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DINÂMICAS HISTÓRICAS DE UM PORTO CENTROAFRICANO: AMBRIZ E O BAIXO CONGO NOS FINAIS DO TRÁFICO ATLÂNTICO DE ESCRAVOS (1840 - 1870)* * Pesquisa patrocinada pelo CNPq e por aportes do NAP Brasil-África, PRPG/ Departamento de História - FFLCH/USP. Versões preliminares do texto foram apresentadas no IIº Encontro Internacional de História da África, UFF/Niterói em 2012 e na Reunião Nacional da ANPUH em 2013 e discutidas no grupo de pesquisadores do Brasil-África e com os colegas da Linha de História da África da Unicamp. Agradeço a todos os comentários e às contribuições

HISTORICAL DYNAMICS OF A CENTRAL AFRICAN PORT: AMBRIZ AND THE LOWER CONGO AT THE END OF THE ATLANTIC SLAVE TRADE (1840 - 1870)

Resumos

O objetivo deste artigo é o de seguir a história de Ambriz entre as décadas de 1840 e 1870, a fim de iluminar as questões de ordem política e econômica que mediavam as relações com o poder colonial baseado em Luanda, bem como revelar as características do comércio feito pelas sociedades africanas, especialmente por aquelas articuladas ao porto e ao Baixo Congo. Para além de uma abordagem puramente economicista, procura-se entender as atividades comerciais numa relação dialógica em que os setores africanos impõem regras e normas e estas, por sua vez, revelam concepções e formas de associação cuja lógica extrapola uma perspectiva essencialmente eurocêntrica.

África centro-ocidental; século XIX; Joachim John Monteiro; Ambriz; minas de Bembe


The aim of this article is to trace the history of Ambriz between the 1840s and 1870s in order to illuminate the issues of political and economic order that mediated relations with the colonial power based in Luanda, as well as reveal the characteristics of trade made by African societies, especially those articulated by the port and the Lower Congo. Beyond a purely economic approach, we seek to understand the business activities in a dialogic relationship in which African sectors impose rules and standards, and these in turn reveal conceptions and forms of association whose logic extrapolates an essentially Eurocentric perspective.

Central West Africa; nineteenth century; Joachim John Monteiro; Ambriz; mines of Bembe


Até meados do século XVIII, Ambriz era um pequeno porto africano situado ao norte dos domínios portugueses com sede em Luanda e pouco conhecido nos relatos e documentos estrangeiros. A partir dos finais do século, essa situação se alterou substancialmente e Ambriz passou a ser mencionado com frequência como lugar de origem de milhares de navios que realizavam as viagens transatlânticas da época. O incremento do comércio e a articulação com rotas que vinham do interior da África central, a instalação de feitorias de mercadores estrangeiros e o crescimento progressivo do volume de mercadorias aí negociadas foram processos explicados pela intensa concentração do tráfico atlântico de escravos nos portos ao norte de Angola. Segundo Robert Harms, em 1789, os embarques feitos a partir do porto, combinados aos de seu vizinho Mossul, que computavam uma média de 3.000 a 4.000 africanos / ano, subiram para 5.000 a 6.000 no final do século e atingiram, durante a década de 1820, a cifra de 30.000 africanos. 1 1 HARMS, Robert. River of wealth, river of sorrow. The central Zaire basin in the era of the slave trade, 1500- 1891. New Haven: Yale University Press, 1981, p. 28. Segundo dados recentes, entre 1789 e 1863, foram retirados somente de Ambriz 206.000 escravizados destinados em sua maior parte aos mercados do Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco, e também de Cuba. 2 2 ELTIS, David & RICHARDSON, David. Ambriz: Destinations of slaves and home ports of vessels carrying them, 1789-1863. In: Idem. Atlas of the transatlantic slave trade. New Haven; Londres: Yale University Press, 2010, p. 109; elaboração feita a partir dos dados da Voyages. The Transatlantic Slave Trade Database (doravante TSTD-2010), projeto da Universidade de Emory e anteriormente do W. E. B. Du Bois Institute for African and African-American Research, com versão disponibilizada em www.slavevoyages.org.

Para entender tal processo duas ordens de questões têm sido levantadas: em primeiro lugar, as interdições feitas pelo convênio entre britânicos, portugueses e brasileiros aos fluxos transatlânticos do comércio de escravos e, em segundo lugar, as alterações no jogo de poder dos estados africanos da região. Com relação à primeira, a lógica é a princípio simples: à medida que as convenções abolicionistas assinadas a partir de 1810 iam sendo colocadas em prática, o controle se fazia sentir, sobretudo nas partes diretamente controladas pela metrópole portuguesa, Luanda e Benguela notadamente, provocando com isso um acentuado deslocamento de casas de negócios, agentes e navios para as costas atlânticas ao norte e ao sul de Luanda, em busca do comércio livre nos portos governados pelos africanos. Com relação à segunda, e considerando que “a administração das rotas comerciais era um assunto gerido pelos africanos", 3 3 BIRMINGHAM, David, A África central até 1870. Zambézia, Zaire e o Atlântico Sul. Tradução de Jorge Gabriel Fragoso. Angola: Endipeu, 1981, p. 81. essa reorientação corresponderia tambéma mudanças políticas significativas ocorridas no interior da África central. Numa época em que o tráfico controlado de escravos e o monopólio da redistribuição das mercadorias obtidas no comércio externo eram capazes de reforçar o crescimento da autoridade política, as mudanças traduziam-se em nova constelação de poderes e refletiam-se na liberação do acesso aos grandes estoques localizados nas terras além-rio Cuango, até então fronteira difícil de ser transposta.

Já há algum tempo a produção historiográfica tem revelado indícios da amplitude e da organização das redes de negócios da África central, bem como de um complexo comercial centrado no rio Congo / Zaire e suas ramificações. Nas movimentações históricas oitocentistas, nos padrões de organização regional mercantil e nas realocações conjunturais do tráfico de escravos, o rio transformou-se num dos últimos redutos desse comércio na África central, sobretudo a partir das pressões abolicionistas, e a principal região de procedência dos escravizados enviados para as Américas, a partir da terceira década do século XIX. 4 4 ELTIS, David. African and European relations in the last century of the transatlantic slave trade. In: PÉTRE-GRENOUILLEAU, Olivier (ed.). From slave trade to empire. Europe and the colonization of black Africa, 1780s-1880s. Londres; Nova York: Routledge, 2004, p. 34-36. Vários estudos publicados a partir dos dados quantitativos recentes da TSTD-2010 evidenciam isso. Para Cuba, por exemplo, a última sociedade envolvida nesse comércio, a região denominada "Rio Congo" aparece como a principal procedência dos escravizados entre os anos de 1790-1865, sem contar com os contingentes vindos de Ambriz, Loango, Cabinda etc. Cf. MORÁGUEZ, Oscar Grandio. The African origins of slaves arriving in Cuba, 1789-1785. In: ELTIS, David & RICHARDSON, David (eds.). Extending the frontiers. essays on the new Transatlantic Slave Trade Database. New Haven; Londres: Yale University Press, 2008, p. 188. De outra parte, diante da presença do esquadrão naval britânico vigiando as costas, a área da embocadura adquiria uma vantagem adicional, uma vez que era rota de fuga ideal para escapar das perseguições. Por sua geografia singular “as muitas rias, ilhas e manguezais forneciam esconderijos onde os navios de escravos podiam se esconder até que os cruzadores estivessem fora de mira; depois eles faziam uma rápida escapada através das rápidas correntes do Congo”. 5 5 MARTIN, Phyllis M. The external trade of the Loango coast, 1576-1870. The effects of changing comercial relations on the Vili Kingdom of Loango. Oxford: Claredon Press, 1972, p. 148-149. Tradução nossa. Sobre o tema ver também DIAS, Jill. Angola. In: SERRÃO, Joel & MARQUES, H. de Oliveira (eds.). Nova história da expansão portuguesa, volume X: O império africano 1825-1890 (Valentim Alexandre & Jill Dias). Lisboa: Editorial Estampa, 1992, p. 461. Mesmo em sequência, nas décadas de 1850 e 60, após o final do comércio transatlântico de escravos, manteve-se aí o resgate disfarçado de “trabalhadores livres” destinados, entre outros locais, às roças de São Tomé e às plantações das ilhas francesas do Caribe.

O complexo comercial denominado “sistema Ambriz–Baixo Congo” articulava os principais mercados africanos da região aos portos localizados na costa atlântica e os que se situavam no extenso estuário do rio. 6 6 VELLUT, Jean-Luc. L'economie internationale des côtes de Guinée Inferieur au XIX siècle. In: I REUNIÃO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA DA ÁFRICA. Atas. Maria Emília Madeira Santos (org.). Lisboa: IICT, 1989. A essa rede encontravam-se interconectados centros como Malebo Pool (atual Kinshasa) e São Salvador (Mbanza Kongo), capital do reino do Congo, aos mercados do estuário – Boma e outras localidades ribeirinhas como Ponta da Lenha, Banana, Santo Antônio do Zaire e Ponta do Padrão –, e, depois, aos portos marítimos – ao norte, Loango, Cabinda, Molembo e, ao sul, Ambriz, Quissembo, Ambrizete, Mossul. Como um conjunto regulado por padrões próprios, sua configuração foi registrada por Joachim John Monteiro, na obra Angola and the river Congo, publicada em 1875 em Londres, mas concebida durante sua permanência na região entre os anos de 1858 e 1873. 7 7 MONTEIRO, Joachim John. Angola and the river Congo. 2 vols. Londres: Macmillan and Co., 1875.

Historicamente, a posição tanto econômica quanto política de Ambriz foi ganhando corpo a partir de finais do século XVIII. Localizado estrategicamente quase nos limites da Angola portuguesa, exatamente por isso foi aparecendo com destaque nos planos da política expansionista de Luanda. As ações militares da Coroa portuguesa empreendidas com maior intensidade nas últimas décadas do século haviam demonstrado as intenções no sentido de incorporar a região aos seus domínios formais: a edificação do presídio de Encoje em 1759; as campanhas em Cabinda em 1787; as de Ambriz e de Mossul em 1792; as guerras contra os dembos rebeldes em 1793-94; e, posteriormente, as ações mais efetivas em meados do século seguinte que culminaram com a conquista de Ambriz, em 1855. 8 8 PÉLISSIER, Renée. História das campanhas de Angola – resistência e revoltas, vol. 1. Lisboa: Editorial Estampa, 1989. Já nessa época, as questões estratégicas se somavam à tentativa de evitar concorrências das nações europeias rivais e o “contrabando”, na perspectiva de manter um pretenso monopólio português. Além disso, controlado o porto de Ambriz (Quitungo) pelo dirigente do reino africano, o marquês de Mossul, os preços mais convidativos de suas mercadorias e a inexistência de direitos alfandegários padro nizados desviavam para si os fluxos que deveriam ir em direção a Luanda.9 9 PÉLISSIER, Renée, op. cit.,p. 55. Depois, na escalada do comércio de escravos e diante das sucessivas restrições ao tráfico a partir da década de 1810, o porto reapareceria ainda como área livre de comércio africano, apesar da presença sempre ameaçadora do esquadrão britânico. 10 10 Em 1842, parte dos barracões de Ambriz foi incendiada pelo esquadrão britânico que vigiava os negócios ilícitos do tráfico; sobre isso ver FIGUEIREDO, Bernardo de Sá N. De (visconde de Sá da Bandeira). Factos e considerações relativas aos direitos de Portugal sobre os territórios de Molembo, Cabinda e Ambriz, e mais logares da costa occidental da África, situada entre o 5º grau e 12 minutos e o 8º grau de latitude austral. Lisboa: Imprensa Nacional, 1855. Assim, foi sob o pretexto de coibir o tráfico desenfreado que se deu sua conquista pelas tropas vindas de Luanda e a mando do então ministro do Estado da Marinha e do Ultramar, marquês e depois visconde de Sá da Bandeira. E logo após, no ano seguinte de 1856, em direção ao interior, a ocupação de Bembe e de suas minas que consolidou as ambições anexionistas nessa zona, e a formação do conselho administrativo de d. Pedro V.

As intervenções acima mencionadas tiveram impacto sobre as sociedades africanas atingidas pela conquista, bem como sobre outros povos vizinhos a Ambriz, sendo essa uma temática no geral desprezada nos estudos sobre tais acontecimentos. Isso posto, o objetivo do artigo é reconstituir a história de Ambriz entre os anos de 1840 e 1870 no sentido de revelar as características dos negócios sob a gerência das sociedades africanas e iluminar uma movimentação que precedeu a disputa imperialista do final do século XIX. Para além de uma abordagem exclusivamente economicista das atividades mercantis, buscar-se-á compreendê-las na perspectiva de uma relação dialógica na qual o protagonismo africano impôs regras e padrões e estes, por sua vez, revelaram concepções que iam para além da ideia materialista de mercadorias e de trocas, deixando à mostra também formas de associação cuja lógica extrapolava uma perspectiva puramente eurocêntrica. De outra parte, procura-se seguir uma tendência historiográfica que tem favorecido estudos localizados para a compreensão das dinâmicas históricas mais gerais que acompanharam a presença de estrangeiros nas costas africanas e das relações estabelecidas entre europeus e africanos, durante o período do comércio de escravos e, depois de sua desarticulação, as mudanças trazidas pela conquista imperialista da África. 11 11 Além dos trabalhos citados no presente artigo, é possível indicar uma produção mais recente que acredito propõe essa direção. Entre outros: FERREIRA, Roquinaldo. Cross-cultural exchange in the Atlantic world. Angola and Brazil during the era of the slave trade. Nova York: Cambridge University Press, 2012; CANDIDO, Mariana. An African slave port and the Atlantic world. Benguela and its hinterland. Nova York: Cambridge University Press, 2013.

Diante da dificuldade em acessar fontes eminentemente africanas, a base da reconstituição histórica desse período tem sido feita, na maior parte das vezes, a partir de fontes exógenas – registros e documentos relativos aos negreiros, campanhas militares, planos e intenções relacionados à região, acordos e tratados. Entre as fontes destacam-se os relatos de viajantes estrangeiros que percorreram ou permaneceram na região, motivados por interesses diversos e com distintos compromissos em relação aos povos da região: antigos mercadores de escravos, agentes comerciais e tripulantes a serviço de expedições comerciais, entre os finais do século XVIII e a segunda metade do século XIX. Mas, considerando o espaço contemplado no estudo, entre eles sublinha-se Joachim John Monteiro, engenheiro de minas vindo da Grã-Bretanha que chegou à região em 1858, logo após a conquista de Ambriz. Em sua obra, Monteiro deixou um registro perspicaz sobre as várias temáticas relacionadas à vida política e econômica das sociedades costeiras entre as quais se estabeleceu e para as quais desenvolveu planos que, segundo ele, poderiam viabilizar economicamente a região centro-africana, incluindo-a no contexto da economia mundial, depois do final do tráfico negreiro. Realizando prospecções e comandando trabalhos nas minas africanas, não deixou de registrar também a maneira pela qual as populações locais – povos como os mushicongo, mossorongo, dembo, quissanga e outros grupos – viveram as contingências e enfrentaram os desafios colocados pela presença dos europeus e a ameaça de ocupação de suas terras nos planos inaugurais do imperialismo nos finais do século XIX.

A seguir, a descrição das características gerais da organização do comércio na região e do envolvimento das sociedades africanas nas redes internacionais, bem como suas relações com os agentes estrangeiros, serve para que as principais ocorrências históricas do século XIX sejam contextualizadas.

Ambriz nas redes comerciais do Baixo Congo, a partir de fins do século XVIII

As relações comerciais na bacia do rio Congo e nos estados costeiros precederam em muito o tráfico de escravos e se desenvolveram em torno do comércio de sal, panos de ráfia, artefatos de ferro e de cobre, peças de marfim, peles e madeiras trocados por produtos manufaturados europeus, armas e pólvora, bebidas, miçangas e contas, espelhos e tecidos vindos do Atlântico desde o início do século XVI. 12 12 VANSINA, Jan. Long-distance trade-routes in central Africa. Journal of African History, 3, 3 1962, p. 375-390. É interessante perceber como a antiguidade reaparece nos testemunhos das últimas décadas do século XIX, nos registros de expedicionários que percorreram áreas até então inatingíveis aos homens brancos. Quando da publicação dos cadernos de campo da expedição de Brazza ao Congo, em 1880, Brunschwig observa que: "A importância e a antiguidade do comércio são deixadas claro para os leitores dos cadernos. Os produtos europeus circulam no coração da África central, precedente dos missionários e dos exploradores nas regiões nas quais nenhum branco havia ainda posto os pés. Podemos inferir a continuidade desse comércio desde o século XVI a partir de duas menções de Brazza sobre 'uma placa lisa de cobre forjada na Idade Média' e 'um sabre da Idade Média'", localizados ambos durante o contato do viajante com os povos da região. BRUNSCHWIG, Henri. La negociation du traité Makoko. Cahiers d´Étude Africaines, 5, 17, 1965, p. 11. A partir de então, o comércio de longa distância se armou nos territórios da África central em direção à costa, ligando diversos grupos étnicos entre si e, de certa forma, sustentando suas identidades. 13 13 DIAS, Jill. Novas identidades africanas em Angola no contexto do comércio atlântico. In: BASTOS, Cristina & BIANCO, Bela (orgs.). Trânsitos coloniais. Diálogos críticos luso-brasileiros. Campinas: Ed. Unicamp, 2007, p. 315-343. Phyllis Martin, em seu estudo basilar sobre o comércio externo centro-africano, embora reconheça a antiguidade dessas atividades, considera que, sem dúvida, elas ganharam maior projeção na articulação ao tráfico de escravos entre os séculos XVII e os meados do XIX, tanto no que se refere aos volumes transacionados quanto no que diz respeito à eficiência das rotas e ao envolvimento cada vez maior de mercadores e intermediários africanos. 14 14 MARTIN, Phyllis M. The external trade of the Loango coast, 1576-1870, op. cit., especialmente o capítulo "The conduct of trade, the supply of slaves". Tomando a sociedade de Loango como base de sua investigação, acompanhou a composição das elites de mercadores e suas associações, bem como a estruturação das burocracias de funcionários, a organização das caravanas, rotas e mercadorias, no longo período abarcado pelos séculos XVI ao XIX.

Nessa parte do continente africano, o eixo central das atividades econômicas foi sem dúvida o rio Congo. Conhecido pelos portugueses desde a chegada de Diogo Cão em sua viagem em direção à capital do reino do Congo em 1483, durante quase quatro séculos de presença europeia nas costas da África, o rio manteve-se desconhecido aos observadores de fora, sobretudo em seu curso para além das cataratas, denotando a exclusividade africana na organização e condução do comércio. Somente no último quartel do século XIX é que seriam realizados trajetos em seus cursos médio e alto, notadamente a partir do momento em que o expedicionário Henry Stanley, entre 1874 e 1877, percorreu trechos das terras da bacia central do rio, vindo do leste e chegando por ele até o Atlântico. Até então, dizia anteriormente o tenente Tuckey, referindo-se aos inícios do século XIX, “nenhuma informação seria dada por ele [um negociante de escravos de Boma] a respeito do rio, fingindo que nunca havia subido por ele. Era evidente que esses mercadores não queriam ver europeus penetrando em seus países, onde poderiam intervir em seus negócios”. 15

O complexo comercial da zona conhecida como Baixo Congo, como já mencionado, envolveu inicialmente os portos do estuário, destacando-se entre eles Boma (Mboma ou Emboma) como o principal entreposto mercantil. Localizado no banco norte, sua hegemonia iniciou-se no século XVII, esteve ligado durante muito tempo aos negócios do tráfico, mas se manteve relativamente inalterado a partir da segunda metade do século XIX como centro do comércio de óleo de palma, amendoim, borracha, goma copal e marfim. Situado numa distância de 15 milhas do litoral, foi considerado como “o maior império do comércio de escravos dessa parte da África”, na perspectiva do comissário inglês Edmund Gabriel. 16 16 Cf. KARASH, Mary. The Brazilian slavers and the illegal slave trade, 1836 – 1851. Thesis master of arts, Wisconsin University, 1967, p. 50. Os produtos armazenados nessa cidade eram depois distribuídos às outras localidades nas quais foi montada a infraestrutura que servia às coletividades de comerciantes de diferentes nacionalidades estabelecidos em Ponta da Lenha, Banana, Santo Antônio do Zaire, Ponta do Padrão etc.

Os diversos grupos africanos articulados às atividades mercantis na bacia do Congo têm sido objeto de estudos dedicados a revelar a vasta rede de especialistas comerciais e suas formas de associação. Desde os comerciantes vili da costa de Loango, estudados por Phyllis Martin, 17 17 MARTIN, Phyllis M. The external trade of the Loango coast, 1576-1870, op. cit. aos zombo e songo, analisados por Jill Dias, 18 18 DIAS, Jill. Novas identidades africanas em Angola no contexto do comércio atlântico, op. cit., p. 315-343. aos grupos bobangi, centro do estudo de Robert Harms, 19 19 HARMS, Robert. River of wealth, river of sorrow, op. cit., 1981. a comunidade mercantil dos bamboma, estudada por Norm Schrag, 20 20 SCHRAG, Norm [ed. by Phyllis Martin]. Changing perceptions of wealth among the Bamboma (Lower Zaire). Indiana University, African Studies Program, 1990. e por fim, os contingentes denominados cabinda e sua diáspora, acompanhados também por Phyllis Martin.21 Mais do que revelar a complexidade das redes comerciais, o Phyllis Martin.21 21 MARTIN, Phyllis. Cabinda e seus naturais: alguns aspectos de uma sociedade marítima africana. Revista Internacional de Estudos Africanos, 3, jan/dez 1985, p. 41-61. MARTIN, Phyllis. The Cabinda connection: An historical perspective. African Affairs, 76, 1977, p. 47-59. Mais do que revelar a complexidade das redes comerciais, o objetivo comum dessas análises foi, sem dúvida, sublinhar as transformações sociais provocadas pela ascensão dos negócios atlânticos e a intensidade da atração exercida pela riqueza por eles gerada. Como demonstra Harms, a expansão do comércio fez com que vários agrupamentos ao longo da bacia do rio e muitas das aldeias pesqueiras abandonassem suas ocupações iniciais e se convertessem a essas atividades. 22 22 HARMS, Robert. River of wealth, river of sorrow, op. cit., p. 32.

Além das alterações provocadas na fisionomia dos antigos agrupamentos da costa e ribeirinhos, foram assinalados efeitos decorrentes da ascensão dos movimentos da escravidão associados às demandas dos mercadores atlânticos e seus intermediários. Em termos mais gerais, a mobilidade das populações e deslocamentos de grupos de refugiados que, fugindo das razias escravizantes, andavam de parte a parte, como sugerem David Birmingham e Joseph Miller. 23 23 BIRMINGHAM, David. A África central até 1870, op. cit., p. 76 e seguintes. MILLER, Joseph. Way of death. Merchand capitalism and the Angolan slave trade. Birmingham: James Curray Ltd., 1988. E, no nível local, a lenta transformação das estruturas internas às sociedades africanas, alterações em procedimentos judiciais e normas sociais tendentes a liberar cada vez mais contingentes escravizados para atender as exigências crescentes: além dos raptos e das razias, escravidão por dívidas, por comportamentos desviantes, penhoras e vendas, muitas delas feitas por parentes e que atingiam crescentemente os setores sociais mais vulneráveis: sobretudo crianças e mulheres, notadamente nas fases finais do comércio de seres humanos em direção ao Atlântico. 24 24 VOS, Jelmer. "Without the slave trade, no recruitment". From the slave trade to migrant recruitment in the Lower Congo, 1830-1890. In: LAWRENCE, Benjamin N. & ROBERTS, Richards (eds.). Trafficking in slavery wake: Law and the experience of women and children. Ohio: Ohio University Press, 2012, pos. 624. Utiliza-se o autor nesse trecho principalmente de informações e dados retirados da tese de SCHRAG, Norm. Mboma and the Lower Zaire. A socio-economic study of Kongo trading communities, c. 1785-1885. PhD. diss, Indiana University, 1985, tese da qual faz parte o estudo acima citado e editado por Phillys Martin.

Na perspectiva do poder africano, em cada uma dessas localidades, como também nos estados costeiros, os relacionamentos político, diplomático e econômico com os mercadores e agentes estrangeiros que ali chegavam demandavam uma vasta rede de intermediários, formando-se, desde há muito, uma hierarquia especializada de funcionários que se posicionava tante do mar – e os estrangeiros. Como exemplo tem-se o mafook de Shark Point (Santo Antônio do Zaire) ou de Malemba, o principal mercador do rei, conforme Tuckey, em 1816; 25 25 TUCKEY, lt. J. K. Narrative of an expedition to explore the river Zaire, op. cit., p. 61 e seguintes. chamado de mafuca nos documentos oficiais da administração portuguesa, ou mesmo de mafou, o intendente geral do comércio, segundo o mercador francês Louis Degrandpré, na viagem que fez entre os anos de 1786-87:

É com ele exclusivamente que os europeus negociam para o pagamento dos costumes, dos acolhimentos, a polícia dos Negros, o preço do trato. Ele fixa o preço de todas as mercadorias, preside todos os mercados, julga em último recurso tudo aquilo relacionado aos negócios e todas as querelas e controvérsias que possam surgir no domínio de seu distrito. 26 26 DEGRANDPRÉ. L. Voyage à la côte occidentale d´Afrique, fait dans les années 1786 et 1787. Paris: Dentu, Imprimeur-Libraire, 1801, p. 100 e seguintes. Tradução nossa.

Seguindo as anotações do viajante, e dada a importância social, o mafou costumava andar seguido por um largo cortejo e era atendido por oficiais menores, entre eles um capitão dos portos, denominado maquimbe , que controlava a pesca, as pirogas, outras embarcações e tudo o demais que estivesse sobre as águas – estrutura que se repetiria com poucas alterações ao longo dos séculos entre as várias sociedades costeiras e ribeirinhas onde o comércio internacional se fazia sentir. 27 27 Susan Herlin chega a denominar esses padrões e hierarquias comerciais como sendo o "mafouk system" comum às várias localidades que ela estuda na costa do Kongo, em: HERLIN, Susan. Brazil and the commercialization of Kongo, 1840-1870. In: LOVEJOY, Paul & CURTO, José (eds.). Enslaving connections: Changing cultures of Africa and Brazil during the era of slavery trade. Amherst, NY: Humanity Books, 2004, p. 261-283. Além dos funcionários diretamente atrelados à prerrogativa do comércio como monopólio real, circulavam por essas sociedades tripulantes das embarcações, canoeiros e carregadores, escribas e também intérpretes, os chamados linguisters , termo que se difundiu possivelmente a partir da origem portuguesa da palavra, considerando-a como língua franca do comércio. Para muitos autores, os linguisters, mais do que línguas, eram uma espécie de comissários viajantes das firmas estrangeiras que faziam contratações e outros negócios a seu mando. 28 28 DELCOMMUNE, Alexander. Vingt années de vie africaine. Recits de voyages, d´aventures et d´exploration au Congo Belge (1874-1893). Bruxelas: Vve. Ferdinand Larciere, 1922, p. 36. "Cada firma tem seus linguisters, espécie de comissários viajantes, muitas vezes em número de cem, que se encarregam desta tarefa, fazendo valer as ofertas dos produtos de sua casa (...)". Tradução nossa. Figura similar de intermediário ou mediador reaparece mais tarde, na época colonial, em Cabinda, segundo o testemunho de João de Mattos e Silva, em Contribuição para o estudo da região de Cabinda, 1904: "O chefe do pessoal negro é o que os brancos chamam linguister e os pretos línguece (...) preto geralmente de meia idade ou velho, transmite as ordens do branco distribuindo de véspera os serviços do dia seguinte, serve de intérprete ou de procurador, resolve as pequenas questões entre o pessoal indígena, mantendo a ordem na senzala (...) recebe as caravanas dos pretos de negócio que procuram o estabelecimento, assiste a permuta, faz o elogio dos gêneros europeus (...)" Apud PIRES, Ana Flávia C. Comércio e trabalho em Cabinda durante a ocupação colonial portuguesa. Tese de doutorado, UFF/Niterói, 2010, p. 73-74. Já nas lides dos estrangeiros, em suas feitorias, aparecem também outros oficiais: o gerente do barracão e seus auxiliares, o contador chefe, um "gritador" encarregado de fazer o elo com os povoados africanos, barbeiros, cirurgiões etc. 29 29 RODRIGUES, Jaime. De costa a costa. Escravos, marinheiros e intermediários do tráfico negreiro de Angola ao Rio de Janeiro (1780 – 1860). São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 68 e seguintes.

Uma das marcas do comércio do sistema Baixo Congo–Ambriz foi também uma forma singular de transacionar as mercadorias e estipular seus valores. Segundo Monteiro, o sistema adotado “com os nativos da costa era complicado e curioso”: todos os produtos tinham seus preços agregados em escalas de longs , no vocábulo inglês, ou peças , em português, que nada mais eram do que conjuntos de mercadorias que davam equivalência aos valores das que seriam negociadas. 30 30 MONTEIRO, Joachim John. Angola and the river Congo, vol. 1, op. cit., p. 106-110. O mesmo trecho foi utilizado por Beatrix Heintze, ao caracterizar também essas negociações. HEINTZE, Beatrix. Pioneiros africanos. Caravanas de carregadores na África centro-ocidental. Tradução. Lisboa: Caminho, 2004, p. 328-329. A contabilidade dessas transações era atribuída a um oficial habilitado na escrita e na leitura (possivelmente em português) que mantinha livros e papéis, chamados mucandas , nos quais todas elas eram anotadas, 31 31 Sobre as mucandas na África central, ver: RIBEIRO, Elaine. Barganhando sobrevivências: os trabalhadores da expedição de Henrique de Carvalho a Lunda, 1880-1888. São Paulo: Alameda Editorial, 2013; Idem. Mucandas, cartinhas e bilhetinhos: a função do papel escrito no comércio da África centro-ocidental, século XIX. In: 3º ENCONTRO INTERNACIONAL DE ESTUDOS AFRICANOS DA UFF. Apresentação oral. Niterói, setembro 2014. exceto os negócios com o marfim que mantinham a unidade de presas num comércio secular, mas cada vez mais intenso na época que se seguiu ao final do tráfico. Sobre esse comércio, Monteiro descreveu a chegada das caravanas dos zombo que traziam de seu país de origem presas de tamanhos variados, depois de uma jornada de cerca de 30 dias que, para ele, seria o equivalente a 300 milhas de distância, percorrendo uma rota que passava por Bembe, onde as caravanas se dividiam em três porções: uma para Moculla, outra para Ambrizettre e a terceira para Quissembo, visinho a Ambriz. 32 32 MONTEIRO, Joachim John. Angola and the river Congo, vol. 1, op. cit., p. 139-140.

Outra característica singular foi a vinculação das redes centro-africanas a uma associação mercantil e religiosa denominada Lemba que, originária de Loango, se espalhava ao longo da bacia do rio por meio de alianças de parentesco e de uma constelação de colônias vilis. 33 33 JANSEN, John. Lemba, 1650-1930. A drum of afliction in Africa and New World. Nova York: Garland, 1984. Essa associação era marcada por rituais de iniciação e ritos terapêuticos de purificação, que estariam associados à intensa participação de seus filiados no comércio de escravos; segundo John Thornton, rituais que purificavam os mercadores de seres humanos e os protegiam da feitiçaria que poderia advir da busca pelo lucro individual e de tantas almas aprisionadas. 34 34 THORNTON, John. The Kongolese Saint Anthony. Dona Beatriz Kimpa Vita and the Antonian Movement, 1684-1706. Cambridge: Cambridge University Press, 1998, p. 102. Além disso, sua elite ostentava produtos vindos do Atlântico como insígnias e bens de prestígio, 35 35 Cultura material associada ao comércio estudada, entre outros, por SCHRAG, Norm [ed. by Phyllis Martin]. Changing perceptions of wealth among the Bamboma (Lower Zaire), op. cit., 1990; VANHEE, Hein & VOS, Jelmer. Kongo in the age of empire. In: COOKSEY, Susan; POYNOR, Robin; VANHEE, Hein (eds.). Kongo across the waters. Gainsville: University Press of Florida, 2014, p. 78-89; ALMEIDA, Márcia Pacito F. Artigos europeus, usos africanos: percepções sobre a cultura material nos relatos de viagem (África central, século XIX). In: 3º ENCONTRO INTERNACIONAL DE ESTUDOS AFRICANOS DA UFF. Apresentação oral. Niterói, setembro 2014. por acreditar que se tratava de objetos com qualidades mágicas e, durante suas via-gens, mantinha amuletos feitos numa “versão portátil” que acompanhavam tanto os mercadores quanto seus intermediários.

O sucesso no comércio era esperado por meio do uso de vários amuletos, chamados minkisi (sing. nkisi ), que deveriam proteger os comerciantes contra infortúnios e a inveja dos outros. Minkisi existiam de várias formas e frequentemente tinham versões portáteis para prevenir que os mercadores ficassem doentes ou fossem roubados nas estradas. Muitos eram talhados em madeira e tinham a forma humana, alguns com pequenos tubos aderidos a eles que diziam serem indicadas para o papel desses minkisi como “caçadores de feiticeiros”. 36 36 VANHEE, Hein & VOS, Jelmer. Kongo in the age of empire, op. cit., p. 79. Tradução nossa.

Mesmo os negociantes europeus recorreriam a tais amuletos. Em meados da década de 1870, como exemplo, Alexandre Delcommune revelava que a casa comercial francesa Daumas, estabelecida em Boma e a qual servia, tinha seus “fetiches de guerra” do mesmo tipo daqueles que os chefes e negociantes africanos carregavam para descobrir os “homens que os haviam roubado”. 37 37 VANHEE, Hein & VOS, Jelmer, op. cit., p. 80. É esse substrato religioso, traduzido na menção frequente e rotineira a fetiches, que seria percebido por Joachim John Monteiro na relação que estabeleceu com seus interlocutores africanos, sendo essa uma marca de seus depoimentos.38 38 Temática desenvolvida em paper de minha autoria. WISSENBACH, Maria Cristina Cortez. Angola and the river Congo: as relações entre europeus e africanos na perspectiva do relato e das experiências de Joachim John Monteiro na África central (1858-1875), a ser apresentado na reunião Conlab, 2015.

Assim, além da grande extensão das rotas e dos numerosos povos de especialistas envolvidos, a montagem das redes do comércio de longa distância na África central estava longe de obedecer a um esquema simplista ou primário, no geral associado à ideia de trocas ou às concepções decorrentes da noção de “comércio silencioso”. 39 39 Sobre a questão do comércio silencioso e as representações europeias: FARIAS, Paulo de Moraes. Silent trade: Myth and historical evidence. History in Africa, 1, 1974, p. 9-24. Passando por diversas jurisdições, pagando direitos, pedindo autorização e respeitando cadências e tempos africanos, 40 40 HENRIQUES, Isabel de Castro. Tempos africanos, leituras europeias. In: Idem. O pássaro do mel – estudos de história africana. Lisboa: Edições Colibri, 2003, p. 123-139. Sobre os eixos do comércio da África central ver: RIBEIRO, Elaine. Barganhando sobrevivências, op. cit. Especialmente capítulo 3 "Os caminhos da expedição portuguesa à Mussumba do Muatiânvua; p. 139-171. as caravanas nutriam diferentes redutos de mercadores atlânticos que permaneciam no geral na costa, ou nas regiões ribeirinhas, aguardando os provimentos e incapazes de se imiscuir nas rotas africanas, podendo somente, quanto muito, enviar alguns agentes, linguisters e pombeiros, ao mato. Relacionado a isso, avaliando as redes de intermediários na Angola portuguesa, Heintze afirma que também eles prezavam o monopólio, fazendo uso muitas vezes de boatos que faziam circular entre as sociedades do interior, exatamente para evitar o contato direto destas com os mercadores atlânticos:

“os ambaquistas propagavam rumores de que os Portugueses viviam nas águas e que eles produziam seus bens no fundo do mar. Eles próprios ostensivamente ousavam somente se engajar no comércio silencioso com eles [os homens estranhos] na costa (...) deixavam à noite os marfins nas praias e recolhiam no dia seguinte seus mágicos produtos”. 41 41 HEINTZE, Beatrix. Long distance caravanas and communication beyond Kwango (c. 1850-1890). In: HEINTZE, Beatrix & von OPPEN, Joachim. Angola on the move: Transport routes, communication and history. Disponível em: www.zmo.de/angola. Acesso em: maio de 2012. Tradução nossa.

O que deve ser retido, portanto, é que os intermediários e mesmo as sociedades africanas controlavam os fluxos, disponibilizavam os produtos e realizavam as feiras nas ocasiões que lhes eram mais propícias. Em carta escrita num momento em que a fome assolava sua grande comitiva, Henry Stanley foi obrigado a pedir auxílio aos mercadores brancos de Boma,brancos de Boma, quando ainda estava a quatro dias de distância da cidade. Endereçava-a "Ao Gentleman que em Emboma souber falar inglez":

Sr. Acabo de chegar de Zanzibar acompanhado de cento e quinze pessoas, homens, mulheres e creanças. Morremos de fome. Os indígenas recusam-se com desprezo a aceitar nossas contas, e o arame que lhes oferecemos. N’este local não se pode comprar cousa alguma senão nos dias de mercado e nós não podemos aguardal-os. Por isso tomo a liberdade de enviar essa carta pedindo-vos que me auxilies (...) 42 42 STANLEY, Henry (Henrique) M. Atravez do continente negro, volume III. Tradução. Lisboa: Empreza Horas de Viagem, 1881, p. 268.

Pedia o ilustre viajante trezentas peças de algodão “de qualidade igual às que tinham para comércio, dez ou quinze cargas de arroz”, e particularmente para ele, “alguns gêneros de luxo: chá, café, açúcar e biscoitos”.

Como não poderia deixar de acontecer, nas fontes históricas disponíveis, as comunidades estrangeiras estão contempladas de forma mais acentuada, sendo uma presença que remonta ao século XVII. Já em finais do século XVIII, são mencionados grupos de holandeses e portugueses inicialmente e, depois, progressivamente, franceses e ingleses, organizados em representações e sedes de firmas comerciais, cada uma delas com redutos e interesses próprios, negociando de forma cada vez mais intensa escravos e outros produtos característicos da demanda externa dessa época: marfim, óleo de palma, café, amendoim, borracha, ceras, gomas etc.

O cenário comercial dos portos centro-africanos e a infraestrutura montada para os negócios dos estrangeiros eram familiares a Louis Degrandpré, oficial da Marinha francesa, antigo mercador de escravo e dono de embarcações às vésperas da Revolução Francesa. A partir das observações feitas nas suas viagens a Cabinda, Malembo, Loango e, por vezes, em direção a Ambriz, descreveu detalhadamente os armazéns da costa: construções chamadas guibanguas , pouco suntuosas em comparação aos fortes europeus na Costa do Ouro desta época, abrigos para estocagem das mercadorias e de escravos, além das casas de oficiais, cozinhas, forjas, enfermarias e prisões. 43 43 DEGRANDPRÉ, L. Voyage a la côte occidentale d´Afrique, op. cit., p. 66-67. A ilustração de uma feitoria estrangeira é sugestiva para se vislumbrar esse cenário; a reprodução da imagem pode ser vista em: Houses and European trading post, Angola, 1786-87. Image ref: LCP-06 (legenda: Guibangua et interieur d'un comptoir europeen sur la côte d´Angola). In: HANDLER, Jerome & TUITE, Michel (org.). Slavery Images Database. Virginia Foundation for the Humanities / University of Virginia Library. Disponível em: www:slaveryimages.org. Na mesma obra do viajante, e também na base, encontram-se inseridos desenhos de "nobres" e "princesas" de Loango, com suas vestimentas e adornos – entre os últimos, longas fileiras de contas, uma das mais significativas preferências do comércio africano. Sobre o tema e sobre os missionários comerciantes nos finais do século XVIII e inícios do XIX, ver: BECK, Roger. Bibles and beads: Missionaries as traders in Southern Africa in the early nineteenth century. Journal of African History, 30, 1989, p. 211-225. Em Porto da Lenha, essas construções, cerca de meia dúzia delas, eram feitas exatamente às margens do rio, articuladas a cais para “grandes navios poderem carregar e descarregar”; 44 por vezes suspensas em palafitas, dado o ambiente do mangue.

A descrição das feitorias estrangeiras pode ser encontrada também nos comentários feitos por Stanley, ao avistá-las em Boma, quase ao final de sua longa viagem de costa a costa, aproveitando a passagem para tecer considerações sobre “os usos e os costumes” dos habitantes não europeus:

(...) as feitorias holandeza, franceza e portugueza ocupam a parte ocidental do planalto de uma colina isolada (...) a feitoria inglesa fica algumas centenas de passos a montante. Todos estes estabelecimentos tem um vasto pateo, onde são armazenadas as fazendas de algodão, objetos de vidro, faiança, quinquilharia, a genebra, o rhum, espingardas, pólvora, artigos estes que são permutados por azeite de palma, amendoim e marfim (...) Apesar do estabelecimento de Boma ser antigo, e haver mais de um século que os europeus teem relações comerciais com esse districto, a descrição feita por Tuckey, em 1816, dos usos e dos costumes dos indígenas, do receio dos estrangeiros, da sua intolerância, da paixão pelo rhum, da sua indolência, da pouca abundancia de viveres, é tão exata como se datasse de hoje (...) 45 45 STANLEY, Henry (Henrique) M. Atravez do continente negro, vol. III, op. cit., p. 284.

Entre os estrangeiros, os mercadores portugueses eram os mais antigos e gozavam das prerrogativas decorrentes de certa intimidade com os negócios africanos, exemplificada, por exemplo, na adoção de sua língua como a língua franca do comércio. Em meados do século XIX, entre Boma e Vivi, dos quarenta e nove armazéns estrangeiros, vinte e seis eram portugueses; já entre os de Ambriz, chamados por Georg Tams de kraals , alguns se localizavam na cidade e outros na porto vizinho de Quissembo; eram ao todo onze estabelecimentos, dos quais seis pertenciam a firmas portuguesas. 46 46 DIAS, Jill. Angola, op. cit., p. 98. Em 1877, em Boma, conforme as informações que Stanley recebeu antes de entrar na cidade, existiam entre os de fora “onze portugueses, um francez, um cavalheiro de Santa Helena, um holandez e nós [Motta Veiga e Harrison]; os srs. Hatton & Cookson habitam em Liverpoool”, nos dizeres dos administrado res da feitoria inglesa.47 47 STANLEY, Henry (Henrique) M. Atravez do continente negro, vol. III, op. cit., p. 280. Um dia depois da carta e após muitos anos, Stanley faz questão de descrever a recepção que teve dos "brancos" de Boma, numa descrição impressionista, marcada principalmente por sua surpresa diante da "palidez excessiva dos homens", atribuída por ele tanto ao aspecto doentio como ao fato de ter-se mantido durante longo tempo sem ver seus iguais. Ainda na região do Baixo Congo, foram igualmente mencionadas a casa holandesa Kerdijik-Pinkoffs (depois AFV – Africaansche Handels-Vereeniging) e a Tobin & Sons, de Liverpool, com sede tanto em Quissembo (vizinho a Ambriz) quanto em Ponta da Lenha.48 48 VELLUT, Jean-Luc. L'economie internationale des côtes de Guinée Inferieur au XIX siècle, op. cit., p. 138.

É necessário dizer que, pelo menos até meados do século XIX, apesar do caráter compósito do comércio, uma parte expressiva dessas empresas encontrava-se envolvida com o trato de escravos e depois com o de “imigrantes livres”. Mesmo coexistindo com outros produtos, a estrutura mercantil de toda a região denominada Baixo Congo havia sido montada, desde o século XVIII, prioritariamente para o comércio de seres humanos.

Ambriz, o tráfico de escravo e os negreiros

Localizado às margens do rio Loje, sobre um grande rochedo, uma espécie de promontório que se lança para o mar e como uma das pontas da enseada, Ambriz era, na descrição de Monteiro, uma cidade de uma rua só, com um pequeno forte construído pelos portugueses, uma igreja, algumas habitações das autoridades e uma dezena de feitorias. Poucos anos antes, ao observá-la no auge do tráfico, em 1840, Tams descreveu, além das partes da cidade destinadas aos estrangeiros e seus armazéns, a zona onde se concentravam os africanos e outra onde permaneciam os cabindas que tomavam conta da navegação de cabotagem. Além disso, notou a intensa movimentação do entreposto por onde circulavam mercadores de diferentes procedências e mercadorias, mas, em sua opinião, vocacionado a um determinado ramo de comércio:

Como estivesse desejoso por investigar o país, levantei-me às sete horas da manhã; porém fiquei admirado de ver a todos empregados já nos seus afazeres: grupos de negros, colocados em diferentes lugares dos armazéns, ofereciam à venda vários objetos; e sucessivamente chegavam caravanas do remoto interior, e das próximas povoações, com mercadorias. Nunca eu havia visto tanta abundância de gomas no mercado, especialmente da copal, como aqui. Em frente dos diversos barracões, viam-se montes desta goma refugada, a qual os europeus passavam por um crivo muito largo antes de comprar (...) Dentes de elefantes e de hipopótamos se aglomeravam no mercado; mas nunca porção alguma de cera nos dois dias que passei em Ambriz e, provavelmente, os negociantes daqui não se incomodavam com este insignificante gênero, pois que o tráfico da escravatura absorvia todos os interesses.49 49 TAMS, Georg. Visita às possessões portuguezas da costa occidental d'África, vol. II. Porto: Tipographia da Revista, 1850, p. 108-109. Destaque nosso. Sobre a viagem do médico alemão e sua relação com a expedição do cônsul português em Hamburgo, ver: WISSENBACH, Maria Cristina C. As feitorias de urzela e o comércio de escravos: Georg Tams, José Ribeiro dos Santos e os negócios da África centro-ocidental na década de 1840. Afro-Ásia, 43, 2011, p. 43-89.

Além da relação estreita com o estuário do Congo, o porto atraía outros mercadores vindos de Bamba, Quibango e Ambuila, por meio do eixo do rio Loje, mantendo também relações com o sul, o comércio com os dembo, as caravanas dos zombo, os negociantes ditos clandestinos de Luanda e muitos brasileiros. 50 50 BROADHEAD, Susan. Trade and politics on the Congo coast, 1770-1870. PhD thesis, Boston University Graduate School, 1971, p. 51. Os preços mais convidativos existentes em Ambriz, comparativamente aos dos reinos costeiros ao norte, estimulavam ainda mais os negócios, sobretudo antes de sua ocupação pela Coroa portuguesa. Salienta-se também a crescente importância da articulação entre Ambriz e Boma, sobretudo na época do tráfico ilegal, de certa forma colocando-o como ponto principal de fornecimento de escravos em substituição ao lugar de destaque que havia ocupado anteriormente Luanda e mesmo Loango e Cabinda. 51 51 HERLIN, Susan. Brazil and the commercialization of Kongo, 1840-1870, op. cit., p. 263-264.

De outra parte, as nacionalidades dos escravos comercializados no porto foram por vezes identificadas: chamados de “congos” nas referências diaspóricas, entre eles encontravam-se mayombe, mondongue, bayangela, babongo, teke, segundo os relatos de viajantes das várias nacionalidades que frequentavam a região. 52 52 Cf. MARTIN, Phyllis M. The external trade of the Loango coast, op. cit., p. 122-123. Curtin e Vansina puderam discriminá-los mais ainda ao perseguir as informações recolhidas por Sigismund Koelle em Serra Leoa na década de 1840: em seu inquérito linguístico, os africanos apreendidos pelos ingleses nos navios negreiros oriundos de Ambriz eram indivíduos que se autoidentificavam como vili, yombe, boma, sundi, kongo, bamba, mbete e teke. 53 53 CURTIN, Philip & VANSINA, Jan. Sources of the nineteenth century slave trade. Journal of African History, 5, 2, 1964, p. 199. Vansina pondera ainda, em outro trabalho, que muitos deles deveriam ter percorrido distâncias consideráveis e diferentes rotas, uma das quais, e na direção contrária, começava na região da embocadura do Congo / Zaire e ia em direção a Stanley Pool (Malebo Pool), subia para o Alto Congo, preferencialmente pela via afluente Ogowe, chegando ao país dos teke e dos tsay. 54 54 VANSINA, Jan. Long distance trade routes in central Africa. Journal of African History, III, 1962, p. 375-90. Já para o estudo dos imigrantes arregimentados pelos franceses e em seus navios, entre as décadas de 1850 e 1860, Jelmer Vos encontrou africanos provenientes em sua maioria de sociedades localizadas no Baixo Congo: além dos que se diziam naturais de Boma, os congo, os sundi e os tendo, revelando portanto movimentos de curta distância. 55 55 VOS, Jelmer. "Without the slave trade, no recruitment". From the slave trade to migrant recruitment in the Lower Congo, 1830-1890, op. cit., pos. 752.

As informações e os detalhes das transações realizadas no porto e os nomes dos mercadores que atuavam aí igualmente atravessaram o oceano. Em um documento muitíssimo explícito exatamente por conta de seu teor, a empresa escravista em Ambriz, bem como a das áreas próximas ao estuário do Zaire, foi descrita em 1856 pelo chefe de polícia da corte brasileira, em correspondência ao ministro do Império, Nabuco de Araújo:

No porto de Ambriz da costa da África há três feitorias de escravos – uma pertencente a Manuel Pinto da Fonseca, outra a Ferraz Correia, negociante da Bahia e a terceira a Tomás Ramos, conhecido por antonomásia Maneta, por só ter um braço. Essa última é a mais poderosa, o referido Maneta está em Lisboa, mas tem na costa o seu correspondente, cujo apelido é Fonseca. No Rio Congo existem duas feitorias, uma que prepara escravos para Havana e pertencente a Zulueta, cujo correspondente na costa é José Ojea, e outra que pertencia ao mesmo Manuel Pinto da Fonseca. No rio Quicombo, há uma feitoria pertencente a Rivarosa. No Cabo Lopes há três feitorias, uma pertencente a Havana é dirigida por tal José Pernéa, a outra era de José Bernardino de Sá. Dizem que José Antunes de Carvalho e Côrtes foi algum tempo administrador e sócio de Rivarosa e que se ele não estiver nesta Corte é provável que se encontre na feitoria. 56 56 RODRIGUES, José Honório. Brasil e África: outro horizonte, 192. Excerto retirado de NABUCO, Joaquim. Um estadista do Império. Nabuco de Araújo, sua vida, suas opiniões, sua época, t. 1. 2ª. ed. São Paulo: Cia Editora Nacional, [1897], p. 166.

A partir desse ponto, o relatório confidencial continua a inventariar outras partes do litoral da África ocidental nas quais agiam igualmente mercadores de origem brasileira, bem como os portos na costa do Brasil nos quais chegavam os lotes de africanos contrabandeados. Também na documentação portuguesa foram listadas as barracas de Ambriz, seus respectivos proprietários e as mercadorias armazenadas. Entre eles os mais afamados: Tomás Ramos, Manuel Pinto da Fonseca e José Bernardino de Sá, o barão de Vila Nova do Minho mencionado nas crônicas portuguesas da época.57 57 Correspondência dos governadores de Angola. Mss, 1840. Exame que se procedeo nas fazendas e mais gêneros existentes nas barracas de Ambriz. Ambriz, 6 de novembro de 1840. Arquivo Histórico Ultramarino (doravante AHU), pasta 4, oficio 165, doc. 4. Entre as mercadorias, muitos tecidos – chitas, panos escarlates, lenços azuis – barras de ferro, armas, pipas de aguardente, barris de pólvora, caixas com coral, pontas de marfim miúdas e de lei e outros produtos. 58 58 As ações de muitos desses negreiros, suas estratégias e a configuração das redes de seus negócios têm sido objeto de vários estudos, a começar pelo estudo já mencionado de Mary Karash realizado ainda na década de 1960: KARASH, Mary. The Brazilian slavers and the illegal slave trade 1836 – 1851, 1967, op. cit.; e, posteriormente: ELTIS, David. Economic growth and the ending of the slave trade. Oxford: Oxford University Press, 1987; FERREIRA, Roquinaldo. Dos sertões ao Atlântico: tráfico ilegal de escravos e comércio lícito em Angola, 1830-1860. Dissertação de mestrado, UFRJ, 1996; RODRIGUES, Jaime. O infame comércio. Propostas e experiências no final do tráfico de africanos para o Brasil (1800-1850). Campinas: Editora da Unicamp; Cecult, 2000; PIRES, Ana Flávia Cicchelli. Tráfico ilegal de escravos: os caminhos que levam a Cabinda. Dissertação de mestrado, UFF / Niterói, 2006. Mais recentemente, cita-se o conjunto de estudos que se debruçou sobre a nova edição do TSTD- 2010, reunidos em: ELTIS, David & RICHARDSON, David (eds.). Extending the frontiers. Essays on the new Transatlantic Slave Trade Database. New Haven; Londres: Yale University Press, 2008; notadamente: FERREIRA, Roquinaldo. The suppression of the slave trade and slave departures from Angola, 1830s-1860s. In: ELTIS, David & RICHARDSON, David (eds.). Extending the frontiers: Essays on the new Transatlantic Slave Trade Database. New Haven: Yale University Press, 2008, p. 313-334.

No conjunto da documentação relativa às transações de escravos em Ambriz, se sobressaem diversos elementos: inicialmente, a presença de casas mercantis de muitas nacionalidades e certa primazia de mercadores brasileiros e portugueses vis-à-vis a intensidade do tráfico em direção às costas brasileiras e também a Havana até a década de 1860. Outro dado significativo são os movimentos articulados entre as costas centro-ocidental e centro-oriental da África; Nielson Bezerra observou na documentação informações sobre navios que rumaram de Ambriz ou dos portos da costa norte para os da ilha de Moçambique e de Quelimane e que, depois, retornavam do Índico para as Américas. Tais indícios substanciaram sua concepção das “viagens redondas”, ou seja, embarcações que passavam por vários portos africanos antes de rumarem em direção ao Brasil. 59 59 BEZERRA, Nielson Rosa. Mosaicos da escravidão: identidades africanas e conexões atlânticas do recôncavo da Guanabara (1780-1840). Tese de doutorado, Niterói, UFF, 2010. Encontrou também, tal como outros autores, significativa coincidência de negreiros agindo nas duas costas. 60 60 A mesma relação de negreiros que agiam nas duas costas pode ser encontrada nas diferentes obras de José Capela, notadamente. CAPELA, José. Dicionário de negreiros em Moçambique (1790- 1860). Porto: Edições Eletrônicas do Ceaup, s/d; Idem. Conde de Ferreira e Cia. Traficantes de escravos. Porto: Afrontamento, 2012.

No que tange ao período considerado como de tráfico ilegal, outros trabalhos fazem referência a Ambriz não só por conta da realocação dos portos preferenciais, sobretudo a maior importância dos mercados da zona do Baixo Congo, 61 61 ELTIS, David. African and European relations in the last century of the transatlantic slave trade, op. cit. como já foi dito, mas também reconfigurações demográficas nos contingentes escravizados como marca dos últimos tempos do comércio de seres humanos em direção ao Atlântico, fossem eles cativos, fossem eles pretensos trabalhadores livres. Entre os intermediários portugueses e brasileiros que passaram a agir nessa parte do continente, havia uma preferência pela compra dos mais jovens, crianças na faixa etária entre 10 e 14 anos, que passaram a constituir uma parcela significativa: de 17% no ano de 1791, a mais da metade (51,1%) dos comboios dos negreiros que saíam da região do Congo, entre os anos de 1831-1850. 62 62 VOS, Jelmer. "Without the slave trade, no recruitment". From the slave trade to migrant recruitment in the Lower Congo, 1830-1890, op. cit., pos. 752. Baseados também nos novos dados, os estudos sobre a procedência dos escravizados têm revisto hipóteses anteriores. Fazendo uso de listagens de africanos transportados e considerando a região contemplada no atual estudo, demonstra-se que, em sua grande parte, aqueles provinham não tanto de reinos e países mais distantes, mas principalmente das sociedades localizadas em áreas próximas à costa ou aos centros da embocadura – principalmente procedentes das regiões articuladas ao reino e ao porto de Boma. 63 63 VOS, Jelmer, op. cit., pos. 779.

Por fim, um aspecto já apontado por diversos estudos relativo aos finais do tráfico e que diz respeito, em última instância, à voracidade do capitalismo nessa fase e na direção contrária da prevalência das intenções humanísticas da política de abolição do comércio de escravos: na África, a intensificação do comércio interno, alimentando as roças, as plantações e as minas na demanda crescida de novos produtos e, no Atlântico e no Índico, a arregimentação de seres humanos transformados em trabalhadores compulsórios, imigrantes livres, serviçais ou outro termo que se queira aplicar. 64 64 Ver sobretudo os trabalhos de: COOPER, Frederick. Condições análogas à escravidão: imperialismo e ideologia da mão-de-obra livre na África. In: COOPER, Frederick; HOLT, Thomas C; SCOTT, Rebecca. Além da escravidão. Investigações sobre raça, trabalho e cidadania em sociedades pós-emancipação. Tradução. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p. 201-270. LOVEJOY, Paul. A escravidão na África. Uma história de suas transformações. Tradução. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. De fato, os pontos, as casas comerciais e as formas de aprisionamento permaneceram os mesmos; discorrendo sobre as doenças que cercavam o tráfico de escravos, Monteiro referia-se ao maculo que atacava principalmente os contingentes depositados nos barracões, doença sobre os quais continuava a incidir na década de 1860. contingentes depositados nos barracões, doença sobre os quais continuava a incidir na década de 1860.

Essa doença prevalece nos barracões de escravos; disseram-me que nos depósitos franceses de Banana, enquanto eram embarcados alguns milhares de negros, há algum tempo atrás, alguns deles sob o nome de “imigrantes livres”, morriam uma média de 50 a 60 cada dia dessa doença, colocados sob os cuidados dos cirurgiões franceses; quando os doentes eram colocados sob os cuidados dos africanos, o número era bem menor”. 65 65 MONTEIRO, Joachim John. Angola and the river Congo, vol. 2, op. cit., p. 258. Tradução nossa.

Embora Monteiro utilize este caso para salientar a prevalência dos saberes locais na possibilidade de cura da doença, suas informações deixam à mostra o novo ramo ou a nova estratégia de recrutamento de mão-de-obra; possivelmente se referia, entre muitos outros, aos depósitos da casa de M. Régis, de Marseille, que, em 1857, adquiriu novas feitorias em Banana, Cabinda, Ponta da Lenha e Boma, obtendo nos anos seguintes cerca de 15.000 trabalhadores, apesar da crescente oposição. 66 66 VEIGA PINTO, Latour de. Le Portugal et le Congo an XIXe siècle. Paris: Presses Universitaires de France, 1972, p. 115-122. Régis tinha um contrato oficial para a compra de escravos na costa e para sua introdução como engagées nas Antilhas francesas que vigorou entre os anos de 1857 e 1862. 67 67 VELLUT, Jean-Luc. L'economie internationale des côtes de Guinée Inferieur au XIX siècle, op. cit., p. 137; sobre o sistema de engagées e de indentured servants no Caribe e sobre as movimentações da firma de M. Régis, seus navios e carregamentos em homens, mulheres e crianças, ver: VOS, Jelmer. "Without the slave trade, no recruitment". From the slave trade to migrant recruitment in the Lower Congo, 1830-1890, op. cit. Sobre o mesmo tema, nas plantações das colônias francesas do oceano Índico, sobretudo Reunião e Mauricia, ver: GAMITTO, A. C. P. Escravidão na África Oriental. Archivo Pittoresco, 1, 1856, p. 369-72. O sistema denominado de emigração livre servia para alimentar as plantações do Caribe e também as das ilhas francesas do Índico, Reunião e Maurício, e revelava condições muito similares à escravização anteriormente realizada. Segundo Jelmer Vos, existia inclusive uma relação simbiótica entre o tráfico ilegal e o esquema de aprovisionamento de trabalhadores africanos livres, sendo esse último somente possível a partir dos movimentos rotineiros e sistemáticos do comércio de escravos; em suas palavras, alimentava-se do refugo deste, particularmente daqueles que seriam enviados, pós-1850, para os mercados de Cuba. 68 68 VOS, Jelmer. "Without the slave trade, no recruitment". From the slave trade to migrant recruitment in the Lower Congo, 1830-1890, op. cit.

No sentido de revelar essas correlações, é expressiva a ilustração feita em 1858, possivelmente para os inquéritos britânicos sobre a questão, intitulada A French free emigrant on his way to the barracoon of M. Régis , pelo tenente Henry Hand, na qual as forquilhas, chamadas também de bois mayombe conforme Degrandpré, eram os mesmos instrumentos característicos da condução dos escravizados nas caravanas da África centro-ocidental e centro-oriental. 69 69 A ilustração pode ser visualizada em: Enslaved African sold to French, 1858 (legenda original: A French free emigrant on his way to the barracoon of M. Régis). Image reference PRO-4. In: HANDLER, Jerome & TUITE, Michel (eds.). Slavery Images Data Base. Virginia Foundation for the Humanities, University of Virginia Library. E também no texto de VOS, Jelmer. Kongo, North America and the slave trade. In: COOKSEY SUSAN; POYNOR, Robin; VANHEE, Hein (eds.). Kongo across the waters. Gainsville: University Press Florida, 2014, p. 47.

É preciso notar que a intensidade do comércio de escravos e, junto a ele, o de imigrantes livres não impediu – como não havia impedido anteriormente na história das relações comerciais nessas regiões – a exportação de matérias primas que atendessem as demandas da industrialização europeia e o lugar que os mercados africanos passaram a ocupar preferencialmente a partir dos meados do século XIX. É também em razão desse processo mais amplo que se intensifica a utilização de escravos nas economias produtoras dos territórios africanos:

À medida que o comércio de exportação de escravos chegava ao seu término, os africanos ao norte e ao sul do estuário do Congo começam a explorar recursos para a produção de óleo de palma e ceras. Em adição, as vilas ao sul do rio cultivam amendoins para exportação e se especializam no comércio de commodities tais como café, marfim e borracha. Em portos como Ambriz, Mussera, Ambrizette (N’Zeto) e Mucula – alguns dos quais haviam crescido como entrepostos do tráfico ilegal –, os africanos intermediam as trocas entre os mercadores europeus e as caravanas que traziam marfim, borracha e café das regiões ao interior. 70 70 VANHEE, Hein & VOS, Jelmer. Kongo in the age of empire, op. cit., p. 79. Tradução nossa.

De outra parte, Jean-Luc Vellut destaca um aspecto lacunar nos estudos sobre as atividades econômicas da África centro-ocidental após o tráfico: o crescimento das atividades extrativistas desenvolvidas no interior das florestas úmidas do Congo, a extração de mel selvagem e cera, sobretudo pelos povos batwa, e, um pouco além, nas fronteiras das savanas, a comercialização de carnes de caça e plumas de avestruz pelos khoisan, ambos os grupos categorizados como especialistas das florestas com técnicas milenares.71 71 VELLUT, Jean Luc. Diversification de l'économie de cueillette: miel et cire dans les sociétes de la forêt claire d´Afrique centrale (c. 1750-01950). African Economic History, 7, 1979, p. 93-112. Sobre a extração de mel, ver também HENRIQUES, Isabel de Castro. Percursos da modernidade em Angola. Dinâmicas comerciais e transformações sociais no século XIX. Lisboa: IICT, 1997, p. 303-308. Enfatiza o autor que o comércio de cera – matéria prima essencial nas sociedades europeias – já se fazia presente nos litorais meridionais desde o século XVII, sobretudo em Loango e em Angola segundo o testemunho de um cronista português.

Da ocupação de Ambriz à exploração das minas de Bembe

No contexto das dinâmicas econômicas e sociais relativas aos meados do século XIX e das mudanças trazidas pelo final do tráfico, a questão da ocupação de Ambriz pelas tropas vindas de Luanda, em 1855, tem sido vista como um episódio político e diplomático relacionado tanto às medidas expansionistas de Portugal quanto aos conflitos entre Portugal e Grã-Bretanha na disputa por territórios africanos, ou por determinados territórios, 72 72 Entre outros: MARQUES, João Pedro. A ocupação de Ambriz (1855): geografia e diplomacia de uma derrota inglesa. Africana Studia, 9, 2006, p. 145-158. ALEXANDRE, Valentim. A questão colonial no Portugal oitocentista. In: DIAS, Jill & ALEXANDRE, Valentim (orgs.). O império africano, 1825-1890. Lisboa: Editorial Estampa, 1998. Sobre as relações entre Grã-Bretanha e Portugal nas disputas de territórios, ver: ANSTEY, R. Britain and the Congo in the nineteenth century. Oxford: Claredon Press, 1962. ocorrendo, na África centro-ocidental, o primeiro passo de um projeto mais extenso que envolvia também as disputas por Malembo e Cabinda, além do estabelecimento de colônias na região de Huila. Era também este o cenário dos conflitos latentes e cada vez mais agudos com os ingleses, diante das expectativas políticas de controle territorial compartilhadas pelas duas potências. 73 73 ALEXANDRE, Valentim. A questão colonial no Portugal oitocentista, op. cit., 1998.

De outra parte, em sua conformação histórica, a ocupação demandou um esforço militar significativo do governo de Luanda para as campanhas de anexação, arregimentando contingentes da guerra preta e dos aliados africanos, para enfrentar as resistências dos dirigentes locais. 74 74 Ocupação iniciada em 1853 e efetivada em 1855, com a expedição sob o comando de José Rodrigues Coelho do Amaral e a submissão de d. Garcia, rei de Ambriz, depois das batalhas de Quimbala e Quimbanza. Sobre a ocupação, ver: Arquivo de Angola, 2ª série, XII, 1955, volume inteiramente dedicado à conquista de Ambriz. E, em sua perspectiva mais ampla, mobilizou uma intensa e meticulosa recuperação da história dos portugueses nos diversos territórios da África ocidental, na busca de argumentos que fundamentassem os direitos históricos da primazia lusa, em detrimento de outros poderes imperiais. Entre outros argumentos, apelou-se para a antiguidade da presença e uma vocação especial dos portugueses na condução das relações com as sociedades africanas. De certa forma, as figuras dos viscondes de Sá da Bandeira e o de Santarém, em seus escritos sobre esses direitos históricos, feitos no mesmo ano da ocupação, antecipavam a tese do luso-tropicalismo que teria sua forma final, tempos depois, nos textos de Gilberto Freyre e nos termos das práticas coloniais do governo de Salazar. 75 75 Os argumentos encontram-se explicitados em dois fascículos: o primeiro de autoria do visconde de Santarém e o segundo do marquês e depois visconde de Sá da Bandeira (citado na nota 9), publicados no mesmo ano de 1855. FIGUEIREDO, Bernardo de Sá N. de (visconde de Sá da Bandeira), Factos e considerações relativas aos direitos de Portugal sobre os territórios de Molembo, Cabinda e Ambriz e mais logares na costa occidental d´Africa. Lisboa: Imprensa Nacional, 1855; SANTARÉM, Manuel Francisco de Barros, 2º visconde de. Demonstração dos direitos que tem a coroa de Portugal sobre os territórios situados na costa occidental d'Africa entre o 5º grau e 12'' e o 8º de latitude meridional e por conseguinte aos territórios de Molembo, Cabinda e Ambriz. Lisboa: Imprensa Nacional, 1855. Sobre a questão, consultese também HENRIQUES, Isabel de Castro, Percursos da modernidade em Angola, op. cit., p. 34-35.

Numa outra escala, no contexto das relações políticas luso-africanas, a ocupação de Ambriz envolveu negociações diretas entre a Coroa portuguesa e os dirigentes do Reino do Congo, particularmente a mobilização de um tratado assinado anteriormente em 1845 e reafirmado por meio de uma embaixada enviada a São Salvador em 1855. 76 76 O tratado e seus termos podem ser localizados na coletânea de BRÁSIO, Antonio. Angola: 1596-1967. Spiritana Monumenta Histórica. Pittsburgh: Duquesne University Press, 1966-1971, p. 23-24 (Série africana). A cópia da carta do rei do Congo, e as condições da concessão podem ser consultadas em: Cópia, Carta do rei do Congo, Henrique II, a d. Pedro V. AHU, ACL SEMUDGU, Angola, 1855-1856, pasta 22-A, 621. Embora o Reino de Mossul e seu porto de Ambriz fossem de fato independentes e somente vassalos nominais do rei do Congo, por esse tratado Henrique II (1842-1857) autorizava a fixação dos portugueses nas terras de Ambriz e o estabelecimento de suas representações militar e civil. Em contrapartida, a Coroa portuguesa obrigava-se a restaurar as igrejas da capital conguesa, São Salvador, a manter o envio regular de missionários e de artesãos e aliar-se ao Congo em caso de ameaças. Anos após, em 1860, e revelando os termos da resistência dos grupos africanos atingidos direta ou indiretamente pela conquista, o tratado teria uma implicação funesta: por conta da cessão, um dos herdeiros da Coroa do Congo, filho de Henrique II, o príncipe Nicolau Água Rosada e Sardônia, educado em Lisboa e escrivão da Junta da Fazenda em Ambriz, foi assassinado em Quissembo, no ano de 1860. Segundo a versão dada por Alfredo Sarmento em seu relato, o príncipe fora acusado de ser conivente com a traição feita pelo rei do Congo aos povos de Ambriz e acabou trucidado por uma massa ensandecida na aldeia localizada há poucas milhas do porto que ainda mantinha intacta sua soberania. 77 77 O evento foi noticiado não só nos jornais de Lisboa, como no relato de Alfredo Sarmento que desfrutava da amizade de d. Nicolau. SARMENTO, Alfredo. Os sertões d´Africa (Apontamentos de viagem). Lisboa: editor Francisco Arthur da Silva, 1881. Sobre a figura do príncipe Nicolau, seus escritos em jornais de Lisboa e sua posição contrária à maneira pela qual Portugal considerava o Congo, e também sobre seu assassinato: WHEELER, Douglas. Nineteenth-century African protest in Angola: Prince Nicolau of Kongo (1830-1860). African Historical Studies, 1, 1, 1968, p. 40-59; BONTICK, F. Notes complementaires sur dom Nicolau Agua Rosada e Sardonia. African Historical Studies, 2, 1, 1969, p. 101-119.

Vista numa perspectiva ainda localizada, é possível perceber outras direções articuladas à conquista. Não só a consolidação das posições no comércio, garantindo mais uma zona protegida para a exclusividade de Luanda, a ampliação dos direitos e da segurança dos mercadores privados de origens portuguesa, luandense e brasileira, como também a formalização de compromissos com os dirigentes africanos. Essa política de alianças transpareceu numa série de tratados de amizade e de vassalagem que se seguiu à ocupação, realizados tanto com os sobas e dembos de Ambriz quanto na região do Baixo Congo, com os chamados príncipes do Zaire . Segundo uma sinopse dos tratados feitos entre os anos de 1857 e 1858, foi assinada mais de uma dezena deles com os dirigentes situados em torno de Ambriz, com os de Santo Antônio do Zaire, de Mendora e do rio Chemebica, os dos portos de Banana e de Ponta da Lenha. 78 78 Sinopse dos autos de vassalagem assinados pelos régulos do Zaire e outros potentados da Província de Angola, 1854-1858. AHU, AC, SEMU- DGU, Angola, 1855-1856, pasta 22-A, 621. Vale lembrar que a prática de acordos diplomáticos na região era antiga, não sendo prerrogativa da Coroa portuguesa; a concorrência comercial entre os europeus vinha acompanhada do convencimento e da montagem de redes de alianças, sendo comum essa prática entre os expedicionários a serviço dos ingleses ou dos belgas nessa região. 79 79 79 DIAS JILL, Angola, op. cit., p. 498; sobre os tratados feitos na época pelos ingleses: ANSTEY, R. Britain and the Congo in the 19th Century, op. cit.

O teor dos acordos assinados e a maneira pela qual eles foram realizados são expressivos. Assistidos por linguisters e tendo como uma das partes envolvidas o conjunto de mercadores portugueses diretamente interessados, por meio dos tratados os reis, príncipes e sobas das diversas localidades, acompanhados de seus macotas, juravam fidelidade à coroa, comprometiamse a manter a segurança e o livre trânsito do comércio português nas regiões do Baixo Congo, encarregando-se de lutar contra os descaminhos e as investidas dos piratas do Zair e. Na época, eram assinados a bordo do esquadrão de guerra da Marinha portuguesa estacionado na região norte, sob o comando do comandante da Estação Naval, autoridade essa que presidia os tratados em nome da coroa. 80 80 Vários desses tratados e detalhes sobre o seu teor e a maneira pela qual foram assinados podem ser localizados em: Correspondência da Estação Naval de Angola em Rio Zaire; Autos de obediência de diversos régulos da Província de Angola. AHU, ACL, SEMU-DGU, Angola, 1856, pasta 22, 621. Entre outros exemplos, o tratado assinado com os príncipes da região de Porto de Lenha, em 1855, estipulava em seus vários artigos a proteção que eles deveriam dar aos mercadores estabelecidos e os direitos que esses últimos (“os proprietários de cada uma das barracas”) deveriam pagar aos primeiros. Para além das bandeiras e dos juramentos, o incentivo às atividades mercantis era central nos acordos, cabendo aos príncipes “fazer com que os povos sob sua dependência venhão às portas das feitorias vender os objetos de comércio”, devendo mais proteger os “ linguisters que ainda no matto estão com fazendas dos negociantes estabelecidos nesse rio”. 81 81 Correspondência da Estação Naval de Angola em Rio Zaire. Tratado de comércio e vassalagem assinado em Porta da Lenha, em 26 de novembro de 1855, a bordo do brigue Vila Flor, no rio Zaire. AHU, ACL, SEMU-DGU, pasta 22, 621.

Em outros casos, o uso de força e o tom de ameaça ficavam mais explícitos, sobretudo quando os súditos das chefias africanas teimavam em continuar a atacar as barracas e os comerciantes e a roubar suas mercadorias. A troca de ofícios a respeito das insubordinações dos mussorongo precedeu a cerimônia de juramento feita com o rei Nemelau (ou Nemblau) e com o príncipe Mamputo, ambos dirigentes da região de Ponta Banana em 1856. No contrato, os termos eram similares aos demais e evidenciavam detalhes dos negócios: além de trazerem a lista das mercadorias que compunham os direitos a serem pagos pelos mercadores – “dez espingardas, um barril de pólvora, aguardente, uma peça de lei etc.” – determinavam a urgência da proteção – “mandarão os reis seus mafuca e um galinheiro para vigiar cada uma das ditas barracas”. Mas outros trechos apresentavam frases intimidadoras, uma vez que eles, africanos, haviam “demonstrando pouca memória às infelicidades a que haviam sido sujeitos quando suas aldeias foram queimadas e seus habitantes empurrados para as matas pelo então comandante da embarcação Corimba , João Batista de Andrade, no ano de 1853”. 82 82 82 Oficios confidenciais da Estação Naval de Angola. Reunidos no brigue Corimba, em Ponta Banana, o rei Nemblau e o príncipe Mamputo (...). AHU, ACL SEMU-DGU, Angola, 1855-1856, pasta 22-A, 621. Importante assinalar que uma parte significativa dos documentos coligidos em três ou quatro conjuntos constitui-se de cópias manuscritas de ofícios da Estação Naval de Angola remetidas ao Conselho Ultramarino, trazendo em sua marginalia a letra característica de Sá da Bandeira. Não resta dúvida de que as coleções não só tiveram o crivo do ministro, como também foram objeto de uma leitura atenta.

As conquistas de Ambriz e no ano seguinte dos territórios de Bembe, onde se localizavam as minas de cobre, ferro e malaquite até então exploradas pelos africanos, tiveram um impacto significativo entre as populações da região centro-africana. Sobre isso e ao longo de vários percursos e nos anos de residência em Ambriz, em Bembe e depois por outros pontos da Angola portuguesa, Joachim John Monteiro assistia o crescimento da oposição à presença dos homens brancos decorrente, em parte, dos exemplos de Ambriz e de Bembe. Em sua opinião:

Existe uma grande objeção por parte de todas as tribos do interior de Angola, e particularmente daquelas que não tem seus territórios tomados pelos Portugueses, à passagem do homem branco através de seus países. Isso é devido em primeiro lugar à descrença e à suspeição natural do caráter dos negros, em segundo lugar ao seu temor diante dos exemplos da ocupação de Ambriz e das minas de Bembe pelos portugueses. É impossível para os negros entender que um homem branco viaje movido por sua curiosidade; é perfeitamente incompreensível para eles que ele gaste dinheiro com os carregadores e faça presentes pelo único prazer em ver o país; eles nunca estão satisfeitos sem aquilo que eles considerariam uma boa razão; consequentemente eles sempre imaginam que deve ser por conta do estabelecimento de uma feitoria para o comércio, ou ainda para observar o país para uma ocupação futura. Essa é a razão pela qual os nativos nunca irão dar uma informação confiável mesmo sobre as mais simples questões da direção dos caminhos, dos rios e as distâncias. 83 83 MONTEIRO, Joachim John. Angola and the river Congo, vol. I, op. cit., p. 89-90.

Relacionado ainda à percepção desse processo pelos africanos, para além da desconfiança e do silêncio diante dos estrangeiros, outras passagens de Angola and the river Congo sinalizam resistências mais efetivas e concretas: sejam os já mencionados ataques periódicos dos piratas mussorongo sobre os negociantes do Baixo Congo, sejam ainda as ocasiões em que os povos interrompiam a venda de matérias primas retiradas de suas minas nos mercados costeiros. Isso ocorreu, por exemplo, pouco antes da ocupação de Bembe, quando “os nativos” estancaram o fornecimento de malaquite ao porto de Ambriz ou quando, propositalmente, paralisaram a exploração de jazidas de minérios diante da cobiça que pressentiam nos estrangeiros. Em suas prospecções e atento a isso, Monteiro informa o fechamento de depósitos de betume e de piche mineral, próximos a Mangue Grande e a Mussera, e de malaquite em Ambrizete, quando eram tomados pelo “medo de anexação do país”. Diante disso os dirigentes africanos tornavam proibidas tanto a comercialização como a mera menção a esses produtos por parte de qualquer de seus súditos, transformando-os em tabus, qualificados de fetiche pelos observadores estrangeiros. Em Ambrizete, comentava o engenheiro:

O cenário acima do pequeno rio é muito agradável, mas os nativos não permitem os homens brancos de ascender mais do que algumas milhas [do rio] ou em direção a uma planície atrás da qual se acredita estar o depósito das minas de malaquite. Na era do tráfico de escravos quantidades desse mineral em finas lâminas eram trazidos pelos nativos dessa localidade, mas depois da ocupação de Ambriz pelos Portugueses para atingirem os depósitos de malaquite de Bembe, os nativos de Ambrizete fecharam os trabalhos em sua mina, e nada os fara abrir de novo. 84 84 MONTEIRO, Joachim John. Angola and the river Congo, vol. I, op. cit., p. 150-151.

A posse das minas era pretensão antiga dos portugueses, quase uma obsessão desde os tempos de Paulo Dias Novais e, na época, a crescente importância dos recursos minerais da nova fase de industrialização fazia com que os administradores e a coroa se mostrassem mais ainda ansiosos em retirar do controle africano a exploração de matérias primas como o cobre, a malaquite e o ferro. 85 85 Sobre a relação entre portugueses e africanos em torno das riquezas minerais (sobretudo cobre e ferro) ver: SILVA, Juliana Ribeiro da. Homens de ferro – os ferreiros na África central no século XIX. São Paulo: Alameda Editorial, 2011. Também o inventário datado dos inícios do século XIX sobre a localização dos depósitos: GAMA, Antônio Saldanha da. Memória sobre as colônias de Portugal, situadas na costa ocidental da África. Paris: Typographia de Casimir, 1836, p. 82-86. Sem dúvida que foi esta a motivação maior da conquista de Bembe realizada em 1856. Nessa ocasião e uma vez mais os portugueses lançaram mão da política de alianças com o Congo, tendo sido autorizados a isso por Henrique II. Os termos da carta endereçada pelo rei de Portugal ao rei católico do Congo, enviada por um “mensageiro da expedição mandada às minas de cobre do Bembe para ocupar” são muito eloquentes no convencimento da superioridade técnica dos portugueses e dos efeitos exploração das minas.

Aquelas minas constituem uma riqueza imensa, mas é preciso saber aproveital-a. Há meios de tirar dela o cobre em quantidade mui superior à que os indígenas tem extraído até agora. Empregando esses meios nunca o cobre hade acabar por que se buscará até as maiores profundidades. Os indígenas não sabem fazel-o e assim cavam a terra só por cima, recolhem aquella que lhes parece ter mais cobre, e passam a fazer o mesmo em outros pontos, logo que se julguem muito enterrados em qualquer deles. Deste modo, em certo tempo, deixar-se-á de encontrar mais cobre. Seria um grande transtorno para o comercio deste país com os países d’alem mar e a maior de todas as desgraças para os indígenas que da venda do cobre tiram os meios de sua subsistência. Talvez os indígenas pensem que indo nós ali, os privamos mais depressa de seus meios de sobrevivência. É um engano. Não hade de ser eles sempre empregados em trabalhos de extração de cobre e sua condução para os pontos de embarque? Por certo que sim (...) 86 86 Correspondência do Governo Geral. Cópia nº 1806 da carta de sua majestade o rei de Portugal ao rei católico do Congo. AHU, ACL, SEMU- DGU, Angola, pasta 22, 621.

As formas africanas de exploração das minas de ferro e malaquite foram alvo da observação de especialistas e expedicionários. Na qualidade de militar participante da expedição de conquista de Bembe, Alfredo Sarmento fez considerações sobre os poços sucessivamente abertos pelos africanos e a alta incidência de acidentes e mortes numa exploração para ele pouco rendosa. 87 87 SARMENTO, Alfredo. Os sertões d´Africa (Apontamentos de viagem), op. cit., 1881, p. 40-41. Também junto às prospecções iniciais, o engenheiro de minas John Tonkin considerou as mesmas questões, mas, ao fim, reafirmou a grande potencialidade dos depósitos de Bembe. 88 88 Relatório sobre as minas de Bembe feito por John Tonkin ao senhor Augusto Garrido agente dos senhores Pinto Peres e Cia, e do senhor Francisco Antônio Flores. 30 de abril de 1857. Tradução. AHU, ACL, SEMU-DGU, pasta 23-1, Angola, 1857. Os textos dos três observadores – Monteiro, Tonkin e Sarmento – deixam patente que, na fase em que a penetração imperialista e o novo teor de colonialismo se prenunciavam, os “nativos” de proprietários das minas tornar-se-iam nada mais do que seus trabalhadores, em nome da superioridade das técnicas dos homens brancos, capazes de extrair os minerais das profundidades – isso garantiria maior quantidade e estoques mais permanentes. Na direção contrária aos termos da carta, e quando se retoma as formas de resistência africana vistas acima, com o abandono e o fechamento propositais das jazidas diante da cobiça estrangeira, vemos que de fato não eram essas suas principais preocupações.

Foi exatamente no contexto da exploração das minas de Bembe, sua inspeção e a condução dos trabalhos realizados por estrangeiros que Joachim John Monteiro chegou a Ambriz. Inicialmente, esteve empregado por um mercador brasileiro, estabelecido em Ambriz e também em Luanda e mesmo em Cabinda, Francisco Antônio Flores, que recebeu a concessão da exploração em contrapartida a uma série de obrigações, inclusive de ordem financeira e militar. Destacam-se duas informações importantes associadas a sua figura: em primeiro lugar, ao que parece, foi ele quem financiou a expedição de Bembe e depois arcou com as despesas de manutenção das guarnições militares vindas de Luanda e aí estabelecidas; em segundo, havia sido anteriormente um importante e ativo negreiro de Ambriz e também de Cabinda e de Luanda. Agente político de destaque, foi também um dos principais articuladores de tratados de paz e de negociações com os dirigentes africanos da região. 89 89 DIAS, Jill. Angola, op. cit., p. 427. Na articulação de elementos políticos e econômicos, revelam-se aqui também os “efeitos multiplicadores dos capitais vindos do tráfico e sua aplicação nos novos negócios”, sobre os quais escrevem Capela e Santos. 90 90 CAPELA, José & SANTOS, Maciel dos. O financiamento do liberalismo português pelo capital do tráfico de escravos. in: CEAUP. Trabalho forçado africano, articulações com o poder político. Porto: Campo das Letras, s/d, p. 135-167. Outros mercadores como Manuel Pinto da Fonseca e Arsênio Pompeu Pompilio do Carpo servem para explicitar esse mesmo movimento e de alguma forma relativizar a questão da transição dos negócios ilícitos do tráfico ao do comércio dos produtos legítimos. Remeto essa discussão ao artigo: WISSENBACH, Maria Cristina C. As feitorias de urzela e o comércio de escravos, op. cit., p. 43-89. Sua atuação no comércio de escravos encontra-se detalhada na obra de KARASH, Mary. The Brazilian slavers and the illegal slave trade 1836 – 1851, op. cit., p. 18-19. Depois de Flores, a concessão das minas passou para a empresa britânica Western Africa Malachite Cooper Mines, à qual Joachim Monteiro serviu não só em Bembe como em outras partes da Angola portuguesa.

A exploração das minas de Bembe não durou mais do que uma década. As razões disso podem ser em parte percebidas no relato de Monteiro que parece preferir não se aprofundar muito no assunto, mas que deixa entrever algumas delas ao mencionar o alto índice de mortalidade que atingia no geral os homens brancos que iam para o lugar e, nomeadamente, os técnicos em mineração vindos com ele da Europa, que não resistiram nem poucos dias, atacados pelas febres mortíferas da região. Além disso, outros documentos que não os testemunhos de Monteiro revelam as dificuldades em prover trabalhadores para as minas. Os termos do acordo de 1856 com os dembos e os sobas das terras de Bembe, elaborado no início da ocupação por Francisco Salles Ferreira, deu a medida da importância das alianças políticas para a imprescindível arregimentação dos trabalhadores nas minas. Segundo o documento, como gratificação pelo trabalho que eles, chefes, teriam em persuadir seus filhos a trabalharem nas minas, seriam dados “a cada potentado duas peças de fazendas, vulgo de lei e 500 bagos de contas de vidro a que chamão coral do que se usa nos comércios deste sertão”; já aos trabalhadores lhes dariam por mês uma peça de fazenda de lei, além das 30 mesmas contas de vidro que por ser moeda corrente nesse país”. 91 91 Auto de declaração e ajuste de preço por que devem ser pagos os indígenas que trabalharão na exploração das minas de cobre feito com dom Pedro Jaime a Canga e outros. Bembe, 20/11/1856. AHU, ACL, SEMU-DGU, Angola 1855-1856, pasta 22-A, 622. Em resposta advertiam, no entanto, aos chefes, “que por moeda de macuta não serviam e que as suas contas eram sempre feitas com contas de vidro e fazendas, o que nós da expedição bem sabíamos que era a moeda do país”. As preferências e as imposições dos chefes africanos, aliadas a outras dificuldades, fazem pressupor que a exploração dos recursos naturais e o controle da mão-de-obra passariam a ser correlacionados à posse efetiva dos territórios; as ações portuguesas em Bembe, mesmo que não efetivadas, de alguma forma prenunciavam a ação imperialista dos anos posteriores.

Considerações finais

Nos debates e nas medidas do Congresso de Berlim, reunião ocorrida entre os anos de 1884 e 1885, um dos temas centrais tratou especificamente da liberdade de navegação e do comércio na bacia do Congo e das disputas entre as nações europeias pela sua tutela. Aparentemente, a escolha desse cenário, como também o da navegação e comércio no rio Níger, dizia respeito essencialmente a uma visão de longo prazo sobre sua importância ou, quando muito, atrelada às informações trazidas por alguns agentes europeus que por aí andavam em expedições, averiguando a paisagem, esquadrinhando o território e assinando tratados com as autoridades locais, não se sabe ao certo sob quais condições. Nos mapas e nos relatórios relativos às reuniões, as regiões da África centro-ocidental aparecem como terras sem história, despovoadas, habitadas quanto muito por povos diminutos, por gorilas e outros animais quase lendários. O objetivo do presente artigo passou um pouco pela desconstrução dessas visões e se orientou no sentido de recuperar a historicidade de um pequeno porto pouco conhecido e cuja história foi mencionada esporadicamente, aqui e ali, em decorrência das ambições portuguesas, como episódio do tráfico de escravos associado à origem dos africanos introduzidos nas Américas.

Em alguns poucos viajantes, a descrição do porto esteve associada à possibilidade de um comércio livre à moda africana e foi por conta dessa ideia que se iniciou a pesquisa, investigando viajantes pouco mais compromissados com as sociedades africanas ou com os projetos africanos e menos fugazes em suas avaliações do que Henry Stanley e David Livings-tone. Combinando fontes e a produção historiográfica, a história de Ambriz apareceu integrada a uma dinâmica mais geral que se remetia ao sistema Baixo Congo: um sistema multidirecionado e multifacetado que abrangia uma área propícia aos negócios do comércio, pois se constituía, geograficamente, em um largo corredor que avançava em direção ao interior e com comunidades ribeirinhas para as quais convergiam especialistas comerciais vindos de várias partes da África central. Em cerca de quatro séculos de contato e de comércio com os mercadores atlânticos, esse sistema foi aos poucos adquirindo facetas singulares, nas quais negócios e laços de parentesco se mesclavam a associações religiosas. Além disso, as mercadorias obtidas por meio das relações atlânticas adquiriam vida própria, se ressignificavam, alteravam o sentido e o comércio africano transformava-as em bens de prestígio e mkinsi / fetiches. A história do comércio africano na época pré-colonial (a falta de um melhor termo) não pode ser vista exclusivamente a partir de uma perspectiva euro-centrada.

De outra parte, a resistência dos grupos africanos diante dos esquadrões navais e das forças-tarefas dos europeus estacionados nessa parte da África manifestava-se de múltiplas formas, tanto por meio daquilo que era categorizado como pirataria, saques e roubos aos mercadores quanto no esquecimento de que havia minas e jazidas em seus países, objeto da cobiça dos estrangeiros. Além disso, nessa época, retomando Jill Dias, os povos de Boma interditavam a passagem dos homens brancos para além de sua localidade e não permitiam nem ao menos passarem em direção a São Salvador, capital do Reino do Congo.

  • *
    Pesquisa patrocinada pelo CNPq e por aportes do NAP Brasil-África, PRPG/ Departamento de História - FFLCH/USP. Versões preliminares do texto foram apresentadas no IIº Encontro Internacional de História da África, UFF/Niterói em 2012 e na Reunião Nacional da ANPUH em 2013 e discutidas no grupo de pesquisadores do Brasil-África e com os colegas da Linha de História da África da Unicamp. Agradeço a todos os comentários e às contribuições
  • 1
    HARMS, Robert. River of wealth, river of sorrow. The central Zaire basin in the era of the slave trade, 1500- 1891. New Haven: Yale University Press, 1981, p. 28.
  • 2
    ELTIS, David & RICHARDSON, David. Ambriz: Destinations of slaves and home ports of vessels carrying them, 1789-1863. In: Idem. Atlas of the transatlantic slave trade. New Haven; Londres: Yale University Press, 2010, p. 109; elaboração feita a partir dos dados da Voyages. The Transatlantic Slave Trade Database (doravante TSTD-2010), projeto da Universidade de Emory e anteriormente do W. E. B. Du Bois Institute for African and African-American Research, com versão disponibilizada em www.slavevoyages.org.
  • 3
    BIRMINGHAM, David, A África central até 1870. Zambézia, Zaire e o Atlântico Sul. Tradução de Jorge Gabriel Fragoso. Angola: Endipeu, 1981, p. 81.
  • 4
    ELTIS, David. African and European relations in the last century of the transatlantic slave trade. In: PÉTRE-GRENOUILLEAU, Olivier (ed.). From slave trade to empire. Europe and the colonization of black Africa, 1780s-1880s. Londres; Nova York: Routledge, 2004, p. 34-36. Vários estudos publicados a partir dos dados quantitativos recentes da TSTD-2010 evidenciam isso. Para Cuba, por exemplo, a última sociedade envolvida nesse comércio, a região denominada "Rio Congo" aparece como a principal procedência dos escravizados entre os anos de 1790-1865, sem contar com os contingentes vindos de Ambriz, Loango, Cabinda etc. Cf. MORÁGUEZ, Oscar Grandio. The African origins of slaves arriving in Cuba, 1789-1785. In: ELTIS, David & RICHARDSON, David (eds.). Extending the frontiers. essays on the new Transatlantic Slave Trade Database. New Haven; Londres: Yale University Press, 2008, p. 188.
  • 5
    MARTIN, Phyllis M. The external trade of the Loango coast, 1576-1870. The effects of changing comercial relations on the Vili Kingdom of Loango. Oxford: Claredon Press, 1972, p. 148-149. Tradução nossa. Sobre o tema ver também DIAS, Jill. Angola. In: SERRÃO, Joel & MARQUES, H. de Oliveira (eds.). Nova história da expansão portuguesa, volume X: O império africano 1825-1890 (Valentim Alexandre & Jill Dias). Lisboa: Editorial Estampa, 1992, p. 461.
  • 6
    VELLUT, Jean-Luc. L'economie internationale des côtes de Guinée Inferieur au XIX siècle. In: I REUNIÃO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA DA ÁFRICA. Atas. Maria Emília Madeira Santos (org.). Lisboa: IICT, 1989.
  • 7
    MONTEIRO, Joachim John. Angola and the river Congo. 2 vols. Londres: Macmillan and Co., 1875.
  • 8
    PÉLISSIER, Renée. História das campanhas de Angola – resistência e revoltas, vol. 1. Lisboa: Editorial Estampa, 1989.
  • 9
    PÉLISSIER, Renée, op. cit.,p. 55.
  • 10
    Em 1842, parte dos barracões de Ambriz foi incendiada pelo esquadrão britânico que vigiava os negócios ilícitos do tráfico; sobre isso ver FIGUEIREDO, Bernardo de Sá N. De (visconde de Sá da Bandeira). Factos e considerações relativas aos direitos de Portugal sobre os territórios de Molembo, Cabinda e Ambriz, e mais logares da costa occidental da África, situada entre o 5º grau e 12 minutos e o 8º grau de latitude austral. Lisboa: Imprensa Nacional, 1855.
  • 11
    Além dos trabalhos citados no presente artigo, é possível indicar uma produção mais recente que acredito propõe essa direção. Entre outros: FERREIRA, Roquinaldo. Cross-cultural exchange in the Atlantic world. Angola and Brazil during the era of the slave trade. Nova York: Cambridge University Press, 2012; CANDIDO, Mariana. An African slave port and the Atlantic world. Benguela and its hinterland. Nova York: Cambridge University Press, 2013.
  • 12
    VANSINA, Jan. Long-distance trade-routes in central Africa. Journal of African History, 3, 3 1962, p. 375-390. É interessante perceber como a antiguidade reaparece nos testemunhos das últimas décadas do século XIX, nos registros de expedicionários que percorreram áreas até então inatingíveis aos homens brancos. Quando da publicação dos cadernos de campo da expedição de Brazza ao Congo, em 1880, Brunschwig observa que: "A importância e a antiguidade do comércio são deixadas claro para os leitores dos cadernos. Os produtos europeus circulam no coração da África central, precedente dos missionários e dos exploradores nas regiões nas quais nenhum branco havia ainda posto os pés. Podemos inferir a continuidade desse comércio desde o século XVI a partir de duas menções de Brazza sobre 'uma placa lisa de cobre forjada na Idade Média' e 'um sabre da Idade Média'", localizados ambos durante o contato do viajante com os povos da região. BRUNSCHWIG, Henri. La negociation du traité Makoko. Cahiers d´Étude Africaines, 5, 17, 1965, p. 11.
  • 13
    DIAS, Jill. Novas identidades africanas em Angola no contexto do comércio atlântico. In: BASTOS, Cristina & BIANCO, Bela (orgs.). Trânsitos coloniais. Diálogos críticos luso-brasileiros. Campinas: Ed. Unicamp, 2007, p. 315-343.
  • 14
    MARTIN, Phyllis M. The external trade of the Loango coast, 1576-1870, op. cit., especialmente o capítulo "The conduct of trade, the supply of slaves".
  • 15
    TUCKEY, lt. J. K. Narrative of an expedition to explore the river Zaire, usually called Congo in South Africa. Londres: John Murray, 1818, p. 180.
  • 16
    Cf. KARASH, Mary. The Brazilian slavers and the illegal slave trade, 1836 – 1851. Thesis master of arts, Wisconsin University, 1967, p. 50.
  • 17
    MARTIN, Phyllis M. The external trade of the Loango coast, 1576-1870, op. cit.
  • 18
    DIAS, Jill. Novas identidades africanas em Angola no contexto do comércio atlântico, op. cit., p. 315-343.
  • 19
    HARMS, Robert. River of wealth, river of sorrow, op. cit., 1981.
  • 20
    SCHRAG, Norm [ed. by Phyllis Martin]. Changing perceptions of wealth among the Bamboma (Lower Zaire). Indiana University, African Studies Program, 1990.
  • 21
    MARTIN, Phyllis. Cabinda e seus naturais: alguns aspectos de uma sociedade marítima africana. Revista Internacional de Estudos Africanos, 3, jan/dez 1985, p. 41-61. MARTIN, Phyllis. The Cabinda connection: An historical perspective. African Affairs, 76, 1977, p. 47-59.
  • 22
    HARMS, Robert. River of wealth, river of sorrow, op. cit., p. 32.
  • 23
    BIRMINGHAM, David. A África central até 1870, op. cit., p. 76 e seguintes. MILLER, Joseph. Way of death. Merchand capitalism and the Angolan slave trade. Birmingham: James Curray Ltd., 1988.
  • 24
    VOS, Jelmer. "Without the slave trade, no recruitment". From the slave trade to migrant recruitment in the Lower Congo, 1830-1890. In: LAWRENCE, Benjamin N. & ROBERTS, Richards (eds.). Trafficking in slavery wake: Law and the experience of women and children. Ohio: Ohio University Press, 2012, pos. 624. Utiliza-se o autor nesse trecho principalmente de informações e dados retirados da tese de SCHRAG, Norm. Mboma and the Lower Zaire. A socio-economic study of Kongo trading communities, c. 1785-1885. PhD. diss, Indiana University, 1985, tese da qual faz parte o estudo acima citado e editado por Phillys Martin.
  • 25
    TUCKEY, lt. J. K. Narrative of an expedition to explore the river Zaire, op. cit., p. 61 e seguintes.
  • 26
    DEGRANDPRÉ. L. Voyage à la côte occidentale d´Afrique, fait dans les années 1786 et 1787. Paris: Dentu, Imprimeur-Libraire, 1801, p. 100 e seguintes. Tradução nossa.
  • 27
    Susan Herlin chega a denominar esses padrões e hierarquias comerciais como sendo o "mafouk system" comum às várias localidades que ela estuda na costa do Kongo, em: HERLIN, Susan. Brazil and the commercialization of Kongo, 1840-1870. In: LOVEJOY, Paul & CURTO, José (eds.). Enslaving connections: Changing cultures of Africa and Brazil during the era of slavery trade. Amherst, NY: Humanity Books, 2004, p. 261-283.
  • 28
    DELCOMMUNE, Alexander. Vingt années de vie africaine. Recits de voyages, d´aventures et d´exploration au Congo Belge (1874-1893). Bruxelas: Vve. Ferdinand Larciere, 1922, p. 36. "Cada firma tem seus linguisters, espécie de comissários viajantes, muitas vezes em número de cem, que se encarregam desta tarefa, fazendo valer as ofertas dos produtos de sua casa (...)". Tradução nossa. Figura similar de intermediário ou mediador reaparece mais tarde, na época colonial, em Cabinda, segundo o testemunho de João de Mattos e Silva, em Contribuição para o estudo da região de Cabinda, 1904: "O chefe do pessoal negro é o que os brancos chamam linguister e os pretos línguece (...) preto geralmente de meia idade ou velho, transmite as ordens do branco distribuindo de véspera os serviços do dia seguinte, serve de intérprete ou de procurador, resolve as pequenas questões entre o pessoal indígena, mantendo a ordem na senzala (...) recebe as caravanas dos pretos de negócio que procuram o estabelecimento, assiste a permuta, faz o elogio dos gêneros europeus (...)" Apud PIRES, Ana Flávia C. Comércio e trabalho em Cabinda durante a ocupação colonial portuguesa. Tese de doutorado, UFF/Niterói, 2010, p. 73-74.
  • 29
    RODRIGUES, Jaime. De costa a costa. Escravos, marinheiros e intermediários do tráfico negreiro de Angola ao Rio de Janeiro (1780 – 1860). São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 68 e seguintes.
  • 30
    MONTEIRO, Joachim John. Angola and the river Congo, vol. 1, op. cit., p. 106-110. O mesmo trecho foi utilizado por Beatrix Heintze, ao caracterizar também essas negociações. HEINTZE, Beatrix. Pioneiros africanos. Caravanas de carregadores na África centro-ocidental. Tradução. Lisboa: Caminho, 2004, p. 328-329.
  • 31
    Sobre as mucandas na África central, ver: RIBEIRO, Elaine. Barganhando sobrevivências: os trabalhadores da expedição de Henrique de Carvalho a Lunda, 1880-1888. São Paulo: Alameda Editorial, 2013; Idem. Mucandas, cartinhas e bilhetinhos: a função do papel escrito no comércio da África centro-ocidental, século XIX. In: 3º ENCONTRO INTERNACIONAL DE ESTUDOS AFRICANOS DA UFF. Apresentação oral. Niterói, setembro 2014.
  • 32
    MONTEIRO, Joachim John. Angola and the river Congo, vol. 1, op. cit., p. 139-140.
  • 33
    JANSEN, John. Lemba, 1650-1930. A drum of afliction in Africa and New World. Nova York: Garland, 1984.
  • 34
    THORNTON, John. The Kongolese Saint Anthony. Dona Beatriz Kimpa Vita and the Antonian Movement, 1684-1706. Cambridge: Cambridge University Press, 1998, p. 102.
  • 35
    Cultura material associada ao comércio estudada, entre outros, por SCHRAG, Norm [ed. by Phyllis Martin]. Changing perceptions of wealth among the Bamboma (Lower Zaire), op. cit., 1990; VANHEE, Hein & VOS, Jelmer. Kongo in the age of empire. In: COOKSEY, Susan; POYNOR, Robin; VANHEE, Hein (eds.). Kongo across the waters. Gainsville: University Press of Florida, 2014, p. 78-89; ALMEIDA, Márcia Pacito F. Artigos europeus, usos africanos: percepções sobre a cultura material nos relatos de viagem (África central, século XIX). In: 3º ENCONTRO INTERNACIONAL DE ESTUDOS AFRICANOS DA UFF. Apresentação oral. Niterói, setembro 2014.
  • 36
    VANHEE, Hein & VOS, Jelmer. Kongo in the age of empire, op. cit., p. 79. Tradução nossa.
  • 37
    VANHEE, Hein & VOS, Jelmer, op. cit., p. 80.
  • 38
    Temática desenvolvida em paper de minha autoria. WISSENBACH, Maria Cristina Cortez. Angola and the river Congo: as relações entre europeus e africanos na perspectiva do relato e das experiências de Joachim John Monteiro na África central (1858-1875), a ser apresentado na reunião Conlab, 2015.
  • 39
    Sobre a questão do comércio silencioso e as representações europeias: FARIAS, Paulo de Moraes. Silent trade: Myth and historical evidence. History in Africa, 1, 1974, p. 9-24.
  • 40
    HENRIQUES, Isabel de Castro. Tempos africanos, leituras europeias. In: Idem. O pássaro do mel – estudos de história africana. Lisboa: Edições Colibri, 2003, p. 123-139. Sobre os eixos do comércio da África central ver: RIBEIRO, Elaine. Barganhando sobrevivências, op. cit. Especialmente capítulo 3 "Os caminhos da expedição portuguesa à Mussumba do Muatiânvua; p. 139-171.
  • 41
    HEINTZE, Beatrix. Long distance caravanas and communication beyond Kwango (c. 1850-1890). In: HEINTZE, Beatrix & von OPPEN, Joachim. Angola on the move: Transport routes, communication and history. Disponível em: www.zmo.de/angola. Acesso em: maio de 2012. Tradução nossa.
  • 42
    STANLEY, Henry (Henrique) M. Atravez do continente negro, volume III. Tradução. Lisboa: Empreza Horas de Viagem, 1881, p. 268.
  • 43
    DEGRANDPRÉ, L. Voyage a la côte occidentale d´Afrique, op. cit., p. 66-67. A ilustração de uma feitoria estrangeira é sugestiva para se vislumbrar esse cenário; a reprodução da imagem pode ser vista em: Houses and European trading post, Angola, 1786-87. Image ref: LCP-06 (legenda: Guibangua et interieur d'un comptoir europeen sur la côte d´Angola). In: HANDLER, Jerome & TUITE, Michel (org.). Slavery Images Database. Virginia Foundation for the Humanities / University of Virginia Library. Disponível em: www:slaveryimages.org. Na mesma obra do viajante, e também na base, encontram-se inseridos desenhos de "nobres" e "princesas" de Loango, com suas vestimentas e adornos – entre os últimos, longas fileiras de contas, uma das mais significativas preferências do comércio africano. Sobre o tema e sobre os missionários comerciantes nos finais do século XVIII e inícios do XIX, ver: BECK, Roger. Bibles and beads: Missionaries as traders in Southern Africa in the early nineteenth century. Journal of African History, 30, 1989, p. 211-225.
  • 44
    MONTEIRO, Joachim John. Angola and the river Congo, vol. 1, op. cit., p. 82. Tradução nossa.
  • 45
    STANLEY, Henry (Henrique) M. Atravez do continente negro, vol. III, op. cit., p. 284.
  • 46
    DIAS, Jill. Angola, op. cit., p. 98.
  • 47
    STANLEY, Henry (Henrique) M. Atravez do continente negro, vol. III, op. cit., p. 280. Um dia depois da carta e após muitos anos, Stanley faz questão de descrever a recepção que teve dos "brancos" de Boma, numa descrição impressionista, marcada principalmente por sua surpresa diante da "palidez excessiva dos homens", atribuída por ele tanto ao aspecto doentio como ao fato de ter-se mantido durante longo tempo sem ver seus iguais.
  • 48
    VELLUT, Jean-Luc. L'economie internationale des côtes de Guinée Inferieur au XIX siècle, op. cit., p. 138.
  • 49
    TAMS, Georg. Visita às possessões portuguezas da costa occidental d'África, vol. II. Porto: Tipographia da Revista, 1850, p. 108-109. Destaque nosso. Sobre a viagem do médico alemão e sua relação com a expedição do cônsul português em Hamburgo, ver: WISSENBACH, Maria Cristina C. As feitorias de urzela e o comércio de escravos: Georg Tams, José Ribeiro dos Santos e os negócios da África centro-ocidental na década de 1840. Afro-Ásia, 43, 2011, p. 43-89.
  • 50
    BROADHEAD, Susan. Trade and politics on the Congo coast, 1770-1870. PhD thesis, Boston University Graduate School, 1971, p. 51.
  • 51
    HERLIN, Susan. Brazil and the commercialization of Kongo, 1840-1870, op. cit., p. 263-264.
  • 52
    Cf. MARTIN, Phyllis M. The external trade of the Loango coast, op. cit., p. 122-123.
  • 53
    CURTIN, Philip & VANSINA, Jan. Sources of the nineteenth century slave trade. Journal of African History, 5, 2, 1964, p. 199.
  • 54
    VANSINA, Jan. Long distance trade routes in central Africa. Journal of African History, III, 1962, p. 375-90.
  • 55
    VOS, Jelmer. "Without the slave trade, no recruitment". From the slave trade to migrant recruitment in the Lower Congo, 1830-1890, op. cit., pos. 752.
  • 56
    RODRIGUES, José Honório. Brasil e África: outro horizonte, 192. Excerto retirado de NABUCO, Joaquim. Um estadista do Império. Nabuco de Araújo, sua vida, suas opiniões, sua época, t. 1. 2ª. ed. São Paulo: Cia Editora Nacional, [1897], p. 166.
  • 57
    Correspondência dos governadores de Angola. Mss, 1840. Exame que se procedeo nas fazendas e mais gêneros existentes nas barracas de Ambriz. Ambriz, 6 de novembro de 1840. Arquivo Histórico Ultramarino (doravante AHU), pasta 4, oficio 165, doc. 4.
  • 58
    As ações de muitos desses negreiros, suas estratégias e a configuração das redes de seus negócios têm sido objeto de vários estudos, a começar pelo estudo já mencionado de Mary Karash realizado ainda na década de 1960: KARASH, Mary. The Brazilian slavers and the illegal slave trade 1836 – 1851, 1967, op. cit.; e, posteriormente: ELTIS, David. Economic growth and the ending of the slave trade. Oxford: Oxford University Press, 1987; FERREIRA, Roquinaldo. Dos sertões ao Atlântico: tráfico ilegal de escravos e comércio lícito em Angola, 1830-1860. Dissertação de mestrado, UFRJ, 1996; RODRIGUES, Jaime. O infame comércio. Propostas e experiências no final do tráfico de africanos para o Brasil (1800-1850). Campinas: Editora da Unicamp; Cecult, 2000; PIRES, Ana Flávia Cicchelli. Tráfico ilegal de escravos: os caminhos que levam a Cabinda. Dissertação de mestrado, UFF / Niterói, 2006. Mais recentemente, cita-se o conjunto de estudos que se debruçou sobre a nova edição do TSTD- 2010, reunidos em: ELTIS, David & RICHARDSON, David (eds.). Extending the frontiers. Essays on the new Transatlantic Slave Trade Database. New Haven; Londres: Yale University Press, 2008; notadamente: FERREIRA, Roquinaldo. The suppression of the slave trade and slave departures from Angola, 1830s-1860s. In: ELTIS, David & RICHARDSON, David (eds.). Extending the frontiers: Essays on the new Transatlantic Slave Trade Database. New Haven: Yale University Press, 2008, p. 313-334.
  • 59
    BEZERRA, Nielson Rosa. Mosaicos da escravidão: identidades africanas e conexões atlânticas do recôncavo da Guanabara (1780-1840). Tese de doutorado, Niterói, UFF, 2010.
  • 60
    A mesma relação de negreiros que agiam nas duas costas pode ser encontrada nas diferentes obras de José Capela, notadamente. CAPELA, José. Dicionário de negreiros em Moçambique (1790- 1860). Porto: Edições Eletrônicas do Ceaup, s/d; Idem. Conde de Ferreira e Cia. Traficantes de escravos. Porto: Afrontamento, 2012.
  • 61
    ELTIS, David. African and European relations in the last century of the transatlantic slave trade, op. cit.
  • 62
    VOS, Jelmer. "Without the slave trade, no recruitment". From the slave trade to migrant recruitment in the Lower Congo, 1830-1890, op. cit., pos. 752.
  • 63
    VOS, Jelmer, op. cit., pos. 779.
  • 64
    Ver sobretudo os trabalhos de: COOPER, Frederick. Condições análogas à escravidão: imperialismo e ideologia da mão-de-obra livre na África. In: COOPER, Frederick; HOLT, Thomas C; SCOTT, Rebecca. Além da escravidão. Investigações sobre raça, trabalho e cidadania em sociedades pós-emancipação. Tradução. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p. 201-270. LOVEJOY, Paul. A escravidão na África. Uma história de suas transformações. Tradução. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
  • 65
    MONTEIRO, Joachim John. Angola and the river Congo, vol. 2, op. cit., p. 258. Tradução nossa.
  • 66
    VEIGA PINTO, Latour de. Le Portugal et le Congo an XIXe siècle. Paris: Presses Universitaires de France, 1972, p. 115-122.
  • 67
    VELLUT, Jean-Luc. L'economie internationale des côtes de Guinée Inferieur au XIX siècle, op. cit., p. 137; sobre o sistema de engagées e de indentured servants no Caribe e sobre as movimentações da firma de M. Régis, seus navios e carregamentos em homens, mulheres e crianças, ver: VOS, Jelmer. "Without the slave trade, no recruitment". From the slave trade to migrant recruitment in the Lower Congo, 1830-1890, op. cit. Sobre o mesmo tema, nas plantações das colônias francesas do oceano Índico, sobretudo Reunião e Mauricia, ver: GAMITTO, A. C. P. Escravidão na África Oriental. Archivo Pittoresco, 1, 1856, p. 369-72.
  • 68
    VOS, Jelmer. "Without the slave trade, no recruitment". From the slave trade to migrant recruitment in the Lower Congo, 1830-1890, op. cit.
  • 69
    A ilustração pode ser visualizada em: Enslaved African sold to French, 1858 (legenda original: A French free emigrant on his way to the barracoon of M. Régis). Image reference PRO-4. In: HANDLER, Jerome & TUITE, Michel (eds.). Slavery Images Data Base. Virginia Foundation for the Humanities, University of Virginia Library. E também no texto de VOS, Jelmer. Kongo, North America and the slave trade. In: COOKSEY SUSAN; POYNOR, Robin; VANHEE, Hein (eds.). Kongo across the waters. Gainsville: University Press Florida, 2014, p. 47.
  • 70
    VANHEE, Hein & VOS, Jelmer. Kongo in the age of empire, op. cit., p. 79. Tradução nossa.
  • 71
    VELLUT, Jean Luc. Diversification de l'économie de cueillette: miel et cire dans les sociétes de la forêt claire d´Afrique centrale (c. 1750-01950). African Economic History, 7, 1979, p. 93-112. Sobre a extração de mel, ver também HENRIQUES, Isabel de Castro. Percursos da modernidade em Angola. Dinâmicas comerciais e transformações sociais no século XIX. Lisboa: IICT, 1997, p. 303-308.
  • 72
    Entre outros: MARQUES, João Pedro. A ocupação de Ambriz (1855): geografia e diplomacia de uma derrota inglesa. Africana Studia, 9, 2006, p. 145-158. ALEXANDRE, Valentim. A questão colonial no Portugal oitocentista. In: DIAS, Jill & ALEXANDRE, Valentim (orgs.). O império africano, 1825-1890. Lisboa: Editorial Estampa, 1998. Sobre as relações entre Grã-Bretanha e Portugal nas disputas de territórios, ver: ANSTEY, R. Britain and the Congo in the nineteenth century. Oxford: Claredon Press, 1962.
  • 73
    ALEXANDRE, Valentim. A questão colonial no Portugal oitocentista, op. cit., 1998.
  • 74
    Ocupação iniciada em 1853 e efetivada em 1855, com a expedição sob o comando de José Rodrigues Coelho do Amaral e a submissão de d. Garcia, rei de Ambriz, depois das batalhas de Quimbala e Quimbanza. Sobre a ocupação, ver: Arquivo de Angola, 2ª série, XII, 1955, volume inteiramente dedicado à conquista de Ambriz.
  • 75
    Os argumentos encontram-se explicitados em dois fascículos: o primeiro de autoria do visconde de Santarém e o segundo do marquês e depois visconde de Sá da Bandeira (citado na nota 9), publicados no mesmo ano de 1855. FIGUEIREDO, Bernardo de Sá N. de (visconde de Sá da Bandeira), Factos e considerações relativas aos direitos de Portugal sobre os territórios de Molembo, Cabinda e Ambriz e mais logares na costa occidental d´Africa. Lisboa: Imprensa Nacional, 1855; SANTARÉM, Manuel Francisco de Barros, 2º visconde de. Demonstração dos direitos que tem a coroa de Portugal sobre os territórios situados na costa occidental d'Africa entre o 5º grau e 12'' e o 8º de latitude meridional e por conseguinte aos territórios de Molembo, Cabinda e Ambriz. Lisboa: Imprensa Nacional, 1855. Sobre a questão, consultese também HENRIQUES, Isabel de Castro, Percursos da modernidade em Angola, op. cit., p. 34-35.
  • 76
    O tratado e seus termos podem ser localizados na coletânea de BRÁSIO, Antonio. Angola: 1596-1967. Spiritana Monumenta Histórica. Pittsburgh: Duquesne University Press, 1966-1971, p. 23-24 (Série africana). A cópia da carta do rei do Congo, e as condições da concessão podem ser consultadas em: Cópia, Carta do rei do Congo, Henrique II, a d. Pedro V. AHU, ACL SEMUDGU, Angola, 1855-1856, pasta 22-A, 621.
  • 77
    O evento foi noticiado não só nos jornais de Lisboa, como no relato de Alfredo Sarmento que desfrutava da amizade de d. Nicolau. SARMENTO, Alfredo. Os sertões d´Africa (Apontamentos de viagem). Lisboa: editor Francisco Arthur da Silva, 1881. Sobre a figura do príncipe Nicolau, seus escritos em jornais de Lisboa e sua posição contrária à maneira pela qual Portugal considerava o Congo, e também sobre seu assassinato: WHEELER, Douglas. Nineteenth-century African protest in Angola: Prince Nicolau of Kongo (1830-1860). African Historical Studies, 1, 1, 1968, p. 40-59; BONTICK, F. Notes complementaires sur dom Nicolau Agua Rosada e Sardonia. African Historical Studies, 2, 1, 1969, p. 101-119.
  • 78
    Sinopse dos autos de vassalagem assinados pelos régulos do Zaire e outros potentados da Província de Angola, 1854-1858. AHU, AC, SEMU- DGU, Angola, 1855-1856, pasta 22-A, 621.
  • 79
    79 DIAS JILL, Angola, op. cit., p. 498; sobre os tratados feitos na época pelos ingleses: ANSTEY, R. Britain and the Congo in the 19th Century, op. cit.
  • 80
    Vários desses tratados e detalhes sobre o seu teor e a maneira pela qual foram assinados podem ser localizados em: Correspondência da Estação Naval de Angola em Rio Zaire; Autos de obediência de diversos régulos da Província de Angola. AHU, ACL, SEMU-DGU, Angola, 1856, pasta 22, 621.
  • 81
    Correspondência da Estação Naval de Angola em Rio Zaire. Tratado de comércio e vassalagem assinado em Porta da Lenha, em 26 de novembro de 1855, a bordo do brigue Vila Flor, no rio Zaire. AHU, ACL, SEMU-DGU, pasta 22, 621.
  • 82
    82 Oficios confidenciais da Estação Naval de Angola. Reunidos no brigue Corimba, em Ponta Banana, o rei Nemblau e o príncipe Mamputo (...). AHU, ACL SEMU-DGU, Angola, 1855-1856, pasta 22-A, 621.
  • 83
    MONTEIRO, Joachim John. Angola and the river Congo, vol. I, op. cit., p. 89-90.
  • 84
    MONTEIRO, Joachim John. Angola and the river Congo, vol. I, op. cit., p. 150-151.
  • 85
    Sobre a relação entre portugueses e africanos em torno das riquezas minerais (sobretudo cobre e ferro) ver: SILVA, Juliana Ribeiro da. Homens de ferro – os ferreiros na África central no século XIX. São Paulo: Alameda Editorial, 2011. Também o inventário datado dos inícios do século XIX sobre a localização dos depósitos: GAMA, Antônio Saldanha da. Memória sobre as colônias de Portugal, situadas na costa ocidental da África. Paris: Typographia de Casimir, 1836, p. 82-86.
  • 86
    Correspondência do Governo Geral. Cópia nº 1806 da carta de sua majestade o rei de Portugal ao rei católico do Congo. AHU, ACL, SEMU- DGU, Angola, pasta 22, 621.
  • 87
    SARMENTO, Alfredo. Os sertões d´Africa (Apontamentos de viagem), op. cit., 1881, p. 40-41.
  • 88
    Relatório sobre as minas de Bembe feito por John Tonkin ao senhor Augusto Garrido agente dos senhores Pinto Peres e Cia, e do senhor Francisco Antônio Flores. 30 de abril de 1857. Tradução. AHU, ACL, SEMU-DGU, pasta 23-1, Angola, 1857.
  • 89
    DIAS, Jill. Angola, op. cit., p. 427.
  • 90
    CAPELA, José & SANTOS, Maciel dos. O financiamento do liberalismo português pelo capital do tráfico de escravos. in: CEAUP. Trabalho forçado africano, articulações com o poder político. Porto: Campo das Letras, s/d, p. 135-167. Outros mercadores como Manuel Pinto da Fonseca e Arsênio Pompeu Pompilio do Carpo servem para explicitar esse mesmo movimento e de alguma forma relativizar a questão da transição dos negócios ilícitos do tráfico ao do comércio dos produtos legítimos. Remeto essa discussão ao artigo: WISSENBACH, Maria Cristina C. As feitorias de urzela e o comércio de escravos, op. cit., p. 43-89. Sua atuação no comércio de escravos encontra-se detalhada na obra de KARASH, Mary. The Brazilian slavers and the illegal slave trade 1836 – 1851, op. cit., p. 18-19.
  • 91
    Auto de declaração e ajuste de preço por que devem ser pagos os indígenas que trabalharão na exploração das minas de cobre feito com dom Pedro Jaime a Canga e outros. Bembe, 20/11/1856. AHU, ACL, SEMU-DGU, Angola 1855-1856, pasta 22-A, 622.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Jan-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    03 Set 2014
  • Aceito
    17 Dez 2014
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