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Perspectivas sobre a "nobreza da terra" na Amazônia colonial

Perspectives on the "land' nobility" in colonial Amazonia

Resumos

O presente artigo pretende examinar algumas estratégias observadas na constituição da elite local no Grão Pará no século XVIII, centrado num estudo de caso particular envolvendo a eleição para almotacé de 1741, abordando tanto trajetórias individuais como de grupo. Destacam-se, na presente análise, questões como a formação da elite colonial paraense aliadas à consolidação da posição desse grupo seja através do acesso aos órgãos locais de poder como através das redes de parentesco e clientelares, fazendo uso de fontes diversificadas.

Elite colonial; Câmara de Belém; trajetórias familiares


This article intends to examine some strategies observed in the formation of the local elite in Grão Pará in the eighteenth century, centered on a particular case study involving the election to almotacé in 1741, addressing both individual and group trajectories. Stand out in this analysis, issues such as the formation of the Pará colonial elite allied to the consolidation of the position of this group both so through access to local power as through networks of related and clientelist, making use of diverse sources.

Colonial elite; Belém City Council; family trajectories


Introdução

A ocupação do território amazônico no início do século XVII foi marcada por uma ação estratégica que envolvia a defesa do território das invasões de outros países. Por conta disso, as primeiras décadas da presença portuguesa foram essencialmente de ações de cunho militar. Só em meados do século XVII, o povoamento da região ganhou força com a presença das missões religiosas, em especial dos jesuítas, bem como pelo interesse econômico que a colheita das drogas do sertão e o apresamento dos índios suscitavam em adentrar cada vez mais na região.1 1 REIS, Arthur César Ferreira. A política de Portugal no vale amazônico. Belém: Secult, 1993.

Embora esse tripé de ações combinadas de cunho militar, religioso e econômico tenha sido considerado pela historiografia durante muito tempo como o único vetor explicativo para o domínio português na região até meados do século XVIII, atualmente, eles são considerados insuficientes para explicar as inúmeras questões que estão surgindo a partir de novas pesquisas sobre a região. Dessa forma, os atuais estudos sobre o povoamento e ocupação da Amazônia suscitam, por exemplo, interesse nas investigações sobre a questão territorial com a distribuição de terras e sesmarias, a criação de núcleos urbanos e, principalmente, lançam novos olhares sobre as atividades agropastoris desenvolvidas pelos povoadores.2 2 CHAMBOULEYRON, Rafael. Povoamento, ocupação e agricultura na Amazônia colonial (1640-1706). Belém: Açaí, 2010. Além disso, existem trabalhos que buscaram observar o desenvolvimento e perfil deste povoamento no Pará na segunda metade do século XVIII através de informações demográficas e censitárias.3 3 VELOSO, Euda Cristina. Estrutura de apropriação de riqueza em Belém do Grão-Pará, através do recenseamento de 1778. In: ACEVEDO MARIN, Rosa (org.). A escrita da história paraense. Belém: Naea/UFPA, 1998, p. 7-28; CARDOSO, Alanna Souto. Apontamentos para a história da família e demografia histórica da capitania do Grão-Pará (1750-1790). Dissertação de mestrado, História Social da Amazônia, Departamento de História, Universidade Federal do Pará, 2008.

Inspirados nesta nova dinâmica das pesquisas sobre o período colonial no Estado do Maranhão e Pará e, particularmente, nos nossos próprios estudos sobre as instituições políticas e religiosas na primeira metade do século XVIII, sentimos a necessidade crescente de identificar mais claramente quem eram esses "povoadores" que apareciam recorrentemente em vários estudos, quer seja assim identificados genérica e anonimamente, ou ainda de forma mais particular, mesmo assim de forma pontual e ilustrativa. Sobretudo, inquietava-nos observar que estes homens apareciam nos estudos de forma isolada e sem conexão com outras realidades vivenciadas pelos mesmos. Alguns indivíduos eram apontados nos estudos de caso, contudo, os autores desconheciam a existência de outras atividades ou mesmo a presença destes indivíduos em outros contextos históricos.

Assim, optamos por iniciar uma investigação acerca dos vários indivíduos constitutivos da elite local e suas estratégias de ascensão social. Contudo, é importante ressaltar que as fontes documentais disponíveis nos arquivos públicos do Pará e Maranhão são qualitativa e tipologicamente distintas,4 4 O Arquivo Público do Maranhão tem sob a sua guarda importantes séries documentais pertencentes à Câmara de São Luís e ao Bispado do Maranhão que datam da primeira metade do século XVII. A documentação depositada no Arquivo Público do Pará se concentra na documentação produzida no âmbito da secretaria de governo a partir das primeiras décadas do século XVIII, enquanto que a documentação camarária sob a sua guarda data somente de finais do século XIX, estando desaparecida dos arquivos públicos toda a documentação da Câmara de Belém do período setecentista. influenciando, portanto, diferentemente a abordagem e os resultados alcançados. Assim, os estudos sobre o poder local e seus representantes na sociedade maranhense estão mais adiantados,5 5 COUTINHO, Mílson. Fidalgos e barões: uma história da nobiliarquia luso-maranhense. São Luís: Geia, 2005; CORREA, Helidacy Maria Muniz. Para aumento da conquista e bom governo dos moradores: o papel da Câmara de São Luís na conquista, defesa e organização do território (1615-1668). Tese de doutorado, História, Departamento de História, Universidade Federal Fluminense, 2011; MOTA, Antônia da Silva. As famílias principais. Rede de poder no Maranhão colonial. São Luís: EDUFMA, 2012. enquanto que, só muito recentemente, as pesquisas no Pará têm avançado nesta temática por sofrerem as limitações já comentadas acerca das fontes disponíveis para o período seiscentista.6 6 FEIO, David Salomão Silva. Administração, elites e exercício de poder na Amazônia colonial de início do século XVIII. In: SIMPOSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 25, Fortaleza, 2009. Anais. Fortaleza, 2009, CD-ROM; ROCHA, Rafael Ale. Formação da nobreza camarária em Belém no século XVIII. In: ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA COLONIAL, 3, Recife, 2010. Caderno de Resumos. Recife: Editora da Universidade Federal de Pernambuco, 2010.

Por conta dessas limitações, iniciamos a construção de uma base de dados com todas as informações e dados pessoais sobre a elite local a partir do século XVII. Para tanto, lançamos mão do uso de fontes de natureza diversa, buscando cobrir o máximo de informações possíveis, partindo daquelas mais amplas e que envolviam várias gerações como as justificações de nobreza, habilitações para ordens militares, habilitações para comissários e familiares do Santo Ofício, passando também por aquelas mais particulares como cartas e patentes de cargos militares, doações de terras e sesmarias e nomeações de serviços existentes nos Arquivos da Torre do Tombo em Lisboa.7 7 Em face de várias ocorrências de indivíduos de famílias diferentes, mas com a mesma ascendência, decidimos inserir alguns dados num software de construção de genealogias que nos permitisse cruzar os dados entre as famílias e observar os elementos em comum. No presente momento, já constam na base de dados 337 famílias e 793 indivíduos arrolados. A pesquisa ainda esta em curso e os dados ainda são preliminares, mas já nos possibilitam observar vários fenômenos interessantes como, por exemplo, as ligações de parentesco entre várias famílias ao longo de várias décadas remontando ao século XVII.8 8 Tais informações são importantes na análise das famílias principais da terra, ainda que baseada em dados fragmentários, haja vista que a historiografia paraense carece de informações genealógicas que cubram o século XVII e primeira metade do século XVIII. Agravante ainda é a inexistência de documentação notarial e eclesiástica para o período que pudesse suprir a ausência desses estudos. O presente trabalho se constitui num exercício preliminar e circunstanciado do uso dos subsídios dessa base de dados na compreensão da evolução da elite paraense.

Nos últimos anos, vêm conquistando a atenção dos historiadores portugueses os estudos sobre as elites de poder local, impulsionados pelos trabalhos renovadores de Antônio Manuel Hespanha e Joaquim Romero Magalhães surgidos nos anos 1980, que trouxeram para o centro do debate sobre a formação dos poderes políticos no Portugal moderno a questão da não centralização do poder central e a participação efetiva dos "poderes periféricos" na constituição deste sistema de poder.9 9 Notadamente, destacam-se, entre outras obras dos citados autores desta época: HESPANHA, Antônio Manuel. As vésperas do Leviathan. Instituições e poder político em Portugal. século XVII. Coimbra: Almedina, 1994. MAGALHÃES, Joaquim Romero. O poder concelhio: das origens às Cortes Constituintes. Coimbra: Centro de Estudos e Formação Autárquica, 1986. Desta feita, a ideia de vitalidade e autonomia dos poderes locais frente às pretensões centralizadoras da Coroa não só renovou os estudos sobre as municipalidades portuguesas enquanto instituições politicas como possibilitou os estudos acerca da natureza social das elites dominantes.10 10 Concordamos aqui com o uso do termo "elites" ao invés de "oligarquias municipais" defendido por Nuno Monteiro, por compreender, tal como justifica o autor, que a expressão confere "uma identidade social a uma categoria institucional (a dos vereadores camarários) cuja existência como grupo social carece de demonstração". Outras instituições locais relevantes coexistiam com as câmaras, constituindo elas também elites locais, tais como as misericórdias e as ordenanças. Cf. MONTEIRO, Nuno Gonçalo. Elites locais e mobilidade social em Portugal nos finais do Antigo Regime. In: Idem. Elites e poder. Entre o Antigo Regime e o liberalismo.Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2003, p. 43-47. Motivou, igualmente, as investigações sobre a formação e desenvolvimento da elite localizada nos domínios ultramarinos portugueses, em especial nos arquipélagos atlânticos (Cabo Verde, Madeira e Açores).11 11 Citamos aqui, dentre outros trabalhos sobre o tema, a recente coletânea resultante do ciclo de conferências realizadas em Lisboa no Instituto de Investigação Científica e Tropical (IICT) entre 2009 e 2011, que apresenta vários estudos avançados sobre o tema em que estão presentes, entre outras questões: a formação de redes clientelares, consolidação do patrimônio, o papel dos filhos segundogênitos e a relação da pequena nobreza e o capital mercantil. Ver: RODRIGUES, Miguel Jasmins e TORRÃO, Maria Manuel (orgs.). Pequena nobreza de aquém e de além-mar: poderes, patrimônio e redes. Lisboa: s/ed, 2011.

No Brasil, ainda são incipientes as pesquisas sobre o tema do poder local, carecendo de mais estudos e maiores reflexões que aprofundem o assunto. De forma específica, o estudo das elites coloniais vem ganhando destaque na busca dos elementos sobre os quais se baseia a sua constituição. Não obstante o uso da expressão "nobreza da terra" para designar as elites coloniais em distintas capitanias tenha gerado alguma controvérsia na historiografia brasileira, o fato é que o termo vai sendo cada vez mais utilizado nos trabalhos monográficos publicados sobre o tema.12 12 Acreditamos que isso ocorra, em larga medida, pela compreensão cada vez mais apurada de que a sociedade americana, ainda que inserida na lógica transplantada de uma sociedade hierarquizada e estamental de Antigo Regime, possuía dinâmicas próprias que influenciaram na formação de grupos sociais baseados em práticas costumeiras, como é o caso da "nobreza da terra". Definida por João Fragoso como sendo "potentados locais integrantes ou não da fidalguia de nascimento com domínio sobre o mando local, especialmente as câmaras municipais", consistem assim em um estamento da hierarquia social costumeira presente na América lusa, que não se confundia com a nobreza solar. (FRAGOSO, João. Modelos explicativos da chamada economia colonial e a ideia de monarquia pluricontinental: notas de um ensaio. História. São Paulo, v. 31, n. 2, jul/dez 2012, p. 128-29). Apesar disso, reconhecemos que haja relevantes advertências quanto ao uso conceitual do termo pelos historiadores,13 13 Laura Mello e Souza questionou o uso do termo afirmando que "o fato de membros das elites coloniais se autodenominarem 'nobreza da terra' não autoriza, creio, os historiadores a tomarem o que é construção ideológica por conceito sociológico". SOUZA, Laura de Mello. O sol e a sombra. Política e administração na América portuguesa do século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 179, nota 56. mas discordamos de que o emprego do termo se justificaria somente pela sua presença ipsis litteris na documentação e que, portanto, empregar-se-ia apenas para a realidade pernambucana.14 14 Isto porque podemos observar, na documentação, expressões análogas que exprimem o mesmo sentimento de autorreconhecimento e pertença a um grupo distinto como as que encontramos para o Pará em meados do século XVIII, em que os indivíduos indicavam ser da "maior nobreza daquelas Respublicas" ou da "principal nobreza do Estado".

O que deve ser compreendido antes de tudo, como bem salientou Fernanda Bicalho, não é se o termo aparece ou não na documentação, mas, sim, a validade da expressão nobreza da terra "a partir de certos atributos das elites coloniais de diferentes capitanias".15 15 BICALHO, Maria Fernanda. Conquista, mercês e poder local: a nobreza da terra na América portuguesa e a cultura política do Antigo Regime. Almanack Brasiliense. São Paulo, n. 02, nov. 2005, p. 21. Partindo do pressuposto de que a sociedade mercantil e escravista determinou um sentido diferenciado de elite no ultramar, afirma ainda a autora que precisam também ser observados como critérios para a constituição das elites ultramarinas a "conquista e defesa da terra, o serviço do rei, a ocupação de cargos administrativos e as mercês régias recebidas em retribuição aos serviços prestados".16 16 BICALHO, Maria Fernanda Elites coloniais: a nobreza da terra e o governo das conquistas. In: MONTEIRO, Nuno, CARDIM, Pedro e CUNHA, Mafalda S. da (orgs.). Optima Pars. Elites ibero-americanas no Antigo Regime. Lisboa: ICS, 2005, p. 74. No presente artigo, a autora expôs os argumentos favoráveis à utilização do conceito de "nobreza da terra" que foi reconhecido positivamente pela crítica vigente como aprofundamento do debate.

Contudo, é perceptível como a temática vem ganhando espaço crescente entre os estudos coloniais e despontando no âmbito de inúmeras publicações coletâneas que tratam de questões afins, como hierarquia e mobilidade social no Antigo Regime, em que o tema do poder local aparece em vários artigos.17 17 Face ao grande número de artigos e não querendo incorrer em omissões indevidas, optamos aqui por indicar os títulos de algumas das coletâneas em que os referenciados estudos se apresentam: FRAGOSO, João; SAMPAIO, Antônio Carlos; ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de (orgs.). Conquistadores e negociantes. História das elites no Antigo Regime nos trópicos. América lusa, séculos XVI a XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007; SOUZA, Laura de Mello; BICALHO, Maria Fernanda (orgs.). O governo dos povos. São Paulo: Alameda, 2009; FRAGOSO, João e SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá (orgs.). Monarquia pluricontinental e a governança da terra no ultramar atlântico luso. Rio de Janeiro: Mauad X, 2012. Assim, é possível o conhecimento de algumas questões envolvendo as elites locais, embora ainda tais estudos estejam fortemente circunscritos às capitanias do Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e Minas Gerais,

Os novos estudos estão sendo motivados pela necessidade de uma melhor compreensão das instituições e do poder no império colonial português. Afastando-se do esquema dos estudos pautados na visão legislativa e normativa do funcionamento destas instituições, vem ganhando cada vez mais espaço a preocupação de conhecer os agentes que ocupavam estas instituições, de cujo exercício efetivo do poder dependia o funcionamento das mesmas. Neste sentido, algumas pesquisas sobre a América portuguesa centradas na formação dos grupos de poder coloniais, em especial da elite camarária, têm se dedicado, a partir desse lócus privilegiado de análise que são as câmaras municipais, a compreender o perfil econômico e social de seus agentes e, dessa forma, traçar uma melhor caracterização da elite local. O que tais estudos têm demonstrado é que a realidade social é mais complexa e dinâmica do que se supunha até então, não podendo ser reduzida "em tipologias generalizantes e definitivas", estimulando assim outras investigações em curso.18 18 Por exemplo, em regiões de economia de plantation como Pernambuco e Bahia, observam-se diferentes tendências nos perfis dos oficiais camarários durante o século XVIII. Em Recife, entre 1710 e 1822, a composição da câmara era marcada pelo predomínio dos oficiais cuja principal ocupação estava no setor comercial, com 54,9% de oficiais nessa ocupação, num visível contraste com o senhores de engenho cuja presença era de apenas 12%. Os demais representantes eram de uma variada gama de ocupações, o que demonstra uma complexa trama de agentes sociais, ao passo que, em Salvador, entre 1701 e 1800, a base fundiária marcava o perfil majoritário da câmara em detrimento do setor mercantil. Cf. SOUZA, George F. Cabral. A gente da governança do Recife colonial: perfil de uma elite local na América portuguesa (1710-1822). In: FRAGOSO, João e SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá (orgs.). Monarquia pluricontinental e a governança da terra no ultramar atlântico lusa, op. cit., p. 51-86; SOUSA, Avanete Pereira. Poder local e autonomia camarária no Antigo Regime: o Senado da Câmara da Bahia (século XVIII). In: FERLINI, Vera; BICALHO, Maria Fernanda (orgs.). Modos de governar. Ideias e práticas políticas no Império português. séculos XVI-XVIII. São Paulo: Alameda, 2005, p. 319.

Por fim, é preciso destacar, a respeito da Amazônia colonial portuguesa, que esta possuía algumas singularidades que conferiram à região um modelo ímpar de colonização, a ponto de ser considerada modernamente "um Brasil diferente", uma colônia distinta na América portuguesa.19 19 SARAGOÇA. Lucinda Rosa. Da "feliz Lusitânia" aos confins da Amazónia (1615-1662). Lisboa: Cosmos, 2000, p. 329. No caso específico da capitania do Grão-Pará, ainda que inserida no Estado do Maranhão, dele se diferenciou economicamente, pois, até meados do século XVIII, apoiava-se numa economia caracterizada pela atividade extrativa e fortemente dependente da mão-de-obra indígena.20 20 MACLACHLAND, Colin. The Indian labor structure in the Portuguese Amazon 1700-1800. In: ALDEN, Dauril. Colonial roots of modern Brazil. NEWBERRY LIBRARY CONFERENCE. Papers. Berkeley: University of California Press, 1973, p. 200. O que decerto influenciou, em alguns aspectos, a formação da sua elite colonial.

As querelas envolvendo Luís Francisco Barreto e a eleição de 1741 para almotacé em Belém

Na primeira metade do século XVIII, em meio a várias queixas encaminhadas ao reino pela Câmara de Belém, na busca da reafirmação de seus "privilégios de cidadãos",21 21 Em 1655, os cidadãos de Belém e São Luís, pelos serviços prestados à Coroa portuguesa na expulsão dos holandeses do Maranhão, conseguiram a mercê régia de gozar dos mesmos privilégios, honras e liberdades que haviam recebido do rei d. João II os cidadãos da cidade do Porto que, em síntese, eram: 1. Não serem presos nem metidos a tormento senão nas mesmas condições em que os fidalgos o podiam ser; 2. Poderem trazer por todo o reino e senhorios régios quaisquer tipos de armas, quer de noite quer de dia; 3. Desfrutarem dos mesmos privilégios que gozava Lisboa ressalvando a proibição de andarem em bestas muares; 5. Não serem obrigados a hospedar gratuitamente poderosos, nem tomadas as suas casas, adegas, cavalariças, bestas de sela e albarda ou qualquer outra coisa contra sua vontade (LISBOA, João Francisco. Jornal de Timon. Brasília: Editora Alhambra, s/d, vol. 2. p. 169-170). podemos observar inúmeras querelas e acusações de fraudes na escolha de seus membros, justamente pela não observância da legislação que definia a escolha de homens de qualidade para estes cargos. Entretanto, chama-nos a atenção, em particular, a eleição de almotacé realizada em Belém em 1741 não só pelo fato de ter gerado uma intensa luta entre alguns de seus membros, mas, principalmente, porque desse episódio podemos observar várias questões que nos auxiliam na compreensão da formação da elite paraense e suas estratégias de consolidação. Assim, esclarecemos que não é nossa intenção aqui discutir os elementos políticos ou de exercício de poder circunscrito ao espaço privilegiado da Câmara de Belém, mas queremos utilizar este caso para observar alguns elementos presentes na constituição dessa elite (como casamentos estratégicos e a formação de redes clientelares) tendo por base a trajetória de um grupo familiar especifico, os Ferreira Ribeiro, em contraste com a trajetória do letrado Luís Francisco Barreto. Para tanto, é necessário descrever em detalhes a eleição e aqueles nela envolvidos.

As Ordenações Filipinas (1603) regulavam as eleições dos principais ofícios da câmara, bem como dos almotacés, estabelecendo que estes deveriam ser escolhidos entre os "homens bons e melhores que houver no Conselho".22 22 Ordenações Filipinas, livro 1, título LXVII. Em que modo se fará a eleição dos juízes, vereadores, almotacés e outros oficiais, p. 153-156. Portanto, eram estes homens de posição social destacada que detinham o privilégio político de participarem das eleições para os cargos da câmara tanto na condição de eleitores quanto na de elegíveis. Contudo, na prática, na maioria dos conselhos municipais, tais eleições sofriam alterações na sua execução devido às conjunturas locais. Dessa forma, podemos observar, em diferentes territórios no reino e no ultramar, variações tanto na frequência das eleições (mensais, bimensais ou trimestrais), quanto no número e no perfil dos eleitos.23 23 ENES, Thiago. De como administrar cidades e governar impérios: almotaçaria portuguesa, os mineiros e o poder (1745-1808). Dissertação de mestrado, História social, Departamento de História, Universidade Federal Fluminense, 2010, p. 164-166.

Não obstante a ausência da documentação pertencente à Câmara de Belém para todo o século XVIII, podemos inferir, pela documentação disponível, que as eleições para novos almotacés eram feitas através de voto direto dos oficiais camarários que escolhiam dois homens com qualidades nobres para exercer o cargo no último trimestre do ano.24 24 É provável que o provimento dos cargos para os meses anteriores, conforme orientavam as Ordenações, fosse feito num rodízio entre juízes, vereadores e o procurador da Câmara que haviam servido no ano anterior como, por exemplo, ocorria em São Luís. (XIMENDES, Carlos Alberto. Sob a mira da Câmara: viver e trabalhar na cidade de São Luís (1644-1692). Tese de doutorado, História moderna, Departamento de História, Universidade Federal Fluminense, 2010, p. 85-89. Dessa forma, no dia 30 de setembro de 1741, reuniram-se os vereadores e o procurador da câmara para a eleição dos novos almotacés e, na primeira sequência de votos apontados pelo termo da eleição, ficaram empatados em votos os candidatos Manoel Estácio Galvão e Luís Francisco Barreto (com os votos do procurador Manoel Alvares de Castro e do vereador Guilherme Brussem de Abreu) e os candidatos José de Souza Monteiro e Miguel Felipe Beckman (com os votos do vereador terceiro Hilário Monteiro de Azeredo e do vereador mais velho Luís Pourat de Morais Aguiar e Castro). O termo da eleição finda sem apresentar mais nenhuma informação sobre a mesma. O que ocorreu a partir do empate dos votos provém de duas fontes diferentes de informação (um requerimento do vereador Luís Pourat e outro de Luís Francisco Barreto) que, embora apontem para o mesmo resultado, qual seja o ganho da eleição pela dupla Manoel Estácio Galvão e Luís Francisco Barreto, demonstram, na construção e defesa de seus argumentos, não só posições divergentes, mas, sobretudo, uma clara tentativa de manipulação dos fatos por aqueles que protestavam o resultado da eleição.25 25 Requerimento dos vereadores Luís Pourat e Hilário de Souza ao rei, 10 de novembro de 1741. Arquivo Histórico Ultramarino [AHU], Pará, caixa 26, documento 2461; Representação de Luís Francisco Barreto ao rei, posterior a outubro de 1741. AHU, Pará, caixa 26, documento 2429.

Configurado o empate dos votos, cabia aos juízes ordinários proceder ao desempate. Dessa forma, Hilário Roberto Pimentel, como juiz mais velho, votou em Manuel Estácio Galvão e Luís Francisco Barreto. De imediato se levantou contrário ao resultado o vereador Luís Pourat, e passou a questionar a qualidade de Luís Francisco Barreto, dizendo não ser ele filho nem neto de cidadãos, além de ser o contratador das carnes, serviço vil que, portanto, o tornava incapacitado para servir na câmara. Tentou, então, embargar a eleição. Contudo, os juízes ordinários Hilário Roberto Pimentel e João Furtado Vasconcelos não acataram o embargo e mantiveram os eleitos, a quem deram juramento e posse. Ainda durante este processo de registo da eleição, tentou Luís Pourat que constassem seus embargos e, não sendo permitido pelos juízes, tentou então fechar os livros da câmara, querendo assim evitar que fosse empossado Luís Barreto. O escrivão da câmara, Manoel Pinheiro Lacerda, ao querer registrar os embargos do vereador Luís Pourat contra a vontade dos juízes ordinários, foi afastado pelos juízes do processo eleitoral e foi então chamado um tabelião para registrar o termo de juramento e posse dos eleitos.26 26 Além dos documentos citados na nota anterior, também nos valemos, nessa reconstituição, de documentos que estavam apensos em outra representação, encaminhada em 1742 pela câmara, mas que, na nova ordenação do Projeto Resgate no Arquivo Histórico Ultramarino, acabaram por ser colocados todos sob a mesma cota. Porém, acreditamos que não fazem parte originalmente do mesmo processo. Representação da Câmara de Belém, 27 de outubro de 1742. AHU, Pará, caixa 26, documento 2461.

Para que possamos compreender as críticas declaradas no discurso do vereador Pourat compete aqui observar brevemente o significado de ser "cidadão" no Antigo Regime. Conforme afirma Fernanda Bicalho, ser cidadão naquele período era um privilégio de poucos e não um direito civil ou mesmo politico como hoje se compreende, de forma que nem todos os moradores de uma cidade eram considerados cidadãos. Era necessário reconhecer nos indivíduos determinadas qualidades nobres e de pureza de sangue que os distinguiam dos demais súditos e que, por conseguinte, os habilitavam a exercer funções públicas como a ocupação de cargos na administração das câmaras. Assim como o exercício dos cargos camarários garantia aos seus ocupantes o reconhecimento de ser cidadão, do mesmo modo o privilégio de cidadania era reconhecido aos seus descendentes.27 27 BICALHO, Maria Fernanda. O que significa ser cidadão nos tempos coloniais. In: ABREU, Martha e SOIHET, Rachel (orgs.). Ensino de História: Conceitos, temáticas e metodologia. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003, p. 144.

Sentindo-se internamente preterido nas suas demandas, o vereador Luís Pourat se aliou ao vereador Hilário Monteiro de Azeredo, com o qual passou imediatamente à contraofensiva. Na primeira semana de outubro de 1741, foi formado um conjunto de documentos, cujo componente principal era uma certidão oficialmente elaborada pelo escrivão Manoel Pinheiro Lacerda, em que este relatava o ocorrido na recente eleição dos almotacés. A certidão seguia um roteiro detalhado de questões que foram previamente indicadas em um requerimento do vereador Hilário Azeredo encaminhado ao ouvidor Timóteo de Carvalho, no qual solicitava oficialmente que o escrivão descrevesse o ocorrido, o que tornava o documento, assim, não só credível, mas aparentemente imparcial perante as autoridades metropolitanas. Juntavam-se ainda as transcrições de cartas régias de 1698, 1702 e 172528 28 Carta régia de 10 de dezembro de 1698 proibindo aos soldados pagos serem eleitos para Câmara de Belém, indicando que os que devem servir sejam sempre filhos dos homens nobres e cidadãos e mandando criar a companhia dos privilegiados; Carta régia de 10 de novembro de 1702 sobre a obrigação de servir nas Ordenanças todos aqueles que não tivessem privilégios; Carta régia de 17 de janeiro de 1725 para que não fossem eleitas pessoas sem as qualidades que as leis ordenam. Documentos anexados. AHU, Pará, caixa 26, documento 2461. que indicavam o perfil desejável dos eleitos e dos que não eram capazes para o exercício do cargo.29 29 No texto de Rafael Rocha pode-se conferir mais informações referentes às implicações desta legislação (ROCHA, Rafael Ale. A Câmara de Belém e a ideia de "qualidade" na Amazônia (século XVIII). Niterói, 2010, 54 p. Texto inédito apresentado para a conclusão de uma disciplina do PPGH/ UFF ministrada pelo prof. Ronald Raminelli no segundo semestre de 2009. Agradeço ao autor disponibilização do texto). Os documentos foram encaminhados ao rei, apensos a uma carta na qual, assinando como seus "leais vassalos", Luís Pourat, Hilário Azeredo e Manoel Lacerda davam conta da controversa eleição e apresentavam, formalmente, queixa ao reino contra os maus procedimentos dos demais vereadores, procurador e juízes.

Na missiva, argumentavam que as ordens régias determinavam que, nas eleições para os cargos da República, fossem eleitos "sempre filhos dos homens nobres e cidadãos" e que não se admitisse que fossem eleitas pessoas que "não concorressem esta circunstancia". E que o vereador Guilherme Brussem de Abreu e o procurador Manoel Alvares de Castro, ao votarem em Luís Francisco Barreto a quem "não concorria nobreza para ser eleito de Almotacé" visto ser ele o atual contratador das carnes, não só haviam transgredido as ordens régias ao votarem em uma pessoa que não era cidadão e nem deles descendia, mas que avaliaram mais em razão de suas próprias conveniências do que das determinações reais, as quais estabeleciam claramente que os oficiais se abstivessem de votar em pessoas não qualificadas. E que, por conta desta atitude, contrária às leis, os votos haviam ficados empatados justamente entre outros candidatos que eram "filhos e netos da verdadeira linhagem de cidadãos, tanto de parte paterna quanto da materna".

O agravante dessa eleição era que os juízes, ao desempatarem pelo nome de Luís Francisco Barreto, mais ainda incorreram em erro, por não considerarem as apelações que lhe fizeram ao desempate e por darem posse ao mesmo. Por conta de semelhantes eleições, alegavam os vereadores, vinha padecendo a República no seu governo por entrarem nela homens de "condição humilde". Para tanto, propunham como meio de evitar tal procedimento que os eleitores que infringissem as leis, votando em pessoas que não fossem cidadãos ou que não tivessem nobreza, fossem multados por esse comportamento. E, para aqueles que, por acaso, fossem eleitos sem os pré-requisitos estipulados nas leis, que ficassem sem nenhum privilégio decorrente da condição do cargo camarário.

Analisadas no Conselho Ultramarino as queixas dos signatários acima citados, determinou-se ao governador João de Abreu Castelo Branco (1737-1747) que, primeiro, fizesse executar as ordens que havia sobre as eleições e, segundo, que fossem feitas contas às ordens reais que impedissem o exercício do cargo. E que, no caso específico da eleição para almotacé de Luís Francisco Barreto, que se apurasse a verdade do procedimento dos que nele votaram, citando em específico Guilherme Brussem e Manoel de Alvares de Castro e que, sendo culpados, os prendessem por um tempo de 30 dias. E, por fim, atendendo em parte à proposta da câmara, a provisão determinava que, se caso tivesse servido ou ainda servisse alguma pessoa contra as leis régias, que estas não teriam privilégio algum de cidadão.30 30 Carta do rei ao governador, 29 de maio de 1742. AHU, Pará, caixa 24, documento 2312.

Devemos aqui assinalar que, não obstante as Ordenações Filipinas indiquem que os almotacés eram escolhidos entre os "melhores dos lugares", sendo esse parâmetro essencial utilizado pela maioria dos Conselhos nas eleições dos cargos, ocorria também que pessoas de menor qualidade os ocupassem, facilitados por condicionantes locais. Percebe-se, nos estudos de casos em diferentes territórios, que o perfil mais detalhado e as características de quem concorria positivamente ou não para o cargo foi sendo delineado posteriormente ao longo do exercício efetivo dos cargos e expressados nos termos de vereação e legislação régia.31 31 LALANDA, Maria Margarida de Sá Nogueira. A sociedade micaelense no século XVII: estruturas e comportamentos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002; VIDIGAL, Luís. Câmara. Nobreza e povo: poder e sociedade em Vila Nova de Portimão (1755-1834). Portimão: Câmara Municipal de Portimão, 1993. Na cidade do Porto, por exemplo, as qualidades exigidas aos novos almotacés era que fossem preferencialmente filhos ou netos de cidadãos que houvessem ocupado cargos na governança ou, no mínimo, fossem pessoas nobres e genros de cidadão; que morassem na cidade; que soubessem ler e escrever; e que fossem recém-casados. E consideravam "defeitos inabilitantes" o pretendente ser oficial mecânico; ter tenda aberta; ser oficial da justiça; ser cristão novo e "mancebo solteiro".32 32 SILVA, Francisco Ribeiro. O Porto e seu termo (1580-1640). Os homens, as instituições e o poder. Tese de doutorado, História moderna, Faculdade de Letras, Universidade do Porto, 1985, vol. 2, p. 644.

Pesava então contra Luís Barreto o fato de não ser natural da terra, não descender de cidadão e questionava-se ainda a sua qualidade de nobre pelo fato de ser o contratador das carnes, alegando-se ser este um serviço vil, visto que as atividades profissionais que requeressem o uso do trabalho manual ou "mecânico" eram compreendidas como sendo de menor qualidade, que se distanciavam do "modo de viver da nobreza". Por isso, os indivíduos que exerciam estas atividades eram considerados indignos de exercer determinados ofícios públicos. Observamos assim, pelo que fica exposto nos argumentos utilizados pelo vereador Luís Pourat, que as qualidades que a Câmara de Belém requeria aos seus oficiais não diferiam, aparentemente, na sua essência, do que se praticava nos demais conselhos portugueses. Contudo, eram divergentes as interpretações sobre essas qualidades ou a sua ausência quando feitas pelos envolvidos nas querelas sobre as eleições, sendo, então, muitas vezes distorcidos e manipulados os argumentos nos pleitos, como iremos analisar mais adiante.

Até aqui, esse poderia ser mais um episódio de controvérsia envolvendo o resultado eleitoral, em meio a outros tantos vivenciados pelo senado da Câmara de Belém ao longo do século XVIII. E poderia ser facilmente inserido nos exemplos apontados pelos novos estudos sobre o papel das câmaras na formação da nobreza da terra no Brasil.33 33 Sobre as formas de nobilitação utilizadas no Brasil durante o período colonial e, em especial, a apreciação da relação entre nobreza da terra e os cargos da república, ver: SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ser nobre na Colônia. São Paulo: Unesp, 2005, p. 138-148. Conquanto esse viés analítico seja o nosso horizonte, ele não é a nossa meta principal neste artigo. Como já dissemos anteriormente, não é nossa intenção fazer aqui um estudo específico sobre a atuação da Câmara de Belém ou dos seus conflitos particularmente. Optamos, neste momento, por uma abordagem mais circunscrita, privilegiando mais a história dos agentes envolvidos em particular.

Isto porque, na medida em que íamos reconstituindo a querela dessa eleição, percebemos que, em face do cruzamento de algumas informações dispersas no arquivo e aparentemente sem conexão entre si, se delineava uma história um pouco mais complexa que extrapolava o universo camarário, embora não o excluísse como palco. Instigou-nos, primeiro, saber que o conflito girava em torno de disputas pessoais entre os camaristas e que tais situações não eram incomuns, ou seja, já vinham ocorrendo com certa frequência e continuaram para além do período do caso em questão. Restava então, para a sua compreensão, saber mais sobre quem eram os seus protagonistas e qual havia sido a motivação para envolverem-se diretamente nessas disputas.

Assim, o primeiro passo foi buscar reconstituir um pouco da história de Luís Francisco Barreto. Natural da vila de Aveiro, Luís Barreto havia estudado por oito anos na Universidade de Coimbra, mas, tendo ficado órfão e sem recursos, não pode concluir os estudos.34 34 No século XVII, os cursos de direito na Universidade de Coimbra teriam duração de oito anos, de acordo com Camarinhas, sendo seis anos para a obtenção do diploma de bacharel e mais dois anos complementares para concluir a formação, pelo que se depreende que Barreto estaria prestes a se formar, daí a autorização para exercer a função de advogado, mas não lhe permitia ascender aos cargos da magistratura da Coroa. Cf. CAMARINHAS, Nuno. Juízes e administração da justiça no Antigo Regime: Portugal e o império colonial, séculos XVII e XVIII. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 237-38. Entretanto, informado por seu irmão João Marques Barreto, que se encontrava estabelecido desde 1739 na capitania do Pará como tabelião, de que lá havia grande necessidade de letrados, resolveu por isso, em meados de 1740, embarcar para o Estado do Maranhão. Antes de partir, recebeu uma provisão régia para poder advogar naquele Estado por dois anos, após os quais seria o seu desempenho avaliado pelo ouvidor. Pouco tempo depois de fixado no Pará, casou-se com d. Gerarda Guedes de Sá, filha do capitão Bento Guedes de Sá, também este natural do reino, mas que se tornara cidadão da cidade de Belém, aonde chegou a ser vereador.35 35 Representação de Luís Francisco Barreto ao rei, posterior a outubro de 1741. AHU, Pará, caixa 26, documento 2429. D. Gerarda Guedes era uma jovem viúva, cujo falecido marido, o capitão Manoel Porto Freire, lhe deixara como herança uma fazenda de gado na ilha do Marajó. Assim, talvez movido pelo interesse de expandir os negócios da propriedade, Luís Barreto teria conseguido arrematar o contrato das carnes na quaresma do ano de 1741. Por seus bons procedimentos na capitania, em 9 de setembro de 1741, Luís Francisco Barreto foi provido pelo governador na ocupação de procurador da Coroa e Fazenda da capitania do Pará.36 36 Provisão de procurador da Coroa e Fazenda do Pará, 9 de setembro de 1741. AHU, Pará, caixa 26, documento 2429. Em outubro de 1741, o ouvidor geral do Pará, dr. Salvador de Sousa Rebelo, ao rei recomendava que lhe renovasse a licença de advogar, atestando sua capacidade e conduta louvável naquele Estado, indicando ser ele "o melhor [advogado] que nele se acha".37 37 Carta do ouvidor ao rei, 3 de outubro de 1741. AHU, Pará, caixa 24, documento 2250. Uns poucos dias antes, com vimos, em 30 de setembro, havia sido eleito almotacé para o último trimestre de 1741.

Aparentemente, a vida corria muito bem para Luís Barreto, pois, em pouco mais de um ano depois de sua chegada ao Pará, se encontrava casado, prosperando na sua atividade profissional e recebendo por parte das autoridades locais os melhores elogios de sua conduta. O que então teria causado tamanha rejeição ao seu nome para almotacé? Seria por ser considerado de baixa "qualidade" e por isso não era aceito pelos verdadeiros cidadãos? Ou, ao contrário, por ser visto como um reinol qualificado que disputava o espaço de poder com os cidadãos da terra? Certamente a explicação passa pelo aspecto da sua procedência e qualidade, como veremos adiante, mas essa não é a única explicação para os fatos. Outros aspectos foram sendo revelados pela própria dinâmica que a querela tomou, transcendendo o fato em si. Alguns surgiram de forma sutil, em meio a uma demanda transversal ao caso, enquanto outros foram muito mais explícitos e enfáticos.

O primeiro indicativo de que a eleição era apenas a parte mais visível da questão nos é revelado pelo próprio Luís Barreto. Em finais de outubro de 1741, ele encaminhou ao rei uma longa representação contra o sargento-mor Antônio Ferreira Ribeiro e alguns de seus parentes. Nela, relatava que, no ano anterior, quando estava de partida para o Maranhão, fora procurado por uma viúva chamada Josefa Luísa, moradora em Lisboa, que lhe rogou se tornasse seu advogado e como procurador lhe representasse numa execução de dívida que tinha contra o sargento-mor Antônio Ferreira Ribeiro e o cunhado deste, o coronel Gaspar de Siqueira Queirós, e um terceiro não nominado, todos moradores no Pará. Aceitando o encargo, assim que chegou deu conhecimento ao ouvidor e iniciou os trâmites para o cumprimento da sentença contra Gaspar Siqueira e Antônio Ferreira Ribeiro.

Entretanto, segundo Luís Barreto, o sargento-mor que tinha um feitio "mais belicoso" e estava acostumado a não pagar aos seus credores, pediu vistas da executória a fim de se defender. E como estava acostumado a destratar as pessoas, introduziu Ferreira Ribeiro uma nota nos autos em que dizia que Luís Barreto "não era pessoa capaz de substabelecer os poderes daquela procuração por sua má letra e sinal". E agia assim com o intuito de menosprezar o advogado que como tal era nobre.38 38 Dominar o discurso escrito no século XVIII compreendia, basicamente, duas características: a capacidade física de desenhar as letras - ou seja, a parte gráfica - e a capacidade de usar a escrita como uma ferramenta de persuasão e poder. Assim, saber escrever neste período implicava em atenção ao ato físico de escrever e às implicações intelectuais do que era escrito. Portanto, ser acusado de "má letra" era uma ofensa à parte estética da escrita e, mais do que isso, uma injúria às capacidades do domínio intelectual da escrita. Para saber mais, conferir: CONCEIÇÃO, Adriana Angelita da. Sentir, escrever e governar: A prática epistolar e as cartas de d. Luís de Almeida, 2º marquês do Lavradio (1768-1779). Tese de doutorado, História social, Departamento de História, Universidade de São Paulo, 2011. Voltando os autos para o suplicante, este não se intimidou e respondeu com outra anotação que replicava: "isto qualquer pedaço de mameluco o pode fazer". Na sua representação, Luís Barreto alegava ao rei que sua resposta não tinha nenhuma intenção de desabono ou de provocação ao sargento-mor, visto que, na cidade, segundo ele, "há infinitos mamelucos e estes todos fazem procurações, por sua mão, letra e sinal, e são admitidos em juízo".39 39 Representação de Luís Francisco Barreto ao rei, posterior a outubro de 1741. AHU, Pará, caixa 27, documento 2531.

Com certeza a nota não foi assim interpretada pelo sargento-mor que não ficaria apenas num jogo de palavras asperamente trocadas por escrito; tal atitude viria a custar caro ao Luís Barreto, como ele mesmo continua relatando. Na quinta-feira santa do ano de 1741, estando Luís Barreto visitando as igrejas da cidade, passando defronte às portas da casa do coronel Gaspar Siqueira, foi surpreendido por dois índios e um negro servo do sargento-mor que, armados de uns porretes que na terra chamam de "borassangas", lhe agrediram violentamente. Para escapar da morte, precisou correr para sua casa, sendo que o ocorrido se passou na frente de várias pessoas. Nos dias seguintes, andou pela cidade o sargento-mor sempre acompanhado de uma escolta de soldados e um grande número de escravos armados com os ditos porretes e outras armas ofensivas, bem como se fazendo acompanhar de sua parentela. Entre eles estava seu genro que era justamente Luís Pourat e Castro, dando mostras públicas o sargento-mor de sua força, mascarando-a sob o pretexto de que o queriam matar.

O extenso relato nos apresenta informações importantes sobre o comportamento do sargento-mor e sua parentela. Não se limitando a expor somente seu caso, Luís Barreto enumera outros tantos ocorridos com outros moradores, pois, segundo ele, eram o sargento-mor, seu genro e seu cunhado homens "soberbos, poderosos, régulos e acostumados a mandar descompor, e espancar as pessoas honradas", principalmente aqueles que lhes cobravam o que eles lhes deviam. Assim, pelo seu relato, observamos que era frequente a intimidação e o uso da força por parte do sargento-mor e sua família contra aqueles que lhes eram contrários. O uso das "borassangas" se dava contra qualquer pessoa, segundo Barreto, mas se aplicava especialmente contra os reinóis, a quem direcionavam com tanta intencionalidade as surras que assim descrevia o interesse dos mandantes: "cuja vontade e sede parece só se saciaria bebendo lhe o sangue se preciso fosse". Resume dizendo que são tantos os distúrbios causados na cidade pelos sobreditos que se envolvem "no governo da república e nas eleições das justiças, fazendo oficiais dela seus apaniguados com notório suborno e ambição" e "se portarem régulos em toda a matéria, e vilipendiarem qualquer pessoa honrada".40 40 Representação de Luís Francisco Barreto ao rei, posterior a outubro de 1741. AHU, Pará, caixa 27, documento 2531.

Embora também relate brevemente o ocorrido na recente eleição de almotacé e os excessos de Luís Pourat na tentativa de impugná-lo como eleito, percebemos que, na ótica de Luís Barreto, esse problema não era o mais grave de todos os relatados. Afinal, ele havia sido empossado, mesmo em meio a certo tumulto provocado por Luís Pourat. E até aquele momento, desconhecia a queixa enviada pelos camaristas descrita anteriormente. Pelo seu relato, os protestos contra ele ocorridos durante a eleição para almotacé não passavam de mais um dos inúmeros exemplos dos desacatos e distúrbios que aquela família causava na cidade. E que agiam assim por contarem com a omissão do governador que nada fazia para remediar, insinuando Luís Barreto que o governador procedia desse modo talvez por temer o sargento-mor ou por ser compadre de Luís Pourat. Dessa forma, centrou toda a sua queixa contra o fato de ter sido escandalosamente atacado e que, tendo em vista tão "injuriante delito e desacato" cometido a mando de pessoas tão poderosas na terra, argumentava que somente o poder do rei poderia ter vigor para que fossem aqueles castigados como mereciam pelo desacato cometido.

Antes que avancemos nas análises dos desdobramentos que esse processo tomou, faz-se necessário apresentar um pequeno perfil da trajetória pessoal e familiar de Antônio Ferreira Ribeiro. Sua família era uma das mais antigas estabelecidas no Pará, seu avô paterno chamava-se igualmente Antônio Ferreira Ribeiro e chegou ao Pará em meados do século XVII, sendo natural de uma das ilhas portuguesas, provavelmente da ilha da Madeira. Ao se fixar na capitania do Pará, tornou-se senhor de um engenho de açúcar e, em 1700, figurava entre os vereadores da Câmara de Belém.41 41 Informações prestadas por seus descendentes na segunda metade do século XVIII dão conta que teria exercido o cargo de ouvidor, capitão-mor no Pará e seria também cavaleiro professo da Ordem de Cristo. Todavia, estas informações ainda carecem de comprovação. Direção Geral de Arquivos/Torre do Tombo (DGARQ/TT), Feitos findos, justificações de nobreza, maço 9, n.º 36. Casou com d. Aguéda Maria Bittencourt, filha do capitão-mor do Pará Feliciano Correia42 42 Feliciano Correia era natural de Pernambuco. Por seus serviços prestados como militar por 17 anos na capitania de Pernambuco, na Bahia e no Maranhão recebeu pensão efetiva de 30 mil réis em uma das comendas da Ordem de Santiago em 11 de julho de 1654 (DGARQ/TT, portarias do reino, volume 3, fl. 57). Foi nomeado capitão-mor do Pará e governou a capitania várias vezes: 1644-1646, 1656-1658, 1665-1666, 1669-1670. Catálogo dos capitães-mores do Pará. Biblioteca Pública de Évora, códice CVX/ 2-14, fl. 208. e d. Maria Teixeira que, por sua vez, era filha do capitão-mor Pedro Teixeira que foi um dos primeiros descobridores e conquistadores do Estado do Maranhão.43 43 Pedro Teixeira casou com d. Catarina de Bittencourt. Lutou contra os franceses, ingleses, holandeses e índios na defesa do Estado do Maranhão (Informação sobre serviços, posterior a 1618. AHU, Serviço das partes, caixa 1, documento 1). Chefiou a viagem pelo rio Amazonas até Quito em 1637 de onde retornou em 1639. Como capitão-mor do Pará governou de 28.02.1640 a 06.05.1641. Faleceu em 1641 quando viajava do Maranhão para Lisboa para tratar de assuntos particulares (Cf. BERREDO, Bernardo Pereira. Anais históricos do Estado do Maranhão. 4ª edição. Rio de Janeiro: Tipo editor, 1988 [1749], p. 192). Seu filho, João Ferreira Ribeiro, seguiu a carreira militar sendo capitão de infantaria de ordenança dos filhos dos cidadãos da Cidade do Pará (1709) e sargento-mor do terço das companhias de infantaria das ordenanças (1712).44 44 Patente de confirmação de capitão de infantaria de ordenança dos filhos dos cidadãos a João Ferreira Ribeiro, 1 de fevereiro de 1709. DGARQ/TT, Chancelaria de D. João V, livro 31, folha 165 v; Patente de confirmação de sargento-mor a João Ferreira Ribeiro, 14 de janeiro de 1712. DGARQ/TT, Chancelaria de D. João V, livro 37, folha 169. Edificou um engenho real de açúcar no rio Acará e outro no rio Itapecuru, se tornando um dos mais abastados senhores de engenho. Casou João Ferreira Ribeiro em primeiras núpcias com d. Catarina de Morais Bittencourt, filha de Manoel Morais, natural do reino, senhor de um engenho de açúcar no Pará45 45 Carta de sesmaria nas cabeceiras do rio Acará, concedida em 4 de julho de 1707, confirmada em 11 de novembro de 1707. Arquivo Público do Pará [APP], Sesmarias, livro 15, fl.. 26 v; Carta de sesmaria no rio Itapecuru, concedida em 5 de julho de 1718, confirmada em 5 de abril de 1724. APP, Sesmarias, livro 15, fl. 27 v. que foi vereador da câmara (1690). Seus cunhados eram igualmente importantes donos de engenho e serviram em vários postos militares de destaque, por exemplo, Hilário de Morais Bittencourt foi o primeiro a exercer o cargo de coronel das ordenanças da capitania de Pará em 1708.46 46 Patente de confirmação de coronel das ordenanças da capitania do Pará a Hilário de Moraes Bittencourt, 6 de dezembro de 1708. DGARQ/TT, Chancelaria D. João V, livro 32, folha 232. Ficando viúvo, João Ferreira casou em segundas núpcias com d. Catarina de Oliveira Franca, filha de André de Oliveira Pinto, cidadão que ocupou o cargo de secretário de Estado, serviu de juiz ordinário e no senado da Câmara de Belém e era casado com d. Juliana Pestana da Franca.

Da união de João Ferreira Ribeiro com d. Catarina Bittencourt nasceu Antônio Ferreira Ribeiro que, em 1721, casou com d. Ângela de Oliveira Franca, irmã de sua madrasta, d. Catarina de Oliveira Franca, as quais, por sua vez, eram netas pela parte materna do capitão-mor João Duarte Franco.47 47 Carta patente de sargento-mor a João Duarte Franco, 28 de janeiro de 1687. DGARQ/TT, Chancelaria D. Pedro II, livro 48, folha 13; Carta patente de capitão-mor do Maranhão a João Duarte Franco, 14 de março de 1693. DGARQ/TT, livro 21, fl. 294. Mantendo a tradição da família, herdou algumas terras pela morte de sua mãe e nelas edificou o engenho Santo Antônio, localizado no rio Guajará-mirim, expandindo suas propriedades até a ilha de Joanes para criação de gado para o seu engenho.48 48 Carta de confirmação de sesmaria a Antônio Ferreira Ribeiro na ilha de Joanes, 5 de março de 1737. DGARQ/TT, Chancelaria D. João V, livro 129, folha 73 v. Foi vereador da câmara e juiz ordinário (1736 e 1742). E, por ser filho e neto de cidadãos e pertencer às principais famílias, Antônio Ferreira Ribeiro cedo se incorporou à Companhia da Nobreza49 49 Companhia criada por volta de 1698, por ordem régia, a semelhança de outras partes do reino, na qual pudessem se alistar especificamente os cidadãos e seus descendentes, sem se misturarem aos demais moradores. Para maiores detalhes ver: ROCHA, Rafael Ale. A construção da nobreza no Pará setecentista. In: CALAINHO, Daniela Buono (org.). Caminhos da intolerância no mundo ibérico do Antigo Regime. No prelo. chegando a alferes, passando a capitão das ordenanças (1725)50 50 Patente de confirmação de capitão de infantaria de uma das companhias de ordenança da cidade de Belém do Grão Pará a Antônio Ferreira Ribeiro, 25 de janeiro de 1725. DGARQ/TT, Chancelaria D. João V, livro 64, folha 269. sob o comando de seu tio, o coronel Hilário Moraes Bittencourt, e, mais tarde, foi confirmado sargento-mor do terço das companhias de infantaria das ordenanças (1732),51 51 Patente de confirmação do posto de sargento-mor da ordenança de infantaria a Antônio Ferreira Ribeiro, 9 de outubro de 1732. DGARQ/TT, Chancelaria D. João V, livro 85, folha 64 v. o qual, por sua vez, era ocupado por seu cunhado Gaspar de Siqueira Queirós.52 52 Casado com d. Teresa Luíza Maria Bittencourt, filha de João Ferreira Ribeiro e d. Catarina de Morais Bittencourt. Em 1727, Gaspar Siqueira Queirós recebeu o hábito da Ordem de Cristo pelos serviços prestados por seu pai o sargento-mor Mateus Siqueira de Carvalho que havia servido por 27 anos no Pará e pelos serviços de seu avô materno, Antônio Lameira Franca, cavaleiro fidalgo que lutou em Pernambuco contra os holandeses, que se fixou na capitania do Pará onde foi ouvidor, escrivão da fazenda e capitão-mor no século XVII (Carta de hábito e alvará de cavaleiro, 21 de novembro de 1727. DGARQ/TT, Chancelaria da Ordem de Cristo, livro 182, folha 453).

Em 1742, o governador lhe deu patente para o posto vago de coronel da ordenança, devido à morte do coronel Gaspar Queirós. Contudo, quando, em 1743, pediu pela confirmação da patente no reino, esta foi recusada por haver ordem para a extinção de tais postos, com a ordem para que fosse Antônio provido no posto de capitão-mor. Enquanto o governador se encarregava de dar informações ao rei, Antônio Ferreira escrevia ao cardeal João da Mota, secretário de Estado, em 1744, para que, valendo-se de sua proteção, se confirmasse a sua patente de coronel.53 53 Carta do coronel António Ferreira Ribeiro ao cardeal d. João de Mota e Silva, 8 de novembro de 1744. AHU, Pará, caixa 27, documento 2543. Após uma intensa troca de correspondência entre o governador e o reino, nas quais este defendia a permanência de Antônio Ferreira no cargo, alegando entre outras questões que não havia em todas as capitanias do Estado "mais que um só coronel criado pelo Rei" e que Antônio Ferreira era "um dos mais respeitados e estabelecidos moradores da capitania do Pará", que havia servido nos cargos de juiz e vereador, afirmando que era "o mais zeloso do bem comum, e boa ordem em tudo o que pertence a republica, circunstâncias que não achei em outros muitos",54 54 Carta do governador ao rei, 16 de dezembro de 1745. AHU, Pará, caixa 29, documento 2726. finalmente, em 1747, considerando as informações de "ser um dos moradores da principal nobreza daquela cidade", Antônio Ferreira recebeu patente de marechal de campo dos auxiliares da capitania do Pará.55 55 Carta de confirmação de patente de marechal de campo dos auxiliares da capitania do Pará a Antonio Ferreira Ribeiro, 28 de fevereiro de 1747. DGARQ/TT, Chancelaria D. João V, livro 114, folha 245.

Esta é apenas uma pequena síntese da trajetória da família Ferreira Ribeiro até a década de 1740, com o intuito de apontar não apenas os laços familiares diretos, mas também alguns dos parentes colaterais que se forjavam nos casamentos entre as famílias nobres da terra, bem como indicar estes indivíduos nos exercícios de diversos cargos da governança, cargos militares e outras atividades que os distinguiam e os legitimavam na sociedade paraense setecentista.

* * * * *

Chamamos a atenção para o fato de que o processo envolvendo a eleição de Luís Barreto e as queixas deste contra o sargento-mor Antônio Ferreira Ribeiro tramitaram no Conselho Ultramarino quase simultaneamente. Porém, mesmo tendo os processos muito em comum (procedência, pessoas envolvidas e informações complementares), foram vistos de forma isolada, não percebendo os conselheiros a conexão entre eles, de forma que as decisões foram independentes e não sofreram influência mútua. Assim, o Conselho, apreciando a queixa de Luís Barreto em abril de 1742, recomendou que o governador desse seu parecer e achando-se verdadeira a representação mandasse prender os acusados.56 56 Parecer do procurador da Coroa passado na representação de Luís Francisco Barreto, posterior a 30 de abril de 1742. AHU, Pará, caixa 27, documento 2531. Pouco tempo depois, em maio de 1742, a queixa dos camaristas recebeu uma resposta igualmente rigorosa do Conselho, ordenando ao governador a apuração e punição das denúncias, bem como a supressão dos privilégios dos eleitos contra as leis estabelecidas.57 57 Carta do rei ao governador, 29 de maio de 1742. AHU, Pará, caixa 26, documento 2461.

As orientações do Conselho, num primeiro momento, teriam sido similares na medida em que recomendavam a averiguação e punição aos culpados, demostrando assim alguma imparcialidade com os casos. Por outro lado, no Pará, as conexões dos casos não passavam despercebidas, tanto que, na hora da execução das ordens pelas autoridades locais, estas se manifestavam considerando o contexto e os sujeitos envolvidos. Senão vejamos: em resposta à ordem régia que tratava da representação de Luís Pourat e outros, o governador João Abreu Castelo Branco, em setembro de 1742, afirmava que a controvérsia da eleição de Luís Barreto havia nascido mais da "aversão e discórdia" que existia entre os camaristas do que "da indignidade do eleito".58 58 Carta do governador ao rei, 3 de setembro de 1742. AHU, Pará, caixa 24, documento 2312. Posto que Luís Barreto não fosse um dos cidadãos da terra, visto ser proveniente do reino, ele havia se casado com uma filha de cidadão dos principais da cidade e havia sido nomeado procurador da Coroa e Fazenda, o que, portanto, o habilitava ao cargo de almotacé. E que não havia mandado prender aos votantes, Guilherme Brussem e Manoel Alvares de Castro, ainda que tivessem procedido com algumas "incivilidades e violências", conforme a queixa apresentada ao rei, porque a câmara, em outras oportunidades, já havia elegido homens mecânicos por conta da ação facilitadora ou negligente dos próprios camaristas.59 59 De fato, em 1740, a eleição de um almotacé considerado de "baixa qualidade" havia gerado uma forte contenda contra o juiz ordinário Domingos Serrão de Castro e o vereador Mateus de Siqueira Chaves que o apoiaram. Após análise de uma queixa contra eles no Conselho Ultramarino, foram proibidos de servir em cargos da República (Cf. Carta do rei ao governador, 26 de abril de 1742. AHU, códice 270, fl. 354, carta régia de 26 de abril de 1742).

A respeito da questão de como se adquiria a qualidade de cidadão, nos valemos da investigação do historiador Francisco Ribeiro da Silva sobre a administração municipal do Porto, durante o período da União Ibérica, na qual estudou a estratificação da sociedade portuense. O autor, em sua análise sobre os cidadãos do Porto, destacou que, entre as formas de adquirir a qualidade de cidadãos, estava a do nascimento, ou seja, ser descendente direto de um cidadão, consagrada na frase "filho e neto de cidadãos", sendo esta uma via prioritária, mas não a única. Poderia ainda ser considerada a qualidade de cidadão naqueles que: a) por merecimento, recebiam do rei o privilégio; b) por via institucional, aqueles que tinham exercido determinadas funções na governança; c) pelo casamento com filhas de cidadãos e, por fim, d) pelas letras, sendo meritório o fato de ser letrado.60 60 SILVA, Francisco Ribeiro. O Porto e seu termo (1580-1640), op. cit., vol. 1, p. 320-324. Como podemos observar, tais mecanismos de aquisição da qualidade de cidadão apontados por Francisco Silva corroboram a avaliação feita pelo governador, na qual Luís Barreto se enquadrava perfeitamente no perfil social desejado para ser eleito como almotacé e como tal adquirir o título de cidadão.

Posto isto, voltemos à ordem régia de 29 de maio de 1742 e às reações a ela por parte dos interessados. Percebemos, ao observar os documentos produzidos, que dois movimentos foram deflagrados quase em simultâneo. Um movimento foi mobilizado pelo próprio Luís Francisco Barreto e o outro pelos oficiais da câmara. Aparentemente, num primeiro momento, os documentos parecem ser singulares, mas, colocando-os em confronto, percebemos que algumas questões transpassam os diferentes casos e se complementam quando são comparadas as informações. Por conta disso, não devem ser analisados de forma isolada, sob pena de perdermos a compreensão da sua dinâmica mais profunda, porque tais reações por parte dos envolvidos são reveladoras do modo como se mobilizava a elite local e da forma como usavam a seu favor as suas prerrogativas.

Vejamos primeiro o movimento iniciado por Luís Francisco Barreto. No principio de setembro de 1742, Barreto teve conhecimento da chegada da carta régia na qual era citado o seu caso na eleição de almotacé, mas, sem ter acesso ao teor da carta régia, chegavam-lhe somente os rumores que haviam sido espalhado por Antônio Ferreira e seu genro Luís Pourat sobre o seu conteúdo de que as ordens eram para riscarem seu nome dos livros da câmara. Por conta disso, pediu vistas ao governador para poder proceder com o pedido de nulidade e embargos. Negando-lhe o governador o pedido de vistas, relatou-lhe apenas o que ele já dissera ao rei, que não iria prender ninguém e que ele fora bem eleito almotacé pela sua capacidade e qualidade.61 61 Representação de Luís Barreto, finais de outubro de 1742. AHU, Pará, caixa 26, documento 2429. Entretanto, Luís Barreto não ficou satisfeito com a resposta e resolveu então montar um dossiê com vários documentos a fim de mostrar ao rei, através de certidões juramentadas, tudo o que afirmava de si (provisões para advogar, provisão de procurador da Coroa e Fazenda, atestados de bom procedimento, entre outros) e do que se queixava a respeito do procedimento de Antônio Ferreira e sua parentela. Percorreu, então, vários cartórios da cidade, entre os meses de setembro e outubro, fazendo pedidos à ouvidoria, à câmara e aos tabeliões de notas de cópias dos documentos para poder enviar na próxima frota que partiria para o reino.

Mais uma vez, o relato de Luís Barreto é minucioso nos detalhes e nas referências apresentadas. Bem articulado, ele vai elencando uma série de acontecimentos que visam expor as atividades que contra ele e outros "homens bons" foram praticados por Ferreira Ribeiro e sua família. Os depoimentos certificados, entre outros documentos, não só confirmavam as informações e denúncias relatadas em sua representação como também serviam para sustentar o seu argumento de que os desacatos por ele sofridos eram promovidos injustamente por ser ele um "homem bom", letrado e, por isso, nobre.62 62 Segundo Thiago Enes a denominação de "homem bom" deve ser observada como "algo mais complexo do que a simples associação do indivíduo ao grupo dos melhores homens da terra", uma vez que ela "traduzia a possibilidade de acesso ao conjunto de privilégios disponibilizados aos cidadãos da monarquia portuguesa, especialmente o de ocupar cargos da governança, e o direito de participar do jogo eleitoral, nos termos então vigentes" (ENES, Thiago. De como administrar cidades, op. cit., p. 149). Por exemplo, no que se refere ao embargo contra a sua eleição para almotacé, apresentava provas de que, já na altura das eleições, era procurador da Coroa e da Fazenda na capitania, e outros cidadãos que também serviram na câmara, como o capitão Baltazar do Rego Barbosa e Manoel Barbosa Martins, igualmente tinham arrematado o contrato das carnes e nem por isso tiveram seus nomes riscados ou foram expulsos da câmara; que Luís Pourat não era filho nem neto de cidadãos da terra, visto que era nascido no Estado do Brasil63 63 Declaração de Joao Furtado de Mendonça, 24 de outubro de 1742. AHU, Pará, caixa 26, documento 2429. e tão-somente havia se casado com a filha do cidadão Antônio Ferreira Ribeiro; assim sendo, concorria nele as mesmas condições que servia a Luís Pourat para ser vereador, qual seja, ser genro de um cidadão que havia servido na câmara. Demostrava também, com base em cópia da sentença emitida, que quando Luís Pourat foi eleito para vereador estava sentenciado pelo Tribunal da Relação pela culpa de mandar surrar com as ditas borassangas Clemente Pereira Fidalgo.64 64 Cópia de certidão de sentença contra Luís Pourat de Castro, 21 de fevereiro de 1742. AHU, Pará, caixa 26, documento 2429. Em 1739, Luís Pourat foi acusado de mandar espancar Clemente Pereira Fidalgo; em 1741, foi sentenciado em Belém e pela Relação no ano seguinte. O que se observa nos argumentos de Luís Barreto é que ele tinha plena consciência do alcance político da sua qualidade social e das implicações que gerava o não reconhecimento dela pelos poderes locais, daí a persistente defesa da preservação dos seus privilégios a semelhança de outros casos em que concorriam as mesmas condições por ele compartilhadas.

Ocorre que, no interstício de 1742, entre os escolhidos para atuar nos ofícios camarários, estava ninguém menos que o sargento-mor Antônio Ferreira Ribeiro, eleito como juiz ordinário, e como tal presidente da câmara. Desse modo, todos os esforços de Luís Barreto para conseguir as certidões da câmara em tempo hábil, antes de partirem os navios para o reino, foram inviabilizados ao máximo por Antônio Ferreira. Este também não deixava de expressar seu desprezo ao suplicante, declarando, numa das petições em que Luís Barreto reclamava do retardo dos despachos, que o suplicante "se aconselhasse com letrado". Foi preciso, então, que Luís Barreto recorresse ao ouvidor para que este mandasse o escrivão da câmara passar as certidões pedidas. Mas nem por isso o pedido foi cumprido. Levando para casa as petições, o escrivão Manoel Pinheiro Lacerda protelou por dias a entrega dos mesmos ao meirinho da câmara que instava em cobrá-lo, mas que, por fim, acabou mesmo por não fazer as certidões.65 65 Atestado do meirinho da câmara João dos Santos, 24 de outubro de 1742. AHU, Pará, caixa 26, documento 2429. Sucede ainda que Pinheiro Lacerda, que havia redigido aquela certidão que serviu como testemunho oficial sobre o ocorrido na eleição de 1741, era também primo de Antônio Ferreira Ribeiro, o que o colocava dentro da rede de parentela dos Ferreira Ribeiro.

Na ausência dos documentos requeridos da câmara, Luís Barreto não se resignou. Em finais de outubro de 1742, tirou certidões autenticadas pela ouvidoria das petições que encaminhou à câmara, nas quais constavam todos os itens que solicitara, bem como um testemunho jurado do meirinho de toda a questão que envolvia a omissão do escrivão na confecção dos documentos, e ainda tentou fazer uma justificação de testemunhas, mas estas acabaram sendo intimidadas pelo procurador da câmara a mando de Antônio Ferreira Ribeiro.

Outras informações contidas nessa segunda representação são bastante reveladoras sobre a forma como estavam sendo tratados os reinóis que pretendiam ascender aos privilégios de cidadãos, mas que, não fazendo parte da rede clientelar da família Ferreira Ribeiro ou sendo seus desafetos, passavam por vários constrangimentos ou eram alvos de perseguições engendradas pelos mesmos, escapando somente os seus aliados. Cita como exemplo o caso de Lázaro Fernandes Borges, que havia sido eleito para vereador naquele ano de 1742, mas foi impedido de servir por embargos de Antônio Ferreira que o considerava "vil" por ser cirurgião,66 66 Os cirurgiões eram considerados inferiores socialmente devido a sua formação prática, adquirida no cotidiano da profissão, diferente dos médicos cuja formação era universitária. Assim se contrapunha a técnica de um com a atividade intelectual do outro, sobretudo na exigência do trabalho manual de um cirurgião e que, portanto, o aproximava das profissões mecânicas (SILVA, Maria Nizza da. Ser nobre na Colônia, op. cit., p. 23). embora, de acordo com Luís Barreto, ele fosse homem branco, natural do reino, "casado com uma filha de cidadão das boas famílias desta cidade" e ser ele abastado de bens. E que não conseguia Lázaro Borges se defender porque lhe estavam "fechadas também as portas da defesa pelo valor de Antônio Ferreira".67 67 Representação de Luís Barreto, finais de outubro de 1742. AHU, Pará, caixa 26, documento 2429. A mesma oposição havia ocorrido com Cláudio Antônio de Almeida que era, igualmente, procedente do reino, mas que havia casado com a filha de Pedro Cavaleiro, cidadão dos mais antigos, cavaleiro do hábito da Ordem de Cristo e escrivão da Fazenda do Pará. Sendo Cláudio Almeida pessoa muito qualificada tentou entrar como oficial da câmara, mas recebeu a oposição de Antônio Ferreira que, de acordo com Luís Barreto, assim procedia com outros reinóis que, mesmo não tendo "mancha alguma em seu sangue", são por Ferreira Ribeiro descompostos e chamados de "vis e ridículos" e, por isso, "os há de perseguir, extinguir".

Como se pode depreender pelo relato de Luís Barreto, as vexações não ocorriam somente com ele, nem se limitavam aos reinóis. De acordo com o relato, as ações ardilosas da família de Ferreira Ribeiro se estendiam a várias pessoas, de tal forma que, afirmava Barreto, "quase toda esta cidade sente uma total confusão com os seus enredos, e somente deles escapam os seus aliados". Para ilustrar essas ações, mencionaremos, dentre os casos citados na representação, o que se refere a Guilherme Brussem de Abreu que tinha o foro de fidalgo da Casa Real,68 68 Alvará de cavaleiro fidalgo, 26 de fevereiro de 1724. DGARQ/TT, Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, livro 15, f. 339 v. senhor de engenho e "bem procedido" e havia servido como vereador na câmara em 1741 como vimos. Ocorre que Guilherme Brussem era cunhado de Antônio Ferreira Ribeiro, por ter casado com d. Catarina de Oliveira Franca, irmã da esposa de Ferreira Ribeiro, mas mantinha com este um vínculo complicado.69 69 Isto porque d. Catarina de Oliveira Franca havia sido esposa de João Ferreira Ribeiro (pai de Antônio Ferreira Ribeiro). E, devido ao casamento de Antônio Ferreira com a irmã de d. Catarina em 1721, tornava-se Antônio, ao mesmo tempo, seu enteado e cunhado. Ficando viúva, ainda jovem, d. Catarina contraiu segundas núpcias com Guilherme Brussem de Abreu. Não sabemos exatamente quais foram os motivos que estimularam a animosidade de Antônio Ferreira contra Guilherme, mas inferimos que a questão passava também pela partilha dos bens, uma vez que, ao casar novamente, assumia o novo marido o patrimônio da viúva como cabeça de casal. Ao que tudo indica, por conta da partilha dos bens da sogra de ambos, d. Juliana Pestana Franca, teria sido gerada uma antipatia por parte de Antônio contra Guilherme. E aí, segundo Barreto, aproveitando a ausência do governador que havia ido ao Maranhão, em 1742, teria preparado Antônio Ferreira, com a ajuda de falsas testemunhas, uma acusação contra Guilherme pela morte por açoites de um escravo. Sendo juiz ordinário, Antônio Ferreira teria decretado a prisão de Guilherme de Abreu que buscou refúgio no convento de São Boaventura, onde ficou mais de um mês, com prejuízo de seu engenho e seus negócios particulares. Até que, chegando o governador, relaxou a ordem de prisão, concedendo a prisão domiciliar que lhe havia sido negada e, quando o ouvidor sindicante tirou a residência do juiz Antônio Ferreira, julgou nula a ação contra Guilherme. A partir desta informação, podemos compreender melhor a motivação e a acusação explícita contra Guilherme de Abreu de ter procedido contra as leis na votação de almotacé de 1741, levantada por Luís Pourat, genro de Antônio Ferreira.

Por tudo que expunha e pelos documentos que juntava à sua representação, Luís Barreto pedia ao rei que mandasse restituir-lhe a "honra e privilégios de cidadão e camarista desta cidade", pois havia sido riscado da câmara por falsas acusações fabricadas por Antônio Ferreira Ribeiro e seu genro Luís Pourat, os quais deveriam ser punidos para refrear a sua "soberba e ousadia", privando-os de ocuparem "cargos na milícia e republica por prejudiciais a tranquilidade dela", devendo ser remetidos presos para a Corte por toda a confusão que causavam e opressão que faziam aos filhos do reino.

Certamente, não terá sido por acaso que, exatamente no mesmo dia 27 de outubro de 1742, reunidos em sessão na Câmara de Belém, os oficiais dela tenham redigido duas representações encaminhadas ao rei que tratavam de questões envolvendo Luís Francisco Barreto, dando início ao que chamamos do segundo movimento em reação à carta régia de maio de 1742. Em uma representação, fizeram explícitas denúncias contra Luís Barreto e seu irmão João Marques Barreto e pediam para que fossem "recolhidos para a sua terra".70 70 Carta da Câmara de Belém ao rei, 27 de outubro de 1742. AHU, Pará, caixa 25, documento 2334. Justificavam os oficiais da câmara tal pedido por serem "leais vassalos" e como "cabeça desta republica" estavam incumbidos de promover a sua tranquilidade, sossego e harmonia, e se não houvesse castigo para os maus procedimentos dos irmãos Barreto poderia precipitar o povo e proceder "com outro modo de vingança". Alegavam os oficiais da câmara que João Marques Barreto, vindo há três anos do reino para advogar como letrado, havia se tornado tabelião e procedido muito erroneamente no ofício, fazendo procurações falsas e escrituras sem outorgas e sendo por causa disso culpado na correição.71 71 Entende-se por "correição" a ação periódica feita pelo corregedor da Comarca ou ouvidor nas vilas e cidades sob sua jurisdição, a fim de verificar a situação da justiça, por meio de devassas e visitas, tomando conhecimento das faltas cometidas. Desse modo, ao supervisionar e aplicar a justiça, ia corrigindo as faltas encontradas. De acordo com as Ordenações Filipinas, competia ao corregedor examinar também o procedimento dos tabeliães, e estando estes exercitando erroneamente o ofício, deveria ser julgado e aplicada a pena conveniente (ALMEIDA, Cândido Mendes. Código Filipino ou Ordenações e leis do Reino de Portugal. 14° edição. Rio de Janeiro: Tipografia do Instituto Philomathico, livro 1, titulo 58, 1870, p. 103; SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e sociedade no Brasil colonial. São Paulo: Editora Perspectiva, 1979, p. 5-6). E, por descompor as pessoas, foi agredido por três vezes e quase o mataram com um sovelão72 72 Significa sovela grande, que era um instrumento de ferro "em forma de haste cortante e pontiaguda, que os sapateiros e correeiros usam para furar o couro a fim de cozer". HOLANDA, Aurélio Buarque de. Novo Aurélio século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3ª edição revisada e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988. em sua própria casa.

Sobre o comportamento de Luís Barreto, diziam os camaristas que "tem procedido na advocacia com tal revoltura que não há letrados a quem não tenha satirizado em matérias injuriosas", não escapando nem os próprios ministros, quando não lhe concedem o que pretende. Descompunha por palavras os deputados da Coroa e por papéis os eclesiásticos de dignidades, como havia feito com o cônego Manoel de Almeida que era o comissário da Bula Cruzada e do Santo Ofício. Agindo igualmente com desrespeito com os seculares, "desilustrando famílias de principais nobrezas desta cidade" e chegando ao ponto de prometer dar umas bofetadas no cidadão Antônio Faria de Equevedo73 73 Antônio Faria de Equevedo nasceu em Belém por volta de 1663. Desconhecemos a sua ascendência, mas temos conhecimento de sua atuante participação na cidade. Foi provedor da Fazenda (1693), vereador da câmara várias vezes (1697, 1705, 1732 e 1733) e procurador dos índios (1737-1738). que era das principais nobrezas, movido sem maior motivo pelo seu "ânimo revoltoso que totalmente tem desinquietado a maior parte dos moradores". Por tal comportamento, Luís Francisco já havia sido espancado por duas vezes.

Na outra representação mais elaborada e que tratava de questões que se referiam às eleições para os cargos do senado da câmara, diziam que, em repetidas representações feitas pela câmara, se tinha demonstrado ao rei que nela vinham entrando com frequência homens "inúteis" e "indignos", fazendo com isso padecer o governo. Para tanto, citavam como exemplos a eleição de almotacé de 1740, na qual foi eleito um homem de ofício mecânico e na qual teria concorrido o apoio do juiz ordinário Domingos Serrão de Castro. Na eleição seguinte, de 1741, havia sido eleito para almotacé a "um Luís Francisco Barreto" que havia chegado de Portugal há um ano e que era o mercador de carne do açougue. Embora essa eleição tivesse sido embargada por um "outro cidadão de verdadeira linhagem Miguel Felipe Beckman", não foram os embargos e apelações aceitos pelo juiz ordinário. E, por fim, contavam também os problemas advindos na escolha de vereador naquele ano de 1742, na qual saiu eleito vereador terceiro "um Lazaro Fernandes Borges" que, segundo eles, era um "sangrador cirurgião" que atendia tanto a brancos como a negros, ganhando sua remuneração "sem nobreza alguma", e que expedindo recurso conseguiram sustar a eleição.74 74 Representação da Câmara de Belém ao rei, 27 de outubro de 1742. AHU, Pará, caixa 26, documento 2461.

Tendo por base estes exemplos, argumentam ainda que, agindo alguns vereadores e juízes contrários às leis que regulavam as eleições, iam introduzindo na governança tantos homens sem qualidades que não havia eleição em que não fossem eleitos um ou dois contra as leis. E, por isso, se achavam destituídas de soldados as companhias das ordenanças, com grande prejuízo do serviço da República, já que estes se recusavam a servir, valendo-se dos privilégios de cidadãos. Assim, para fazer frente a tantos problemas causados, e por faltar muitas vezes a presença do governador que se ausentava para o Maranhão, e outros problemas ocorridos com os embargos levados aos ouvidores, requeriam que lhes fosse permitido ter autoridade para poderem impedir as eleições e o exercício das pessoas eleitas que não tivessem a nobreza necessária exigida pelo ofício.

Junto com a representação, encaminharam também várias cópias de transcrições de trechos em que eram descritos os privilégios concedidos, algumas cartas régias e, por fim, uma cópia dos termos de eleição e de juramento e posse do Luís Francisco Barreto de 1741.75 75 Cópia do termo de posse de almotacé de Luís Francisco Barreto, 30 de setembro de 1741. AHU, Pará, caixa 26, documento 2461. O que nos parece estranho é que não tenham sido apensados os demais termos exemplificados na representação e, de novo, Luís Barreto parecia ser o alvo. Observando atentamente o termo da eleição de 1741, verificamos que ele foi feito pelo escrivão da câmara Manoel Pinheiro Lacerda. Nele se observa, claramente, talvez já com alguma intenção maliciosa, a indicação após os votos nos nomes dos candidatos das informações "filhos e netos de legítimos cidadãos" para Miguel Beckman e José Azevedo, enquanto que, após o nome de Luís Barreto, vinha a expressão: "que é contra a lei".76 76 Cópia do termo de eleição para almotacé, 30 de setembro de 1741. AHU, Pará, caixa 26, documento 2461.

Pelo que se apresentou até aqui, pode-se depreender que o que aparentemente era um caso isolado, partindo de uma queixa específica, se materializa também em outro caso de perspectiva distinta do anterior. Como vimos, embora partindo de agentes diversos, e aparentemente de pontos de vistas diferentes, as narrativas sobre um e outro caso, colocadas assim em confronto, mostram-nos a sua complementaridade, sendo partes de um mesmo processo. Pois, a partir dos seus campos de atuação particularizados, nos revelam muito sobre a natureza daqueles que estavam em confronto. Sem entrar no mérito de quem estaria com a "razão", nem de querer criar um vilão ou um herói, o que nos interessa aqui é colocar em perspectiva essa elite colonial em construção e dar visibilidade aos seus agentes com todas as informações disponíveis.

Como dissemos anteriormente, consideramos, desde o princípio, que a querela deflagrada pela eleição de almotacé de 1741 havia posto em ação dois processos que se resumiam na busca de punição dos culpados pelo desacato e desonra contra Luís Barreto e outro que tratava dos interesses de um determinado grupo de camaristas representantes da elite local no reforço e conservação de seus privilégios. Para concluirmos a análise destes processos, é necessário observá-los agora até o seu desfecho, usando como fio condutor a exposição dos processos em simultâneo, contudo, resguardando a sua natureza e temporalidade, chamando a atenção para a sua recepção no reino e os encaminhamentos materializados nas ordens expedidas.

Ao que parece, o grande dossiê que Luís Barreto havia montado em finais de 1742 não pôde seguir na monção pretendida. Mesmo assim, ele conseguiu enviar um requerimento bem específico em que reiterava a queixa da descompostura sofrida, mas que enfatizava que a devassa ordenada no ano anterior não havia sido cumprida pelo governador. Alegava que mostrava a experiência que outros casos semelhantes envolvendo o sargento-mor haviam ficado sem provimento, talvez por ser o mesmo "compadre e intimo amigo do dito governador", pedindo então que se passasse ordem a algum ouvidor que então pudesse proceder sem "a razão de amizade de compadrio" que havia entre o governador e o "delinquente" Antônio Ferreira Ribeiro.77 77 Requerimento de Luís Francisco Barreto ao rei, c. 1742. AHU, Pará, caixa 27, documento 2531. Apreciado no Conselho Ultramarino o requerimento em fevereiro de 1743, foi considerada a suposição alegada do apoio e amizade do governador e achou-se mais conveniente que o ouvidor da comarca se pronunciasse sobre o caso.78 78 Carta do rei ao ouvidor do Pará, 23 de fevereiro de 1743. AHU, Pará, caixa 27, documento 2531. A partir de então, todo o processo referente ao espancamento irá correr com base nas informações do ouvidor.

O pleito da câmara quanto a ter a autoridade de impedir a eleição de pessoas que não tivessem a nobreza necessária para o cargo também foi encaminhado ao ouvidor para emitir o seu parecer.79 79 Carta do rei ao ouvidor do Pará, 26 de abril de 1743. AHU, Pará, caixa 26, documento 2461. O ouvidor geral do Pará, Timóteo Pinto de Carvalho, em 1743, informava ao rei que existiam leis suficientes para regular as eleições e evitar que pessoas não nobres servissem na câmara. No entanto, ocorria que pouco se utilizavam delas em algumas eleições, o que tornava a queixa sem razão. E que os "meios ordinários" existentes eram suficientes para se apelar, embargar e agravar as eleições, não carecendo criar "meios extraordinários" para isso, como o que seria criar uma autoridade própria para a câmara. Os meios existentes pela justiça garantiam que, se os juízes ordinários não aceitassem os embargos, estes poderiam ser encaminhados ao ouvidor, e deste para a Relação, caso este não fizesse justiça. Por fim, parecia-lhe ser injusto o requerimento da câmara porque, a seu ver, "usar de autoridade própria é um meio escandaloso, fomento de parcialidade e turbativo da paz, e quietação da republica".80 80 Carta do ouvidor ao rei, 20 de novembro de 1743. AHU, Pará, caixa 26, documento 2461.

Enquanto isso, no Pará, Luís Barreto não descuidava de levantar informações que corroborassem o seu litígio ou mesmo acompanhar de perto as ações em curso contra os seus desafetos.81 81 Em 1742, faleceram Gaspar Siqueira de Queirós e Luís de Pourat, porquanto as ações irão se concentrar em outras pessoas da família. Porém, algumas deliberações do ouvidor Timóteo de Carvalho acerca de determinadas situações envolvendo a família Ribeiro Ferreira não foram favoráveis aos interesses de Luís Barreto de expor os desmandos da família. Primeiro, foi a sentença por ele proferida em fevereiro de 1743, no libelo crime contra Manoel Pinheiro Lacerda por não ter cumprido o seu ofício de escrivão da câmara, faltando na sua obrigação de entregar papéis e causar prejuízo a terceiro, feita na correção de 1742. Nele, ficou apontada a interferência do juiz Antônio Ferreira que reteve em seu poder as petições de Luís Barreto encaminhadas à câmara, impedindo o escrivão, que não por acaso era seu primo, de fazê-las. E mesmo com o depoimento da testemunha que alegava ter visto as petições de Luís Barreto despachadas, o ouvidor absolveu o réu, considerando que o mesmo, como escrivão, não podia ser responsabilizado pelos atos do presidente da câmara Antônio Ferreira Ribeiro, e que Luís Barreto não tinha insistido na certidão que pedia. Proferindo em sua sentença que o absolvia em vista "do bom procedimento do réu e a qualidade da pessoa".82 82 Sentença do ouvidor Timóteo Pinto de Carvalho, 1 de fevereiro de 1743. AHU, Pará, caixa 26, documento 2429.

Requereu Luís Barreto ao ouvidor, em setembro de 1743, que fosse tirado judicialmente um instrumento de testemunhas.83 83 Assento de instrumento de testemunhas, 3 de setembro de1743. AHU, Pará, caixa 26, documento 2429. Nele, buscava justificar dois fatos: que o juiz dos órfãos, Pedro Correia Teixeira, em exercício naquele período, era tio de Antônio Ferreira Ribeiro;84 84 Era irmão legítimo de João Ferreira Ribeiro, pai do sargento-mor Antônio Ferreira. É possível que tal sobrenome diferenciado dos demais irmãos tenha sido em homenagem, pelo lado materno, ao avô Feliciano Correia e ao bisavô Pedro Teixeira. e que, em audiência pública de 17 de julho de 1743, o juiz Pedro Correia dissera "em voz alta e inteligível" que não acatava a causa que Luís Francisco Barreto como advogado representava por lhe ser contrário "em razão de que um seu parente lhe mandara dar com uns paus no suplicante". Dessa forma, tentava Luís Barreto comprovar a autoria do seu espancamento.

No entanto, o ouvidor Timóteo de Carvalho desprezou as informações contidas no instrumento que provavam que Antônio Ferreira havia assumido aos seus parentes ser o mandatário da citada surra quando enviou seu parecer ao rei em dezembro daquele mesmo ano.85 85 Carta do ouvidor ao rei, 2 de dezembro de 1743. AHU, Pará, caixa 27, documento 2531. Ateve-se ao fato de que, na época da surra, Luís Barreto não era ainda o procurador da Coroa e Fazenda. Ao que parece, aos olhos do ouvidor, a dignidade do querelante só estaria ofendida se o mesmo estivesse no exercício do cargo. Nessa mesma correspondência, deixa patente inicialmente que cumpria o seu dever independentemente do delinquente ser amigo do governador. Em seguida, informava que tinha procedido à devassa sobre a injúria da qual era acusado o atual coronel da ordenança Antônio Ribeiro e nela não constava que tivesse feito outros excessos semelhantes em que tivesse sido favorecido pelo governador, remetendo o sumário da mesma.86 86 Assento de testemunhas, 12 de novembro de 1743. AHU, Pará, caixa 26, documento 2429. Ao que parece, corresponde ao sumário citado pelo ouvidor. No entanto, o documento que é original parece incompleto e contém somente três testemunhos, sem termo de abertura ou de encerramento. Declarava ainda que não acreditava que o governador deixasse de cumprir suas obrigações em respeito a essa amizade. Porém, a resposta do ouvidor não é conclusiva a respeito da surra, pois diz que era desnecessário responder ao tema essencial da queixa, uma vez que "o suplicante que não era procurador da coroa no tempo da injuria recebida".87 87 Carta do ouvidor ao rei, 2 de dezembro de 1743. AHU, Pará, caixa 27, documento 2531.

Até aqui, temo-nos apoiado na descrição dos fatos e nos dados apresentados pelas pessoas que diretamente estavam envolvidas nas tensões, sobretudo nas detalhadas informações fornecidas por Luís Barreto.88 88 Optamos por não apontar todas as informações contidas nesta representação de mais de 10 fólios para não sobrecarregar o leitor, embora as consideramos todas igualmente relevantes. Com o intuito de contrabalançar tais informações, que poderiam ser vistas como parciais e até tendenciosas, faremos uso, como contraponto, do parecer do governador João de Abreu Castelo Branco, solicitado sobre queixa da câmara do mau procedimento dos irmãos Barreto e o pedido para que fossem expulsos do Estado.89 89 Carta do rei ao governador, 10 de maio de 1743. AHU, Pará, caixa 26, documento 2467. Como vimos, os camaristas fizeram severas denúncias sobre o comportamento dos irmãos e em seu parecer, encaminhado em novembro de 1743, o governador reconhecia que grande parte dos fatos referentes aos irmãos eram verdadeiros, em particular os fatos que diziam respeito a João Marques que era um homem orgulhoso e de "má língua".90 90 Carta do governador ao rei, 25 de novembro de 1743. AHU, Pará, caixa 26, documento 2467. E, como este estava no momento em Lisboa, seria conveniente, para ele mesmo, que não retornasse, proibindo o rei que ele embarcasse de volta ao Pará. Quanto ao outro irmão, Luís Francisco, considerava o governador que este agia no exercício de advogado com "demasiada petulância nos seus papéis". Mas, ponderava ao seu favor estar casado na cidade e não ter culpas criminais que lhe imputassem o degredo. Sendo assim, não concordava com o seu extermínio solicitado pela câmara. Todavia, não via como inconveniente que ele fosse suspenso da ocupação de advogado, como sendo uma solução "até que adquirisse a prudência de que necessita para a exercitar". Estas informações nos mostram que a forte personalidade dos irmãos Barreto e sua postura arrogante haviam de fato corroborado para agudizar os conflitos existentes entre eles e alguns representantes da elite local.

A segunda representação de Luís Barreto foi à apreciação do Conselho Ultramarino em junho de 1743, mas, mostrando-se cauteloso, o procurador da Coroa optou por deferir pelo aguardo da resposta do ouvidor e novamente este foi ordenado que desse seu parecer tendo em vista as novas representações.91 91 Despacho do procurador da Coroa, 25 de junho de 1743. AHU, Pará, caixa 27, documento 2531. Desse modo, somente em junho de 1744, foram examinados em consulta do Conselho as duas representações de Luís Barreto e a resposta do ouvidor de 1743.92 92 Consulta ao Conselho Ultramarino, 27 de junho de 1744. AHU, Pará, caixa 27, documento 2531. Os conselheiros acataram o parecer do desembargador João Alvares da Costa, procurador da Coroa, que, em face da denúncia dos delitos e excessos de Antônio Ferreira Ribeiro, devia o ouvidor tirar devassa das agressões físicas sofridas por Luís Barreto em 1741, e era conveniente que, na devassa, se perguntasse sobre os demais excessos que vinham referenciados na citada representação, enfatizando que o ouvidor "pronuncie e prenda aos culpados". Ou seja, novamente era ordenado ao ouvidor proceder devassa contra Antônio Ferreira, pois, ao que parece, não se satisfez o desembargador com o sumário enviado pelo ouvidor Timóteo de Carvalho. O Conselho concordou com esse encaminhamento, mas ordenou que fossem os presos remetidos à Casa de Suplicação e não à Relação da Bahia como havia sugerido o desembargador, e acrescentou no seu despacho um dado novo que até então não tinha sido objeto das ordens anteriores: que o ouvidor informasse com o seu parecer "sobre a restituição que pede às honras e privilégios".93 93 Carta do rei ao ouvidor do Pará, 8 de julho de 1744. AHU, Pará, caixa 26, documento 2429. Isso porque, nesta segunda representação, Luís Barreto havia construído seu argumento não somente em cima da desonra pela descompostura pública, sendo ele um letrado, mas também pela restauração de seus privilégios de cidadão porque havia uma ordem para ser riscado dos livros do senado e privado de ocupar ofícios da república.

Enquanto isso, o Conselho se preparava para exarar o seu parecer sobre a demanda da câmara pela autoridade de impedir as eleições. Assim, encaminhou-o ao procurador da Coroa que se manifestou ponderando que, se os oficiais da câmara pediam faculdade para embargar as eleições feitas contra as ordens que as regulavam, para isso não necessitavam de licença porque lhes era garantido por direito; contudo, se pediam "licença para de fato sem ser pelos meios competentes não cumprirem as eleições" e "pendendo do seu arbítrio a execução", era então o requerimento "escandaloso" e deveria ser recusado.94 94 Despacho do procurador da Coroa, posterior a 19 de maio de 1744. AHU, Pará, caixa 26, documento 2461. Em 19 de junho de 1744, foi tomada a decisão do Conselho Ultramarino de negar o pedido. Para tanto, ordenava que se respondesse aos oficiais da Câmara de Belém que, além das ordens enviadas aos governadores e ouvidores, havia os meios do direito que poderiam usar para se impedir as eleições injustas, sem necessidade de outras providências que já eram permitidas pelas ordens reais.95 95 Despacho do Conselho Ultramarino, 19 de junho de 1744. AHU, Pará, caixa 26, documento 2461. O despacho foi emitido na carta da câmara de 27 de outubro de 1742. Existem muitas lacunas nos registos do Conselho Ultramarino de cartas régias e consultas realizadas neste ano, por isso nos valemos dos despachos exarados.

Passados três anos, em julho de 1747, quando já findava o seu interstício como ouvidor no Pará foi que Timóteo Carvalho respondeu por fim à ordem de 1744 sobre o caso de Luís Barreto. Expunha que já havia prestado conta da devassa em outra correspondência96 96 Acreditamos que estivesse aludindo a sua resposta de 2 de dezembro de 1743. e que então responderia a segunda parte da ordem sobre os privilégios requeridos. Seu parecer foi extremamente positivo. Afirmava que Luís Barreto era casado com a filha de um cidadão que era "das boas nobrezas que se acham nesta cidade" e que, ultimamente, o seu procedimento e "o trato de sua família tanto dentro como fora de casa, é daqueles que neste Estado se tratam à lei da nobreza, segundo o estilo da terra [grifo nosso]". Sendo assim, não encontrava razão para que ele fosse "privado dos privilégios e honras que gozam os cidadãos e repúblicos desta cidade".97 97 Carta do ouvidor ao rei, 20 de julho de 1747. AHU, Pará, caixa 29, documento 2764. Em agosto de 1748, foi a carta encaminhada ao procurador da Coroa para dar vistas sobre a resposta do ouvidor e das representações de Luís Barreto. Este então responde que concordava com o ouvidor no que dizia respeito à parte da súplica da restituição aos privilégios e honras a Luís Barreto. Todavia, no que dizia respeito à devassa mandada tirar a Antônio Ferreira Ribeiro, e a qual o ouvidor dava conta diversa, não a encontrava no meio dos papéis, mandando então que fosse anexada para poder proferir seu parecer.98 98 Parecer do procurador da Coroa, posterior a 6 de agosto de 1748. AHU, Pará, caixa 26, documento 2429.

Em setembro de 1748, Luís Barreto se encontrava em Lisboa, onde encaminhou um requerimento diretamente ao rei e pelo qual ficamos sabendo que a devassa citada estava desaparecida.99 99 Requerimento de Luís Francisco Barreto, anterior a 4 de setembro de 1748. AHU, Pará, caixa 30, documento 2888. Pedia ele ajuda ao rei, visto que, por mais diligências que tivesse feito ao Conselho Ultramarino, esta não tinha aparecido. Argumentava que isso lhe causava grave prejuízo, por ter sido solicitado que à devassa fosse juntada a análise de uma matéria que estava pendente no Conselho, estando ele para voltar ao Pará sem que se deferisse o seu pedido. Os conselheiros assim instados a deliberar se reúnem poucos dias depois, tomando uma decisão em 7 de setembro de 1748. Finalmente, após tantos anos em apreciação, o caso de Luís Barreto ganhava um desfecho favorável. Encaminhava o Conselho um aviso para que lhe fosse passada provisão na qual fossem restituídas as honras e privilégios de cidadão da cidade do Pará.100 100 Despacho e aviso do Conselho Ultramarino, 7 de setembro de 1748. AHU, Pará, caixa 26, documento 2429. Quanto à devassa não tivemos dela mais notícia.

Entre reinóis e naturais da terra: a disputa pelo acesso aos privilégios de cidadãos

Pelos documentos enviados ao Conselho Ultramarino na primeira metade do século XVIII, podemos observar que inúmeras outras contendas ocorreram envolvendo as eleições para a Câmara de Belém. Por eles se verifica que, por diversas vezes, recorreram os camaristas ao poder central em busca de uma intervenção que coibisse as alegadas irregularidades ou propondo soluções que lhes garantissem impedir, por meios próprios, o acesso daqueles que consideravam pessoas sem qualidades para servir a República. Recorrente no discurso apresentado era que certos eleitores escolhiam pessoas desqualificadas, ainda que houvesse pessoas de qualidade, filhos e netos de cidadãos, que pudessem ser eleitas. O que não transparecia a primeira vista nessas petições eram as reais intenções que se escondiam por trás de discursos tão bem enunciados ao reino, oriundos de tão "leais vassalos", nem os problemas de foro particular que subjaziam neles.

Por conta disto, queremos adicionar outras percepções sobre a questão do que motivava estes indivíduos a se queixarem numa determinada época e, com tanta frequência, sobre os resultados das eleições, ainda que façamos uso do discurso de elementos que fizeram parte do processo, direta ou indiretamente, sem serem os protagonistas, mas que estavam presentes no decurso dos acontecimentos e conheciam igualmente os participantes. Assim, utilizaremos as informações prestadas tanto pelo governador quanto pelo ouvidor. Em várias passagens da correspondência do governador João de Abreu Castelo Branco com o reino, pode-se observar os indícios das motivações que estavam camufladas nas contendas nas eleições da câmara: em 1737, afirmava que as desordens observadas nas eleições da câmara nasciam das "paixões particulares" que metiam a todos em "perturbação e parcialidades";101 101 Carta do governador ao rei, 18 de outubro 1737. AHU, Pará, caixa 20, documento 1884. em 1742, dizia que a controvérsia da eleição de Luís Barreto "mais nasceu da aversão e discórdia que tinham entre si os camaristas do que da indignidade do eleito";102 102 Carta do governador ao rei, 3 de setembro de 1742. AHU, Pará, caixa 24, documento 2312. em 1743, reconhecia que o documento dos camaristas na queixa contra o procedimento dos irmãos Barreto fora feito com "algum ódio e paixão particular contra os dois irmãos".103 103 Carta do governador ao rei, 25 de novembro de 1743. AHU, Pará, caixa 26, documento 2467. Tais informações são importantes para sinalizar que havia algo mais por trás do discurso legalista das eleições. Porém, os informes não entram em maiores detalhes e não indicam quem agia contra quem, somente quando confrontados com as informações prestadas pela câmara ou por Luís Barreto é que fica subentendido que, entre as motivações dos conflitos, estava também alguma rejeição dos camaristas aos reinóis.

Embora o conhecimento de tensões entre reinóis e os "da terra" não seja novidade na historiografia do Estado do Brasil - vários estudos abordam essas tensões em diferentes aspectos da sociedade -,104 104 Como, por exemplo, em Pernambuco, onde os conflitos entre os comerciantes reinóis e os naturais da terra, gerados pela disputa pelos cargos camarários na Câmara de Olinda, no começo do século XVIII, culminaram com uma revolta de grandes proporções, cf. MELLO, Evaldo Cabral de. A fronda dos mazombos: Nobres contra mascates. Pernambuco (1666-1715). São Paulo: Companhia das Letras, 1995; e no Rio de Janeiro, onde ocorreu semelhante resistência à presença de reinóis na câmara, cf. BICALHO, Maria Fernanda. A cidade e o império, Rio de Janeiro no século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 374-384. para a Amazônia portuguesa ainda é um tema em aberto que só recentemente tem despertado a atenção de novos pesquisadores que se debruçam em pesquisas sobre a formação da elite paraense,105 105 ROCHA, Rafael Ale. A construção da nobreza no Pará setecentista. In: CALAINHO, Daniela Buono (org.). Caminhos da intolerância no mundo ibérico do Antigo Regime. No prelo. visto que se privilegiou, durante muito tempo, a observação da sociedade colonial na Amazônia baseada apenas na oposição entre missionários e colonos na questão do acesso a mão-de-obra indígena, considerando nessa interpretação uma sociedade homogênea, onde os colonos não se distinguiam entre si.

A questão da rejeição aos reinóis na disputa pelos cargos da câmara apareceu explicitamente abordada em uma carta de 1746 do ouvidor Timóteo de Carvalho. Nela, o ouvidor afirmava categoricamente que havia um empenho dos cidadãos naturais da terra para que não servisse na câmara "pessoa alguma do Reino", mesmo que estes fossem "bons" e até mais nobres que os locais.106 106 Carta do ouvidor ao rei, 22 de janeiro de 1746. AHU, Pará, caixa 28, documento 2686. Desse modo, no período das eleições, se não estivessem contemplados os interesses dos naturais ou indicadas pessoas de sua dependência, faziam de tudo para perturbar as eleições ou para excluir dela "todos os que forem do Reino". Na eleição de 1745, dizia o ouvidor, foram feitas inúmeras intrigas e maledicências para que alguns indivíduos do reino não fossem eleitores ou, se o fossem, que "seguissem nos votos as máximas dos naturais". Por isso, o ouvidor precisou ajustar para que cada um dos eleitores do reino se juntasse a outro da cidade, ficando assim sossegados os ânimos.107 107 Igual arranjo havia sido feito em Recife na primeira década de seu funcionamento, garantindo assim o equilíbrio de nomeações entre reinóis e locais, que foi rigorosamente respeitado até 1720 a fim de se evitarem os problemas ocorridos em Olinda. SOUZA, George F. Cabral. A gente da governança do Recife colonial: perfil de uma elite local na América portuguesa (1710-1822). In: FRAGOSO, João e SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá (orgs.). Monarquia pluricontinental e a governança da terra no ultramar atlântico luso, op. cit., p. 55. Mas, ainda segundo o ouvidor, entenderam os cidadãos da cidade que desse arranjo iria sair eleito juiz dos órfãos Manoel Pinheiro Lacerda que era primo de Antônio Ferreira Ribeiro e sobrinho do juiz que deixava o cargo, Pedro Correia Teixeira. Ocorreu que, na abertura do pelouro, o eleito para juiz dos órfãos foi João de Souza Monis.108 108 João de Souza Monis já aparece em 1730 como cidadão da cidade de Belém (Lista de cidadãos desta cidade [Belém], 20 de setembro de 1730. AHU, Pará, caixa12, documento 1142). A partir de então, Manoel Pinheiro procurou de inúmeras formas impedir a eleição, dizendo que ela era nula, chamando o ouvidor a atenção para que, até saberem o resultado da eleição, Manoel Pinheiro e seus parentes só a tinham elogiado.

A descrição do ouvidor do que aconteceu no pleito de 1745 pode ser bastante esclarecedora sobre o jogo político e as estratégias usadas por determinados membros da elite local, representada nesse caso pela família Ferreira Ribeiro, na tentativa de manobrar os resultados das eleições. Usando o argumento de que os eleitos contrariavam as ordens régias, por não serem filhos nem netos de cidadãos, embargaram aos reinóis Aleixo Gameiro Soares (para juiz ordinário) e Amaro Paes de Andrade (para vereador). Os embargos foram estranhados até pelo governador que pediu várias vezes que o ouvidor desimpedisse os eleitos. Isto porque era notório que Aleixo Gameiro, um homem bastante rico, se tratava pela lei da nobreza e que "no Reino era pessoa grave e de estimação", bem como Amaro Paes que também se tratava na lei da nobreza e era casado com a filha de um cidadão.109 109 A este respeito podemos dizer, já com base no banco de dados que estamos construindo sobre a elite paraense, que Amaro Paes (Lisboa) era casado com d. Lourença Justiniana de Souza (Pará) e proprietário de uma engenhoca no Pará. Sua esposa, d. Lourença, era filha de José de Souza de Azevedo (Lisboa) e d. Maria Josefa de Sousa (Pará), que era cidadão da cidade onde foi vereador (1705) e juiz ordinário (1724). Sabemos ainda que José de Souza era sobrinho do capitão-mor Hilário de Souza e Azevedo e que descendia também do ex-governador do Maranhão, o capitão-mor Aires de Souza Chichorro, cavaleiro da Ordem de Cristo. D. Maria Josefa, por sua vez, era neta paterna do sargento-mor Agostinho Correia que também governou o Maranhão (Cf. DGARQ/TT, Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações incompletas, documento 89). Acreditava o ouvidor que a oposição dos embargantes era movida por vingança. E a estratégia dos embargantes era ir protelando a posse, de tal modo que, por ausência ou morte de alguns dos eleitos, sobretudo do eleito juiz dos órfãos João de Souza Monis (que não tomava providências para servir) seria então Manoel Pinheiro provido em eleição particular. Considerando, então, vários aspectos danosos ao processo, incluindo neles a índole de Manoel Pinheiro, decidiu o ouvidor que só iria aceitar os embargos que suspendiam a eleição se os embargantes apresentassem "coisa essencial e atendível, que mostre logo a certeza dos defeitos, e nulidade alegadas".110 110 Carta do ouvidor ao rei, 22 de janeiro de 1746. AHU, Pará, caixa 28, documento 2686.

Para além de expor claramente as motivações de determinado grupo político de impedir o acesso dos cargos da câmara àqueles que não se alinhavam com seus interesses, a carta do ouvidor foi ainda mais reveladora quanto ao caráter de Manoel Pinheiro e dos danos que causaria estando no exercício do cargo. Ao traçar o perfil de João Monis em contraste com o de Manoel Pinheiro, assinalava o ouvidor que Monis, apesar de não ser abastado em bens, estava provado que era digno e de consciência e, sendo um homem maduro na idade, não estaria em risco a "honestidade das órfãs e viúvas". Ao passo que Manoel Pinheiro era mais pobre e, pelo que ouvira dizer, a honra das órfãs e viúvas não ficava segura com ele. Porém, não era só o fato de ser menos abastado o que preocupava o ouvidor, mas o fato deste ter muitos parentes que eram "dos poderosos e de maior respeito na terra" e, por esta razão, quando pegavam algum dinheiro dos órfãos, estes não perdiam apenas os juros correspondentes, mas, segundo o ouvidor, "também o todo, ou parte do principal", porque, mesmo depois de emancipados os órfãos, se passavam vinte ou trinta anos sem conseguir cobrá-los. Ou seja, beneficiando-se do acesso às heranças, os juízes dos órfãos agiam em favorecimento próprio ou de seus familiares. Ora, foi justamente por causa da cobrança de uma dívida de Antônio Ferreira Ribeiro e seu cunhado Gaspar Siqueira de Queirós com a viúva d. Josefa Luísa que Luís Francisco Barreto alegava ter sido surrado a mando do primeiro. O que sugere o informe é que essa fosse uma prática corrente e ao que parece de difícil repressão, uma vez que nela estavam envolvidas pessoas com poder e prestígio na terra.

Na tentativa de entender a constituição das elites coloniais, porém fazendo uso de outras abordagens metodológicas e de diferentes fontes documentais, recentes estudos buscaram examinar as estratégias de ascensão social empreendidas pelos indivíduos no ultramar, através de outras vias de distinção diferentes daquelas advindas dos cargos camarários como: os hábitos das ordens militares (Cristo, Avis e Santiago); a admissão no oficialato das tropas militares das ordenanças e as cartas para familiar do Santo Oficio.111 111 A título de exemplo, indicamos, na ordem dos temas citados: KRAUSE, Thiago Nascimento. Em busca da honra. A remuneração dos serviços da guerra holandesa e os hábitos das ordens militares (Bahia e Pernambuco, 1641-1683). São Paulo: Anablume, 2012; COSTA, Ana Paula Pereira. Atuação de poderes locais no Império lusitano: uma análise do perfil das chefias militares dos corpos de ordenanças e de suas estratégias na construção de sua autoridade. Vila Rica (1735-1777). Dissertação de mestrado, História social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2006; RODRIGUES, Aldair Carlos. Limpos de sangue: familiares do Santo Ofício, Inquisição e sociedade em Minas colonial. São Paulo: Alameda, 2011. Embora tais atributos de notoriedade social guardassem entre si hierarquias distintas e status variados de proeminência social, em última instância, todos eles conferiam aos seus dignitários, em maior ou menor grau, o prestígio social que os distinguia e os distanciava do povo plebeu.

A partir da leitura destas pesquisas, verifica-se que as diferentes formas de afirmação social empregadas pelos residentes nas conquistas portuguesas não se prendem apenas a valores hierárquicos advindos do reino, mas também sinalizam fortemente os condicionantes locais, os quais lhes atribuem outros valores de relevância e significação social. Contudo, sendo o tema do poder local ainda incipiente na nossa historiografia, fazem-se necessários mais estudos sobre as diversas realidades locais, abrindo caminho para uma visão mais ampla sobre o comportamento dos "principais da terra" nos diferentes espaços ultramarinos.

É importante ressaltar, no que diz respeito às singularidades a serem observadas na análise das condicionantes locais, que as capitanias do norte, em particular a do Grão-Pará, devem ser compreendidas como um espaço distinto do Estado do Brasil, não apenas no que diz respeito a sua posição geopolítica, mas sobretudo pela sua dinâmica socioeconômica diferenciada do restante da América portuguesa, o que, portanto, requer compreender, na formação da elite colonial ali presente, quais seriam as "qualidades" aceitáveis nessa conjuntura.

Pelo uso de determinadas expressões que apoiam os argumentos em defesa dos privilégios concedidos aos cidadãos do Pará, podemos observar o quanto os representantes da elite paraense mais tradicional buscavam definir os limites que viam entre eles e as "pessoas de diferentes qualidades sem nobreza alguma de seus nascimentos" que ascenderam aos cargos da República. Identificavam-se eles pelas expressões como: "cidadão descendente dos primeiros cidadãos e conquistadores daquela cidade [do Pará]", "cidadãos antigos e seus condescendentes", ou ainda "cidadãos, e seus filhos e netos, e homens de conhecida nobreza de seu nascimento", estabelecendo no seu discurso uma clara clivagem entre eles e os novos cidadãos criados nas eleições.

O fato de existirem motivações pessoais e de interesses escusos não significa que as argumentações que sinalizavam a preocupação com a mudança na "qualidade" dos cidadãos não fossem genuínas, porquanto o ingresso de sujeitos de condição inferior aos cargos camarários implicava que estes indivíduos passavam a gozar dos mesmos privilégios que os antigos cidadãos e seus descendentes detinham e, na medida em que crescia o número de casos com esse perfil, a disputa por espaço de poder ficava mais evidente. E os privilégios, uma vez estendidos aos descendentes destes novos "cidadãos", criavam problemas em outros setores da sociedade como, por exemplo, nas tropas pagas e nas ordenanças, em que se via o número de soldados diminuírem por abusarem do privilégio de não servir nestas tropas aqueles que serviam na câmara.112 112 Requerimento do sargento-mor Antônio Ferreira Ribeiro, anterior a 9 de maio de 1741. AHU, Pará, caixa 24, documento 2237.

A ideia de superioridade dos antigos cidadãos e a crescente presença de novos cidadãos "inferiores" explicaria talvez o afastamento de Antônio Ferreira das atividades da câmara, o qual teria também convencido seu sobrinho, o capitão da companhia da nobreza Francisco Siqueira de Queirós,113 113 Filho de Gaspar Siqueira de Queirós e d. Teresa Luiza Maria Bittencourt. Alguns anos depois, em 1749, Francisco Siqueira de Queirós casou-se com sua prima d. Catarina Ferreira Morais de Nazaret e tornou-se genro de Antônio Ferreira Ribeiro. que havia sido eleito juiz ordinário nas eleições de 1747, a não servir ao cargo. Francisco Siqueira justificava a sua recusa porque precisava assumir a administração do engenho da família. Para tanto, se valia de uma provisão régia que liberava os senhores de engenhos de servir na câmara para que deles pudessem cuidar. Entretanto, os oficiais da câmara discordavam de seus argumentos e diziam que ele, influenciado pelo tio, haveria dito que "o Juiz mais velho Agostinho Domingues Serqueira114 114 O sargento-mor Agostinho Domingues Serqueira era natural de Braga. Fixou-se em 1718 no Pará onde se casou com d. Antônia de Oliveira Bittencourt. e os mais oficiais da câmara não eram capazes de servir com ele".115 115 Carta dos oficiais da Câmara de Belém ao rei, 17 de novembro de 1747. AHU, Pará, caixa 30, documento 2821.

De acordo com o ouvidor Timóteo de Carvalho, em 1747, os sujeitos "inferiores" que já haviam entrado no serviço da câmara como oficiais e almotacés ultrapassavam o número de cinquenta pessoas e foram admitidos por "aqueles mesmos que em outras ocasiões com quase nenhuma razão querem impedir os eleitos".116 116 Carta do ouvidor ao rei, 20 de julho de 1747. AHU, Pará, caixa 29, documento 2764. Isso nos leva a pensar que, enquanto as admissões eram controladas por determinado grupo e não feriam os seus interesses, o acesso era facilitado, caso contrário, se tentava impedir o eleito. Mas o fato é que os arranjos estavam ficando cada vez mais difíceis, uma vez que novos indivíduos ascendiam à elite local,117 117 Nuno Monteiro, analisando a circulação das elites no império bragantino, indica uma emigração expressiva para o Brasil entre 1700 e 1750, de pelo menos 100 mil portugueses. Sendo a emigração "majoritariamente jovem, masculina, e, ao que tudo indica, alfabetizada", terá trazido um novo perfil à sociedade colonial a partir de meados do século XVIII, notadamente nos grandes centros onde os grupos mercantis foram se fixando e ascendendo aos ofícios camarários (MONTEIRO, Nuno. A circulação das elites no império dos Bragança (1640-1808): algumas notas. Revista Tempo. Rio de Janeiro, v. 14, n. 27, 2007, p. 77). Certamente, o Pará se encontrava no destino de alguns destes homens, como bem demonstrou a história de Luís Barreto que, como vimos, também buscou os mecanismos possíveis de ascensão social. principalmente através do casamento e, provavelmente, o número de aliados fosse bem menor do que sucedera em anos anteriores pela morte de uns ou pelas rivalidades de outros.

Nos anos seguintes, não se verificou mais a presença de Antônio Ferreira Ribeiro em cargos da câmara. Por outro lado, Luís Francisco Barreto, depois de lutar muito pela restituição dos seus privilégios de cidadão, foi eleito segundo vereador em 1752 e primeiro vereador em 1759,118 118 Carta da Câmara de Belém, 8 de novembro de 1752. AHU, Pará, caixa 37, documento 3509; Idem, 2 de março de 1759. AHU, Pará, caixa 44, documento 4066. bem como o reinol Lázaro Fernandes Borges, que havia sido preterido na eleição de 1742, conseguiu servir na câmara em pelo menos dois mandatos como vereador em 1748 e 1761. Antes, porém, Lázaro Borges buscou outras formas de prestígio social. Através do casamento, uniu-se a uma família cuja descendência remontava ao capitão Aires de Sousa Chichorro, um dos primeiros governadores do Pará. Em 1745, tornou-se familiar do Santo Oficio, superando os "defeitos" apontados na sua profissão de cirurgião, provando ser abastado em "bens e fortuna", o que lhe proporcionava viver com abundante cabedal.119 119 No seu processo de habilitação, em 1743, o comissário Manuel de Almeida sobre ele se referia dizendo que "tem ocupação de cirurgião, que atualmente exercita nesta cidade, de que vive, e de suas fazendas, pois tem abundância de bens e fortuna, e dizem que poderia ter de seu cabedal o valor de 20 mil cruzados em moradas de casas, fazendas de raiz e servos, que sabe ler e escrever". Informação extrajudicial feita no Pará, 18 de outubro de 1743. DGARQ/TT, Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações, Lázaro, maço 1, documento 11. Sabemos ainda que quando estava na Câmara de Belém, chegou a ocupar o cargo de presidente do senado em várias ocasiões. Dessa forma, sua ascensão social e o prestígio conquistado garantiram, anos mais tarde, que dois de seus filhos justificassem a sua nobreza e obtivessem carta de brasão de armas de nobreza e fidalguia,120 120 DGARQ/TT, Feitos findos, justificações de nobreza, maço 15, n.º 37. o que demonstra, pela sua trajetória pessoal, o quanto podia ser flexível nas conquistas a distinção que no reino era marcada a sua profissão.121 121 A este respeito, ver artigo de Marcia Ribeiro que aborda a trajetória de um cirurgião reinol na Bahia e Minas Gerais onde alcançou prestígio e ascensão social. RIBEIRO, Márcia Moisés. Nem nobre, nem mecânico. A trajetória social de um cirurgião na América portuguesa do século XVIII. Almanack Brasiliense. São Paulo, n. 2, nov. 2005, p. 64-75.

Conclusão

Conquanto o presente trabalho tenha se centrado num caso particular, acreditamos que, ao descrever esse conflito e traçar mais amiúde os perfis dos envolvidos, foi possível não apenas tornar manifesto que havia um choque de interesses entre os cidadãos naturais da terra e os que provinham do reino, nomeadamente entre aqueles que pretendiam ascender aos postos de poder local, mas sobretudo porque evidenciamos que, através do conhecimento comparativo dos elementos constitutivos dessa elite local e de suas redes de parentesco, é possível compreender melhor a ascensão social engendrada pelos casamentos, tanto quanto a promovida através de cargos da governança, da câmara e mesmo de postos militares.

Ainda que nessa sociedade em construção no século XVIII viviam-se os ideais de nobreza, por exemplo, transplantados da sociedade portuguesa, estes vão se confrontar com a dinâmica cotidiana própria que é o viver em colônia, em que se articulavam os diferentes poderes expressados e que não podem mais ser negligenciados na análise dos contextos locais. Dessa forma, somente através da ampliação dos estudos sobre essa sociedade colonial que possam revelar suas próprias experiências, ainda que articuladas ao o que ocorria nos demais espaços ultramarinos, é que poderemos avançar para um debate mais profícuo.

  • 1
    REIS, Arthur César Ferreira. A política de Portugal no vale amazônico. Belém: Secult, 1993.
  • 2
    CHAMBOULEYRON, Rafael. Povoamento, ocupação e agricultura na Amazônia colonial (1640-1706). Belém: Açaí, 2010.
  • 3
    VELOSO, Euda Cristina. Estrutura de apropriação de riqueza em Belém do Grão-Pará, através do recenseamento de 1778. In: ACEVEDO MARIN, Rosa (org.). A escrita da história paraense. Belém: Naea/UFPA, 1998, p. 7-28; CARDOSO, Alanna Souto. Apontamentos para a história da família e demografia histórica da capitania do Grão-Pará (1750-1790). Dissertação de mestrado, História Social da Amazônia, Departamento de História, Universidade Federal do Pará, 2008.
  • 4
    O Arquivo Público do Maranhão tem sob a sua guarda importantes séries documentais pertencentes à Câmara de São Luís e ao Bispado do Maranhão que datam da primeira metade do século XVII. A documentação depositada no Arquivo Público do Pará se concentra na documentação produzida no âmbito da secretaria de governo a partir das primeiras décadas do século XVIII, enquanto que a documentação camarária sob a sua guarda data somente de finais do século XIX, estando desaparecida dos arquivos públicos toda a documentação da Câmara de Belém do período setecentista.
  • 5
    COUTINHO, Mílson. Fidalgos e barões: uma história da nobiliarquia luso-maranhense. São Luís: Geia, 2005; CORREA, Helidacy Maria Muniz. Para aumento da conquista e bom governo dos moradores: o papel da Câmara de São Luís na conquista, defesa e organização do território (1615-1668). Tese de doutorado, História, Departamento de História, Universidade Federal Fluminense, 2011; MOTA, Antônia da Silva. As famílias principais. Rede de poder no Maranhão colonial. São Luís: EDUFMA, 2012.
  • 6
    FEIO, David Salomão Silva. Administração, elites e exercício de poder na Amazônia colonial de início do século XVIII. In: SIMPOSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 25, Fortaleza, 2009. Anais. Fortaleza, 2009, CD-ROM; ROCHA, Rafael Ale. Formação da nobreza camarária em Belém no século XVIII. In: ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA COLONIAL, 3, Recife, 2010. Caderno de Resumos. Recife: Editora da Universidade Federal de Pernambuco, 2010.
  • 7
    Em face de várias ocorrências de indivíduos de famílias diferentes, mas com a mesma ascendência, decidimos inserir alguns dados num software de construção de genealogias que nos permitisse cruzar os dados entre as famílias e observar os elementos em comum. No presente momento, já constam na base de dados 337 famílias e 793 indivíduos arrolados.
  • 8
    Tais informações são importantes na análise das famílias principais da terra, ainda que baseada em dados fragmentários, haja vista que a historiografia paraense carece de informações genealógicas que cubram o século XVII e primeira metade do século XVIII. Agravante ainda é a inexistência de documentação notarial e eclesiástica para o período que pudesse suprir a ausência desses estudos.
  • 9
    Notadamente, destacam-se, entre outras obras dos citados autores desta época: HESPANHA, Antônio Manuel. As vésperas do Leviathan. Instituições e poder político em Portugal. século XVII. Coimbra: Almedina, 1994. MAGALHÃES, Joaquim Romero. O poder concelhio: das origens às Cortes Constituintes. Coimbra: Centro de Estudos e Formação Autárquica, 1986.
  • 10
    Concordamos aqui com o uso do termo "elites" ao invés de "oligarquias municipais" defendido por Nuno Monteiro, por compreender, tal como justifica o autor, que a expressão confere "uma identidade social a uma categoria institucional (a dos vereadores camarários) cuja existência como grupo social carece de demonstração". Outras instituições locais relevantes coexistiam com as câmaras, constituindo elas também elites locais, tais como as misericórdias e as ordenanças. Cf. MONTEIRO, Nuno Gonçalo. Elites locais e mobilidade social em Portugal nos finais do Antigo Regime. In: Idem. Elites e poder. Entre o Antigo Regime e o liberalismo.Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2003, p. 43-47.
  • 11
    Citamos aqui, dentre outros trabalhos sobre o tema, a recente coletânea resultante do ciclo de conferências realizadas em Lisboa no Instituto de Investigação Científica e Tropical (IICT) entre 2009 e 2011, que apresenta vários estudos avançados sobre o tema em que estão presentes, entre outras questões: a formação de redes clientelares, consolidação do patrimônio, o papel dos filhos segundogênitos e a relação da pequena nobreza e o capital mercantil. Ver: RODRIGUES, Miguel Jasmins e TORRÃO, Maria Manuel (orgs.). Pequena nobreza de aquém e de além-mar: poderes, patrimônio e redes. Lisboa: s/ed, 2011.
  • 12
    Acreditamos que isso ocorra, em larga medida, pela compreensão cada vez mais apurada de que a sociedade americana, ainda que inserida na lógica transplantada de uma sociedade hierarquizada e estamental de Antigo Regime, possuía dinâmicas próprias que influenciaram na formação de grupos sociais baseados em práticas costumeiras, como é o caso da "nobreza da terra". Definida por João Fragoso como sendo "potentados locais integrantes ou não da fidalguia de nascimento com domínio sobre o mando local, especialmente as câmaras municipais", consistem assim em um estamento da hierarquia social costumeira presente na América lusa, que não se confundia com a nobreza solar. (FRAGOSO, João. Modelos explicativos da chamada economia colonial e a ideia de monarquia pluricontinental: notas de um ensaio. História. São Paulo, v. 31, n. 2, jul/dez 2012, p. 128-29).
  • 13
    Laura Mello e Souza questionou o uso do termo afirmando que "o fato de membros das elites coloniais se autodenominarem 'nobreza da terra' não autoriza, creio, os historiadores a tomarem o que é construção ideológica por conceito sociológico". SOUZA, Laura de Mello. O sol e a sombra. Política e administração na América portuguesa do século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 179, nota 56.
  • 14
    Isto porque podemos observar, na documentação, expressões análogas que exprimem o mesmo sentimento de autorreconhecimento e pertença a um grupo distinto como as que encontramos para o Pará em meados do século XVIII, em que os indivíduos indicavam ser da "maior nobreza daquelas Respublicas" ou da "principal nobreza do Estado".
  • 15
    BICALHO, Maria Fernanda. Conquista, mercês e poder local: a nobreza da terra na América portuguesa e a cultura política do Antigo Regime. Almanack Brasiliense. São Paulo, n. 02, nov. 2005, p. 21.
  • 16
    BICALHO, Maria Fernanda Elites coloniais: a nobreza da terra e o governo das conquistas. In: MONTEIRO, Nuno, CARDIM, Pedro e CUNHA, Mafalda S. da (orgs.). Optima Pars. Elites ibero-americanas no Antigo Regime. Lisboa: ICS, 2005, p. 74. No presente artigo, a autora expôs os argumentos favoráveis à utilização do conceito de "nobreza da terra" que foi reconhecido positivamente pela crítica vigente como aprofundamento do debate.
  • 17
    Face ao grande número de artigos e não querendo incorrer em omissões indevidas, optamos aqui por indicar os títulos de algumas das coletâneas em que os referenciados estudos se apresentam: FRAGOSO, João; SAMPAIO, Antônio Carlos; ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de (orgs.). Conquistadores e negociantes. História das elites no Antigo Regime nos trópicos. América lusa, séculos XVI a XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007; SOUZA, Laura de Mello; BICALHO, Maria Fernanda (orgs.). O governo dos povos. São Paulo: Alameda, 2009; FRAGOSO, João e SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá (orgs.). Monarquia pluricontinental e a governança da terra no ultramar atlântico luso. Rio de Janeiro: Mauad X, 2012.
  • 18
    Por exemplo, em regiões de economia de plantation como Pernambuco e Bahia, observam-se diferentes tendências nos perfis dos oficiais camarários durante o século XVIII. Em Recife, entre 1710 e 1822, a composição da câmara era marcada pelo predomínio dos oficiais cuja principal ocupação estava no setor comercial, com 54,9% de oficiais nessa ocupação, num visível contraste com o senhores de engenho cuja presença era de apenas 12%. Os demais representantes eram de uma variada gama de ocupações, o que demonstra uma complexa trama de agentes sociais, ao passo que, em Salvador, entre 1701 e 1800, a base fundiária marcava o perfil majoritário da câmara em detrimento do setor mercantil. Cf. SOUZA, George F. Cabral. A gente da governança do Recife colonial: perfil de uma elite local na América portuguesa (1710-1822). In: FRAGOSO, João e SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá (orgs.). Monarquia pluricontinental e a governança da terra no ultramar atlântico lusa, op. cit., p. 51-86; SOUSA, Avanete Pereira. Poder local e autonomia camarária no Antigo Regime: o Senado da Câmara da Bahia (século XVIII). In: FERLINI, Vera; BICALHO, Maria Fernanda (orgs.). Modos de governar. Ideias e práticas políticas no Império português. séculos XVI-XVIII. São Paulo: Alameda, 2005, p. 319.
  • 19
    SARAGOÇA. Lucinda Rosa. Da "feliz Lusitânia" aos confins da Amazónia (1615-1662). Lisboa: Cosmos, 2000, p. 329.
  • 20
    MACLACHLAND, Colin. The Indian labor structure in the Portuguese Amazon 1700-1800. In: ALDEN, Dauril. Colonial roots of modern Brazil. NEWBERRY LIBRARY CONFERENCE. Papers. Berkeley: University of California Press, 1973, p. 200.
  • 21
    Em 1655, os cidadãos de Belém e São Luís, pelos serviços prestados à Coroa portuguesa na expulsão dos holandeses do Maranhão, conseguiram a mercê régia de gozar dos mesmos privilégios, honras e liberdades que haviam recebido do rei d. João II os cidadãos da cidade do Porto que, em síntese, eram: 1. Não serem presos nem metidos a tormento senão nas mesmas condições em que os fidalgos o podiam ser; 2. Poderem trazer por todo o reino e senhorios régios quaisquer tipos de armas, quer de noite quer de dia; 3. Desfrutarem dos mesmos privilégios que gozava Lisboa ressalvando a proibição de andarem em bestas muares; 5. Não serem obrigados a hospedar gratuitamente poderosos, nem tomadas as suas casas, adegas, cavalariças, bestas de sela e albarda ou qualquer outra coisa contra sua vontade (LISBOA, João Francisco. Jornal de Timon. Brasília: Editora Alhambra, s/d, vol. 2. p. 169-170).
  • 22
    Ordenações Filipinas, livro 1, título LXVII. Em que modo se fará a eleição dos juízes, vereadores, almotacés e outros oficiais, p. 153-156. Portanto, eram estes homens de posição social destacada que detinham o privilégio político de participarem das eleições para os cargos da câmara tanto na condição de eleitores quanto na de elegíveis.
  • 23
    ENES, Thiago. De como administrar cidades e governar impérios: almotaçaria portuguesa, os mineiros e o poder (1745-1808). Dissertação de mestrado, História social, Departamento de História, Universidade Federal Fluminense, 2010, p. 164-166.
  • 24
    É provável que o provimento dos cargos para os meses anteriores, conforme orientavam as Ordenações, fosse feito num rodízio entre juízes, vereadores e o procurador da Câmara que haviam servido no ano anterior como, por exemplo, ocorria em São Luís. (XIMENDES, Carlos Alberto. Sob a mira da Câmara: viver e trabalhar na cidade de São Luís (1644-1692). Tese de doutorado, História moderna, Departamento de História, Universidade Federal Fluminense, 2010, p. 85-89.
  • 25
    Requerimento dos vereadores Luís Pourat e Hilário de Souza ao rei, 10 de novembro de 1741. Arquivo Histórico Ultramarino [AHU], Pará, caixa 26, documento 2461; Representação de Luís Francisco Barreto ao rei, posterior a outubro de 1741. AHU, Pará, caixa 26, documento 2429.
  • 26
    Além dos documentos citados na nota anterior, também nos valemos, nessa reconstituição, de documentos que estavam apensos em outra representação, encaminhada em 1742 pela câmara, mas que, na nova ordenação do Projeto Resgate no Arquivo Histórico Ultramarino, acabaram por ser colocados todos sob a mesma cota. Porém, acreditamos que não fazem parte originalmente do mesmo processo. Representação da Câmara de Belém, 27 de outubro de 1742. AHU, Pará, caixa 26, documento 2461.
  • 27
    BICALHO, Maria Fernanda. O que significa ser cidadão nos tempos coloniais. In: ABREU, Martha e SOIHET, Rachel (orgs.). Ensino de História: Conceitos, temáticas e metodologia. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003, p. 144.
  • 28
    Carta régia de 10 de dezembro de 1698 proibindo aos soldados pagos serem eleitos para Câmara de Belém, indicando que os que devem servir sejam sempre filhos dos homens nobres e cidadãos e mandando criar a companhia dos privilegiados; Carta régia de 10 de novembro de 1702 sobre a obrigação de servir nas Ordenanças todos aqueles que não tivessem privilégios; Carta régia de 17 de janeiro de 1725 para que não fossem eleitas pessoas sem as qualidades que as leis ordenam. Documentos anexados. AHU, Pará, caixa 26, documento 2461.
  • 29
    No texto de Rafael Rocha pode-se conferir mais informações referentes às implicações desta legislação (ROCHA, Rafael Ale. A Câmara de Belém e a ideia de "qualidade" na Amazônia (século XVIII). Niterói, 2010, 54 p. Texto inédito apresentado para a conclusão de uma disciplina do PPGH/ UFF ministrada pelo prof. Ronald Raminelli no segundo semestre de 2009. Agradeço ao autor disponibilização do texto).
  • 30
    Carta do rei ao governador, 29 de maio de 1742. AHU, Pará, caixa 24, documento 2312.
  • 31
    LALANDA, Maria Margarida de Sá Nogueira. A sociedade micaelense no século XVII: estruturas e comportamentos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002; VIDIGAL, Luís. Câmara. Nobreza e povo: poder e sociedade em Vila Nova de Portimão (1755-1834). Portimão: Câmara Municipal de Portimão, 1993.
  • 32
    SILVA, Francisco Ribeiro. O Porto e seu termo (1580-1640). Os homens, as instituições e o poder. Tese de doutorado, História moderna, Faculdade de Letras, Universidade do Porto, 1985, vol. 2, p. 644.
  • 33
    Sobre as formas de nobilitação utilizadas no Brasil durante o período colonial e, em especial, a apreciação da relação entre nobreza da terra e os cargos da república, ver: SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ser nobre na Colônia. São Paulo: Unesp, 2005, p. 138-148.
  • 34
    No século XVII, os cursos de direito na Universidade de Coimbra teriam duração de oito anos, de acordo com Camarinhas, sendo seis anos para a obtenção do diploma de bacharel e mais dois anos complementares para concluir a formação, pelo que se depreende que Barreto estaria prestes a se formar, daí a autorização para exercer a função de advogado, mas não lhe permitia ascender aos cargos da magistratura da Coroa. Cf. CAMARINHAS, Nuno. Juízes e administração da justiça no Antigo Regime: Portugal e o império colonial, séculos XVII e XVIII. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 237-38.
  • 35
    Representação de Luís Francisco Barreto ao rei, posterior a outubro de 1741. AHU, Pará, caixa 26, documento 2429.
  • 36
    Provisão de procurador da Coroa e Fazenda do Pará, 9 de setembro de 1741. AHU, Pará, caixa 26, documento 2429.
  • 37
    Carta do ouvidor ao rei, 3 de outubro de 1741. AHU, Pará, caixa 24, documento 2250.
  • 38
    Dominar o discurso escrito no século XVIII compreendia, basicamente, duas características: a capacidade física de desenhar as letras - ou seja, a parte gráfica - e a capacidade de usar a escrita como uma ferramenta de persuasão e poder. Assim, saber escrever neste período implicava em atenção ao ato físico de escrever e às implicações intelectuais do que era escrito. Portanto, ser acusado de "má letra" era uma ofensa à parte estética da escrita e, mais do que isso, uma injúria às capacidades do domínio intelectual da escrita. Para saber mais, conferir: CONCEIÇÃO, Adriana Angelita da. Sentir, escrever e governar: A prática epistolar e as cartas de d. Luís de Almeida, 2º marquês do Lavradio (1768-1779). Tese de doutorado, História social, Departamento de História, Universidade de São Paulo, 2011.
  • 39
    Representação de Luís Francisco Barreto ao rei, posterior a outubro de 1741. AHU, Pará, caixa 27, documento 2531.
  • 40
    Representação de Luís Francisco Barreto ao rei, posterior a outubro de 1741. AHU, Pará, caixa 27, documento 2531.
  • 41
    Informações prestadas por seus descendentes na segunda metade do século XVIII dão conta que teria exercido o cargo de ouvidor, capitão-mor no Pará e seria também cavaleiro professo da Ordem de Cristo. Todavia, estas informações ainda carecem de comprovação. Direção Geral de Arquivos/Torre do Tombo (DGARQ/TT), Feitos findos, justificações de nobreza, maço 9, n.º 36.
  • 42
    Feliciano Correia era natural de Pernambuco. Por seus serviços prestados como militar por 17 anos na capitania de Pernambuco, na Bahia e no Maranhão recebeu pensão efetiva de 30 mil réis em uma das comendas da Ordem de Santiago em 11 de julho de 1654 (DGARQ/TT, portarias do reino, volume 3, fl. 57). Foi nomeado capitão-mor do Pará e governou a capitania várias vezes: 1644-1646, 1656-1658, 1665-1666, 1669-1670. Catálogo dos capitães-mores do Pará. Biblioteca Pública de Évora, códice CVX/ 2-14, fl. 208.
  • 43
    Pedro Teixeira casou com d. Catarina de Bittencourt. Lutou contra os franceses, ingleses, holandeses e índios na defesa do Estado do Maranhão (Informação sobre serviços, posterior a 1618. AHU, Serviço das partes, caixa 1, documento 1). Chefiou a viagem pelo rio Amazonas até Quito em 1637 de onde retornou em 1639. Como capitão-mor do Pará governou de 28.02.1640 a 06.05.1641. Faleceu em 1641 quando viajava do Maranhão para Lisboa para tratar de assuntos particulares (Cf. BERREDO, Bernardo Pereira. Anais históricos do Estado do Maranhão. 4ª edição. Rio de Janeiro: Tipo editor, 1988 [1749], p. 192).
  • 44
    Patente de confirmação de capitão de infantaria de ordenança dos filhos dos cidadãos a João Ferreira Ribeiro, 1 de fevereiro de 1709. DGARQ/TT, Chancelaria de D. João V, livro 31, folha 165 v; Patente de confirmação de sargento-mor a João Ferreira Ribeiro, 14 de janeiro de 1712. DGARQ/TT, Chancelaria de D. João V, livro 37, folha 169.
  • 45
    Carta de sesmaria nas cabeceiras do rio Acará, concedida em 4 de julho de 1707, confirmada em 11 de novembro de 1707. Arquivo Público do Pará [APP], Sesmarias, livro 15, fl.. 26 v; Carta de sesmaria no rio Itapecuru, concedida em 5 de julho de 1718, confirmada em 5 de abril de 1724. APP, Sesmarias, livro 15, fl. 27 v.
  • 46
    Patente de confirmação de coronel das ordenanças da capitania do Pará a Hilário de Moraes Bittencourt, 6 de dezembro de 1708. DGARQ/TT, Chancelaria D. João V, livro 32, folha 232.
  • 47
    Carta patente de sargento-mor a João Duarte Franco, 28 de janeiro de 1687. DGARQ/TT, Chancelaria D. Pedro II, livro 48, folha 13; Carta patente de capitão-mor do Maranhão a João Duarte Franco, 14 de março de 1693. DGARQ/TT, livro 21, fl. 294.
  • 48
    Carta de confirmação de sesmaria a Antônio Ferreira Ribeiro na ilha de Joanes, 5 de março de 1737. DGARQ/TT, Chancelaria D. João V, livro 129, folha 73 v.
  • 49
    Companhia criada por volta de 1698, por ordem régia, a semelhança de outras partes do reino, na qual pudessem se alistar especificamente os cidadãos e seus descendentes, sem se misturarem aos demais moradores. Para maiores detalhes ver: ROCHA, Rafael Ale. A construção da nobreza no Pará setecentista. In: CALAINHO, Daniela Buono (org.). Caminhos da intolerância no mundo ibérico do Antigo Regime. No prelo.
  • 50
    Patente de confirmação de capitão de infantaria de uma das companhias de ordenança da cidade de Belém do Grão Pará a Antônio Ferreira Ribeiro, 25 de janeiro de 1725. DGARQ/TT, Chancelaria D. João V, livro 64, folha 269.
  • 51
    Patente de confirmação do posto de sargento-mor da ordenança de infantaria a Antônio Ferreira Ribeiro, 9 de outubro de 1732. DGARQ/TT, Chancelaria D. João V, livro 85, folha 64 v.
  • 52
    Casado com d. Teresa Luíza Maria Bittencourt, filha de João Ferreira Ribeiro e d. Catarina de Morais Bittencourt. Em 1727, Gaspar Siqueira Queirós recebeu o hábito da Ordem de Cristo pelos serviços prestados por seu pai o sargento-mor Mateus Siqueira de Carvalho que havia servido por 27 anos no Pará e pelos serviços de seu avô materno, Antônio Lameira Franca, cavaleiro fidalgo que lutou em Pernambuco contra os holandeses, que se fixou na capitania do Pará onde foi ouvidor, escrivão da fazenda e capitão-mor no século XVII (Carta de hábito e alvará de cavaleiro, 21 de novembro de 1727. DGARQ/TT, Chancelaria da Ordem de Cristo, livro 182, folha 453).
  • 53
    Carta do coronel António Ferreira Ribeiro ao cardeal d. João de Mota e Silva, 8 de novembro de 1744. AHU, Pará, caixa 27, documento 2543.
  • 54
    Carta do governador ao rei, 16 de dezembro de 1745. AHU, Pará, caixa 29, documento 2726.
  • 55
    Carta de confirmação de patente de marechal de campo dos auxiliares da capitania do Pará a Antonio Ferreira Ribeiro, 28 de fevereiro de 1747. DGARQ/TT, Chancelaria D. João V, livro 114, folha 245.
  • 56
    Parecer do procurador da Coroa passado na representação de Luís Francisco Barreto, posterior a 30 de abril de 1742. AHU, Pará, caixa 27, documento 2531.
  • 57
    Carta do rei ao governador, 29 de maio de 1742. AHU, Pará, caixa 26, documento 2461.
  • 58
    Carta do governador ao rei, 3 de setembro de 1742. AHU, Pará, caixa 24, documento 2312.
  • 59
    De fato, em 1740, a eleição de um almotacé considerado de "baixa qualidade" havia gerado uma forte contenda contra o juiz ordinário Domingos Serrão de Castro e o vereador Mateus de Siqueira Chaves que o apoiaram. Após análise de uma queixa contra eles no Conselho Ultramarino, foram proibidos de servir em cargos da República (Cf. Carta do rei ao governador, 26 de abril de 1742. AHU, códice 270, fl. 354, carta régia de 26 de abril de 1742).
  • 60
    SILVA, Francisco Ribeiro. O Porto e seu termo (1580-1640), op. cit., vol. 1, p. 320-324.
  • 61
    Representação de Luís Barreto, finais de outubro de 1742. AHU, Pará, caixa 26, documento 2429.
  • 62
    Segundo Thiago Enes a denominação de "homem bom" deve ser observada como "algo mais complexo do que a simples associação do indivíduo ao grupo dos melhores homens da terra", uma vez que ela "traduzia a possibilidade de acesso ao conjunto de privilégios disponibilizados aos cidadãos da monarquia portuguesa, especialmente o de ocupar cargos da governança, e o direito de participar do jogo eleitoral, nos termos então vigentes" (ENES, Thiago. De como administrar cidades, op. cit., p. 149).
  • 63
    Declaração de Joao Furtado de Mendonça, 24 de outubro de 1742. AHU, Pará, caixa 26, documento 2429.
  • 64
    Cópia de certidão de sentença contra Luís Pourat de Castro, 21 de fevereiro de 1742. AHU, Pará, caixa 26, documento 2429. Em 1739, Luís Pourat foi acusado de mandar espancar Clemente Pereira Fidalgo; em 1741, foi sentenciado em Belém e pela Relação no ano seguinte.
  • 65
    Atestado do meirinho da câmara João dos Santos, 24 de outubro de 1742. AHU, Pará, caixa 26, documento 2429.
  • 66
    Os cirurgiões eram considerados inferiores socialmente devido a sua formação prática, adquirida no cotidiano da profissão, diferente dos médicos cuja formação era universitária. Assim se contrapunha a técnica de um com a atividade intelectual do outro, sobretudo na exigência do trabalho manual de um cirurgião e que, portanto, o aproximava das profissões mecânicas (SILVA, Maria Nizza da. Ser nobre na Colônia, op. cit., p. 23).
  • 67
    Representação de Luís Barreto, finais de outubro de 1742. AHU, Pará, caixa 26, documento 2429.
  • 68
    Alvará de cavaleiro fidalgo, 26 de fevereiro de 1724. DGARQ/TT, Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, livro 15, f. 339 v.
  • 69
    Isto porque d. Catarina de Oliveira Franca havia sido esposa de João Ferreira Ribeiro (pai de Antônio Ferreira Ribeiro). E, devido ao casamento de Antônio Ferreira com a irmã de d. Catarina em 1721, tornava-se Antônio, ao mesmo tempo, seu enteado e cunhado. Ficando viúva, ainda jovem, d. Catarina contraiu segundas núpcias com Guilherme Brussem de Abreu. Não sabemos exatamente quais foram os motivos que estimularam a animosidade de Antônio Ferreira contra Guilherme, mas inferimos que a questão passava também pela partilha dos bens, uma vez que, ao casar novamente, assumia o novo marido o patrimônio da viúva como cabeça de casal.
  • 70
    Carta da Câmara de Belém ao rei, 27 de outubro de 1742. AHU, Pará, caixa 25, documento 2334.
  • 71
    Entende-se por "correição" a ação periódica feita pelo corregedor da Comarca ou ouvidor nas vilas e cidades sob sua jurisdição, a fim de verificar a situação da justiça, por meio de devassas e visitas, tomando conhecimento das faltas cometidas. Desse modo, ao supervisionar e aplicar a justiça, ia corrigindo as faltas encontradas. De acordo com as Ordenações Filipinas, competia ao corregedor examinar também o procedimento dos tabeliães, e estando estes exercitando erroneamente o ofício, deveria ser julgado e aplicada a pena conveniente (ALMEIDA, Cândido Mendes. Código Filipino ou Ordenações e leis do Reino de Portugal. 14° edição. Rio de Janeiro: Tipografia do Instituto Philomathico, livro 1, titulo 58, 1870, p. 103; SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e sociedade no Brasil colonial. São Paulo: Editora Perspectiva, 1979, p. 5-6).
  • 72
    Significa sovela grande, que era um instrumento de ferro "em forma de haste cortante e pontiaguda, que os sapateiros e correeiros usam para furar o couro a fim de cozer". HOLANDA, Aurélio Buarque de. Novo Aurélio século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3ª edição revisada e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.
  • 73
    Antônio Faria de Equevedo nasceu em Belém por volta de 1663. Desconhecemos a sua ascendência, mas temos conhecimento de sua atuante participação na cidade. Foi provedor da Fazenda (1693), vereador da câmara várias vezes (1697, 1705, 1732 e 1733) e procurador dos índios (1737-1738).
  • 74
    Representação da Câmara de Belém ao rei, 27 de outubro de 1742. AHU, Pará, caixa 26, documento 2461.
  • 75
    Cópia do termo de posse de almotacé de Luís Francisco Barreto, 30 de setembro de 1741. AHU, Pará, caixa 26, documento 2461.
  • 76
    Cópia do termo de eleição para almotacé, 30 de setembro de 1741. AHU, Pará, caixa 26, documento 2461.
  • 77
    Requerimento de Luís Francisco Barreto ao rei, c. 1742. AHU, Pará, caixa 27, documento 2531.
  • 78
    Carta do rei ao ouvidor do Pará, 23 de fevereiro de 1743. AHU, Pará, caixa 27, documento 2531.
  • 79
    Carta do rei ao ouvidor do Pará, 26 de abril de 1743. AHU, Pará, caixa 26, documento 2461.
  • 80
    Carta do ouvidor ao rei, 20 de novembro de 1743. AHU, Pará, caixa 26, documento 2461.
  • 81
    Em 1742, faleceram Gaspar Siqueira de Queirós e Luís de Pourat, porquanto as ações irão se concentrar em outras pessoas da família.
  • 82
    Sentença do ouvidor Timóteo Pinto de Carvalho, 1 de fevereiro de 1743. AHU, Pará, caixa 26, documento 2429.
  • 83
    Assento de instrumento de testemunhas, 3 de setembro de1743. AHU, Pará, caixa 26, documento 2429.
  • 84
    Era irmão legítimo de João Ferreira Ribeiro, pai do sargento-mor Antônio Ferreira. É possível que tal sobrenome diferenciado dos demais irmãos tenha sido em homenagem, pelo lado materno, ao avô Feliciano Correia e ao bisavô Pedro Teixeira.
  • 85
    Carta do ouvidor ao rei, 2 de dezembro de 1743. AHU, Pará, caixa 27, documento 2531.
  • 86
    Assento de testemunhas, 12 de novembro de 1743. AHU, Pará, caixa 26, documento 2429. Ao que parece, corresponde ao sumário citado pelo ouvidor. No entanto, o documento que é original parece incompleto e contém somente três testemunhos, sem termo de abertura ou de encerramento.
  • 87
    Carta do ouvidor ao rei, 2 de dezembro de 1743. AHU, Pará, caixa 27, documento 2531.
  • 88
    Optamos por não apontar todas as informações contidas nesta representação de mais de 10 fólios para não sobrecarregar o leitor, embora as consideramos todas igualmente relevantes.
  • 89
    Carta do rei ao governador, 10 de maio de 1743. AHU, Pará, caixa 26, documento 2467.
  • 90
    Carta do governador ao rei, 25 de novembro de 1743. AHU, Pará, caixa 26, documento 2467.
  • 91
    Despacho do procurador da Coroa, 25 de junho de 1743. AHU, Pará, caixa 27, documento 2531.
  • 92
    Consulta ao Conselho Ultramarino, 27 de junho de 1744. AHU, Pará, caixa 27, documento 2531.
  • 93
    Carta do rei ao ouvidor do Pará, 8 de julho de 1744. AHU, Pará, caixa 26, documento 2429.
  • 94
    Despacho do procurador da Coroa, posterior a 19 de maio de 1744. AHU, Pará, caixa 26, documento 2461.
  • 95
    Despacho do Conselho Ultramarino, 19 de junho de 1744. AHU, Pará, caixa 26, documento 2461. O despacho foi emitido na carta da câmara de 27 de outubro de 1742. Existem muitas lacunas nos registos do Conselho Ultramarino de cartas régias e consultas realizadas neste ano, por isso nos valemos dos despachos exarados.
  • 96
    Acreditamos que estivesse aludindo a sua resposta de 2 de dezembro de 1743.
  • 97
    Carta do ouvidor ao rei, 20 de julho de 1747. AHU, Pará, caixa 29, documento 2764.
  • 98
    Parecer do procurador da Coroa, posterior a 6 de agosto de 1748. AHU, Pará, caixa 26, documento 2429.
  • 99
    Requerimento de Luís Francisco Barreto, anterior a 4 de setembro de 1748. AHU, Pará, caixa 30, documento 2888.
  • 100
    Despacho e aviso do Conselho Ultramarino, 7 de setembro de 1748. AHU, Pará, caixa 26, documento 2429.
  • 101
    Carta do governador ao rei, 18 de outubro 1737. AHU, Pará, caixa 20, documento 1884.
  • 102
    Carta do governador ao rei, 3 de setembro de 1742. AHU, Pará, caixa 24, documento 2312.
  • 103
    Carta do governador ao rei, 25 de novembro de 1743. AHU, Pará, caixa 26, documento 2467.
  • 104
    Como, por exemplo, em Pernambuco, onde os conflitos entre os comerciantes reinóis e os naturais da terra, gerados pela disputa pelos cargos camarários na Câmara de Olinda, no começo do século XVIII, culminaram com uma revolta de grandes proporções, cf. MELLO, Evaldo Cabral de. A fronda dos mazombos: Nobres contra mascates. Pernambuco (1666-1715). São Paulo: Companhia das Letras, 1995; e no Rio de Janeiro, onde ocorreu semelhante resistência à presença de reinóis na câmara, cf. BICALHO, Maria Fernanda. A cidade e o império, Rio de Janeiro no século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 374-384.
  • 105
    ROCHA, Rafael Ale. A construção da nobreza no Pará setecentista. In: CALAINHO, Daniela Buono (org.). Caminhos da intolerância no mundo ibérico do Antigo Regime. No prelo.
  • 106
    Carta do ouvidor ao rei, 22 de janeiro de 1746. AHU, Pará, caixa 28, documento 2686.
  • 107
    Igual arranjo havia sido feito em Recife na primeira década de seu funcionamento, garantindo assim o equilíbrio de nomeações entre reinóis e locais, que foi rigorosamente respeitado até 1720 a fim de se evitarem os problemas ocorridos em Olinda. SOUZA, George F. Cabral. A gente da governança do Recife colonial: perfil de uma elite local na América portuguesa (1710-1822). In: FRAGOSO, João e SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá (orgs.). Monarquia pluricontinental e a governança da terra no ultramar atlântico luso, op. cit., p. 55.
  • 108
    João de Souza Monis já aparece em 1730 como cidadão da cidade de Belém (Lista de cidadãos desta cidade [Belém], 20 de setembro de 1730. AHU, Pará, caixa12, documento 1142).
  • 109
    A este respeito podemos dizer, já com base no banco de dados que estamos construindo sobre a elite paraense, que Amaro Paes (Lisboa) era casado com d. Lourença Justiniana de Souza (Pará) e proprietário de uma engenhoca no Pará. Sua esposa, d. Lourença, era filha de José de Souza de Azevedo (Lisboa) e d. Maria Josefa de Sousa (Pará), que era cidadão da cidade onde foi vereador (1705) e juiz ordinário (1724). Sabemos ainda que José de Souza era sobrinho do capitão-mor Hilário de Souza e Azevedo e que descendia também do ex-governador do Maranhão, o capitão-mor Aires de Souza Chichorro, cavaleiro da Ordem de Cristo. D. Maria Josefa, por sua vez, era neta paterna do sargento-mor Agostinho Correia que também governou o Maranhão (Cf. DGARQ/TT, Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações incompletas, documento 89).
  • 110
    Carta do ouvidor ao rei, 22 de janeiro de 1746. AHU, Pará, caixa 28, documento 2686.
  • 111
    A título de exemplo, indicamos, na ordem dos temas citados: KRAUSE, Thiago Nascimento. Em busca da honra. A remuneração dos serviços da guerra holandesa e os hábitos das ordens militares (Bahia e Pernambuco, 1641-1683). São Paulo: Anablume, 2012; COSTA, Ana Paula Pereira. Atuação de poderes locais no Império lusitano: uma análise do perfil das chefias militares dos corpos de ordenanças e de suas estratégias na construção de sua autoridade. Vila Rica (1735-1777). Dissertação de mestrado, História social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2006; RODRIGUES, Aldair Carlos. Limpos de sangue: familiares do Santo Ofício, Inquisição e sociedade em Minas colonial. São Paulo: Alameda, 2011.
  • 112
    Requerimento do sargento-mor Antônio Ferreira Ribeiro, anterior a 9 de maio de 1741. AHU, Pará, caixa 24, documento 2237.
  • 113
    Filho de Gaspar Siqueira de Queirós e d. Teresa Luiza Maria Bittencourt. Alguns anos depois, em 1749, Francisco Siqueira de Queirós casou-se com sua prima d. Catarina Ferreira Morais de Nazaret e tornou-se genro de Antônio Ferreira Ribeiro.
  • 114
    O sargento-mor Agostinho Domingues Serqueira era natural de Braga. Fixou-se em 1718 no Pará onde se casou com d. Antônia de Oliveira Bittencourt.
  • 115
    Carta dos oficiais da Câmara de Belém ao rei, 17 de novembro de 1747. AHU, Pará, caixa 30, documento 2821.
  • 116
    Carta do ouvidor ao rei, 20 de julho de 1747. AHU, Pará, caixa 29, documento 2764.
  • 117
    Nuno Monteiro, analisando a circulação das elites no império bragantino, indica uma emigração expressiva para o Brasil entre 1700 e 1750, de pelo menos 100 mil portugueses. Sendo a emigração "majoritariamente jovem, masculina, e, ao que tudo indica, alfabetizada", terá trazido um novo perfil à sociedade colonial a partir de meados do século XVIII, notadamente nos grandes centros onde os grupos mercantis foram se fixando e ascendendo aos ofícios camarários (MONTEIRO, Nuno. A circulação das elites no império dos Bragança (1640-1808): algumas notas. Revista Tempo. Rio de Janeiro, v. 14, n. 27, 2007, p. 77). Certamente, o Pará se encontrava no destino de alguns destes homens, como bem demonstrou a história de Luís Barreto que, como vimos, também buscou os mecanismos possíveis de ascensão social.
  • 118
    Carta da Câmara de Belém, 8 de novembro de 1752. AHU, Pará, caixa 37, documento 3509; Idem, 2 de março de 1759. AHU, Pará, caixa 44, documento 4066.
  • 119
    No seu processo de habilitação, em 1743, o comissário Manuel de Almeida sobre ele se referia dizendo que "tem ocupação de cirurgião, que atualmente exercita nesta cidade, de que vive, e de suas fazendas, pois tem abundância de bens e fortuna, e dizem que poderia ter de seu cabedal o valor de 20 mil cruzados em moradas de casas, fazendas de raiz e servos, que sabe ler e escrever". Informação extrajudicial feita no Pará, 18 de outubro de 1743. DGARQ/TT, Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações, Lázaro, maço 1, documento 11.
  • 120
    DGARQ/TT, Feitos findos, justificações de nobreza, maço 15, n.º 37.
  • 121
    A este respeito, ver artigo de Marcia Ribeiro que aborda a trajetória de um cirurgião reinol na Bahia e Minas Gerais onde alcançou prestígio e ascensão social. RIBEIRO, Márcia Moisés. Nem nobre, nem mecânico. A trajetória social de um cirurgião na América portuguesa do século XVIII. Almanack Brasiliense. São Paulo, n. 2, nov. 2005, p. 64-75.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Jun 2013

Histórico

  • Recebido
    08 Nov 2012
  • Aceito
    23 Abr 2013
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