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Nordeste, contracultura e Cultura Popular: lugares cognitivos e ficções persistentes na poética de João do Crato1 1 Pesquisa financiado pelo CNPq entre os anos 2013-2014 durante estágio pós- doutoral junto ao Núcleo de Experimentação em Etnografia e Imagem - NextImagem, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Resultados parciais foram apresentados na XI Reunião de Antropologia do Mercosul, em 2016; 51º congresso da Latin American Association (LASA), em 2017, e 18º Congresso Mundial da IAUES, em 2018

RESUMO

Ao longo dos quarenta anos de percurso como cantor e ativista, João do Crato valeu-se inúmeras vezes do fato de estar fora do lugar: foi cantor de rock no interior do Ceará nas décadas de 1970 e 1980; sustenta uma performatividade de gênero excessivamente sinuosa para os bairros periféricos onde se apresenta e milita; consegue transitar livremente entre grupos diversos de cultura popular e manifestações próximas às culturas de matrizes africanas na região do Cariri (CE). Apoiados em narrativas do cantor e companheiros(as) de militância, refletiremos sobre deslocamentos efetuados em torno da recepção de marcadores sociais expressos pelo artista. A ação contínua empreendida a partir dos palcos notabiliza a trajetória de João como forma expressiva das vivências no interior do Ceará, ao tempo que modula estereótipos sobre a imobilidade de uma cultura popular autêntica e fixidez das oposições entre masculino e feminino em áreas rurais e periféricas. Ao tratar mundo rural e cultura popular como cenários de diferenças, João potencializa o reconhecimento de um lugar para si e para seu público a partir dos deslocamentos que provoca.

PALAVRAS CHAVE:
Sexualidade; espacialidades; etnobiografia; nordeste; cultura popular

ABSTRACT

Throughout his forty-year career as singer and activist, on countless occasions, João do Crato has employed the fact of being out of place. He was a rock singer in the interior of Ceará in the 1970s and 80s. He usually presents an exaggeratedly sinuous gender performativity for peripheral neighbourhoods where he militates and performs his music. He moves freely between diverse groups of popular culture and manifestations that embody the cultures of African matrices, in the region of Cariri, Ceará. This research examines João do Crato’s narratives and support from fellow activists to reflect on displacements concerning the reception of social markers expressed by the artist. The continuous action engaged in from the stage distinguishes João’s trajectory as an expressive form of lived experiences in the interior of Ceará, while modulating stereo- types concerning the immobility of an authentic popular culture and the immutability of oppositions between male and female in rural and peripheral areas. By treating the rural world and popular culture as scenarios of differences, João enhances the recognition of a place for himself and his audience based on the displacements he provokes.

KEYWORDS:
Sexuality; spatialities; ethnobiography; Brazilian Northeast; popular culture

INTRODUÇÃO

Através de uma abordagem etnobiográfica (Gonçalves, Cardoso e Marques, 2012aGONÇALVES, Marco Antônio; MARQUES, Roberto; CARDOSO, Vânia (orgs.). 2012a. Etnobiografia: subjetivação e etnografia. Rio de Janeiro, 7Letras.), textualizaremos aqui ações criativas, que tensionam imaginários espaciais a partir de performances contínuas em campos de atuação variados, conectadas simbolicamente.

Pensando espaço como confluência e (re)iteração de vivências (Gupta; Ferguson, 1997GUPTA, Akhil; FERGUSON, James. (ed). 1997. Anthropological locations. Boundaries and Grounds of a Field Science. Berkeley: University of California Press.), acompanharemos a ação criativa do artista e militante João do Crato na produção simbólica de uma microrregião distante das capitais, no interior do Nordeste brasileiro, espacialidade textualizada usualmente a partir de imagens de seca, mandonismo local, cultura e religiosidade populares (Albuquerque Júnior, 1999). Considerando que a construção da ideia de Nordeste como margem da Nação éreiterada não só por estratégias de apagamento na memória nacional (Pollak,1989POLLAK, Michel. 1989. “Memória, esquecimento e silêncio”. Estudos Históricos, vol. 2, n. 3: 3-15.), mas também pela cristalização de seus signos de identificação, estaremos atentos a dinâmicas que consolidam a produção de imaginários espaciais próximos a agentes outros, sob o modo de zonas de contato (Pratt, 1999aPRATT, Mary Louise. 1999a. “Pós- colonialidade: projeto incompleto ou irrelevante?” In: VÉSCIO, Luiz Eugênio; SANTOS, Pedro Brum (orgs.). Literatura & História. Perspectivas e convergências. Bauru, EDUSC, pp. 17-54.; 1999bPRATT, Mary Louise. 1999b. Os olhos do império: relatos de viagem e transculturação. Bauru, EDUSC .), apropriações de uma gramática onipresente que se impõe como herança colonial por sujeitos socialmente localizados. Dessa forma, a partir da imaginação pessoal criativa de João do Crato, suas ações no palco e a partir do palco, e da consolidação de uma narrativa sobre si mesmo, perceberemos deslocamentos operados nas ideias usuais de Nordeste, contracultura e cultura popular.

Como nos ensinam Gonçalves, Marques e Cardoso (2012b)GONÇALVES, Marco Antônio; MARQUES, Roberto e CARDOSO, Vânia. 2012b. “Etnobiografia: esboços de um conceito”. In: GONÇALVES, Marco Antônio; MARQUES, Roberto e CARDOSO, Vânia (orgs.). Etnobiografia: subjetivação e etnografia . Rio de Janeiro: 7Letras, pp. 02-12., a partir da etnobiografia:

(...) os mundos socioculturais em que [se opera a intricada relação entre sujeito, indivíduo e cultura] são pensados como produção de indivíduos que deles fazem parte, indivíduos cuja imaginação pessoal está sempre situada: criando o mundo, eles próprios e suas perspectivas sobre este mundo. A realidade sociocultural, portanto, não é mais que as histórias contadas sobre isso, as narrativas pelas quais ela é representada (2012b: 9-10).

Nosso enfoque aqui prioriza, portanto, a produção de narrativas interseccionando2 2 Utilizamo-nos aqui do debate sobre interseccionalidade, tal como empreendido pela antropologia feminista de Piscitelli (2008); McClintock (2010) e Brah (2006). marcadores de origem, localização espacial e sexualidade e sua efetividade na consolidação de um senso de enraizamento (Rapport, 2000RAPPORT, Nigel. 2000. “The narrative as fieldwork technique. Processual ethnography for a world in motion”. In: AMIT, Vered. (ed.). Constructing the field: ethnographic fieldwork in the contemporary world. New York, Routledge , pp. 71-95.) para o cantor João do Crato, seu público e companheiros/as de militância.

Momentaneamente, podemos apresentar nosso colaborador como artista em atividade desde o final da década de 1970. Como desenvolveremos ao longo do artigo, sua trajetória vincula-se à geração que realizou os festivais da canção na cidade de Crato (CE) e aos jovens que introduziram o rock em Fortaleza nos anos 1980. A partir do seu retorno à região do Cariri, seu percurso como cantor mescla-se à sua participação em variados movimentos sociais e à expressão de um modo de vida inspiradonafilosofiado“drop out3 3 Refere-se aqui a ideais difusos vivenciados entre as décadas de 1960 e 70 relacionados a tentativa de rompimento com as formas usuais de hierarquia, produção de bens e circulação de pessoas. . João do Crato tem sido capaz de mobilizar formas expressivas vinculadas à memória local e às noções de Nordeste e Cultura Popular, ao tempo que tensiona e escande modos de existência tomados como usuais em cidades interioranas de pequeno e médio porte. Sua ação com cantor e por que não dizer sua própria existência convidam a pensar as narrativas sobre o lugar que habita sob a luz do deslocamento. Para demonstrar nosso argumento, vislumbremos algumas frestas por ele expressas nas dizibilidades sobre o Nordeste de Luiz Gonzaga.

CHÁ CUTUBA

Era o ano de 1977 quando Luiz Gonzaga gravou o xote“Chá Cutuba” no long play (LP) 4 4 Tecnologia de gravação de músicas em discos de vinil utilizada a partir da década de 1940, anterior a possibilidade de impressão digital em discos compactos- CDs ou à veiculação de músicas a partir de plataformas digitais online. que levava o mesmo nome da composição de Humberto Teixeira. 5 5 Vídeo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=i3TmIxiJtqs, acesso em 13 de agosto de 2021.

A letra conta a saga de Sandoval, que tomou uma “meizinha”6 6 Chamam-se mezinha, ou “meizinha”, preparados manipulados por especialistas no conhecimento de ervas naturais. feita de ervas e troncos naturais para revigorar seu apetite sexual. O chá teria curado também Tomé Ribeiro que estava “no caixão”, e de repente “reagiu” e “saiu ‘despinguelado’ perseguindo uma‘mulé’”. Para adquirir o chá, Sandoval teria pago“uma casa, dois bezerros e um quintal cheio de galinha”. A satisfação de Sandoval com o produto é sintetizada ao final da terceira estrofe da canção: “Valeu o sacrifício, que o diga a Nazaré!/ Pra curar minha ‘lezeira’ foi bastante uma ‘culé’!”.

Durante as décadas de 1940 e 1950, Luiz Gonzaga tornou-se relevante articulador na reiteração de signos fundantes da ideia de Nordeste como unidade (Albuquerque Júnior, 2001ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. 2001. A Invenção do Nordeste e outras artes. Recife, Fundação Joaquim Nabuco e Ed. Massangana; São Paulo, Cortez.; Dreyfus,1998; Vieira, 2000VIEIRA, Sulamita. 2000. O sertão em movimento: a dinâmica da produção cultural. São Paulo, Annablume .; Marques, 2008MARQUES, Roberto. 2008. “Nordestinidade, música e desenraizamento ou Eram os tropicalistas nordestinos? ” In: GIUMBELLI, Emerson; DINIZ, Júlio Cesar; NAVES, Santuza Cambraia. Leituras sobre música popular: reflexões sobre sonoridade e cultura. Rio de Janeiro, 7 Letras, pp. 65-82.). Divulgada pelas rádios e revistas de circulação em todo o Brasil de então, sua obra passou a comunicar de forma bastante eficiente imagens de uma paisagem rural idílica; a experiência da migração; a precariedade vivenciada na região mais pobre do país; o cotidiano, personagens e sociabilidades em pequenas cidades do interior.7 7 Como discutido por Vieira (2000) e Marques (2008), esse conjunto está longe de expressar a variedade de temas tratados e complexidade da obra de Luiz Gonzaga. A reiteração de suas obras mais populares produz uma memória específica sobre o artista. Suas canções tematizavam, por fim, gestos e carinhos insinuados na relação entre homens e mulheres em um ambiente doméstico de acirrado controle social.8 8 A exemplo de “O Cheiro da Carolina” e “Numa sala de reboco”

Tais mensagens chegavam pelas ondas da Rádio Nacional a milhares de migrantes nordestinos espalhados pelas regiões Norte, Sudeste e Centro-Oeste em plena era do desenvolvimentismo (Ortiz, 1987ORTIZ, Renato. 1987. A Moderna tradição brasileira. São Paulo: brasiliense.; Durham, 1973DURHAM, Eunice Ribeiro. 1973. A caminho da cidade: a vida rural e a migração para São Paulo. São Paulo, Perspectiva.; Risério, 1990RISÉRIO, Antônio. 1990. “O solo da sanfona: contextos do rei do baião”. Revista USP, 4, 35- 40.). A música de Luiz Gonzaga consolidou-se, portanto, como trilha sonora de uma país de migrantes. Canto e ritmo de saudade a impregnar sentidos de pertença e a experiência de deslocamento.

Como afirma Sulamita Vieira (2000VIEIRA, Sulamita. 2000. O sertão em movimento: a dinâmica da produção cultural. São Paulo, Annablume .), entre a segunda metade da década de 1940 e a segunda metade da década de 1950, o baião de Luiz Gonzaga passou a ocupar lugar de destaque na produção musical brasileira. A autora toma como indício da expansão espacial do baião e seus temas sua aceitação por diversos segmentos da sociedade, tendo Luiz Gonzaga sido contratado pela maior gravadora do país à época e mantido contrato exclusivo com a Rádio Nacional.9 9 Principal emissora do país, incorporada ao Patrimônio da União em 1940.

Em meio a uma década bastante irregular em sua carreira10 10 A música “Pra onde tu vai baião” evocaria o momento vivido na carreira de Luiz Gonzaga entre as décadas de 1960 e 1970, ao cantar: “Pronde tu vai, baião? Eu vou sair por aí/ Mas por que baião?/Ninguém me quer mais aqui.” (LUIZ… 2002) , Luiz Gonzaga gravou em 1977 “Chá Cutuba”, um ano após a boa repercussão do forró “Capim Novo”, veiculada na trilha sonora da novela Saramandaia da TV Globo. Em “Chá Cutuba”, ele alia à imagística do sertão um modelo de masculinidade sem nuanças, comunicado a partir de polos opositores bastante simples: novo X velho; psicológico x fisiológico; potente x impotente; homem x mulher; droga nova X mezinha natural.

Essa reapresentação de masculinidade (Butler, 2019BUTLER, Judith. 2019. Corpos que importam. Os limites discursivos do “sexo”. São Paulo, N-1 edições.) é particularmente evidente na síntese cantada por Luiz Gonzaga em 1950MORAIS, Guio de. No Ceará não tem disso, não. Em: GONZAGA, Luiz. Chofer de praça/No Ceará não tem disso não, 1950, Victor, 78 rotações.: “No Ceará não tem disso não!”. Os versos da música organizam espacialidades a partir da oposição presença/ausência que compõe o Nordeste como espaço de tradição, mundo rural. Emresumo, como um “engenho anti-moderno” (Albuquerque Júnior, 2001ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. 2001. A Invenção do Nordeste e outras artes. Recife, Fundação Joaquim Nabuco e Ed. Massangana; São Paulo, Cortez.) em oposição ao urbano, à capital, supostamente marcados pela multiplicidade de práticas e suas possibilidades de escoamento.

Polarizações marcantes ao longo da trajetória do “Rei do Baião” serão tensionadas pelo cantor João do Crato em seu show Alvíssaras ao rei Luiz, de 2012, uma homenagem aos 100 anos do nascimento de Luiz Gonzaga.

A saga de Sandoval, personagem da canção Chá Cutuba, passou a ser apresentada então em palcos dos centros culturais do Nordeste, feiras agrícolas e praças públicas. Segundo João do Crato, só não foi possível apresentá-la em Exu (PE), cidade natal de Luiz Gonzaga. O Luiz Gonzaga de João seria “muito diferente” para a apropriação local do “Rei do Baião”.11 11 A impossibilidade de levar o show à cidade de Exu (PE) fora relatada por João do Crato durante apresentação ocorrida na Feira de Agricultura Familiar, em Crato, em julho de 2013, onde nos encontrávamos na condição de público, durante o trabalho de campo dessa pesquisa.

O figurino do show de 2012 em homenagem a Luiz Gonzaga era composto por um conjunto de seda preta, formado por uma bata de mangas longas com aplicações de lantejoulas coloridas e uma calça pantalona igualmente transparente que permitia entrever o uso de um fio dental também preto.

João do Crato utilizou o mesmo figurino no show Uranianos, em que canta composições de Geraldo Urano. O poeta cratense Geraldo Urano é contemporâneo de João na geração que modernizara as formas de expressão artística na cidade interiorana de Crato e no Cariri e divulgara ideais de liberdade e irreverência, temas e formas melódicas afeitos à contracultura e ao tropicalismo (Marques, 2004MARQUES, Roberto. 2004. Contracultura, tradição e oralidade: (Re)inventando o sertão nordestino na década de 70. São Paulo, Annablume.; Dias, 2014DIAS, Carlos Rafael. 2014. Da flor da terra aos guerreiros cariris: Representações e identidades do Cariri cearense (1855-1980). Campina Grande, Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Campina Grande.).

Essa confluência entre Luiz Gonzaga, o tropicalismo e a contracultura não é acidental. O corpo e canto de João desestabilizam formas de apropriação do compositor pernambucano, apresentando-o como “mensageiro nu dos orixás”, nascido “no início da Era de Aquarius”, “filho do sonho de Dom Sebastião”. 1112 12 Referências a Luiz Gonzaga citadas por João do Crato ao longo do show Alvíssaras ao rei Luiz. Tematizam entidades cultuadas pelas religiões afro-brasileiras, a compreensão dos anos 1960 como época de conscientização em relação à realidade planetária e aos princípios do humanitarismo e, por fim, o retorno do personagem Dom Sebastião, vinculado aos messianismos. A partir do desaparecimento de Dom Sebastião no norte do continente africano em 1578, difundiu-se a crença que Dom Sebastião iria voltar e retomar o trono português. Messianismo difundido no Nordeste do Brasil, expressando inconformidade com a ordem vigente e expectativa de salvação pelo retorno de um morto ausente. Sobre messianismos no Brasil, ver Queiroz, 2003 [1965]; Negrão, 2001.

Ao longo do show, o figurino, as narrativas em cena, a performatividade de gênero e o repertório compõem um cálculo de deslocamentos bastante frequente durante a carreira de João do Crato. Nesse texto, pretendemos refletir sobre como atos criativos envolvendo narrativas marcadas pela expressão de gênero e sexualidade inspiram o lugar que João inventa, seja a partir do palco ou fora dele. Lugar onde habita o personagem que cria para si.

CHÁ DE FLOR

João do Crato é um cantor cearense em atividade há 40 anos, identificado com os artistas e produtores culturais que fizeram a recepção da contracultura e do rock and roll no Ceará durante as décadas de 1970 e 1980.

Desde as primeiras décadas do século XX, a cidade de Crato se destacava, na microrregião geográfica ao sul do Ceará, denominada Cariri, por seus serviços comerciais, educacionais e de lazer (Sousa, 2016SOUSA, Raimunda Aurilia Ferreira de. 2016. “O lugar do Crato no século XX: morfologia e funções urbanas da aglomeração em estudo”. Geosaberes, vol. 6, n. 3: 454-468.). Em 1914, a emancipação política13 13 A emancipação política de Juazeiro do Norte está vinculada à liderança carismática de Padre Cícero e aos acontecimentos conhecidos como “o milagre da hóstia” (Della Cava, Ralph, 1977; Barros, Lutigarde,1988 e Camurça, Marcelo, 1994). O contexto político de então colocou a cidade de Juazeiro do Norte no centro do debate nacional sobre as tensões entre Igreja Católica e Estado durante a Velha República (Della Cava, 1977; Schwarcz, 2012). do antigo distrito cratense, hoje conhecido como Juazeiro do Norte, estabeleceu acirrada tensão entre as duas cidades. Desde então, iniciativas das elites econômicas, intelectuais e políticas passam a mobilizar recursos pessoais e institucionais na tentativa de caracterizar a cidade de Crato como modelo de urbanidade, esmerando-se em divulgar em impressos locais e estaduais a qualidade da infraestrutura ali encontrada; as linhagens de “filhos ilustres” da cidade e os ocasionais pioneirismos na oferta e variedade de serviços (Pinheiro; Figueiredo Filho, 1955PINHEIRO, Irineu; FIGUEIREDO FILHO, J. de. 1955. Cidade do Crato. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional.).

Com o crescimento econômico ocorrido na década de 1950, incrementou-se o deslocamento de filhos e filhas das camadas médias para as capitais em busca de ensino universitário, corroborando a adesão a ideais de comportamento e consumo eminentemente urbanos. Iniciativas educacionais locais na oferta de educação de ensino secundário e em nível superior reforçaram tal sensibilidade, materializada na impressão de diários de notícias, presença de grêmios e sociedades literárias. Clubes recreativos, praças arborizadas, ruas largas e edificações imponentes especializadas na oferta de serviços de saúde e educacionais passam a marcar então um novo traçado urbano. As secas que atingiram os sertões semiáridos no final da década de 1950 precipitaram intensas migrações do campo para a cidade. A disponibilidade de mão de obra precarizada e políticas de financiamento agrícola para as monoculturas locais desencadearam o apogeu financeiro ocorrido na década de 1970, intensificando a já crescente urbanização da cidade (Sousa, 2016SOUSA, Raimunda Aurilia Ferreira de. 2016. “O lugar do Crato no século XX: morfologia e funções urbanas da aglomeração em estudo”. Geosaberes, vol. 6, n. 3: 454-468.).

Em 1970, o município de Crato contabilizava 71.157 habitantes, sendo mais da metade(56%) dessa população residente na sede do município. O fluxo intenso de jovens das camadas médias locais para as cidades de Recife; Fortaleza e Salvador, aliada à difusão da produção artística da época pelo sistema de alto-falantes e rádios locais, grupos de teatro e circulação de pessoas alinhadas então à filosofia do drop out ; LPs e impressos inspiraram uma geração de jovens moradores e moradoras, a um só tempo seduzidos por ideais estéticos e comportamentais vindos de fora dali e mobilizados pelo sentimento de pertença, cultura popular e telurismo locais.14 14 Sobre a recepção da contracultura em distintas localidades do pais, ver Leon Kaminski, 2019. Especificamente sobre o Cariri nas décadas de 1970-80, ver Marques, 2004 e Dias, 2014.

Na cidade de Crato, essa geração de artistas produziu 11 edições do Festival da Canção; 10 festivais de artes plásticas e incontáveis shows, livros, cordéis etc. (Marques, 2004MARQUES, Roberto. 2004. Contracultura, tradição e oralidade: (Re)inventando o sertão nordestino na década de 70. São Paulo, Annablume.). Os jovens das décadas de 1970 e 80 compartilhavam a intenção de romper com modelos institucionais concebidos pelas elites locais e “famílias de bem”, a exemplo do que representavam o Instituto Cultural do Cariri (ICC) e a escola de artes Sociedade de Cultura Artística do Crato (SCAC). Inspirados na estética e ideais da contracultura, enredaram uma nova geografia para a cidade e para si, ora ocupando com violões e drogas recreativas os bancos das praças centrais da cidade, ora perambulando pelo cemitério, pelas cascatas e picadas no sopé da Chapada.

Como caracterizaremos adiante, esse cenário urbano é enredado à trajetória de João do Crato. Cinquenta anos depois do início dos Festivais da Canção em Crato, o cantor segue se apresentando com seus longos cabelos louros em desalinho, gestos sinuosos, calças de lycra justas e lantejoulas em auditórios locais, como o Centro Cultural do Banco do Nordeste do Brasil -CCBNB/Juazeiro do Norte; e os do Serviço Social do Comércio em Crato e Juazeiro do Norte, sendo considerado um dos artistas mais respeitados da região do Cariri.Paralelo a isso,João tem desenvolvido militância contínua junto a grupos da cultura popular locais, tais como as mulheres do coco da Batateira, oreisado de mestre Aldenir, o maneiro pau de mestre Cirilo e os penitentes de Barbalha. Milita também com jovens de periferia e cultiva ali encontros musicais como forma de sensibilização e expressão desses jovens.

Para visualizar como narrativas fundam a um só tempo indivíduo e sociedade (Gonçalves, 2012GONÇALVES, Marco Antônio; MARQUES, Roberto; CARDOSO, Vânia (orgs.). 2012a. Etnobiografia: subjetivação e etnografia. Rio de Janeiro, 7Letras.; Rapport, 1997RAPPORT, Nigel. 1997. Transcendent individual: towards a literary and liberal anthropology. New York, Routledge .), temosrefletidosobreascolagenstemporaiseespaciais empreendidas por João como modelo inventivo de si mesmo como personagem e do mundo por ele habitado. Em Marques (2016MARQUES, Roberto. 2016. “Embaralhando Nordestes: produção de sujeitos, tempos e espaços nas narrativas e performances de João do Crato”. Amazônica: Revista de Antropologia. vol. 8, n. 2: 456- 478. DOI 10.18542/amazonica.v8i2.5052
https://doi.org/10.18542/amazonica.v8i2....
), refletimos a partir das falas de João do Crato sobre suas performances no palco, analisando a reiteração de falas, eventos e apresentações específicas como forma de criar um sentido de enraizamento (groundedness) (Crapanzano, 1982CRAPANZANO, Vincent. 1982. Tahumi. Portrait of a Moroccan. Chicago: University of Chicago Press.; 1984CRAPANZANO, Vincent. 1984. “Life- histories”. American Anthropologist, vol. 86, n. 4: 953-960. Disponível em: Disponível em: www.jstor.org/stable/679192 . Acesso em: 26 mai. 2014.
www.jstor.org/stable/679192...
) e de casa (home) (Rapport, 1992RAPPORT, Nigel. 1992. “From affect to analysis. The biography of an interaction in an English village”. In: OKELY, Judith;CALLAWAY, Helen (eds.). Anthropology and autobiography. New York, Routledge., pp. 191-204.; 2000RAPPORT, Nigel. 2000. “The narrative as fieldwork technique. Processual ethnography for a world in motion”. In: AMIT, Vered. (ed.). Constructing the field: ethnographic fieldwork in the contemporary world. New York, Routledge , pp. 71-95.).

Ao longo das narrativas de João sobre suas performances de palco, percebe-se a intenção de deslocar elementos , seja descrevendo sua postura de “caboclinho” ou de um “Mateus”15 15 Ao longo das entrevistas foram acessados de forma indistinta diversas personagens vinculadas a danças e brincadeiras populares no Nordeste rural, usualmente vinculadas à noção difusa de “Cultura Popular”: Mateus, Guerreiro, Embaixador de reisado, entre outros. Nos limites desse texto, não será possível caracterizar cada uma dessas personagens e manifestações. no palco enquanto canta rock progressivo, seja falando sobre sua caracterização como “boneco de barro feito pela ceramista Cícera do Barro Cru” em um festival da canção. Suas apresentações parecem apostar na produtividade de friccionar referências e modos de vida usualmente atrelados a uma “ideologia do bem-estar” (Velho, 1977VELHO, Gilberto. 1977. Utopia urbana. Um estudo de antropologia social. Rio de Janeiro, Zahar.) e o poder disruptivo da arte, provocando um choque entre gramáticas e localizações sociais. Vejamos, por exemplo, como se refere a sua performance em uma mostra competitiva de artistas ocorrida em 1993, realizada pela Rede Globo Nordeste:

Falei com Giovani [Sampaio], que é um amigo meu, artista plástico maravilhoso, e ele pegou um bonequinho [de argila] de [a ceramista] Dona Cícera [do Barro Cru] e trans...me transformou num boneco! Meu corpo era todo pintado né? E a minha roupa era um “guerreiro”! Um“embaixador do reisado”! Era uma coroa de papel-marche, uma espada de papel-marche, o corpo todo pintado como se fosse um boneco de barro e um saiote de um palmo de papelão também, todo pintado! E pra fechar mais ainda botei só um tapa-sexo por baixo!

Eu subi naquele palco pra ser irreverente! Eles não sabiam quem era Dona Cícera do Barro Cru 16 16 Nascida em Crato, a ceramista Cícera Maria de Araújo (1915-1994), ou Cícera do Barro Cru, residiu em Juazeiro do Norte ao longo de sua trajetória como ceramista. Algumas de suas obras estão presentes no Museu Casa do Pontal, no Rio de Janeiro. Em 2015, o Museu do Ceará realizou a exposição “Ciça e Maria- o barro e suas maravilhas”, em homenagem aos 100 anos da artista. , eles não sabiam que roupa era aquela minha! Eles achavam que eu estava era apelando! Que eu queria era me mostrar! E foi uma comédia! Uma polêmica! Tremeu o palco! Eu fui agredido no palco pelos dois apresentadores. (...) Eles ficaram apavorados quando me viram! E a Rede Globo toda! Eles nunca esperavam que um concorrente do Festival fosse fazer aquilo! Porque eles têm que ter o controle! Eles querem que vá todo mundo com o cabelinho amarrado, com gel, e de um coletezinho de retalho! Padronizam todo mundo! E eu fui já pra quebrar aquilo! (Entrevista concedida em 26/04/1999).

Intentamos aqui apresentar João do Crato não como sujeito exemplar da espacialidade onde habita, tipificando-o, mas como agente da produção do Cariri, uma região continuamente (re)apresentada a partir de atos no mundo.

Abandonamos, portanto, a ideia de um Cariri como conjunto político-geográfico e institucional para refletir sobre narrativas engendradas pelos sujeitos que deslocam ao mesmo tempo o sujeito narrado e o lugar que ocupa no mundo. Nas palavras de Nigel Rapport:

Narrativas podem ser entendidas como estórias que as pessoas contam sobre si mesmas e seus mundos. O canal (“medium”) de seus contos narrativos pode variar (de palavras a imagens; de gestos a comportamentos rotineiros), o que é invariante é a característica das narrativas em propagar uma sequência significativa através do tempo e espaço (...). Em um mundo em movimento, as narrativas proveem ao ser em deslocamento17 17 No original: “Narratives provides for the world-traveller- whether anthropologist or informant- a place cognitively to reside and make sense”. - antropólogo ou informante- um lugar cognitivo para habitar e construir sentido. Um lugar para continuar a ser (Rapport, 2000RAPPORT, Nigel. 2000. “The narrative as fieldwork technique. Processual ethnography for a world in motion”. In: AMIT, Vered. (ed.). Constructing the field: ethnographic fieldwork in the contemporary world. New York, Routledge , pp. 71-95.: 74).

Voltemos ao relato de João sobre sua apresentação no festival Canta Nordeste. À princípio, sua atuação é narrada como afirmação da relevância da arte de Dona Cícera do Barro Cru, importância não reconhecida pelos organizadores do festival, imediatamente alçados e condensados à condição de “eles”18 18 Tal condensação marca pares opostos bastante característicos da produção cultural entre os anos 1960 e 1970, à exemplo das músicas “Eles” e “Panis et circencis”, de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Para uma abordagem panorâmica dessa produção, ver entre outros Heloísa Buarque de Hollanda (1980). .Algumas frases adiante, João revela outra condição de possibilidade para sua performance: a expressão dos artistas da década de 1960 e 1970 nos festivais universitários da época em todo o Brasil.

Porque eu acho que é isso mesmo. Festival é pra quebrar, como Caetano [Veloso] quebrou numa época, lá dos anos [19]70! Como Os Mutantes quebraram! Com aquele discurso que Caetano Veloso 19 19 O cantor refere-se aqui à apresentação de Caetano Veloso e Os Mutantes cantando “É proibido proibir” no III Festival Internacional da Canção, promovido pela Rede Globo em 1968. Vaiado pela plateia, o compositor baiano vociferou discurso enfurecido contra público e Júri que o assistiam no Teatro da Universidade Católica de São Paulo- TUCA. A canção foi desclassificada do festival, tendo sido lançada no formato de “compacto” ainda em 1968, com versão em estúdio no lado A e captada ao vivo no TUCA em seu lado B. fez! Um desabafo! (...) Eu não fui pra subir pra ganhar festival! Fui pra mostrar aquilo ali! Pra fazer o protesto! Pelo descaso com a arte popular! Por eles não saberem nem o que é que eu representava ali! (Entrevista concedida em 26/04/1999)

Pelo ato de borrar referências, desde o “Mateus” do reisado; David Bowie; Dona Cícera do Barro Cru e os Mutantes, e sentidos espaciais e temporais, esse corpo-compósito vem sendo alçado pelos movimentos sociais do Cariri e por políticas institucionais locais 20 20 Como desenvolvido ao longo do texto, João do Crato tem transitado entre centros culturais do Nordeste, mas também por instituições do Cariri como o Centro Educacional de Jovens e Adultos- CEJA e Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais do Crato, em Crato. Sua ação como militante e apoiador em diferentes formas de engajamento social é por vezes descrita como a de um educador popular. como um“artista da região”, região que João do Crato reinventa continuamente a partir de sua presença no palco (Marques, 2016MARQUES, Roberto. 2016. “Embaralhando Nordestes: produção de sujeitos, tempos e espaços nas narrativas e performances de João do Crato”. Amazônica: Revista de Antropologia. vol. 8, n. 2: 456- 478. DOI 10.18542/amazonica.v8i2.5052
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).

João cria assim um lugar para si e para o Cariri, um lugar recepcionado por nós que o assistimos e, a partir do artista/performer, (re)conhecemos o lugar que habitamos no mundo. Gostaríamos de realçar particularmente como esse lugar textualiza e intersecciona imagens de origem local, racial e sexualidade. Para isso, faz-se necessário pensar a partir de que lugares de auto invenção João se permite falar do Cariri.

MARGENS E IMAGENS DE SI NO CARIRI DE JOÃO

Apoiados em Doreen Massey e Marc Augé, Rapport e Dawson (1998RAPPORT, Nigel; DAWSON, Andrew. 1998. “Opening a debate”. In: RAPPORT, Nigel and DAWSON (eds.). Migrants of identity. Perception of home in a world of movement. New York: Berg, pp. 3-38.) nos ensinam que

Se o movimento populacional, as viagens, a economia e a comunicação fazem do globo um espaço unificado, então, nenhum lugar é completamente ele mesmo e separado, e nenhum lugar é completamente outro. E nesta situação, as pessoas estão sempre e nunca “em casa” (1998: 06)21 21 No original: “ If population movemet, travel, economy and communication make the globe a unified space, then, for Auge, no place is completely itselfand separate, and no placeis completely other (cf. Massey 1991, 1992). And in this situation, people are Always and yet never ‘at home’” .

Ao mesmo tempo, se nenhum de nós está completamente em casa, nem todos compartilham a condição de desenraizamento (unhomeliness, em Bhabha, 2003), híbridos desintegrados em sua própria cidade de origem, fronteira difusa entre estar em casa e sentir-se exilado em seu próprio mundo. É com esse “lugar cognitivo” (Rapport, 2000RAPPORT, Nigel. 2000. “The narrative as fieldwork technique. Processual ethnography for a world in motion”. In: AMIT, Vered. (ed.). Constructing the field: ethnographic fieldwork in the contemporary world. New York, Routledge , pp. 71-95.) que João do Crato se/nos conecta em algumas de suas narrativas sobre suas expressões no palco.

A possibilidade de deslocar sentidos de masculinidade a partir da obra de Luiz Gonzaga ou de apresentar-se executando a dança de “caboclinhos” durante o show de uma banda de rock progressivo ou paramentado como “guerreiro” de Dona Cícera do Barro Cru usando tapa-sexo são “posições estratégicas” assumidas de modo a incorporar e deslocar noções de tempo e espaço (Rapport; Overing, 2000RAPPORT, Nigel. 2000. “The narrative as fieldwork technique. Processual ethnography for a world in motion”. In: AMIT, Vered. (ed.). Constructing the field: ethnographic fieldwork in the contemporary world. New York, Routledge , pp. 71-95.; Rapport; Dawson, 1998RAPPORT, Nigel; DAWSON, Andrew. 1998. “Opening a debate”. In: RAPPORT, Nigel and DAWSON (eds.). Migrants of identity. Perception of home in a world of movement. New York: Berg, pp. 3-38.). Dessa tensão entre lugar cognitivo agenciado e ficções persistentes sobre tempos e lugares revisitados na poética de João do Crato produz-se nosso campo etnográfico. Nosso contato com o artista se inaugura em 1999, em pesquisa sobre uma geração de artistas e produtores culturais afeitos à contracultura no Cariri (Marques, 2004MARQUES, Roberto. 2004. Contracultura, tradição e oralidade: (Re)inventando o sertão nordestino na década de 70. São Paulo, Annablume.; 2019MARQUES, Roberto. 2019. “Caldeirão de Santa Cruz, Avalon, Craterdam: lugares cognitivos da contracultura no interior do Ceará”. In: KAMINSKI, Leon (org.). Contracultura no Brasil, anos 70: circulação, espaços e sociabilidades . Curitiba, CRV , pp. 171- 194.). A diversidade de trajetórias pessoais e artísticas vivida por essa geração, inspirou-nos a pensar processos de individuação em seu alcance criativo para a composição de mundos (Gonçalves, Marques e Cardoso, 2012aGONÇALVES, Marco Antônio; MARQUES, Roberto; CARDOSO, Vânia (orgs.). 2012a. Etnobiografia: subjetivação e etnografia. Rio de Janeiro, 7Letras.). Assim, a partir de 2012, adotamos como estratégia metodológica o registro em áudio e vídeo de apresentações de palco recentes do cantor. Mediados por questões triviais referentes a essas filmagens, interagimos com produtores, músicos e profissionais diversos dos centros culturais que produziam esses shows. Tais incursões metodológicas tornaram possível textualizar a produção narrativa e performativa desse entre lugares a partir do palco, lugar de onde João olha a si, a seu público e ao Cariri. A repetição de narrativas para pessoas diversas em diferentes entrevistas, conduziu nova estratégia metodológica iniciada em 2013, quando passamos a recolher e categorizar entrevistas concedidas por João do Crato em diversos momentos de sua carreira.

O cotejamento dessas entrevistas nos leva a refletir possíveis disjunções e conjunções (Brah, 2006BRAH, Avtar. 2006. “Diferença, diversidade, diferenciação”. Cadernos Pagu, n. 26: 329-376. DOI https://www.doi.org/10.1590/ S0104-83332006000100014.
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) alçadas pelo cantor em distintas situações em que fala de sua vida e das vivências compartilhadas com a geração de artistas e produtores culturais de Crato e Fortaleza durante as décadas de 1970 e 1980 e os momentos públicos em que expressa sua trajetória a jornalistas, educadores, universitários e distintas redes de militância local e nacional. Mediados por João e suas narrativas, cotejamos inspirações pós-estruturalistas em torno da invenção de comunidades éticas e estéticas mediante processos de “fabulação” e desterritorialização do “Eu” (Arcos-Palma, 2006ARCOS-PALMA, Ricardo. 2006. “Foucault e Deleuze: a existência como uma obra de arte”. In: GONDRA, José e KOHN, Walter (orgs.). Foucault 80 anos. Belo Horizonte, Autêntica, pp. 283- 298.: 284) de modo a conjugar/comungar formas expressivas acionadas por meio de performances públicas (Butler, 2018BUTLER, Judith. 2018. Corpos em aliança e a política das ruas. Notas para uma teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.). Assim, narrativas e performances no/através do palco impõem-se como estratégias de invenção de mundos por nós textualizados à medida que compartilhamos com João um denso rendilhado entre retórica do cotidiano, incorporação e produção de lugares cognitivos (Rapport, 2000RAPPORT, Nigel. 2000. “The narrative as fieldwork technique. Processual ethnography for a world in motion”. In: AMIT, Vered. (ed.). Constructing the field: ethnographic fieldwork in the contemporary world. New York, Routledge , pp. 71-95. ).

Nos limites desse texto, priorizaremos a forma como João inventa a si mesmo como personagem do Cariri, em falas sobre sua trajetória a distintos entrevistadores. Se desejássemos pontuar de forma didática alguns tropos de criação de João como personagem de si mesmo, chama a atenção a revisitação de alguns lugares: a) sua infância no interior do Ceará, em convívio com uma família numerosa e manifestações da cultura popular local; b) seu local de moradia na periferia da cidade de Crato na década de 1970; c) sua relação com os artistas de sua geração, moradores do centro da cidade; d) sua percepção de si como negro e morador da periferia a partir da impossibilidade de associação da família a um clube de veraneio local e finalmente; seu deslocamento para Fortaleza e aproximação com outros artistas identificados com o rock.

Acompanhemos algumas falas de João sobre alguns desses tropos:

a) A infância de um menino “diferente”:

Eu vinha de uma família (...) que tinha dois irmãos mais velhos altamente machistas. E eu desde pequeno (...) era diferente porque (...) eu cantava, (...) eu não ia caçar de baladeira, eu não ia jogar bola com os outros. E cheguei até a jogar, porque (estalo com as mãos) porque eu sentia que se eu não fosse seria muito mais difícil! Então eu cheguei a jogar bola, cheguei a fazer coisas que os meninos da minha época faziam, mas porque eu já sentia uma pressão muito forte (...) porque eu sentia que se não fizesse seria ainda pior (...). E na adolescência, aí que a coisa fica meio conturbada! Aí, eu me isolei totalmente! (Entrevista concedida ao autor em 26/04/1999).

As memórias sobre a infância como uma criança “diferente” são alternadas com narrativas sobre a presença de mestres e mestras da cultura popular na feira de Crato. A força simbólica da arte de ceramistas, emboladores, cantadores, apresentações de reisado pelos olhos de uma criança “diferente” no Cariri. A música tocada pelas amplificadoras nas cidades do interior e os dramas encenados em circos.

Meu pai tocava violão e cantava, minha mãe também tocava violão e cantava (...). A música na época era essa música de amplificadora que a gente escutava. A programação das amplificadoras começava a partir do meio-dia (...) depois parava e voltava à noite e se estendia até umas oito da noite, e a gente era sempre escutando música da época. Eu era uma criança bastante atenta a tudo isso.

Eu não era uma criança de brincar com os outros meninos da rua. Eutomava banho de rio, mas eu gostava mesmo era de brincar (...) de dramas. (...) Como lá em casa eu tenho mais alguns irmãos, que todos gostam de arte graças a Deus!, fazíamos uns dramas no fundo do quintal. A gente ia assistir os circos que passavam pela cidade, as caravanas de circo, e depois a gente ia reproduzir as coisas que o circo passava. O que eu achava mais interessante do circo, além dos trapézios; dos palhaços, eram os dramas, que eram histórias (...) que pareciam teatro, um teatro popular, que era uma cortina que se abria e os atores apareciam. As histórias eram fantásticas! De amores fracassados, aquelas coisas (...) Era muito rico pra se ver! Então, passei uma infância muito ligada nessas coisas (Transcrição de fala de João do Crato durante o projeto Narrativas em volta do fogo, organizado pela Universidade Federal do Cariri e Centro Cultural do Banco do Nordeste do Brasil - CCBNB - em 25 de outubro de 2014).

b) João e a geração de artistas cearenses dos anos 1970

Sua participação tardia junto à geração que produzia música, artes visuais e literatura no Cariri durante as décadas de 1970 e 1980 é justificada pelo fato de João morar no bairro periférico de São Miguel, em Crato.

Na realidade eu era contemporâneo [dos artistas dessa geração], mas eu não era tão envolvido com o movimento ainda porque esse movimento era mais centralizado aqui no Parque Municipal, no centro da cidade, e eu sempre morei mais na periferia (...). Talvez [o grupo] fosse até um pouco fechado e eu não conseguia [me enturmar] e talvez não fosse (...). Talvez eu é que fosse fechado! Talvez eu tivesse um pouco de receio de entrar no meio. (...). Eles já existiam, eles já eram organizados (...) porque morava todo mundo perto, todo mundo se reunia e era aquela coisa mais centralizada. E como eu morava na periferia, eu ficava só de espectador, apesar de que eu já achava maravilhoso, e apoiava e tal. Até os festivais [da canção ocorridos na cidade de Crato] eu só assistia, porque eu ainda não tinha assumido essa coisa da arte mesmo dentro de mim.... Eu tinha tudo dentro na cabeça, mas tudo ainda muito confuso (Entrevista concedida em 26/04/1999).

Fugindo da possibilidade de servir o exército na cidade em que cresceu, João mudou-se para Fortaleza onde passou a conviver com jovens interessados no nascente rock nacional de então. Ali, ensaiando com bandas e cantores(as) de rock no quintal da casa de sua irmã, João tornou-se “João do Crato”.

Só vim descobrir mesmo e tornar concreto [minha identidade como artista] quando eu saí daqui e fui pra Fortaleza. E foi quando todo mundo foi embora: Abidoral [Jamacaru] foi embora, Cleivan [Paiva] foi embora, Rosemberg [Cariri] 22 22 Os músicos Abidoral Jamacaru, Cleivan Paiva e o cineasta e poeta Rosemberg Cariry são artistas cratenses da geração que entre os anos 1970 e 80 notabilizou-se organizando os festivais da canção tratados ao longo desse trabalho. foi embora também. Aí, eu também fui pra Fortaleza. Lá, eu comecei a me envolver no final dos anos [19]70 com o movimento do rock and roll, comecei a fazer backing vocal numas bandas. O Perfume Azul, que talvez foi o que teve de mais expressivo na história do rock and roll de Fortaleza. O crooner era Lúcio Ricardo.

(...) Eu morava sozinho com minha irmã e consegui com ela o muro da minha casa pra fazer os ensaios. Então o Perfume Azul ensaiava no quintal da minha casa! [A cantora] Mona Gadelha ensaiava no quintal da minha casa, Sigberto Franklin (...) também ensaiava no quintal da minha casa. Quando eu voltava pras férias [em Crato], aí eu já estava me sentindo à vontade pra ir mesmo pra Praça da Sé, sabe, pra escancarar mesmo! E a gente foi um movimento muito es...agente fazia questão de escancarar, também tinha isso! (Entrevista concedida em 26/04/1999).

Em pesquisa sobre a cena musical da turma do rock em Fortaleza na segunda metade da década de 1970, Simone Gadelha23 23 Mestre em Comunicação com pesquisa sobre a cena do rock em Fortaleza da década de 1970, Simone Mary Alexandre Gadelha é conhecida como Mona Gadelha, cantora e compositora cearense, em atuação desde o final da referida década. (2018GADELHA, Simone Mary Alexandre. 2018. O Perfume azul, artífice da ruptura: transgressão na cena rock de Fortaleza nos anos 70. Fortaleza, Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Ceará.), relata como se deu a recepção de sonoridades e estéticas advindas de diferentes vertentes do rock and roll pelas bandas locais Perfume Azul e Chá de Flor. Impossibilitados de ter acesso a estúdios, equipamentos profissionais ou bens de consumo desejados pelos “aprendizes da transgressão” de então, jovens recentemente integrados às redes de relação e modos de vida urbana do centro de Fortaleza sinalizavam sua adesão à estética “contemporânea”(...) “ao valorizar a indumentária, com figurinos realçados em tecidos brilhoso, excesso de cores e (...) androginia” (Gadelha, 2018GADELHA, Simone Mary Alexandre. 2018. O Perfume azul, artífice da ruptura: transgressão na cena rock de Fortaleza nos anos 70. Fortaleza, Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Ceará.: 16).

ComJoãoeBatistaSena,HeribertoPorto,RonaldCarvalho,“Cigano”e“Chupeta”, João do Crato compunha a banda Chá de Flor.

Os fundadores da Chá de Flor, João e Batista Sena, moravam juntos no bairro da Barra do Ceará24 24 Bairro localizado na porção oeste de Fortaleza, em limite com o município de Caucaia. Ao longo da entrevista a Mona Gadelha, João do Crato refere-se ao bairro no final da década de 1970 como “um lugar maravilhoso”, marcado pela proximidade do rio Ceará. , onde o grupo experimentava novas composições como nomes psicodélicos, como “O predileto vestido de Dália para esperar polichinelo” (...) a proposta da Chá de Flor se antecipava e inseria outras referências (...) ‘como Yes, Gênesis, Jethro Tull, a brasileira O Terço, além de uma ligação muito forte com a música do Clube da Esquina e do tropicalismo’ (Gadelha, 2018GADELHA, Simone Mary Alexandre. 2018. O Perfume azul, artífice da ruptura: transgressão na cena rock de Fortaleza nos anos 70. Fortaleza, Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Ceará.: 64, a partir de entrevista com João do Crato).

A casa no bairro Barra do Ceará era frequentada por “toda a vanguarda da época”, “o pessoal que fazia a revolução das artes [teatro, dança e música] em Fortaleza” (João do Crato em depoimento a Mona Gadelha. Gadelha, 2018GADELHA, Simone Mary Alexandre. 2018. O Perfume azul, artífice da ruptura: transgressão na cena rock de Fortaleza nos anos 70. Fortaleza, Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Ceará., p. 64). Era também um “local de passagem” para artistas e mochileiros do final da década de 1970, encantados com a beleza do manguezal intacto ao redor do rio Ceará.

Em meio a deslocamentos ocasionais para passar férias com a família, João teve oportunidade de apresentar-se algumas vezes com integrantes da Chá de Flor em Crato. Diz também que a filiada da TV Globo no Ceará costumava falar da banda Chá de Flor.: “Na época só tinha a TV Verdes Mares (...), mas se falava na banda Chá de Flor. Falava-se no João do Crato e foi quando as pessoas começaram a ver que eu existia, né? Que eu estava fazendo um trabalho lá e tal” (depoimento ao autor, em 26/04/1999). Desentendimentos na banda levaram-no a voltar a morar em Crato. No entanto, a força das vivências e ideais compartilhados em sua autodescoberta como artista em Fortaleza constituem-no dali em diante como João do Crato, invenção desse tempo entre lugares.

Assim como nas trajetórias do cantor e compositor Abidoral Jamacaru, do cineasta Rosemberg Cariry, do músico e compositor Cleivan Paiva, as performances de João do Crato encontram-se marcadas por um entre lugares sintetizado na relação entre interior e capital. Ao tempo em que a geração de artistas vinculados ao movimento Massafeira 25 25 Capitaneados pelo cantor e compositor cearense Ednardo, artistas ligados a música, artes visuais, teatro e cinema apresentaram-se no Theatro José de Alencar, em Fortaleza, entre os dias 16 e 19 de outubro de 1979. O espetáculo gerou um LP duplo lançado pela gravadora CBS em 1980. Ednardo fez a direção artística, direção de produção e direção de estúdio do álbum Massafeira. A co-produção foi assinada por Augusto Pontes. A coordenação musical ficou a cargo de Rodger Rogério, Petrúcio Maia e Stélio Valle. (Aires, 1994AIRES, Mary Pimentel.1994. Terral dos sonhos. O cearense na música popular brasileira. Fortaleza: Secretaria da Cultura e Desporto do Estado do Ceará/Multigraf ed.; Sousa, 2010SOUSA, Ednardo Soares (org.). 2010. Massafeira: 30 anos. Som, imagem, movimento, gente. Fortaleza, Edições musicais.), em Fortaleza, encontra no telurismo e na romantização do sertão sua força expressiva26 26 Ouvir, por exemplo, as canções “Como as primeiras chuvas de caju”; “Água grande” ou “Fotografia 3 x 4”. Ver também o filme “Caldeirão da Santa Cruz do Deserto”, do cineastas Rosemberg Cariry. , é a confluência de vivências entre pares na capital cearense que permite a veiculação dos anseios de João como artista. A exemplo da narrativa construída em“Jaguar”, de Jean Rouch (1955)Jaguar. Direção: Jean Rouch, 1955., faz-se necessário deslocar-se espacialmente para fabular-se outro. A partir desse deslocamento de si, sintoniza-se e potencializa possibilidades em sua cidade de origem, apropriada como entre lugares pela ação narrativa e performativa de João.

[Na Praça da Sé], quando a gente via que vinham aquelas dondocas mais tradicionais, a gente acendia um baseado e fazia questão de (traga) soprar mesmo! Assim [sopra] pra sentirem... na... A gente fez isso e foi uma coisa meio agressiva! Ainda hoje eu me pergunto se ...se não era mesmo uma coisa... mas não! Eu acho que o processo tem que ser esse mesmo, sabe? Tinha que ser! Pra romper ou não sei pra que... mas a gente fazia muito isso! (Entrevista concedida em 26/04/1999).

c) O pai que não conseguiu se inscrever no Crato Tennis Clube, por não ser cratense e ser negro.

[Foi na minha adolescência que] eu comecei a sentir na pele o quanto o Crato era uma cidade tradicionalista, careta, aquela burguesia do Crato, as famílias tradicionais. Foi quando meu pai, na tentativa de querer que a gente ficasse muito bem aqui no Crato, foi lá no [clube recreativo] Crato Tênis Clube tentar se associar, pra gente ter uma oportunidade de (...) frequentar um clube social, e ai foi negado! Fizeram uma assembleia e disseram: “Não, não pode. Ele não é de uma família! Quem é este homem? Este homem negro? Esse homem preto que ninguém sabe quem é! Não, não pode ser sócio!” Eu fui começando a sentir na pele o quanto essa cidade era careta, burguesa, e aí eu me retraí bastante. Minha adolescência restringiu-se às periferias, às danças da “lapinha” lá por cima das matas. Eu ia ser “caboclinho”, acompanhar as danças de “lapinha” (Entrevista concedida em 26/04/1999).

Poderíamos sugerir que as performances de deslocamento no palco citadas mais acima são reafirmadas pela criação de um lugar narrativo para si associado a formas precarizadas de vida: deslocado de sua geração, por questões de sexualidade, raça, origem familiar e local de moradia. As condições que possibilitaram suas performances no palco são cerzidas, portanto, a partir de uma oposição bastante simples entre modos de funcionamento presentes na cidade de Crato: um modo moderno em resistência a um modo tradicional. Nessa polarização, João considera-se um agente da modernidade.

Consolida sua narrativa a partir de tropos capazes de estabelecer oposição entre uma moral tradicional-local-linear-“careta” polarizada a atitudes alinhadas a experimentação-modernidade-cosmopolitismo. Efetivamente essa oposição éconstruída a partir da citação contínua de momentos de embate entre essas duas vozes nessa cidade ou em outras cidades pelas quais passou.

Mas avancemos um pouco na narrativa. Nossa intenção aqui não é pontuar a existência de lugares sociais diversos em cidades do interior do Nordeste, avariedade do sublunar é uma assertiva bastante óbvia. A questão é antes afirmar como esses deslocamentos criam e multiplicam dizibilidades reconhecidas como narrativas de um lugar, aproximando performatividades de gênero e imaginários espaciais.

Portanto, como tentamos demonstrar até aqui, pela construção narrativa e performativa de si como filho de negros; periférico; “diferente”, João estabelece uma interação mimética com seu público, que se identifica com o lugar que cria para si e para eles, sua plateia. Possivelmente, tal identificação produzida por João a partir de suas performances e narrativas justifique o lugar alçado pelo artista junto aos centros culturais locais, por outros artistas e intelectuais do Cariri e em suas incursões pela cidade e seus arredores. Possivelmente, essa rede vinculada à produção cultural local perfaz a identificação do público com o status de“criador”, ocupado por João, ou ainda, com a possibilidade de produção de lugares diferentes para se viver. Assim, parafraseando Crapanzano (1980), a trajetória de João éa um só tempo tão particular e tão arraigada ao lugar que habita. Um processo de individuação tão distante do típico e ao mesmo tempo só possível no Cariri.

Essas narrativas a posteriori incorporam deslocamentos temporais e espaciais, que fabulam no presente um Crato e um João no passado,criam um personagem e um lugar para si a partir de um senso de ausência de lugar para existir (unhomelesly). Esse lugar de auto invenção, consolidado a partir de narrativas lineares e com um sentido de projeto (Velho, 1999VELHO, Gilberto. 1999. Projeto e metamorfose: Antropologia das sociedades complexas. Rio de Janeiro, Zahar .) bastante evidente, é iluminado pelo status que João ocupa junto à memória de sua geração e de outros jovens artistas, aos centros culturais locais e aos grupos de cultura popular e organizações não governamentais em que realiza sua militância: Grupo de Valorização Negra do Cariri (GRUNEC); Comissão Pastoral da Terra (CPT); Frente de Mulheres dos Movimentos do Cariri; Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), e em diferentes bairros e localidades periféricas como a vila Carrapato, comunidade do Melo, Lagoinha, entre outras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: QUANDO O CHÁ DE FLOR ENCONTRA O CHÁ CULTUBA

Sintetizar uma trajetória que se mantém nos palcos ao longo de mais de quarenta anos seria impossível. O percurso de João do Crato articula apresentações para públicos variados, valor de produção e alcance distintos. Aliada à complexidade desse intento, encontra-se o fato de o artista fazer-se presente continuamente no cotidiano de movimentos sociais, em atos públicos articulados por esses movimentos e ainda como apoiador ou voluntário em outras formas de engajamento presentes na região do Cariri.

Nossa contribuição aqui restringiu-se, portanto, à tentativa de demonstrar como as noções de Nordeste e Cultura Popular, usualmente conjugadas a partir de supostas estabilidades; longevidade, restrição e cristalização de elementos, são explodidas por João do Crato. Elas são (cri)ações empreendidas pela reiteração e força de sua presença no palco.

A mirada sobre a “cultura popular” como mistério e complexidade impôs-se como temática em vários artistas e profissionais identificados com a produção do finaldosanos 1970, comoostropicalistas Caetano Velosoe Gilberto Gilouaarquiteta Lina Bo Bardi (Basualdo, 2007BASUALDO, Carlos. 2007. “Vanguarda, cultura popular e indústria cultural no Brasil”. In: BASUALDO, Carlos (org.). Tropicália. Uma revolução na cultura brasileira. São Paulo, Cosac & Naify , pp. 11-28.; Bardi, 2007BARDI, Lina Bo. 2007. “Por que Nordeste? ”. In: BASUALDO, Carlos (org.). Tropicália. Uma revolução na cultura brasileira. São Paulo, Cosac & Naify, pp. 215-216.). Esse deslocamento, aqui tematizado a partir do show Alvíssaras a Luiz Gonzaga, é constante em outros shows do cantor.27 27 Por exemplo, no show em que interpreta o repertório da cantora e compositora Marinês ou no show Remoenda, em que interpreta canções de compositores inspirados pela imagística do sertão. O alcance desse novo engenho é reforçado quando incursiona por palcos nacionais ou se impõe a relevantes palcos no estado do Ceará, como em apresentações na mostra SESC de Culturas28 28 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=5nGPe0a1_J4 ; comemoração do “dia da cultura” no Cineteatro São Luiz ou nos palcos do festival Maloca Dragão em homenagem ao cantor e compositor cearense Belchior, organizada pelo Instituto Dragão do Mar29 29 Disponível em: https://www.facebook.com/watch/live/?v=1330442153658977&ref=watch_permalink .

Quando assume a riqueza de olhar Nordeste a partir dos anos 1970, João do Cratoexploraficçõespersistentessobreaestabilidadedaregiãoedaculturapopular, produzindo a partir delas lugares para compartilhar existência. Aliada ao cotidiano de sua interação com relevantes articuladoras e articuladores dos movimentos sociais no Cariri, a possibilidade de deslocamento de relações de poder cristalizadas torna a presença de João do Crato entre esses movimentos fundamental. Para Angelita Maciel, militante vinculada a Comissão Pastoral da Terra-CPT, os movimentos sociais se beneficiam do conhecimento que João do Crato possui do entorno da Chapado do Araripe e seus personagens:

(...) Quem aproxima a gente dessas comunidades é João, por que João conhece bibocas30 30 Sinônimo de lugarejos, lugares escondidos. nessa Chapada que você não imagina! João conhece fontes que você não imagina! E nesses locais ele conhece as personagens. Ele se aproxima das personagens, dos idosos. Quando a gente queria qualquer coisa, [ele dizia]: “-Naquele canto tem! Tem um senhor que conhece a erva! ”. Então o João vem para o movimento ajudando a gente a ter essa aproximação, que para nós ainda era escondida! (Angelita Maciel, entrevista concedida em 10/03/2017).

Vicente de Paulo, assessor da secretaria de cultura de Crato desde o início dos anos 2000, conta-nos que tendo se afastado de amigos com quem se divertia durante os fins de semana, foi aos poucos introduzido por João do Crato no convívio com os movimentos sociais no entorno da Chapada.

João começa a me chamar para sair com ele nos finais de semana, para o “riacho do Meio”, para o “Engenho da Serra”31 31 Riacho do Meio e Engenho da Serra são localidades rurais ao redor da Chapada do Araripe. , dizendo que era “encontro de jovens” (risos). Daí, quando eu cheguei nesse Engenho da Serra, me deparei com uma galera tentando reestabelecer uma fonte que tinha lá! Aí eu comecei a pirar com isso! Eram uns meninos do grupo de jovens [...]. Aí comecei a conhecer esse trabalho que já existia, que era ligado a lazer, a cultura, a questão ambiental e ao associativismo. (Vicente de Paulo, entrevista concedida em 16/10/2015).

A reiteração da presença constante de João do Crato em grupos diversos, espacialmente distantes, mas unificados por suas relações com o entorno da Chapada, precipita interação com outros agentes dos movimentos sociais, fazendo com que a presença do cantor e militante seja uma escolha bastante óbvia quando grupos como a CPT, a Associação Cristã de Base (ACB), a Rede de Educação Cidadã (RECID) e outros desejam realizar apresentações artísticas ou místicas em encontros com as comunidades.

O pessoal conhece o João, ele não é novidade nesses mundos, e eu pergunto como o João chegou? Ele chegou [por exemplo] através de uma rendeira [na cidade de] Aurora, uma artista que fazia artesanato que conhecia o João das atividades do Crato, da música, e a família dela morava nessa comunidade e ela chamou o João para almoçar na casa dela e olhar a comunidade, faz muito tempo. Em Salitre, João conhece alguém que tá ligado à secretaria de cultura... muito antes dessa administração do PT e aí o pessoal leva o João lá e ele vai para a comunidade. Essa história do João andar a pé, de andarilho, que ele vai “no giro da venta” é uma coisa que o torna muito comum, porque como ele vai a pé, ele vai encontrando muita gente e ele conversa, puxa assunto. Pergunta as coisas mais simples, a mulheres, a idosos, então ele é muito desse mundo! (Angelita Maciel, entrevista concedida em 10/03/2017)

Essa interação contínua faz de João um par para comunidades em torno da ChapadadoAraripeeparaosmovimentossociais.Pertençamarcadaporapropriações complexas de marcadores de origem social, gênero, sexualidade ou raça. Marcadores nele presente, presentes nas comunidades da Chapada e militantes. Dessa forma, se em suas apresentações como cantor, chama a atenção um corpo distante de modelos de masculinidade alçados como estereótipo do Nordeste, esse corpo é alçado por João a um outro lugar, mais complexo e borrado: campo de criação e descoberta de mini mistérios.

A gente recebe um dom natural que a gente não sabe de onde é. Desde muito criança eu sempre tive essa coisa da irreverência (...). Quando criança, eu já não brincava de prender animais, de usar baladeiras. Eu preferia acompanhar minhas irmãs aos clubes, dançar. Eu aprendi a dançar muito criança! (...) E quando começou a revolução sexual propriamente dita (...) com todo aquele descontentamento que a juventude estava passando, querendo coisas novas, querendo fugir um pouco daquela coisa careta, rotineira, que as religiões impunham, que o sistema impunha(...). E o Cariri foi uma rota muito precoce desses mochileiros. Eu na minha adolescência convivi tanto com mochileiros que passavam pelo Crato, pelo Juazeiro do Norte e passavam alguns dias. Aquelas pessoas tinham informações interessantes porque essas vinham do mundo inteiro, né? (João do Crato, em entrevista a Wallison Araújo, em 11/09/201932 32 Entrevista disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Dparut1JLoA, acesso em 14 de agosto de 2021. ).

Aliada a performances corporais vindas da cultura popular, tais referências teriam precipitado um corpo em cena.

Eu já tinha uma ligação muito grande com essa coisa da performance, da pouca roupa, do brilho, de usar o corpo como uma coisa muito importante ligada ao canto, né.? Então assim, eu sempre gostei! E essa coisa da sexualidade também é muito louca. Porque as pessoas imaginam coisas inenarráveis sobre a sua pessoa! Quando você se expõe nesse sentido as pessoas tem uma curiosidade em saber o que é que você faz, o que tem por trás daquela pessoa, e sempre as pessoas tinham muita curiosidade pra saber qual era a minha, com quem eu namorava(...). E a intenção não é essa! A intenção é de fazer a revolução como um todo! A questão da sexualidade é muito particularizada. A gente é que foi muito reprimido, né? (João do Crato, em entrevista a Wallison Araújo, em 11/09/2019).

Apropriada por gerações já formatadas pelas noções de Direitos Humanos fundamentais, identificados pela gramatica identitária construída ao longo da história dos movimentos LGBTI+, a recepção de João do Crato pela juventude em comunidades nos pés de serra do Cariri cearense assume nova importância.

Hoje, a juventude, principalmente na zona rural onde essa questão da sexualidade é mais podada, (...) mais escondida, quando o João chega esse povo se revela!… É como se vissem no João um espelho, principalmente os jovens. Hoje eu percebo isso! Quando o João tá numa comunidade rural, quando o João chega quando o João fala, esse grupo se sente representado. (...) Eu tenho encontrado particularmente muitos meninos e meninas que tem o desejo de sair dali para viver a sua sexualidade. Não é só aquela história de ir para uma escola melhor, ir para emprego melhor, não. É para ser respeitado, para ter condição de expressar-se. E isso é uma característica que o João traz. João traz isso em Salitre, na comunidade em Araripe, em Porteiras. E é interessante porque o João não é uma pessoa que fale dele mesmo. Ele chega é aquilo e pronto! (Angelita Maciel, entrevista concedida em 10/03/2017).

Se mirarmos a fala de Angelita Maciel utilizando as lentes da gramática da diversidade sexual pós anos 1980, poderíamos pensar que a presença de João impactaria jovens nas comunidades ao redor da Chapada do Araripe pela imposição de novas formas de viver identificadas a uma identidade sexual específica. No entanto, se tecidas a outros elementos apresentados ao longo do texto, percebemos que essa performatividade não pode ser conjugada se não por meio de uma gramática complexa entre tempos e espaços, envolvendo narrativas de um também-Nordeste conjugado no palco e lampejos de lantejoulas advindos da recepção da contracultura nos anos 1970 e 80.

A aceitação de João seria, portanto, fruto da reiteração de sua presença nesses locais, aliado a seu carisma no trato com as pessoas da comunidade ao longo de seus trabalhos de militância. Poderíamos sugerir que marcadores como sexualidade, raça, performance de gênero, jeito de corpo, além da ação efetiva e contínua junto a essas comunidades são utilizados não apenas para produzir diferenças, mas para agenciar efeitos miméticos com elas.

Finalizando, poderíamos retomar a ideia que João do Crato potencializa em sua ação um reconhecimento de um lugar para si e para nós a partir de tensionamentos e deslocamentos provocados a partir do palco, ao tempo que leva tais deslocamentos para sua ação cotidiana junto a ONGs e demais formas de agenciamentos políticos locais.

Essa identificação com sua ação como agente da criação tem produzido ações coletivas identificadas não com sua identidade, como gay; morador de periferia; como negro; como homem, mas com sua possibilidade de deslocar essas identidades e com isso produzir lugares de enraizamento a partir do qual possa se estabelecer. Possivelmente, sua identificação com a ideia de sertão, bem como com os ideais de irreverência e liberdade característicos da geração de jovens das décadas de 1960 e 1970 sejam chaves de compreensão da complexidade dos jogos de deslocamentos presentes em suas performances e narrativas. Isso nos possibilita, entre outras coisas, pensar a contracultura como um fenômeno com muitas temporalidades. Com múltiplas espacialidades. João nos ensina a conjugar contracultura não somente no passado, como também no presente e no futuro. Para isso, João torna-se um inventor do Cariri, para explodi-lo em seguida, pela expressão de um corpo e voz deslocados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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MÚSICAS CITADAS

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  • LINHARES, Ângela; BEZERRA, Ricardo. Como as primeiras chuvas de caju. Em: Vários. Massafeira, 1980, CBS, LP.
  • MARCULINO, José. Numa sala de reboco. Em: GONZAGA, Luiz. A Triste partida, 1964, RCA, LP.
  • MORAIS, Guio de. No Ceará não tem disso, não. Em: GONZAGA, Luiz. Chofer de praça/No Ceará não tem disso não, 1950, Victor, 78 rotações.
  • REGO, Amorim; GONZAGA, Luiz. O Cheiro da Carolina. Em: Luiz Gonzaga. O cheiro de Carolina/Aboio apaixonado, 1956, Victor, 78 rotações.
  • RODRIGUES, Sebastião; VALE, João do. Pra onde tu vai baião. Em: GONZAGA, Luiz. Pisa no pilão (Festa do milho), 1963, RCA Victor, 1963.
  • TEIXEIRA, Humberto. Chá Cutuba. Em: Chá Cutuba, 1977, RCA Camden, LP
  • VELOSO, Caetano. É proibido proibir/ Ambiente de Festival. Em: Caetano Veloso e Os Mutantes. É proibido proibir/ Ambiente de Festival, 1968, PHILIPS, Compacto simples, 7”.
  • VELOSO, Caetano; GIL, Gilberto. Eles. Em: VELOSO, Caetano. Caetano Veloso, 1968, Philips, LP.
  • VELOSO, Caetano; GIL, Gilberto. Panis et circencis. Em: Vários. Tropicália ou Panis et circencis, 1968, Philips, LP.

FILMES CITADOS

  • Caldeirão de Santa Cruz do deserto. Direção: Rosemberg Cariry, 1986.
  • Jaguar. Direção: Jean Rouch, 1955.
  • 1
    Pesquisa financiado pelo CNPq entre os anos 2013-2014 durante estágio pós- doutoral junto ao Núcleo de Experimentação em Etnografia e Imagem - NextImagem, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Resultados parciais foram apresentados na XI Reunião de Antropologia do Mercosul, em 2016; 51º congresso da Latin American Association (LASA), em 2017, e 18º Congresso Mundial da IAUES, em 2018
  • 2
    Utilizamo-nos aqui do debate sobre interseccionalidade, tal como empreendido pela antropologia feminista de Piscitelli (2008)PISCITELLI, Adriana. 2008. “Interseccionalidades, categorias de articulação e experiências de migrantes brasileiras”. Sociedade e Cultura, vol. 11, n.2: 263-274. DOI https://www. doi.org/10.5216/sec.v11i2.5247
    https://doi.org/https://www. doi.org/10....
    ; McClintock (2010)MCCLINTOCK, Anne. 2010. Couro imperial: raça, gênero e sexualidade no embate colonial. Campinas: Ed. Unicamp. e Brah (2006)BRAH, Avtar. 2006. “Diferença, diversidade, diferenciação”. Cadernos Pagu, n. 26: 329-376. DOI https://www.doi.org/10.1590/ S0104-83332006000100014.
    https://doi.org/https://www.doi.org/10.1...
    .
  • 3
    Refere-se aqui a ideais difusos vivenciados entre as décadas de 1960 e 70 relacionados a tentativa de rompimento com as formas usuais de hierarquia, produção de bens e circulação de pessoas.
  • 4
    Tecnologia de gravação de músicas em discos de vinil utilizada a partir da década de 1940, anterior a possibilidade de impressão digital em discos compactos- CDs ou à veiculação de músicas a partir de plataformas digitais online.
  • 5
    Vídeo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=i3TmIxiJtqs, acesso em 13 de agosto de 2021.
  • 6
    Chamam-se mezinha, ou “meizinha”, preparados manipulados por especialistas no conhecimento de ervas naturais.
  • 7
    Como discutido por Vieira (2000)VIEIRA, Sulamita. 2000. O sertão em movimento: a dinâmica da produção cultural. São Paulo, Annablume . e Marques (2008)MARQUES, Roberto. 2008. “Nordestinidade, música e desenraizamento ou Eram os tropicalistas nordestinos? ” In: GIUMBELLI, Emerson; DINIZ, Júlio Cesar; NAVES, Santuza Cambraia. Leituras sobre música popular: reflexões sobre sonoridade e cultura. Rio de Janeiro, 7 Letras, pp. 65-82., esse conjunto está longe de expressar a variedade de temas tratados e complexidade da obra de Luiz Gonzaga. A reiteração de suas obras mais populares produz uma memória específica sobre o artista.
  • 8
    A exemplo de “O Cheiro da CarolinaREGO, Amorim; GONZAGA, Luiz. O Cheiro da Carolina. Em: Luiz Gonzaga. O cheiro de Carolina/Aboio apaixonado, 1956, Victor, 78 rotações.” e “Numa sala de rebocoMARCULINO, José. Numa sala de reboco. Em: GONZAGA, Luiz. A Triste partida, 1964, RCA, LP.
  • 9
    Principal emissora do país, incorporada ao Patrimônio da União em 1940.
  • 10
    A música “Pra onde tu vai baiãoRODRIGUES, Sebastião; VALE, João do. Pra onde tu vai baião. Em: GONZAGA, Luiz. Pisa no pilão (Festa do milho), 1963, RCA Victor, 1963.” evocaria o momento vivido na carreira de Luiz Gonzaga entre as décadas de 1960 e 1970, ao cantar: “Pronde tu vai, baião? Eu vou sair por aí/ Mas por que baião?/Ninguém me quer mais aqui.” (LUIZ… 2002LUIZ Gonzaga (Luiz Gonzaga do Nascimento) 2002. In: DICIONÁRIO Cravo Albin da música popular brasileira. Rio de Janeiro, Instituto Cultural Cravo Albin, Disponível em: Disponível em: https://dicionariompb.com.br/luiz- gonzaga . Acesso em 25 mar. 2021.
    https://dicionariompb.com.br/luiz- gonza...
    )
  • 11
    A impossibilidade de levar o show à cidade de Exu (PE) fora relatada por João do Crato durante apresentação ocorrida na Feira de Agricultura Familiar, em Crato, em julho de 2013, onde nos encontrávamos na condição de público, durante o trabalho de campo dessa pesquisa.
  • 12
    Referências a Luiz Gonzaga citadas por João do Crato ao longo do show Alvíssaras ao rei Luiz. Tematizam entidades cultuadas pelas religiões afro-brasileiras, a compreensão dos anos 1960 como época de conscientização em relação à realidade planetária e aos princípios do humanitarismo e, por fim, o retorno do personagem Dom Sebastião, vinculado aos messianismos. A partir do desaparecimento de Dom Sebastião no norte do continente africano em 1578, difundiu-se a crença que Dom Sebastião iria voltar e retomar o trono português. Messianismo difundido no Nordeste do Brasil, expressando inconformidade com a ordem vigente e expectativa de salvação pelo retorno de um morto ausente. Sobre messianismos no Brasil, ver Queiroz, 2003 [1965]QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. 2003 [1965]. O messianismo no Brasil e no mundo. São Paulo, Alga-Omega.; Negrão, 2001NEGRÃO, Lísias Nogueira. 2001. “Revisitando o messianismo no Brasil e profetizando seu futuro”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 16, n. 46: 119-129..
  • 13
    A emancipação política de Juazeiro do Norte está vinculada à liderança carismática de Padre Cícero e aos acontecimentos conhecidos como “o milagre da hóstia” (Della Cava, Ralph, 1977DELLA CAVA, Ralph. 1977. Milagre em Joaseiro. Paz e Terra, Rio de Janeiro.; Barros, Lutigarde,1988BARROS, Luitgarde Oliveira Cavalcanti. 1988. A Terra da mãe de Deus. Um estudo do movimento religioso de Juazeiro do Norte. Rio de Janeiro, Francisco Alves; Brasília: INL. e Camurça, Marcelo, 1994CAMURÇA, Marcelo. 1994. Marretas, molambudos e rabelistas. A revolta de 1914 no Juazeiro. São Paulo, Maltese.). O contexto político de então colocou a cidade de Juazeiro do Norte no centro do debate nacional sobre as tensões entre Igreja Católica e Estado durante a Velha República (Della Cava, 1977DELLA CAVA, Ralph. 1977. Milagre em Joaseiro. Paz e Terra, Rio de Janeiro.; Schwarcz, 2012SCHWARCZ, Lilia Moritz. 2012. “População e sociedade”. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz (coord.). História do Brasil Nação - vol. 3. A abertura para o mundo: 1889-1930. Rio de Janeiro, Objetiva, pp. 35- 83.).
  • 14
    Sobre a recepção da contracultura em distintas localidades do pais, ver Leon Kaminski, 2019KAMINSKI, Leon (org.). 2019. Contracultura no Brasil, anos 70: circulação, espaços e sociabilidades. Curitiba, CRV.. Especificamente sobre o Cariri nas décadas de 1970-80, ver Marques, 2004MARQUES, Roberto. 2004. Contracultura, tradição e oralidade: (Re)inventando o sertão nordestino na década de 70. São Paulo, Annablume. e Dias, 2014DIAS, Carlos Rafael. 2014. Da flor da terra aos guerreiros cariris: Representações e identidades do Cariri cearense (1855-1980). Campina Grande, Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Campina Grande..
  • 15
    Ao longo das entrevistas foram acessados de forma indistinta diversas personagens vinculadas a danças e brincadeiras populares no Nordeste rural, usualmente vinculadas à noção difusa de “Cultura Popular”: Mateus, Guerreiro, Embaixador de reisado, entre outros. Nos limites desse texto, não será possível caracterizar cada uma dessas personagens e manifestações.
  • 16
    Nascida em Crato, a ceramista Cícera Maria de Araújo (1915-1994), ou Cícera do Barro Cru, residiu em Juazeiro do Norte ao longo de sua trajetória como ceramista. Algumas de suas obras estão presentes no Museu Casa do Pontal, no Rio de Janeiro. Em 2015, o Museu do Ceará realizou a exposição “Ciça e Maria- o barro e suas maravilhas”, em homenagem aos 100 anos da artista.
  • 17
    No original: “Narratives provides for the world-traveller- whether anthropologist or informant- a place cognitively to reside and make sense”.
  • 18
    Tal condensação marca pares opostos bastante característicos da produção cultural entre os anos 1960 e 1970, à exemplo das músicas “ElesVELOSO, Caetano; GIL, Gilberto. Eles. Em: VELOSO, Caetano. Caetano Veloso, 1968, Philips, LP.” e “Panis et circencisVELOSO, Caetano; GIL, Gilberto. Panis et circencis. Em: Vários. Tropicália ou Panis et circencis, 1968, Philips, LP.”, de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Para uma abordagem panorâmica dessa produção, ver entre outros Heloísa Buarque de Hollanda (1980)HOLLANDA, Heloísa Buarque de. 1980. Impressões de viagem: CPC, vanguarda e desbunde. São Paulo, Brasiliense..
  • 19
    O cantor refere-se aqui à apresentação de Caetano Veloso e Os Mutantes cantando “É proibido proibirVELOSO, Caetano. É proibido proibir/ Ambiente de Festival. Em: Caetano Veloso e Os Mutantes. É proibido proibir/ Ambiente de Festival, 1968, PHILIPS, Compacto simples, 7”.” no III Festival Internacional da Canção, promovido pela Rede Globo em 1968. Vaiado pela plateia, o compositor baiano vociferou discurso enfurecido contra público e Júri que o assistiam no Teatro da Universidade Católica de São Paulo- TUCA. A canção foi desclassificada do festival, tendo sido lançada no formato de “compacto” ainda em 1968, com versão em estúdio no lado A e captada ao vivo no TUCA em seu lado B.
  • 20
    Como desenvolvido ao longo do texto, João do Crato tem transitado entre centros culturais do Nordeste, mas também por instituições do Cariri como o Centro Educacional de Jovens e Adultos- CEJA e Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais do Crato, em Crato. Sua ação como militante e apoiador em diferentes formas de engajamento social é por vezes descrita como a de um educador popular.
  • 21
    No original: “ If population movemet, travel, economy and communication make the globe a unified space, then, for Auge, no place is completely itselfand separate, and no placeis completely other (cf. Massey 1991, 1992). And in this situation, people are Always and yet never ‘at home’”
  • 22
    Os músicos Abidoral Jamacaru, Cleivan Paiva e o cineasta e poeta Rosemberg Cariry são artistas cratenses da geração que entre os anos 1970 e 80 notabilizou-se organizando os festivais da canção tratados ao longo desse trabalho.
  • 23
    Mestre em Comunicação com pesquisa sobre a cena do rock em Fortaleza da década de 1970, Simone Mary Alexandre Gadelha é conhecida como Mona Gadelha, cantora e compositora cearense, em atuação desde o final da referida década.
  • 24
    Bairro localizado na porção oeste de Fortaleza, em limite com o município de Caucaia. Ao longo da entrevista a Mona Gadelha, João do Crato refere-se ao bairro no final da década de 1970 como “um lugar maravilhoso”, marcado pela proximidade do rio Ceará.
  • 25
    Capitaneados pelo cantor e compositor cearense Ednardo, artistas ligados a música, artes visuais, teatro e cinema apresentaram-se no Theatro José de Alencar, em Fortaleza, entre os dias 16 e 19 de outubro de 1979. O espetáculo gerou um LP duplo lançado pela gravadora CBS em 1980. Ednardo fez a direção artística, direção de produção e direção de estúdio do álbum Massafeira. A co-produção foi assinada por Augusto Pontes. A coordenação musical ficou a cargo de Rodger Rogério, Petrúcio Maia e Stélio Valle.
  • 26
    Ouvir, por exemplo, as canções “Como as primeiras chuvas de cajuLINHARES, Ângela; BEZERRA, Ricardo. Como as primeiras chuvas de caju. Em: Vários. Massafeira, 1980, CBS, LP.”; “Água grande” ou “Fotografia 3 x 4BELCHIOR. Fotografia 3 x 4. Em: Belchior. Alucinação, 1976, Polygram, LP.”. Ver também o filme “Caldeirão da Santa Cruz do DesertoCaldeirão de Santa Cruz do deserto. Direção: Rosemberg Cariry, 1986. ”, do cineastas Rosemberg Cariry.
  • 27
    Por exemplo, no show em que interpreta o repertório da cantora e compositora Marinês ou no show Remoenda, em que interpreta canções de compositores inspirados pela imagística do sertão.
  • 28
  • 29
  • 30
    Sinônimo de lugarejos, lugares escondidos.
  • 31
    Riacho do Meio e Engenho da Serra são localidades rurais ao redor da Chapada do Araripe.
  • 32
    Entrevista disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Dparut1JLoA, acesso em 14 de agosto de 2021.
  • CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA:

    Não se aplica
  • FINANCIAMENTO:

    Entre 2013 e 2014 a pesquisa contou com financiamento do CNPq.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    05 Abr 2021
  • Aceito
    14 Jul 2021
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