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"La sangre de los mártires es la semilla de cristianos nuevos": a consagração póstuma de missionários jesuítas (Província Jesuítica do Paraguai - século XVII)

"La sangre de los mártires es la semilla de cristianos nuevos": the posthumous consecration of Jesuit missionaries (Jesuitic Province of Paraguay, 17th century)

Resumos

A enfática reafirmação da inabalável fé dos jesuítas no cumprimento de sua missão é padrão narrativo recorrente nas cartas ânuas que tinham, dentre seus objetivos, o enaltecimento da própria Companhia de Jesus e de sua obra evangelizadora. O destaque dado às atuações exemplares de alguns missionários "como as que encontramos descritas nos necrológios inseridos nas ânuas e nas biografias produzidas em tempos variados" parece apontar para a reiteração da conduta virtuosa definida por Inácio de Loyola, tanto para os membros da ordem dos jesuítas quanto para aqueles que buscavam a garantia da salvação da alma. Nosso propósito neste artigo é o de analisar os relatos produzidos sobre "atos heróicos de virtude" de missionários, presentes tanto nas narrativas epistolares quanto em suas biografias, destacando a função pedagógica desempenhada pela consagração póstuma para a Companhia de Jesus.

Jesuítas; martírio; necrológios; boa morte; consagração póstuma


The emphatic reaffirmation of the unshakeable faith of the Jesuits in the accomplishment of their mission is a recurrent narrative pattern in the cartas ânuas, which had, among their goals, the extolment of the very Company of Jesus and its work. The distinction given to the exemplary work of some Jesuit missionaries - like those found described in the necrologies inserted in the ânuas and in the biographies produced in various times - seems to indicate the reiteration of the virtuous conduct defined by Inácio de Loyola to the members of the Company of Jesus, as well as to those who sought the salvation of the body and the soul. Our purpose in this article is that of analysing the accounts about the "heroic acts of virtue" of missionaries present in the epistolary narratives, as well as in the biographies, highlighting the pedagogic function performed by this posthumous consecration.

Jesuits; martyrdom; necrologies; good death; posthumous consecration


A definição de um exemplo de conduta pela e para a Companhia de Jesus

O fundador da Companhia de Jesus, Inácio de Loyola,1 1 Inácio de Loyola nasceu em uma família espanhola nobre em 1491. Fez carreira militar interrompida no cerco de Pamplona em 1521. Após uma peregrinação para Roma e Jerusalém, empreendeu estudos em Barcelona, Alcalá e Salamanca, finalizando-os em Paris onde, juntamente com outros companheiros, fez os votos da Companhia em 1534, dirigindo-a até sua morte em 1556. imprimiu à escolha dos membros da Companhia e ao ingresso de jovens nos colégios um cuidado todo especial. Em razão disso, as Constituições de 15582 2 As Constituições foram redigidas por Inácio de Loyola entre 1541 e 1556, "primeiro só e depois, com ajuda de seu secretário Padre Polanco, foi avançando via consultas a diversos rascunhos e versões em 1547, 1550, até chegar às dez partes de 1556". LONDOÑO, Fernando T. Escrevendo cartas: jesuítas, escrita e missão no século XVI. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 22, nº 43, 2002, p. 31. alongam-se em determinações que definem que seriam admitidos somente aqueles "cuja vida, por longas e cuidadosas provas, for bem conhecida e aprovada pelo Superior Geral".3 3 LOYOLA, Inácio de. Constituições da Companhia de Jesus. Lisboa: [s. n.], 1975, p. 175. Na verdade, o intento de Inácio de Loyola era o de admitir pessoas capazes de reproduzir sua experiência pessoal e, sobretudo, identificadas com sua concepção de prática apostólica, condições que ele considerava essenciais para a dilatação do Evangelho para maior glória de Deus.4 4 As dores torturantes sentidas por Inácio de Loyola, em decorrência dos ferimentos sofridos no cerco de Pamplona, são referidas como motivadoras de suas meditações e resoluções espirituais durante a convalescença, fornecendo um modelo de conduta pautada pela paciência e fé devota que ficaria regulamentado nas Constituições da Ordem. Na biografia de Inácio de Loyola escrita por Pedro Ribadeneyra (1594), sua vida é apresentada como aquela que atualiza o exercício cristão primitivo de misericórdia e de paciência face ao sofrimento, como um espelho para o devotamento à salvação da alma, tomando-se os males do corpo, nessa perspectiva, como oportunidade para a conversão e a cura da alma. Vale, contudo, ressaltar que o principal modelo de virtude e de martírio para os missionários jesuítas foi Francisco Xavier, o missionário das Índias orientais, o que fica exemplarmente atestado nas indipetae, cartas nas quais jovens jesuítas dos séculos XVI e XVII solicitavam ao padre geral da Companhia de Jesus o envio em missão para as Índias. Estas solicitações, em grande medida, da socialização dos registros feitos sobre "las diversas misiones y las experiencias de los jesuitas con el gentio y el infiel, aquel outro desconocido y diferente de los europeos que podia ser índio, japonés o indígena, [que] fueron conocidas dentro y fuera de la Compañía através de la correspondencia de los misioneros". LONDOÑO, Fernando Torres. Contato, guerra e negociação: redução e cristianização de Maynas e Jeberos pelos jesuítas na Amazônia no século XVII. Revista de História Unisinos. São Leopoldo, v. 11, n. 2, maio-agosto de 2007, p. 241.

Para Loyola, o "homem foi criado para bendizer, fazer reverência e servir a Deus Nosso Senhor e, mediante isso, salvar sua alma",5 5 LOYOLA, op. cit., p. 34. razão pela qual os valores sensíveis e voluntários deveriam ser dominados e o "chamamento de Cristo Rei, que (...) convoca ao combate contra as potências de Satanás, sob o estandarte da Cruz" deveria ser aceito.6 6 BANGERT, William. História da Companhia de Jesus. São Paulo: Editora Loyola, 1985, p. 20. A vocação de servir, idealizada por Loyola, foi transformada, então, na ideia de missão que passou a moldar indiscutivelmente o pensamento e a prática da Companhia de Jesus, ficando estabelecido que "(...) o fim desta Companhia é não somente ocupar-se da salvação e perfeição das almas próprias com a graça divina, mas também (...) procurar intensamente ajudar à salvação e perfeição dos próximos".7 7 LOYOLA, op. cit., p. 307. Este tipo ideal de missionário definido por Inácio de Loyola parece ficar bem evidenciado nesta passagem da ânua de 1637-1639 que se refere à conduta de santidade do irmão coadjutor Gonzalo de Juste: "Hizo con grande fervor su noviciado, haciendo ahora la guerra a si mismo con grande intrepidez, como buen soldado". MAEDER, Ernesto (org.). Cartas ânuas de la Província del Paraguay (1637-1639), Buenos Aires: Fecic, 1984, p. 49.

De acordo com as Constituições, aqueles que pretendiam ingressar na Companhia, "antes de começar a viver sob a obediência8 8 A obediência não é percebida somente como abnegação, mas também como forma de "unir los repartidos con su cabeza y entre si", uma vez que "esta unión se hace en gran parte con el vínculo de la obediencia". Apud IPARRAGUIRRE, Ignacio. Obras completas de san Ignacio de Loyola. Madri: Biblioteca de Autores Cristianos, 1952, p. 521. numa das suas residências ou colégios, devem distribuir todos os bens materiais que possuem e dispor de todos os que esperem vir a ter"9 9 LOYOLA, op. cit., p. 46-47. Também a caridade, associada à bondade e às virtudes, são exaltadas por favorecerem "la unión de una parte y de otra" e, ainda, por, através delas, "ordenarse el amor propio, enemigo principal desta unión y bien universal." Apud IPARRAGUIRRE, op. cit., 1952, p. 525. e, ainda, "se quiser seguir a Companhia, há de comer, beber, vestir-se e dormir duma maneira própria de pobres",10 10 LOYOLA, op. cit., p. 55. devendo, também, estar "pronto e decidido a aceitar e sofrer pacientemente, com a graça de Deus, todas as injúrias, escárnios e opróbrios que andam associados às insígnias de Cristo Nosso Senhor".11 11 LOYOLA, op. cit., p. 62. Na biografia de Inácio de Loyola escrita por Pedro Ribadeneyra (1594), sua vida é apresentada como aquela que atualiza o exercício cristão primitivo de misericórdia e paciência face ao sofrimento, como um espelho para o devotamento à salvação da alma. Os males do corpo são tomados, nessa perspectiva, como oportunidade para a conversão e a cura da alma.

Os postulantes deveriam permanecer nas casas de provação por um período geralmente de dois anos, durante o qual passavam por experiências - com duração de um mês cada - que consistiam na realização dos exercícios espirituais, na prestação de serviços em hospitais, na peregrinação como mendicantes, no desempenho diligente em diversos ofícios baixos e humildes, no ensino da doutrina cristã a crianças ou a outras pessoas rudes - em público ou em particular - para que, ao final delas, pudesse pregar, confessar ou realizar qualquer outro trabalho dentro da Companhia. O espírito da Companhia pode ser consequentemente assim definido: "Todos sean personas que se han desnudado del amor con propósitos de servir a Dios, su Criador Señor, y sus prójimos en perpetua pobreza, castidad y obediencia".12 12 Apud IPARRAGUIRRE, op. cit., p. 579.

A ordenação e a contenção dos prazeres da carne, em especial dos "prazeres venéreos" como denominados por santo Tomás de Aquino, constituíam-se não apenas em aspecto fundamental da formação como também da conduta virtuosa a ser buscada pelos membros da Companhia de Jesus que, para manterem a castidade, deveriam buscar inspiração na vida de santos católicos, muitos deles mártires.13 13 "Los jesuitas gustaban de encontrarse cercanos de aquellos que eran considerados como santos en esa sociedad sacralizada en la que vivian. Las hagiografias, de las que en ocasiones eran autores, hablaban de que el santo se percataba perfectamente de que estaba llegando el final de su vida. La prediccion de la muerte era una revelacion muy habitual en todos aquellos que contaban con fama y olor de santidad. (...) Precisamente, relacionado con esa dimension redentora de la muerte, se hallaba la propia de un martir, palabra que etimologicamente significa "testigo", pero al mismo tiempo se presentaba como legitimador de una causa, con independencia de la orilla en la que se encontrase. (...) Los martires, ejemplos de muerte heroica para aquellas mentalidades (...) Despues del Concilio de Trento, y en plena expansion misional catolica, los escenarios de los martirios se ampliaron: los nuevos martires de Japon, China, India o Inglaterra eran presentados como manifestacion de Dios y de sus obras. Y asi lo entendieron las hagiografias de la Compania desde el principio, desde la muerte del primero de ellos en estos trabajos, el italiano Antonio Criminal, en tierras de la mision de Oriente. Las vidas de los martires, todas ellas tan atrayentes con su final incluido, despertaban 'deseos ardientes' de imitacion." BURRIEZA SÁNCHEZ, Javier. Los jesuitas: de las postrimerias a la muerte ejemplar. Hispania Sacra, LXI, 124, julio-diciembre 2009, p. 524-527 (grifo nosso). Para a garantia desta conduta, as Constituições recomendavam que "por la honestidad y decencia, es bien que las mujeres no entren en las Casas ni colegios, sino solamente en las iglesias".14 14 Apud IPARRAGUIRRE, op. cit., p. 431.

Já a relação entre virtude e humildade aparece claramente na orientação quanto à execução de ofícios considerados baixos, o que está relacionado com o treinamento da obediência, tão bem expresso nos números 84 e 284 das Constituições e que preveem: "Y no solamente en la exterior execución de lo que manda, obedezcan y prontamente con la fortaleza y humildad debida, sin excusaciones y murmuraciones, aunque se manden cosas difíciles y repugnantes".15 15 Apud IPARRAGUIRRE, op. cit., p. 435. Para que os postulantes não descuidassem de proceder com "caridad, bondad y virtud" e com "menosprecio de las cosas temporales",16 16 Apud IPARRAGUIRRE, op. cit., p. 525. as Constituições previam pregações que deveriam ser realizadas "alguna hora después de comer (...) tratando a menudo de lo que toca a la abnegación de si mismos y de las virtudes y toda perfección" e que "algunas veces entre año todos rueguen al Superior les mande dar penitencias por la falta de observar las reglas".17 17 Apud IPARRAGUIRRE, op. cit., p. 434.

Partidário da concepção tomista de que o conhecimento penetrava no intelecto pela via dos sentidos, Inácio de Loyola recomendava que "Todos tengan especial cuidado en guardar con mucha diligencia las puertas de sus sentidos, en especial los ojos y oídos y la lengua, de todo desorden".18 18 Apud IPARRAGUIRRE, op. cit., p. 427-428. O domínio dos sentidos pelo intelecto - a mortificação das paixões - deveria expressar-se na maneira de falar, de andar e de olhar do postulante que, além de "guardarse de todo tocamento indecente y de la divagación de los ojos y de todos los otros sentidos", deveria "también refrenar la lengua (...) conciértarse bien las vestiduras, ni descubrir cosa no honesta".19 19 Apud IPARRAGUIRRE, op. cit., p. 614.

Na verdade, a observância às regras e o consequente domínio dos sentidos eram alcançados através de penitências internas ou externas, sendo que as primeiras se referiam à dor que o penitente deveria sentir pelos pecados cometidos, acompanhada do propósito de não mais cometê-los, enquanto as externas se dariam através de castigos aplicados ao corpo ou de privações no comer e no dormir. A autoflagelação implicava "castigar la carne, es saber, dándole dolor sensible, el cual se da trayendo cilicios o sogas o barras de hierro sobre las carnes, flagelándose o llagándose".20 20 Apud IPARRAGUIRRE, op. cit., p. 626. As Constituições recomendavam, no entanto, que essas asperezas fossem utilizadas comedidamente e que os postulantes obedecessem aos "médicos corporales y enfermeros, para que gobiernen su cuerpo; pues los primeros procuran su entera salud spiritual, y los segundos toda su salud corporal".21 21 Apud IPARRAGUIRRE, op. cit., p. 388. As penitências, segundo Loyola, deveriam servir para "buscar y hallar la voluntad divina en la disposición de su vida para la salud del alma",22 22 Documentos para la historia argentina - D. H. A., tomo XIX. Buenos Aires: Talleres Jacobo Peuser S.A., 1927, p. 9. o que também poderia ser obtido através do martírio, isto é, da busca pela imitação de Cristo.

Os jesuítas, em função de seu ideal salvacionista - para si e para os outros -, ansiavam pelo martírio pessoal, a maior glória a que um membro da Companhia de Jesus poderia almejar,23 23 Para um cristão, segundo Jean-Pierre Vernant, "a morte nada é, é uma passagem [...] A preocupação com a individualidade no bojo do pensamento cristão se caracteriza justamente pela ideia da ressurreição dos corpos. Se há verdadeiramente uma imortalidade das pessoas em sua singularidade, é preciso que os corpos também ressuscitem". VERNANT, Jean-Pierre. A travessia das fronteiras. São Paulo: Edusp, 2009, p. 86. daí o registro, nas cartas ânuas,24 24 Em relação às cartas ânuas que analisamos, deve-se observar que as litterae annuae são a correspondência periódica que os padres provinciais enviavam ao padre geral da Companhia de Jesus. Elas têm sua base nos relatórios anuais que o provincial recebia dos superiores das residências, colégios, universidades e missões junto aos índios. Continham uma detalhada informação sobre as casas, suas obras, pessoas e atividades, sendo redigidas pelos secretários ou por pessoas com capacidade para escrevê-las, designadas pelo provincial. As cartas ânuas relativas à Província Jesuítica do Paraguai cobrem o período que vai de 1609 a 1675 e, após um intervalo de cerca de 40 anos, o período de 1714 a 1762. Obedeceram a uma periodicidade anual até 1617, quando passaram a ser bienais e, posteriormente, trienais. Vale ressaltar que "Las cartas anuas presentan ya, eventualmente, una elaboración secundaria de la actividad misionera entre los indios, con acentuadas intenciones apologéticas, pensando incluso en un lector europeo que debe quedar edificado con tanto heroísmo de los jesuitas [...]". MELIÀ, Bartomeu. El guaraní conquistado y reducido: Ensaios de etnohistoria. 2ª ed. Asunción: Ceaduc, 1988, p. 94-95. de situações como a do pe. Roque Gonzalez que saía a predicar "como quien no temia la muerte, ya ofrecida la vida por atraer a Dios Nuestro Señor a esta desamparada gente" 25 25 D. H. A., op. cit., p. 163. Na introdução do primeiro volume desta coletânea de cartas ânuas publicadas, encontramos a seguinte definição: "Las Anuas son un resumen de todo y responden al propósito de informar sobre el estado de la Provincia al P. general y a toda la Compañía de Jesús, sin el empeño, claro está, de agotar las informaciones, que suelen ser más detalladas, en parte, en las llamadas consultas hechas por el Provincial, dirigidas al General y contestadas por él en los postulados de las congregaciones provinciales periódicas, etc., todas las cuales se conservan, también, en gran parte, en los diferentes archivos jesuíticos del mundo". D.H.A., op. cit., p. 21. ou, então, do pe. Diego Razonier que, além de indagar-se "cuándo me llamarán a ser martirizado, para ser comido en un banquete de los indios, por tu glória, oh, Jesús!", mortificava-se com frequência e "a las fiestas de los Santos se disponía con un ayuno de ocho dias".26 26 MAEDER, op. cit., p. 165. A América será para muitos destes missionários o local de realização deste anseio,27 27 Os primeiros jesuítas a lançarem as bases da ação missionária na América chegaram em 1549, acompanhando o primeiro governador geral do Brasil, o português Tomé de Souza. Atribui-se ao pe. Leonardo Nunes a ideia de fundar missões entre os indígenas Guarani ainda no ano de 1552. Sabe-se que, após a sugestão dada por Leonardo Nunes, houve uma tentativa frustrada de Manuel da Nóbrega de levar a missão jesuíta ao Paraguai, que não se concretizou devido à oposição de Luís da Grã e à interdição formal vinda de Roma, trazida pelo visitador Inácio de Azevedo. Datam de 1555 as primeiras solicitações - feitas pelos espanhóis estabelecidos no Paraguai - do envio de missionários jesuítas para o serviço espiritual dos colonos e para a conversão dos indígenas já pacificados, mas, somente em 1566, a Companhia de Jesus obteve licença para atuar nos domínios hispânicos. O projeto, no entanto, foi retardado até 1588, quando o Conselho das Índias aprovou o envio de missionários jesuítas para a região. como se constata na solicitação feita pelo padre Martín Urtasún que, segundo Diego de Torres Bollo - o primeiro provincial da Província Jesuítica do Paraguai - "Quiso entrar en la Compañía por el deseo de hacerse mártir (...) Su antigo deseo de hacerse mártir le hizo pedir la Provincia del Paraguay, convencido de que allí más seguramente podía conseguir el anhelado martírio".28 28 D.H.A., op. cit., p. 454-455.

Na América: a serviço da Companhia de Jesus e em busca da cura d'almas e da "morte admirável"30 30 Apud RABUSKE SJ, Arthur. A carta magna das reduções jesuíticas Guaranis. Estudos Leopoldenses. São Leopoldo, v. 14, nº 47, 1978, p. 23. Vale lembrar que, na instrução do pe. Francisco de Borja, de março de 1567, já havia a explícita recomendação de que os missionários tomassem os cuidados necessários para garantirem sua saúde e a conservação da vida, não obstante o reconhecimento da importância do martírio. 31 31 Apud RABUSKE, op. cit., p. 30. 34 34 MAEDER, op. cit., p. 49. 35 35 D. H. A., op. cit., p. 382. 41 41 D. H. A., op. cit., p. 426. 42 42 D. H. A., op. cit., p. 476 - 479. 43 43 D. H. A., op. cit., p. 460. 44 44 D. H. A., op. cit., p. 469. 45 45 D. H. A., op. cit., p. 523.

Em 1593, ano em que a Província Jesuítica do Paraguai é desmembrada da Província Jesuítica do Peru, chegaram ao Paraguai quatro padres e dois irmãos coadjutores. A extensão da Província e as dificuldades encontradas para o sustento dos missionários forçaram a retirada dos padres do Paraguai, tendo permanecido apenas um padre em Assunção. Em 1601, o padre Diego de Torres Bollo foi enviado à Espanha, retornando ao Peru em 1607, na condição de provincial da nova Província criada pelo superior geral. Para discutir as diretrizes básicas da ação a ser adotada pela Companhia na nova província, o pe. Torres Bollo organizou, no ano seguinte, a Primeira Congregação Provincial que definiu as primeiras instruções aos missionários.29 29 A primeira instrução, datada de 1609, teve como destinatários os padres José Cataldino e Simão Maceta, missionários enviados ao Guairá. A segunda, de 1610, foi dirigida a todos os missionários jesuítas que atuavam entre os indígenas do Guairá, do Paraná e entre os Guaicuru. Da 1ª instrução destacamos o segundo artigo que se refere aos cuidados que os missionários deveriam ter com a sua própria saúde, ressaltando que os mesmos deveriam acreditar na justiça e bondade divinas e confiar na proteção dos santos e anjos:

Cuidarão Vossas Reverências de sua saúde e cada um pela de seu companheiro; e guardarão a devida prudência nos jejuns, vigílias e penitências, bem como em abraçar e acometer os perigos, sem faltar, contudo em que for necessário na confiança que devem ter na Bondade divina e paternal Providência, e na intercessão da Soberana Virgem e dos Anjos da Guarda (...).

Na 2ª instrução do pe. Torres para todos os missionários do Guairá, Paraná e dos Guaicurus, há recomendações que reforçam a crença na intercessão divina:

E que, enquanto mais cuidarmos de nossa perfeição, tanto mais nos faremos instrumentos aptos de alcançarmos a de nossos próximos, a sua salvação e a conversão dos índios, sendo que esta a havemos de negociar (conseguir) principalmente com orações contínuas, com sacrifícios e penitências.

O desamparo, o apego às orações e o enaltecimento do sofrimento e do martírio ficam evidenciados na carta ânua de 1613, que registra a morte do padre Baltazar que contava com apenas seis anos de Companhia, dos quais três como missionário entre os índios Guarani. Segundo o padre relator da carta, ele sucumbiu aos calores excessivos da terra, que lhe causaram uma febre grave e disenteria, tendo sofrido "sua enfermidade com edificante paciência. Tão extrema era sua penúria que não havia nem uma crosta de pão para lhe ser oferecida como alento (...) tanto que se pode dizer - com razão - que sua morte foi semelhante à de São Francisco Xavier".32 32 D. H. A., op. cit., p. 464. Esta situação relatada na ânua de 1613 evoca a concepção de "bela morte" vinculada à vida breve, pois, "no ideal heróico, um homem pode optar por querer ser sempre e em tudo o melhor e, para prová-lo ele vai continuamente [...] colocar-se, sem hesitar, na primeira fila e pôr em ação todos os dias, em cada enfrentamento, sua própria vida. A morte heróica não confere apenas uma honra incomparável: ela realiza também o paradoxo de uma criatura humana morta, efêmera, devotada a um ciclo que caracteriza o homem, opondo-se aos deuses". VERNANT, op. cit., 2009, p. 79-83.

A vinculação entre penúria - sobretudo aquela decorrente da falta de alimentos - e martírio fica evidente numa passagem da ânua de 1614, em que o missionário relata que se encontravam todos muito fracos e que "para reparo e regalo não havia outras comidas, que milho cozido ou tostado, batatas, brotos e algumas ervas sem sal, e entreolhando-nos rezamos e louvamos a Nosso Senhor que nos dava ocasião para padecer algo por seu amor".33 33 D. H. A., op. cit., p. 57. Já na ânua de 1637-1639, encontramos o registro de um irmão coadjutor que, para manter-se afastado do pecado,

maltrató su cuerpo de una manera increíble, comendo por muchos años sólo mendrugos de pan ya casi mohoso, yendo rara vez y sólo por mandato de los Superiores a la mesa común. A esto añadió crueles austeridades corporales [para guardar la castidad con la perfección exigida por el Instituto de la Compañía], tanto que resultó en su espalda derecha una grande llaga gangrenosa, a la cual curaba a veces con una teja muy caliente, o con fierro candente, rehusando cualquier otro remedio (...) a modo de curación aplicó a veces a sus rodillas entumecidas, perforándolas con un asador candente. No aflojó nunca en mortificarse de semejantes maneras. Para curarse de una postilla podrida debajo del brazo, mandó a uno de los negros de casa, que con martillo de la carpintería y con un cincel de hierro, le quitara. (...) De este modo el buen hermano estaba ya maduro para el cielo por sus virtudes.

Mas, nem sempre, o sofrimento - encarado com "edificante paciência" e fé - resultava em "morte ditosa", como se depreende deste registro que refere à cura de um missionário por intercessão divina:

Caiu enfermo o Padre Mateo, por causa dos muitos sofrimentos. Que remedio lhe poderia proporcionar? Que alivio? Lhe fiz uma comidinha bem leve, preparando-lhe uma sopinha com um pouco de farinha das hóstias - por certo, um banquete exquisito! Com o favor de Deus se compôs prontamente.

A preocupação com o restabelecimento dos missionários adoentados fica atestada na carta ânua de 1635-1637, na qual o padre Diego Boroa informa que, em face da "enfermidade do Pe. Graciano (...) se lhe fizeram muitos e grandes remédios com todo cuidado [contudo] não foram bastantes para que não viesse a falecer".36 36 D. H. A., op. cit., p. 467-469. Muitas das doenças que acometiam os missionários decorriam do seu envolvimento com os indígenas adoentados, pois recorriam às casas dos enfermos, "para levar os consolos espirituais (...) procurando que não lhes faltasse o alimento conveniente ao seu estado" e para "administrar as medicinas possíveis e, às vezes, também atuavam como médicos e enfermeiros".37 37 HERNÁNDEZ SJ, Pablo. Organización social de las doctrinas Guaraníes de la Compañía de Jesús. Barcelona: Gustavo Gili Editores, 1913, p. 16. A ânua referente ao período de 1635 a 1637 confirma esta prática, ao informar que o padre Ho Blas Gutierres "(...) havia aprendido, lido e experimentado medicamentos, para poder acudir os enfermos e necessitados (...) sendo juntamte. médico e enfermeiro (...)".38 38 D. H. A., op. cit., p. 472 - 474.

A avaliação das condições de saúde dos indígenas orientava o cotidiano dos missionários, pois, mesmo estando sozinhos, cabia a eles recorrer "todas as casas do povoado para verificar se há algum enfermo" ou, então, afastar-se dele, fazendo "algumas saídas rio acima para ver se podíamos ajudar alguns doentes, não sem muito trabalho, caminhando por montes e arroios (...)".39 39 D. H. A., op. cit., p. 266, 289. Na ânua de 1626, o pe. Nicolas Mastrillo Duran reforçaria o envolvimento dos missionários em atividades "(...) que consistem, não somente em cuidar das almas dos índios senão também (e não com pouco trabalho) de seus corpos e de tudo o que pertence a la industria, trato y policía humana".40 40 D. H. A., op. cit., p. 264 - 265. A dedicação incondicional dos missionários pode ser constatada nestes registros que selecionamos:

O Pe. Marcial de Lorenzana - mesmo estando doente - saiu de casa para acudir a todos os indígenas adoentados, apesar de todos os incômodos, porque os da terra não queriam tratar com outro.

Acudia a todos o Pe. Graciano (...) sendo necessário algumas vezes ficar muito próximo do enfermo pa poder ouvi-lo (...) sem temer o perigo e nem o contágio da peste (...) continuou o padre com esta prática (...) o que fez com que tempos depois se sentisse mal e com febre (...).

Se do atendimento "aos apestados" resultava a "morte ditosa" daqueles missionários que, mesmo enfermos - e suportando dores e febres -, acudiam a todos com "admirável paciência", isto provocava "grande sentimento entre os da casa com seu exemplo":

(...) morreu dois anos e oito meses depois de haver entrado na Companhia (...) durante seus últimos meses de noviciado exerceu o ofício de enfermeiro, (...) contraiu uma enfermidade e exercendo sua atividade morreu (...).

Hº Blas Gutierrez (...) acudindo aos enfermos com caridade, veio a morrer aos 72 anos de idade e 22 de Companhia, exercendo a atividade de enfermeiro.

A estes registros, que dão conta do intenso envolvimento dos missionários com enfermos - e que, em determinadas situações, provocava sofrimento e, inclusive, a morte -, se somam alguns em que os jesuítas ressaltam sua imunidade ao contágio:

Uma terrível epidemia se abateu sobre a cidade, causando grandes estragos (...) também abateu a todos os sacerdotes, menos aos da Companhia, para que pudessem assistir aos moribundos. Não fizeram somente isto, pois repartiram medicamentos para os enfermos e esmolas aos pobres.

Essa percepção, mais do que justificar a prática da medicina pelos jesuítas, na ausência de outros capacitados para fazê-lo - "tratando-se de misericórdia para com os pobres quando não existisse médico ou cirurgião"46 46 LEONHARDT, Carlos. Los jesuítas y la medicina en el Rio de la Plata. Estudios. Buenos Aires, n. 57, 1937, p. 103. -, parece apontar para a crença em uma certa predestinação da Companhia de Jesus para o exercício do apostolado entre os indígenas na América.

Uma vida de sacrifícios, feitos extraordinários, conduta exemplar e renúncia: trajetórias exemplares de missionários52 52 Cartas ânuas de la Provincia Jesuitica del Paraguay - C. A., 1647-1649. Traducción do pe. Carlos Leonhardt SJ., Buenos Aires, 1994 [1927], p. 30. As cartas ânuas da Província Jesuítica do Paraguai referentes à segunda metade do século XVII analisadas neste artigo foram, inicialmente, traduzidas do latim para o espanhol pelo padre Leonhardt em 1927 e se encontram no Acervo do Colégio del Salvador, em Buenos Aires, Argentina. Uma versão digitada destas cartas, com data de 1994, se encontra à disposição dos pesquisadores no Acervo do Instituto Anchietano de Pesquisas - Unisinos, São Leopoldo, RS. 53 53 C. A. 1647-1649, [1927], 1994, p. 34. 54 54 C. A. 1647-1649, [1927], 1994, p. 49-50. 59 59 C. A. 1647-1649, 1994 [1927], p. 6. 75 75 C. A. 1668, 1994 [1927], p. 8-11.

Nas cartas ânuas da Província Jesuítica do Paraguai que analisamos, encontramos informações tanto sobre a percepção que os jesuítas tinham do martírio47 47 De acordo com Cymbalista, a valorização do martírio se dava por guardar semelhança com o sofrimento experimentado por Cristo. A partir da era moderna, houve, inclusive, a circulação de obras que versavam sobre a imitação da trajetória dos últimos momentos de Jesus. A ideia de que este sofrimento os aproximava dos santos que haviam sido martirizados, garantindo, por consequência, a aproximação com Deus, acabava conferindo grande prestígio ao mártir, por sua condição de modelo a ser seguido. Ver mais em CYMBALISTA, Renato. Sangue, ossos e terras: os mortos e a ocupação do território luso-brasileiro. São Paulo: Editora Alameda, 2011. quanto sobre como se dava a preparação para a morte diante da sua iminência. O relato do martírio que sofreu o pe. Gaspar Osório é antecedido de uma descrição de suas virtudes, com destaque para a prática das austeridades corporais e para as condições em que dormia - um couro de boi como cama e uma pedra como travesseiro -, o que levou o padre relator da ânua a afirmar que "Así es que por su vida abnegada estaba en cierto modo para recibir la corona del martírio".48 48 MAEDER, op. cit., p. 57-59. Já o pe. Tomás de Ureña, em carta remetida ao pe. Nicolás Durán, em 20 de novembro de 1628, relata da seguinte maneira o martírio de Roque González: "Oh, que feliz vida y muerte. No se puede desear cosa más grande (...) después de haber sufrido tanto dar la sangre por la Verdad (...) y ofrecer nuestra vida a aquel el cual dio la suya primero por nosotros".49 49 D. H. A., op. cit., p. 379.

Quanto à preparação dos missionários diante de situações potenciais de martírio, como os ataques dos bandeirantes às reduções, esta pode ser evidenciada numa passagem da necrologia do pe. Diego de Alfaro - inserida na ânua de 1637-1639 - e que dá conta de que ele "se retiró a la soledad para recobrar las fuerzas físicas y espirituales, haciendo los Santos Ejercícios. Allí gustaba las delicias del amor a Jesús y se preparaba a su cercana y gloriosa muerte".50 50 MAEDER, op. cit., p. 149. A descrição feita pelo padre Zurbano nesta ânua parece confirmar a percepção esboçada vinte um anos antes: "Tiene tal celo que no me parece exageración cuando afirmo que ellos buscan la salud de las almas con tanto fervor como si se tratara de salvar su propia alma".51 51 MAEDER, op. cit., p. 30.

Por sua natureza edificante, os necrológios se caracterizam pelos elogios fúnebres que ressaltam, sobretudo, as condutas exemplares - de doação ao apostolado - tanto daqueles que haviam morrido pouco depois de cumprirem seus votos e de terem iniciado sua vida missionária quanto daqueles que haviam padecido grandes sofrimentos, como nos trechos que destacamos a seguir:

Murió en este colegio en 1647 el Padre José Quevedo, natural de Córdoba del Tucumán, a la edad de 26 años, apenas acabados los estudios teológicos. Había venido acá para restablecer su salud. Cumplió fielmente sus santos votos. Era de un carácter muy bondoso, y tenía el talento de animar con su jovialidad los recreos, y tenía habilidad para todo. Era muy devoto de María Santísima, de su virginal esposo, y de nuestros Santos, en cuyo honor había prometido ayunar en las vísperas de su fiesta a pan y agua. Así preparado no era de admirar, que sin miedo esperase la muerte.

Além do jovem padre Quevedo, outro padre - com quase cinquenta anos e que também atuava junto ao Colégio de La Rioja - veio a falecer, tendo ressaltadas suas virtudes de pureza e caráter, por ter sofrido resignadamente e em silêncio a enfermidade que o acometeu:

Murió en 1649 el Padre Pedro Herrera, natural de esta misma ciudad, a la edad de 49 años, y a los once años de profesión solemne. Era buen religioso, distinguiéndose por su paciencia (...) Molestado por la enfermedad de cálculos dolorosos, y otros sufrimientos, no suprimió nada de sus ordinarias tareas, confesando y predicando. Sabía bien el idioma de los indios y entendía bien su carácter particular, y viéndolos indefensos en manos de los poderosos, los defendía con intrepidez, no haciendo caso de las críticas malévolas. Estaba como hecho y formado para la evangelización de los pobres. Estando para morir, se le oía exclamar: Más dolor, Señor, y más amor.

Demonstrações de "ardientes deseos" de servir à causa da Companhia de Jesus também podem ser encontradas nos necrológios, como nesta passagem da mesma ânua:

Año 1647; el 12 de Noviembre murió el Padre Carlos Arconato, natural de Milán, profeso de 4 votos, a la edad de 43 años y de 22 años de Compañía. Al querer entrar en la Compañía, se opusieron sus parientes hasta con armas en la mano, pero El no se acobardó y siguió la vocación de Dios. De su espíritu magnánimo da prueba su deseo de dedicarse a las misiones de indios. Cuando yo estaba en Roma de procurador del Paraguay y alistaba la expedición de nuevos misioneros, él se presentó también, y lo admití. (...) Llegado a esta provincia pidió dispensa de ulteriores estudios, para no perder sus mejores años. Hecho ya misionero se dió de lleno a sus tareas, sin hacer caso de la debilidad de su salud. Eran sus delicias rezar el Rosario de noche con los indios. Pronto alcanzó la eterna gloria.

O longo período de Companhia também é motivo de exaltação nos necrológios, como se pode constatar, tanto no elogio fúnebre do pe. Arconato, quanto no do pe. José Cataldino, que atuava junto aos "pueblos del Paraná e Uruguay" e veio a falecer com mais de 80 anos no dia 10 de junho de 1653:"El día, en que murió, se le vió por muchos, en lugares muy distantes, rodeado con rayos de gloria. Falleció después de 15 días de enfermedad, habiendo estado en la Compañía 52, y profesado 44 años ántes".55 55 C. A. 1652-1654, [1927], 1994, p. 48. "En las Constituciones de la Compania, en su parte VI (capitulo 4º), se especificaba 'la ayuda que se da en la muerte de los de la Compania y sufragios despues della'. El acompañamiento no era solo a traves de la oracion, pues todos los miembros de la casa podian y debian entrar a ver morir al que se hallaba en la ultima enfermedad, aunque unos pocos fuesen los que le cuidasen. La oracion era anterior y posterior al fallecimiento, celebrando los sacerdotes de la Compania sufragios por su alma y anunciandolo alla donde se pudiese llegar. La muerte de un religioso se convertia en manifestacion de la gloria de Dios. En la Compania, en la que todo se hallaba reglamentado y no se dejaba nada a la improvisacion, cada uno de los miembros del Instituto era enterrado de una manera, dependiendo si era hermano, escolar o sacerdote, aunque se tendio a uniformar los usos y costumbres." BURRIEZA SÁNCHEZ, op. cit., p. 522-523 (grifo nosso).

Nos necrológios, em geral, são destacados os feitos mais relevantes - e edificantes - dos missionários jesuítas, desde o seu nascimento até sua morte, bem como as dificuldades que estes padres enfrentaram, os objetivos que não puderam ser alcançados e, principalmente, suas maiores provas de fé.56 56 A análise dos textos dos necrológios inseridos nas cartas ânuas implica reconhecer sua evidente função pedagógica e de rememoraçãopara a Companhia de Jesus. As descrições laudatórias que as mortes de alguns padres ou irmãos mereceram apontam para a valorização de determinadas virtudes e condutas que deveriam ser almejadas e observadas pelos demais membros da Ordem. Mais do que um chamamento ao apostolado, a morte virtuosa ou decorrente de martírio de um missionário jesuíta deveria ser percebida como a experiência concreta da mística salvacionista da Companhia de Jesus: "(...) los jesuitas trataban de demostrar a traves de sus trabajos (...) por las obras que escribian e imprimian sus autores de exito y por la publicistica que realizaban de todo ello, que los medios que ofrecian se presentaban mas seguros y eficaces que otros ya planteados y existentes. Enfatizaban que su espiritualidad contribuia a culminar un deseo de salvacion manifiesto. Se cumplia el objetivo de la Compania: no solamente procuraban por su vida espiritual alcanzar su propia salvacion sino tambien la de los projimos". BURRIEZA SÁNCHEZ, op. cit., p. 544. Invariavelmente, estas demonstrações de fé estão relacionadas à maior ou menor resistência dos indígenas à conversão, às distâncias percorridas, às adversidades climáticas e às condições - sobretudo as de relevo e de vegetação - das regiões que percorreram atuando como missionários.57 57 Vale destacar que muitas destas funções previam o deslocamento dos missionários mediante a organização de missões que, para além de seu caráter civilizador-evangelizador, acabavam possibilitando o levantamento cartográfico de extensas regiões, como se pode constatar nas informações registradas nas ânuas que analisamos e também na produção de mapas por alguns missionários jesuítas. Ver mais em BARCELOS, Artur Henrique Franco. O mergulho no seculum: exploração, conquista e organização espacial jesuítica na América espanhola colonial.Tese de doutorado, Programa de Pós-Graduação em História, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), 2006. Assim, eles nos revelam informações sobre como os missionários buscavam "la salud de las almas", enfrentando ameaças constantes, perigos e obstáculos naturais para atender a grupos de indígenas em regiões distantes até dez milhas do local - redução ou colégio - em que se encontravam.58 58 A sensação de solidão e de desamparo, que se intensificava nas inóspitas e longínquas "terras de missão" para as quais alguns jesuítas eram enviados, era amenizada pela escrita de cartas, através das quais se referiam às duras condições de vida e de trabalho a que estavam submetidos e mantinham contato com outros padres, com a própria Ordem, em Roma, e também com seus familiares. Ver mais em DEL VALLE, Ivone. Escribiendo desde las márgenes: colonialismo y jesuítas en el siglo XVIII. México: Siglo XXI, 2009. Também Castelnau-L'Estoile refere que "os termos edificação ou consolação têm um forte valor espiritual e remetem à ideia de um reforço identitário do grupo, por meio de uma comunhão do amor divino". CASTELNAU-L'ESTOILE, Charlotte de. Operários de uma vinha estéril: Os jesuítas e a conversão dos índios no Brasil (1580-1620). Bauru, São Paulo: Edusc, 2006, p. 74. Para eles, no entanto, estas dificuldades pareciam pequenas, quando comparadas àquelas decorrentes da ignorância ou da falta de fé, como se pode constatar nesta passagem:

Cuesta mucho llegar hasta allá, porque hay que pasar con mucho peligro por cerros muy elevados, y hay allí gran falta de agua potable. La gente de por allí es extremadamente pobre, pero mucho más ignorante y abandonada, y tiene a su disposición a un solo sacerdote. Sin embargo, de un suelo tan ingrato y espinoso se han recogido para Cristo muy buena cosecha por medio de la predicación y administración de sacramentos, confesándose algunos de los pecados de toda su vida. Volvieron los Padres a su colegio con su ropa completamente deshecha por sus caminatas entre los espinos.

Como regra, os necrológios de padres ou de irmãos que integram as ânuas apresentam uma pequena biografia dos falecidos durante o período por ela abrangido, bem como os sucessos e as dificuldades encontradas no período de atuação como missionário.60 60 Os necrológios se constituem de elogios fúnebres que integravam o texto das cartas ânuas. Além da função de informar ao padre geral da Companhia sobre os óbitos ocorridos durante determinado período, apresentavam um relato da trajetória do jesuíta que faleceu, enaltecendo suas virtudes e desprendimento. Nesta perspectiva, "La muerte de un jesuita siempre era resaltada en las cartas de edificacion, con mayor publicidad para aquellos religiosos que hubiesen gozado de fama de santidad. La vida de un jesuita "virtuoso", una vez desaparecido, se convertia en atractiva para su imitacion. Al principio, las defunciones eran anunciadas por las cartas annuas enviadas a Roma. Los mas ilustres y conocidos contaban con sermones que habian sido primero pronunciados en sus honras funebres y despues eran entregadas a la imprenta". BURRIEZA SÁNCHEZ, op. cit., p. 523. Dentre os muitos, selecionamos o do padre Pedro de Mola, que se encontra na ânua de 1659-1662, e que parece reunir todos os aspectos a que nos referimos até aqui. De acordo com o padre relator, Andrés de Rada, Pedro de Mola nasceu em Aragón, na Espanha, a 17 de janeiro de 1602, tendo fugido muito jovem de casa, devido aos maus tratos aplicados por sua madrasta. A 31 de agosto de 1619,61 61 STORNI, Hugo. Catalogo de los jesuitas de la Provincia del Paraguay (Cuenca del Prata) 1585-1768. Roma: Institutum Historicum S. I., 1980, p. 184. contando com 19 anos de idade, foi admitido como noviço na Companhia e, ainda durante seu noviciado, solicitava constantemente aos seus superiores que fosse enviado às "misiones de indios (...) en aquellas dilatadas regiones".62 62 C. A. 1659-1662, 1994 [1927], p. 72. Após obter a permissão, desembarcou em Buenos Aires, onde concluiu seus estudos, recebendo a autorização para ir "a las tan ansiadas misiones".63 63 C. A. 1659-1662, 1994 [1927], p. 73.

O padre Antonio Ruiz de Montoya,64 64 A partir da página 372 deste artigo, dedicamos especial atenção ao processo de consagração póstuma do jesuíta limenho Antônio Ruiz de Montoya - o apóstolo dos Guaranis -, priorizando a análise de algumas das mais representativas biografias produzidas sobre ele tanto por historiadores leigos quanto por historiadores da própria Companhia de Jesus. que estava implantando a frente missionária do Guairá, incumbiu-o de "fundar el pueblo de San Miguel".65 65 C. A. 1659-1662, 1994 [1927], p. 73. No entanto, ao chegar ao local, pôde constatar que já estava "bastante adelantado",66 66 C. A. 1659-1662, 1994 [1927], p. 73. não havendo a necessidade de sua permanência. Desse modo, partiu para San Antonio, que se tornava alvo dos bandeirantes paulistas, mamelucos que se dedicavam ao apresamento de índios, de preferência aqueles que possuíssem algum conhecimento agrícola, caso dos guaranis reduzidos. Segundo o relato, ao presenciar as atrocidades e a destruição promovidas pelos paulistas,67 67 A invasão a que o jesuíta se refere foi ordenada por Raposo Tavares e comandada por Simão Álvares, em 30 de janeiro de 1629. Ver mais em AGUILAR, Jurandir C. Conquista espiritual: A história da evangelização na Província Guairá na obra de Antônio Ruiz de Montoya, S. I. (1585 - 1652). Roma: Editrice Pontifícia Università Gregoriana, 2002, p. 264. e encontrando-se sem armas para defender o povoado, pe. Mola optou por fugir, tendo sido encontrado "ronco de hambre y sed",68 68 C. A. 1659-1662, [1927], 1994, p. 74. "en unos montes que sólo son la morada de fieras" 69 69 C. A. 1659-1662, [1927], 1994, p. 73. pelo padre Silvério Pastor.

Após estes acontecimentos, foi enviado à região do Tape, juntamente com o irmão Antonio Bernal, tendo lhes sido designado o povoado de Jesus Maria, local mais avançado dos domínios espanhóis no território do atual Rio Grande do Sul que se localizava na margem direita do rio Pardo, próximo da foz do rio Pardinho.70 70 BECKER, Ítala I. B. Lideranças indígenas no começo das reduções jesuíticas da Província do Paraguay. Revista Pesquisas, São Leopoldo, IAP, 1992, p. 177 Não há informação sobre atuações do padre Pedro de Mola em outras reduções após esta data, havendo apenas menção a sua morte, sem especificação do local em que ocorreu. É plausível supor que tenha morrido em San José,71 71 Em carta do padre Antonio Ruiz de Montoya ao provincial, de 1628, encontra-se a seguinte informação: "na redução de San José encontrava-se o padre Pedro Mola, sendo amado afetuosamente pelos índios". AGUILAR, op. cit., p. 246. pois seu necrológio está inserido nos relatos feitos sobre esta redução, antecedendo as informações sobre a redução de Mártires del Japón no mesmo período. Contudo, segundo Hugo Storni, sua morte ocorreu na missão de Santos Apóstoles, muito próxima de San José.72 72 STORNI, op. cit., p. 187. A leitura deste necrológio nos põe em contato com a saga do padre Mola e com as grandes distâncias que percorreu para realizar seu trabalho. Recém-chegado da Europa, o jesuíta Mola passou por Buenos Aires, se dirigiu ao Guairá, e, em seguida, para o Tape e, muito provavelmente - quase ao final de sua vida -, se estabeleceu na mesopotâmia dos rios Paraná e Uruguai, de onde partia para as atividades de atendimento espiritual. Vale lembrar que muitos desses deslocamentos eram feitos a pé, o que trazia inevitáveis desgastes físicos em função dos esforços para vencer tais distâncias.

O destaque dado a este tipo de informações está presente no necrológio do padre Francisco Jiménez,73 73 O irmão Francisco Jiménez nasceu em 12/11/1602, ingressou na Companhia de Jesus em 24/02/1619 e morreu em 10/05/1668 em Buenos Aires. STORNI, op. cit., p. 149. que integra a ânua de 1668. Nele, podem também ser encontradas várias referências às distâncias, às condições de terreno, em especial às longas distâncias percorridas e às viagens intermináveis, enfatizadas com o objetivo de demonstrar o empenho constante e a fé do missioneiro diante das dificuldades. Na perspectiva dos padres relatores das ânuas, somente o ardor missionário e a fé podiam justificar a resignação com que estes jesuítas percorriam lugares inóspitos, atravessavam rios e pântanos, passavam fome e se defrontavam com populações indígenas hostis. Assim, as inúmeras demonstrações de fé, virtude e dedicação do missionário falecido são enaltecidas pelo narrador, com a intenção de servir de inspiração aos jovens missionários, o que fica evidenciado na afirmação feita por Andrés de Rada de que "tuviera yo que alargar demasiado esta narración al enumerar los actos de heroica virtud, que ejercía con su constancia en el camino una vez emprendido".74 74 C. A. 1668, 1994 [1927], p. 11. A impressão que temos ao lê-lo é a de que são tantos os seus feitos que estes não cabem em apenas um pequeno relatório como uma carta ânua, pois, de acordo com seu necrológio, o pe. Jiménez

logró ser enviado a estas apartadas regiones (...) a muchas léguas de distancia (...) a cinquenta léguas se adelantó por regiones pantanosas (...) su ropa se había deshecho totalmente durante este trabajoso viaje (...) atravesando los rios en pequeñas y peligrosas canoas (...) en tierras pantanosas pasó por un riachuelo muy crecido (...) llegandole el água hasta el pecho (...) atormentó tanto el hambre durante el viaje, que hubo necesidad de matar el caballo (...).

Apesar de terem sido redigidos por diferentes narradores e em períodos distintos, constata-se, nos necrológios - tanto de padres, quanto de irmãos - que integram as cartas ânuas da segunda metade do século XVII que analisamos, a exaltação dos feitos dos jesuítas falecidos, como pudemos mostrar nos dois necrológios que destacamos: os missionários jesuítas - movidos e fortalecidos pela fé - não temeram as distâncias, as selvas, o frio, o calor, os rios caudalosos, a altitude das montanhas ou qualquer outra dificuldade que se lhes apresentou.

Dentre as inúmeras demonstrações irrefutáveis de fé ressaltadas pelo padre relator da carta, destacamos a que refere que o irmão Antonio Bernal76 76 O irmão Antonio Bernal nasceu em Portugal em 1582, ingressou na Companhia em 20/08/1615 e morreu em Córdoba em 13/04/1661. STORNI, op. cit., p. 37. não se incomodava em fazer a pé um trajeto de 100 léguas (cerca de 550 quilômetros);77 77 Para fins de conversão da distância informada, consideramos que uma milha equivale a 5.500 metros. a que dá conta de que o padre Juan de Humanes não se importava em atender a qualquer hora e sob qualquer condição climática ou, então, a que informa que o padre Diego de Salazar permaneceu isolado e sem qualquer contato por quarenta e dois anos, dedicando-se exclusivamente ao trabalho missionário junto aos indígenas.

Há, ainda, muitas outras que enfatizam a abnegação com que os missionários realizavam seu trabalho, tais como pe. Pedro de Salas, que "para explorar aquellas selvas (...) en cima de las montañas, a través de rios", transpôs "intransitables caminos";78 78 C. A. 1659-1662, 1994 [1927], p. 78. como o pe. Juan de Acuña, que realizou viagem "de 14 léguas de pésimo camino [que] le costó a el mismo la vida";79 79 C. A. 1667, 1994 [1927], p. 6. o pe. Francisco Ricardo, que não se furtava de, com "grandísimos trabajos", buscar "a los bárbaros en los enconderijos de las selvas";80 80 C. A. 1672-1675, 1994 [1927], p. 66. o padre Pedro Martinez, que "No pocas veces expuso su salud a los grandes calores de médio dia en el verano" e de outros que chegaram a correr risco de vida como o irmão Juan de Aragón que sofreu "naufragio al entrar en el dilatado Rio de la Plata" 81 81 C. A. 1668, 1994 [1927], p. 5. ou o irmão Luís de la Cruz que "estuvo sumergido en las águas hasta el cuello por espacio de varias horas".82 82 C. A. 1669-1672, 1994 [1927], p. 12.

Descrições como as do missionário que "volvia a pie"83 83 C. A. 1659-1662, 1994 [1927], p. 37. ou que ia "para explotar aquellas selvas (...) en cima de las montañas, a través de ríos [e] intransitables caminos",84 84 C. A. 1659-1662, 1994 [1927], p. 78. contribuem para ressaltar os grandes esforços empreendidos pelos missionários em face da geografia da região que percorriam. Assim, o relevo, a vegetação e o clima aparecem como pano de fundo essencial para os relatos edificantes: os rios são "dilatados" em sua extensão ou profundidade; o clima é descrito como de "grandes calores"; a selva na qual adentravam "escondia os bárbaros" e as montanhas ou montes são "empinados" e difíceis de vencer. Os péssimos caminhos percorridos "custavam vidas" e as distâncias eram tão grandes que implicavam décadas de isolamento. É neste cenário que se desenrolaram as histórias de vida dos missionários a que temos acesso nos necrológios dessas cartas.

A enfática reafirmação da inabalável fé dos jesuítas no cumprimento de sua missão é padrão narrativo recorrente nas cartas ânuas, cujos relatos tinham, dentre os seus objetivos, o enaltecimento da própria Companhia e de sua obra. Em se tratando dos necrológios que estamos apresentando, constata-se que a vida de cada missionário deveria ser resumida em poucas palavras, com destaque para os seus maiores feitos. Desse modo, as dificuldades geográficas aparecem com a mesma recorrência que as questões relacionadas ao trato com as populações indígenas, por exemplo, ou com as dificuldades com as autoridades locais, ou mesmo a difícil relação da Companhia com o clero secular.

Os necrológios, portanto, trazem em maior número - e com maior força narrativa - as representações de uma geografia inóspita e da desgastante tarefa de transpô-la. Assim, os rios, vales, campos, florestas, montanhas e tudo o mais que caracterizasse o caminho percorrido pelo missionário serviam como prova de fé, não restando alternativa a não ser enfrentar e superar tal dificuldade. Neste tipo de relato, as dificuldades são sempre vencidas; a geografia, embora muito difícil de ser enfrentada, é sempre apenas um obstáculo que, no entanto, não significa impedimento, mas, sim, uma forma de testar a fé e ressaltar as qualidades do missionário.

Vale ressaltar que as descrições do relevo, do clima e da vegetação que encontramos nas ânuas não destoam do real encontrado ou vivido pelos missionários. Suas representações, no entanto, são superdimensionadas e usadas magistralmente como recursos discursivos para a comprovação e a valorização dos trabalhos desenvolvidos pelos padres da Companhia de Jesus. As grandes viagens e as grandes distâncias são, de fato, argumentos irrefutáveis de que os trabalhos se realizavam em condições-limite e que exigiam grandes esforços. As dificuldades encontradas são, a certa altura, comparadas aos Doze trabalhos de Hércules, como nesta passagem que destaca que o padre Juan Contreras "hubiérase hasta un Hércules (...) en especial, cuando tuvo que registrar los montes, para buscar os fugitivos".85 85 C. A. 1668, 1994 [1927], p. 18. Os trabalhos de Hércules, como sabemos, estão relacionados a grandes desafios, tais como o de matar leões invencíveis e dragões de cem cabeças; limpar, em apenas um dia, currais que comportavam três mil bois; ou, então, perseguir animais incansáveis que, somente com a obstinação de um herói mitológico, poderiam vir a ser executados.

Ao estabelecer esta comparação - entre o missionário e Hércules -, o redator da ânua enaltece as dificuldades encontradas por todos os missionários que atuavam na Província Jesuítica do Paraguai, vinculando-as às criaturas mitológicas e aos desafios que apenas um herói conseguiu vencer. O certo é que este tipo de "elogio fúnebre" se aproxima bastante das histórias de vida dos santos, nas quais o martírio e a virtude cristã são exaltados, a exemplo de algumas condutas de jesuítas descritas nas necrologias.

Esta pretensa "invencibilidade" do missionário jesuíta pode ser observada na atitude "dos religiosos frente aos 'obstáculos' naturais, [pois] conforme os documentos, não sofrem ferimentos ao cair da montaria (...) estão imunes aos perigos de ventanias e tormentas". Se algum desses missionários não consegue vencer tais obstáculos, a justificativa é a de que "fatalmente acontecem devido à conduta mártir, para a qual estavam destinados".86 86 BERTO, Carla. Milagres constantes e inconstantes: variações no discurso jesuítico (1610-1640). Porto Alegre: PUCRS. Dissertação de mestrado, Programa de Pós-Graduação em História, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), 2005, p. 75. Portanto, a lógica da narrativa gira em torno da construção de um discurso edificante, em que as dificuldades encontradas, tanto aquelas decorrentes dos deslocamentos quanto aquelas resultantes de eventos climáticos, são invariavelmente resolvidas com demonstrações de fé dos próprios religiosos ou, então, da população - de indígenas, sobretudo - que eles atendiam espiritualmente. Demonstrações como estas não mereciam ser apenas registradas, mas também rememoradas e evocadas, para a "sobrevivência em glória na memória dos homens que estão por vir [e para que] seu renome subsist[a] imperecível em vez de desaparecer no anonimato do esquecimento".87 87 VERNANT, Jean-Pierre. Entre mito e política. São Paulo: Edusp, 2001, p. 410-411.

A consagração póstuma do padre Antônio Ruiz de Montoya, aquele que "viveu como morreu, sempre santo" - uma análise de suas mais representativas biografias102 102 X(J)ARQUE, op. cit., p. 243. Dentre os traços mais comuns às narrativas hagiográficas, pode-se destacar a ênfase dada às ações realizadas em vida pelo "santo" e que retratam o seu desejo pela santidade, a morte vista como processo de aperfeiçoamento e, finalmente, os milagres post-mortem, como sinal do êxito e comprovação da santidade. 109 109 X(J)ARQUE, op. cit., pp. 255-256. 111 111 C. A. 1659-1662, 1994 [1927], op. cit., p. 28.

É importante destacar que, para os membros da Companhia de Jesus, a memória "se configurava como uma das exigências institucionais para a 'ajuda das almas'". Dentre as exigências previstas nas Constituições da Companhia de Jesus estava a de que, "além das faculdades da inteligência e da vontade", o postulante demonstrasse "'a capacidade de aprender e fidelidade para reter o que se aprende'".88 88 VILAR, Socorro de Fátima Pacífico. A invenção de uma escrita: Anchieta, os jesuítas e suas histórias. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2006, p. 176. Para garantir a unidade da Companhia, Loyola agregou a orientação de que os missionários deveriam relatar e compartilhar suas experiências missionárias,89 89 Para Nicola Gasbarro, as narrativas epistolares tinham, para além do registro, a função de articular a tradição intelectual e a experiência empírica de seus membros e incentivar novas vocações". "Os jesuítas, aliás, são particularmente atentos para essa 'experiência transversal': as relações que provêm de várias partes do mundo tornam-se objeto de análise comparativa e de profunda reflexão teológica e filosófica, necessária para formar novos missionários". (GASBARRO, Nicola. Missões: a civilização cristã em ação. In: MONTERO, Paula. Deus na aldeia. São Paulo: Globo, 2006, p. 81). pois "lo que se escribe es aún mucho mas de mirar que lo que se habla; porque la escritura queda, y da siempre testimonio, y no se puede así bien soldar ni glosar tan facilmente como quando hablamos". 90 90 José Eisenberg debruça-se sobre o sentido e a dinâmica da correspondência epistolar jesuítica como mecanismo de organização e controle interno das atividades da Companhia de Jesus. Segundo este autor, "nas práticas relatadas através das missivas", os missionários demonstravam sua capacidade de conjugar o modus procedendi da Companhia de Jesus, "uma dialética entre obediência e prudência resultante dos elementos voluntarísticos da doutrina espiritual de Inácio de Loyola". EISENBERG, José. As missões jesuíticas e o pensamento político moderno. Belo Horizonte: EdUFMG, 2000, p. 19. A prática epistolar, em razão disso, além de minimizar os efeitos da dispersão dos missionários a serviço do apostolado em "terras de missão", constituiu-se em forma bastante eficiente de aplicação das capacidades de "reter o que se aprende" e de recordar.91 91 LONDOÑO, op. cit., p. 13.

A Companhia de Jesus não se limitou, contudo, à prática epistolar para o atendimento da orientação de "glosar y dar siempre testimonio", recorrendo a outras estratégias para a instituição de suportes de memória, tais como as crônicas, as biografias e as sínteses históricas elaboradas por historiadores oficiais ou não. De acordo com Efraim Cardozo, "Desde la época temprana de su definitiva radicación en el Paraguay, la Compañía de Jesús se encargó de tener [una historia oficial de la Província Jesuítica del Paraguay]", atribuindo sua elaboração a "sujetos de su seno, calificados por sus luces y sus letras", que tinham como principal objetivo "historiar los esfuerzos evangelizadores cumplidos por la Compañía".92 92 CARDOZO, Efraim. Historiografia paraguaya. México: Instituto Panamericano de Geografia e História, 1959, p. 270.

Em todos estes gêneros narrativos, independentemente da sua função primordial ou destinação, constata-se o recurso à consagração póstuma, que consiste na destinação de um indivíduo de exemplar devotamento ao que poderíamos denominar de "templo da memória". Ao destacar as virtudes do morto e silenciar sobre suas imperfeições - recorrendo a um procedimento seletivo de "esquecimento" -, tanto as biografias quanto os necrológios dos mais destacados jesuítas se caracterizam por exaltar a exemplaridade de suas condutas que deve ser recordada.93 93 Segundo Maurice Halbwachs, a memória retém do passado apenas o que "é capaz de viver na consciência do grupo que a mantém". HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990, p. 81.

Um dos mais destacados jesuítas do século XVII, o padre Antonio Ruiz de Montoya94 94 Montoya nasceu a 13 de junho de 1585, na cidade de Lima, Peru. Órfão de pai e mãe, ele chegou a frequentar a Real Escuela de San Martin. Adolescente, abandonaria os estudos, dedicando-se à vida cortesã. Estimulado pelo padre Gonzalo Suarez, entraria no noviciado em 1606, após onze meses de estudos preparatórios. É ordenado padre pelo bispo Trejo y Sanabria, em Santiago del Estero, em 2 de março de 1611. Em setembro do mesmo ano, chegaria a Assunção, onde esperou seis meses para seguir até o Guairá, onde daria início à atividade apostólica. foi alvo desse processo de consagração póstuma, logo após o seu falecimento em 11 de abril de 1652. Exaltando sua conduta exemplar, o primeiro provincial, Diego de Torres Bollo, descreveu Antônio Ruiz de Montoya como "varón perfecto, de mucha oracion (...) en la conversión de la gentilidad acomete muchos trabajos con riesgo de la vida (...) de muy buen gobierno, fue pecado quitarle los estudios, porque pudiera ser provincial; imita los pasos de nuestro San Francisco Xavier en ánimo, trabajo y discreción".95 95 FURLONG, Guillermo. Antonio Ruiz de Montoya y su carta a Comental, (1645). Buenos Aires: Theoría, 1964, p. 11-12. Esta carta foi dirigida a Pedro Comental, padre responsável pela redução de Nuestra Señora de Loreto.

A mais antiga biografia sobre o pe. Montoya foi produzida por Francisco Xarque e data de 1662, intitulando-se "Vida del V. P. Antonio Ruiz de Montoya".96 96 Neste trabalho, nos valemos da segunda edição, publicada em Madri, em 1900, intitulada X(J)ARQUE, Francisco. Ruiz de Montoya en Indias (1608-1652). Nela, Xarque dedica um capítulo à "Muerte dichosa del P. Antonio Ruiz de Montoya. Revelaciones de su gloria", descrevendo-o como "un apostólico padre (...) cuyo vivir fué un continuado morir y penar", sendo que poucos meses antes de morrer, "estando en el colegio de Lima en oración fervorosa, ofreciéndose a nuevos martírios (...) aumentó las penitencias, ayunos, disciplinas y otras mortificaciones para merecer la divina misericórdia". O biógrafo prossegue o relato, informando que "en esta ocupación (...) le sobrevino una ardiente calentura que le gastó toda la sangre, causándole en su debilitado cuerpo intensísimos dolores (...) y entendió ser estos precursores de su muerte [...[ no los había de poder resistir".97 97 X(J)ARQUE, Francisco. Ruiz de Montoya en Indias (1608-1652). Madri: Victoriano Suárez, 1900, p. 232-234.

Transportado de liteira ao Colégio São Paulo de Lima, foi atendido por médicos que, reconhecendo a gravidade do quadro, "ordenaron se le diesen luego los sacramentos", após os quais, veio a falecer. Na tarde do dia seguinte, foi sepultado "con concurso grandísimo, besando unos el venerable cuerpo, otros tocando en él sus rosários y así alcanzar por gran merced alguna relíquia suya".98 98 X(J)ARQUE, op. cit., p. 238. De acordo com seu primeiro biógrafo, "El P. Antonio Ruiz murió como vivió, siempre santo (...) y en muchos días no se hablaba de outra cosa que de los singulares ejemplos de sus virtudes, de los gloriosos trabajos que había padecido en la predicación del Evangelio".99 99 X(J)ARQUE, op. cit., p. 241.

Historiadores como Efraim Cardozo e Rubén Vargas Ugarte também ressaltam que seu "solemne entierro" em Lima teria sido feito "a prisa", pois "su fama de santidad era tan grande (...) y el concurso de la gente, grande, que a porfia le cortaban el vestido para guardarlo(...) y los dedos y cabellos para relíquia" 100 100 CARDOZO, op. cit., p. 231. O martírio de algum membro da Companhia de Jesus promovia um evidente revigoramento do ideal apostólico do Instituto que se traduzia concretamente na prática de espalhar o(s) corpo(s) dos(s) morto(s) em pequenas partes entre as casas e províncias jesuíticas, como se deu por ocasião do martírio dos padres Oracio Vecchi e Martin Aranda e do irmão Diego de Montalban, ocorrido na região de Arauco: "los trajeron y depositaron con toda la decencia que fue posible hasta que repartan estas relíquias por toda la Provincia colocandoas con mayor Reverencia en ella para amparo y ejemplo de los Nros". D. H. A., op. cit., p. 244. e que, dada a sua "fama de misionero apostólico y santo", ao seu funeral, na cidade de Lima, "acudieron el Virrey y la Real Audiencia".101 101 VARGAS UGARTE, Rubén. Los jesuítas del Peru (1568-1767). Lima, [s. n.], 1941, p. 86. Na obra de Xarque encontramos o primeiro registro de "benefício de Dios por su intercesión", com a promoção da cura "de un mal que médicos y cirujanos daban por incurable" mediante "relíquia del Venerable Padre":

Tuvo ventura que llegó a sus manos una carta que el Padre había escrito (...) Recibióla con grande reverencia y devoción, aplicóla a la disforme llaga con viva fe en los méritos de aquel gran varón, que ella había venerado por santo; durmió con grande descanso toda aquella noche (...) por la mañana quiso reconocer el estado de su llaga, que no sentía ya rastro de dolor (...) hallóse del todo sana, y que toda la matéria y podredumbre se había pegado a la carta. Quedó no menos admirada que agradecida al Señor, y a su siervo el P. Antonio, a cuya relíquia atribuía aquella repentina y milagrosa cura, y para mayor gloria de los dos, se hizo pregonera de aquel portento".

Em decorrência deste primeiro "portento", foram resgatadas "las memórias de las obras milagrosas que Dios había obrado por él de que ellos mismos habían sido testigos de vista", bem como as "profecías varias de cosas futuras que muchos años antes que sucediesen se las había anunciado (...) y todas las habían visto al pie de la letra cumplidas".103 103 X(J)ARQUE, op. cit., p. 244. A obra de Xarque menciona, ainda, outros milagres "por intercesión del Venerable Padre", como a cura de Nicolas Ruiz, "compañero fidelísimo en todas las peregrinaciones del P. Antonio", de "una desinteria de sangre"; de um índio carpinteiro e de uma menina de seis anos que "padecia de gota coral", aos quais se somam "casos milagrosos (...) que había obrado vivo", como a cura de um irmão coadjutor da Companhia que atuava no colégio de Assunção.104 104 X(J)ARQUE, op. cit., p. 249-251.

O historiador argentino Ernesto Maeder, por sua vez, destaca que "ya en su época", desfrutava de "una justa fama como apóstol de los guaraníes", razão pela qual "los índios del Paraguay", ao serem informados de sua morte, "reclamaron su cuerpo para sepultarlo en las misiones".105 105 MAEDER, Ernesto. La "conquista espiritual" de Montoya y su alegato sobre las misiones. Teología: Revista de la Facultad de Teología de la Pontifícia Universidad Católica Argentina, nº 46, 1985, p. 122-123. De acordo com Francisco Xarque e Efraim Cardozo, o próprio Montoya havia pedido que "si muriese [..] sus huesos" deveriam ser sepultados "en su tierra", entre os índios "que tanto había amado y defendido".106 106 X(J)ARQUE, op. cit., p. 244. Ao referirem-se ao traslado do corpo, Cardozo o descreve como "imponente cortejo", aproximando-se de "una apoteósis", enquanto Vargas Ugarte ressalta que "no fue cosa fácil trasladarlos a tan gran distancia y su conducción vino a ser un verdadero triunfo".107 107 VARGAS UGARTE, op. cit., p. 86.

De acordo com Guillermo Furlong, foram enviados quarenta índios da redução de Nuestra Señora de Loreto para fazer o traslado dos restos mortais do missionário. O cortejo - que saiu de Lima - passou por Potosí, Salta, Tucumán, Santiago del Estero e Córdoba, seguindo depois, por via fluvial, rumo a Asunción. Ao descrever a última parte do trajeto, que foi feito pelo rio Paraná, em balsa "convoyada de otras muchas de índios amigos", Xarque destaca que "quiso el cielo con un nuevo milagro declarar los grandes meritos del Venerable Padre Antonio Ruiz y conciliar nueva reverencia a sus relíquias".108 108 X(J)ARQUE, op. cit., p. 255. De acordo com ele:

Levantóse una brava tempestad, con que todas las demás balsas se fueron a pique, aunque se salvo la gente, y sola la que llevaba el cuerpo del apostólico Padre no se hundió, con admiración de todos, por haberse llenado de água las dos canoas; pero que maravilla que el cuerpo vencedor de la borrasca surgiese en salvamento de la tierra cuando el alma dichosa, superior a tan desechas tormentas de trabajos y persecuciones, rica de tantos merecimientos y tan heróicas virtudes tomo el deseado puerto en el cielo.

De acordo com a biografia produzida pelo padre jesuíta Carlos Teschauer, a vida de Antônio Ruiz de Montoya foi repleta de "atos de heróica virtude", tendo sido marcada pelo uso de cilícios, jejum, penitências e disciplinas para "conservar a pureza da alma e do corpo e vencer a lascívia", o que atesta o pleno cumprimento de seu apostolado: "'Ou padecer ou morrer'". Segundo o mesmo autor, ao ser aberta a sua sepultura, após meses de seu falecimento, constatou-se que o corpo estava consumido, restando intactos e brancos os dois pés, como se tivessem acabado de ser enterrados. Após esta revelação surpreendente, difundiu-se, ainda mais, sua fama de milagreiro.110 110 Trata-se da obra de TESCHAUER, Carlos, S. J. Vida e obras do preclaro pe. Ruiz de Montoya, S. J. Apóstolo do Guairá e do Tape. Apresentação, transcrição, correção e notas do pe. Arthur Rabuske S. J. Caderno de Pesquisas do IAP-História, nº 19, 1980, p. 230-240.

Uma passagem da carta ânua da Província Jesuítica do Paraguai, referente aos anos de 1659-1662, parece confirmar a difusão da santidade do "apóstol de los guaraníes" nos anos seguintes ao seu falecimento:

(...) pois se cobriram as tampas do ataúde do apostólico Padre Antonio Ruiz de Montoya de um copioso suor que parecia indicar os grandes sofrimentos e humilhações pelos quais tiveram que passar os nossos padres junto à missão entre os calchaquís, ocasião em que foram vergonhosamente e injustamente expulsos de sua morada. Os primeiros da Província do Guairá convertidos pelo padre Antônio Ruiz de Montoya foram precisamente os habitantes do povoado de Loreto. Por isto, eles guardam os restos daquele padre em sua Igreja, como um tesouro de inestimável preço. A memória daquele Padre encontra tanta veneração entre eles que a ele fazem pedidos e promessas com bons resultados. Assim que, havendo esta crença bem fundada, três enfermos do povoado, já desenganados, recobraram a saúde por intercessão do padre Antônio.

As biografias produzidas sobre o padre Antônio Ruiz de Montoya que analisamos neste tópico e a passagem que destacamos da ânua revelam que, em torno do jesuíta, fundou-se uma memória que se assentou sobre sua consagração póstuma e, sobretudo, sobre sua fama de apóstolo exemplar e santo. Ao ser acionada por missionários e indígenas, esta memória parece não apenas evocar a busca pelo martírio - que muitos jesuítas procuraram alcançar nas "terras de missão" - e, consequentemente, o revigoramento do ideal apostólico da Companhia de Jesus -, mas, também, de um passado "que assim se torna mestre do futuro, [através das] sombras venerandas de alguns mortos que parecem surgir incessantemente do abismo das sepulturas para mostrar aos vivos a estrada do dever (...)".112 112 LEONZO, Nanci. O culto aos mortos no século XIX: os necrológios. In: MARTINS, José de Souza (org.). A morte e os mortos na sociedade brasileira. São Paulo: Hucitec, 1983, p. 86-84.

Considerações finais

Escritas com o objetivo de registrar o que ocorria nas diferentes áreas de atuação missionária da Companhia de Jesus, as cartas ânuas não se constituíam de diários de viagem ou de relatórios pessoais, mas de correspondência orientada para o registro edificante. Assim, dificuldades e fraquezas momentâneas mereciam registro por serem encaradas como inerentes ao processo de privação e de provação a que os missionários deveriam se submeter, mediante rigorosa observância dos votos de pobreza e castidade e de uma vida de virtude e penitência para maior glória de Deus.

A observância desta orientação parece se confirmar nos registros que dão conta de missionários que se embrenhavam em cenários naturais - ao mesmo tempo espetaculares e assustadores - e que entravam em contato com populações nem sempre amistosas e quase sempre pagãs. Em nenhum momento os missionários que vivenciaram estas experiências se mostraram abalados em sua fé diante das dificuldades impostas pela geografia, quer estivessem atuando no alto das montanhas andinas ou nos pântanos próximos de Assunção. Pelo contrário, estas experiências, socializadas através da intensa correspondência mantida entre os membros da Companhia de Jesus, se constituíam em fator de enaltecimento do trabalho missionário e de justificativa para a continuidade do apostolado, reforçando a identidade do grupo e atendendo a uma das orientações de Inácio de Loyola, que era a de "glosar y dar siempre testimonio".113 113 O martírio de algum membro da Companhia de Jesus promovia um evidente revigoramento do ideal apostólico do Instituto, que se traduzia concretamente na prática de espalhar o(s) corpo(s) dos(s) morto(s) em pequenas partes entre as casas e províncias jesuíticas, como se deu por ocasião do martírio dos padres Oracio Vecchi e Martin Aranda e do irmão Diego de Montalban, ocorrido na região de Arauco: "los trajeron y depositaron con toda la decencia que fue posible hasta que repartan estas relíquias por toda la Provincia colocandolas con mayor Reverencia en ella para amparo y ejemplo de los Nros". D. H. A., op. cit., p. 244.

O mesmo pode ser observado na ênfase que alguns padres relatores deram às "heróicas virtudes" e à atitude de resignação que estes jesuítas adotavam diante da morte iminente, tanto daquela decorrente de longa e grave enfermidade quanto daquela tida como martírio, por ter sido provocada por ataque violento a sua integridade física e a sua fé.

Mais do que contribuir para a reconstituição das condições e os desafios que estes religiosos efetivamente enfrentaram, a análise das ânuas, necrológios e biografias permite avaliar os efeitos que as narrativas destas experiências - individuais ou coletivas - exerceram sobre os seus leitores europeus ou americanos.114 114 Vale lembrar que, dentre os objetivos principais da escrita na Europa dos séculos XVI e XVII, estava o de "forjar memoria de las cosas, de las ideas y de las personas por medio de la transmisión del conocimiento de sus hechos, sentimientos y pasiones", mas de uma memória entendida como "algo más que mera mnemotecnia, más que un simple artifício para recordar, y que, por contra, se elevaba como un verdadero arte para conocer personalmente y hacer posible el conocimiento ajeno." BOUZA, Fernando. Comunicación, conocimiento y memoria en la España de los siglos XVI e XVII. Salamanca: Semyr, 1999, p. 16. Os necrológios, em especial por sua natureza hagiográfica, possuem como temática central a biografia e os feitos de um determinado indivíduo, com o objetivo de instruir e edificar os cristãos na fé, sendo, consequentemente, importantes veículos para a propagação de concepções teológicas, modelos de comportamento, padrões morais e valores.115 115 Os necrológios evidenciam a percepção de morte e de morrer dos jesuítas, na medida em que celebram aqueles missionários que, após vida virtuosa, longa enfermidade ou martírio, haviam demonstrado que "aprender a morir significaba aprender a vivir adecuadamente", apontando para a utilização estratégica da "didactica del discurso [que] sabia poner ejemplos para concluir hacia una conversión de vida" pela Companhia de Jesus. BURRIEZA-SANCHEZ, op. cit., p. 530.

Neles, prevalecem a exaltação das virtudes e a descrição da trajetória - marcada por demonstrações de fé inabalável - do missionário na Companhia, não havendo maior preocupação do relator em descrever ou precisar a causa da morte, mas em ressaltar o empenho dos padres em atender devotadamente "a todas las necesidades espirituales de aquellos pobres indios".116 116 FURLONG, Guillermo, S. J. Misiones y sus pueblos de Guaraníes. Buenos Aires: Teorema, 1962, p. 604. Além de trazer informações sobre como estes padres buscavam "la salud de las almas", enfrentando privações, ameaças constantes e obstáculos naturais para atender a grupos de indígenas, estes elogios fúnebres estão direcionados para a definição de modelos de conduta virtuosa que deveriam ser observados, apontando para a função pedagógica e de consagração póstuma que eles desempenhavam para a Companhia de Jesus.

Evocados em alguns momentos da história da Companhia de Jesus, alguns desses homens virtuosos - como o padre Antônio Ruiz de Montoya - que escolheram "deliberadamente a possibilidade de perder [a vida], ao arriscar-se em cada confronto" garantiram a sua "sobrevivência em glória na memória dos homens que est[avam] por vir, [e assim] continuar a existir (...) em vez de desaparecer no anonimato do esquecimento."117 11 LOYOLA, op. cit., p. 62. Na biografia de Inácio de Loyola escrita por Pedro Ribadeneyra (1594), sua vida é apresentada como aquela que atualiza o exercício cristão primitivo de misericórdia e paciência face ao sofrimento, como um espelho para o devotamento à salvação da alma. Os males do corpo são tomados, nessa perspectiva, como oportunidade para a conversão e a cura da alma. As descrições feitas sobre a sua trajetória exemplar como missionário e o destaque dado à resignação demonstrada diante da enfermidade, aos contornos místicos que envolveram seu cortejo fúnebre e aos milagres a ele atribuídos parecem ser os recursos narrativos necessários para a consagração da memória de padres que, como ele, "viveram como morreram, sempre santos".

A "muita tinta e [o] papel corrido"118 118 Alcir Pécora In: LUZ, Guilherme Amaral. Carne humana: canibalismo e retórica jesuítica na América portuguesa (1549-1587). Uberlândia: EDUFU, 2006, p. 12-13 empregados na valorização das condutas exemplares de alguns missionários jesuítas parecem apontar para a reiteração de um modelo de vida virtuosa definida por Inácio de Loyola tanto para os membros da Companhia de Jesus quanto para aqueles que buscavam a salvação do corpo e da alma, bem como para a utilização estratégica da consagração póstuma para a construção de uma memória laudatória acerca da atuação da ordem na América meridional.

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    Inácio de Loyola nasceu em uma família espanhola nobre em 1491. Fez carreira militar interrompida no cerco de Pamplona em 1521. Após uma peregrinação para Roma e Jerusalém, empreendeu estudos em Barcelona, Alcalá e Salamanca, finalizando-os em Paris onde, juntamente com outros companheiros, fez os votos da Companhia em 1534, dirigindo-a até sua morte em 1556.
  • 2
    As Constituições foram redigidas por Inácio de Loyola entre 1541 e 1556, "primeiro só e depois, com ajuda de seu secretário Padre Polanco, foi avançando via consultas a diversos rascunhos e versões em 1547, 1550, até chegar às dez partes de 1556". LONDOÑO, Fernando T. Escrevendo cartas: jesuítas, escrita e missão no século XVI. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 22, nº 43, 2002, p. 31.
  • 3
    LOYOLA, Inácio de. Constituições da Companhia de Jesus. Lisboa: [s. n.], 1975, p. 175.
  • 4
    As dores torturantes sentidas por Inácio de Loyola, em decorrência dos ferimentos sofridos no cerco de Pamplona, são referidas como motivadoras de suas meditações e resoluções espirituais durante a convalescença, fornecendo um modelo de conduta pautada pela paciência e fé devota que ficaria regulamentado nas Constituições da Ordem. Na biografia de Inácio de Loyola escrita por Pedro Ribadeneyra (1594), sua vida é apresentada como aquela que atualiza o exercício cristão primitivo de misericórdia e de paciência face ao sofrimento, como um espelho para o devotamento à salvação da alma, tomando-se os males do corpo, nessa perspectiva, como oportunidade para a conversão e a cura da alma. Vale, contudo, ressaltar que o principal modelo de virtude e de martírio para os missionários jesuítas foi Francisco Xavier, o missionário das Índias orientais, o que fica exemplarmente atestado nas indipetae, cartas nas quais jovens jesuítas dos séculos XVI e XVII solicitavam ao padre geral da Companhia de Jesus o envio em missão para as Índias. Estas solicitações, em grande medida, da socialização dos registros feitos sobre "las diversas misiones y las experiencias de los jesuitas con el gentio y el infiel, aquel outro desconocido y diferente de los europeos que podia ser índio, japonés o indígena, [que] fueron conocidas dentro y fuera de la Compañía através de la correspondencia de los misioneros". LONDOÑO, Fernando Torres. Contato, guerra e negociação: redução e cristianização de Maynas e Jeberos pelos jesuítas na Amazônia no século XVII. Revista de História Unisinos. São Leopoldo, v. 11, n. 2, maio-agosto de 2007, p. 241.
  • 5
    LOYOLA, op. cit., p. 34.
  • 6
    BANGERT, William. História da Companhia de Jesus. São Paulo: Editora Loyola, 1985, p. 20.
  • 7
    LOYOLA, op. cit., p. 307. Este tipo ideal de missionário definido por Inácio de Loyola parece ficar bem evidenciado nesta passagem da ânua de 1637-1639 que se refere à conduta de santidade do irmão coadjutor Gonzalo de Juste: "Hizo con grande fervor su noviciado, haciendo ahora la guerra a si mismo con grande intrepidez, como buen soldado". MAEDER, Ernesto (org.). Cartas ânuas de la Província del Paraguay (1637-1639), Buenos Aires: Fecic, 1984, p. 49.
  • 8
    A obediência não é percebida somente como abnegação, mas também como forma de "unir los repartidos con su cabeza y entre si", uma vez que "esta unión se hace en gran parte con el vínculo de la obediencia". Apud IPARRAGUIRRE, Ignacio. Obras completas de san Ignacio de Loyola. Madri: Biblioteca de Autores Cristianos, 1952, p. 521.
  • 9
    LOYOLA, op. cit., p. 46-47. Também a caridade, associada à bondade e às virtudes, são exaltadas por favorecerem "la unión de una parte y de otra" e, ainda, por, através delas, "ordenarse el amor propio, enemigo principal desta unión y bien universal." Apud IPARRAGUIRRE, op. cit., 1952, p. 525.
  • 10
    LOYOLA, op. cit., p. 55.
  • 11
    LOYOLA, op. cit., p. 62. Na biografia de Inácio de Loyola escrita por Pedro Ribadeneyra (1594), sua vida é apresentada como aquela que atualiza o exercício cristão primitivo de misericórdia e paciência face ao sofrimento, como um espelho para o devotamento à salvação da alma. Os males do corpo são tomados, nessa perspectiva, como oportunidade para a conversão e a cura da alma.
  • 12
    Apud IPARRAGUIRRE, op. cit., p. 579.
  • 13
    "Los jesuitas gustaban de encontrarse cercanos de aquellos que eran considerados como santos en esa sociedad sacralizada en la que vivian. Las hagiografias, de las que en ocasiones eran autores, hablaban de que el santo se percataba perfectamente de que estaba llegando el final de su vida. La prediccion de la muerte era una revelacion muy habitual en todos aquellos que contaban con fama y olor de santidad. (...) Precisamente, relacionado con esa dimension redentora de la muerte, se hallaba la propia de un martir, palabra que etimologicamente significa "testigo", pero al mismo tiempo se presentaba como legitimador de una causa, con independencia de la orilla en la que se encontrase. (...) Los martires, ejemplos de muerte heroica para aquellas mentalidades (...) Despues del Concilio de Trento, y en plena expansion misional catolica, los escenarios de los martirios se ampliaron: los nuevos martires de Japon, China, India o Inglaterra eran presentados como manifestacion de Dios y de sus obras. Y asi lo entendieron las hagiografias de la Compania desde el principio, desde la muerte del primero de ellos en estos trabajos, el italiano Antonio Criminal, en tierras de la mision de Oriente. Las vidas de los martires, todas ellas tan atrayentes con su final incluido, despertaban 'deseos ardientes' de imitacion." BURRIEZA SÁNCHEZ, Javier. Los jesuitas: de las postrimerias a la muerte ejemplar. Hispania Sacra, LXI, 124, julio-diciembre 2009, p. 524-527 (grifo nosso).
  • 14
    Apud IPARRAGUIRRE, op. cit., p. 431.
  • 15
    Apud IPARRAGUIRRE, op. cit., p. 435.
  • 16
    Apud IPARRAGUIRRE, op. cit., p. 525.
  • 17
    Apud IPARRAGUIRRE, op. cit., p. 434.
  • 18
    Apud IPARRAGUIRRE, op. cit., p. 427-428.
  • 19
    Apud IPARRAGUIRRE, op. cit., p. 614.
  • 20
    Apud IPARRAGUIRRE, op. cit., p. 626.
  • 21
    Apud IPARRAGUIRRE, op. cit., p. 388.
  • 22
    Documentos para la historia argentina - D. H. A., tomo XIX. Buenos Aires: Talleres Jacobo Peuser S.A., 1927, p. 9.
  • 23
    Para um cristão, segundo Jean-Pierre Vernant, "a morte nada é, é uma passagem [...] A preocupação com a individualidade no bojo do pensamento cristão se caracteriza justamente pela ideia da ressurreição dos corpos. Se há verdadeiramente uma imortalidade das pessoas em sua singularidade, é preciso que os corpos também ressuscitem". VERNANT, Jean-Pierre. A travessia das fronteiras. São Paulo: Edusp, 2009, p. 86.
  • 24
    Em relação às cartas ânuas que analisamos, deve-se observar que as litterae annuae são a correspondência periódica que os padres provinciais enviavam ao padre geral da Companhia de Jesus. Elas têm sua base nos relatórios anuais que o provincial recebia dos superiores das residências, colégios, universidades e missões junto aos índios. Continham uma detalhada informação sobre as casas, suas obras, pessoas e atividades, sendo redigidas pelos secretários ou por pessoas com capacidade para escrevê-las, designadas pelo provincial. As cartas ânuas relativas à Província Jesuítica do Paraguai cobrem o período que vai de 1609 a 1675 e, após um intervalo de cerca de 40 anos, o período de 1714 a 1762. Obedeceram a uma periodicidade anual até 1617, quando passaram a ser bienais e, posteriormente, trienais. Vale ressaltar que "Las cartas anuas presentan ya, eventualmente, una elaboración secundaria de la actividad misionera entre los indios, con acentuadas intenciones apologéticas, pensando incluso en un lector europeo que debe quedar edificado con tanto heroísmo de los jesuitas [...]". MELIÀ, Bartomeu. El guaraní conquistado y reducido: Ensaios de etnohistoria. 2ª ed. Asunción: Ceaduc, 1988, p. 94-95.
  • 25
    D. H. A., op. cit., p. 163. Na introdução do primeiro volume desta coletânea de cartas ânuas publicadas, encontramos a seguinte definição: "Las Anuas son un resumen de todo y responden al propósito de informar sobre el estado de la Provincia al P. general y a toda la Compañía de Jesús, sin el empeño, claro está, de agotar las informaciones, que suelen ser más detalladas, en parte, en las llamadas consultas hechas por el Provincial, dirigidas al General y contestadas por él en los postulados de las congregaciones provinciales periódicas, etc., todas las cuales se conservan, también, en gran parte, en los diferentes archivos jesuíticos del mundo". D.H.A., op. cit., p. 21.
  • 26
    MAEDER, op. cit., p. 165.
  • 27
    Os primeiros jesuítas a lançarem as bases da ação missionária na América chegaram em 1549, acompanhando o primeiro governador geral do Brasil, o português Tomé de Souza. Atribui-se ao pe. Leonardo Nunes a ideia de fundar missões entre os indígenas Guarani ainda no ano de 1552. Sabe-se que, após a sugestão dada por Leonardo Nunes, houve uma tentativa frustrada de Manuel da Nóbrega de levar a missão jesuíta ao Paraguai, que não se concretizou devido à oposição de Luís da Grã e à interdição formal vinda de Roma, trazida pelo visitador Inácio de Azevedo. Datam de 1555 as primeiras solicitações - feitas pelos espanhóis estabelecidos no Paraguai - do envio de missionários jesuítas para o serviço espiritual dos colonos e para a conversão dos indígenas já pacificados, mas, somente em 1566, a Companhia de Jesus obteve licença para atuar nos domínios hispânicos. O projeto, no entanto, foi retardado até 1588, quando o Conselho das Índias aprovou o envio de missionários jesuítas para a região.
  • 28
    D.H.A., op. cit., p. 454-455.
  • 29
    A primeira instrução, datada de 1609, teve como destinatários os padres José Cataldino e Simão Maceta, missionários enviados ao Guairá. A segunda, de 1610, foi dirigida a todos os missionários jesuítas que atuavam entre os indígenas do Guairá, do Paraná e entre os Guaicuru.
  • 30
    Apud RABUSKE SJ, Arthur. A carta magna das reduções jesuíticas Guaranis. Estudos Leopoldenses. São Leopoldo, v. 14, nº 47, 1978, p. 23. Vale lembrar que, na instrução do pe. Francisco de Borja, de março de 1567, já havia a explícita recomendação de que os missionários tomassem os cuidados necessários para garantirem sua saúde e a conservação da vida, não obstante o reconhecimento da importância do martírio.
  • 31
    Apud RABUSKE, op. cit., p. 30.
  • 32
    D. H. A., op. cit., p. 464. Esta situação relatada na ânua de 1613 evoca a concepção de "bela morte" vinculada à vida breve, pois, "no ideal heróico, um homem pode optar por querer ser sempre e em tudo o melhor e, para prová-lo ele vai continuamente [...] colocar-se, sem hesitar, na primeira fila e pôr em ação todos os dias, em cada enfrentamento, sua própria vida. A morte heróica não confere apenas uma honra incomparável: ela realiza também o paradoxo de uma criatura humana morta, efêmera, devotada a um ciclo que caracteriza o homem, opondo-se aos deuses". VERNANT, op. cit., 2009, p. 79-83.
  • 33
    D. H. A., op. cit., p. 57.
  • 34
    MAEDER, op. cit., p. 49.
  • 35
    D. H. A., op. cit., p. 382.
  • 36
    D. H. A., op. cit., p. 467-469.
  • 37
    HERNÁNDEZ SJ, Pablo. Organización social de las doctrinas Guaraníes de la Compañía de Jesús. Barcelona: Gustavo Gili Editores, 1913, p. 16.
  • 38
    D. H. A., op. cit., p. 472 - 474.
  • 39
    D. H. A., op. cit., p. 266, 289.
  • 40
    D. H. A., op. cit., p. 264 - 265.
  • 41
    D. H. A., op. cit., p. 426.
  • 42
    D. H. A., op. cit., p. 476 - 479.
  • 43
    D. H. A., op. cit., p. 460.
  • 44
    D. H. A., op. cit., p. 469.
  • 45
    D. H. A., op. cit., p. 523.
  • 46
    LEONHARDT, Carlos. Los jesuítas y la medicina en el Rio de la Plata. Estudios. Buenos Aires, n. 57, 1937, p. 103.
  • 47
    De acordo com Cymbalista, a valorização do martírio se dava por guardar semelhança com o sofrimento experimentado por Cristo. A partir da era moderna, houve, inclusive, a circulação de obras que versavam sobre a imitação da trajetória dos últimos momentos de Jesus. A ideia de que este sofrimento os aproximava dos santos que haviam sido martirizados, garantindo, por consequência, a aproximação com Deus, acabava conferindo grande prestígio ao mártir, por sua condição de modelo a ser seguido. Ver mais em CYMBALISTA, Renato. Sangue, ossos e terras: os mortos e a ocupação do território luso-brasileiro. São Paulo: Editora Alameda, 2011.
  • 48
    MAEDER, op. cit., p. 57-59.
  • 49
    D. H. A., op. cit., p. 379.
  • 50
    MAEDER, op. cit., p. 149.
  • 51
    MAEDER, op. cit., p. 30.
  • 52
    Cartas ânuas de la Provincia Jesuitica del Paraguay - C. A., 1647-1649. Traducción do pe. Carlos Leonhardt SJ., Buenos Aires, 1994 [1927], p. 30. As cartas ânuas da Província Jesuítica do Paraguai referentes à segunda metade do século XVII analisadas neste artigo foram, inicialmente, traduzidas do latim para o espanhol pelo padre Leonhardt em 1927 e se encontram no Acervo do Colégio del Salvador, em Buenos Aires, Argentina. Uma versão digitada destas cartas, com data de 1994, se encontra à disposição dos pesquisadores no Acervo do Instituto Anchietano de Pesquisas - Unisinos, São Leopoldo, RS.
  • 53
    C. A. 1647-1649, [1927], 1994, p. 34.
  • 54
    C. A. 1647-1649, [1927], 1994, p. 49-50.
  • 55
    C. A. 1652-1654, [1927], 1994, p. 48. "En las Constituciones de la Compania, en su parte VI (capitulo 4º), se especificaba 'la ayuda que se da en la muerte de los de la Compania y sufragios despues della'. El acompañamiento no era solo a traves de la oracion, pues todos los miembros de la casa podian y debian entrar a ver morir al que se hallaba en la ultima enfermedad, aunque unos pocos fuesen los que le cuidasen. La oracion era anterior y posterior al fallecimiento, celebrando los sacerdotes de la Compania sufragios por su alma y anunciandolo alla donde se pudiese llegar. La muerte de un religioso se convertia en manifestacion de la gloria de Dios. En la Compania, en la que todo se hallaba reglamentado y no se dejaba nada a la improvisacion, cada uno de los miembros del Instituto era enterrado de una manera, dependiendo si era hermano, escolar o sacerdote, aunque se tendio a uniformar los usos y costumbres." BURRIEZA SÁNCHEZ, op. cit., p. 522-523 (grifo nosso).
  • 56
    A análise dos textos dos necrológios inseridos nas cartas ânuas implica reconhecer sua evidente função pedagógica e de rememoraçãopara a Companhia de Jesus. As descrições laudatórias que as mortes de alguns padres ou irmãos mereceram apontam para a valorização de determinadas virtudes e condutas que deveriam ser almejadas e observadas pelos demais membros da Ordem. Mais do que um chamamento ao apostolado, a morte virtuosa ou decorrente de martírio de um missionário jesuíta deveria ser percebida como a experiência concreta da mística salvacionista da Companhia de Jesus: "(...) los jesuitas trataban de demostrar a traves de sus trabajos (...) por las obras que escribian e imprimian sus autores de exito y por la publicistica que realizaban de todo ello, que los medios que ofrecian se presentaban mas seguros y eficaces que otros ya planteados y existentes. Enfatizaban que su espiritualidad contribuia a culminar un deseo de salvacion manifiesto. Se cumplia el objetivo de la Compania: no solamente procuraban por su vida espiritual alcanzar su propia salvacion sino tambien la de los projimos". BURRIEZA SÁNCHEZ, op. cit., p. 544.
  • 57
    Vale destacar que muitas destas funções previam o deslocamento dos missionários mediante a organização de missões que, para além de seu caráter civilizador-evangelizador, acabavam possibilitando o levantamento cartográfico de extensas regiões, como se pode constatar nas informações registradas nas ânuas que analisamos e também na produção de mapas por alguns missionários jesuítas. Ver mais em BARCELOS, Artur Henrique Franco. O mergulho no seculum: exploração, conquista e organização espacial jesuítica na América espanhola colonial.Tese de doutorado, Programa de Pós-Graduação em História, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), 2006.
  • 58
    A sensação de solidão e de desamparo, que se intensificava nas inóspitas e longínquas "terras de missão" para as quais alguns jesuítas eram enviados, era amenizada pela escrita de cartas, através das quais se referiam às duras condições de vida e de trabalho a que estavam submetidos e mantinham contato com outros padres, com a própria Ordem, em Roma, e também com seus familiares. Ver mais em DEL VALLE, Ivone. Escribiendo desde las márgenes: colonialismo y jesuítas en el siglo XVIII. México: Siglo XXI, 2009. Também Castelnau-L'Estoile refere que "os termos edificação ou consolação têm um forte valor espiritual e remetem à ideia de um reforço identitário do grupo, por meio de uma comunhão do amor divino". CASTELNAU-L'ESTOILE, Charlotte de. Operários de uma vinha estéril: Os jesuítas e a conversão dos índios no Brasil (1580-1620). Bauru, São Paulo: Edusc, 2006, p. 74.
  • 59
    C. A. 1647-1649, 1994 [1927], p. 6.
  • 60
    Os necrológios se constituem de elogios fúnebres que integravam o texto das cartas ânuas. Além da função de informar ao padre geral da Companhia sobre os óbitos ocorridos durante determinado período, apresentavam um relato da trajetória do jesuíta que faleceu, enaltecendo suas virtudes e desprendimento. Nesta perspectiva, "La muerte de un jesuita siempre era resaltada en las cartas de edificacion, con mayor publicidad para aquellos religiosos que hubiesen gozado de fama de santidad. La vida de un jesuita "virtuoso", una vez desaparecido, se convertia en atractiva para su imitacion. Al principio, las defunciones eran anunciadas por las cartas annuas enviadas a Roma. Los mas ilustres y conocidos contaban con sermones que habian sido primero pronunciados en sus honras funebres y despues eran entregadas a la imprenta". BURRIEZA SÁNCHEZ, op. cit., p. 523.
  • 61
    STORNI, Hugo. Catalogo de los jesuitas de la Provincia del Paraguay (Cuenca del Prata) 1585-1768. Roma: Institutum Historicum S. I., 1980, p. 184.
  • 62
    C. A. 1659-1662, 1994 [1927], p. 72.
  • 63
    C. A. 1659-1662, 1994 [1927], p. 73.
  • 64
    A partir da página 372 deste artigo, dedicamos especial atenção ao processo de consagração póstuma do jesuíta limenho Antônio Ruiz de Montoya - o apóstolo dos Guaranis -, priorizando a análise de algumas das mais representativas biografias produzidas sobre ele tanto por historiadores leigos quanto por historiadores da própria Companhia de Jesus.
  • 65
    C. A. 1659-1662, 1994 [1927], p. 73.
  • 66
    C. A. 1659-1662, 1994 [1927], p. 73.
  • 67
    A invasão a que o jesuíta se refere foi ordenada por Raposo Tavares e comandada por Simão Álvares, em 30 de janeiro de 1629. Ver mais em AGUILAR, Jurandir C. Conquista espiritual: A história da evangelização na Província Guairá na obra de Antônio Ruiz de Montoya, S. I. (1585 - 1652). Roma: Editrice Pontifícia Università Gregoriana, 2002, p. 264.
  • 68
    C. A. 1659-1662, [1927], 1994, p. 74.
  • 69
    C. A. 1659-1662, [1927], 1994, p. 73.
  • 70
    BECKER, Ítala I. B. Lideranças indígenas no começo das reduções jesuíticas da Província do Paraguay. Revista Pesquisas, São Leopoldo, IAP, 1992, p. 177
  • 71
    Em carta do padre Antonio Ruiz de Montoya ao provincial, de 1628, encontra-se a seguinte informação: "na redução de San José encontrava-se o padre Pedro Mola, sendo amado afetuosamente pelos índios". AGUILAR, op. cit., p. 246.
  • 72
    STORNI, op. cit., p. 187.
  • 73
    O irmão Francisco Jiménez nasceu em 12/11/1602, ingressou na Companhia de Jesus em 24/02/1619 e morreu em 10/05/1668 em Buenos Aires. STORNI, op. cit., p. 149.
  • 74
    C. A. 1668, 1994 [1927], p. 11.
  • 75
    C. A. 1668, 1994 [1927], p. 8-11.
  • 76
    O irmão Antonio Bernal nasceu em Portugal em 1582, ingressou na Companhia em 20/08/1615 e morreu em Córdoba em 13/04/1661. STORNI, op. cit., p. 37.
  • 77
    Para fins de conversão da distância informada, consideramos que uma milha equivale a 5.500 metros.
  • 78
    C. A. 1659-1662, 1994 [1927], p. 78.
  • 79
    C. A. 1667, 1994 [1927], p. 6.
  • 80
    C. A. 1672-1675, 1994 [1927], p. 66.
  • 81
    C. A. 1668, 1994 [1927], p. 5.
  • 82
    C. A. 1669-1672, 1994 [1927], p. 12.
  • 83
    C. A. 1659-1662, 1994 [1927], p. 37.
  • 84
    C. A. 1659-1662, 1994 [1927], p. 78.
  • 85
    C. A. 1668, 1994 [1927], p. 18.
  • 86
    BERTO, Carla. Milagres constantes e inconstantes: variações no discurso jesuítico (1610-1640). Porto Alegre: PUCRS. Dissertação de mestrado, Programa de Pós-Graduação em História, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), 2005, p. 75.
  • 87
    VERNANT, Jean-Pierre. Entre mito e política. São Paulo: Edusp, 2001, p. 410-411.
  • 88
    VILAR, Socorro de Fátima Pacífico. A invenção de uma escrita: Anchieta, os jesuítas e suas histórias. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2006, p. 176.
  • 89
    Para Nicola Gasbarro, as narrativas epistolares tinham, para além do registro, a função de articular a tradição intelectual e a experiência empírica de seus membros e incentivar novas vocações". "Os jesuítas, aliás, são particularmente atentos para essa 'experiência transversal': as relações que provêm de várias partes do mundo tornam-se objeto de análise comparativa e de profunda reflexão teológica e filosófica, necessária para formar novos missionários". (GASBARRO, Nicola. Missões: a civilização cristã em ação. In: MONTERO, Paula. Deus na aldeia. São Paulo: Globo, 2006, p. 81).
  • 90
    José Eisenberg debruça-se sobre o sentido e a dinâmica da correspondência epistolar jesuítica como mecanismo de organização e controle interno das atividades da Companhia de Jesus. Segundo este autor, "nas práticas relatadas através das missivas", os missionários demonstravam sua capacidade de conjugar o modus procedendi da Companhia de Jesus, "uma dialética entre obediência e prudência resultante dos elementos voluntarísticos da doutrina espiritual de Inácio de Loyola". EISENBERG, José. As missões jesuíticas e o pensamento político moderno. Belo Horizonte: EdUFMG, 2000, p. 19.
  • 91
    LONDOÑO, op. cit., p. 13.
  • 92
    CARDOZO, Efraim. Historiografia paraguaya. México: Instituto Panamericano de Geografia e História, 1959, p. 270.
  • 93
    Segundo Maurice Halbwachs, a memória retém do passado apenas o que "é capaz de viver na consciência do grupo que a mantém". HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990, p. 81.
  • 94
    Montoya nasceu a 13 de junho de 1585, na cidade de Lima, Peru. Órfão de pai e mãe, ele chegou a frequentar a Real Escuela de San Martin. Adolescente, abandonaria os estudos, dedicando-se à vida cortesã. Estimulado pelo padre Gonzalo Suarez, entraria no noviciado em 1606, após onze meses de estudos preparatórios. É ordenado padre pelo bispo Trejo y Sanabria, em Santiago del Estero, em 2 de março de 1611. Em setembro do mesmo ano, chegaria a Assunção, onde esperou seis meses para seguir até o Guairá, onde daria início à atividade apostólica.
  • 95
    FURLONG, Guillermo. Antonio Ruiz de Montoya y su carta a Comental, (1645). Buenos Aires: Theoría, 1964, p. 11-12. Esta carta foi dirigida a Pedro Comental, padre responsável pela redução de Nuestra Señora de Loreto.
  • 96
    Neste trabalho, nos valemos da segunda edição, publicada em Madri, em 1900, intitulada X(J)ARQUE, Francisco. Ruiz de Montoya en Indias (1608-1652).
  • 97
    X(J)ARQUE, Francisco. Ruiz de Montoya en Indias (1608-1652). Madri: Victoriano Suárez, 1900, p. 232-234.
  • 98
    X(J)ARQUE, op. cit., p. 238.
  • 99
    X(J)ARQUE, op. cit., p. 241.
  • 100
    CARDOZO, op. cit., p. 231. O martírio de algum membro da Companhia de Jesus promovia um evidente revigoramento do ideal apostólico do Instituto que se traduzia concretamente na prática de espalhar o(s) corpo(s) dos(s) morto(s) em pequenas partes entre as casas e províncias jesuíticas, como se deu por ocasião do martírio dos padres Oracio Vecchi e Martin Aranda e do irmão Diego de Montalban, ocorrido na região de Arauco: "los trajeron y depositaron con toda la decencia que fue posible hasta que repartan estas relíquias por toda la Provincia colocandoas con mayor Reverencia en ella para amparo y ejemplo de los Nros". D. H. A., op. cit., p. 244.
  • 101
    VARGAS UGARTE, Rubén. Los jesuítas del Peru (1568-1767). Lima, [s. n.], 1941, p. 86.
  • 102
    X(J)ARQUE, op. cit., p. 243. Dentre os traços mais comuns às narrativas hagiográficas, pode-se destacar a ênfase dada às ações realizadas em vida pelo "santo" e que retratam o seu desejo pela santidade, a morte vista como processo de aperfeiçoamento e, finalmente, os milagres post-mortem, como sinal do êxito e comprovação da santidade.
  • 103
    X(J)ARQUE, op. cit., p. 244.
  • 104
    X(J)ARQUE, op. cit., p. 249-251.
  • 105
    MAEDER, Ernesto. La "conquista espiritual" de Montoya y su alegato sobre las misiones. Teología: Revista de la Facultad de Teología de la Pontifícia Universidad Católica Argentina, nº 46, 1985, p. 122-123.
  • 106
    X(J)ARQUE, op. cit., p. 244.
  • 107
    VARGAS UGARTE, op. cit., p. 86.
  • 108
    X(J)ARQUE, op. cit., p. 255.
  • 109
    X(J)ARQUE, op. cit., pp. 255-256.
  • 110
    Trata-se da obra de TESCHAUER, Carlos, S. J. Vida e obras do preclaro pe. Ruiz de Montoya, S. J. Apóstolo do Guairá e do Tape. Apresentação, transcrição, correção e notas do pe. Arthur Rabuske S. J. Caderno de Pesquisas do IAP-História, nº 19, 1980, p. 230-240.
  • 111
    C. A. 1659-1662, 1994 [1927], op. cit., p. 28.
  • 112
    LEONZO, Nanci. O culto aos mortos no século XIX: os necrológios. In: MARTINS, José de Souza (org.). A morte e os mortos na sociedade brasileira. São Paulo: Hucitec, 1983, p. 86-84.
  • 113
    O martírio de algum membro da Companhia de Jesus promovia um evidente revigoramento do ideal apostólico do Instituto, que se traduzia concretamente na prática de espalhar o(s) corpo(s) dos(s) morto(s) em pequenas partes entre as casas e províncias jesuíticas, como se deu por ocasião do martírio dos padres Oracio Vecchi e Martin Aranda e do irmão Diego de Montalban, ocorrido na região de Arauco: "los trajeron y depositaron con toda la decencia que fue posible hasta que repartan estas relíquias por toda la Provincia colocandolas con mayor Reverencia en ella para amparo y ejemplo de los Nros". D. H. A., op. cit., p. 244.
  • 114
    Vale lembrar que, dentre os objetivos principais da escrita na Europa dos séculos XVI e XVII, estava o de "forjar memoria de las cosas, de las ideas y de las personas por medio de la transmisión del conocimiento de sus hechos, sentimientos y pasiones", mas de uma memória entendida como "algo más que mera mnemotecnia, más que un simple artifício para recordar, y que, por contra, se elevaba como un verdadero arte para conocer personalmente y hacer posible el conocimiento ajeno." BOUZA, Fernando. Comunicación, conocimiento y memoria en la España de los siglos XVI e XVII. Salamanca: Semyr, 1999, p. 16.
  • 115
    Os necrológios evidenciam a percepção de morte e de morrer dos jesuítas, na medida em que celebram aqueles missionários que, após vida virtuosa, longa enfermidade ou martírio, haviam demonstrado que "aprender a morir significaba aprender a vivir adecuadamente", apontando para a utilização estratégica da "didactica del discurso [que] sabia poner ejemplos para concluir hacia una conversión de vida" pela Companhia de Jesus. BURRIEZA-SANCHEZ, op. cit., p. 530.
  • 116
    FURLONG, Guillermo, S. J. Misiones y sus pueblos de Guaraníes. Buenos Aires: Teorema, 1962, p. 604.
  • 117
    VERNANT, op. cit., 2001, p. 410-411.
  • 118
    Alcir Pécora In: LUZ, Guilherme Amaral. Carne humana: canibalismo e retórica jesuítica na América portuguesa (1549-1587). Uberlândia: EDUFU, 2006, p. 12-13

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Jun 2013

Histórico

  • Recebido
    10 Abr 2012
  • Aceito
    19 Fev 2013
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