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JAKSIC, Iván & CARBÓ, Eduardo Posada. Liberalismo y Poder. Latinoamérica en el siglo XIX. Santiago: Fondo de Cultura Económica, 2011

Jaksic, Iván; Carbó, Eduardo Posada. Liberalismo y poder. Latinoamérica en el siglo XIX. 2011. Fondo de Cultura Económica, Santiago

Jaksic, Iván e Carbó, Eduardo Posada (orgs.). Liberalismo y poder. Latinoamérica en el siglo XIX. Santiago: Fondo de Cultura Económica, 2011.

Liberalismo y poder. Latinoamérica en el siglo XIX é uma coletânea de artigos inéditos, publicada no final de 2011 e organizada pelos historiadores Iván Jaksic e Eduardo Posada Carbó, que vem somar-se ao crescente universo de obras individuais ou coletivas acerca da história política e intelectual da América Latina do século XIX produzidas nos últimos 20 anos. Desde o seminal Modernidad y independencias, de François-Xavier Guerra, de 1992, já contamos com um consistente movimento de renovação das perguntas e objetos acerca do continente1 1 No campo da história política, história intelectual ou história das ideias políticas, citaria, como ilustração, os trabalhos coletivos de AGUILAR, José e ROJAS, Ricardo (eds.). El republicanismo en Hispanoamérica. México D. F.: FCE, 2002. ALONSO, Paula (comp.). Construcciones impresas. Panfletos, diarios y revistas en la formación de los estados nacionales en América Latina, 1820-1920. Buenos Aires: FCE, 2004. ALTAMIRANO, Carlos (org.). História de los intelectuales en América Latina, vol. 1. Buenos Aires: Katz, 2008. McEVOY, Carmen e STUVEN, Ana Maria. La república peregrina: hombres de armas y letras en América del Sur 1800 - 1884. Lima: Ifea-IEP, 2007, e, por fim, PALTI, Elías (org.). Mito y realidad de la "cultura política latinoamericana''. Buenos Aires: Prometeo, 2010. nas academias, revistas e editoras latino-americana, europeia e estadunidense.

Neste contexto, o presente volume torna-se particularmente interessante, pois apresenta um panorama geográfica e institucionalmente variado de recentes produções da história política e história das ideias sobre a América ibérica do século XIX, com os conflitos, contradições e diversidade próprios deste campo de estudo. Não seria exagero encarar este esforço como uma metaleitura do estado da arte. Os nove capítulos avançam sobre o tema do liberalismo político no continente a partir de aspectos característicos de cada caso nacional, divididos entre México, Colômbia, Chile, Peru, Brasil e Argentina, além de dois capítulos sobre as matrizes intelectuais europeias que informaram a história do liberalismo americano desde a independência.

A despeito da alegada dificuldade de classificação e resistência à unidade dos temas envolvidos no desenvolvimento político, cultural e social do liberalismo nas jovens nações latino-americanas, os autores organizam os argumentos em torno de três eixos: a) identificação de ritmos e esferas do liberalismo: a busca por uma linearidade ou por uma cronologia nacional do liberalismo diante de manifestações distintas e a discrepância entre o tempo da história política e o da história intelectual;2 2 Observo que tais dificuldades tornam-se mais patentes quando se analisam textos de síntese em que a América Latina é tratada como unidade histórica. Sem dúvida, o mérito compartilhado pelas diferentes frentes historiográficas acerca do século XIX latino-americano é o de exigir cada vez mais a responsabilidade dos pesquisadores e especialidade dos estudos, em termos nacionais ou temáticos, de modo a evitar generalizações que mais obscurecem do que contribuem para a compreensão da história. b) confrontação das "ainda arraigadas noções sobre o caráter exótico do liberalismo na região" e o movediço tema da "originalidade" e da "cópia" a partir de algumas leituras circulantes nos meios ilustrados ibero-americanos da época; e c) a avaliação do impacto das ideias liberais na formação das novas formações nacionais: estas foram, de uma só vez, uma filosofia de resistência ao poder, uma ideologia de construção da nação e do Estado e um arsenal de legitimação em busca do poder político mobilizados pelas elites intelectuais e governantes, mas, igualmente, por militares, indígenas e camponeses.

A introdução ao volume, escrita pelos organizadores, revela já em seu título a concepção sobre o liberalismo político na América Latina a ser desenvolvida nas páginas que se seguem: "Naufrágios e sobrevivências do liberalismo latino-americano". Destarte, nega-se uma vida, digamos, normal do liberalismo em terras americanas. Ora se trata de um fracasso completo, ora de uma vitória a duras penas contra o naufrágio, com uma vida marcada pela privação, pela precariedade. A nau liberal, portanto, não teria encontrado águas claras nem porto seguro em sua vinda para a América; para ela, segundo os autores desta introdução, o cabo das Tormentas está sempre à espreita.

O primeiro capítulo temático é o de autoria de Stuart Jones, professor de História intelectual da Universidade de Manchester, no qual ressalta que o câmbio recente da historiografia na percepção do liberalismo deve-se, sobretudo, ao abandono dos modelos binários entre liberdade positiva e liberdade negativa, e ao ressalte da "influência nacional nos movimentos e doutrinas liberais" (p. 44). Jones defende, em oposição às interpretações "essencialmente utilitárias" de Quentin Skinner e Philip Pettit, que o liberalismo oitocentista foi fundado sob perspectivas morais e religiosas bem sedimentadas. Assim, não haveria uma incompatibilidade entre o liberalismo moderno e o republicanismo clássico - como sustentariam os autores acima -, mas uma reapropriação de valores como virtude, corrupção, bem-comum, autonomia, em jogo nos debates europeus do XIX com Guizot, Tocqueville, Smile e Bentham.

O outro capítulo teórico ficou a cargo de Roberto Breña, no qual propõe uma dupla revisão: dos principais elementos doutrinais que compõem o primeiro liberalismo espanhol, cujo "epicentro fueron las Cortes de Cádiz" e a Constituição de 1812 (p. 64); e de como estas transformações se projetaram em terras hispano-americanas. O professor da Universidade Complutense parte do princípio de que o liberalismo espanhol possuiu duas vertentes, a peninsular e a americana, uma vez que estes territórios faziam parte do mesmo império até 1824, e que a participação das representações americanas foi muito importante para os debates na assembleia espanhola. Trata-se de uma virada importante para a historiografia interessada no tema da incorporação da tradição ibérica na conformação dos ideais liberais que guiaram os processos de independência e os novos governos nacionais na América Latina. Esta tendência em reconhecer que o liberalismo "no fue una entidad ajena a nuestra circunstancia histórica" (p. 14), como sugere Natalio Botana no prólogo, carrega o mérito de descolar o passado colonial de interpretações3 3 Sobre este tema, ver o famoso trabalho de MORSE, Richard. O espelho de próspero. São Paulo: Cia das Letras, 1996. que o ligavam umbilicalmente ao feudalismo, à escolástica, ao corporativismo e ao obscurantismo, servindo de freio e anteparo naturalao desenvolvimento do liberalismo.

Compreender o primeiro liberalismo venezuelano, de 1810, quando se deu o primeiro passo contra Castela, a 1840, quando se fundou o partido liberal neste país, é o objetivo do artigo de Tomás Straka. Segundo o autor, o processo revestiu-se de circunstâncias históricas bastante específicas, visto que, a exemplo do que ocorrera no Haiti, a guerra racial era um elemento central da dinâmica social e cultural venezuelana. As bandeiras liberais, políticas e econômicas envolveram tanto os grupos econômicos que se beneficiavam com o livre comércio como "atra[íram] a pluralidade das pessoas de cor", interessadas nas liberdades e possibilidades franqueadas pela relativa abertura política. A presença de uma pluralidade de atores sociais, como publicistas, políticos, funcionários públicos e intelectuais, contribuiu na recepção - nem sempre bem lida, segundo o autor - e na conformação deste primeiro ideário liberal na Venezuela.

José Antonio Aguilar Rivera analisa os "três momentos liberais no México", assegurando, na abertura e na conclusão de seu texto, que não é certa a tese de um antiliberalismo primordial no México e na América Latina, de que o liberalismo mexicano só surge como paradoxal quando se considera uma determinada tradição liberal, a escocesa por exemplo, como a correta, ou quando se toma um único aspecto, a limitação do poder do Estado por sua totalidade de manifestações. No entanto, no corpo do texto, assevera que o liberalismo mexicano entre 1846 e 1876 possuiria como característica central a "asincronía" e defasagem com o que ocorria na Europa e nos Estado Unidos, o que sugere o privilégio de uma cronologia estranha a este universo, em detrimento do debate político e ideológico que emerge deste contexto. Segundo o autor, o liberalismo no México foi uma importação metropolitana, o que explicaria o "caracter derivativo del liberalismo en América Española" (p. 133).

No quinto capítulo, Eduardo Posada Carbó analisa a trajetória do liberalismo colombiano como uma recorrente reação, ora às investidas ditatoriais, ora aos apelos da democracia universal, tendo como baliza a atuação de Francisco Santander e Carlos Torres. A partir do ano de 1848, os conceitos liberais foram ganhando novos significados, em especial a equação entre ordem e liberdade. Para além do impacto dos eventos europeus, são implementadas importantes reformas como a abolição da escravidão, a descentralização fiscal, o sufrágio universal, a liberdade de imprensa, entre outras de caráter liberal, culminando na limitação do exercício do poder executivo em dois anos na Constituição de 1863. Segundo o autor, de uma ponta a outra do século, o liberalismo colombiano procurou, ecoando as palavras de Carlos Torres, refutar o jacobinismo das massas e coibir o messianismo dos líderes, enquanto buscava manter a ordem através do pragmatismo político em que o ecletismo intelectual refletia a recepção das influências estrangeiras diante das demandas políticas e sociais locais.

No capítulo sobre o Chile, os historiadores Iván Jaksic e Sol Serrano defendem a ideia de que o desenvolvimento do liberalismo tem como eixo a defesa dos direitos do indivíduo contra os abusos do Poder Executivo. Os intentos de liberalizar o regime nas primeiras décadas de independência acabaram, no entanto, por afiançar o discurso da ordem sobre o da liberdade. Para os autores, a leitura da história chilena como desenrolar do liberalismo confere sustento ideológico e coerência às transformações e continuidades políticas experimentadas ao longo do século XIX. A secularização do governo e das instituições, ao lado do desenvolvimento de uma vigorosa "república das letras", possibilitou a formação de um espaço público político fundamental para o desenvolvimento do liberalismo no Chile, numa intensa disputa entre os partidos conservador e liberal com variadas matizes ideológicas.

Em "De la república jacobina a la república práctica: lós dilemas del liberalismo em el Perú 1822-1872", Carmen McEvoy salienta o papel central que as forças militares ocuparam na formação da sociedade peruana pós-colonial na ausência de um "cidadão instruído" ou de um "cérebro napoleônico". A ação dos militares resultou da "balcanização" pós-independência, quando as corporações e os pueblos - "el otro pilar de la autoridad pública en la América hispana" - impediram a conformação de um poder homogêneo, racionalizado e centralizado. A defesa pelos liberais de uma Constituição acabaria por instaurar, nos primeiros anos, um assembleísmo como forma de restrição do poder centralizado - o que mostraria, segundo a autora, o quão distante os liberais peruanos estavam dos modelos constitucionais em voga. As assembleias, as corporações e os foros especiais geraram um cenário de anarquia, que serviu de argumento para o Congresso delegar poder a uma ditadura militar ("la república militarizada") que instaurasse a ordem, sem que se abrisse mão, no entanto, de uma linguagem liberal.

O brasilianista da Universidade da Flórida Jeffrey Needell dedica-se, no oitavo capítulo, ao estudo das ideologias dos partidos no Brasil monárquico, uma área que, segundo ele, é carente de estudos, uma vez que os interesses dos historiadores brasileiros voltam-se mais para o papel do Estado. O autor remonta à trajetória dos partidos brasileiros desde a independência, ressaltando a instauração do Ato Adicional de 1834 como um divisor de águas para o partido Moderado, uma vez que minava o poder do Estado imperial, ao conceder autoridade às câmaras municipais eleitas. Nota o autor que, em todo o período do Segundo Reinado, a propaganda dos princípios liberais por parte dos liberais moderados, como a divisão de poderes, o sistema representativo, o domínio da Constituição, não cessou, não obstante as contradições que os setores conservadores encarnavam naquele contexto como, por exemplo, nos debates em torno da abolição da escravidão. Needell aponta, nos desajustes entre o Parlamento, de tendência à direita, e os gabinetes ministeriais, segundo ele, não partidários e pós-ideológicos, o cerne do enfraquecimento da monarquia, ressaltando, ao fim, que a manutenção da ordem foi mais importante que a manutenção do regime, o que explicaria o fato de que o golpe à monarquia foi feito de comum acordo entre liberais e conservadores.

Na última seção, com o objetivo de reexaminar a natureza das tensões e conflitos das experiências políticas na região do Prata no século XIX, Marcela Ternavasio e Paula Alonso sugerem que foi em torno de conceitos como república e constitucionalismo que se deram as principais batalhas (retóricas e militares) entre 1810 e 1880 na Argentina. Para a compreensão do liberalismo no período, o artigo divide o século em dois grandes períodos: "momento republicano", de 1810 a 1852, e "momento do liberalismo constitucional" de 1852/62 a 1880.

O primeiro período teria experimentado um "republicanismo de fato", na primeira década de independência, quando se instalaram instituições liberais como os comícios, o sufrágio e a imprensa, sendo substituído por uma "república de províncias", quando os poderes locais impuseram sua força às tentativas de centralização. A instabilidade institucional e os conflitos surgidos nestas três primeiras décadas abriram espaço à instauração de uma "república unanimista" sob a ditadura de Juan Manuel de Rosas que, valendo-se dos instrumentos jurídicos e da linguagem política herdados dos anos liberais, ressignificou-os, adotando uma defesa da ordem, da virtude e dos interesses nacionais como legitimação do republicanismo. O segundo período, do liberalismo constitucional, consagrou o acordo nacional em torno do constitucionalismo e do liberalismo, mas reinstaurou a disputa sobre a legitimidade do governo nacional entre Buenos Aires e as províncias confederadas. Após uma década de conflitos, a vitória de Buenos Aires abriria uma nova época para o país, na qual a luta travava-se na busca pela formação de partidos de alcance nacional que viabilizassem uma unidade em meio à diversidade de interesses territoriais.

À guisa de conclusão, cabe lembrar, com Collingwood, que a pergunta histórica é sempre atualizada. Assim, se nos anos 1950-1970, o passado liberal poderia remeter a e explicar um tempo ditatorial em sociedades dilaceradas e com governos entreguistas, hoje, o "liberalismo criollo" "se encuentra nadando en un mar constitucional" (p. 327), conforme muito bem aponta Frank Safford, autor do epílogo, o que ensejaria um novo olhar sobre o passado. Se, por um lado, a perspectiva historiográfica desenvolvida pelos organizadores da coleção na introdução implica numa aproximação das leituras sustentadas num "tipo-ideal" dos conceitos liberais e numa certa desconfiança sobre a efetividade do liberalismo na Iberoamérica, por outro, há que ressaltar o mérito de se reunir uma considerável diversidade de abordagens e orientações teóricas o que, inegavelmente, produz um dos principais objetivos de uma obra coletiva: o debate de ideias.

Ao fim, e considerando todas as dimensões das discussões aqui suscitadas, reproduzo o espanto, e penso que a leitura do volume o sustenta, de Frank Safford no epílogo quando se pergunta, afinal, "qué es esto de naufrágios?".

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    No campo da história política, história intelectual ou história das ideias políticas, citaria, como ilustração, os trabalhos coletivos de AGUILAR, José e ROJAS, Ricardo (eds.). El republicanismo en Hispanoamérica. México D. F.: FCE, 2002. ALONSO, Paula (comp.). Construcciones impresas. Panfletos, diarios y revistas en la formación de los estados nacionales en América Latina, 1820-1920. Buenos Aires: FCE, 2004. ALTAMIRANO, Carlos (org.). História de los intelectuales en América Latina, vol. 1. Buenos Aires: Katz, 2008. McEVOY, Carmen e STUVEN, Ana Maria. La república peregrina: hombres de armas y letras en América del Sur 1800 - 1884. Lima: Ifea-IEP, 2007, e, por fim, PALTI, Elías (org.). Mito y realidad de la "cultura política latinoamericana''. Buenos Aires: Prometeo, 2010.
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    Observo que tais dificuldades tornam-se mais patentes quando se analisam textos de síntese em que a América Latina é tratada como unidade histórica. Sem dúvida, o mérito compartilhado pelas diferentes frentes historiográficas acerca do século XIX latino-americano é o de exigir cada vez mais a responsabilidade dos pesquisadores e especialidade dos estudos, em termos nacionais ou temáticos, de modo a evitar generalizações que mais obscurecem do que contribuem para a compreensão da história.
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    Sobre este tema, ver o famoso trabalho de MORSE, Richard. O espelho de próspero. São Paulo: Cia das Letras, 1996.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Jun 2013

Histórico

  • Recebido
    17 Ago 2012
  • Aceito
    23 Abr 2013
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