Acessibilidade / Reportar erro

Vírus, guerras e novos heróis: a pandemia da Covid-19 sob o biomilitarismo

Virus, wars and new heroes: the Covid-19 pandemic under the biomilitarism

RESUMO

Desenvolvo um exercício compreensivo sobre as construções sociais mais proeminentes, induzidas sobretudo pela ciência, em torno da pandemia de Covid-19, considerando para tal conteúdos jornalísticos online segundo uma perspetiva inspirada no desígnio etnográfico da procura de sentidos. Constato que as metáforas bélicas assumem um papel hegemónico como recursos semânticos privilegiados de conceptualização da crise sanitária e do que é feito, a vários níveis, para lidar com a situação de emergência. Estas metáforas expressam-se desde a escala microfísica de caracterização do vírus e da sua relação com o organismo humano à escala social da epidemiologia da infeção, das respostas socio-sanitárias, das implicações geopolíticas e das expressões identitárias de diferentes agentes, sobretudo dos profissionais que atuam nas esferas da ciência e da saúde. Ironicamente, a pandemia que atrai tantos tropos que remetem para a guerra e o militarismo tem-se constituído, em simultâneo, como um campo de indução de guerras tácitas, dando azo a múltiplas disputas político-ideológicas e tensões geopolíticas.

PALAVRAS-CHAVE:
Covid-19; respostas à pandemia; cientistas e profissionais da saúde; metáforas bélicas

ABSTRACT

I develop a comprehensive exercise on the most prominent social constructions around the Covid-19 pandemic, induced mainly by science. It is considered online journalistic content according to a perspective inspired by the ethnographic purpose of looking for meanings. War metaphors assume a hegemonic role as privileged semantic resources for conceptualizing the health crisis and what is done to deal with the emergency situation at various levels. These metaphors are expressed from the microphysical scale of characterization of the virus and its relationship with the human organism to the social scale of the infection epidemiology, socio-sanitary responses, geopolitical implications and identity expressions of different agents, especially professionals who operate in the spheres of science and health. Ironically, the pandemic that attracts so many tropes that refer to war and militarism has been constituted, simultaneously, as an induction field of tacit wars, giving rise to multiple political-ideological disputes and geopolitical tensions.

KEYWORDS :
Covid-19; responses to the pandemic; scientists and health professionals; war metaphors

INTRODUÇÃO

No dia 11 de março de 2020, perante os “níveis alarmantes de propagação” global do novo coronavírus (SARS-CoV-2) e de “inação” política, a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2020aOMS - Organização Mundial de Saúde. 2020a. WHO director-general’s opening remarks at the media briefing on COVID-19 11 March 2020. https://www.who.int/directorgeneral/speeches/detail/who-directorgeneral-s-opening-remarks-at-the-mediabriefing-on-covid-1911-march-2020
https://www.who.int/directorgeneral/spee...
) declarou a Covid-19 como pandemia, apelando a todos os países a adoção de “ações urgentes e agressivas”. Nas palavras do seu diretor-geral, Tedros Ghebreyesus, havia chegado a hora de “juntar-nos contra um inimigo comum, um inimigo da humanidade” (OMS, 2020bOMS - Organização Mundial de Saúde. 2020b. WHO director-general’s opening remarks at the media briefing on COVID-19 18 March 2020. https://www.who.int/dg/speeches/detail/who-director-general-s-opening-remarks-at-the-media-bri efing-on-covid-1918-march-2020
https://www.who.int/dg/speeches/detail/w...
). Quase em simultâneo, nos discursos científicos, biomédicos, políticos e mediáticos já estavam em rápida disseminação as metáforas militaristas da guerra (Flusberg, Matlock e Thibodeau, 2018FLUSBERG, Stephen; MATLOCK, Teenie; THIBODEAU, Paul. 2018. “War metaphors in public discourse”. Metaphor and Symbol, vol. 33, n. 1: 1-18. DOI https://www.doi.org/10.1080/10926488.2018.1407992
https://www.doi.org/10.1080/10926488.201...
; Fuks, 2010FUKS, Abraham. 2010. “The military metaphors of modern medicine”. In: LI, Zhenyi; LONG, Thomas (orgs.). The Meaning Management Challenge: Making Sense of Health, Illness, and Disease. Oxford, Inter-Disciplinary Press, pp. 57-68.; Larson, Nerlich e Wallis, 2005LARSON, Brendon; NERLICH, Brigitte; WALLIS, Patrick. 2005. “Metaphors and biorisks: the war on infectious diseases and invasive species”. Science Communication, vol. 26, n. 3: 243-268. DOI https://www.doi.org/10.1177/1075547004273019
https://www.doi.org/10.1177/107554700427...
) como recursos semânticos privilegiados de enunciação da emergência sanitária e das múltiplas estratégias para lidar com o cenário epidemiológico em curso. É reproduzida, assim, uma tendência conceptual que acompanha a medicina clínica desde os seus primórdios, manifestando-se recorrentemente em discursos sobre diferentes doenças (Chiang e Duann, 2007CHIANG, Wen-Yu; DUANN, Ren-Feng. 2007. “Conceptual metaphors for SARS: ‘war’ between whom?”. Discourse & Society, vol. 18, n. 5: 579-602. DOI https://www.doi.org/10.1177/0957926507079631
https://www.doi.org/10.1177/095792650707...
; Fuks, 2010FUKS, Abraham. 2010. “The military metaphors of modern medicine”. In: LI, Zhenyi; LONG, Thomas (orgs.). The Meaning Management Challenge: Making Sense of Health, Illness, and Disease. Oxford, Inter-Disciplinary Press, pp. 57-68.; Montgomery, 1993MONTGOMERY, Scott. 1993. “Illness and image in holistic discourse: how alternative is ‘alternative’?”. Cultural Critique, n. 25: 65-89. DOI https://www.doi.org/10.2307/13 54561
https://www.doi.org/10.2307/13 54561...
, 1996MONTGOMERY, Scott. 1996. The Scientific Voice. Nova Iorque, The Guilford Press.; Sontag, 1989SONTAG, Susan. 1989. AIDS and its Metaphors. Nova Iorque, Farrar, Straus and Giroux.; Zimmermann, 2017ZIMMERMANN, Martina. 2017. “Alzheimer’s disease metaphors as mirror and lens to the stigma of dementia”. Literature and Medicine, vol. 35, n. 1: 71-97. DOI https://www.doi.org/10.1353/lm.2017.0003
https://www.doi.org/10.1353/lm.2017.0003...
).

Tendo em conta que as pessoas percebem, pensam, comunicam e agem segundo as suas metáforas (Bono, 2001BONO, James. 2001. “Why metaphor? Toward a metaphorics of scientific practice”. In: MAASEN, Sabine; WINTERHAGER, Matthias (orgs.). Science Studies: Probing the Dynamics of Scientific Knowledge. Bielefeld, Transcript, pp. 215-234.; Fischer, 2012FISCHER, Michael. 2012. “On metaphor: reciprocity and immunity”. Cultural Anthropology, vol. 27, n. 1: 144-152. DOI https://www.doi.org/10.1111/j.1548-1360.2012.0 1132.x
https://www.doi.org/10.1111/j.1548-1360....
; Hanne, Crano, Mio e 2014HANNE, Michael; CRANO, William; MIO, Jeffery (orgs.). 2014. Warring with Words: Narrative and Metaphor in Politics. Nova Iorque e Londres, Psychology Press.; Kimmel, 2004KIMMEL, Michael. 2004. “Metaphor variation in cultural context: perspectives from Anthropology”. European Journal of English Studies, vol. 8, n. 3: 275-293. DOI https://www.doi.org/10.1080/1382557042000277395
https://www.doi.org/10.1080/138255704200...
; Lakoff e Johnson, 2003LAKOFF, George; JOHNSON, Mark. 2003. Metaphors We Live by. Chicago, University of Chicago Press.; Sunderland e Denny, 2016SUNDERLAND, Patricia; DENNY, Rita. 2016. “The social life of metaphors: have we become our computers”. In: SUNDERLAND, Patricia; DENNY, Rita (orgs.). Doing Anthropology in Consumer Research. Abingdon e Nova Iorque, Routledge, pp. 93-110.), justifica-se prestar a devida atenção aos tropos e esquemas conceptuais que recaem sobre a Covid-19, pois o belicismo que frequentemente pauta o modo como é representada pode repercutir-se na abordagem e eficácia da sua gestão como problema de saúde pública (Shah, 2020SHAH, Sonia. 2020. “It’s time to tell a new story about coronavirus - our lives depend on it. Nation, vol. 311, n. 2: 12-15. https://www.thenation.com/article/society/pandemic-definition-covid/
https://www.thenation.com/article/societ...
). É justamente nesta dimensão mais metafórica que centro a análise ao longo do texto, procurando delinear um exercício compreensivo sobre as principais construções sociais que são associadas ao vírus, à doença, à gestão política e socio-sanitária da epidemia e aos atores mais envolvidos na produção de respostas nos campos da medicina e da ciência. O âmbito deste exercício circunscreve-se predominantemente aos sentidos produzidos por via da reiteração de imagens e conceitos metafóricos, ainda que na parte final do artigo sejam desenvolvidas algumas reflexões de natureza mais prospetiva sobre a recepção e os possíveis efeitos das metáforas, procurando evidenciar que são muito mais do que meras formulações estilísticas inócuas.

Os elementos empíricos que induzem e sustentam a argumentação são resultantes de um processo de recolha ao longo de quatro meses, entre março e junho de 2020, de notícias online em nove jornais de diferentes países (Inglaterra, EUA, Portugal, Brasil, França e Espanha): The Guardian, The Washington Post, The New York Times, Público, Folha de S. Paulo, Le Monde, Courrier International, El País e El Mundo. A seleção destas fontes foi realizada em função de três critérios: a comunicação ser feita em línguas com as quais tenho afinidade, ainda que em diferentes graus; pertencerem a países que, à exceção de Portugal, foram muito severamente afetados na primeira fase da pandemia; integrarem as principais publicações periódicas dos respetivos países. Nestes jornais encontrei o terreno possível para aceder às construções sociais mais destacadas e correntes da pandemia, em larga medida alicerçadas nas informações progressivamente disseminadas pela comunidade científica, pelos profissionais de saúde e pelos decisores políticos. Assim, mais do que considerar os jornais (e as suas geografias e situacionalidades) como os enquadramentos seminais das representações sobre a Covid-19, tomo-os como uma espécie de caixa de ressonância de uma discursividade científica e política transnacional(izada).1 1 Impulsionada, desde logo, por grandes instituições internacionais no campo da saúde, da ciência e da tecnologia. Nesta discursividade sobressaem imagens belicistas que tendem a impor uma hegemonia metafórica global, embora convivendo com múltiplas contra-hegemonias, ambiguidades, singularidades nacionais e localismos que, por razões óbvias, não terei a possibilidade de analisar aqui com a profundidade desejada.

Durante o período da pesquisa consultei o site de cada jornal duas a três vezes por semana, selecionando dados (artigos noticiosos e de comentário, fotografias e ilustrações) relacionados com a Covid-19 para depois os organizar em função de grandes eixos categoriais. À volta de três destes eixos (representações do vírus e da doença, respostas sociais e terapêuticas, identidades profissionais) foram agrupados os conteúdos empíricos aqui utilizados. A sua posterior abordagem e análise inspirou-se no desígnio etnográfico da procura dos sentidos veiculados nos conteúdos noticiosos (Altheid et al, 2008ALTHEID, David; COYLE, Michael; DEVRIESE, Katie; SCHNEIDER, Christopher. 2008. “Emergent qualitative document analysis”. In: HESSE-BIBER, Sharlene Nagy; LEAVY, Patricia (orgs.). Handbook of Emergent Methods. Nova Iorque e Londres, The Guilford Press, pp. 127-151.), tendo sempre presente que a etnografia também pode proporcionar perspetivas pertinentes para a análise da ação humana a partir de documentos (Altheid, 1987ALTHEID, David. 1987. “Ethnographic content analysis”. Qualitative Sociology, vol. 10, n. 1: 65-77. DOI https://www.doi.org/10.1007/BF00988269
https://www.doi.org/10.1007/BF00988269...
). Embora com o risco acrescido de enviesamentos a montante, no decurso do processo de cobertura mediática (Earl et al, 2004EARL, Jennifer; MARTIN, Andrew; McCARTHY, John; SOULE, Sarah. 2004. “The use of newspaper data in the study of collective action”. Annual Review of Sociology, vol. 30, n. 1: 65-80. DOI https://www.doi.org/10.1146/annurev.soc.30.012703.110603
https://www.doi.org/10.1146/annurev.soc....
), os jornais não deixam de ser uma importante fonte de pesquisa antropológica (Almeida, 2000ALMEIDA, Miguel Vale de. 2000. “Corpos marginais: notas etnográficas sobre páginas ‘de polícia’ e páginas ‘de sociedade’”. Cadernos Pagu, n. 14: 129-147.; Müller, 2015MÜLLER, Aline. 2015. “O jornal como fonte de pesquisa histórica e antropológica: entre o monologismo e a polifonia”. Biblos, n. 1: 269-286. DOI https://www. doi.org/10.14195/0870-4112_3-1_11
https://www. doi.org/10.14195/0870-4112_...
). Como tal, as notícias que veiculam podem ser encaradas como uma “ferramenta de construção de significados” (com um papel semelhante ao mito), particularmente “potente para codificação, articulação, reprodução ou resistência ideológica”, mobilizando, amiúde, determinados quadros metafóricos que expressam crenças e visões do mundo indutoras de efeitos sociais concretos (Peterson, 2019PETERSON, Mark. 2019. “Anthropology of news”. In: VOS, Tim; HANUSCH, Folker (orgs.). The International Encyclopedia of Journalism Studies. Hoboken, NJ, John Wiley & Sons, pp. 1-6.).

METÁFORAS BÉLICAS

As metáforas constituem dispositivos conceptuais que permitem perceber e experienciar uma coisa (mais abstrata e complexa) nos termos de outra (mais concreta e estruturada), manifestando-se constantemente na linguagem, no pensamento e na ação (Kirmayer, 1993KIRMAYER, Laurence. 1993. “Healing and the invention of metaphor: the effectiveness of symbols revisited”. Culture, Medicine and Psychiatry, vol. 17, n. 2: 161-195. DOI https://www.doi.org/10.1007/BF01379325
https://www.doi.org/10.1007/BF01379325...
; Lakoff e Johnson, 2003LAKOFF, George; JOHNSON, Mark. 2003. Metaphors We Live by. Chicago, University of Chicago Press.; Nerlich, 2004NERLICH, Brigitte. 2004. “War on foot and mouth disease in the UK, 2001: towards a cultural understanding of agriculture”. Agriculture and Human Values, vol. 21, n. 1: 15-25. DOI https://www.doi.org/10.1023/B:AHUM.0000014022.42425.a9
https://www.doi.org/10.1023/B:AHUM.00000...
). Em muitos casos podem facilitar a organização de informação complexa, bem como processos de cognição, construção de sentido e comunicação (Maasen e Weingart, 2000MAASEN, Sabine; WEINGART, Peter. 2000. Metaphors and the Dynamics of Knowledge. Londres e Nova Iorque, Routledge.; Thibodeau, 2017THIBODEAU, Paul. 2017. “The function of metaphor framing, deliberate or otherwise, in a social world”. Metaphor and the Social World , vol. 7, n. 2: 270-290. DOI https://www.doi.org/10.1075/msw.7.2.06thi
https://www.doi.org/10.1075/msw.7.2.06th...
), nomeadamente em situações que envolvem uma intensa carga emocional (Littlemore e Turner, 2020LITTLEMORE, Jeannette; TURNER, Sarah. 2020. “Metaphors in communication about pregnancy loss”. Metaphor and the Social World, vol. 10, n. 1: 45-75. DOI https://www.doi.org/10.1075/msw.18030.lit
https://www.doi.org/10.1075/msw.18030.li...
). As ideias associadas a confrontos e a lógicas militares são uma das principais fontes culturais das metáforas de guerra usadas, de modo transversal, em diferentes geografias (sobretudo no norte global) e circunstâncias sociais, desde o senso comum à ciência, à política, à medicina e ao jornalismo, entre outras (Bleakley, 2017BLEAKLEY, Alan. 2017. Thinking with Metaphors in Medicine: the State of the Art. Abingdon e Nova Iorque, Routledge.; Hanne, Crano e Mio, 2014HANNE, Michael; CRANO, William; MIO, Jeffery (orgs.). 2014. Warring with Words: Narrative and Metaphor in Politics. Nova Iorque e Londres, Psychology Press.; Hillmer, 2007HILLMER, Ivonne. 2007. “The way we think about diseases: ‘the immune defense’ - comparing illness to war”. NAWA: Journal of Language & Communication, vol. 1, n. 1: 22-30.; Larson, Nerlich e Wallis, 2005LARSON, Brendon; NERLICH, Brigitte; WALLIS, Patrick. 2005. “Metaphors and biorisks: the war on infectious diseases and invasive species”. Science Communication, vol. 26, n. 3: 243-268. DOI https://www.doi.org/10.1177/1075547004273019
https://www.doi.org/10.1177/107554700427...
; Montgomery, 1991MONTGOMERY, Scott. 1991. “Code and combat in biomedical discourse”. Science as Culture, vol. 2, n. 3: 341-390. DOI https://www.doi.org/10.1080/095054391095 26314
https://www.doi.org/10.1080/095054391095...
, 1996MONTGOMERY, Scott. 1996. The Scientific Voice. Nova Iorque, The Guilford Press.; Navera, 2020NAVERA, Gene. 2020. “Belligerence as argument: the allure of the war metaphor in Philippine presidential speeches”. Kairos: A Journal of Critical Symposium, vol. 5, n. 1: 67-82.; Nerlich, 2004NERLICH, Brigitte. 2004. “War on foot and mouth disease in the UK, 2001: towards a cultural understanding of agriculture”. Agriculture and Human Values, vol. 21, n. 1: 15-25. DOI https://www.doi.org/10.1023/B:AHUM.0000014022.42425.a9
https://www.doi.org/10.1023/B:AHUM.00000...
; Scheper-Hughes e Lock, 1986SCHEPER-HUGHES, Nancy; LOCK, Margaret. 1986. “Speaking ‘truth’ to illness: metaphors, reification, and a pedagogy for patients”. Medical Anthropology Quarterly, vol. 17, n. 5: 137-140. DOI https://www.doi.org/10.1111/j.1937-62 19.1986.tb01061.x
https://www.doi.org/10.1111/j.1937-62 19...
; Semino, 2008SEMINO, Elena. 2008. Metaphor in Discourse. Cambridge, Cambridge University Press.). A sua forte presença na vida quotidiana (Tannen, 2012TANNEN, Deborah. 2012. The Argument Culture: Stopping America’s War of Words. Nova Iorque, Ballantine Books.) como recurso cultural enraizado que funciona como “framing device” (Larson, Nerlich e Wallis, 2005LARSON, Brendon; NERLICH, Brigitte; WALLIS, Patrick. 2005. “Metaphors and biorisks: the war on infectious diseases and invasive species”. Science Communication, vol. 26, n. 3: 243-268. DOI https://www.doi.org/10.1177/1075547004273019
https://www.doi.org/10.1177/107554700427...
) decorre de características intrínsecas, em especial do facto de assentarem em conceptualizações simples e amplamente partilhadas e de mobilizarem uma intensa carga emocional, como é destacado por Flusberg, Matlock e Thibodeau (2018FLUSBERG, Stephen; MATLOCK, Teenie; THIBODEAU, Paul. 2018. “War metaphors in public discourse”. Metaphor and Symbol, vol. 33, n. 1: 1-18. DOI https://www.doi.org/10.1080/10926488.2018.1407992
https://www.doi.org/10.1080/10926488.201...
: 1): “they draw on basic and widely shared schematic knowledge that efficiently structures our ability to reason and communicate about many different types of situations, and they reliably express an urgent, negatively valenced emotional tone that captures attention and motivates action”.

No campo da saúde, as metáforas bélicas começaram a emergir nos trabalhos de Thomas Sydenham (meados do século XVII)2 2 Conhecido como o “Hipócrates inglês”. Constitui uma referência pioneira da medicina clínica e da epidemiologia. Descreveu o seu trabalho enquanto médico de uma forma manifestamente belígera: “I steadily investigate the disease, I comprehend its character, and I proceed straight ahead, and in full confidence, towards its annihilation” (inFuks, 2010: 59). e ganharam definitivamente projeção com a teoria microbiana da doença, a partir de finais do século XIX, sobretudo com os significativos avanços científicos protagonizados por Pasteur (Fuks, 2010FUKS, Abraham. 2010. “The military metaphors of modern medicine”. In: LI, Zhenyi; LONG, Thomas (orgs.). The Meaning Management Challenge: Making Sense of Health, Illness, and Disease. Oxford, Inter-Disciplinary Press, pp. 57-68.). Bastante influenciado pela Guerra Franco-Prussiana (1870-1871) e pela humilhação do fim do segundo império francês, Pasteur desenvolveu muitas das suas perspetivas sobre microrganismos e processos infeciosos inspirado em conceções que remetem para o âmbito do conflito militar (v.g., invasão, resistência), contribuindo decisivamente para a representação dos germes como um exército invasor e potencial inimigo (Montgomery, 1991MONTGOMERY, Scott. 1991. “Code and combat in biomedical discourse”. Science as Culture, vol. 2, n. 3: 341-390. DOI https://www.doi.org/10.1080/095054391095 26314
https://www.doi.org/10.1080/095054391095...
; 1996MONTGOMERY, Scott. 1996. The Scientific Voice. Nova Iorque, The Guilford Press.; Williams, 2004WILLIAMS, Simon. 2004. “Bioattack or panic attack? Critical reflections on the ill-logic of bioterrorism and biowarfare in late/postmodernity”. Social Theory & Health, vol. 2, n. 1: 67-93. DOI https://www.doi.org/10.1057/palgrave.sth.8700016
https://www.doi.org/10.1057/palgrave.sth...
). Esta “militarização da medicina” (Cooter, Harrison e Sturdy, 1998COOTER, Roger; HARRISON, Mark; STURDY, Steve (orgs.). 1998. War, Medicine and Modernity. Gloucestershire, Sutton Publishing.; Harrison, 1996HARRISON, Michael. 1996. “The medicalization of war - the militarization of medicine”. Social History of Medicine: The Journal of the Society for the Social History of Medicine, vol. 9, n. 2: 267-276. DOI https://www.doi.org/10.1093/shm/9.2.267
https://www.doi.org/10.1093/shm/9.2.267...
) inclui um amplo conjunto de noções marciais aplicadas às manifestações de agentes patogénicos e às suas interações com o corpo humano (e social), aos procedimentos médicos e às tecnologias terapêuticas. Montgomery (1993MONTGOMERY, Scott. 1993. “Illness and image in holistic discourse: how alternative is ‘alternative’?”. Cultural Critique, n. 25: 65-89. DOI https://www.doi.org/10.2307/13 54561
https://www.doi.org/10.2307/13 54561...
; 1996MONTGOMERY, Scott. 1996. The Scientific Voice. Nova Iorque, The Guilford Press.) apelidou esta metaforização de biomilitarismo, “a system of images that permeates not only our public and private expressions about disease, but the entire edifice of scientific knowledge to which these inevitably return for their institutional warrant, and is finally visible in the very organization of medical culture” (1993: 67). Nunca é demais, todavia, ressalvar a variabilidade cultural das construções metafóricas (Kimmel, 2004KIMMEL, Michael. 2004. “Metaphor variation in cultural context: perspectives from Anthropology”. European Journal of English Studies, vol. 8, n. 3: 275-293. DOI https://www.doi.org/10.1080/1382557042000277395
https://www.doi.org/10.1080/138255704200...
). As imagens belicistas e militaristas são um recurso discursivo pragmático muito associado à biomedicina (medicina científica), enquanto que noutros contextos terapêuticos predominam, por exemplo, referenciais metafísicos que dão forma a tropos mitológicos com eficácia simbólica (Lévi-Strauss, 2012 [1958]LÉVI-STRAUSS, Claude. 2012 [1958]. “A eficácia simbólica”. In: Antropologia Estrutural. São Paulo, Cosac & Naify, pp. 265-291.).

A equivalência semântica entre a guerra e a doença por via da metáfora manifesta-se em diferentes discursos (v.g., científicos, leigos, mediáticos) sobre diversas enfermidades, tais como o VIH/Sida, o cancro, a malária, a síndrome respiratória aguda grave (SARS) e o Alzheimer (Chiang e Duann, 2007CHIANG, Wen-Yu; DUANN, Ren-Feng. 2007. “Conceptual metaphors for SARS: ‘war’ between whom?”. Discourse & Society, vol. 18, n. 5: 579-602. DOI https://www.doi.org/10.1177/0957926507079631
https://www.doi.org/10.1177/095792650707...
; Lerner, 2003LERNER, Barron. 2003. The Breast Cancer Wars: Hope, Fear, and the Pursuit of a Cure in Twentieth-Century America. Oxford, Oxford University Press.; Sontag, 1978SONTAG, Susan. 1978. Illness as Metaphor. Nova Iorque, Farrar, Straus and Giroux.; 1989; Waldby, 2003WALDBY, Catherine. 2003. AIDS and the Body Politic: Biomedicine and Sexual Difference. Londres, Routledge.; Zimmermann, 2017ZIMMERMANN, Martina. 2017. “Alzheimer’s disease metaphors as mirror and lens to the stigma of dementia”. Literature and Medicine, vol. 35, n. 1: 71-97. DOI https://www.doi.org/10.1353/lm.2017.0003
https://www.doi.org/10.1353/lm.2017.0003...
). No que diz respeito ao SARS-CoV-2 e à Covid-19, as metáforas de guerra expressam-se desde o nível microfísico de caraterização do vírus e respetiva relação com o organismo humano ao âmbito social da epidemiologia da infeção, das respostas socio-sanitárias de Estados e instituições, das implicações geopolíticas e das práticas e expressões identitárias de diferentes agentes, sobretudo dos profissionais que intervêm mais diretamente nas esferas da ciência e da saúde. Vejamos, de seguida, estas diferentes dimensões de produção de elementos metafóricos, tendo em conta que as metáforas em causa, embora sejam veiculadas em notícias de jornais, tendem a apoiar-se em referências científicas (v.g. estudos, entrevistas a investigadores e a médicos) e em orientações de gestão da saúde-doença, pelo que, além de entendimentos mais comuns, refletem predominantemente modos de pensar da ciência, da prática médica e da política.

VÍRUS VERSUS SISTEMA IMUNOLÓGICO OU O CORPO COMO CAMPO DE BATALHA

Começando por ter em conta as descrições sobre a configuração do SARS-CoV-2, a generalidade dos discursos e representações, independentemente da sua maior ou menor cientificidade, tendem a caracterizar o vírus como “monstro”, “máquina” e um “invólucro temível” com “espigões [espículas] bastante distintivos” (Fig. 1 e 2) que se assemelha a uma “mina naval afundada envolta em algas e esponjas” (Fig. 3) (The New York Times, 2020aThe New York Times (2020a). “Monster or machine? A profile of the coronavirus at 6 months”. 02 de junho, atualizado a 15 de junho. Em: http://www.nytimes.com/2020/06/02/health/coronavirus-profile-covid.html (por Alan Burdick).
http://www.nytimes.com/2020/06/02/health...
). Trata-se de uma entidade apresentada como portadora de um “design eficiente e letal” e bastante mais “sofisticada” do que outros vírus ARN, situando-se “entre a química e a biologia” (um “zombie”): tem uma existência inerte fora do ambiente celular e apenas evidencia alguns traços de vida dentro de um hospedeiro, assumindo-se aí como um “assaltante destrutivo” (The Washington Post, 2020aThe Washington Post (2020a). “The coronavirus isn’t alive. That’s why it’s so hard to kill”. 23 de março. Em: http://www.washingtonpost.com/health/2020/03/23/coronavirus-isnt-alive-thats-why-its-so-hard-kill/ (por Sarah Kaplan, William Wan e Joel Achenbach).
http://www.washingtonpost.com/health/202...
).3 3 No quadro destas comuns representações agonísticas, o vírus é, inclusive, objeto de teorias da conspiração que o consideram uma “arma biológica” criada em laboratório para fins militares. A sua coroa de espículas (que lhe vale a pertença à família dos coronavírus) é identificada como o principal recurso estratégico de “invasão” do corpo humano, pois as proteínas “em forma de agulha” aí existentes “acoplam-se” aos recetores celulares ACE 24 4 Do inglês Angiotensin Converting Enzyme 2. Trata-se de uma proteína humana presente na membrana de várias células. (Fig. 3) “como uma chave na fechadura” que “abre literalmente a porta da célula humana para que o vírus insira o seu material genético” (El País, 2020aEl País (2020a). “Científicos chinos desvelan la puerta de entrada del coronavirus a las células humanas”. 05 de março. Em: https://elpais.com/ciencia/2020-03-04/cientificos-chinos-desvelan-la-puerta-deentrada-del-coronavirus-a-las-celulashumanas.html (por Nuño Domínguez).
https://elpais.com/ciencia/2020-03-04/ci...
) e se reproduza. Nestes espigões é ainda destacada a existência de açucares que asseguram a “camuflagem do material genético viral para não ser atacado” (The New York Times, 2020bThe New York Times (2020b). “Bad news wrapped in protein: inside the coronavirus genome”. 03 de abril. Em: http://www.nytimes.com/interactive/2020/%2004/03/science/coronavirus-genome-bad-news-wrapped-in-protein.html (por Jonathan Corum e Carl Zimmer).
http://www.nytimes.com/interactive/2020/...
) pelo sistema imunológico, como se os microrganismos dispusessem de capacidades semelhantes à de agentes furtivos em guerra (Nerlich, 2010NERLICH, Brigitte. 2010. “Breakthroughs and disasters: the politics and ethics of metaphor use in the media”. In: SCHMID, Hans-Jörg; HANDL, Susanne (orgs.). Cognitive Foundations of Linguistic Usage Patterns: Empirical Studies. Berlim e Nova Iorque, Walter de Gruyter GmbH & Co., pp. 63-88.). De um modo geral, a coroa é sempre muito destacada nos discursos e grafismos do vírus (Fig. 1 e 2), constituindo-se como um dos principais marcadores simbólicos do seu antagonismo bélico.

Figura 1
Ilustração do SARS-CoV-2 de David MG.

Figura 2
Pormenor de cartoon de Kallaugher.

Figura 3
Coronavírus “sequestrando” uma célula. Microscopia eletrónica NIAID.

As construções biomilitaristas do SARS-CoV-2 tornam-se ainda mais pronunciadas quando, à semelhança de outros antígenos, é sujeito a diversos modos de personalização e lhe são imputadas “intencionalidades táticas” de que, supostamente, resultam comportamentos “in accordance with certain strategic purposes, all of which return us, eventually, to ideas of attack, resistance, survival, competition, preparation and so forth” (Montgomery, 1991MONTGOMERY, Scott. 1991. “Code and combat in biomedical discourse”. Science as Culture, vol. 2, n. 3: 341-390. DOI https://www.doi.org/10.1080/095054391095 26314
https://www.doi.org/10.1080/095054391095...
: 370). Embora seja reconhecido que o vírus não tem vida própria e não assume qualquer comportamento deliberado de invasão do organismo5 5 Somos nós próprios, através de determinadas práticas e negligências, que lhe possibilitamos o acesso ao corpo. Aliás, a falar-se em invasão, o argumento poderia ser invertido: “The majority of pathogens that have emerged since 1940 originated in the bodies of animals and entered human populations not because they invaded us but because we invaded their habitats” (Shah, 2020: 14). , é caracterizado muitas vezes como um agente de guerra alienígena pronto a atacar (Fig. 1 e 2), que suscita pavor e obriga as pessoas a refugiarem-se nas suas casas, à semelhança de um cenário de conflito (Fig. 2). Por meio desta “metáfora do vírus vivo” (Regenmortel, 2016REGENMORTEL, Marc van. 2016. “The metaphor that viruses are living is alive and well, but it is no more than a metaphor”. Studies in History and Philosophy of Biological and Biomedical Sciences, n. 59: 117-124. DOI https://www.doi.org/10.1016/j.shpsc.2016.02.017
https://www.doi.org/10.1016/j.shpsc.2016...
) é destacada a sua pretensa habilidade em aproveitar determinadas situações sociais para se disseminar, como aconteceu, por exemplo, no jogo da Liga dos Campeões entre a Atalanta e o Valência, realizado em Milão em fevereiro de 2020: “Ninguém sabia que o vírus já circulava entre nós. Muitos assistiram ao jogo em grupos e houve muitos contatos naquela noite. O vírus passou de uns para outros. Foi uma bomba biológica” (presidente da câmara de Bérgamo, em El País, 2020bEl País (2020b). “El Atalanta-Valencia, una ‘bomba biológica’”. 25 março. Em: https://elpais.com/deportes/2020-03-25/el-atalantavalencia-una-bomba-biologica.html
https://elpais.com/deportes/2020-03-25/e...
). Além deste tipo de megaeventos, são também realçadas as vulnerabilidades sociais estruturais que o vírus “explora” em seu favor (v.g., desigualdades étnicas), daí resultando uma epidemia guiada, como outras, por determinadas configurações de economia política (Missoni, 2017MISSONI, Eduardo. 2017. “The political economy of epidemics”. In: FANTINI, Bernardino (org.). Epidémies et Sociétés, Passé, Présent et Futur. Pisa, Edizioni ETS, pp. 171-186.; Pirtle, 2020PIRTLE, Whitney. 2020. “Racial capitalism: a fundamental cause of novel coronavirus (COVID-19) pandemic inequities in the United States”. Health Education & Behavior, vol. 47, n. 4: 504-508. DOI https://www.doi.org/10.1177/1090198120922942
https://www.doi.org/10.1177/109019812092...
; Singer, 2018SINGER, Merrill. 2018. The Political Economy of AIDS. Abingdon, Routledge.): “Taxas mais altas de infeção e morte entre as minorias demonstram ocaráter racial da desigualdade na América”(The NewYork Times, 2020cThe New York Times (2020c). “Why coronavirus is killing African-Americans more than others”. 14 de abril. Em: http://www.nytimes.com/2020/04/14/opinion/sunday/coronavirus-racism-africanamericans.html (por Jamelle Bouie).
http://www.nytimes.com/2020/04/14/opinio...
); “Desigualdades raciais na saúde, educação, habitação e emprego moldam a vida das comunidades BAME [Black, Asian, Minority Ethnic] [...] do berço ao túmulo. A pandemia coloca em foco a dura realidade destas desigualdades, mostrando que a ‘raça’ deve ser vista como uma determinante social da saúde” (The Guardian, 2020aThe Guardian (2020a). “Coronavirus exposes how riddled Britain is with racial inequality”. 20 de abril. Em: http://www.theguardian.com/commentisfree/2020/apr/20/coronavirusracial-inequality-uk-housing-employmenthealth-bame-covid-19(por Omar Khan).).

Ao mesmo tempo, o SARS-CoV-2 é antropomorfizado - à semelhança de outros vírus e inclusive nos discursos dos próprios virologistas (Regenmortel, 2016REGENMORTEL, Marc van. 2016. “The metaphor that viruses are living is alive and well, but it is no more than a metaphor”. Studies in History and Philosophy of Biological and Biomedical Sciences, n. 59: 117-124. DOI https://www.doi.org/10.1016/j.shpsc.2016.02.017
https://www.doi.org/10.1016/j.shpsc.2016...
) - com determinados atributos de moralidade, racionalidade e competência estratégica, como se de um soldado implacável se tratasse: “maléfico e genial”, “sorrateiro o suficiente para causar o caos”, “especialmente enigmático”, “mortalmente poderoso nalguns casos e quase impercetível noutros para esquivar-se à contenção” (The Washington Post, 2020aThe Washington Post (2020a). “The coronavirus isn’t alive. That’s why it’s so hard to kill”. 23 de março. Em: http://www.washingtonpost.com/health/2020/03/23/coronavirus-isnt-alive-thats-why-its-so-hard-kill/ (por Sarah Kaplan, William Wan e Joel Achenbach).
http://www.washingtonpost.com/health/202...
); “pode atacar rapidamente as células humanas em vários pontos ao mesmo tempo, sendo a garganta e os pulmões os seus objetivos principais” (El Mundo, 2020aEl Mundo (2020a). “El perfil de un asesino:así es el retrato robot del coronavírus”. 6 de maio. Em: http://www.elmundo.es/ciencia-y-salud/salud/2020/05/06/5eb2baf9fc6c8345698b4687.html.
http://www.elmundo.es/ciencia-y-salud/sa...
); “inimigo invisível”, “imprevisível” e com capacidade “para atacar desde o cérebro até aos dedos dos pés” (Público, 2020cPúblico (2020c). “Como combater o inimigo epidémico invisível e vencer?”. 31 de março. Em: http://www.publico.pt/2020/03/31/ciencia/noticia/combater-inimigo-epidemicoinvisivel-vencer-1910227 (por Ganna Rozhnova, João Nogueira e Paulo Ferreira).
http://www.publico.pt/2020/03/31/ciencia...
,dPúblico (2020d). “Médicos continuam a descobrir novas formas de o coronavírus atacar o corpo”. 13 de maio. Em: http://www.publico.pt/2020/05/13/ciencia/noticia/medicos-continuam-descobrir-novas-formascoronavirus-atacar-corpo-1916385 (por Lenny Bernstein e Ariana Eunjung Cha).
http://www.publico.pt/2020/05/13/ciencia...
). Por tudo isto, é visto como possuindo um “tipo de terror muito próprio” e as suas ações são comparadas a “atos de terrorismo” (The New York Times, 2020dThe New York Times (2020d). “The coronavirus inflicts its own kind of terror”. 06 de abril. Em: http://www.nytimes.com/2020/04/06/world/europe/coronavirus-terrorism-threatresponse.html (por Steven Erlanger).
http://www.nytimes.com/2020/04/06/world/...
). O (máximo) potencial bélico do vírus, a sua interação com o organismo humano e os efeitos mais catastróficos que aí pode provocar tendem a ser descritos em termos relativamente semelhantes aos que se seguem, deixando transparecer uma suposta racionalidade e planificação da “invasão”:

Os picos da coroa do vírus permitem que se agarre a uma célula. Depois, segue-se o sequestro do metabolismo dessa célula. Com a invasão, chegam as novas ordens: multiplicar o vírus. A viagem segue para os brônquios. Quando atinge os pulmões, inflama as membranas mucosas e pode causar danos nos alvéolos. O processo de inflamação prejudica o fluxo de oxigénio, inunda os pulmões de líquido e instala-se uma perigosa pneumonia. Este será o pior dos cenários de um caso de infecção por SARS-CoV-2. [...] O vírus “sequestra o metabolismo da célula e diz-lhe ‘Não faças o teu trabalho habitual, o teu trabalho agora é ajudar-me a multiplicar e a fazer o vírus’”, explica William Schaffner, especialista em doenças infecciosas no Centro Médico da Universidade de Vanderbilt, em Nashville (EUA) (Público, 2020ePúblico (2020e). “Como é que o vírus invade o organismo?”. 14 de março. Em: http://www.publico.pt/2020/03/14/ciencia/noticia/virus-invadeorganismo-1907703(por Andrea Cunha Freitas).
http://www.publico.pt/2020/03/14/ciencia...
).

O corpo surge como o mais imediato “campo de batalha”, onde se desenrola flexivelmente o confronto entre o invasor e o sistema imunológico (Fermin e Tennant, 2018FERMIN, Gustavo; TENNANT, Paula. 2018. “Host-virus interaction: battles between viruses and their hosts”. In: TENNANT, Paula; FERMIN, Gustavo; FOSTER, Jerome (orgs.). Viruses: Molecular Biology, Host Interactions, and Applications to Biotechnology. Londres, Academic Press, Elsevier, pp. 245-273.; Martin, 1994MARTIN, Emily. 1994. Flexible Bodies: Tracking Immunity in American Culture from the Days of Polio to the Age of AIDS. Boston, Beacon Press.; Waldby, 1995WALDBY, Catherine. 1995. “Body wars, body victories: aids and homosexuality in immunological discourse”. Science as Culture , vol. 5, n. 2: 181-198. DOI https://www.doi.org/10.1080/09505439509526426
https://www.doi.org/10.1080/095054395095...
), à semelhança de um Estado-nação em guerra devido à transgressão das suas fronteiras externas (Martin, 1990MARTIN, Emily. 1990. “Toward an anthropology of immunology: the body as nation state”. Medical Anthropology Quarterly, vol. 4, n. 4: 410-426. DOI https://www.doi.org/10.1525/maq.1990.4.4.02a00030
https://www.doi.org/10.1525/maq.1990.4.4...
). Na maioria dos casos, este é um confronto discreto, marcado pela ausência de sintomas ou pela existência de indícios ligeiros de doença, sendo que, mesmo assim, o sistema imunológico, “equipado com um rico arsenal para se defender contra diferentes tipos de patógenos” (The Guardian, 2020bThe Guardian (2020b). “Here’s how your body gains immunity to coronavirus”. 10 de abril. Em: http://www.theguardian.com/commentisfree/2020/apr/10/heres-how-body-gains-immunitycoronavirus (por Zania Stamataki).
http://www.theguardian.com/commentisfree...
), não deixa de reagir e de produzir anticorpos. A reação do sistema imunológico é encarada, como acontece em tantos outros casos, segundo uma lógica militar de contrainsurgência (Bell, 2012BELL, Colleen. 2012. “Hybrid warfare and its metaphors”. Humanity: An International Journal of Human Rights, Humanitarianism, and Development, vol. 3, n. 2: 225-247. DOI https://www.doi.org/10.1353/hum.2012.0014
https://www.doi.org/10.1353/hum.2012.001...
; Hillmer, 2007HILLMER, Ivonne. 2007. “The way we think about diseases: ‘the immune defense’ - comparing illness to war”. NAWA: Journal of Language & Communication, vol. 1, n. 1: 22-30.; Nie et al, 2016NIE, Jing-Bao; GILBERTSON, Adam; de ROUBAIX, Malcolm; STAUNTON, Ciara; van NIEKERK, Anton; TUCKER, Joseph; RENNIE, Stuart. 2016. “Healing without waging war: beyond military metaphors in medicine and HIV cure research”. The American Journal of Bioethics , vol. 16, n. 10: 3-11. DOI https://www.doi.org/10.1080/15265161.2016.1214305
https://www.doi.org/10.1080/15265161.201...
) que visa manter a integridade das fronteiras do corpo, diferenciando-o e salvaguardando-o da presença de um “outro” (Haraway, 1989HARAWAY, Donna. 1989. “The biopolitics of postmodern bodies: determinations of self in immune system discourse”. Differences: A Journal of Feminist Cultural Studies, vol. 1, n. 1: 3-43. DOI https://www.doi.org/10.4324/9781315094106-24
https://www.doi.org/10.4324/978131509410...
): “[...] intensa resposta do sistema imunológico do hospedeiro: químicos defensivos são libertados. A temperatura do corpo sobe e causa febre. Exércitos de glóbulos brancos aglomeram-se na região infetada” (The Washington Post, 2020aThe Washington Post (2020a). “The coronavirus isn’t alive. That’s why it’s so hard to kill”. 23 de março. Em: http://www.washingtonpost.com/health/2020/03/23/coronavirus-isnt-alive-thats-why-its-so-hard-kill/ (por Sarah Kaplan, William Wan e Joel Achenbach).
http://www.washingtonpost.com/health/202...
). Nas situações de infeção mais grave, a réplica do sistema imunológico é, por vezes, excessiva e é mesmo comparada à utilização de uma poderosa bomba com efeitos colaterais massivos: “A resposta do sistema imunológico ao vírus é como uma arma nuclear: são libertadas proteínas super-poderosas, capazes de destruir o corpo que deveriam proteger. Essa reação exagerada é chamada de tempestade de citocinas [hipercitocinemia]” (Courrier International, 2020aCourrier International (2020a). “Comment ce marathonien a failli succomber au Covid-19”. 08 de maio. Em: http://www.courrierinternational.com/article/sante-comment-cemarathonien-failli-succomber-au-covid-19 (por Gabrielle Glaser).
http://www.courrierinternational.com/art...
).6 6 Nestas circunstâncias tornase evidente que o sistema imunológico, seja à escala do corpo individual ou do corpo político da comunidade, representa paradoxalmente a proteção e a negação da vida (Esposito, 2011).

Destas interações entre o organismo humano e o SARS-CoV-2 resultam adaptações recíprocas e marcas que se inscrevem no genoma do vírus, o qual transporta já marcas anteriores, tidas como estrategicamente vantajosas, do seu confronto com um determinado hospedeiro intermediário antes de chegar ao homem: “A luta entre o sistema imunológico dos animais e o próprio vírus deixa a sua marca no genoma deste, uma vez que o patógeno se adapta ao meio que invadiu. O SARS-CoV-2 tem a sua própria cicatriz de guerra, o que também o torna tão ‘furtivo e perigoso’” (El Mundo, 2020bEl Mundo (2020b). “La genética se acerca al ‘animal X’ del que procede el coronavirus”. 15 de abril. Em: http://www.elmundo.es/ciencia-y-salud/ciencia/2020/04/14/5e9611f5fc6c83ed718b4638.html (por Ángel Díaz).
http://www.elmundo.es/ciencia-y-salud/ci...
). Contudo, se o vírus é percebido como uma entidade esquiva e com grande capacidade adaptativa, importa ter em conta que a outra parte - o corpo e o seu sistema imunológico - não lhe fica atrás na escalada do “confronto”, a avaliar pelas descrições da imunologia, que se refere aos corpos como “imperiled nations continuously at war to quell alien invaders. [...] In their interiors there is great concern over the purity of the population - over who is a bona fide citizen and who may be carrying false papers” (Martin, 1990MARTIN, Emily. 1990. “Toward an anthropology of immunology: the body as nation state”. Medical Anthropology Quarterly, vol. 4, n. 4: 410-426. DOI https://www.doi.org/10.1525/maq.1990.4.4.02a00030
https://www.doi.org/10.1525/maq.1990.4.4...
: 421).

O CORPO SOCIAL FACE À PANDEMIA

Além da esfera mais estritamente biológica do vírus e do corpo humano, as metáforas bélicas também são usadas de forma recorrente e transversal para conceptualizar diversos aspetos socio-epidemiológicos inerentes à Covid-19. É caso para dizer que não é só o corpo físico, em especial o seu sistema imunológico, que é visto como estando em guerra. Também os países, instituições, cientistas, médicos, enfermeiros, outros profissionais - no limite, todo o corpo social - são envolvidos metaforicamente num “combate sem quartel” da humanidade a “uma ameaça global”, animados por slogans como “O país precisa de todos, todos precisamos de todos! Venceremos!” (Público, 2020fPúblico (2020f). “Venceremos!”. 25 de março. Em: http://www.publico.pt/2020/03/25/sociedade/opiniao/venceremos-1909342 (por Rute Lima).
http://www.publico.pt/2020/03/25/socieda...
). O volume e a expressividade destas representações marciais ganharam proeminência à medida que a Covid-19 se propagava rapidamente, constituindo uma ameaça imediata no espaço (geográfico e social) e no tempo, o que demonstra a pertinência da observação de Wallis e Nerlich (2005WALLIS, Patrick; NERLICH, Brigitte. 2005. “Disease metaphors in new epidemics: the UK media framing of the 2003 SARS epidemic”. Social Science & Medicine, vol. 60, n. 11: 2629-2639. DOI https://www.doi.org/10.1016/j.socscime d.2004.11.031
https://www.doi.org/10.1016/j.socscime d...
: 2633): “War metaphors were more prominent where the threat was immediate. [...They] are used more prominently when the relationship to the disease is either ‘personal’ or perceived as a threat to a ‘nation’”. O principal intuito é simplificar a mensagem, captar a atenção através de uma carga emocional negativa, criar um sentimento generalizado de urgência e suscitar a mobilização coletiva para a “luta” contra uma ameaça comum (Chiang e Duann, 2007CHIANG, Wen-Yu; DUANN, Ren-Feng. 2007. “Conceptual metaphors for SARS: ‘war’ between whom?”. Discourse & Society, vol. 18, n. 5: 579-602. DOI https://www.doi.org/10.1177/0957926507079631
https://www.doi.org/10.1177/095792650707...
; Flusberg, Matlock e Thibodeau, 2018FLUSBERG, Stephen; MATLOCK, Teenie; THIBODEAU, Paul. 2018. “War metaphors in public discourse”. Metaphor and Symbol, vol. 33, n. 1: 1-18. DOI https://www.doi.org/10.1080/10926488.2018.1407992
https://www.doi.org/10.1080/10926488.201...
). Compreende-se, assim, por exemplo, a extraordinária repetição da palavra “guerra”, de ideias bélicas e de um tom dramático por parte dos líderes políticos mundiais em fevereiro e, sobretudo, ao longo do mês de março de 2020, já mais diretamente confrontados com a emergência da pandemia e com a necessidade de os países se prepararem. Juntamente com o caso de Donald Trump, já debatido por Bates (2020BATES, Benjamin. 2020. “The (in) appropriateness of the WAR metaphor in response to SARS-CoV-2: a rapid analysis of Donald J. Trump’s rhetoric”. Frontiers in Communication, vol. 5, n. 50: 1-12. DOI https://www.doi.org/10.3389/fcomm.2020.00050/full
https://www.doi.org/10.3389/fcomm.2020.0...
) ao pormenor, ficam aqui outros exemplos:

“Estamos em guerra”. Em seis ocasiões, Emmanuel Macron usou a mesma expressão. Um tom marcial destinado a soar a “mobilização geral” contra um “inimigo invisível e esquivo”. [...] O chefe de Estado anunciou um arsenal de medidas radicais sem precedentes, a fim de combater a pandemia do coronavírus (Le Monde, 2020aLe Monde (2020a). “‘Nous sommes en guerre’: face au coronavirus, Emmanuel Macron sonne la ‘mobilisation générale’”. 17 de março. Em: http://www.lemon de.fr/politique/article/2020/03/17/noussommes-en-guerre-face-au-coronavirus-emmanuel-macron-sonne-la-mobilisationgenerale_6033338_823448.html (por Cédric Pietralunga e Alexandre Lemarié).
http://www.lemon de.fr/politique/article...
);

Numa rara mensagem televisiva, algo reservado apenas para os seus discursos de Ano Novo, a chanceler alemã, Angela Merkel, impressionou os 87 milhões de habitantes do país ao dizer-lhes que enfrentam a crise mais grave desde a Segunda Guerra Mundial. “É sério”, disse ela. “Levem isto a sério” (The Washington Post, 2020bThe Washington Post (2020b). “Merkel says coronavirus presents gravest crisis since WWII”. 18 de março. Em: http://www.washingtonpost.com/world/europe/germany-coronavirus-merkel/2020/03/18/9f34f2aa-6880-11eab199-3a9799c54512_story.html (por Loveday Morris, Luisa Beck e Rick Noack).
http://www.washingtonpost.com/world/euro...
);

Pequim enquadrou a batalha contra o coronavírus como uma “Guerra do Povo” liderada por Xi Jinping (The Guardian, 2020cThe Guardian (2020c). “Chinese executive who called Xi a ‘clown’ over coronavirus response ‘is missing’”. 15 de março. Em: http://www.theguardian.com/world/2020/mar/15/chinese-executive-who-called-xi-a-clownover-coronavirus-response-is-missing.
http://www.theguardian.com/world/2020/ma...
);

Trump começou a abraçar a imagem de líder de um país em guerra. Referiu-se pela primeira vez a si mesmo como um “presidente em tempo de guerra” no dia 19 de março. Nos últimos dias, Trump adotou cada vez mais a retórica do tempo de guerra para descrever a sua atitude em relação à pandemia (The Washington Post, 2020cThe Washington Post (2020c) “From ‘It’s going to disappear’ to ‘WE WILL WIN THIS WAR’”. 31 de março. Em: http://www.washingtonpost.com/graphics/2020/politics/trump-coronavirusstatements/ (por Harry Stevens e Shelly Tan).
http://www.washingtonpost.com/graphics/2...
).

A epidemiologia da Covid-19 (v.g., progressão global do contágio, padrão infecioso, fatores condicionantes da transmissão) explica em larga medida o tom de gravidade discursiva adotado de forma quase generalizada e o estado de emergência decretado por muitos Estados. A propagação do vírus foi de tal forma rápida, inesperada e impactante - “Corona Blitzkrieg”7 7 Blitzkrieg é a designação alemã para “guerra-relâmpago”, uma tática militar utilizada pelo exército nazi no início da II Guerra Mundial, nomeadamente nas invasões da Polónia (1939) e da França (1940). Baseou-se em avanços muito rápidos, inesperados e tempestuosos, suportados pela coordenação entre a aviação, poderosas divisões de blindados e tropas de infantaria extraordinariamente expeditas, impulsionadas pelo consumo de metanfetaminas (Pervitin). (Ahuja, 2020AHUJA, Vineet. 2020. “The Corona blitzkrieg: the developed world on its knees”. Journal of Digestive Endoscopy, vol. 11, n. 1: 19-20. DOI https://www.doi.org/10.1055/s-0040-1712338
https://www.doi.org/10.1055/s-0040-17123...
) - que, logo em meados de março de 2020, se dizia que a “humanidade entrou na sua terceira guerra mundial” e que estávamos perante um cenário de “guerra total” (Courrier International, 2020bCourrier International (2020b). “Face au coronavirus, l’humanité est entrée dans sa troisième guerre mondiale”. 16 de março. Em: http://www.courrierinternational.com/article/vu-de-chine-face-aucoronavirus-lhumanite-est-entreedans-sa-troisieme-guerre-mondiale.
http://www.courrierinternational.com/art...
) marcado pela presumida voracidade da epidemia em “abrir” sucessivas “frentes” de expansãoglobal:“Inicialmente, adoençaatacou Wuhan, Hubei. Assimqueelaviuque havia paralisado Wuhan, abriu uma segunda, uma terceira e uma quarta frente, na Ásia, na Europa, na América” (“Niu Tanqin”, Wechat, em Courrier International, 2020bCourrier International (2020b). “Face au coronavirus, l’humanité est entrée dans sa troisième guerre mondiale”. 16 de março. Em: http://www.courrierinternational.com/article/vu-de-chine-face-aucoronavirus-lhumanite-est-entreedans-sa-troisieme-guerre-mondiale.
http://www.courrierinternational.com/art...
). A par da rapidez e do potencial de “ataque” da Covid-19 é amplamente destacado o facto de ninguém estar a salvo do contágio e das suas manifestações mais lesivas, embora determinados grupos (v.g., idosos) se encontrem em situações de maior vulnerabilidade. O risco generalizado é indissociável da própria transversalidade das condicionantes sociais da infeção (v.g., grandes aglomerações populacionais, intensa mobilidade global de pessoas, hábitos rotineiros de interação pessoal) e é, por vezes, comparado ao risco associado à participação num conflito bélico: “O risco que um paulistano enfrenta de morrer por Covid-19 é equivalente ao risco de ter passado um mês na Guerra do Afeganistão em 2010” (Folha de S. Paulo, 2020bFolha de S. Paulo (2020b). “Na pandemia como na guerra”. 01 de junho. Em: https://piaui.folha.uol.com.br/napandemia-como-na-guerra/ (por Camille Lichotti e Renata Buono).
https://piaui.folha.uol.com.br/napandemi...
).

É bem provável, como destacam Manderson e Levine (2020MANDERSON, Lenore. 2020. “The percussive effects of pandemics and disaster”. Medical Anthropology, vol. 39, n. 5: 365-366. DOI https://www.doi.org/10.1080/01459740.2020.1770749
https://www.doi.org/10.1080/01459740.202...
), que o medo e o pânico generalizados resultem menos do risco pessoal de contágio e mais da realidade crescente das consequências sistémicas, intensas e imprevisíveis da pandemia. Os seus efeitos, tão extensos e profundos - “disrupting body, mind and community” (Fuentes, 2020FUENTES, Agustín. 2020. “A (bio) anthropological view of the COVID-19 era midstream: beyond the infection”. Anthropology Now, vol. 12, n. 1: 24-32. DOI https://www.doi.org/10.1080/19428200.2020.1760635
https://www.doi.org/10.1080/19428200.202...
: 24) -, são comparados a cenários “pós-apocalípticos” (The Guardian, 2020dThe Guardian (2020d). “‘It’s post-apocalyptic’: how coronavirus has altered day-to-day life”. 21 de fevereiro. Em: http://www.theguardian.com/world/2020/feb/21/postapocalyptic-how-coronavirus-has-alteredday-to-day-life-wuhan-north-england (por Molly Blackall e Rachel Obordo).
http://www.theguardian.com/world/2020/fe...
), marcadamente distópicos (Raffaetà, 2020RAFFAETÀ, Roberta. 2020. “Another day in Dystopia. Italy in the time of COVID-19”. Medical Anthropology , vol. 39, n. 5: 371-373. DOI https://www.doi.org/10.1080/01459740.2020.1746300
https://www.doi.org/10.1080/01459740.202...
), e associados a novas formas de normalidade (“novo normal”) em quase todas as dimensões da vida quotidiana. No imediato, as consequências mais disruptivas e impressivas têm ocorrido nos espaços de prestação de cuidados médicos, amiúde qualificados como “zonas de guerra” (The New York Times, 2020eThe New York Times (2020e). “‘It feels like a war zone’: doctors and nurses plead for masks on social media”. 19 de março. Em: http://www.nytimes.com/2020/03/19/us/hospitals-coronavirusppe-shortage.html (por Mariel Padilla).
http://www.nytimes.com/2020/03/19/us/hos...
). Nestes contextos, os profissionais de saúde estão sujeitos a condições profundamente exigentes e desgastantes (Martín-Aragón-Gelabert e Terol-Cantero, 2020MARTÍN-ARAGÓN-GELABERT, Maite; TEROL-CANTERO, Maria-Carmen. 2020. “Post-COVID-19 psychosocial intervention in healthcare professionals”. International Journal of Social Psychology, vol. 35, n. 3: 664-669. DOI https://www.doi.org/10.1080/02134748.2020.1783854
https://www.doi.org/10.1080/02134748.202...
), pelo que são vistos e eles mesmos tendem a ver-se como soldados com equipamentos, rotinas estratégicas e desafios de “batalha”:

“Nunca experimentei nada parecido. A UCI [Unidade de Cuidados Intensivos] é um trabalho muito intenso, mas agora não aguentamos; não dá nem para urinar”. Um médico intensivista do hospital de Getafe, em Madrid, a comunidade mais afetada pela crise do coronavírus, descreve um cenário bélico. As UCI são hoje espaços superlotados, cheios de pacientes muito graves, sedados e intubados. [...] Entre os doentes move-se um enxame de homens e mulheres, com angústia e cansaço, envoltos em batas, viseiras e luvas duplas. Um uniforme que seca a boca e molha o corpo. Que marca o rosto. Nunca enfrentaram tal inimigo [...]. Nesta guerra cujo campo de batalha se transforma em poucas horas, a reorganização chegou: “Na UCI o trabalho da enfermagem é feito por horas. Uma hora é para extrações, outra para a toma de medicamentos e assim por diante. Agora estamos numa espécie de dinâmica de guerra”, diz uma jovem enfermeira do Hospital de la Princesa de Madrid (El País, 2020cEl País (2020c). “Los sanitarios se baten en las UCI: ‘Es la guerra de nuestra generación’”. 22 de março. Em: https://elpais.com/sociedad/2020-03-21/los-medicos-se-baten-en-las-uci-es-la-guerra-denuestra-generacion.html (por Pablo Linde, Ana Alfageme e Javier Martín-Arroyo).
https://elpais.com/sociedad/2020-03-21/l...
).

A nível da geopolítica global, compara-se o impacto da pandemia ao de um conflito mundial e admite-se a possibilidade de contribuir para a instauração de uma nova ordem mundial: “Edward Fishman [ex-responsável de planeamento do Dep. de Estado dos EUA] argumenta que a pandemia marca o fim da ordem mundial iniciada após a II Guerra Mundial. ‘É importante aceitarmos que não haverá um regresso ao normal e que uma crise desta magnitude não desaparece simplesmente de um dia para o outro’, avisa” (Público, 2020gPúblico (2020g). “Covid-19: pandemia marca início de uma nova ordem mundial, alerta especialista norte-americano”. 11 de junho. Em: http://www.publico.pt/2020/06/11/mundo/noticia/covid19-pandemiamarca-inicio-nova-ordem-mundial-alertaespecialista-norteamericano-1920212.
http://www.publico.pt/2020/06/11/mundo/n...
).8 8 É interessante constatar que o vírus e a pandemia são alvo de construções simbólicas belicistas e, simultaneamente, identificados como variáveis político-ideológicas incontornáveis nos antagonismos tácitos, em especial entre os EUA e a China, que marcam a atual geopolítica mundial: “a guerra fria do coronavírus” (Le Monde, 2020c). Do ponto de vista económico e social, as implicações e exigências da Covid-19 são tidas como equivalentes a uma “economia de guerra” (Le Monde, 2020bLe Monde (2020b). “Coronavirus: ‘Une économie de guerre commence comme cela: d’abord des largesses, ensuite des sanctions, puis des réquisitions’”. 30 de março. Em: http://www.lemonde.fr/economie/article/2020/03/30/coronavirus-une-economie-de-guerre-commence-comme-cela-dabord-des-largesses-ensuite-des-sanctionspuis-des-requisitions_6034866_3234.html (por Philippe Escande).
http://www.lemonde.fr/economie/article/2...
). À medida que as instituições, as economias globais e locais, as relações políticas, as (inter)subjetividades e os modos de vida quotidiana estão em acentuada reconfiguração (Manderson, 2020MANDERSON, Lenore; LEVINE, Susan. 2020. “COVID-19, risk, fear, and fall-out”. Medical Anthropology , vol. 39, n. 5: 367-370. DOI https://www.doi.org/10.1080/01459740.2020.1746301
https://www.doi.org/10.1080/01459740.202...
; Venuleo, Gelo e Salvatore, 2020VENULEO, Claudia; GELO, Omar; SALVATORE, Sergio. 2020. “Fear, affective semiosis, and management of the pandemic crisis: COVID-19 as semiotic vaccine?”. Clinical Neuropsychiatry, vol. 17, n. 2: 117-130. DOI https://www.doi.org/10.36131/CN20 200218
https://www.doi.org/10.36131/CN20 200218...
) levanta-se a possibilidade de estarmos a assistir ao declínio do antropoceno e à génese do “coronaceno” (Higgins, Martin e Vesperi, 2020HIGGINS, Rylan; MARTIN, Emily; VESPERI, Maria. 2020. “An anthropology of the COVID-19 pandemic”. Anthropology Now , vol. 12, n. 1: 2-6. DOI https://www.doi.org/10.1080/19428200.2020.1760627
https://www.doi.org/10.1080/19428200.202...
).

De forma a lidar com a pandemia e com as suas consequências totais, refletidas praticamente em todas as esferas das nossas vidas, a maioria dos decisores políticos tem adotado uma retórica de profunda solenidade, pautada por evidentes expressões de nacionalismo (Sobral, 2020SOBRAL, José Manuel. 2020. “Pandemias e nacionalismo: ontem e hoje”. Público - Série Ciências Sociais em Público (v) - Análise, 3 de maio. https://www.publico.pt/2020/05/03/mundo/noticia/pandemiasnacionalismo-ontem-hoje-1914507
https://www.publico.pt/2020/05/03/mundo/...
) e pela constante utilização de termos e tropos bélicos. Ao mesmo tempo elogiam a unidade nacional como condição essencial para “vencer” a Covid-19, assumindo a natureza excecional da situação de forma a decretar o estado de emergência e a justificar respostas contundentes que, embora suspendam direitos individuais, são tidas como essenciais para “travar a batalha” em curso: “Perante esta guerra - ‘porque de uma verdadeira guerra se trata’ - , o Presidente [da República Portuguesa] considerou que o Governo ‘tem entre mãos uma tarefa hercúlea’ e que a tem travado com as medidas já tomadas e que todos, ‘Presidente, Parlamento, partidos e parceiros sociais, apoiámos, conscientes de que só a unidade permite travar e depois vencer guerras’” (Público, 2020hPúblico (2020h). “Costa e Marcelo a uma só voz: ‘Não é uma interrupção da democracia’”. 18 de março. Em: http://www.publico.pt/2020/03/18/politica/noticia/costa-marcelo-so-voz-nao-interrupcaodemocracia-1908431 (por Leonete Botelho).
http://www.publico.pt/2020/03/18/politic...
). Na esfera política e da saúde pública, esta abordagem militarista “[...] concentrates on the physical, sees control as central, and encourages the expenditure of massive resources to achieve dominance” (Annas, 1995ANNAS, George. 1995. “Reframing the debate on health care reform by replacing our metaphors”. New England Journal of Medicine, vol. 332, n. 11: 744-747. DOI https://www.doi.org/10.1056/NEJM199503163321112
https://www.doi.org/10.1056/NEJM19950316...
: 746), nem que para isso seja necessário suspender direitos e fazer sacrifícios de diversa ordem (Wallis e Nerlich, 2005WALLIS, Patrick; NERLICH, Brigitte. 2005. “Disease metaphors in new epidemics: the UK media framing of the 2003 SARS epidemic”. Social Science & Medicine, vol. 60, n. 11: 2629-2639. DOI https://www.doi.org/10.1016/j.socscime d.2004.11.031
https://www.doi.org/10.1016/j.socscime d...
).

A procura de controlo sobre a epidemia desenvolveu-se, desde logo, com base em procedimentos biopolíticos - subordinação de corpos e populações (Foucault, 1975FOUCAULT, Michel. 1975. Vigiar e Punir. Petrópolis, Editora Vozes.; 1994FOUCAULT, Michel. 1994. História da Sexualidade I: a Vontade de Saber. Lisboa, Relógio d’Água.) - que suscitaram disposições generalizadas de moralidade, ética e disciplina (Casciano, 2020CASCIANO, Davide. 2020. “COVID-19, discipline and blame: from Italy with a call for alternative futures”. Journal of Extreme Anthropology, vol. 4, n. 1: E18-E24. DOI https://www.doi.org/10.5617/jea.7864
https://www.doi.org/10.5617/jea.7864...
). Destaca-se a (auto)imposição de um estrito (auto)domínio individual (v.g., distanciamento físico, uso de máscara, desinfeção das mãos), combinada com profundas limitações sociais (v.g., quarentena, cercas sanitárias, restrições à mobilidade, proibição de ajuntamentos) e com o reforço dos dispositivos de vigilância epidemiológica (v.g., testagem, rastreamento) e dos sistemas de prestação de cuidados médicos. No quadro destas medidas, além de muito outros, estão a ser mobilizados recursos avultados e de grande complexidade tecnológica e/ou operacional, tais como: equipas de investigadores de redes de contágio; aplicações de telemóvel para rastrear cadeias de contágio; envolvimento de serviços secretos no acesso a equipamentos hospitalares (v.g., Israel); intensa participação das forças de segurança e das próprias forças armadas9 9 Em Espanha, por exemplo, a “Operação Balmis” de desinfeção, vigilância de infraestruturas e auxílio às instituições de acolhimento de idosos, realizada pelas forças armadas, foi mesmo considerada “a maior ação militar na Espanha democrática” (El Mundo, 2020c). ; inteligência artificial e supercomputadores (v.g., Fugaku) para a realização de simulações mais precisas sobre a disseminação da Covid-19, o diagnóstico e as terapêuticas mais eficazes. Os procedimentos e os recursos utilizados têm sido enquadrados por estruturas nacionais de liderança e coordenação, geralmente inspiradas na noção militar de “cadeia de comando e controlo” (cf. Direção Geral de Saúde de Portugal, DGS, 2020DGS - Direção Geral de Saúde. 2020. Plano nacional de preparação e resposta à doença por novo coronavírus (COVID-19). https://www.dgs.pt/documentos-e-publicacoes/plano-nacionalde-preparacao-e-resposta-para-a-doenca-por-novo-coronavirus-cov id-19-pdf.aspx
https://www.dgs.pt/documentos-e-publicac...
). Deste modo, e considerando as estratégias, os meios e os modos de organização, não é de estranhar a hegemonia da retórica de defesa, guerra e controlo vinculada às mais diversas respostas no campo da saúde pública em relação à Covid-19.

A PROCURA DE “ARMAS” E OS NOVOS HERÓIS

Ao mesmo tempo que se buscam diferentes formas de conter a pandemia, tentando “achatar a curva” da sua progressão, e assegurar os recursos hospitalares para os cuidados às pessoas infetadas - intervenções quase sempre descritas como mais reativas e defensivas face à crise sanitária -, o “Mundo procura ‘armas’ contra o coronavírus [...] quer se trate de uma vacina ou de uma nova molécula para um fármaco” (Público, 2020iPúblico (2020i). “Mundo procura ‘armas’ contra coronavírus”. 08 de março Em: http://www.publico.pt/2020/03/08/ciencia/noticia/mundo-procura-armas-coronavirus-1906474 (por Andrea Cunha Freitas)
http://www.publico.pt/2020/03/08/ciencia...
), de preferência “uma bala mágica [magic bullet] que o extermine rapidamente” (The Washington Post, 2020dThe Washington Post (2020d). “Coronavirus may never go away, even with a vaccine”. 27 de maio. Em: http://www.washingtonpost.com/health/2020/05/27/coronavirus-endemic/ (por William Wan e Carolyn Y. Johnson).
http://www.washingtonpost.com/health/202...
)10 10 A par desta demanda por “armas” biomédicas eficazes para a Covid-19, a procura de armas de fogo, sobretudo nos EUA, tem aumentado de forma muito significativa, refletindo as ansiedades e inseguranças decorrentes da pandemia e do cenário sem precedentes de caos na saúde pública e de crise económica (Mannix, Lee e Fleegler, 2020). . A intensiva busca pela “bala mágica” como fórmula providencial para a doença representa uma tendência antiga e marcante da biomedicina, embora redutora, raramente exequível e geradora de múltiplos efeitos perversos (Arya, 2006ARYA, Neil. 2006. “The end of biomilitary realism? Rethinking biomedicine and international security”. Medicine, Conflict and Survival, vol. 22, n. 3: 220-229. DOI https://www.doi.org/10.1080/13623690600772576
https://www.doi.org/10.1080/136236906007...
; Brandt, 1987BRANDT, Allan. 1987. No Magic Bullet: a Social History of Venereal Disease in the United States since 1880. Oxford e Nova Iorque, Oxford University Press.; Scott, 2018SCOTT, N. Dane. 2018. Food, Genetic Engineering and Philosophy of Technology: Magic Bullets, Technological Fixes and Responsibility to the Future. Cham, Springer.). No caso da Covid-19, esta busca tem conduzido à testagem de um vasto conjunto de terapias, amiúde apresentado sob a metáfora do armamento como “arsenal de tratamentos experimentais” (El País, 2020dEl País (2020d). “Doscientos enfermos probarán un fármaco que ha bloqueado el coronavirus en minirriñones humanos”. 04 de abril. Em https://elpais.com/ciencia/2020-04-03/doscientosenfermos-probaran-un-farmaco-que-habloqueado-el-coronavirus-en-minirrinoneshumanos.html (por Manuel Ansede).
https://elpais.com/ciencia/2020-04-03/do...
), no qual se destacam largas dezenas de “armas” terapêuticas recicladas, já usadas para outras doenças11 11 Juntamente com tratamentos não farmacológicos (v.g., plasma terapêutico) e medicamentos destinados a outras infeções de origem viral, têm sido experimentados a um ritmo vertiginoso, entre muitos outros, fármacos para problemas pulmonares, para a prevenção da osteoporose, anticoagulantes, anticancerígenos, anti-inflamatórios, imunomoduladores e medicação antimalárica (OMS, 2020c). A utilização de alguns destes fármacos, muito em particular a hidroxicloriquina, tem estado sujeita não só a vigorosas contendas científicas (v.g., entre o microbiologista francês Didier Raoult e os seus detratores), como também a vincadas disputas políticoideológicas. A politização tem sido de tal forma que a hidroxicloriquina passou a estar intrinsecamente associada a Donald Trump e a ser defendida por líderes com ele alinhados. É este o caso de Jair Bolsonaro, no Brasil, suscitando uma notória bipolarização social entre os respetivos apoiantes (cloroquiners) e opositores (quarenteners). .

Porém, a maior esperança global reside nas vacinas, tidas como “a arma definitiva contra o coronavírus que assola o planeta” e, desse modo, “a única maneira para o mundo voltar ao normal e salvar milhões de pessoas” (El Mundo, 2020dEl Mundo (2020d). “La carrera de las vacunas que salvará al mundo”. 27 de abril. Em: http://www.elmundo.es/ciencia-y-salud/salud/2020/04/26/5ea40f82fc6c83d a5c8b 45df.html (por Laura Tardón).
http://www.elmundo.es/ciencia-y-salud/sa...
). À semelhança do que é constatado por Nerlich (2010NERLICH, Brigitte. 2010. “Breakthroughs and disasters: the politics and ethics of metaphor use in the media”. In: SCHMID, Hans-Jörg; HANDL, Susanne (orgs.). Cognitive Foundations of Linguistic Usage Patterns: Empirical Studies. Berlim e Nova Iorque, Walter de Gruyter GmbH & Co., pp. 63-88. ) no seu exercício de sociologia das expectativas em torno da clonagem terapêutica, o processo de obtenção de uma vacina eficaz tende a ser conceptualizado na maioria dos discursos científicos, políticos e mediáticos com base em quadros metafóricos que remetem para as noções de “corrida” (celeridade) e de “avanço” (breakthrough: progresso, conquista) e geram perspetivas positivas: “A corrida das vacinas que salvará o mundo” (El Mundo, 2020dEl Mundo (2020d). “La carrera de las vacunas que salvará al mundo”. 27 de abril. Em: http://www.elmundo.es/ciencia-y-salud/salud/2020/04/26/5ea40f82fc6c83d a5c8b 45df.html (por Laura Tardón).
http://www.elmundo.es/ciencia-y-salud/sa...
); “um avanço na batalha para pôr fim à pandemia do coronavírus” (The Guardian, 2020eThe Guardian (2020e). “First human trial results raise hopes for coronavirus vaccine”. 18 de maio. Em: http://www.theguardian.com/society/2020/may/18/first-human-trial-results-raise-hopesfor-coronavirus-vaccine (por Sarah Boseley).
http://www.theguardian.com/society/2020/...
); “Uma vacina com alto poder de imunização, avaliam estudiosos, é a arma que falta para fazer com que essas mortes cheguem um dia a zero” (Folha de S. Paulo, 2020cFolha de S. Paulo (2020c). “Vacina para novo coronavírus pode sair mais rápido que outras; entenda”. 16 de maio. Em: http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/05/vacina-para-novo-coronaviruspode-sair-mais-rapido-que-outras-entenda.shtml (por Gabriel Alves).
http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioe...
). Mais uma vez, a ciência e os discursos sobre ciência apropriam-se de conceptualizações com origem no campo militar, nomeadamente da ideia de “corrida ao armamento”, proveniente da Guerra Fria, e da noção de “avanço” sobre uma linha defensiva, em uso desde a I Guerra Mundial e utilizada no sentido de grande conquista do conhecimento a partir das descobertas científicas relacionadas com a bomba de hidrogénio (Nerlich, 2010NERLICH, Brigitte. 2010. “Breakthroughs and disasters: the politics and ethics of metaphor use in the media”. In: SCHMID, Hans-Jörg; HANDL, Susanne (orgs.). Cognitive Foundations of Linguistic Usage Patterns: Empirical Studies. Berlim e Nova Iorque, Walter de Gruyter GmbH & Co., pp. 63-88.).

Além de destinatária de representações militaristas, a procura da vacina para a Covid-19, tendo subjacentes acesas rivalidades científicas, económicas e geopolíticas, é encarada em si mesma como fonte de tensão e disputa: “As superpotências lutam pela vacina contra o coronavírus. A resposta sanitária e as suas propagandas tornaram-se um ativo estratégico para a China, os Estados Unidos, a Europa e a Rússia, tão importante quanto o comércio e o poder militar” (El Mundo, 2020eEl Mundo (2020e). “La lucha de las superpotencias por la vacuna del coronavírus”. 12 de abril. Em: http://www.elmundo.es/papel/historias/2020/04/12/5e90 96ba21efa057148b4686.html (por Jorge Benítez).
http://www.elmundo.es/papel/historias/20...
). Na “luta” pela vacina tem-se verificado uma “corrida” desenfreada entre países, por via dos respetivos laboratórios e grupos farmacêuticos, tendo em vista assegurar uma posição de liderança. Neste processo foram já constituídas várias alianças transnacionais de forma a partilhar recursos e assegurar vantagem competitiva, evocando as alianças militares em tempos de conflito. Assiste-se ainda a constantes acusações cruzadas de práticas de cyber-espionagem científica, nomeadamente entre os EUA, a China, a Rússia e o Reino Unido. O objetivo é apenas um: acelerar a todo o custo o tempo de produção da vacina (v.g., operação Warp Speed nos EUA) e ser o primeiro a revindicar o feito e a vitória na “corrida”. Embora este cenário de rapidez seja animador, importa não esquecer que a celeridade nem sempre é compatível com os critérios e tempos da ciência. Deste modo, tal como já sucedeu noutros contextos de investigação biomédica, poderão ficar comprometidas a ética, a deontologia, a precisão metodológica e a sustentação empírica do trabalho científico, bem como a fiabilidade e a segurança do produto final (Herold, 2006HEROLD, Eve. 2006. Stem Cell Wars: Inside Stories from the Frontlines. Nova Iorque e Basingstoke, Palgrave Macmillan and Houndmills.; Teaf e Johnson, 2006TEAF, Christopher; JOHNSON, Barry. 2006. “Fraud and deception in publication of scientific research: is there a solution? HERA’s policy change”. Human and Ecological Risk Assessment: An International Journal, vol. 12, n. 4: 623-625. DOI https://www.doi.org/10.1080/10807030600801543
https://www.doi.org/10.1080/108070306008...
; Wells e Farthing, 2018WELLS, Frank; FARTHING, Michael (orgs.). 2018. Fraud and Misconduct in Biomedical Research. Boca Raton, CRC Press.).

Apesar dos eventuais enviesamentos, insuficiências e demoras, a ciência - esse “oráculo imperfeito” (Brown, 2009BROWN, Theodore. 2009. Imperfect Oracle: the Epistemic and Moral Authority of Science. University Park, PA, Penn State University Press.) - é amplamente reconhecida como o campo providencial na construção de respostas determinantes à Covid-19 (Almeida, 2020ALMEIDA, Carla. 2020. “‘Make science great again?’: o impacto da covid-19 na percepção pública da ciência”. DILEMAS: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social - Reflexões na Pandemia, texto 14, 1-24. https://www.reflexpandemia.org/texto-14
https://www.reflexpandemia.org/texto-14...
). Associada a esta crença, há uma vincada tendência de (re)valorização social dos cientistas, ainda que permeada por alguns antagonismos que, geralmente, remetem para um profundo negacionismo científico, como tem acontecido no Brasil no quadro da cumplicidade político-religiosa sinergética entre Bolsonaro e os líderes religiosos das igrejas evangélicas (Kibuuka, 2020KIBUUKA, Brian. 2020. “Complicity and synergy between Bolsonaro and Brazilian Evangelicals in COVID-19 times: adherence to scientific negationism for political-religious reasons”. International Journal of Latin American Religions, vol. 4, n. 2: 288-317. DOI https://www.doi.org/10.1007/s41603-020-00124-0
https://www.doi.org/10.1007/s41603-020-0...
). À exceção destas manifestações de obscurantismo, é evidente à escala global a significativa exaltação da ciência e dos cientistas, agora reconhecidos como “heróis” e “rock-stars”: “As novas celebridades emergentes em toda a Europa à medida que o coronavírus percorre um caminho mortal pelo continente não são atores, cantores ou políticos. São epidemiologistas e virologistas que se tornaram nomes conhecidos depois de passarem a maior parte de suas vidas no anonimato virtual” (The New York Times, 2020fThe New York Times (2020f). “In the era of coronavirus, scientists are the new rock stars”. 05 de abril. Em: http://www.nytimes.com/2020/04/05/world/europe/scientists-coronavirus-heroes.html (por Matina Stevis-Gridneff).
http://www.nytimes.com/2020/04/05/world/...
)12 12 Eis alguns dos mais mediáticos e, por vezes, controversos: Christian Drosten (Alemanha), Yong-Zhen Zhang (China), Anthony Fauci (EUA), Ilaria Capua (Itália), Anders Tegnell (Suécia), Neil Ferguson (UK). Em sentido contrário, líderes políticos como Donald Trump e Jair Bolsonaro, que têm posto em causa o discurso científico sobre a Covid-19 e comprometido as estratégias mais comuns de gestão sanitária da pandemia, têm vindo a ser remetidos para a condição de anti-herói e, não raras vezes, de inimigo público, tal como o próprio vírus. . Esta celebração social do cientista como herói, embora sujeita a oscilações mais ou menos conjunturais, começou a ganhar expressão na época vitoriana (MacLeod, 2009MacLEOD, Christine. 2009. “The invention of heroes”. Nature, vol. 460, n. 7255: 572-573. DOI https://www.doi.org/10.1038/460572a
https://www.doi.org/10.1038/460572a...
) e tem tido eco em diversos contextos, como acontece, por exemplo, no cinema (Lynteris, 2016LYNTERIS, Christos. 2016. “The epidemiologist as culture hero: visualizing humanity in the age of ‘the next pandemic’”. Visual Anthropology, vol. 29, n. 1: 36-53. DOI https://www.doi.org/10.17863/CAM.57
https://www.doi.org/10.17863/CAM.57...
). Presentemente, além dos cientistas, a heroicização estende-se a médicos, enfermeiras e outros profissionais mais implicados no “combate” à pandemia (Fig. 4 e 5). Este tributo social tem-se traduzido num reconhecimento relativamente equitativo, valorizando-se de forma muito significativa a importância da enfermagem e de outras atividades na “luta” contra a Covid-19, o que não deixa de ser interessante constatar, atendendo às fortes hierarquias de autoridade e prestígio existentes entre os médicos e os demais profissionais da saúde.

Figura 4
Cartoon de M. Luckovich inspirado na fotografia icónica de J. Rosenthal Raising the Flag on Iwo Jima, que retrata a conquista do Monte Suribachi por fuzileiros americanos durante a Batalha de Iwo Jima (Japão) na II Guerra Mundial.

Figura 5
Obra de Banksy, intitulada Game Changer, dedicada aos profissionais de saúde, os “novos super-heróis”, representados pela enfermeira de capa e máscara.

Se a pandemia é uma “guerra”, ainda que metaforicamente, e se as guerras suscitam disposições sociais e políticas de identidade geradoras de heróis (Čolović, 2016ČOLOVIĆ, Ivan. 2016. “Paths of glory. How marginal people force the nation’s attention on themselves”. Traditiones, vol. 45, n. 1: 21-29. https://www.dlib.si/details/URN:NBN:SI:docJEBKH2F4?ty=2016&language=eng
https://www.dlib.si/details/URN:NBN:SI:d...
; Daugbjerg, 2019DAUGBJERG, Mads. 2019. “Heroes once again: varieties of Danish ‘activism’ in conflated commemorations of the War in Afghanistan and the Prusso-Danish War of 1864”. Ethnos, vol. 84, n. 1: 160-178. DOI https://www.doi.org/10.1080/00141844.2017.1396232
https://www.doi.org/10.1080/00141844.201...
; Ribeiro, 2005RIBEIRO, Fernando Bessa. 2005. “A invenção dos heróis: nação, história e discursos de identidade em Moçambique”. Etnográfica, vol. 9, n. 2: 257-275.), compreende-se então a glorificação nos tempos que correm de cientistas, profissionais da saúde e outros trabalhadores da “linha da frente”13 13 Designação popularizada no contexto da guerra de trincheiras durante a I Guerra Mundial. , a posição mais próxima do “inimigo” e, por isso, a mais decisiva e perigosa. Neste processo de heroicização são destacados o compromisso total e os sacrifícios em prol do cuidado de alguns e da proteção de todos, fazendo lembrar os louvores aos militares que se entregam à defesa da pátria: “[...] há um batalhão de mulheres e homens, na linha da frente desta batalha, que se entregam totalmente a combater o vírus, a proteger-nos a todos e a tratar os infectados. O SNS é hoje o nosso mais importante esquadrão: médicos, enfermeiros e auxiliares de saúde lutam incessantemente contra o inimigo mortal, sem descanso, sem dar tréguas” (Público, 2020fPúblico (2020f). “Venceremos!”. 25 de março. Em: http://www.publico.pt/2020/03/25/sociedade/opiniao/venceremos-1909342 (por Rute Lima).
http://www.publico.pt/2020/03/25/socieda...
). Como forma de reconhecimento público, têm-lhes sido dedicadas múltiplas homenagens, desde as mais formais e institucionais, protagonizadas por órgãos de Estado, às mais espontâneas da sociedade civil. O tributo ganha ainda maior carga simbólica quando estão em causa pessoas que morrem no decurso da sua atividade profissional. Nestes casos, a sacralização intensifica-se e os “heróis” passam (também) a “mártires”, como aconteceu na China: “[...] catorze pessoas classificadas pelo governo como ‘mártires’ da epidemia. Trata-se principalmente de trabalhadores de saúde mortos (Le Monde, 2020eLe Monde (2020e). “La Chine se fige en hommage aux morts du Covid-19”. 4 de abril. Em: http://www.lemonde.fr/international/article/2020/04/04/la-chine-se-fige-en-hommage-aux-morts-du-covid-19_6035530_3210.html.
http://www.lemonde.fr/international/arti...
)14 14 No grupo destas 14 pessoas inclui-se Li Wenliang, médico no Hospital Central de Wuhan, que foi a primeira pessoa a lançar o alerta para a presença de um novo coronavírus em Wuhan parecido com o SARS. Inicialmente foi acusado pelas autoridades chinesas de estar a difundir rumores alarmistas. Porém, com o evoluir da situação epidemiológica e perante a sua aclamação nacional e internacional como um dos grandes heróis da pandemia, o governo chinês concedeu-lhe o estatuto de mártir. .

O especial apreço e a inestimável gratidão a quem, diariamente, trabalha lado a lado com o vírus são reações sociais compreensíveis e justas. Contudo, importa não esquecer que a heroicização destes profissionais pode ser perniciosa, acima de tudo porque se afigura redutora e antipolítica: tende a centrar o foco no estrito plano da sua atuação individual como determinante do sucesso ou insucesso das respostas à doença, não conferindo a devida relevância às condições estruturais - decorrentes, sobretudo, das orientações das políticas públicas - que condicionam profundamente o que cada um pode fazer. Daí que muitos não se revejam nas honras de herói que lhes são dirigidas, como nota Pellegrino (2020PELLEGRINO, Manuela. 2020. “Covid 19 - the ‘invisible enemy’ and contingent racism: reflections of an Italian anthropologist conducting fieldwork in Greece”. Anthropology Today, vol. 36, n. 3: 19-21. DOI https://www.doi.org/10.1111/1467-8322.12576
https://www.doi.org/10.1111/1467-8322.12...
: 20): “Italian doctors and nurses are called heroes and martyrs - and they don’t like it, as these labels detract attention from their precarious work conditions”. Aliás, nos meios de comunicação e nas redes sociais abundam os testemunhos de profissionais de saúde de distintos países sobre o incómodo com as palmas e outras manifestações de reconhecimento, que acabam por obscurecer a acentuada degradação das condições de prestação de cuidados de saúde: “Eu sou médico do NHS [Nation Health System, Reino Unido] e já estou farto de pessoas a aplaudir-me. [...] O NHS não é uma instituição de caridade e não é composto por heróis. Ele foi destruído por sucessivos governos e agora estamos a colher os frutos dessa negligência” (The Guardian, 2020fThe Guardian (2020f). “I’m an NHS doctor - and I’ve had enough of people clapping for me”. 21 de maio. Em: http://www.theguardian.com/society/2020/may/21/nhs-doctorenough-people-clapping (anónimo).
http://www.theguardian.com/society/2020/...
). Mais do que glória, o fortalecimento dos sistemas públicos de saúde e o investimento em ciência serão, decerto, os tributos mais apreciados por quem presta cuidados e procura possíveis curas para a Covid-19.

CONCLUSÃO E ALGUMAS REFLEXÕES PROSPETIVAS

A par da materialidade das suas manifestações corpóreas, as doenças (sobretudo as mais temidas e mortais) têm um “duplo”, uma outra existência de natureza simbólica sob a forma de imagens, representações coletivas e metáforas que, geralmente, produzem medos, estigmas e exclusões (Scheper-Hughes e Lock, 1986SCHEPER-HUGHES, Nancy; LOCK, Margaret. 1986. “Speaking ‘truth’ to illness: metaphors, reification, and a pedagogy for patients”. Medical Anthropology Quarterly, vol. 17, n. 5: 137-140. DOI https://www.doi.org/10.1111/j.1937-62 19.1986.tb01061.x
https://www.doi.org/10.1111/j.1937-62 19...
; Sontag, 1978SONTAG, Susan. 1978. Illness as Metaphor. Nova Iorque, Farrar, Straus and Giroux.). No caso da Covid-19, como ficou evidente, o “duplo” é amplamente informado por metáforas bélicas e tem grande protagonismo e projeção social, não se limitando a uma mera condição secundária. Além do mais, é um “duplo” com uma grande amplitude, pois os tropos militaristas e de guerra estendem-se para lá da doença propriamente dita. Recaem sobre a microfísica do vírus, suscitando a sua antropomorfização belígera na relação com o sistema imunológico, cujo funcionamento também é apresentado segundo conceções militaristas (v.g., de defesa e contrainsurgência). Por outro lado, esses mesmo tropos configuram sentido(s) para as estratégias epidemiológicas e políticas de gestão da infeção, conferem densidade semântica à esfera das terapêuticas e proporcionam ainda elementos identitários para muitos daqueles (v.g., cientistas e profissionais de saúde) que têm a responsabilidade mais imediata de assegurar respostas à doença. Ironicamente, a pandemia que atrai tantas conceptualizações relacionadas com a guerra tem-se constituído, em simultâneo, como um poderoso campo de indução de guerras tácitas, dando azo a múltiplas disputas político-ideológicas e a tensões geopolíticas.

A utilização de metáforas bélicas no atual contexto pandémico não é inócua. Não é uma mera questão discursiva. Daí resultarão, certamente, efeitos incisivos que se manifestam nos sujeitos e nas estruturas sociais. Quando as condições de saúde pública o permitirem, será de todo pertinente estudar aprofundadamente estes efeitos e os modos como são experienciados, articulando etnografia e fenomenologia, por exemplo. Até lá, e enveredando por um exercício meramente prospetivo tendo em vista esboçar possíveis problematizações para investigação futura, pode supor-se que o recurso à linguagem metafórica terá alguns efeitos positivos, mas muitos efeitos perversos. Considerando potenciais aspetos positivos, pode deduzir-se que as metáforas da guerra sobre a Covid-19 (e sobre outras doenças), além de gerarem atenção e mobilização acrescidas para situações de emergência, tendem a facilitar o entendimento generalizado da linguagem científica, pois transportam sentido entre as fronteiras da ciência e da sociedade (Larson, Nerlich e Wallis, 2005LARSON, Brendon; NERLICH, Brigitte; WALLIS, Patrick. 2005. “Metaphors and biorisks: the war on infectious diseases and invasive species”. Science Communication, vol. 26, n. 3: 243-268. DOI https://www.doi.org/10.1177/1075547004273019
https://www.doi.org/10.1177/107554700427...
; Maasen e Weingart, 2000MAASEN, Sabine; WEINGART, Peter. 2000. Metaphors and the Dynamics of Knowledge. Londres e Nova Iorque, Routledge.). Em sentido contrário, as suas possíveis repercussões negativas afiguram-se múltiplas e preocupantes. A título de exemplo, sinalizo algumas já identificadas para outras enfermidades: a reificação da doença e o consequente desvio da atenção biomédica do paciente (e da sua voz) para a enfermidade-entidade (Fuks, 2010FUKS, Abraham. 2010. “The military metaphors of modern medicine”. In: LI, Zhenyi; LONG, Thomas (orgs.). The Meaning Management Challenge: Making Sense of Health, Illness, and Disease. Oxford, Inter-Disciplinary Press, pp. 57-68.); o recurso a práticas terapêuticas agressivas para “vencer a batalha”, o que poderá provocar graves efeitos secundários e situações de prescrição farmacológica excessiva (Hodgkin, 1985HODGKIN, Paul. 1985. “Medicine is war: and other medical metaphors”. British Medical Journal, vol. 291, n. 6511: 1820-1821. DOI https://www.doi.org/10.1136/bmj.291.6511.1820
https://www.doi.org/10.1136/bmj.291.6511...
); a estigmatização e o sofrimento acrescido das pessoas doentes (Sontag, 1978SONTAG, Susan. 1978. Illness as Metaphor. Nova Iorque, Farrar, Straus and Giroux., 1989); a maior recorrência de problemas de sobrediagnóstico e sobretratamento (Malm, 2016MALM, Heidi. 2016. “Military metaphors and their contribution to the problems of overdiagnosis and overtreatment in the ‘war’ against cancer”. The American Journal of Bioethics, vol. 16, n. 10: 19-21. DOI https://www.doi.org/10.1080/15265161.2016.1214331
https://www.doi.org/10.1080/15265161.201...
); a visão angustiante do corpo como campo de batalha; o foco na dimensão física da doença e a procura obsessiva pelo controlo (Annas, 1995ANNAS, George. 1995. “Reframing the debate on health care reform by replacing our metaphors”. New England Journal of Medicine, vol. 332, n. 11: 744-747. DOI https://www.doi.org/10.1056/NEJM199503163321112
https://www.doi.org/10.1056/NEJM19950316...
). Para as metáforas de guerra associadas à Covid-19, a par destas eventuais consequências perversas, começam já a verificar-se outras, nomeadamente a legitimação de estados de exceção favoráveis à constituição de regimes políticos que minam a democracia e limitam os direitos individuais; a procura exacerbada de culpados e inimigos, geradora de fraturas sociais e de clivagens geopolíticas; e o desenvolvimento de uma ansiedade geral que pode comprometer princípios básicos de reciprocidade e solidariedade social (Sabucedo, Alzate e Hur, 2020SABUCEDO, José-Manuel; ALZATE, Mónica; HUR, Domenico. 2020. “COVID-19 and the metaphor of war”. International Journal of Social Psychology , vol. 35, n. 3: 618-624. DOI https://www.doi.org/10.1111/jpc.15164
https://www.doi.org/10.1111/jpc.15164...
).

Perante este cenário nefasto, afigura-se incontornável ponderar alternativas à hegemonia das metáforas bélicas no âmbito da atual pandemia, das demais doenças e do próprio exercício da biomedicina. Embora seja difícil construir verdadeiras alternativas, mesmo para aqueles que deliberadamente querem afastar-se do biomilitarismo (Martin, 1994MARTIN, Emily. 1994. Flexible Bodies: Tracking Immunity in American Culture from the Days of Polio to the Age of AIDS. Boston, Beacon Press.), têm surgido algumas propostas. Destaca-se, desde logo, a sugestão de metáforas “mais pacíficas” baseadas na noção de “jornada” na relação com a doença e na prestação de cuidados médicos (Nie et al, 2016NIE, Jing-Bao; GILBERTSON, Adam; de ROUBAIX, Malcolm; STAUNTON, Ciara; van NIEKERK, Anton; TUCKER, Joseph; RENNIE, Stuart. 2016. “Healing without waging war: beyond military metaphors in medicine and HIV cure research”. The American Journal of Bioethics , vol. 16, n. 10: 3-11. DOI https://www.doi.org/10.1080/15265161.2016.1214305
https://www.doi.org/10.1080/15265161.201...
), bem com o recurso a construções metafóricas inspiradas na ecologia (Annas, 1996ANNAS, George. 1996. “Toward an ecology of health. Beyond the military and market metaphors”. Healthcare Forum Journal, vol. 39, n. 3: 30-34.) ou até mesmo na música (v.g., a orquestra imunológica, a sinfonia imunológica) (Cassimos et al, 2010CASSIMOS, Dimitrios; LIATSIS, Manolis; STOGIANNIDOU, Anastasia; KANARIOU, Maria. 2010. “Children with frequent infections: a proposal for a stepwise assessment and investigation of the immune system”. Pediatric Allergy and Immunology, n. 21: 463-473. DOI https://www.doi.org/10.1111/j.1399-3038.2009.00964.x
https://www.doi.org/10.1111/j.1399-3038....
; Sharma et al, 2020SHARMA, Prateek; JAIN, Tejeshwar; SETHI, Vrishketan; DUDEJA, Vikas. 2020. “Symphony in chaos: immune orchestra during pancreatic cancer progression”. EBioMedicine, n. 56: 1-2. DOI https://www.doi.org/10.1016/j.ebiom.2020.102787
https://www.doi.org/10.1016/j.ebiom.2020...
). Com uma perspectiva mais radical, Sontag (1978SONTAG, Susan. 1978. Illness as Metaphor. Nova Iorque, Farrar, Straus and Giroux.: 3) havia sugerido que “[...] the most truthful way of regarding illness - and the healthiest way of being ill - is one most purified of, most resistant to, metaphoric thinking”. Mas não bastará inibir ou suavizar as metáforas para tornar a nossa relação com a Covid-19 e com outras enfermidades mais franca e “verdadeira”. Será necessário, impreterivelmente, politizar essa relação, procurando identificar e reverter as opções políticas estruturais responsáveis por condições ecológicas e sociais que facilitam a propagação dessas doenças e/ou enfraquecem a capacidade de resposta coletiva às mesmas. Como adverte Shah (2020SHAH, Sonia. 2020. “It’s time to tell a new story about coronavirus - our lives depend on it. Nation, vol. 311, n. 2: 12-15. https://www.thenation.com/article/society/pandemic-definition-covid/
https://www.thenation.com/article/societ...
) a propósito da Covid-19, é tempo de contar outra história sobre o coronavírus; as nossas vidas (também) dependem disso.

FONTES JORNALÍSTICAS

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • AHUJA, Vineet. 2020. “The Corona blitzkrieg: the developed world on its knees”. Journal of Digestive Endoscopy, vol. 11, n. 1: 19-20. DOI https://www.doi.org/10.1055/s-0040-1712338
    » https://www.doi.org/10.1055/s-0040-1712338
  • ALMEIDA, Carla. 2020. “‘Make science great again?’: o impacto da covid-19 na percepção pública da ciência”. DILEMAS: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social - Reflexões na Pandemia, texto 14, 1-24. https://www.reflexpandemia.org/texto-14
    » https://www.reflexpandemia.org/texto-14
  • ALMEIDA, Miguel Vale de. 2000. “Corpos marginais: notas etnográficas sobre páginas ‘de polícia’ e páginas ‘de sociedade’”. Cadernos Pagu, n. 14: 129-147.
  • ALTHEID, David. 1987. “Ethnographic content analysis”. Qualitative Sociology, vol. 10, n. 1: 65-77. DOI https://www.doi.org/10.1007/BF00988269
    » https://www.doi.org/10.1007/BF00988269
  • ALTHEID, David; COYLE, Michael; DEVRIESE, Katie; SCHNEIDER, Christopher. 2008. “Emergent qualitative document analysis”. In: HESSE-BIBER, Sharlene Nagy; LEAVY, Patricia (orgs.). Handbook of Emergent Methods Nova Iorque e Londres, The Guilford Press, pp. 127-151.
  • ANNAS, George. 1995. “Reframing the debate on health care reform by replacing our metaphors”. New England Journal of Medicine, vol. 332, n. 11: 744-747. DOI https://www.doi.org/10.1056/NEJM199503163321112
    » https://www.doi.org/10.1056/NEJM199503163321112
  • ANNAS, George. 1996. “Toward an ecology of health. Beyond the military and market metaphors”. Healthcare Forum Journal, vol. 39, n. 3: 30-34.
  • ARYA, Neil. 2006. “The end of biomilitary realism? Rethinking biomedicine and international security”. Medicine, Conflict and Survival, vol. 22, n. 3: 220-229. DOI https://www.doi.org/10.1080/13623690600772576
    » https://www.doi.org/10.1080/13623690600772576
  • BATES, Benjamin. 2020. “The (in) appropriateness of the WAR metaphor in response to SARS-CoV-2: a rapid analysis of Donald J. Trump’s rhetoric”. Frontiers in Communication, vol. 5, n. 50: 1-12. DOI https://www.doi.org/10.3389/fcomm.2020.00050/full
    » https://www.doi.org/10.3389/fcomm.2020.00050/full
  • BELL, Colleen. 2012. “Hybrid warfare and its metaphors”. Humanity: An International Journal of Human Rights, Humanitarianism, and Development, vol. 3, n. 2: 225-247. DOI https://www.doi.org/10.1353/hum.2012.0014
    » https://www.doi.org/10.1353/hum.2012.0014
  • BLEAKLEY, Alan. 2017. Thinking with Metaphors in Medicine: the State of the Art Abingdon e Nova Iorque, Routledge.
  • BONO, James. 2001. “Why metaphor? Toward a metaphorics of scientific practice”. In: MAASEN, Sabine; WINTERHAGER, Matthias (orgs.). Science Studies: Probing the Dynamics of Scientific Knowledge Bielefeld, Transcript, pp. 215-234.
  • BRANDT, Allan. 1987. No Magic Bullet: a Social History of Venereal Disease in the United States since 1880 Oxford e Nova Iorque, Oxford University Press.
  • BROWN, Theodore. 2009. Imperfect Oracle: the Epistemic and Moral Authority of Science University Park, PA, Penn State University Press.
  • CASCIANO, Davide. 2020. “COVID-19, discipline and blame: from Italy with a call for alternative futures”. Journal of Extreme Anthropology, vol. 4, n. 1: E18-E24. DOI https://www.doi.org/10.5617/jea.7864
    » https://www.doi.org/10.5617/jea.7864
  • CASSIMOS, Dimitrios; LIATSIS, Manolis; STOGIANNIDOU, Anastasia; KANARIOU, Maria. 2010. “Children with frequent infections: a proposal for a stepwise assessment and investigation of the immune system”. Pediatric Allergy and Immunology, n. 21: 463-473. DOI https://www.doi.org/10.1111/j.1399-3038.2009.00964.x
    » https://www.doi.org/10.1111/j.1399-3038.2009.00964.x
  • CHIANG, Wen-Yu; DUANN, Ren-Feng. 2007. “Conceptual metaphors for SARS: ‘war’ between whom?”. Discourse & Society, vol. 18, n. 5: 579-602. DOI https://www.doi.org/10.1177/0957926507079631
    » https://www.doi.org/10.1177/0957926507079631
  • ČOLOVIĆ, Ivan. 2016. “Paths of glory. How marginal people force the nation’s attention on themselves”. Traditiones, vol. 45, n. 1: 21-29. https://www.dlib.si/details/URN:NBN:SI:docJEBKH2F4?ty=2016&language=eng
    » https://www.dlib.si/details/URN:NBN:SI:docJEBKH2F4?ty=2016&language=eng
  • COOTER, Roger; HARRISON, Mark; STURDY, Steve (orgs.). 1998. War, Medicine and Modernity Gloucestershire, Sutton Publishing.
  • DAUGBJERG, Mads. 2019. “Heroes once again: varieties of Danish ‘activism’ in conflated commemorations of the War in Afghanistan and the Prusso-Danish War of 1864”. Ethnos, vol. 84, n. 1: 160-178. DOI https://www.doi.org/10.1080/00141844.2017.1396232
    » https://www.doi.org/10.1080/00141844.2017.1396232
  • DGS - Direção Geral de Saúde. 2020. Plano nacional de preparação e resposta à doença por novo coronavírus (COVID-19) https://www.dgs.pt/documentos-e-publicacoes/plano-nacionalde-preparacao-e-resposta-para-a-doenca-por-novo-coronavirus-cov id-19-pdf.aspx
    » https://www.dgs.pt/documentos-e-publicacoes/plano-nacionalde-preparacao-e-resposta-para-a-doenca-por-novo-coronavirus-cov id-19-pdf.aspx
  • EARL, Jennifer; MARTIN, Andrew; McCARTHY, John; SOULE, Sarah. 2004. “The use of newspaper data in the study of collective action”. Annual Review of Sociology, vol. 30, n. 1: 65-80. DOI https://www.doi.org/10.1146/annurev.soc.30.012703.110603
    » https://www.doi.org/10.1146/annurev.soc.30.012703.110603
  • ESPOSITO, Roberto. 2011. Immunitas: the Protection and Negation of Life Cambridge, Polity Press.
  • FERMIN, Gustavo; TENNANT, Paula. 2018. “Host-virus interaction: battles between viruses and their hosts”. In: TENNANT, Paula; FERMIN, Gustavo; FOSTER, Jerome (orgs.). Viruses: Molecular Biology, Host Interactions, and Applications to Biotechnology Londres, Academic Press, Elsevier, pp. 245-273.
  • FISCHER, Michael. 2012. “On metaphor: reciprocity and immunity”. Cultural Anthropology, vol. 27, n. 1: 144-152. DOI https://www.doi.org/10.1111/j.1548-1360.2012.0 1132.x
    » https://www.doi.org/10.1111/j.1548-1360.2012.0 1132.x
  • FLUSBERG, Stephen; MATLOCK, Teenie; THIBODEAU, Paul. 2018. “War metaphors in public discourse”. Metaphor and Symbol, vol. 33, n. 1: 1-18. DOI https://www.doi.org/10.1080/10926488.2018.1407992
    » https://www.doi.org/10.1080/10926488.2018.1407992
  • FOUCAULT, Michel. 1975. Vigiar e Punir Petrópolis, Editora Vozes.
  • FOUCAULT, Michel. 1994. História da Sexualidade I: a Vontade de Saber Lisboa, Relógio d’Água.
  • FUENTES, Agustín. 2020. “A (bio) anthropological view of the COVID-19 era midstream: beyond the infection”. Anthropology Now, vol. 12, n. 1: 24-32. DOI https://www.doi.org/10.1080/19428200.2020.1760635
    » https://www.doi.org/10.1080/19428200.2020.1760635
  • FUKS, Abraham. 2010. “The military metaphors of modern medicine”. In: LI, Zhenyi; LONG, Thomas (orgs.). The Meaning Management Challenge: Making Sense of Health, Illness, and Disease Oxford, Inter-Disciplinary Press, pp. 57-68.
  • HANNE, Michael; CRANO, William; MIO, Jeffery (orgs.). 2014. Warring with Words: Narrative and Metaphor in Politics Nova Iorque e Londres, Psychology Press.
  • HARAWAY, Donna. 1989. “The biopolitics of postmodern bodies: determinations of self in immune system discourse”. Differences: A Journal of Feminist Cultural Studies, vol. 1, n. 1: 3-43. DOI https://www.doi.org/10.4324/9781315094106-24
    » https://www.doi.org/10.4324/9781315094106-24
  • HARRISON, Michael. 1996. “The medicalization of war - the militarization of medicine”. Social History of Medicine: The Journal of the Society for the Social History of Medicine, vol. 9, n. 2: 267-276. DOI https://www.doi.org/10.1093/shm/9.2.267
    » https://www.doi.org/10.1093/shm/9.2.267
  • HEROLD, Eve. 2006. Stem Cell Wars: Inside Stories from the Frontlines Nova Iorque e Basingstoke, Palgrave Macmillan and Houndmills.
  • HIGGINS, Rylan; MARTIN, Emily; VESPERI, Maria. 2020. “An anthropology of the COVID-19 pandemic”. Anthropology Now , vol. 12, n. 1: 2-6. DOI https://www.doi.org/10.1080/19428200.2020.1760627
    » https://www.doi.org/10.1080/19428200.2020.1760627
  • HILLMER, Ivonne. 2007. “The way we think about diseases: ‘the immune defense’ - comparing illness to war”. NAWA: Journal of Language & Communication, vol. 1, n. 1: 22-30.
  • HODGKIN, Paul. 1985. “Medicine is war: and other medical metaphors”. British Medical Journal, vol. 291, n. 6511: 1820-1821. DOI https://www.doi.org/10.1136/bmj.291.6511.1820
    » https://www.doi.org/10.1136/bmj.291.6511.1820
  • KIBUUKA, Brian. 2020. “Complicity and synergy between Bolsonaro and Brazilian Evangelicals in COVID-19 times: adherence to scientific negationism for political-religious reasons”. International Journal of Latin American Religions, vol. 4, n. 2: 288-317. DOI https://www.doi.org/10.1007/s41603-020-00124-0
    » https://www.doi.org/10.1007/s41603-020-00124-0
  • KIMMEL, Michael. 2004. “Metaphor variation in cultural context: perspectives from Anthropology”. European Journal of English Studies, vol. 8, n. 3: 275-293. DOI https://www.doi.org/10.1080/1382557042000277395
    » https://www.doi.org/10.1080/1382557042000277395
  • KIRMAYER, Laurence. 1993. “Healing and the invention of metaphor: the effectiveness of symbols revisited”. Culture, Medicine and Psychiatry, vol. 17, n. 2: 161-195. DOI https://www.doi.org/10.1007/BF01379325
    » https://www.doi.org/10.1007/BF01379325
  • LAKOFF, George; JOHNSON, Mark. 2003. Metaphors We Live by Chicago, University of Chicago Press.
  • LARSON, Brendon; NERLICH, Brigitte; WALLIS, Patrick. 2005. “Metaphors and biorisks: the war on infectious diseases and invasive species”. Science Communication, vol. 26, n. 3: 243-268. DOI https://www.doi.org/10.1177/1075547004273019
    » https://www.doi.org/10.1177/1075547004273019
  • LERNER, Barron. 2003. The Breast Cancer Wars: Hope, Fear, and the Pursuit of a Cure in Twentieth-Century America Oxford, Oxford University Press.
  • LÉVI-STRAUSS, Claude. 2012 [1958]. “A eficácia simbólica”. In: Antropologia Estrutural São Paulo, Cosac & Naify, pp. 265-291.
  • LITTLEMORE, Jeannette; TURNER, Sarah. 2020. “Metaphors in communication about pregnancy loss”. Metaphor and the Social World, vol. 10, n. 1: 45-75. DOI https://www.doi.org/10.1075/msw.18030.lit
    » https://www.doi.org/10.1075/msw.18030.lit
  • LYNTERIS, Christos. 2016. “The epidemiologist as culture hero: visualizing humanity in the age of ‘the next pandemic’”. Visual Anthropology, vol. 29, n. 1: 36-53. DOI https://www.doi.org/10.17863/CAM.57
    » https://www.doi.org/10.17863/CAM.57
  • MAASEN, Sabine; WEINGART, Peter. 2000. Metaphors and the Dynamics of Knowledge Londres e Nova Iorque, Routledge.
  • MacLEOD, Christine. 2009. “The invention of heroes”. Nature, vol. 460, n. 7255: 572-573. DOI https://www.doi.org/10.1038/460572a
    » https://www.doi.org/10.1038/460572a
  • MALM, Heidi. 2016. “Military metaphors and their contribution to the problems of overdiagnosis and overtreatment in the ‘war’ against cancer”. The American Journal of Bioethics, vol. 16, n. 10: 19-21. DOI https://www.doi.org/10.1080/15265161.2016.1214331
    » https://www.doi.org/10.1080/15265161.2016.1214331
  • MANDERSON, Lenore. 2020. “The percussive effects of pandemics and disaster”. Medical Anthropology, vol. 39, n. 5: 365-366. DOI https://www.doi.org/10.1080/01459740.2020.1770749
    » https://www.doi.org/10.1080/01459740.2020.1770749
  • MANDERSON, Lenore; LEVINE, Susan. 2020. “COVID-19, risk, fear, and fall-out”. Medical Anthropology , vol. 39, n. 5: 367-370. DOI https://www.doi.org/10.1080/01459740.2020.1746301
    » https://www.doi.org/10.1080/01459740.2020.1746301
  • MANNIX, Rebekah; LEE, Lois; FLEEGLER, Eric. 2020. “Coronavirus disease 2019 (COVID-19) and firearms in the United States: will an epidemic of suicide follow?”. Annals of Internal Medicine, vol. 173, n. 3: 228-229. DOI https://www.doi.org/10.7326/M20-1678
    » https://www.doi.org/10.7326/M20-1678
  • MARTÍN-ARAGÓN-GELABERT, Maite; TEROL-CANTERO, Maria-Carmen. 2020. “Post-COVID-19 psychosocial intervention in healthcare professionals”. International Journal of Social Psychology, vol. 35, n. 3: 664-669. DOI https://www.doi.org/10.1080/02134748.2020.1783854
    » https://www.doi.org/10.1080/02134748.2020.1783854
  • MARTIN, Emily. 1990. “Toward an anthropology of immunology: the body as nation state”. Medical Anthropology Quarterly, vol. 4, n. 4: 410-426. DOI https://www.doi.org/10.1525/maq.1990.4.4.02a00030
    » https://www.doi.org/10.1525/maq.1990.4.4.02a00030
  • MARTIN, Emily. 1994. Flexible Bodies: Tracking Immunity in American Culture from the Days of Polio to the Age of AIDS Boston, Beacon Press.
  • MISSONI, Eduardo. 2017. “The political economy of epidemics”. In: FANTINI, Bernardino (org.). Epidémies et Sociétés, Passé, Présent et Futur Pisa, Edizioni ETS, pp. 171-186.
  • MONTGOMERY, Scott. 1991. “Code and combat in biomedical discourse”. Science as Culture, vol. 2, n. 3: 341-390. DOI https://www.doi.org/10.1080/095054391095 26314
    » https://www.doi.org/10.1080/095054391095 26314
  • MONTGOMERY, Scott. 1993. “Illness and image in holistic discourse: how alternative is ‘alternative’?”. Cultural Critique, n. 25: 65-89. DOI https://www.doi.org/10.2307/13 54561
    » https://www.doi.org/10.2307/13 54561
  • MONTGOMERY, Scott. 1996. The Scientific Voice Nova Iorque, The Guilford Press.
  • MÜLLER, Aline. 2015. “O jornal como fonte de pesquisa histórica e antropológica: entre o monologismo e a polifonia”. Biblos, n. 1: 269-286. DOI https://www. doi.org/10.14195/0870-4112_3-1_11
    » https://www. doi.org/10.14195/0870-4112_3-1_11
  • NAVERA, Gene. 2020. “Belligerence as argument: the allure of the war metaphor in Philippine presidential speeches”. Kairos: A Journal of Critical Symposium, vol. 5, n. 1: 67-82.
  • NERLICH, Brigitte. 2004. “War on foot and mouth disease in the UK, 2001: towards a cultural understanding of agriculture”. Agriculture and Human Values, vol. 21, n. 1: 15-25. DOI https://www.doi.org/10.1023/B:AHUM.0000014022.42425.a9
    » https://www.doi.org/10.1023/B:AHUM.0000014022.42425.a9
  • NERLICH, Brigitte. 2010. “Breakthroughs and disasters: the politics and ethics of metaphor use in the media”. In: SCHMID, Hans-Jörg; HANDL, Susanne (orgs.). Cognitive Foundations of Linguistic Usage Patterns: Empirical Studies Berlim e Nova Iorque, Walter de Gruyter GmbH & Co., pp. 63-88.
  • NIE, Jing-Bao; GILBERTSON, Adam; de ROUBAIX, Malcolm; STAUNTON, Ciara; van NIEKERK, Anton; TUCKER, Joseph; RENNIE, Stuart. 2016. “Healing without waging war: beyond military metaphors in medicine and HIV cure research”. The American Journal of Bioethics , vol. 16, n. 10: 3-11. DOI https://www.doi.org/10.1080/15265161.2016.1214305
    » https://www.doi.org/10.1080/15265161.2016.1214305
  • OMS - Organização Mundial de Saúde. 2020a. WHO director-general’s opening remarks at the media briefing on COVID-19 11 March 2020 https://www.who.int/directorgeneral/speeches/detail/who-directorgeneral-s-opening-remarks-at-the-mediabriefing-on-covid-1911-march-2020
    » https://www.who.int/directorgeneral/speeches/detail/who-directorgeneral-s-opening-remarks-at-the-mediabriefing-on-covid-1911-march-2020
  • OMS - Organização Mundial de Saúde. 2020b. WHO director-general’s opening remarks at the media briefing on COVID-19 18 March 2020 https://www.who.int/dg/speeches/detail/who-director-general-s-opening-remarks-at-the-media-bri efing-on-covid-1918-march-2020
    » https://www.who.int/dg/speeches/detail/who-director-general-s-opening-remarks-at-the-media-bri efing-on-covid-1918-march-2020
  • OMS - Organização Mundial de Saúde. 2020c. International clinical trials registry platform https://www.who.int/ictrp/en/
    » https://www.who.int/ictrp/en/
  • PELLEGRINO, Manuela. 2020. “Covid 19 - the ‘invisible enemy’ and contingent racism: reflections of an Italian anthropologist conducting fieldwork in Greece”. Anthropology Today, vol. 36, n. 3: 19-21. DOI https://www.doi.org/10.1111/1467-8322.12576
    » https://www.doi.org/10.1111/1467-8322.12576
  • PETERSON, Mark. 2019. “Anthropology of news”. In: VOS, Tim; HANUSCH, Folker (orgs.). The International Encyclopedia of Journalism Studies Hoboken, NJ, John Wiley & Sons, pp. 1-6.
  • PIRTLE, Whitney. 2020. “Racial capitalism: a fundamental cause of novel coronavirus (COVID-19) pandemic inequities in the United States”. Health Education & Behavior, vol. 47, n. 4: 504-508. DOI https://www.doi.org/10.1177/1090198120922942
    » https://www.doi.org/10.1177/1090198120922942
  • RAFFAETÀ, Roberta. 2020. “Another day in Dystopia. Italy in the time of COVID-19”. Medical Anthropology , vol. 39, n. 5: 371-373. DOI https://www.doi.org/10.1080/01459740.2020.1746300
    » https://www.doi.org/10.1080/01459740.2020.1746300
  • REGENMORTEL, Marc van. 2016. “The metaphor that viruses are living is alive and well, but it is no more than a metaphor”. Studies in History and Philosophy of Biological and Biomedical Sciences, n. 59: 117-124. DOI https://www.doi.org/10.1016/j.shpsc.2016.02.017
    » https://www.doi.org/10.1016/j.shpsc.2016.02.017
  • RIBEIRO, Fernando Bessa. 2005. “A invenção dos heróis: nação, história e discursos de identidade em Moçambique”. Etnográfica, vol. 9, n. 2: 257-275.
  • SABUCEDO, José-Manuel; ALZATE, Mónica; HUR, Domenico. 2020. “COVID-19 and the metaphor of war”. International Journal of Social Psychology , vol. 35, n. 3: 618-624. DOI https://www.doi.org/10.1111/jpc.15164
    » https://www.doi.org/10.1111/jpc.15164
  • SCHEPER-HUGHES, Nancy; LOCK, Margaret. 1986. “Speaking ‘truth’ to illness: metaphors, reification, and a pedagogy for patients”. Medical Anthropology Quarterly, vol. 17, n. 5: 137-140. DOI https://www.doi.org/10.1111/j.1937-62 19.1986.tb01061.x
    » https://www.doi.org/10.1111/j.1937-62 19.1986.tb01061.x
  • SCOTT, N. Dane. 2018. Food, Genetic Engineering and Philosophy of Technology: Magic Bullets, Technological Fixes and Responsibility to the Future Cham, Springer.
  • SEMINO, Elena. 2008. Metaphor in Discourse Cambridge, Cambridge University Press.
  • SHAH, Sonia. 2020. “It’s time to tell a new story about coronavirus - our lives depend on it. Nation, vol. 311, n. 2: 12-15. https://www.thenation.com/article/society/pandemic-definition-covid/
    » https://www.thenation.com/article/society/pandemic-definition-covid/
  • SHARMA, Prateek; JAIN, Tejeshwar; SETHI, Vrishketan; DUDEJA, Vikas. 2020. “Symphony in chaos: immune orchestra during pancreatic cancer progression”. EBioMedicine, n. 56: 1-2. DOI https://www.doi.org/10.1016/j.ebiom.2020.102787
    » https://www.doi.org/10.1016/j.ebiom.2020.102787
  • SINGER, Merrill. 2018. The Political Economy of AIDS Abingdon, Routledge.
  • SOBRAL, José Manuel. 2020. “Pandemias e nacionalismo: ontem e hoje”. Público - Série Ciências Sociais em Público (v) - Análise, 3 de maio. https://www.publico.pt/2020/05/03/mundo/noticia/pandemiasnacionalismo-ontem-hoje-1914507
    » https://www.publico.pt/2020/05/03/mundo/noticia/pandemiasnacionalismo-ontem-hoje-1914507
  • SONTAG, Susan. 1978. Illness as Metaphor Nova Iorque, Farrar, Straus and Giroux.
  • SONTAG, Susan. 1989. AIDS and its Metaphors Nova Iorque, Farrar, Straus and Giroux.
  • SUNDERLAND, Patricia; DENNY, Rita. 2016. “The social life of metaphors: have we become our computers”. In: SUNDERLAND, Patricia; DENNY, Rita (orgs.). Doing Anthropology in Consumer Research Abingdon e Nova Iorque, Routledge, pp. 93-110.
  • TANNEN, Deborah. 2012. The Argument Culture: Stopping America’s War of Words Nova Iorque, Ballantine Books.
  • TEAF, Christopher; JOHNSON, Barry. 2006. “Fraud and deception in publication of scientific research: is there a solution? HERA’s policy change”. Human and Ecological Risk Assessment: An International Journal, vol. 12, n. 4: 623-625. DOI https://www.doi.org/10.1080/10807030600801543
    » https://www.doi.org/10.1080/10807030600801543
  • THIBODEAU, Paul. 2017. “The function of metaphor framing, deliberate or otherwise, in a social world”. Metaphor and the Social World , vol. 7, n. 2: 270-290. DOI https://www.doi.org/10.1075/msw.7.2.06thi
    » https://www.doi.org/10.1075/msw.7.2.06thi
  • VENULEO, Claudia; GELO, Omar; SALVATORE, Sergio. 2020. “Fear, affective semiosis, and management of the pandemic crisis: COVID-19 as semiotic vaccine?”. Clinical Neuropsychiatry, vol. 17, n. 2: 117-130. DOI https://www.doi.org/10.36131/CN20 200218
    » https://www.doi.org/10.36131/CN20 200218
  • WALDBY, Catherine. 1995. “Body wars, body victories: aids and homosexuality in immunological discourse”. Science as Culture , vol. 5, n. 2: 181-198. DOI https://www.doi.org/10.1080/09505439509526426
    » https://www.doi.org/10.1080/09505439509526426
  • WALDBY, Catherine. 2003. AIDS and the Body Politic: Biomedicine and Sexual Difference Londres, Routledge.
  • WALLIS, Patrick; NERLICH, Brigitte. 2005. “Disease metaphors in new epidemics: the UK media framing of the 2003 SARS epidemic”. Social Science & Medicine, vol. 60, n. 11: 2629-2639. DOI https://www.doi.org/10.1016/j.socscime d.2004.11.031
    » https://www.doi.org/10.1016/j.socscime d.2004.11.031
  • WELLS, Frank; FARTHING, Michael (orgs.). 2018. Fraud and Misconduct in Biomedical Research Boca Raton, CRC Press.
  • WILLIAMS, Simon. 2004. “Bioattack or panic attack? Critical reflections on the ill-logic of bioterrorism and biowarfare in late/postmodernity”. Social Theory & Health, vol. 2, n. 1: 67-93. DOI https://www.doi.org/10.1057/palgrave.sth.8700016
    » https://www.doi.org/10.1057/palgrave.sth.8700016
  • ZIMMERMANN, Martina. 2017. “Alzheimer’s disease metaphors as mirror and lens to the stigma of dementia”. Literature and Medicine, vol. 35, n. 1: 71-97. DOI https://www.doi.org/10.1353/lm.2017.0003
    » https://www.doi.org/10.1353/lm.2017.0003
  • 1
    Impulsionada, desde logo, por grandes instituições internacionais no campo da saúde, da ciência e da tecnologia.
  • 2
    Conhecido como o “Hipócrates inglês”. Constitui uma referência pioneira da medicina clínica e da epidemiologia. Descreveu o seu trabalho enquanto médico de uma forma manifestamente belígera: “I steadily investigate the disease, I comprehend its character, and I proceed straight ahead, and in full confidence, towards its annihilation” (inFuks, 2010FUKS, Abraham. 2010. “The military metaphors of modern medicine”. In: LI, Zhenyi; LONG, Thomas (orgs.). The Meaning Management Challenge: Making Sense of Health, Illness, and Disease. Oxford, Inter-Disciplinary Press, pp. 57-68.: 59).
  • 3
    No quadro destas comuns representações agonísticas, o vírus é, inclusive, objeto de teorias da conspiração que o consideram uma “arma biológica” criada em laboratório para fins militares.
  • 4
    Do inglês Angiotensin Converting Enzyme 2. Trata-se de uma proteína humana presente na membrana de várias células.
  • 5
    Somos nós próprios, através de determinadas práticas e negligências, que lhe possibilitamos o acesso ao corpo. Aliás, a falar-se em invasão, o argumento poderia ser invertido: “The majority of pathogens that have emerged since 1940 originated in the bodies of animals and entered human populations not because they invaded us but because we invaded their habitats” (Shah, 2020SHAH, Sonia. 2020. “It’s time to tell a new story about coronavirus - our lives depend on it. Nation, vol. 311, n. 2: 12-15. https://www.thenation.com/article/society/pandemic-definition-covid/
    https://www.thenation.com/article/societ...
    : 14).
  • 6
    Nestas circunstâncias tornase evidente que o sistema imunológico, seja à escala do corpo individual ou do corpo político da comunidade, representa paradoxalmente a proteção e a negação da vida (Esposito, 2011ESPOSITO, Roberto. 2011. Immunitas: the Protection and Negation of Life. Cambridge, Polity Press.).
  • 7
    Blitzkrieg é a designação alemã para “guerra-relâmpago”, uma tática militar utilizada pelo exército nazi no início da II Guerra Mundial, nomeadamente nas invasões da Polónia (1939) e da França (1940). Baseou-se em avanços muito rápidos, inesperados e tempestuosos, suportados pela coordenação entre a aviação, poderosas divisões de blindados e tropas de infantaria extraordinariamente expeditas, impulsionadas pelo consumo de metanfetaminas (Pervitin).
  • 8
    É interessante constatar que o vírus e a pandemia são alvo de construções simbólicas belicistas e, simultaneamente, identificados como variáveis político-ideológicas incontornáveis nos antagonismos tácitos, em especial entre os EUA e a China, que marcam a atual geopolítica mundial: “a guerra fria do coronavírus” (Le Monde, 2020cLe Monde (2020c). “Entre la Chine et les Etats-Unis, la guerre froide du coronavírus”. 25 de março. Em: http://www.lemonde.fr/idees/article/2020/03/25/chine-etats-unis-la-guerre-froidedu-coronavirus_6034305_3232.html (por Philippe Bernard).
    http://www.lemonde.fr/idees/article/2020...
    ).
  • 9
    Em Espanha, por exemplo, a “Operação Balmis” de desinfeção, vigilância de infraestruturas e auxílio às instituições de acolhimento de idosos, realizada pelas forças armadas, foi mesmo considerada “a maior ação militar na Espanha democrática” (El Mundo, 2020cEl Mundo (2020c). “‘Operación Balmis’: así fue el mayor despliegue militar en España de la democracia”. 30 de março. Em: http://www.elmundo.es/espana/2020/03/29/5e7dffa821efa066098b459c.html (por Fernando Lázaro).
    http://www.elmundo.es/espana/2020/03/29/...
    ).
  • 10
    A par desta demanda por “armas” biomédicas eficazes para a Covid-19, a procura de armas de fogo, sobretudo nos EUA, tem aumentado de forma muito significativa, refletindo as ansiedades e inseguranças decorrentes da pandemia e do cenário sem precedentes de caos na saúde pública e de crise económica (Mannix, Lee e Fleegler, 2020MANNIX, Rebekah; LEE, Lois; FLEEGLER, Eric. 2020. “Coronavirus disease 2019 (COVID-19) and firearms in the United States: will an epidemic of suicide follow?”. Annals of Internal Medicine, vol. 173, n. 3: 228-229. DOI https://www.doi.org/10.7326/M20-1678
    https://www.doi.org/10.7326/M20-1678...
    ).
  • 11
    Juntamente com tratamentos não farmacológicos (v.g., plasma terapêutico) e medicamentos destinados a outras infeções de origem viral, têm sido experimentados a um ritmo vertiginoso, entre muitos outros, fármacos para problemas pulmonares, para a prevenção da osteoporose, anticoagulantes, anticancerígenos, anti-inflamatórios, imunomoduladores e medicação antimalárica (OMS, 2020cOMS - Organização Mundial de Saúde. 2020c. International clinical trials registry platform. https://www.who.int/ictrp/en/
    https://www.who.int/ictrp/en/...
    ). A utilização de alguns destes fármacos, muito em particular a hidroxicloriquina, tem estado sujeita não só a vigorosas contendas científicas (v.g., entre o microbiologista francês Didier Raoult e os seus detratores), como também a vincadas disputas políticoideológicas. A politização tem sido de tal forma que a hidroxicloriquina passou a estar intrinsecamente associada a Donald Trump e a ser defendida por líderes com ele alinhados. É este o caso de Jair Bolsonaro, no Brasil, suscitando uma notória bipolarização social entre os respetivos apoiantes (cloroquiners) e opositores (quarenteners).
  • 12
    Eis alguns dos mais mediáticos e, por vezes, controversos: Christian Drosten (Alemanha), Yong-Zhen Zhang (China), Anthony Fauci (EUA), Ilaria Capua (Itália), Anders Tegnell (Suécia), Neil Ferguson (UK). Em sentido contrário, líderes políticos como Donald Trump e Jair Bolsonaro, que têm posto em causa o discurso científico sobre a Covid-19 e comprometido as estratégias mais comuns de gestão sanitária da pandemia, têm vindo a ser remetidos para a condição de anti-herói e, não raras vezes, de inimigo público, tal como o próprio vírus.
  • 13
    Designação popularizada no contexto da guerra de trincheiras durante a I Guerra Mundial.
  • 14
    No grupo destas 14 pessoas inclui-se Li Wenliang, médico no Hospital Central de Wuhan, que foi a primeira pessoa a lançar o alerta para a presença de um novo coronavírus em Wuhan parecido com o SARS. Inicialmente foi acusado pelas autoridades chinesas de estar a difundir rumores alarmistas. Porém, com o evoluir da situação epidemiológica e perante a sua aclamação nacional e internacional como um dos grandes heróis da pandemia, o governo chinês concedeu-lhe o estatuto de mártir.
  • CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA:

    Não se aplica.
  • FINANCIAMENTO:

    Pesquisa desenvolvida enquanto investigador do CETRADUTAD, entidade financiada por fundos nacionais através da FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto UIDB/04011/2020, e colaborador do Centro em Rede de Investigação em Antropologia (CRIA), instituição financiada pela FCT no quadro do projeto UIDB/04038/2020.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    17 Dez 2020
  • Aceito
    06 Maio 2021
Universidade de São Paulo - USP Departamento de Antropologia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo. Prédio de Filosofia e Ciências Sociais - Sala 1062. Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, Cidade Universitária. , Cep: 05508-900, São Paulo - SP / Brasil, Tel:+ 55 (11) 3091-3718 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista.antropologia.usp@gmail.com