocava dores horríveis’.(Sinzig, 1939SINZIG, Pedro. 1939. Frei Rogério O.F.M. (2nd ed.). Petrópolis, Vozes .: 549 - Grifos meus)

Humildes, 1° de julho de 1977

Rev. Padre Superior do Convento de Santo Antônio

Foi concedida a graça da cura do meu cunhado Jaime Bastos Pereira, filho de Cachoeira, cidade do estado da Bahia por intermédio de Frei Fabiano de Cristo.

Além da cura corporal, Deus também concedeu a santa comunhão, que há muito estava afastado, pois o mesmo era maçon. É aqui o testemunho a minha gratidão a Deus pelo favor de Frei Fabiano.

Leonor F. de F.

(Anexo de carta arquivada no Arquivo do Convento Santo Antônio, do Rio de Janeiro - Negritos meus).

Taquaraçu 12.4.95 filio pasen Convento de Santo Antônio

Uma grande devota de S. Antônio venho por meio desta carta para agradecer por uma grande graça que consegui por meio de venerável Frei Fabiano de Cristo. Eu estava sofrendo da coluna. Desde pequena sempre sofri. Ano passado na semana santa estive quase paralítica. Pedi ao Frei Fabiano que me concedesse este milagre já fez um ano que eu não sinto mais esta dor. Apesar que eu tenho a minha idade estou com 84 anos de vida, graças ao bom Deus e meu grande devoto S. Antônio. Meu nome é Iolanda D.

Verso: Gostaria a ser atendida por meio desse grande devoto Frei Fabiano o [incompreensível].

[Assinatura

Endereço].

(Anexo de carta arquivada no Arquivo do Convento Santo Antônio, do Rio de Janeiro - Negritos meus).

O fato de conseguir ser atendido por Deus ao interceder em favor de seus fiéis indica que se trata de um bom santo, eficiente ao cuidar dos pedidos de seus devotos. Isso é um dos principais motivos apontados para a constituição de uma relação de devoção, ainda que não seja apenas esse, como esclareceu Menezes (2004MENEZES, Renata de Castro. 2004. A dinâmica do sagrado: Rituais, sociabilidade e santidade num convento no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Relume Dumará.), tema ao qual retornaremos ainda neste texto. Por ora, cabe citar a oração que a devota chamada Etelvenia Rosa Rodrigues publicou em um periódico, cujo recorte anexou à carta de agradecimento que endereçou ao Convento em 18 de abril de 1977. Nessa oração, deixa clara a avaliação do santo conforme sua capacidade de ser agraciado por Deus:

PARA AGRADECER UMA GRAÇA RECEBIDA

Meu amável Frei Fabiano, venho agradecer de todo coração, mais uma vez DEUS manifestou o quanto valeis junto a Ele e mais uma vez me convidais a confiar neste DEUS que através de vossa intercessão ouviu-me numa hora de aflição. Fico agradecido e espero merecer sempre a vossa proteção para que livre dos perigos da alma e do corpo posso percorrer os caminhos da vida e alcançar vossa companhia na CASA DO PAI.

Amém.

E.R.R.

(Anexo de carta arquivada no Arquivo do Convento Santo Antônio, do Rio de Janeiro - Negritos meus).

Os santos são, por excelência, mediadores. Calavia Sáez (2009SÁEZ, Oscar Calavia. 2009. O que os santos podem fazer pela Antropologia? Religião e Sociedade, v. 29, n. 2: 198-219. DOI: https://doi.org/http://dx.doi.org/10.1590/S0100-85872009000200010
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.159...
) destaca que a existência de devoções a santos tem como requisito a permissão de mediação entre divindades e humanos:

Os santos precisam de algumas condições mínimas para existir: uma religião cuja divindade seja suficientemente explícita ao tempo que distante, e que permita esse tipo de mediação. Isso não acontecerá em universos religiosos onde, nem acontecerá em a dicotomia divino/ humano não seja definida ou relevante um segmento considerável das grandes religiões, que não tolera as mediações. (Sáez, 2009SÁEZ, Oscar Calavia. 2009. O que os santos podem fazer pela Antropologia? Religião e Sociedade, v. 29, n. 2: 198-219. DOI: https://doi.org/http://dx.doi.org/10.1590/S0100-85872009000200010
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: 198)

Ao lembrarem de agradecer a Deus e ao frade, à divindade e ao mediador, Etelvina e os outros devotos afirmam que a fonte da graça é Deus. A cura que salvou a devota da coceira na perna ou da úlcera que se formara no estômago, do cachorro que, raivoso, mordeu o filho; o providencial gol que evitou mais enfartos na família de cardíacos; ou a salvação da vida do auxiliar baleado nas brigas de venda; todos esses acontecimentos são demonstrações da graça divina, derramada sobre a terra mediante a intercessão de frei Fabiano e de frei Rogério.

Se a graça é divina, nem indivíduo, nem instituição podem ser chaves explicativas para as curas, para as conversões, para as vitórias da seleção brasileira e outras súplicas de devotos. Tal como os melanésios de Strathern (2002STRATHERN, Marilyn. 2002. “Parts and wholes: refiguring relationships in a post-plural world”. In: KUPER, Adam (Ed.). Conceptualizing society.. Abingdon, Routledge , pp. 75-104. DOI: https://doi.org/https://doi.org/10.4324/9780203032244
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), que não são partes de um todo, a graça não se origina do fato de um sacerdote ser parte de uma instituição, tampouco dele como indivíduo. A graça se apresenta como certo fluído que compõe todos os seres e coisas e que, em certa medida, é a expressa da onipresença de Deus. Um católico concordaria que a vida é a graça primeira que um ser recebe. E que toda a existência requer também as graças divinas, garantias do chamado pão-de-cada-dia, das salvações diante das enfermidades. “Graças a Deus” tornou-se uma expressão repetida para os mais variados acontecimentos. Nesse sentido, a graça não deve ser entendida como o extraordinário e sim como fundamento de todos os acontecimentos benfazejos da existência. Segundo seu biógrafo, o próprio frei Rogério poderia explicar essa questão:

[...] Deus pode aparecer por todos os lados. Sua onipresença acontece especialmente pela distribuição da graça, cuja falta é que deve preocupar. Aguardando um bonde que tomaria com um terceiro franciscano, frei Rogério, observando as fiações elétricas da metrópole carioca, teria dito ao companheiro: “A graça, irmãozinho, é como a eletricidade que agora faltou naquele fio [...]. Ela corre invisível, mas, de uma hora para outra, pode faltar... devemos ter cuidado em conservá-la conosco” (Sinzig, 1939SINZIG, Pedro. 1939. Frei Rogério O.F.M. (2nd ed.). Petrópolis, Vozes .: 318).

Além disso, pode-se afirmar que a Igreja Católica, por seu turno, é igualmente depende da graça divina para tomar o bom caminho. Dessa forma, “[…] o que constitui a parte também constitui o todo” (Strathern, 2002STRATHERN, Marilyn. 2002. “Parts and wholes: refiguring relationships in a post-plural world”. In: KUPER, Adam (Ed.). Conceptualizing society.. Abingdon, Routledge , pp. 75-104. DOI: https://doi.org/https://doi.org/10.4324/9780203032244
https://doi.org/https://doi.org/10.4324/...
: 82).11 11 Minha tradução para: “[…] what makes up the part also makes up the whole”.

Com certeza, há controvérsias com relação a isso. E muitos são os devotos que concordam com Herondina, cuja carta foi transcrita no início deste tópico, e que consideram o santo como provedor da graça. O processo de canonização vigente na Igreja Católica, no entanto, deixa transparecer pistas para pensar que a moradora de Santos não discorda tanto dos outros devotos do frade luso-brasileiro.

Para que uma pessoa figure no cânion dos santos católicos, há algumas carreiras possíveis. A trajetória considerada regular envolve dois milagres, um realizado depois do processo iniciado, que dará direito ao candidato a santo ser declarado beato, e outro, após essa declaração (Cf. Peixoto, 2006PEIXOTO, Maria Cristina L. 2006. Santos da porta ao lado: os caminhos da santidade contemporânea católica. Rio de Janeiro, tese de doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro.). Mas para que, por exemplo, uma cura seja tomada como um milagre atribuível a alguma pessoa cuja “causa” se esteja postulando, é necessário que as súplicas tenham sido dirigidas somente ao aspirante a santo. Isso pode causar muitos dilemas aos postuladores responsáveis por encontrar, dentre as graças alcançadas por intercessão do candidato a santo, algo que possa ser declarado um milagre.

Dilemas como esses tem vivido a irmã Edith, cujos esforços por identificar um milagre para a beatificação do padre Aloísio, um sacerdote dos Sagrados Corações que viveu em Santa Catarina (Brasil) e cujo processo de beatificação também acompanhei como parte desta pesquisa. Conversando comigo enquanto vasculhávamos os arquivos do Instituto Padre Aloísio, a religiosa falou de um caso em o referido presbítero foi invocado para ajudar na gestação do pequeno M. A., tida como de alto risco. A grávida, uma médica de São Bento do Sul (Santa Catarina, Brasil), ao identificar a anormalidades na movimentação do feto no útero, passou a rezar para padre Aloísio, de quem os padrinhos do bebê haviam falado. “Nele depositei minha fé. E orei para que ele salvasse a mim e o meu bebê no dia 16 de abril de 2013”, escreveu a miraculada em testemunho de graça entregue à irmã Edith, que me permitiu ler na ocasião.

Nesse testemunho, a devota também afirma que usou óleo bento pelo padre:

Passei a utilizar duas gotas do óleo do Padre Aloisio no alimento que eu ingeria. Com muita fé, sempre ao meio-dia. Duas gotas e a fé de que tudo daria certo. Os exames começaram a melhorar. [...] Mesmo assim, o bebê seguia com restrição importante de crescimento [...]. Passei a ungir minha barriga com o óleo do Padre.

O bebê nasceu prematuro. Precisou ficar um período na UTI especialmente para aumentar seu peso. “No leito da UTI ficou a imagem do Padre Aloisio constantemente. Ele foi e é o guardião do M. A.”, contou a mãe.

O dilema da irmã é que, em meio aos problemas da gestação que lhe pareciam graves, a gestante também recorreu a outros santos. “Rezar também para Nossa Senhora e Jesus ou Deus pode. Afinal, são eles que fazem o milagre. Mas a pessoa tem que ter certeza de que a intercessão foi só do padre Aloísio”, afirmou irmã Edith, duvidando da utilidade do caso para fins de beatificação do padre. Essa pequena digressão a esse outro caso pesquisado serve para salientar que, como Deus, Jesus e Nossa Senhora sempre estão envolvidos na produção de uma graça, acioná-los em um rogo não diminui o papel central do santo (ou candidato) na sua consecução. Então, agradecer a Deus e ao santo, e não apenas a este último, é, alguma medida, um preciosismo. E dar graças a Deus, uma certa obviedade.

A eficácia dos sacramentos, ex opere operato, e sua diferença com relação à força dos sacramentais, ex opere operantis Ecclesiae, remete a essa mesma discussão. Um padre poderia esclarecer que, segundo a doutrina católica, no batismo ou no matrimônio, bem como nos outros cinco sacramentos, o próprio Cristo estaria agindo. As eficácias dos sacramentos - a união dos noivos, a remissão dos pecados na reconciliação, etc. - independem dos carismas individuais de quem os celebra. Já a potência de uma bênção ou de outra oração são condicionadas pelo ministro e pelo fiel, por suas fés e confianças. Pareceria que, nesse ponto, Weber tinha razão e o importante é ora o carisma da função, ora o individual. Mas isso seria ignorar que o realmente significativo para Herondina ou para outros devotos é acessar as graças que são condições a uma boa vida. E o que os leva a seguir suas devoções é, como revelou Etelvenia, o quanto vale, no céu, o santo junto a Deus, a fonte das bênçãos e detentor dos poderes sobrenaturais. Sobre Frei Galvão, outro franciscano que faleceu em fama de santidade, um artigo do jornal Correio Paulistano do início da década de 20 escreveu: “Sua alma, qual formoso lírio, toda se voltava para o céu, donde recebia a flux o orvalho da graça” (Silva, 1921SILVA, Manuel Altenfelder. 1921, 29 de outubro. Frei Antonio de Sant’Anna Galvão. Correio Paulistano, 7. - complementar primeiro nome da referência (não encontrada).). O carisma não está nem na instituição, nem no indivíduo. Ou melhor: está nos dois, pois a graça divina os atravessa e os movimenta. Talvez a diferença entre o ex opere operato e o ex opere operantis Ecclesiae não seja onde está o carisma, mas quem medeia seu alcance.

Outra situação em que se aciona o argumento weberiano é para analisar os frequentes conflitos estabelecidos de religiosos que intermedeiam o alcance de graças com seus colegas e, principalmente, com seus superiores. Alguma prática de cura é vista como muito heterodoxa ou alguma atitude é considerada pouco canônica, e os religiosos têm suas condutas observadas e possivelmente, repreendidas. Nos conceitos da sociologia da religião de Max Weber, o conflito ocorre porque, em uma igreja, o carisma de função é mais importante do que o carisma pessoal (Weber, 2000WEBER, Max. 2000. “Sociologia da Religião (tipos de relações comunitárias religiosas)”. In: WEBER, Max. Economia e Sociedade (4ª ed.). Brasília, Editora Universidade de Brasília, pp. 281-418.).

No caso do frei Fabiano, esse tipo de conflito pode ser observado no arquivamento da famosa moringa do frade. Fabiano atuou cerca de 38 anos como enfermeiro do Convento Santo Antônio (Conceição, 1754CONCEIÇÃO, Frei Apolinário da. 1754. “Venerável Fr. Fabiano de Chrisfto”. In: CONCEIÇÃO, Frei Apolinário. Pequenos na terra, grandes no céu: memórias históricas dos religiosos da Ordem Seráfica, que do humilde estado de Leigos subiram ao mais alto grão de perfeição. Lisboa, Oficina do Doutor Manuel Alvarez Sollano, pp. 588-597.). Na enfermaria, tratava de seus confrades doentes. Ao mesmo tempo, atendia à população da cidade que batia à porta da casa franciscana: “Ricos e pobres vinham ao convento pedir a Frei Fabiano intervenção perante Deus nas suas enfermidades, e as orações de Frei Fabiano eram quase sempre atendidas” (Röwer, 2008RÖWER, Basílio. 2008. O Convento Santo Antônio do Rio de Janeiro: Sua história, memórias, tradições. Rio de Janeiro, Editora Zahar.). Ao socorrer os citadinos, frei Fabiano oferecia a água de uma moringa, que ficou conhecida como milagrosa. O jarro, porém, foi arquivado e sua água deixou de ser distribuída, como se lê na biografia de frei Rogério:

[...] frei Rogério estava no hospital onde morreria. Seus confrades lhe perguntavam: ‘E frei Fabiano de Cristo, -perguntamos ao doente, - não poderia curá-lo, Paizinho? Isto sim, que seria milagre!’

Frei Rogério, que já rezara no fundo da alma o seu Nunc dimittis servum tuum, Domine, não se apegava à vida, embora toda a natureza humana o faça. O argumento, a respeito de frei Fabiano, tinha fundamento. Não deveria ele rezar nesta intenção? Outrora, inúmeras vezes tinha dado a enfermos e devotos um pouco d’água da moringa de frei Fabiano de Cristo, ainda conservada no convento, e da qual este venerado servo de Deus, na vida, também dera aos doentes para beber. Durante anos, esta água tinha sido distribuída na portaria do convento, até que a campanha dum diário vermelho, relacionando a distribuição da água de frei Fabiano com fatos supersticiosos em Minas Gerais, fizesse com que os religiosos cortassem qualquer mal possível, pela raiz, fechando a moringa no arquivo do convento. Frei Rogério manifestou-me seu desejo:

-Diga ao P. guardião que lhe mando pedir um pouco d’água de frei Fabiano.

O pedido foi satisfeito. Frei Damião Berge Silbernagel, capelão da Casa de Saúde, levou um frasquinho, e frei Rogério, com a piedade e o respeito que a outros recomendava, tomou uns goles. [...] Frei Rogério, no entanto, sentiu as dores aumentarem. Não se queixou. Nem para isso abriu a boca (Sinzig, 1939SINZIG, Pedro. 1939. Frei Rogério O.F.M. (2nd ed.). Petrópolis, Vozes .: 394-396).

Diante da vinculação entre o jarro e a práticas “supersticiosas”, os confrades de frei Fabiano arquivaram a moringa e tolheram uma parte significativa de sua atividade junto à população, abrindo uma exceção para um grande difusor de sua devoção, frei Rogério. Poderia se dizer que a instituição, receosa da emergência de profetas, no sentido weberiano, promove um combate às heterodoxias. Sem retirar toda a validade dessa interpretação, é preciso atentar para a justificativa dos religiosos: cortar “[...] qualquer mal possível, pela raiz”. Assim, como a graça divina se imiscui com as coisas e pode ser transmitida por um gole da água da moringa, forças malignas ou diabólicas também busca suas brechas, para a usar a expressão de Costa (2017COSTA, Ypuan Garcia. 2017. “Abertura para Deus” e “brecha” para o demônio: a “libertação” entre católicos na cidade de São Paulo. São Paulo, tese de doutorado, Univesidade de São Paulo.). Para além da razão sociológica, é preciso estar atento à ontologia patrocinada pelas pessoas, religiosos e leigos, em seus cotidianos.

Observando os testemunhos de graça, pude perceber uma complexa noção de agência. As curas e outras graças alcançadas pelos devotos não são nem fruto do carisma individual, nem do carisma de função (Weber, 2000WEBER, Max. 2000. “Sociologia da Religião (tipos de relações comunitárias religiosas)”. In: WEBER, Max. Economia e Sociedade (4ª ed.). Brasília, Editora Universidade de Brasília, pp. 281-418.). A graça é expressão da onipresença divina: é um fluxo que compõe instituição, indivíduos, outras coisas e acontecimentos, desde que se esteja aberto a recebê-la (Costa, 2017COSTA, Ypuan Garcia. 2017. “Abertura para Deus” e “brecha” para o demônio: a “libertação” entre católicos na cidade de São Paulo. São Paulo, tese de doutorado, Univesidade de São Paulo.). E essa onipresença reforça a dificuldade de, ao ler agradecimentos por curas ou narrativas de restabelecimentos de saúde, bem como outras graças, identificar quem age. Isso se deve, como se verá na próxima parte deste texto, a pelo menos dois motivos relacionados: às dissoluções das agências e das pessoas.

NOTAS FINAIS - DÍVIDUOS E A DISSOLUÇÃO DA AGÊNCIA

Curiosamente, a carta de agradecimento de Etelvenia cuja publicação anexada já foi citada agradece a Deus não pela graça alcançada, mas por ter encontrado a biografia de frei Fabiano e, então, conhecido esse frade que lhe alcançaria uma graça:

São Paulo, 18.4.1977

Aos bondosos padres do Convento de Sto. Antônio

Estou enviando aos srs. a oração de agradecimento de Frei Fabiano. Porque eu alcancei uma grande graça, por isso eu agradeço a Deus nosso Pai por ter posto em minhas mãos o livro de Frei Fabiano e através dele, ter tido a felicidade de ter conseguido esta graça.

O meu muito obrigado,

Etelvenia R. R.

(Anexo de carta arquivada no Arquivo do Convento Santo Antônio, do Rio de Janeiro).

Caso se leiam as cartas que testemunham curas levando a sério os escritos, é possível perceber uma dissolução da agência, dissipada entre várias coisas e pessoas. Na história de Etelvinia, o papel de mediador, no sentido atribuído por Latour (2012LATOUR, Bruno. 2012. Reagregando o social. Salvador, Edufba; Florianópolis, Edusc.), do livro não pode ser minorado. E é comparável ao desempenhado por frei Fabiano. Que seria da graça de Etelvenia sem o livro sobre frei Fabiano? O que seria da devoção ao frade sem a publicação?

O acontecimento de uma graça pode depender não apenas de Deus, de intercessores, de suas biografias, mas também do próprio devoto. É necessário pedir com fé e confiança, como fez uma devota anônima de Criciúma (Paraná, Brasil) que escreveu ao Convento em 1979. Receosa de reprovar na escola, pediu apoio a frei Fabiano: “Então para não ser reprovada tive que me recorrer a vós, fazendo vossa novena e com muita fé e consegui passar. Graça ao senhor Frei Fabiano”. Menezes (2004MENEZES, Renata de Castro. 2004. A dinâmica do sagrado: Rituais, sociabilidade e santidade num convento no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Relume Dumará.: 242) percebe esse aparente antagonismo entre devotos que acreditam em seus santos porque eles lhes alcançam graças e os que, inversamente, alcançam graças porque acreditam. A antropóloga sugere que se deve atenuar essa oposição e enfatizar o ponto em comum entre elas, a saber, a ligação dos santos com o alcance de graças. A parte disso, saliento que é também importante perceber o quanto, nestes testemunhos de graça, a agência se dilui em toda a malha de divindades, humanos e outras coisas (Ingold, 2015INGOLD, Tim. 2015. Estar vivo: Ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. Petrópolis, Vozes .).

Sinzig (1939SINZIG, Pedro. 1939. Frei Rogério O.F.M. (2nd ed.). Petrópolis, Vozes .: 286) conta que, certa vez, o cardeal Leme, percebendo que frei Rogério não estava ouvindo, falou a seus confrades: “Esse frei Rogério!... Muita gente diz que os milagres atribuídos a frei Fabiano de Cristo, é ele quem os faz. Os senhores deviam escrever o que ele diz e registrar o que se prende à sua pessoa”. Se o cardeal achava que o milagre devia ser atribuído não a frei Fabiano e sim a frei Rogério, caso perguntasse a esse, Rogério provavelmente desviaria de si a autoria. Diria se tratar de obra divina, talvez com intermediação de são José, de quem era devoto, ou ação de um ou outro remédio homeopático da botica que costuma carregar para distribuir entre os enfermos. A agência, enfim, facilmente se dissolve. Vai de um frade a outro, a Deus com ajuda de um santo, às coisas. Isso porque o que age não parece ser as coisas. Não é a pílula que cura a enfermidade. Uma cura ou outra graça pressupõe uma série de participações nas trajetórias de outras coisas e habilidades perceptivas para seguir esses caminhos (Ingold, 2015INGOLD, Tim. 2015. Estar vivo: Ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. Petrópolis, Vozes .). Ter as habilidades para acompanhar essas reuniões e delas participar condiciona qualquer ação.

Isso significa que para, por exemplo, Deus realizar algo neste mundo pode exigir muito suor de seus benfeitores na terra:

Penitências ainda foram impostas a frei Rogério por sua caridade e... pela fama de santo. Todos achavam natural que ele estivesse à sua disposição. Desempregados procuraram-no sempre de novo, para que lhes arranjasse um emprego que outros, inclusive os políticos no poder, não souberam ou não quiseram alcançar. Um único destes pedidos, frequentemente obrigava a visitas e pedidos repetidos, ora nesta, ora naquela casa de negócio ou repartição, diminuindo-lhe ainda mais o tempo já tão ocupado.

Do mesmo modo, pobres e necessitados fizeram-no caminhar, bater a muitas portas, pedir, sujeitar-se a negativas e humilhações, verdadeira penitência muito sensível.

E ele a fazia como Deus, na S. Escritura, reclama de quem jejua: com o rosto sempre alegre, com bondade, a transfigurar-lhe toda a figura, com a naturalidade prescrita por seu cargo de pai e mãe espiritual (Sinzig, 1939SINZIG, Pedro. 1939. Frei Rogério O.F.M. (2nd ed.). Petrópolis, Vozes .: 348).

Pode parecer uma contradição do biógrafo - que também era crente - afirmar que a consecução dos pedidos dos fiéis envolvia menos mágica e mais trabalho. Um pedido implicava a multiplicação dos pedidos por parte do frade. Essa solução por assim dizer sociológica dos problemas não nega, contudo, a ação sobrenatural. A providência divina mostra-se na ação de objetos e humanos. E Sinzig apenas esqueceu de elencar também as solicitações enviadas aos céus pelo seu confrade.

Isso remete à dificuldade de identificar o autor. Acontece que cada pessoa é uma dessas reuniões. São divíduos (Strathern, 2006STRATHERN, Marilyn. 2006. O Gênero da dádiva: problemas com as mulheres e problemas com a sociedade na Melanésia. Campinas, Editora da Unicamp.). As personalidades crescem em coisas, sejam elas objetos ou outras pessoas. Não é à toa que o cardeal Leme se confundia ao atribuir um milagre a frei Fabiano ou a frei Rogério, pois suas personalidades foram bastante imiscuídas. Durante o período em que esteve na então Capital Federal, Rogério tanto fez a fim de ver seu confrade crescer no mundo que Fabiano se expandiu também no corpo do franciscano alemão.

Assim como Strathern acha pouco ter que escolher entre indivíduo e sociedade para entender os melanésios, para compreender as relações entre frades e seus devotos, parece prejudicial ter que escolher entre carisma de função ou individual. As graças apresentam grande complexidade. Por um lado, são um acontecimento, passível de ser relatado em uma carta. Por outro, são um fluxo que compõe tanto os frades candidatos a santos, os gols providenciais da seleção brasileira, a cura da coluna dolorida, os fiéis que têm bastante fé e rezam com confiança, a Igreja que consegue tornar presente a ação de Jesus Cristo no mundo e tudo o mais capaz de expressar a onipresença de Deus, que, tal como a eletricidade, não se pode ver, mas, como afirmaram frei Fabiano e frei Rogério, existe e faz toda a diferença. Essa onipresença de Deus, capacidade de se fazer presente em todas as coisas e pessoas, é, em parte, imitada por pessoas como os frades cujas devoções aqui analisamos. Eles também não se limitam aos seus corpos e expandem-se por coisas e outras pessoas. Isso faz da tarefa de achar o autor uma árdua empreitada, porque a agência se dilui.

Diante disso, escolher entre o carisma individual e o de função significa procurar uma explicação sociológica para o fenômeno devocional. Por certo que essa tarefa não é menor. E sua realização merece esforços dos pesquisadores, especialmente no campo da sociologia. Sugere-se, contudo, neste texto um outro caminho possível a trilhar, menos preocupado em explicar ações do que em entendê-las à luz das compreensões daqueles que as fazem. Se esse caminho é, de fato, pertinente, isso se deve ao fato de propiciar reflexões que salientem aproximações entre populações que a antropologia por muito tempo tratou de distinguir.

A abordagem aqui proposta pode representar ganhos nos estudos da devoção. Ao trazer a ênfase na pessoa - e suas dissoluções - e na agência, é possível vislumbrar possíveis contribuições para a análise da produção da santidade no âmbito do catolicismo. A produção da pessoa do santo envolve uma complexa localização da agência, que não exclui sua diluição. Tomando essas pistas como nortes para investigações, talvez os santos podem ainda fazer mais pela Antropologia, para citar a expressão de Saéz (2009). Ao invés enfatizar a oposição entre povo e clero, popular e erudito, devoto e membro da hierarquia, discussão que tradicionalmente domina os estudos sobre devoção (Brown, 1981BROWN, Peter. 1981. “The Holy and the Grave”. In: BROWN, Peter. The cult of the saints: Its Rise and Function in Latin Christianity.. Chicago, University of Chicago Press, pp. 01-22.), talvez seria possível buscar um caminho alternativo. Menezes (2004MENEZES, Renata de Castro. 2004. A dinâmica do sagrado: Rituais, sociabilidade e santidade num convento no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Relume Dumará.) esboçou semelhante caminho, ao sugerir o estudo das formas de socialidade no âmago das quais o fenômeno da devoção acontece. Para além das distinções consagradas na literatura, há interações e compartilhamento de práticas e de concepções, que uma sensibilidade antropológica deve captar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • BAGGIO, Hugo. 1974. Frei Fabiano de Cristo. Rio de Janeiro, Convento de Santo Antônio.
  • BERGER, Peter. 1997. Rumor de anjos: a sociedade moderna e a redescoberta do sobrenatural. Petrópolis, Vozes.
  • BOURDIEU, Pierre. 1992. Economia das trocas simbólicas (3ed ed.). São Paulo, Perpectiva.
  • BROWN, Peter. 1981. “The Holy and the Grave”. In: BROWN, Peter. The cult of the saints: Its Rise and Function in Latin Christianity.. Chicago, University of Chicago Press, pp. 01-22.
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    » https://doi.org/https://doi.org/10.1080/00141844.2012.688762
  • 1
    No século, João Barbosa. Nascido em Portugal no ano de 1676, veio ao Brasil em busca das minas de ouro. Depois de ver seu sócio ser morto, decide ser religioso e entra para a Ordem dos Frades Menores (OFM), em 1704. Era irmão leigo, isto é, não fora ordenado sacerdote. Quase toda sua vida religiosa foi vivida no Convento Santo Antônio do Rio de Janeiro como enfermeiro e porteiro. Faleceu nesse convento em 1747 com fama de santidade.
  • 2
    No século, Henrique Neuhaus. Nascido na Alemanha no ano de 1869, veio ao Brasil em 1891 no contexto da chamada romanização já ordenado padre. Depois de atuar por quase três décadas no planalto de Santa Catarina, foi transferido ao Rio de Janeiro, onde acabou falecendo em 1934 com fama de santidade. Cuidadoso com os enfermos, distribuía remédios homeopáticos, visitava hospitais e doentes em suas casas, levando sacramentos e promovendo curas por meio de sua bênção.
  • 3
    Trata-se de minha pesquisa de doutoramento. Além dos dois frades aqui abordados, também investigo as trajetórias de Frei Galvão (1739-1822), Padre Eustáquio (1890-1943), Padre Aloísio (1913-2006) e Frei Hugolino (1926-2011), aos quais se poderá remeter, caso a argumentação exigir.
  • 4
    Foi realizado também pesquisa no Arquivo Histórico da Província Franciscana de Nossa Senhora da Imaculada Conceição (SP), onde encontraram-se certa de outras 100 cartas de devotos. Ainda que o conteúdo dessas cartas corrobore as principais ideias aqui defendidas, sua análise não foi incluída no presente artigo. Aproveito para reforçar meu agradecimento a Elizabete Barbero, do Arquivo Histórico da Província Franciscana de Nossa Senhora da Imaculada Conceição (SP), e especialmente a frei Roger Brunório, do Convento Santo Antônio do Rio de Janeiro, com quem mantive diálogo que contribuiu largamente para a realização dessa pesquisa.
  • 5
    Os dados sobre Sinzig foram encontrados no site da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil. Disponível em: http://www.franciscanos.org.br/?page_id=909. Acesso em: 06 mai. 2017.
  • 6
    Nesse sentido, a literatura é vasta. Sobre o contexto brasileiro, um extenso levantamento de controvérsias sobre a presença da religião no espaço foi realizado por Ranquetat Jr. (2012)RANQUETAT JÚNIOR, Cesar A. 2012. Laicidade à brasileira : um estudo sobre a controvérsia em torno da presença de símbolos religiosos em espaços públicos. Porto Alegre, tese de doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul..
  • 7
    Este trabalho, portanto, compartilha com Mosko (2010)MOSKO, Mark. 2010. Partible penitents: Dividual personhood and Christian practice in Melanesia and the West. Journal of the Royal Anthropological Institute, v. 16, n. 2: 215-240. DOI: https://doi.org/10.1111/j.1467-9655.2010.01618.x
    https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...
    a preocupação de ir além da vinculação entre cristianismo e individualismo.
  • 8
    Além disso, importantes reflexões seguem sendo feitas com base no referencial do intelectual alemão, inclusive em antropologia. Oro (2003)ORO, Ari Pedro. 2003. A política da Igreja Universal e seus reflexos nos campos religioso e político brasileiros. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 18, n. 53: 53-69. DOI: https://doi.org/http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69092003000300004
    https://doi.org/http://dx.doi.org/10.159...
    consegue esmiuçar as articulações da Igreja Universal do Reino de Deus no campo político brasileiro. Já Webster (2013)WEBSTER, Joseph. 2013. The Immanence of Transcendence: God and the Devil on the Aberdeenshire Coast. Ethnos, v. 78, n. 3: 380-402. DOI: https://doi.org/10.1080/00141844.2012.688762
    https://doi.org/https://doi.org/10.1080/...
    empreende um questionamento da dicotomia entre imanência e transcendência. Sua reflexão apresenta várias conexões com a presente análise.
  • 9
    Os textos antigos foram atualizados conforme a gramática e a ortografia vigentes contemporaneamente. Preservou-se, contudo, os sentidos e, no mais possível, a estrutura oracional.
  • 10
    Foram essas três décadas que tive acesso na pesquisa que fiz no Convento Santo Antônio, do Rio de Janeiro, em janeiro de 2018. Trata-se de cartas que, por alguma razão circunstancial, ainda não foram ao arquivadas no Arquivo Franciscano da Província da Imaculada Conceição, que fica em São Paulo. Foi coletado material também nesse Arquivo. Ainda que o conteúdo dessas cartas corrobore as principais ideias aqui defendidas, sua análise não foi incluída no presente artigo.
  • 11
    Minha tradução para: “[…] what makes up the part also makes up the whole”.
  • FINANCIAMENTO:

    O artigo se refere à tese de doutorado que não contou com bolsa, mas com recursos do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul para a realização de trabalho de campo e viagens a congressos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    21 Set 2019
  • Aceito
    16 Dez 2020
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