Acessibilidade / Reportar erro

A CRÔNICA HUSSITA DE VAVŘINEC Z BŘEZOVÉ E SUA AUTOIMAGEM NACIONALISTA TCHECA

LAWRENCE OF BREZOVA'S HUSSITE CHRONICLE AND ITS CZECH NATIONALIST SELF-IMAGE

Resumo

Neste artigo, recuperamos uma crônica escrita na Boêmia do início do século XV intitulada Husitská kronika (em tcheco ou Crônica hussita em português) por Vavřinec z Březové (Lourenço de Brezová), mestre em artes pela Universidade de Praga. Neste texto, o autor narra os eventos que vão da aceitação da comunhão em duas espécies às primeiras batalhas das Guerras Hussitas, de 1414 a 1421. Dada a ausência de materiais a respeito deste documento em língua portuguesa, neste artigo reconstruiremos os rastros biográficos de seu autor e faremos um mapeamento da crônica a partir de duas versões em tcheco publicadas na segunda metade do século XX. Na sequência, como primeira entrada no texto, faremos um apanhado da autoimagem nacionalista que o autor ajuda a construir a partir da associação entre ser um tcheco verdadeiro e ser um verdadeiro fiel.

Palavras-chave:
Husitská kronika; século XV; Boêmia

Abstract

In this paper, we recover an early fifteenth century Bohemian chronicle entitled Husitská kronika (in Czech or Hussite chronicle in English) written by Vavřinec z Březové (Lawrence of Brezova), master of arts from the University of Prague. In that document, the author describes the events ranging from the acceptance of communion in both kinds to the first battles of the Hussite Wars, 1414-1421. Given the absence of material regarding this document in Portuguese, this article will reconstruct the biographical traces of its author and map the chronicle from two versions published in Czech in the second half of the twentieth century. Further, as a first approach to the text, we will make an overview of the nationalist self-image that the author helps build from the association between being a true Czech and a true believer.

Keywords:
Husitská kronika; fifteenth century; Bohemia

Introdução

Na Boêmia da primeira metade do século XV, o embate tradicionalmente conhecido como Guerras Hussitas marcou o espaço das disputas religiosas e políticas nesse reino do Sacro Império Romano. O imperador Venceslau IV (Václav IV) estava morto enquanto seu irmão Sigismundo (Zikmund Lucemburský) buscava se estabelecer no poder nessa região. Passado o Concílio de Constança (1414-1418) e resolvido o Cisma Papal, era hora de extirpar a heresia hussita das terras tchecas. Martinho V, o novo papa, com apoio de Sigismundo, envia exércitos de cruzados para a batalha contra os taboritas, guerreiros tchecos com amplo fervor religioso. Liderados por Jan Žižka, apesar de estarem em menor número, os taboritas vencem cinco diferentes incursões do inimigo.1 1 Para uma descrição das cruzadas, ver FUDGE, Thomas. More glory than blood: murder and martyrdom in the hussite crusades. The Bohemian Reformation and Religious Practice, v. 5 (parte 1), 2004, p. 117-137. Os tchecos são mais fortes, Sigismundo, o "raposa vermelha", continua rejeitado em Praga e o reino dos céus está prestes a se instaurar na Terra.

Esta, pelo menos, é a visão daqueles que estão "no calor da batalha", no meio dos acontecimentos e, claro, do lado dos tchecos. Especialmente os taboritas. Era deles que vinha a força militar dos hussitas. Inspirados tanto pelas ações e escritos do clérigo e educador Jan Hus quanto pelas ideias e sentimentos de um milenarismo religioso, os fundadores da cidade de Tábor procuraram criar uma espécie de utopia religiosa.2 2 THOMSON, S. Harrison. The Czechoslovaks to 1620. In: KERNER, Robert (ed.). Czecholosvakia. Berkeley; Los Angeles: University of California Press, 1945, p. 19.

O estopim do conflito militar ocorreu em 1419 após membros da prefeitura de Nové Město serem arremessados pela janela por um grupo de hussitas e mortos em seguida, evento conhecido como a Primeira Defenestração de Praga. Vale relembrar aqui que, no século XV, a capital do Reino da Boêmia era dividida administrativamente em quatro cidades e dois castelos. A partir da margem esquerda do Vltava, sobre a colina de Hradčany, o castelo de Praga observa o lendário Vyšehrad, na margem direita do rio, local da fundação mítica de Praga. Um praguense que saísse do primeiro castelo em direção ao segundo passaria por parte da cidade de Hradčany, atravessaria Malá Strana (Lado Pequeno) ao descer a colina e, após atravessar o rio pela ponte de Carlos, passaria pelas cidades de Staré Město (Cidade Velha) e Nové Město (Cidade Nova), chegando, enfim, a Vyšehrad.

Na sequência desse evento, a morte do rei Václav, "atacado por apoplexia num momento de agitação", veio a inflamar mais ainda as convicções dos taboritas, que viram nesse acontecimento a "anunciação do advento do 'reino divino'".3 3 KAVKA, František. Checoslovaquia evolución histórica. Praga: Orbis, 1961, p. 50. Tradução nossa.

A base ideológica que está na origem do nascimento de Tábor consistia na fé quiliástica a qual pregava a vinda, antes do fim do mundo, de Jesus Cristo para reinar durante mil anos. No decorrer da primeira vaga desta quimera, apareceram ideias que defendiam a necessidade de suprimir a ordem existente plena de injustiças. Nesse reino de Cristo não deveria haver pobres, nem oprimidos, nem reis, nem dominadores de qualquer espécie; não se pagariam dízimos, foros ou outros impostos. A impaciência com que aguardavam essa era fazia nascerem ideias que hoje seriam apelidadas de fantásticas: ia-se ao ponto de acreditar que as mulheres dariam à luz sem dor.4 4 KEJŘ, Jiří. Os hussitas. Tradução de Pedro Monteiro. Praga: Orbis, 1988, p. 70.

Uma autoimagem nacionalista, milenarista e otimista pode ser encontrada também nos textos dos cronistas que recontam as guerras enquanto os taboritas ainda são vitoriosos. Jan Žižka, líder do exército de Tábor e símbolo da força dos hussitas, era amado por seus comandados e temido por seus inimigos. Sua fama era grande, visto que, "de acordo com os implacáveis da causa hussita, ele era invencível e apenas Deus poderia matar o inveterado inimigo da religião oficial".5 5 FUDGE, Thomas. More glory than blood: murder and martyrdom in the hussite crusades, op. cit., p. 546. Tradução nossa.

Momentaneamente unidos por uma mesma causa comum - resistir aos ataques dos cruzados - os seguidores de Hus, no entanto, dividiam-se em dois principais grupos. Um deles, os utraquistas (nome derivado da expressão latina sub utraque specie, "sob duas espécies"), era de tendência moderada, mais aberto ao diálogo com católicos conservadores e composto principalmente pelos habitantes de Praga (o que faz com que este grupo seja conhecido também por praguenses). Já o outro era formado pelos já mencionados taboritas, grupo de tendência mais radical e sediado em Tábor, um acampamento militar do sul da Boêmia que, em 1420, tornou-se uma cidade permanente.

O movimento hussita pode ser considerado como um centro de gravidade que atraía pessoas das mais diversas classes sociais, movidos pelos mais diversificados interesses e motivações. Sua origem está em parte relacionada com questões teológicas amplamente debatidas nas universidades da época. Uma delas tratava-se da polêmica da comunhão sob ambas as espécies, isto é, a prática de oferecer não só o pão, mas também o vinho eucarístico a todos os fieis, e não só aos membros do clero, como era praticado tradicionalmente na Igreja. Assim, munido de grande força simbólica e metafórica, o cálice (do vinho) foi adotado e difundido como um dos maiores símbolos do hussitismo.

Olhar para o momento das Guerras Hussitas é ver o ponto de vista dos vencidos quando eles ainda eram vencedores.6 6 Žižka morre em 1424. O novo líder, Prokop Holý, também é bem sucedido nas batalhas seguintes. A batalha de Domažlice (1431) ficou famosa por ter sido narrada no poema Píseň o vítězství u Domažlic (Canção sobre a vitória em Domažlice) de Vavřinec z Březové. Como sabemos, o exército taborita é derrotado na batalha de Lipany, em 1434, pelo exército imperial e pelo grupo utraquista, que mudara de lado em função do apoio recebido no Concílio de Basileia (1431). O imperador Sigismundo finalmente consegue instaurar seu poder na Boêmia, embora morra poucos anos depois, em 1437.

Para observarmos a autoimagem construída pelos tchecos enquanto ainda venciam, fizemos uma entrada em um documento escrito na primeira metade do século XV, não antes de 1414 nem depois de 1444, posteriormente intitulado Husitská kronika. Escrito por Vavřinec z Brezové, esta crônica narra eventos que vão do Concílio de Constança até uma das primeiras batalhas das Guerras Hussitas, período no qual os tchecos ainda são vitoriosos. A crônica, contudo, termina, como veremos, em 1421, muitos anos antes da derrota taborita e pelo menos três anos antes da morte de Žižka.

Referências à crônica e a seu autor no Brasil são nulas, salvo melhor juízo. Não encontramos, até o momento, nenhuma publicação a respeito. Em periódicos internacionais em língua inglesa, pouca coisa encontramos. Em geral, apenas referências marginais em textos sobre o período. A maior parte do material existente encontra-se em tcheco e em alemão, sendo que os estudos publicados juntamente à crônica em edições atuais em tcheco fazem um bom levantamento da produção histórica a respeito.

Dada a ausência de materiais sobre Vavřinec z Březové em língua portuguesa e o acesso restrito à crônica, este artigo dedica-se a retomar os estudos sobre o autor, apresentar um mapeamento do documento e fazer uma primeira inserção temática de análise do texto. Das inúmeras leituras que o documento permite, escolhemos observar o modo como o autor da crônica constrói e expressa uma (auto)imagem nacionalista dos tchecos. Escolhemos este tema em função de nossas preocupações atuais de pesquisa sobre o período.

Com relação ao uso do termo nacionalismo, neste artigo trabalhamos as possibilidades e limitações de sua aplicação ao contexto tcheco do século XV. Apoiamo-nos no trabalho de Seltzer7 7 SEZLTER, Joel Daniel. Framing faith, forging a nation: Czech vernacular historiography and the Bohemian reformation, 1430-1530. 309 f. Tese de doutorado em Filosofia, Faculty of the Graduate School, Yale University, Yale, EUA, 2005. para fazermos uso desse termo. Entendemos, em diálogo com este autor, que a aplicação do termo "nacionalismo" às épocas pré-modernas pode ser controverso. Isso porque a historiografia tende a identificar as nações com o advento da Idade Moderna - e não antes do século XVI - momento a partir do qual o desenvolvimento tecnológico, a multiplicação dos contatos interpessoais e mudanças institucionais aceleraram-se de forma tão marcada que foi possível e necessário aos indivíduos a imaginação de comunidades e identidades territoriais mais amplas do que aquelas nas quais circulavam diariamente.

Seltzer aponta que esse tipo de argumento embasa as reflexões de Benedict Anderson8 8 ANDERSON, Benedict. Imagined communities: Reflections on the origin and spread of nationalism. Londres: Verso Books, 1983. e Ernest Gellner,9 9 GELLNER, Ernst. Nations and nationalism. Oxford: Blackwell Publishing, 2006. duas importantes referências para o uso do termo nacionalismo. Para Anderson, o advento do print capitalism (capitalismo de impressão) seria condição fundamental, cumprida no século XIX, para a formação das nações, pois, por meio dele, a literatura de massa e a mídia conseguiriam efetivamente conectar pessoas desconhecidas entre si, tornando evidente a elas seus interesses em comum e, assim, fomentando nelas a formação dessas "comunidades imaginadas", territorialmente muito mais vastas que as locais. Já para Gellner, a secularização e expansão da educação, o enfraquecimento da classe nobre e o desenvolvimento da sociedade de massas, características do século XIX, estão na origem do nacionalismo.

É por esse motivo que muitos historiadores tendem a evitar o uso dos termos nação e derivados relacionados às épocas pré-modernas. Em vez disso, preferem termos como impérios, cidades-estado, reinos, tribos, famílias ou clãs, sendo esses apenas alguns exemplos. No entanto, outro grupo de estudiosos sentiu a necessidade de adaptar os termos nação e nacionalismo ao se depararem com manifestações de sentimento nacionalista e xenofóbicos pré-modernas muito semelhantes àqueles encontrados nas nações das épocas modernas e contemporâneas.

Contestando algumas das teses "modernistas" exemplificadas acima, os "medievalistas" defendem que os termos derivados de "nação" podem ser usados, no mínimo, a partir da Baixa Idade Média. Conforme Susan Reynolds, nos séculos após o X, em muitos locais, a área da lealdade de uma realeza coincidia com uma suposta linguagem comum. "Reinos e povos acabavam por parecer idênticos - não invariavelmente, mas suficientemente frequente para a coincidência entre os dois parecer a norma para os contemporâneos".10 10 REYNOLDS, Susan. apud SEZLTER, Joel Daniel. Framing faith, forging a nation: Czech vernacular historiography and the Bohemian reformation, 1430-1530. 309 f. Tese de doutorado em Filosofia, Faculty of the Graduate School, Yale University, Yale, EUA, 2005, p. 221.

No caso do Reino da Boêmia, Seltzer (assim como Scales11 11 SCALES, Leonard. At the margin of community: Germans in Pre-Hussite Bohemia. Transactions of the Royal Historical Society, v. 9, 1999, p. 327 - 352. ) mostra como alemães e tchecos buscavam demarcar-se no convívio secular, gerando ocasiões antagônicas e por vezes xenofóbicas. No entanto, um dos argumentos mais frequentemente mobilizados por esse grupo de autores, por fornecer marcas da autoimagem coletiva por meio de seus atores, é a recorrência, em crônicas da época, dos termos latinos natio, gens/populus e linguagium usados como sinônimos. Não só em latim, mas em tcheco arcaico também. De acordo com Seltzer,

Jazyk em tcheco moderno significa idioma ou língua, o que também significava em tcheco arcaico. Mas, pelo menos desde o início do século XIV, jazyk também se referia a todas as pessoas que falavam um idioma e tinham um território em comum. A expressão moderna para "nação", národ, algumas vezes significando também "raça" ou "povo", é semanticamente muito próxima ao natio latino, derivando, como essa última expressão faz, do verbo narodit, "nascer". (...) Národ e jazyk são algumas vezes usados como sinônimos a partir do século XV (...).12 12 SEZLTER, Joel Daniel. Framing faith, forging a nation: Czech vernacular historiography and the Bohemian reformation, 1430-1530, op. cit., 2005, p. 228-229.

Mais do que uma identificação cultural, essa coincidência semântica pode expressar a conexão entre cronistas e seus contemporâneos, desconhecidos, mas que compartilhavam o mesmo idioma, numa expressão semelhante às nações modernas de Anderson e Gellner. Mas, como ressalva, lembramos que não são idênticas.

Por fim, poderíamos recorrer à expressão de Hobsbawm ao tratar de certo "protonacionalismo popular" que, apesar de em certos casos possuir elementos semelhantes ao do nacionalismo moderno, não poderia ser a ele diretamente ligado visto que "não (...) [teve] nenhuma relação 'necessária' com a unidade da organização política territorial que é o critério crucial daquilo que entendemos hoje por 'nação'".13 13 HOBSBAWM, Eric J. Nações e nacionalismo desde 1780. São Paulo / Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1991, p. 64. O historiador inglês dedica um capítulo inteiro de seu livro para mostrar de que forma os laços de "protonacionalismo" - sentimentos de identidade religiosa, linguística ou étnica - apesar de serem matérias-primas fundamentais para a produção da "comunidade imaginada" (nos termos de Benedict Anderson) sob um Estado nacional, não são, por si sós, capazes de fazer com que as pessoas sintam a necessidade de ampliar os limites de sua identidade para além das "comunidades reais", nas quais circulam diariamente.

No entanto, a utilização da expressão "protonacionalismo" para a Boêmia do século XV deveria ser feita com cautela. A despeito das bases teológicas das argumentações dos primeiros hussitas e dos conflitos que, inicialmente, pareciam estar restritos à hierarquia eclesiástica e aos intelectuais da Universidade de Praga, o movimento acabou por se articular com identidades tchecas de caráter étnico (discrepância entre germânicos e tchecos do Sacro Império), linguístico (total disparidade entre as línguas tcheca, alemã e latina) e histórico (mitos originários). Essa identificação promoveu uma comoção generalizada no Reino e unificou sob um mesmo mote e num mesmo território, tchecos de diversas origens sociais.

Até mesmo historiador inglês é cauteloso quando se refere aos hussitas:

Sob certas circunstâncias, esses movimentos [populares autônomos de defesa nacional contra invasores estrangeiros] podem ter criado a base de um patriotismo popular nacional amplo, como na Boêmia hussita - a ideologia hussita original não era nacionalista-tcheca - ou nas fronteiras militares dos Estados cristãos, no meio do campesinato armado e deixado relativamente livre para esse objetivo.14 14 HOBSBAWM, Eric J. Nações e nacionalismo desde 1780, op. cit., 1991, p. 89, grifos nossos.

Mesmo, portanto, quando dialogamos com o "protonacionlismo" de Hobsbawn, considerando-o em oposição ao termo "nacionalismo", entendemos que as circunstâncias nas quais o movimento hussita se estabeleceu permite-nos utilizar este último termo em concordância com a argumentação de Seltzer.

Ademais, tratamos mais detalhadamente de uma identidade nacional tcheca no século XV em outra ocasião, na qual desenvolvemos a relação desta com as instituições e práticas educacionais que se estabeleciam no período.15 15 AGUIAR, Thiago Borges de & SILVA, Davi Costa da. Identidade nacional na Boêmia do século XV e a formação de uma "paideia" tcheca. Educação e Pesquisa - Revista da Faculdade de Educação da USP, v. 41, 2015, p. 309-324. Neste artigo, direcionamos nosso olhar para a crônica hussita de Vavřinec.

Vavřinec z Březové

Comecemos por seu nome. Em nossa pesquisa bibliográfica, encontramos diversas versões para o tcheco Vavřinec z Březové. Em latim, temos Laurencium, normalmente associado à versão tcheca arcaica do nome de sua cidade natal: Brzezová. Nas publicações históricas contemporâneas, vimos a versão inglesa Lawrence of Brezova e a alemã Lorenz von Brösau. Em português, caso optássemos por uma tradução de seu nome, poderíamos chamá-lo de Lourenço de Brezová.

Não é possível encontrar nas fontes originais informações precisas sobre data e local de nascimento de Vavřinec z Březové. No entanto, pode-se atribuir os anos de 1370 ou 1371 como os mais prováveis para seu nascimento. Isso se deve ao fato de que uma bula do papa Bonifácio IX, de março de 1391, ao conceder privilégios a Vavřinec z Březové, informa que o beneficiário tinha na época vinte anos.16 16 BLÁHOVÁ, Marie. M. Vavřinec z Březové a jeho dílo. In: VAVŘINEC Z BŘEZOVÉ. Husitská kronika & Píseň o vítězství u Domažlic. Ed.: František Heřmanský. Edição ilustrada. Praga: Svoboda, 1979, p. 380. Como local de nascimento, a historiografia tende a indicar como sendo Březová u Kutné Hory, atualmente uma pequena vila localizada a aproximadamente 80 km a sudoeste de Praga.

Aparentemente, Vavřinec z Březové veio de uma família da baixa nobreza feudal. Seu pai, Václav z Březové, era um "zeman empobrecido".17 17 "Jako syn chudšího zemana (...)". HEŘMANSKÝ, František. O Vavřincovi z Březové. In: VAVŘINEC Z BŘEZOVÉ. Husitská kronika. Ed.: František Heřmanský. Edição ilustrada. Praga: Státní nakladatelství krásné literatury, hudby a umění, 1954, p. 342. Dentro da hierarquia feudal praticada entre alguns povos eslavos, zeman era o título mais baixo. Equivalente é o termo inglês gentry. As primeiras informações mais seguras sobre a trajetória do cronista tcheco remontam ao ano de 1390, quando Vavřinec z Březové consegue o título de bacharel em Artes pela Universidade de Praga. Três anos depois, torna-se mestre.

Economicamente, Vavřinec z Březové pôde se manter devido aos benefícios eclesiásticos provenientes de paróquias das quais era responsável e de cargos eclesiásticos. Em 1391, por meio da bula papal referida acima, é concedida ao então bacharel a permissão de montar paróquia na cidade de Louny.18 18 HEŘSMANSKÝ, František. O Vavřincovi z Březové, op. cit., p. 342 e BLÁHOVÁ, Marie. M. Vavřinec z Březové a jeho dílo, op. cit., p. 305 afirmam que a permissão papal foi conseguida por intermédio da rainha Žofie. Vavřinec z Březové tinha acesso à corte de Václav IV, tendo, inclusive, se tornado funcionário real. Outro privilégio eclesiástico de Vavřinec z Březové proveio de uma segunda paróquia em seu nome, agora na cidade de Běchary u Libáně, conseguida seis anos após a primeira.

Fontes ainda registram outros tipos de benefícios eclesiásticos recebidos pelo cronista tcheco, provenientes de diferentes cargos. No entanto, em nenhuma delas consta uma atividade efetiva, uma promoção ou ordenação ao cargo de padre ou clérigo. Na verdade, é muito provável que Vavřinec z Březové não tenha se dedicado à carreira espiritual e nunca tenha deixado por longos períodos a cidade de Praga: é possível identificá-lo como proprietário de três casas em Staré Město (uma entre 1402 e 1403, outra em 1406 e a terceira em 1427) e uma em Nové Město (final da década de 1420). Vavřinec z Březové provavelmente delegou a um representante a administração das paróquias, usufruindo, assim, das rendas por elas providas. "Essas eram coisas costumeiras naquele tempo, embora não condizentes com os cânones da Igreja, o que significa que nem Vavřinec z Březové era uma exceção."19 19 BLÁHOVÁ, Marie. M. Vavřinec z Březové a jeho dílo, op. cit., p. 305.

A bibliografia frequentemente afirma que Vavřinec z Březové foi funcionário da prefeitura de Nové Město. No entanto, não é possível saber exatamente qual a posição que o cronista ocupou. Alguns historiadores, dentre os quais se destaca Jaroslav Goll, afirmam que Vavřinec z Březové tinha uma posição de destaque na prefeitura, ocupando cargos como cancelário ou protonotário. Isso se deve muito, em parte, a informações presentes em alguns manuscritos.20 20 Por exemplo, o manuscrito de Copenhagem apresenta o texto (incompleto) de Husitská kroniká informando que foi escrito por "Laurencii Byzynii (Brezyny), cancellarii Novae urbis Prag. (...)", ou seja, Vavřinec z Březové, cancelário da Cidade Nova de Praga. HEŘMANSKÝ, František. O Vavřincovi z Březové, op. cit., p. 344. No entanto, a historiadora tcheca Marie Bláhová toma certo cuidado ao lidar com essa informação, pois tais documentos são "fontes mais recentes e nem sempre confiáveis".21 21 BLÁHOVÁ, Marie. M. Vavřinec z Březové a jeho dílo, op. cit., p. 307. O mesmo para a citação seguinte. Ela prefere sustentar que o cronista tenha sido provavelmente um dos escribas da prefeitura.

Grande parte da polêmica está relacionada com a existência de documentos oficiais traduzidos do latim por Vavřinec z Březové. Entre eles, destaca-se a tradução dos privilégios de Nové Město. Tal documento foi o centro de uma disputa jurídica após a resolução dos conflitos entre os hussitas e seus opositores em Praga. A origem desses privilégios está relacionada com a fundação de Nové Město, quando o então rei Carlos IV (Karel IV) os concedeu à nova cidade e seu filho e sucessor no trono tcheco, Venceslau IV, confirmou-os. No entanto, o documento foi perdido (provavelmente destruído) durante as Guerras Hussitas. Após o enfraquecimento dos conflitos na cidade de Praga - quando as alas hussitas radicais perdem a batalha de Lipany - Sigismundo assume legalmente o trono tcheco. Acalmada a situação, em 1436, os burgueses de Nové Město começaram a negociar a retomada dos privilégios, ação que se opõe às outras cidades de Praga. O impasse é em grande parte resolvido por causa de Vavřinec z Březové, que depôs como testemunha da existência do antigo documento. É provavelmente devido a esse episódio que os referidos historiadores concedem ao cronista a posição de destaque na prefeitura. No entanto, outros historiadores não acreditam que o cargo tenha sido tão elevado. Preferimos nos alinhar à Bláhová e afirmar com ela que "em todo caso, é certo que ele teve um relacionamento com a prefeitura de Nové Město".

É possível identificar também a atuação de Vavřinec z Březové na corte real. É o que o próprio cronista atesta em algumas de suas obras, nas quais se identifica como auxiliar de Venceslau IV.22 22 Trata-se das suas traduções dos relatos de viagem de Jan Mandeville e da "Crônica do mundo". Confira BLÁHOVÁ, Marie. M. Vavřinec z Březové a jeho dílo, op. cit., p. 382. É possível que seu acesso à corte real tenha se dado por meio de seu patrono e possível parente Jíra z Roztok. Talvez tenha sido por esse motivo que Vavřinec z Březové não tenha se dedicado à carreira espiritual. Apesar do status adquirido com tais ocupações, Bláhová comenta, baseada em suas fontes, que uma pessoa de sua escolaridade poderia encontrar ganhos maiores nas cortes reais.

O cronista pertencia também à comunidade acadêmica. Como mestre da Universidade de Praga, esteve em contato com as grandes correntes de pensamento que por lá circularam na passagem do século XIV ao XV. Pôde observar as disputas sobre os ensinamentos de John Wycliff, as pesadas críticas ao poder secular da Igreja feitas por Jakoubek ze Stříbra e sua defesa, pioneira entre os tchecos, da comunhão sob ambas as espécies, assim como as atuações dos mestres Jerônimo de Praga (Jeroným Pražského) e Jan Hus.23 23 Para Jan Hus, ver AGUIAR, Thiago Borges de. Jan Hus: cartas de um educador e seu legado imortal. São Paulo: Annablume, 2012. Para a morte de Jerônimo de Praga, ver BERNARD, Paul. Jerome of Prague, Austria and the Hussites. Church History, v. 27, n. 1, 1958, p. 3-22.

No quodlibet de Jan Hus, o cronista também esteve presente.24 24 BLAHOVÁ, Marie. M. Vavřinec z Březové a jeho dílo, op. cit., p. 306, afirma ser o quodlibet ocorrido em janeiro de 1411. Desses eventos, conservou-se um registro de Vavřinec z Březové, no qual ele "apresenta Hus como 'amigo do senhor Jíra' (z Roztok) e o relaciona ao filósofo Plutarco".25 25 BLÁHOVÁ, Marie. M. Vavřinec z Březové a jeho dílo, op. cit., p. 306. É possível que o convívio com Jan Hus tenha influenciado o pensamento de Vavřinec z Březové, fazendo-o render grandes elogios ao educador tcheco e levando-o a defender suas ideias em Husitská kronika.

Do ponto de vista de seu posicionamento político, a bibliografia comumente o classifica como um hussita moderado, geralmente utilizando classificações que, a nosso ver, são anacrônicas. Por exemplo, Heřmanský afirma que Vavřinec z Březové foi um "proeminente porta-voz dos hussitas praguenses 'de centro'" e que "certamente não fazia parte da direita".26 26 "význačným mluvčím pražského kališnického 'středu'"; "ovšem nepatřil ke krajní pravici". HEŘMANSKÝ, František. O Vavřincovi z Březové, op. cit., p. 343. Já Heymann afirma que o cronista tcheco, assim como o cronista silésio Peter Eschenloer, tinha sua origem no que pode ser chamado de "straight middle class".27 27 HEYMANN, Frederick. City rebellions in 15th-century Bohemia and their ideological and sociological background. The Slavonic and East European Review, v. 40, n. 95: 324 - 340, 1962, p. 332.

Baseado em certo materialismo histórico, Bláhová explica que o posicionamento político de Vavřinec z Březové se deve à "sua posição social e de classe, (...) [visto que] certamente não pode se deixar influenciar pelos princípios taboritas nem pelos revoltosos pobres de Praga, embora, pelos mesmos motivos, não tenha se colocado contra a revolução".28 28 "M. Vavřinec z Březové se vzhledem k svému apolečenskému postavení a třídnímu zakotvení samozřejmě nemohl dát strhnout radikálními zásadami táborskými ani revolučností pražské chudiny, avšak ze stejných důvodů nemohl stát proti revoluci". BLÁHOVÁ, Marie. M. Vavřinec z Březové a jeho dílo, op. cit., p. 306.

No entanto, não foi por meio da política que Vavřinec z Březové se inseriu na história, mas, sim, a partir de sua atividade literária. Inspirados pela classificação feita por Heřmanský, podemos dividir a obra desse cronista em três grupos.

O primeiro trata-se das suas obras seculares. Seu escrito mais antigo é a versão tcheca de Oneirocriticon, tratado sobre interpretação de sonhos que circulava no período. No texto de Bláhová consta que Oneirocriticon teria sido escrito pelo árabe Achmet ben Sirin.29 29 LAMOREAUX, John. A Byzantine book on dream interpretation: The Oneirocriticon of Achmet and its Arabic sources. Resenha. International Journal of Middle East Studies, v. 36, p. 285-286. No entanto, Lamoreaux conta-nos, baseado em Mabroudi, que a obra faz referências a Achmet, filho de Seirem, que pode possivelmente ser identificado com Muhammad ibn Sirin, "o lendário fundador da tradição muçulmana de interpretação dos sonhos".30 30 "the legendary founder of the Muslim tradition of dream interpretation". LAMOREAUX, John. A Byzantine book on dream interpretation: The Oneirocriticon of Achmet and its Arabic sources. Resenha, op. cit., p. 285. Mavroudi, segundo Lamoreaux, defende que o livro, escrito originalmente em grego em algum momento entre 843 e 1075, é uma importante fonte para se investigar a transmissão de conhecimento entre o mundo árabe e cristão por meio do Império bizantino.

A versão em tcheco arcaico de Vavřinec z Březové, Snář či Kniehy nového vykládanie (O Livro dos sonhos ou Livro da nova interpretação¸ em tcheco arcaico) teria sido traduzido para o rei Venceslau IV a partir da versão latina do texto, Somniarium Slalaidae, traduzido na segunda metade do século XII. O Snář, de Vavřinec z Březové, foi o primeiro livro do gênero em língua tcheca, tornando-se muito popular no início da Idade Moderna, com diversas reimpressões no período.

A esse grupo das traduções de escritos populares também se juntam a tradução do curioso e fantasioso livro de viagens de João de Mandeville, "o livro mais popular da Idade Média após a Bíblia" e sua "Crônica do mundo", obra incompleta na qual pretendia registrar a história do mundo a partir de sua criação e que foi encomendada pelo mordomo real Jan z Eisenberku.31 31 HEŘMANSKÝ, František. O Vavřincovi z Březové, op. cit., p. 343. BLÁHOVÁ, Marie. M. Vavřinec z Březové a jeho dílo, op. cit., p. 308, afirma ser esse livro uma compilação de histórias de viagens originalmente publicada em francês e traduzida para uma série de línguas europeias. Interessante é sua citação de Vavřinec z Březové, na qual ele afirma que o livro foi traduzido "aby i Čechóm to známo bylo, což jest v nich popsáno" (para que seja de conhecimento também aos tchecos o que estáo nele descrito).

No segundo grupo encontram-se as obras de problemática religiosa. São elas: Commentum reverendi Magistri Laurencii de Brzezowa super VII psalmos penitentiales (Comentário sobre os setes salmos penitenciais) e Horae canonicae congestae ad laudem dei per mag. Laurencium de Brzezowa, uma coletânea de horas canônicas. Essas obras mostram que Vavřinec z Březové tinha certo gosto pelas questões teológicas, às quais deve ter se dedicado durante seus estudos na Universidade de Praga.

O terceiro grupo contém duas obras de cunho histórico. Uma delas é Carmen Insignis Corone Bohemie, nome reduzido da composição que posteriormente ficou conhecida como Píseň o vítězství u Domažlic (Canção sobre a vitória em Domažlice), "o maior poema épico do tempo do hussitimo".32 32 HEŘMANSKÝ, František. O Vavřincovi z Březové, op. cit., p. 346. Ele descreve, com seus mais de 1.760 versos, a fuga horrorizada dos exércitos cruzados ao se depararem com os hussitas antes de uma batalha nas proximidades da cidade de Domažlice, no ano de 1431. A segunda obra trata-se de Husitská kronika, sobre a qual comentaremos na sequência.

Outras obras são ainda creditadas a Vavřinec z Březové, embora não sem controvérsias. A tradução tcheca de As viagens de Victor Hugo e alguns poemas satíricos fazem parte deste grupo. Igualmente controversas são as informações sobre a morte do cronista. Uma possibilidade estaria relacionada a um pseudônimo. Vavřinec z Březové poderia ter escrito poemas satíricos contra o rei Sigismundo, assinado-os como Vavřinec z Nymburka. Após a subida desse rei ao trono tcheco, fontes registram que Vavřinec z Nymburka foi formalmente repreendido, mas depois perdoado. No entanto, em 1421, após a conquista da cidade de Beroun, o mesmo Vavřinec z Nymburka acabou sendo mandado à fogueira, o que, portanto, poderia significar o fim de Vavřinec z Březové. No entanto, Bláhová combate essa informação dizendo que após essa data ainda existem registros sobre Vavřinec z Březové. De acordo com a autora, as últimas informações sobre o cronista tcheco datam de 1437, ano no qual teria se aposentado com a provável idade de 67 anos ou morrido logo depois. Heřmanský, por sua vez, absteve-se dessa polêmica, evitando comentar sobre o final da vida de Vavřinec z Březové.

Husitská kronika

A obra mais divulgada e conhecida de Vavřinec z Březové insere-se na história como uma importante fonte para os primórdios dos conflitos que se alastraram pelo Reino da Boêmia no século XV. O autor começa sua crônica no ano de 1414, descrevendo o início da aceitação da comunhão em duas espécies. Prossegue comentando os eventos relacionados ao Concílio de Constança, durante o qual Jan Hus e Jerônimo de Praga são mandados à fogueira, as reações a essas mortes e, na sequência, o início dos conflitos. Descreve a chegada dos taboritas a Praga, que foram ao local prestar auxílio militar aos hussitas dessa cidade. Quando partem de volta a Tábor (1420), Vavřinec z Březové inicia uma digressão na qual comenta as origens dessa ala hussita, expondo sua insatisfação com a radicalização por eles operada.

Prossegue descrevendo cronologicamente os acontecimentos. Apesar de dar muitos detalhes dos eventos ocorridos em 1421, sua crônica termina bruscamente no dia 22 de dezembro desse mesmo ano, durante a descrição das batalhas entre os cruzados e os exércitos de Žižka nas proximidades de Kutná Hora. Em nenhum dos manuscritos conservados a crônica se estende além das palavras "Et facto mane" (E isso aconteceu de manhã, em latim). Por terminar tão bruscamente, historiadores acreditam que Vavřinec z Březové tenha prosseguido com sua descrição dos eventos, mas tal continuação teria, no entanto, sido perdida de seu manuscrito original ou de alguma outra cópia antiga que serviu de base para as mais recentes.

O texto da crônica sobreviveu por meio de duas versões bastante semelhantes entre si. A principal diferença encontra-se no primeiro capítulo, ou seja, o prefácio, que pode apresentar dois textos muito diferentes conforme o manuscrito em questão. Em um deles, provavelmente mais antigo, encontramos um Vavřinec z Březové orgulhoso de sua missão de noticiar aos tempos vindouros os eventos que ocorrem no "mais cristão dos reinos e marquesados, que é o Reino da Boêmia e Marquesado da Morávia". Para tanto, pede a ajuda divina "àquele de quem tudo se origina" para noticiar as crueldades cometidas contra aqueles que "zelosamente defendem a lei de Deus e Sua santíssima verdade".33 33 "v nejkřesťanštějším Království českém a Markravství moravském"; "z něhožto všechno jest"; "těch, kdož horlili za zákon boží a jeho přesvatou pravdu". VAVŘINEC Z BŘEZOVÉ. Husitská kronika & Píseň o vítězství u Domažlic. Ed.: František Heřmanský. Edição ilustrada. Praga: Svoboda, 1979, p. 9.

Já no outro prefácio, a missão de noticiar os eventos que ocorreram deixa de ser um orgulho e se torna um grande fardo para Vavřinec z Březové. Por meio de sua escrita encontramos um "então feliz e glorioso Reino da Boêmia" devastado pela guerra doméstica e, por isso, "mesmo que [seus] sentidos estejam letárgicos e o intelecto enfraqueça de tristeza na frescura do espírito", faz-se necessário o registro desses eventos

para que os futuros descendentes da nação tcheca não sejam privados da possibilidade de terem ciência dessa horrível e intimidante queda e não se rebaixem a uma situação igual ou pior devido à inação do pesar e, especialmente, para a manutenção, salvação e fortalecimento da fé pura e das relações amistosas.34 34 "kdysi šťastného a slavného Království českého". Ibidem. "mé smysly jsou otupělé a rozum zármutkem zmatený ochabuje v svěžesti ducha". Ibidem. "aby budoucí potomstvo českého národa nebylo připraveno o známost tohoto hrozného, ba odstrašujícího pádu a žalostnou nečinností nekleslo v podobný nebo horší, a zvláště pro zachování, záchranu a sílu čisté víry a přátelských vztahů". VAVŘINEC Z BŘEZOVÉ. Husitská kronika & Píseň o vítězství u Domažlic, op. cit., p. 9.

A diferença entre os prefácios pode estar relacionada com uma mudança na interpretação do cronista quanto aos eventos que estavam acontecendo na Boêmia de seu tempo. Inicialmente otimista com as possibilidades de renovação religiosa, Vavřinec z Březové aparentemente se impressionou com a radicalização generalizada, responsável pela "catástrofe e destruição atuais tão multifacetadas quanto imensas".35 35 "[o] nynější jak mnohostranné, tak ohromné zkáze a pohromě". VAVŘINEC Z BŘEZOVÉ. Husitská kronika & Píseň o vítězství u Domažlic, op. cit., p. 9. Sobre a diferença entre os prefácios, BLÁHOVÁ, Marie. M. Vavřinec z Březové a jeho dílo, op. cit., p. 310, diz: "Esse entusiasmo de um rico burguês praguense e mestre da Universidade foi se desgastando gradualmente, talvez porque a revolução tenha ido demasiado contra a sua vontade, talvez porque tenha demorado muito, ou mesmo talvez porque as circunstâncias políticas tenham se alterado em relação ao momento em que começou a escrever a crônica".

A crônica não pode ser datada precisamente. Isso se deve a algumas características que apontam para diferentes temporalidades. Uma delas é a própria diferença de tom e conteúdo entre os dois prefácios escritos por Vavřinec z Březové. O prefácio mais antigo pode ter sido escrito num momento inicial do projeto do cronista tcheco, quando esse se mostrava esperançoso com as possibilidades de reforma. É provável que o segundo prefácio seja de um tempo posterior, no qual o autor teria se frustrado com o desenrolar dos conflitos.

Outra questão que dificulta a datação precisa da crônica é a diferença do ritmo e nível de detalhamento durante a narrativa. Num momento inicial do texto, o cronista lança mão de descrições mais concisas para retratar os eventos, encadeados numa sequência temporal bastante clara. No entanto, o ritmo da descrição vai se tornando mais rápido e a narrativa mais detalhada que no início. A esses pontos, junta-se ainda um terceiro: em Husitská kronika, alusões a eventos bastante posteriores e comentários retroativos sobre quem eram determinadas pessoas são bastante frequentes em sua obra. Não é possível saber se são comentários do próprio autor ou se são inserções posteriores feitas por copistas da crônica. Mas é certo que datam de muito tempo, visto que estão presentes em todos os manuscritos conservados até hoje. Todas essas questões levam a crer que a crônica não foi escrita simultaneamente aos acontecimentos. 36 36 Confira BLÁHOVÁ, Marie. M. Vavřinec z Březové a jeho dílo, op. cit., p. 311-312.

Bláhová mostra-nos que as prováveis datas de composição da crônica variam entre os anos de 1419/1420 e 1444. A autora, por fim, acredita que a crônica começou a ser escrita de fato na época do segundo prefácio, mas que, no entanto, se as "cisões da guerra doméstica" que Vavřinec z Březové menciona "se referem às contradições dos taboritas no início dos anos vinte, às disputas na cidade de Praga no final dos anos dez, ou são uma reação à derrota em Lipany, é difícil dizer".37 37 "rozkolem domácí války pustoší". VAVŘINEC Z BŘEZOVÉ. Husitská kronika & Píseň o vítězství u Domažlic, op. cit., p. 9. O trecho citado encontra-se em BLÁHOVÁ, M. M. Vavřinec z Březové a jeho dílo, op. cit., p. 311. Nesse sentido, podemos ter em mãos um documento escrito na época em que os tchecos eram vitoriosos, mas começava a haver conflitos entre os grupos religiosos da Boêmia, ou um testamento da saudade de uma época na qual eles ainda venciam. O que temos, como veremos mais à frente, é um tcheco tentando valorizar o que os seus têm de mais valoroso.

Têm-se notícia de alguns manuscritos que contêm cópias integrais ou parciais da crônica de Vavřinec z Březové. O mais antigo deles, atualmente desaparecido, trata-se do manuscrito de Wrocław, provavelmente datado de 1467. Em ambas as edições de Husitská kronika que consultamos, há no segundo capítulo uma observação que informa que, no referido manuscrito, há ainda uma passagem ausente nos outros. De estilo bastante diferente do restante da crônica, é muito provável que seja uma adição posterior feita pelo copista do texto. Mais interessante é que essa adição informa que o pioneiro na adoção da comunhão sob duas espécies foi Petr z Drázďan, mestre da Universidade de Praga, e não Jakoubek ze Stříbra, comumente aceito como o pioneiro dessa inovação e o responsável por ela de acordo com os outros manuscritos. O manuscrito de Wrocław contém o texto da segunda versão da crônica.

A Biblioteca Nacional da República Tcheca contém quatro manuscritos com a crônica. Um deles, I D 10, é do final do século XV e contém, além da segunda versão de Husitská kronika, o poema Carmen Insignis Corone Bohemie, Marignolova kronika, Pulkavova kronika, a autobiografia de Carlos IV, além de outros textos.38 38 BLÁHOVÁ, Marie. M. Vavřinec z Březové a jeho dílo, op. cit., p. 312. Outro manuscrito do século XV é identificado pelo código III G 16. O terceiro, XI D 8, provavelmente da passagem do século XV ao XVI, de acordo com a autora, encontra-se bastante danificado. Já o quarto, XIX A 50, data do século XVII.

Outros manuscritos que contêm cópias de Husitská kronika são: o da biblioteca Lobkovicz de Praga (N 363), que contém a primeira versão; o da Bibliotheca Thottiana em Copenhagem, desconhecido até 1897, que termina repentinamente no ano de 1420; por fim, o da biblioteca de Wolfenbüttel, na Alemanha.

A maioria desses manuscritos contém a versão latina do texto. No entanto, existe ainda uma tradução da crônica para o tcheco arcaico. Provavelmente feita no século XV, a tradução sobreviveu registrada no manuscrito XIX A 50 da Biblioteca Nacional da República Tcheca e em Fontes Rerum Bohemicarum, editado por Josef Emler, Jaroslav Goll e outros historiadores. Conta-nos Heřmanský e Bláhová que tal tradução está repleta de erros, muito provavelmente porque seu autor não dominava muito bem o latim. Alguns termos ora estão traduzidos erroneamente, ora estão ao pé da letra ou então foram traduzidos de forma bastante vaga.39 39 BLÁHOVÁ, Marie. M. Vavřinec z Březové a jeho dílo, op. cit., p. 313. HEŘMANSKÝ, František. O Vavřincovi z Březové, op. cit., p. 345.

Trabalhamos com duas publicações da crônica traduzidas para o tcheco moderno por František Heřmanský. A primeira, de 1979, publicada pela editora Svoboda, de Praga, traz o texto de Husitská kronika em 268 páginas com uma série de ilustrações e fac-símiles de documentos originais. No mesmo volume (que conta, ao todo, com 422 páginas) também estão publicados o texto em verso Píseň o vítězství u Domažlic (Canção sobre a vitória em Domažlice), de autoria de Vavřinec z Březové, um estudo sobre a vida e obra do cronista medieval feito por Marie Bláhová e o estudo Vavřinec z Březové jako básník (Vavřinec z Březové como poeta), de autoria de Jan Blahoslav Čapek. A edição conta também com uma seção de notas a esses textos, além de índices onomásticos e de localidades.

A segunda é parte integrante da coleção Živá díla minulosti (Obras vivas do passado), lançada pela editora estatal Státní nakladelství krásné literatury, hudby a umění (a qual iremos nos referir aqui apenas como Státní), também sediada em Praga. Esta edição se trata da primeira publicação da tradução tcheca feita por František Heřmanský. Publicado em 1954HEŘMANSKÝ, František. O Vavřincovi z Březové. In: VAVŘINEC Z BŘEZOVÉ. Husitská kronika. Ed.: František Heřmanský. Edição ilustrada. Praga: Státní nakladatelství krásné literatury, hudby a umění, 1954., o texto presente na edição da Státní contém poucas diferenças em relação à sua edição revisada e publicada posteriormente pela Svoboda. A mais significativa é a presença de apenas um prefácio (enquanto a Svoboda apresenta os dois). Nessa edição, Husitská kronika ocupa 210 páginas. As outras 190 páginas do livro são dividas pelo estudo Vavřince z Březové Husitská kronika (A Husitská kronika de Vavřinec z Březové), escrito pelo historiador tcheco Josef Macek, notas ao texto da crônica, o estudo O Vavřincovi z Březové (Sobre Vavřinec z Březové), feito por František Heřmanský e índices onomásticos e de localidades.

Também pudemos observar que o texto original em latim, conforme publicado no século XIX em Prameny dějin českých (também conhecida por Fontes Rerum Bohemicarum), não apresenta a divisão por capítulos, levando-nos a crer que Vavřinec z Březové originalmente não dividiu seu texto.40 40 Trata-se de VAVŘINEC Z BŘEZOVÉ, Vavřince z Březové Kronika husistská. In. EMLER, J. & GOLL, J. Prameny dějin českých, v. 5. Praga: Nadání Františka Palakého, 1893, p. 327 - 534. Neste volume, o texto de Husitská kronika está publicado em latim ao lado da versão traduzida para tcheco arcaico, acima mencionada.

Nas edições da Svoboda e Státní, o conteúdo da crônica é apresentado na forma de curtos capítulos, nomeados e numerados. No geral, os capítulos de Husitská kronika dão uma descrição sucinta dos acontecimentos e, por isso, raramente ultrapassam quatro parágrafos, ocupando, assim, o espaço de aproximadamente uma página e meia cada. Por exemplo, o capítulo número 40, Čtyři pražské artikuly (Os quatro artigos de Praga), conta com dois parágrafos e ocupa pouco mais da metade da página 151 da edição da Svoboda. É também bastante comum encontrarmos em Husitská kronika capítulos que tratam de dois ou mais temas, que estão referidos já em seu título. É o caso do capítulo 11 Táboří v Praze / porážka pana Jana Michalce / pomoc Žateckých, Lounských a Slánských (Taboritas em Praga / derrota do senhor Jan Michalec / ajuda dos habitantes de Žatec, Louny e Sláný). No total, o texto da crônica está dividido em 120 capítulos.

Apontamentos sobre o nacionalismo em Husitská kronika

Munidos com as pistas e insights oriundos das leituras e discussões acima mencionadas, assim como com as traduções de trechos de texto de Vavřinec z Březové, passamos, então, a nos perguntar como o cronista tcheco poderia ter imprimido a marca de seu nacionalismo em Husitská kronika.

Acreditamos que as marcas desse nacionalismo poderiam ser mais facilmente achadas nos momentos do texto em que o autor descreve ou comenta a relação entre tchecos e alemães. Isso se deve à frequência com o que o antagonismo tcheco-alemão é evocado pela bibliografia. Para tanto, utilizamos os índices onomásticos publicados em ambas as edições que temos em mãos para contabilizar e localizar todas as referências que Vavřinec z Březové faz a povos estrangeiros, procurando também confirmar se os alemães aparecem entre os mais citados.

A busca textual pelos termos relacionados a "alemães" justifica-se ainda por outro motivo, visto que, "na época em que os colonos alemães colocaram os pés nos solos da Boêmia, ambos os nomes (Bohemus e Theutonicus) há muito tempo já eram bem mais do que simples etiquetas: eram pontos nodais em matrizes de ideias, argumentos e reivindicações".41 41 "(...) by the time the German settlers set foot on Bohemian soil both names had long been far more than mere labels: they were nodal points in matrices of ideas, arguments and claims". SCALES, Leonard. At the margin of community: Germans in Pre-Hussite bohemia. Transactions of the Royal Historical Society, v. 9: 327 - 352, 1999.

Logo, por ser um mestre tcheco, Vavřinec z Březové certamente esteve em contato com a produção escrita tcheca de seu tempo, e, assim, foi influenciado por todo um arcabouço de conceitos e pré-noções que serviam como referências culturais, ajudando-o e seus contemporâneos a se orientarem no mundo em que viviam. Assim, Vavřinec z Březové herdou valores e referências, entre os quais se encontra a categoria "alemão".

Dentre as inumeráveis obras com que o cronista pode ter entrado em contato, uma se destaca por seu caráter notadamente antigermânico. Tida como um dos mais antigos textos tchecos conhecidos, a Crônica de Dalimil reconta a história da Boêmia e constantemente descreve os alemães em oposição aos tchecos. Em um dos episódios mais famosos da crônica, o duque Oldřich, ao justificar porque havia escolhido uma camponesa tcheca como esposa em vez de outra que era nobre alemã, afirma:

Antes desposar uma tcheca camponesa

do que uma imperatriz alemã com certeza

(...)

Uma alemã tem seus criados alemães

E o alemão para meus filhos nas lições

Isso causará a ruptura da nação

E em nossa terra logo a depravação42 42 Radějí sě chci s českú sedlkú snieti /než ciesařovnu německú za ženu jmieti (...) Němkyně bude německú čeled mieti/ a německy bude učiti mé děti./ A proto bude jazyka rozdělenie/ a ihned země zkaženie. SCALES, Leonard. At the margin of community: Germans in Pre-Hussite Bohemia. Transactions of the Royal Historical Society, v. 9: 327 - 352, 1999, p. 212. Traduzimos o termo do tcheco arcaico "jazyk" como "nação". No tcheco moderno, essa palavra é traduzida como "língua" ou "idioma". Publicamos esta tradução, inicialmente, em AGUIAR, Thiago Borges de & SILVA, Davi Costa da. Identidade nacional na Boêmia do século XV e a formação de uma "paideia" tcheca. Educação e Pesquisa - Revista da Faculdade de Educação da USP, v. 41, 2015, p. 309-324.

Exemplos como esses são fartos e constantes na obra. Sobre a Crônica de Dalimil, Scales nos conta que "suas atitudes e preconceitos característicos indicam a baixa nobreza tcheca como seu provável público".43 43 "its characteristic attitudes and prejudices indicate the Czech lower nobility as its probable audience". SCALES, Leonard. At the margin of community: Germans in Pre-Hussite Bohemia. Transactions of the Royal Historical Society, v. 9: 327 - 352, 1999, p. 343. Não é possível saber ao certo se essa obra teve grande circulação nas décadas subsequentes à sua composição, nem mesmo se Vavřinec z Březové entrou em contato com ela. De qualquer forma, as noções contidas na crônica de Dalimil eram provavelmente semelhantes às que circulavam pelos ambientes culturais de Vavřinec z Bžezové.

Na Husitská kronika, estrangeiros são frequentemente relatados cometendo atrocidades. Esse é, por exemplo, o caso do capítulo 107:

Igualmente naquele tempo, também sob as ordens do rei Zikmund, Vlach Pipa, com muitos húngaros, invadiu a Moravia para saquear as propriedades (...) Acontece que, não poupando ninguém, eles queimaram aldeias e vilas, estupraram mulheres e desumanamente queimaram ou assassinaram com a espada as pessoas de ambos os sexos que capturavam, não poupando nem mesmo as crianças. E então, quando viram os senhores, colapsaram de medo e horror e não os enfrentaram de forma verdadeiramente unânime, nem se apoiaram mutuamente, mas cada um, com exceção do senhor Hašek z Ostroha, procurou conseguir a garantia do rei de manter suas posses e uma vida tranquila.44 44 "Rovněž v témž čase také na rozkaz krále Zikmunda vtrhl Vlach Pipa s množstvím Uhrů na Moravu plenit statky pánů, kteří byli spolčeni s Pražany, a zvláště pana Petra ze Strážnice a pana Bočka. I stalo se, že nešetříce nikoho vypalovali vesnice a městečka, znásilňovali pany a nelidsky upalovali nebo mečem vraždili lidi obojího pohlaví, které zajali, nešetříce ani dětí. A tak když to viděli páni, byli strachem a hrůzou zhrouceni, nepostavili se k skutečné a jednomyslné obraně, ani se společně nepodporovali, nýbrž jeden každý kromě pana Haška z Ostroha hleděl si u krále zajistiti, aby mohl zcela klidně při životě a statcích zůstati." VAVŘINEC Z BŘEZOVÉ. Husitská kronika & Píseň o vítězství u Domažlic, op. cit., p. 259.

Igualmente contundente é a descrição que Vavřinec z Březové faz do comportamento dos exércitos cruzados que aguardavam Sigismundo nas regiões próximas ao castelo de Praga. Sendo um grande grupo sob o comando do imperador do Sacro Império Romano, tratava-se de um exército composto por soldados de diversas nações. De acordo com Vavřinec z Březové, compunha-se por:

Boêmios e morávios, húngaros e croatas, dalmácios e búlgaros, valáquios e sículos, hunos, [habitantes de] Iași, rutenos, (...), eslovenos, prussianos, sérvios, turíngios, [habitantes da] Estíria, [habitantes de] Meißen, bávaros, saxões, austríacos, francos, franceses, ingleses, [habitantes de] Brabant, [habitantes de] Westfalia, holandeses, suíços, [habitantes da] Lusácia, [habitantes de] Schwaben, [habitantes de] Kärten, aragoneses, espanhóis, poloneses, alemães do Reno e muitos outros ainda.45 45 "Čech a Moravané, Uhři a Charváti, Dalmatinci a Bulhaři, Valaši a Sikulové, Hunové, Jasi, Rusíni, (...), Slovinci, Prusové, Srbové, Durynkové, Štýřané, Míšňané, Bavoři, Sasové, Rakušané, Frankové, Francouzi, Angličané, Brabanti, Vestfálové, Holanďané, Švýcaři, Lužičané, Švabové, Korutanci, Aragonci, Španělé, Poláci, Němci o Rýna a jiní přemnozí". VAVŘINEC Z BŘEZOVÉ. Husitská kronika & Píseň o vítězství u Domažlic, op. cit., p. 82.

Um grande grupo que, na leitura de Vavřinec z Březové, estava reunido em torno de uma mesma atitude:

Então, diariamente, posicionados no topo da montanha sobre o rio defronte ao monastério da Santa Cruz e da igreja de São Valentim, feito cães uivavam contra a cidade: "Ha, ha, Hus, Hus, Katzer, Katzer [em alemão: herege, herege]". E se por acaso caísse em suas mãos algum tcheco, sem demora, caso não fosse rapidamente libertado por tchecos no campo atrás deles, sem piedade o queimavam como herege, mesmo que nunca tivesse comungado sob duas espécies.46 46 "Ti tedy denně, stojíce na vrcholu hory nad řekou naproti klášteru svatého Kříže a kostelu svatého Valentina, proti městu jako psi vyli: "Ha, ha, Hus, Hus, Katzer, Katzer". A jestliže náhodou padl do jejich rukou některý Čech, toho bez prodlení, kdyby ho rychle neosvobodili Čechové v poli s nimi ležíci, beze všeho slitování upalovali jako kacíře, i když nikdy nepřijímal pod obojí způsobou". VAVŘINEC Z BŘEZOVÉ. Husitská kronika & Píseň o vítězství u Domažlic, op. cit., p. 82.

À primeira vista, a descrição está repleta das pré-noções que comentamos acima. O autor não só descreve os estrangeiros como aqueles que cometem atrocidades, mas também mostra que esses mesmos estrangeiros agem de forma preconceituosa, automaticamente classificando os tchecos de hereges e os executando independentemente de sua ligação (ou ausência) com as práticas consideradas heréticas. São queimados como Hus e Jerônimo o foram no Concílio de Constança (1415 e 1416 respectivamente).

No entanto, ao mesmo tempo em que mostra uma atitude de diferenciação entre tchecos e estrangeiros, que poderíamos até dizer xenofóbica (afinal, é de se notar que Vavřinec z Březové compara os estrangeiros a cães), esse trecho acaba parecendo oportunamente incoerente: o exército que comete atrocidades é também composto por tchecos. Lembremos que o exército tinha o comando e aval de Sigismundo e, portanto, era de se esperar que também lá houvesse tchecos. Mas, sem dúvida, não eram os tchecos verdadeiros. O principal aqui é percebermos que o cronista esboça uma autoimagem de tchecos versus não tchecos, na qual os tchecos são injustamente perseguidos em função de sua história.

Não apenas isso. O nacionalismo de Vavřinec está também relacionado com um sonho teológico. Ao comentar os argumentos nacionalistas de cronistas tchecos dos séculos XV e XVI, cujos textos estão compilados no Staré letopisy české (Os antigos anais tchecos), Seltzer diz: "Nisso esses Anais se distinguem da mais sofisticada crônica em latim de Vavřinec z Březové, que fala primordialmente de 'fiéis tchecos' de um lado e 'oponentes da lei de Deus' e 'inimigos do cálice' [inimici calicis] do outro".47 47 SELTZER, Joel Daniel. Framing faith, forging a nation: Czech vernacular historiography and the Bohemian reformation, 1430-1530, op. cit., p. 238, nota 52.

Esse comentário nos fez entender o motivo de nosso estranhamento em relação à enorme frequência com que Vavřinec z Březové se refere aos princípios hussitas ao longo da crônica. Sabemos que Vavřinec z Březové era mestre da Universidade de Praga e, por isso, acompanhou os debates teológicos sobre os artigos do reformador inglês John Wycliffe e sobre as inovações da comunhão em duas espécies. Os escritos de motivação religiosa de sua autoria indicam também seu interesse por questões teológicas. Além disso, o mestre tcheco provavelmente foi testemunha da saída em massa dos alemães após 1409, sendo também provável que teve notícias sobre as revanches praticadas por seus ex-colegas.48 48 Em 1409, Venceslau IV assinou o Decreto de Kutná Hora, aumentando o poder dos tchecos na Universidade de Praga, o que causou uma saída em massa de estudantes e professores alemães. Ver AGUIAR, Thiago Borges de & SILVA, Davi Costa da. Identidade nacional na Boêmia do século XV e a formação de uma "paideia" tcheca. Educação e Pesquisa - Revista da Faculdade de Educação da USP, v. 41, 2015, p. 309-324. Assim, acreditamos ser bastante plausível o fato de Vavřinec z Březové ser um hussita declarado. E isso nos levou a identificar nas palavras do mestre em Artes da Universidade de Praga uma profunda identificação entre os princípios hussitas e seu ideal de nação.

Logo no primeiro prefácio à sua crônica, Vavřinec z Březové afirma que escreve para denunciar a perseguição sofrida pelos habitantes do "mais cristão dos reinos e marquesados, que é o Reino da Boêmia e o Marquesado da Morávia".49 49 "v nejkřesťanštějsím Království českém a Markrabství moravském". VAVŘINEC Z BŘEZOVÉ. Husitská kronika & Píseň o vítězství u Domažlic, op. cit., p. 9. Grifos nossos. No entanto, o que faria da Boêmia e da Morávia os mais cristãos entre todos os outros reinos e marquesados? O segundo capítulo da crônica responde essa questão. Comentando sobre a aplicação de um interdito em resposta ao rápido crescimento do número de adeptos das novas práticas religiosas, diz Vavřinec z Březové:

(...) o arcebispo e prelados os interromperam e proclamaram um interdito sobre Praga. E não só em Praga, mas também em muitas cidades do Reino da Boêmia e do Marquesado da Morávia, em castelos, em vilas e aldeias, a população em geral alcançou coletivamente, com grande religiosidade e devoção, a sagrada comunhão sob ambas as espécies.50 50 "(...) že je arcibiskup a peláti vyobcovávali a vyhlašovali interdikt nad celou Prahou. A tak nejen v Praze, nýbrž i v mnohých městech Království českého a Markrabství moravského, na hradech, v městečkách a dědinách hromadně přistupoval obecný lid velikou zbožnosti a úctou k nejsvětějšímu přijímání pod obojí způsobou". VAVŘINEC Z BŘEZOVÉ. Husitská kronika & Píseň o vítězství u Domažlic, op. cit., p. 11. Grifos nossos.

Aqui, fica evidente que, para Vavřinec z Březové, a nação tcheca se distinguia de todas as outras de sua época por ser aquela na qual as pessoas realizavam a comunhão sob ambas as espécies. Ou seja, o mais cristão dos reinos e marquesados era hussita.

No entanto, ainda falta uma variável na equação nacional de Vavřinec z Březové. Afinal, se a mais cristã das nações era hussita, o que fazia do hussitismo a mais cristã das religiões? Para nós, isso se deve ao legado de Jan Hus, o defensor da verdade. Não é raro encontrarmos em Husitská kronika demorados elogios a Jan Hus, nos quais Vavřinec z Březové procura ressaltar sua relação com o pregador da verdade do Evangelho. No capítulo 24, encontramos os tchecos fiéis, "clérigos e leigos, defensores da comunhão sob duas espécies, [que] reverentemente a praticavam e lamentavam a morte injusta de Jan Hus, pessoa de abençoada memória, excelente e fiel pregador do santo Evangelho".51 51 "věrní Češí jak duchovní, tak světší, přívrženci přijímání pod obojí způsobou, zbožně je vykonávali i želeli nespravedlivé smrti mistra Jana Husa blahé paměti, věrného a znamenitého kazatele svatého evangelia". VAVŘINEC Z BŘEZOVÉ. Husitská kronika & Píseň o vítězství u Domažlic, op. cit., p. 40.

Aqui podemos encontrar as marcas da ação educativa de Jan Hus. Conforme dissemos acima, as características do legado deixado pelo clérigo tcheco consistiam, entre outros fatores, na defesa da verdade do Evangelho. Nas palavras de Aguiar,

É justamente sua sustentação da verdade perante as acusações que leva Hus a ser acusado de heresia: ao defender a obediência ao evangelho e não à estrutura da Igreja, ao exigir a compreensão da verdade em detrimento de seguir o que os seus superiores lhe obrigam, ao denunciar práticas que considerava erradas ao invés de praticá-las como muitos o faziam.52 52 AGUIAR, Thiago Borges de. Jan Hus: cartas de um educador e seu legado imortal, op. cit., p. 131.

Sendo Hus um defensor da comunhão sob duas espécies, o excelente e fiel pregador do santo Evangelho ensinou o cronista tcheco o que era a verdade de Deus, visto que passou sua vida a defendendo e por ela morreu. Portanto, para Vavřinec z Březové, seguir Jan Hus era seguir a verdade, o que fazia, então, o hussitismo a interpretação cristã mais verdadeira de acordo com as Escrituras. É nesse contexto que a citação de Seltzer encontra seu sentido pleno: no mundo de Vavřinec z Březové, de um lado, estavam os fiéis, ou então, os tchecos fiéis, e, do outro, os perseguidores da verdade. Essa lógica pode ser constatada em outro trecho do primeiro prefácio, quando Vavřinec z Březové afirma escrever sua crônica "de modo a noticiar à memória futura a maldita e desonrosa ira dos ameaçadores e perseguidores daqueles que zelosamente defendem a lei de Deus e Sua santíssima verdade".53 53 "pro budoucí paměť věci, aby hlásalo zlořečenou nešlechetnou zlobu ohrožovatelů a pronásledovatelů těch, kdož horlili za zákon boží a jeho přesvatou pravdu". VAVŘINEC Z BŘEZOVÉ. Husitská kronika & Píseň o vítězství u Domažlic, op. cit., p. 9.

E é também nesse contexto que a presença de tchecos nos exércitos dos cruzados não fere o nacionalismo de Vavřinec z Březové, visto que, uma vez opositores da verdade, tchecos e não-tchecos seriam menos cristãos, ficando, assim, além das fronteiras da mais cristã das nações. As palavras de Vavřinec z Březové acabam mostrando que, por mais importante que o fato de ser tcheco seja para seu autor, ele não representa sozinho a verdade de Deus. Os tchecos momentaneamente estão incumbidos de ensinar ao mundo como se vive de acordo com o Evangelho, o que aparenta ser motivo de orgulho para o autor, no entanto, existe a possibilidade desse fardo ser removido de suas mãos. E evidentemente o é. Conta-nos Bláhová que o cronista tcheco foi um crítico do radicalismo dos taboritas. Nas palavras da comentadora,

É com simpatia que descreve as origens do movimento taborita: pessoas se reuniram nas montanhas para ouvir a pregação e participar da aceitação do cálice. Mas, então, começaram alguns clérigos taboritas - os quais culpa pela cisão subsequente - a proclamar delírios e seduzir as pessoas com ensinamentos falsos e, finalmente, com os atos maléficos que posteriormente os taboritas cometeram na Boêmia.54 54 "Počátky táborového hnutí líčí zcela se sympatiemi: lid se scházel na horách, aby poslouchal kárání a zůčastnil se přijímání z kalicha. Ale potom začali někteři táborští kněží - jimž vůbec přičítá vinu za přišti rozkol - hlásat bludy a svádět lid k nepravému učení a konečně ke zlým skutkům, které pak táboři v Čechách páchali." BLÁHOVÁ, Marie. M. Vavřinec z Březové a jeho dílo, op. cit., p. 311. Grifos nossos.

Apesar de tchecos, os taboritas acabaram deturpando a verdade de Deus e, por isso, causaram danos terríveis à nação, cometendo atrocidades comparáveis aos inimigos da verdade. Talvez seja esse um dos motivos que o levaram a escrever o sofrido segundo prefácio, de tonalidade bem mais cinzenta que o primeiro. Nele, o cronista lamenta a catástrofe ocorrida no "então famoso e feliz Reino da Boêmia", devastado pelas "cisões da guerra doméstica".55 55 "kdysi šťastného a slavného Království českého"; "rozkolem domácí války pustoší". VAVŘINEC Z BŘEZOVÉ. Husitská kronika & Píseň o vítězství u Domažlic, op. cit., p. 9. Ao que parece, a nação sonhada por Vavřinec z Březové acabou se afastando do cronista tcheco. E esse sonho precisa ser defendido "para que os futuros descendentes da nação tcheca não sejam privados da possibilidade de terem ciência dessa horrível e intimidante queda e não se rebaixem a uma situação igual ou pior devido à inação do pesar", como escreveu no segundo prefácio.56 56 "aby budoucí potomstvo českého národa nebylo připraveno o známost tohoto hrozného, ba odstrašujícího pádu a žalostnou nečinností nekleslo v podobný nebo horší". VAVŘINEC Z BŘEZOVÉ. Husitská kronika & Píseň o vítězství u Domažlic, op. cit., p. 9.

Considerações finais

Apresentamos aqui o que poderíamos chamar de uma incursão nessa crônica hussita escrita na primeira metade do século XV. O tamanho do documento, a quantidade de leituras possíveis, a indisponibilidade em língua portuguesa e o espaço de um artigo permitiram esta primeira aproximação com o texto. Esta leitura, no entanto, trouxe-nos uma importante contribuição para a compreensão do caráter nacionalista da produção tcheca do período. A crônica mostrou a forte presença da associação entre um ideal de tchequidade e uma prática religiosa hussita, confirmando o que havíamos levantado em estudos anteriores e acrescentando o matiz da presença de Jan Hus como símbolo fundamental dessa tchequidade e da oposição utraquistas versus taboritas como um espaço privilegiado de construção das bases desse sentimento nacional.

Ali se definia o que era ser um tcheco verdadeiro e quem eram os modelos a serem seguidos. Nascia nesse período um modelo ideal de caráter nacionalista, que estará mais visível em obras posteriores como a de Petr Chelčický (na década de 1440), dos cronistas da Staré letopisy české (séculos XV e XVI) e até mesmo de Jan Amós Comenius (início do século XVII). A Husitská kronika mostrou-se uma fonte rica para fomentar os estudos sobre esse nascimento, sobre as relações entre religião e sentimento nacional no século XV ou ainda um estudo sobre histórias de vencidos (tradicionalmente pouco estudados). Sem dúvida é um documento que merece novas leituras.

Referências bibliográficas

  • AGUIAR, Thiago Borges de. Jan Hus: cartas de um educador e seu legado imortal. São Paulo: Annablume, 2012.
  • AGUIAR, Thiago Borges de & SILVA, Davi Costa da. Identidade nacional na Boêmia do século XV e a formação de uma "paideia" tcheca. Educação e Pesquisa - Revista da Faculdade de Educação da USP, v. 41, 2015, p. 309-324.
  • ANDERSON, Benedict. Imagined communities: Reflections on the origin and spread of nationalism. Londres: Verso Books, 1983.
  • BERNARD, Paul. Jerome of Prague, Austria and the Hussites. Church History, v. 27, n. 1, 1958, p. 3-22.
  • BLÁHOVÁ, Marie. M. Vavřinec z Březové a jeho dílo. In: VAVŘINEC Z BŘEZOVÉ. Husitská kronika & Píseň o vítězství u Domažlic. Ed.: František Heřmanský. Edição ilustrada. Praga: Svoboda, 1979.
  • FUDGE, Thomas. More glory than blood: murder and martyrdom in the Hussite crusades. The Bohemian Reformation and Religious Practice, v. 5 (part 1), 2004, p. 117-137.
  • GELLNER, Ernst. Nations and nationalism. Oxford: Blackwell Publishing, 2006.
  • HEŘMANSKÝ, František. O Vavřincovi z Březové. In: VAVŘINEC Z BŘEZOVÉ. Husitská kronika. Ed.: František Heřmanský. Edição ilustrada. Praga: Státní nakladatelství krásné literatury, hudby a umění, 1954.
  • HOBSBAWM, Eric J. Nações e nacionalismo desde 1780. São Paulo / Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1991.
  • KAVKA, František. Checoslovaquia evolución histórica. Praga: Orbis, 1961.
  • KEJŘ, Jiří. Os hussitas. Tradução de Pedro Monteiro. Praga: Orbis, 1988.
  • LAMOREAUX, John. A Byzantine book on dream interpretation: The Oneirocriticon of Achmet and its Arabic sources. Resenha. International Journal of Middle East Studies, v. 36, p 285-286.
  • SCALES, Leonard. At the margin of community: Germans in Pre-Hussite Bohemia. Transactions of the Royal Historical Society, v. 9: 327 - 352, 1999.
  • SEZLTER, Joel Daniel. Fraiming faith, forgin a nation: Czech vernacular historiography and the Bohemian reformation, 1430-1530. 309 f. Tese de doutoramento em Filosofia, Faculty of the Graduate School, Yale University, Yale, EUA, 2005, p. 228-229.
  • THOMSON, S. Harrison. The Czechoslovaks to 1620. In: KERNER, Robert (ed.). Czecholosvakia. Berkeley; Los Angeles: University of California Press, 1945.
  • VAVŘINEC Z BŘEZOVÉ, Vavřince z Březové Kronika husistská. In. EMLER, J. & GOLL, J. Prameny dějin českých, v. 5. Praga: Nadání Františka Palakého, 1893, p. 327 - 534.
  • 1
    Para uma descrição das cruzadas, ver FUDGE, Thomas. More glory than blood: murder and martyrdom in the hussite crusades. The Bohemian Reformation and Religious Practice, v. 5 (parte 1), 2004, p. 117-137.
  • 2
    THOMSON, S. Harrison. The Czechoslovaks to 1620. In: KERNER, Robert (ed.). Czecholosvakia. Berkeley; Los Angeles: University of California Press, 1945, p. 19.
  • 3
    KAVKA, František. Checoslovaquia evolución histórica. Praga: Orbis, 1961, p. 50. Tradução nossa.
  • 4
    KEJŘ, Jiří. Os hussitas. Tradução de Pedro Monteiro. Praga: Orbis, 1988, p. 70.
  • 5
    FUDGE, Thomas. More glory than blood: murder and martyrdom in the hussite crusades, op. cit., p. 546. Tradução nossa.
  • 6
    Žižka morre em 1424. O novo líder, Prokop Holý, também é bem sucedido nas batalhas seguintes. A batalha de Domažlice (1431) ficou famosa por ter sido narrada no poema Píseň o vítězství u Domažlic (Canção sobre a vitória em Domažlice) de Vavřinec z Březové.
  • 7
    SEZLTER, Joel Daniel. Framing faith, forging a nation: Czech vernacular historiography and the Bohemian reformation, 1430-1530. 309 f. Tese de doutorado em Filosofia, Faculty of the Graduate School, Yale University, Yale, EUA, 2005.
  • 8
    ANDERSON, Benedict. Imagined communities: Reflections on the origin and spread of nationalism. Londres: Verso Books, 1983.
  • 9
    GELLNER, Ernst. Nations and nationalism. Oxford: Blackwell Publishing, 2006.
  • 10
    REYNOLDS, Susan. apud SEZLTER, Joel Daniel. Framing faith, forging a nation: Czech vernacular historiography and the Bohemian reformation, 1430-1530. 309 f. Tese de doutorado em Filosofia, Faculty of the Graduate School, Yale University, Yale, EUA, 2005, p. 221.
  • 11
    SCALES, Leonard. At the margin of community: Germans in Pre-Hussite Bohemia. Transactions of the Royal Historical Society, v. 9, 1999, p. 327 - 352.
  • 12
    SEZLTER, Joel Daniel. Framing faith, forging a nation: Czech vernacular historiography and the Bohemian reformation, 1430-1530, op. cit., 2005, p. 228-229.
  • 13
    HOBSBAWM, Eric J. Nações e nacionalismo desde 1780. São Paulo / Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1991, p. 64.
  • 14
    HOBSBAWM, Eric J. Nações e nacionalismo desde 1780, op. cit., 1991, p. 89, grifos nossos.
  • 15
    AGUIAR, Thiago Borges de & SILVA, Davi Costa da. Identidade nacional na Boêmia do século XV e a formação de uma "paideia" tcheca. Educação e Pesquisa - Revista da Faculdade de Educação da USP, v. 41, 2015, p. 309-324.
  • 16
    BLÁHOVÁ, Marie. M. Vavřinec z Březové a jeho dílo. In: VAVŘINEC Z BŘEZOVÉ. Husitská kronika & Píseň o vítězství u Domažlic. Ed.: František Heřmanský. Edição ilustrada. Praga: Svoboda, 1979, p. 380.
  • 17
    "Jako syn chudšího zemana (...)". HEŘMANSKÝ, František. O Vavřincovi z Březové. In: VAVŘINEC Z BŘEZOVÉ. Husitská kronika. Ed.: František Heřmanský. Edição ilustrada. Praga: Státní nakladatelství krásné literatury, hudby a umění, 1954, p. 342. Dentro da hierarquia feudal praticada entre alguns povos eslavos, zeman era o título mais baixo. Equivalente é o termo inglês gentry.
  • 18
    HEŘSMANSKÝ, František. O Vavřincovi z Březové, op. cit., p. 342 e BLÁHOVÁ, Marie. M. Vavřinec z Březové a jeho dílo, op. cit., p. 305 afirmam que a permissão papal foi conseguida por intermédio da rainha Žofie. Vavřinec z Březové tinha acesso à corte de Václav IV, tendo, inclusive, se tornado funcionário real.
  • 19
    BLÁHOVÁ, Marie. M. Vavřinec z Březové a jeho dílo, op. cit., p. 305.
  • 20
    Por exemplo, o manuscrito de Copenhagem apresenta o texto (incompleto) de Husitská kroniká informando que foi escrito por "Laurencii Byzynii (Brezyny), cancellarii Novae urbis Prag. (...)", ou seja, Vavřinec z Březové, cancelário da Cidade Nova de Praga. HEŘMANSKÝ, František. O Vavřincovi z Březové, op. cit., p. 344.
  • 21
    BLÁHOVÁ, Marie. M. Vavřinec z Březové a jeho dílo, op. cit., p. 307. O mesmo para a citação seguinte.
  • 22
    Trata-se das suas traduções dos relatos de viagem de Jan Mandeville e da "Crônica do mundo". Confira BLÁHOVÁ, Marie. M. Vavřinec z Březové a jeho dílo, op. cit., p. 382.
  • 23
    Para Jan Hus, ver AGUIAR, Thiago Borges de. Jan Hus: cartas de um educador e seu legado imortal. São Paulo: Annablume, 2012. Para a morte de Jerônimo de Praga, ver BERNARD, Paul. Jerome of Prague, Austria and the Hussites. Church History, v. 27, n. 1, 1958, p. 3-22.
  • 24
    BLAHOVÁ, Marie. M. Vavřinec z Březové a jeho dílo, op. cit., p. 306, afirma ser o quodlibet ocorrido em janeiro de 1411.
  • 25
    BLÁHOVÁ, Marie. M. Vavřinec z Březové a jeho dílo, op. cit., p. 306.
  • 26
    "význačným mluvčím pražského kališnického 'středu'"; "ovšem nepatřil ke krajní pravici". HEŘMANSKÝ, František. O Vavřincovi z Březové, op. cit., p. 343.
  • 27
    HEYMANN, Frederick. City rebellions in 15th-century Bohemia and their ideological and sociological background. The Slavonic and East European Review, v. 40, n. 95: 324 - 340, 1962, p. 332.
  • 28
    "M. Vavřinec z Březové se vzhledem k svému apolečenskému postavení a třídnímu zakotvení samozřejmě nemohl dát strhnout radikálními zásadami táborskými ani revolučností pražské chudiny, avšak ze stejných důvodů nemohl stát proti revoluci". BLÁHOVÁ, Marie. M. Vavřinec z Březové a jeho dílo, op. cit., p. 306.
  • 29
    LAMOREAUX, John. A Byzantine book on dream interpretation: The Oneirocriticon of Achmet and its Arabic sources. Resenha. International Journal of Middle East Studies, v. 36, p. 285-286.
  • 30
    "the legendary founder of the Muslim tradition of dream interpretation". LAMOREAUX, John. A Byzantine book on dream interpretation: The Oneirocriticon of Achmet and its Arabic sources. Resenha, op. cit., p. 285.
  • 31
    HEŘMANSKÝ, František. O Vavřincovi z Březové, op. cit., p. 343. BLÁHOVÁ, Marie. M. Vavřinec z Březové a jeho dílo, op. cit., p. 308, afirma ser esse livro uma compilação de histórias de viagens originalmente publicada em francês e traduzida para uma série de línguas europeias. Interessante é sua citação de Vavřinec z Březové, na qual ele afirma que o livro foi traduzido "aby i Čechóm to známo bylo, což jest v nich popsáno" (para que seja de conhecimento também aos tchecos o que estáo nele descrito).
  • 32
    HEŘMANSKÝ, František. O Vavřincovi z Březové, op. cit., p. 346.
  • 33
    "v nejkřesťanštějším Království českém a Markravství moravském"; "z něhožto všechno jest"; "těch, kdož horlili za zákon boží a jeho přesvatou pravdu". VAVŘINEC Z BŘEZOVÉ. Husitská kronika & Píseň o vítězství u Domažlic. Ed.: František Heřmanský. Edição ilustrada. Praga: Svoboda, 1979, p. 9.
  • 34
    "kdysi šťastného a slavného Království českého". Ibidem. "mé smysly jsou otupělé a rozum zármutkem zmatený ochabuje v svěžesti ducha". Ibidem. "aby budoucí potomstvo českého národa nebylo připraveno o známost tohoto hrozného, ba odstrašujícího pádu a žalostnou nečinností nekleslo v podobný nebo horší, a zvláště pro zachování, záchranu a sílu čisté víry a přátelských vztahů". VAVŘINEC Z BŘEZOVÉ. Husitská kronika & Píseň o vítězství u Domažlic, op. cit., p. 9.
  • 35
    "[o] nynější jak mnohostranné, tak ohromné zkáze a pohromě". VAVŘINEC Z BŘEZOVÉ. Husitská kronika & Píseň o vítězství u Domažlic, op. cit., p. 9. Sobre a diferença entre os prefácios, BLÁHOVÁ, Marie. M. Vavřinec z Březové a jeho dílo, op. cit., p. 310, diz: "Esse entusiasmo de um rico burguês praguense e mestre da Universidade foi se desgastando gradualmente, talvez porque a revolução tenha ido demasiado contra a sua vontade, talvez porque tenha demorado muito, ou mesmo talvez porque as circunstâncias políticas tenham se alterado em relação ao momento em que começou a escrever a crônica".
  • 36
    Confira BLÁHOVÁ, Marie. M. Vavřinec z Březové a jeho dílo, op. cit., p. 311-312.
  • 37
    "rozkolem domácí války pustoší". VAVŘINEC Z BŘEZOVÉ. Husitská kronika & Píseň o vítězství u Domažlic, op. cit., p. 9. O trecho citado encontra-se em BLÁHOVÁ, M. M. Vavřinec z Březové a jeho dílo, op. cit., p. 311.
  • 38
    BLÁHOVÁ, Marie. M. Vavřinec z Březové a jeho dílo, op. cit., p. 312.
  • 39
    BLÁHOVÁ, Marie. M. Vavřinec z Březové a jeho dílo, op. cit., p. 313. HEŘMANSKÝ, František. O Vavřincovi z Březové, op. cit., p. 345.
  • 40
    Trata-se de VAVŘINEC Z BŘEZOVÉ, Vavřince z Březové Kronika husistská. In. EMLER, J. & GOLL, J. Prameny dějin českých, v. 5. Praga: Nadání Františka Palakého, 1893, p. 327 - 534.
  • 41
    "(...) by the time the German settlers set foot on Bohemian soil both names had long been far more than mere labels: they were nodal points in matrices of ideas, arguments and claims". SCALES, Leonard. At the margin of community: Germans in Pre-Hussite bohemia. Transactions of the Royal Historical Society, v. 9: 327 - 352, 1999.
  • 42
    Radějí sě chci s českú sedlkú snieti /než ciesařovnu německú za ženu jmieti (...) Němkyně bude německú čeled mieti/ a německy bude učiti mé děti./ A proto bude jazyka rozdělenie/ a ihned země zkaženie. SCALES, Leonard. At the margin of community: Germans in Pre-Hussite Bohemia. Transactions of the Royal Historical Society, v. 9: 327 - 352, 1999, p. 212. Traduzimos o termo do tcheco arcaico "jazyk" como "nação". No tcheco moderno, essa palavra é traduzida como "língua" ou "idioma". Publicamos esta tradução, inicialmente, em AGUIAR, Thiago Borges de & SILVA, Davi Costa da. Identidade nacional na Boêmia do século XV e a formação de uma "paideia" tcheca. Educação e Pesquisa - Revista da Faculdade de Educação da USP, v. 41, 2015, p. 309-324.
  • 43
    "its characteristic attitudes and prejudices indicate the Czech lower nobility as its probable audience". SCALES, Leonard. At the margin of community: Germans in Pre-Hussite Bohemia. Transactions of the Royal Historical Society, v. 9: 327 - 352, 1999, p. 343.
  • 44
    "Rovněž v témž čase také na rozkaz krále Zikmunda vtrhl Vlach Pipa s množstvím Uhrů na Moravu plenit statky pánů, kteří byli spolčeni s Pražany, a zvláště pana Petra ze Strážnice a pana Bočka. I stalo se, že nešetříce nikoho vypalovali vesnice a městečka, znásilňovali pany a nelidsky upalovali nebo mečem vraždili lidi obojího pohlaví, které zajali, nešetříce ani dětí. A tak když to viděli páni, byli strachem a hrůzou zhrouceni, nepostavili se k skutečné a jednomyslné obraně, ani se společně nepodporovali, nýbrž jeden každý kromě pana Haška z Ostroha hleděl si u krále zajistiti, aby mohl zcela klidně při životě a statcích zůstati." VAVŘINEC Z BŘEZOVÉ. Husitská kronika & Píseň o vítězství u Domažlic, op. cit., p. 259.
  • 45
    "Čech a Moravané, Uhři a Charváti, Dalmatinci a Bulhaři, Valaši a Sikulové, Hunové, Jasi, Rusíni, (...), Slovinci, Prusové, Srbové, Durynkové, Štýřané, Míšňané, Bavoři, Sasové, Rakušané, Frankové, Francouzi, Angličané, Brabanti, Vestfálové, Holanďané, Švýcaři, Lužičané, Švabové, Korutanci, Aragonci, Španělé, Poláci, Němci o Rýna a jiní přemnozí". VAVŘINEC Z BŘEZOVÉ. Husitská kronika & Píseň o vítězství u Domažlic, op. cit., p. 82.
  • 46
    "Ti tedy denně, stojíce na vrcholu hory nad řekou naproti klášteru svatého Kříže a kostelu svatého Valentina, proti městu jako psi vyli: "Ha, ha, Hus, Hus, Katzer, Katzer". A jestliže náhodou padl do jejich rukou některý Čech, toho bez prodlení, kdyby ho rychle neosvobodili Čechové v poli s nimi ležíci, beze všeho slitování upalovali jako kacíře, i když nikdy nepřijímal pod obojí způsobou". VAVŘINEC Z BŘEZOVÉ. Husitská kronika & Píseň o vítězství u Domažlic, op. cit., p. 82.
  • 47
    SELTZER, Joel Daniel. Framing faith, forging a nation: Czech vernacular historiography and the Bohemian reformation, 1430-1530, op. cit., p. 238, nota 52.
  • 48
    Em 1409, Venceslau IV assinou o Decreto de Kutná Hora, aumentando o poder dos tchecos na Universidade de Praga, o que causou uma saída em massa de estudantes e professores alemães. Ver AGUIAR, Thiago Borges de & SILVA, Davi Costa da. Identidade nacional na Boêmia do século XV e a formação de uma "paideia" tcheca. Educação e Pesquisa - Revista da Faculdade de Educação da USP, v. 41, 2015, p. 309-324.
  • 49
    "v nejkřesťanštějsím Království českém a Markrabství moravském". VAVŘINEC Z BŘEZOVÉ. Husitská kronika & Píseň o vítězství u Domažlic, op. cit., p. 9. Grifos nossos.
  • 50
    "(...) že je arcibiskup a peláti vyobcovávali a vyhlašovali interdikt nad celou Prahou. A tak nejen v Praze, nýbrž i v mnohých městech Království českého a Markrabství moravského, na hradech, v městečkách a dědinách hromadně přistupoval obecný lid velikou zbožnosti a úctou k nejsvětějšímu přijímání pod obojí způsobou". VAVŘINEC Z BŘEZOVÉ. Husitská kronika & Píseň o vítězství u Domažlic, op. cit., p. 11. Grifos nossos.
  • 51
    "věrní Češí jak duchovní, tak světší, přívrženci přijímání pod obojí způsobou, zbožně je vykonávali i želeli nespravedlivé smrti mistra Jana Husa blahé paměti, věrného a znamenitého kazatele svatého evangelia". VAVŘINEC Z BŘEZOVÉ. Husitská kronika & Píseň o vítězství u Domažlic, op. cit., p. 40.
  • 52
    AGUIAR, Thiago Borges de. Jan Hus: cartas de um educador e seu legado imortal, op. cit., p. 131.
  • 53
    "pro budoucí paměť věci, aby hlásalo zlořečenou nešlechetnou zlobu ohrožovatelů a pronásledovatelů těch, kdož horlili za zákon boží a jeho přesvatou pravdu". VAVŘINEC Z BŘEZOVÉ. Husitská kronika & Píseň o vítězství u Domažlic, op. cit., p. 9.
  • 54
    "Počátky táborového hnutí líčí zcela se sympatiemi: lid se scházel na horách, aby poslouchal kárání a zůčastnil se přijímání z kalicha. Ale potom začali někteři táborští kněží - jimž vůbec přičítá vinu za přišti rozkol - hlásat bludy a svádět lid k nepravému učení a konečně ke zlým skutkům, které pak táboři v Čechách páchali." BLÁHOVÁ, Marie. M. Vavřinec z Březové a jeho dílo, op. cit., p. 311. Grifos nossos.
  • 55
    "kdysi šťastného a slavného Království českého"; "rozkolem domácí války pustoší". VAVŘINEC Z BŘEZOVÉ. Husitská kronika & Píseň o vítězství u Domažlic, op. cit., p. 9.
  • 56
    "aby budoucí potomstvo českého národa nebylo připraveno o známost tohoto hrozného, ba odstrašujícího pádu a žalostnou nečinností nekleslo v podobný nebo horší". VAVŘINEC Z BŘEZOVÉ. Husitská kronika & Píseň o vítězství u Domažlic, op. cit., p. 9.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    14 Set 2015
  • Aceito
    31 Mar 2016
Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de História Av. Prof. Lineu Prestes, 338, 01305-000 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (55 11) 3091-3701 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistahistoria@usp.br