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REPRESENTAÇÕES DO FEMININO E DO MASCULINO NAS PETIÇÕES ENVIADAS ÀS SECRETARIAS DE ESTADO DOS NEGÓCIOS DO REINO E DO IMPÉRIO (RIO DE JANEIRO, 1808-C. 1830) * * Agradeço: ao Prof. Dr. Evergton Sales Souza pelo apoio ao desenvolvimento do Projeto de Pesquisa de Pós-Doutorado, do qual este artigo constitui resultado, junto ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Bahia; às Profas. Dras. Jacqueline Hermann e Beatriz Catão Cruz Santos, pelos comentários feitos à versão manuscrita deste artigo em uma reunião do Laboratório Sacralidades da UFRJ; e à Patrícia Peixoto, pela revisão do abstract.

FEMALE AND MALE REPRESENTATIONS IN PETITIONS SENT TO THE STATE AFFAIRS SECRETARIATS OF THE KINGDOM AND THE EMPIRE (RIO DE JANEIRO, 1808-C. 1830)

Resumo

O artigo pretende discutir as representações de gênero das petições enviadas às secretarias de Estado dos Negócios do Reino e do Império. A documentação foi coligida na Coleção de Documentos Biográficos da Divisão de Manuscritos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, separando-se para análise somente as petições que continham referências a estabelecimentos femininos de reclusão fundados na referida cidade. Nas petições que dirigiam ao monarca por intermédio das secretarias, os requerentes utilizavam representações tradicionais do feminino e do masculino, reforçando-as ou as invertendo, conforme a estratégia discursiva adotada, com a finalidade de obter determinadas mercês régias. As imagens de gênero analisadas não se referiam apenas às relações domésticas dos casais, aludindo também às concepções mais amplas do poder que envolviam os súditos e o soberano.

Palavras-chave:
Representações de gênero; recolhimentos femininos; divórcio

Abstract

The article discusses gender representations of petitions sent to the State Affairs Secretariats of the Kingdom and the Empire. The documentation was found in the Biographical Documents Collection of Rio de Janeiro National Library’s Manuscripts Division, having been set apart for analysis only the petitions containing references to confinement of female establishments founded in that city. In petitions addressed to the monarch through the secretariats, applicants used traditional representations of femininity and maleness, reinforcing or reversing them, as a discursive strategy, adopted in order to obtain certain Royal favors. Gender images analyzed not only referred to couples domestic relations, but also alluded to broader Power conceptions, involving the subjects and the sovereign.

Keywords:
Gender representations; female clustering; divorce

Introdução: perspectivas teóricas e historiográficas

Diz D. Ana Theotonia Leal, filha do Doutor Antônio Francisco Leal, casada com José Antônio Monteiro, que ela há dois anos e meio acha-se reclusa no Convento de Nossa Senhora da Ajuda desta cidade a requerimento do seu marido sem aparecer culpa (...): e porque sem culpa a formado não deve ser pessoa alguma tirada da sua liberdade, e arrojada a uma clausura; nem tanto chega a autoridade de um marido a respeito de sua mulher; especialmente quando este, à exceção da parca mesada que ele lhe presta, tem-lhe sempre negado, além de outras coisas necessárias, as roupas e vestidos próprios da mesma clausura (...): portanto implora esta a Vossa Alteza queira dignar-se de mandar expedir ordem para ser a suplicante isenta da referida clausura, e restituída à casa de seu pai, visto que o suplicado seu marido recusa viver com ela.1 1 Ana Theotônia Leal. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando licença para sair da clausura do Convento de Nossa Senhora da Ajuda da Corte do Rio de Janeiro. 1821-1822. BNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0744, 041, nº 003. A ortografia foi atualizada, mantendo-se o uso de maiúsculas do original.

A vastíssima Coleção de Documentos Biográficos da Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro reúne petições, enviadas, até 1822, à Secretaria de Estado dos Negócios do Reino e, após a Independência, à Secretaria de Estado dos Negócios do Império, que tratam da reclusão de mulheres em instituições que serviam ao referido fim.2 2 Sobre as referidas secretarias, ver SÁ NETTO, Rodrigo de. A Secretaria de Estado dos Negócios do Império (1823-1891). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2013, p. 7. Ainda que quase todos os requerimentos localizados na Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro tenham sido identificados como enviados ao Ministério do Império, o autor citado informa mais precisamente sobre os órgãos administrativos aos quais eram enviadas as petições que tratavam do recolhimento de mulheres: “as raízes da Secretaria de Estado dos Negócios do Império estão em Portugal, no reinado de D. João V, quando o alvará de 28 de julho de 1736, reorganizando a administração lusa, criou três secretarias: a dos Negócios Interiores do Reino, a da Marinha e Domínios Ultramarinos e a dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. A primeira delas, com a transferência da monarquia para o Brasil, em 1808, passou a chamar-se Secretaria de Estado dos Negócios do Reino (...). Após a Independência seria rebatizada como Secretaria de Estado dos Negócios do Império e Estrangeiros e, posteriormente, apenas Secretaria de Estado dos Negócios do Império, segundo o decreto de 13 de novembro de 1823”. Ver também TAPAJÓS, Vicente. Organização política e administrativa do Império. Brasília: Funcep, 1984, p. 85; VINHOSA, Francisco Luiz Teixeira. Brasil sede da monarquia: Brasil Reino. Brasília: Funcep, 1984, p. 164-167. Há algumas décadas, a historiografia tem discutido a recepção de mulheres de diferentes categorias em instituições de reclusão.3 3 Para a América Portuguesa, o estudo mais amplo é o de ALGRANTI, Leila Mezan. Honradas e devotas: mulheres da Colônia. Condição feminina nos conventos e recolhimentos do Sudeste do Brasil, 1750-1822. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: Ed. UnB, 1993. Ver também SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Donas e plebeias na sociedade colonial. Lisboa: Estampa, 2002, p. 103-134; MYSCOFSKI, Carole A.Amazons, Wives, Nuns and Witches. Women and the Catholic Church in Colonial Brazil, 1500-1822. Austin: University of Texas Press, 2014. Deixando aqui de lado as freiras que, por abraçarem a vida religiosa por meio de votos perpétuos, pretendiam permanecer em mosteiros e conventos até o final da vida, autores têm trabalhado com práticas temporárias de reclusão. Órfãs que, dotadas por essas instituições, podiam contrair casamento;4 4 RUSSELL-WOOD, John. Fidalgos e filantropos: A Santa Casa da Misericórdia da Bahia, 1550-1755. Brasília, Ed. UnB, 1981, p. 253-265; COATES, Timothy J.Degredados e órfãs: colonização dirigida pela Coroa no Império português (1550-1755). Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1998, p. 223-274; GANDELMAN, Luciana. Mulheres para um Império. Órfãs e caridade nos recolhimentos femininos da Santa Casa da Misericórdia (Salvador, Rio de Janeiro e Porto – século XVIII). Tese de Doutorado em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005. viúvas pobres que, sem parentes que pudessem sustentá-las, encontravam amparo seguro para a honra no âmbito das supracitadas instituições; mulheres casadas que, devido à ausência temporária dos maridos, eram enviadas pelos mesmos a recolhimentos ou conventos; mulheres em litígio conjugal que, à espera da resolução do respectivo processo de divórcio nos tribunais eclesiásticos, eram depositadas em recolhimentos e conventos;5 5 MANSO, Maria de Deus Beites. Mujeres en el Brasil colonial: el caso del Recogimiento de la Santa Casa de la Misericordia de Bahía a través de la depositada Teresa de Jesús In: LORETO LÓPEZ, Rosalva; VIFORCOS MARINAS, Maria Isabel (org.). Historias compartidas. Religiosidad y reclusión femenina en España, Portugal y América. Siglos XVI-XIX. León: Universidad de León; Puebla: Benemérita Universidad Autónoma de Puebla, 2007, p. 339-365. mulheres cuja virtude, aos olhos da moralidade coeva, encontrava-se corrompida, sendo colocadas por este motivo em um refúgio considerado seguro;6 6 SILVA, Maria Beatriz Nizzada. Punida e insubmissa: escândalo no Convento da Lapa em Salvador. Clio. Revista de pesquisa histórica. Recife, v. 25, n. 1, 2007, p. 11-30. ISSN 0102-4736. Disponível em http://www.revista.ufpe.br/revistaclio/index.php/revista/article/viewFile/595/434. Acesso em 28 Apr. 2017.; MOTT, Luiz. Rosa Egipcíaca: uma santa africana no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand, 1993, p. 276. e, em contraste, mulheres leigas que se recolhiam em busca de uma vida espiritual mais perfeita7 7 ALMEIDA, Suely Creusa Cordeiro de. O sexo devoto: normalização e resistência feminina no Império português, XVI-XVIII. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2005, p. 261-334. : eis o perfil aproximado das mulheres que se encontravam nas instituições de reclusão analisadas pela historiografia, e que se reproduz nas petições que serão tratadas a seguir. Praticamente em todas as situações descritas, a preocupação com a reclusão feminina estendia-se ao segmento social das mulheres brancas, cuja condição as afastava do universo do trabalho manual, marcado pelas relações escravistas.8 8 Para o estudo das mulheres brancas pobres, forras e escravas no referido contexto, ver DIAS, Maria Odila da Silva. Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX. 2ª ed. rev. São Paulo: Brasiliense, 1995.

Ainda que a referência às instituições de reclusão tenha sido importante para selecionar as petições no âmbito da documentação mais ampla, o presente trabalho não prioriza a perspectiva institucional. Está inserido, de maneira ampla, no campo dos estudos culturais, para o qual o conceito de representação se torna um dos pontos fulcrais da reflexão. De acordo com um dos principais expoentes do referido campo de estudos, a representação

Permite articular três modalidades da relação com o mundo social: em primeiro lugar, o trabalho de classificação e de delimitação que produz as configurações intelectuais múltiplas, através das quais a realidade é contraditoriamente construída pelos diferentes grupos; seguidamente, as práticas que visam fazer reconhecer uma identidade social, exibir uma maneira própria de estar no mundo, significar simbolicamente um estatuto e uma posição; por fim, as formas institucionalizadas e objetivadas graças às quais uns ‘representantes’ (instâncias coletivas ou pessoas singulares) marcam de forma visível e perpetuada a existência do grupo, da classe ou da comunidade.9 9 CHARTIER, Roger. A História cultural entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990, p. 23.

Um dos focos da análise incidirá nas representações construídas em torno da prática do recolhimento das mulheres.10 10 A respeito da polissemia de significados assumidos pelo termo “recolhimento” no contexto ibérico e colonial, ver VAN DEUSEN, Nancy. Between the Sacred and Wordly. The Institutional and Cultural Practice of Recogimiento in Colonial Lima. Stanford: Stanford University Press, 2001, p. 1-36. Será enfatizado o caráter não consensual das referidas representações, caso sejam comparadas as atitudes de homens e mulheres manifestadas nas petições às duas secretarias de Estado. No que tange aos signos patriarcais, a documentação consultada se revela igualmente polissêmica, abrindo espaços, de acordo com as diferentes demandas contidas nas petições, a representações contraditórias do masculino. A hipótese principal que tentará ser demonstrada aqui é que homens e mulheres, e seus respectivos procuradores legais, procuravam justificar suas demandas à Coroa com base num amplo repertório de representações de gênero. A habilidade na manipulação de símbolos e estereótipos associados convencionalmente ao campo do feminino e do masculino podia ampliar as chances dos requerentes em obter aprovação das respectivas petições junto às autoridades monárquicas.

Na medida em que o conceito de gênero assume uma posição central na análise adotada, cabem aqui algumas considerações sobre o seu uso no decorrer do texto. Joan Scott define o gênero como uma forma primária de se conceber o poder em diferentes sociedades. As categorias de homem e mulher perpassam o campo da produção simbólica, em geral, e o da linguagem, em particular, sendo absorvidas por doutrinas e instituições, que tendem a naturalizar a divisão binária entre o masculino e o feminino.11 11 SCOTT, Joan Wallach. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e realidade. Porto Alegre, n. 16, 2, 1990, p. 5-22. ISSN: 0100-3143. Disponível em http://www.seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/issue/viewIssue/3059/325. Acesso em 28 Apr. 2017. Para uma tentativa de conciliar a abordagem pós-estruturalista dos estudos de gênero e as análises de História Social, opção que foi adotada no presente trabalho, ver PINSKY, Carla Bassanezi. Estudos de gênero e História Social. Revista de Estudos Feministas. Florianópolis, v. 17, n. 1, 2009, p. 159-189. ISSN: 0104-026X. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ref/v17n1/a09v17n1.pdf. Acesso em 28 Apr. 2017. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X2009000100009. Judith Butler foi além das críticas apresentadas por Scott quanto à preocupação com a desnaturalização das categorias por meio das quais são representadas as relações entre os gêneros. Ao avaliar que as categorias jurídicas produzem práticas de construção e de exclusão dos sujeitos, propõe que a própria palavra “mulher” é uma construção dos sistemas de poder, não possuindo, assim, uma identidade comum a-histórica. O gênero se constitui de maneira diferenciada de acordo com cada contexto, articulando-se a variáveis étnicas, de classe, entre outras. Partindo dessas premissas, a autora propôs uma “crítica às categorias de identidade que as estruturas jurídicas contemporâneas engendram, naturalizam e imobilizam”12 12 BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 22. . Por fim, quanto à desnaturalização das categorias “homem” e “mulher”, cuja análise é central para a abordagem assumida neste estudo, cabe uma referência à obra de Thomas Laqueur sobre a representação dos corpos e dos sexos em princípios do período Moderno. O mesmo autor conclui que “a ideia, tão poderosa depois do século XVIII, de que havia alguma coisa concreta e específica dentro, fora e por todo o corpo que opunha o masculino ao feminino (...) era inexistente na Renascença”13 13 LAQUEUR, Thomas. Inventando o sexo: corpo e gênero dos gregos a Freud. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001, p. 169. . Havia somente a preocupação de definir o status jurídico de homens e mulheres, que não eram concebidos ontologicamente como opostos: “ser homem ou mulher era manter uma posição social, assumir um papel cultural e não pertencer organicamente a um sexo ou a outro”14 14 LAQUEUR, Thomas, op. cit., 2001, p. 177. .

A partir da discussão acima, não se adota neste estudo o uso naturalizado das categorias masculino e feminino, ou homem e mulher; ao contrário, são aqui vistas como campos de significados socialmente construídos. A historiografia do período Moderno tem revelado a astúcia dos agentes sociais em manipular as referidas categorias, e as atribuições associadas às mesmas, a fim de legitimar estratégias de poder e de reconhecimento. Alison Weber mostrou a habilidade de Santa Teresa d’Ávila, cujos escritos eram objeto de exame da Inquisição, em se apropriar de representações estereotipadas então associadas às mulheres - tais como fraqueza e ignorância - para legitimar a validade de sua experiência mística.15 15 WEBER, Alison. Teresa of Avila and the Rhetoric of Femininity. Princeton: Princeton University Press, 1990, p. 17-41. A disputa ocorrida em Castela, no princípio do século XVII, entre os defensores e os opositores da elevação de Teresa d’Ávila ao lugar de co-padroeira dos reinos da Espanha, revela também a dinâmica de apropriação de representações acerca da mulher para validar projetos políticos e religiosos. Enquanto os defensores representavam Teresa d’Ávila como uma mulher viril que superou limitações associadas ao sexo feminino, o grupo oposto associou-a a beatas suspeitas de heresia punidas pela Inquisição.16 16 ROWE, Erin Kathleen. Saint and Nation. Santiago, Teresa of Avila and Plural Identities in Early Modern Spain. Pennsylvania State University Press, 2011, p. 48-76. De modo complementar, as representações do masculino também constroem redes de significado que atuam com base em operações de diferença.17 17 SILVA, Natanael de Freitas. Historicizando as masculinidades: considerações e apontamentos à luz de Richard Miskolci e Albuquerque Junior. História, histórias. Revista do Programa de Pós-graduação em História da UnB. Brasília, v. 1, n. 5, 2015, p. 7-22. ISSN: 2318-1729, Disponível em http://periodicos.unb.br/index.php/hh/article/view/13306/12262. Acesso em 28 Apr. 2017. Como exemplo, a representação da virilidade no período Moderno liga-se a um ideal de moderação, de controle masculino sobre o próprio corpo. O homem “não pode dar-se ao luxo de ser seduzido por uma mulher. Aquele que aceita as iniciativas de uma mulher corre o risco de perder a virilidade”18 18 KRITZMAN, Lawrence D. A virilidade e seus “outros”: a representação da masculinidade paradoxal. In: VIGARELLO, Georges (dir.). A invenção da virilidade da Antiguidade às Luzes. Petrópolis: Vozes, 2013, p. 218. .

Contexto

Há várias razões para a adoção do recorte cronológico escolhido. Em primeiro, lugar, a opção pelo período joanino baseou-se na própria dinâmica de funcionamento da Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, o órgão ao qual se reportavam inicialmente os suplicantes na documentação. Subsidiando as decisões da referida Secretaria, havia quase sempre pareceres emitidos por Paulo Fernandes Viana, o desembargador que ocupou entre 1808 e 1821 a função de intendente geral da Polícia da Corte e do Estado do Brasil.19 19 HOLLOWAY, Thomas H.Polícia no Rio de Janeiro: Repressão e resistência numa cidade do século XIX. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1997, p. 46-47. Das 76 petições, encontradas na Coleção de Documentos Biográficos da Divisão de Manuscritos da Biblioteca Nacional, que tratam do recolhimento de mulheres, a maioria pertence ao período joanino. Desde pelo menos a publicação da obra clássica de Oliveira Lima, existe uma vasta bibliografia a indicar as transformações ocorridas no tecido urbano, na sociedade e na vida política do Rio de Janeiro, que se ajustou às novas funções de sede de uma monarquia pluricontinental.20 20 Para mencionar apenas algumas referências, ver ALGRANTI, Leila. O feitor ausente: estudos sobre a escravidão urbana no Rio de Janeiro (1808-1821). Petrópolis: Vozes, 1988; SCHWARCZ, Lilia Moritz. A longa viagem da biblioteca dos reis: do terremoto de Lisboa à Independência do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2002; RODRIGUEZ LOPEZ, Emilio Carlos. Festas públicas, memória e representação: um estudo sobre as manifestações políticas na Corte do Rio de Janeiro, 1808-1822. São Paulo: Humanitas, 2004; BARRA, Sérgio. Entre a Corte e a cidade: o Rio de Janeiro no tempo do rei (1808-1821). Rio de Janeiro: José Olympio, 2008. Conforme salientou Kirsten Schultz, os súditos do Rio de Janeiro, pertencentes a diferentes extratos sociais, tiveram condições de solicitar diretamente à soberania régia a concessão de diversas mercês e favores. Pautando a sua ação pelo respeito às hierarquias sociais e aos poderes ordinários, a autoridade régia e seus representantes mais imediatos saíam politicamente fortalecidos ao abrirem canais de comunicação mais direta com os súditos.21 21 SCHULTZ, Kirsten. Versalhes tropical. Império, monarquia e a Corte imperial no Rio de Janeiro, 1808-1821. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 221-234. A respeito da economia da graça na sociedade portuguesa do período Moderno, ver XAVIER, Ângela Barreto; HESPANHA, Antonio Manuel. As redes clientelares. In: HESPANHA, Antonio Manuel (coord.). O Antigo Regime (1620-1807). Lisboa: Estampa, 1993, p. 381-393. Após 1820, com o impacto das notícias do movimento constitucionalista na cidade do Porto, a linguagem política empregada pelos súditos em suas relações com a monarquia se altera, abrindo espaço para críticas à ordem absolutista, à tirania e ao despotismo. Como será visto, as petições para recolhimento de mulheres elaboradas no período ecoaram a nova linguagem política, corroborando a tese de Joan Scott a respeito da relação indissociável entre as questões de gênero e as representações do poder.22 22 SCHULTZ, Kirsten, op. cit., 2008, p. 333-385; NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. Corcundas e constitucionais: a cultura política da Independência (1820-1822). Rio de Janeiro: Revan/FAPERJ, 2003, p. 119-168; SILVA, Ana Rosa Cloclet da. Inventando a nação: intelectuais ilustrados e estadistas luso-brasileiros na crise do Antigo Regime português. São Paulo: Hucitec/FAPESP, 2006, p. 287-312.

A opção por situar o marco final do texto em princípios da década de 1830 também se deve aos condicionamentos das fontes e da historiografia. Com relação ao primeiro fator, o número de pedidos tocantes ao recolhimento de mulheres cai sensivelmente após 1830. Em segundo lugar, estava em curso no período imediatamente seguinte à Independência uma redefinição da prática do recolhimento feminino. Conforme argumentou Erica Windler, as ideias liberais e ilustradas presentes no momento da construção da nova nação vão aos poucos redefinindo o conceito de honra associado à virtude feminina. Tratando especificamente do Recolhimento de Órfãs da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, a autora argumenta que até a década de 1820, a concepção de honra feminina pautava-se pelos critérios tradicionais de recato, honestidade e afastamento do espaço público, fatores que tendiam a limitar a honra a uma faixa seleta de mulheres dentro da hierarquia social, isto é, brancas e filhas legítimas. Em 1843, a reforma dos estatutos do Recolhimento, “demonstrated a desire to redefine honor as a quality avaiable to both rich and poor. Hard work, education, and display of morality were to outweigh qualities of lineage in the definition of girl’s reputation”.23 23 WINDLER, Erica. Honor among Orphans: Girlhood, Virtue and Nation at Rio de Janeiro’s Recolhimento. Journal of Social History. Oxford, vol. 44, n. 4, Summer 2011, p. 1209. ISSN: 0022-4529. Disponível em https://academic.oup.com/jsh/issue/44/4. Acesso em 28 Apr. 2017. Doi: https://doi.org/10.1353/jsh.2011.0052. As mudanças na representação da honra feminina após a Independência foram também analisadas por CAULFIELD, Sueann. Em defesa da honra: moralidade, modernidade e nação no Rio de Janeiro (1918-1940). Campinas: Ed. da Unicamp, 2000, p. 32. Um pouco antes, em 1824, a Mesa da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro havia decidido proibir o ingresso no Recolhimento de Órfãs de mulheres casadas, que viviam ali como pensionistas sustentadas pelas próprias famílias. A justificativa para tal decisão se deveu ao risco de “contágio moral” que as mulheres casadas - cujos costumes eram por vezes criticados pelas autoridades, por causa do envolvimento em processos de divórcio - poderiam causar em contato com as meninas órfãs. Estas viviam recolhidas desde os primeiros anos de vida no estabelecimento, e recebiam dotes para casamento doados por benfeitores da Santa Casa da Misericórdia.24 24 GANDELMAN, Luciana. Entre a cura das almas e o remédio dos vivos: o Recolhimento de Órfãs da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro e a caridade para com as mulheres (ca. 1739-1830). Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, 2008, p. 94-95. Além de tudo o que já foi visto, em um plano mais geral, os anos de 1830-1832 trazem a marca das pressões de grupos liberais radicais, presentes no momento da abdicação de D. Pedro I, na edição de leis que levaram à extinção de órgãos administrativos associados às práticas do Antigo Regime - notadamente a Intendência Geral da Polícia - e também na promulgação de medidas que traziam novas garantias legais aos cidadãos, como o Código Criminal.25 25 HOLLOWAY, Thomas H., op. cit., 1997, p. 67-76; BARMAN, Roderick J. Brazil. The Forging of a Nation, 1798-1852. Stanford: Stanford University Press, 1988, p. 160-174.

De modo complementar, e trabalhando com o mesmo Recolhimento, Erica Windler e Luciana Gandelman chamaram a atenção para importantes transformações relacionadas à prática de reclusão no período em foco, intimamente relacionadas com alterações na representação da mulher.26 26 As duas autoras citadas não trabalharam com a documentação examinada neste artigo. Este trabalho está inserido justamente no contexto das mudanças assinalado pelas autoras. E, embora as petições para ingresso no ou para a saída do Recolhimento de Órfãs da Santa Casa da Misericórdia constituam uma parte substancial da documentação selecionada, o foco de análise aqui adotado será distinto. Em vez de priorizar as práticas adotadas por uma determinada instituição, buscar-se-á analisar as representações associadas ao recolhimento feminino, seja para justificá-lo ou criticá-lo, articulando as justificativas e críticas às posições ocupadas pelos sujeitos nas redes de relações familiares e de poder. Por outro lado, pretende-se inferir também de que maneira o poder institucional do Estado, por meio das Secretarias de Estado ou de órgãos como a Intendência Geral da Polícia, interferiam nestas mesmas relações, contribuindo para moldar e redefinir práticas e representações ligadas ao recolhimento feminino. Para efeitos de análise, foram considerados 76 requerimentos enviados às duas secretarias no período escolhido. Chegou-se às petições utilizando-se, nos instrumentos de busca da vastíssima Coleção, as referências aos locais de reclusão institucional, isto é, os recolhimentos femininos e o Convento da Ajuda do Rio de Janeiro.

Perfil dos requerentes

Antes de entrar na discussão a respeito dos usos das imagens associadas a homens e a mulheres nas petições, é necessário apresentar um perfil da documentação analisada, se se quer compatibilizar a análise das representações com os métodos da História Social.

Os 76 requerimentos apurados diziam respeito a 83 requerentes, pois alguns documentos tinham autoria coletiva. Deste total de 83 requerentes que peticionaram às secretarias de Estado para tratar da reclusão feminina, 23 eram do sexo masculino e 60 do feminino. Este índice de 72,2% das petições oriundas de mulheres chama a atenção para o potencial da documentação para o conhecimento do universo feminino de reclusão, pois, no contexto em pauta, as mulheres deviam ser francamente minoritárias no que diz respeito a representações dirigidas a outros órgãos da monarquia.

A primeira informação que se cuidou em registrar foi o estado dos requerentes. A menção ao estado e à garantia de recolhimento feminino era decisiva para a definição da honra das mulheres. Assim, do total de 60 mulheres que peticionaram às secretarias de Estado, 20 eram casadas (33,3%), 20 eram órfãs, 11 eram viúvas (18,3%), duas se declaravam solteiras (3,3%) e apenas uma indicou ser noiva (1,6%). Em 6 registros (10%) não há informações sobre o estado das mulheres. No que diz respeito às 23 petições dirigidas por requerentes do sexo masculino, predominavam os casados, correspondendo a 10 casos (43,4%). Vinham em seguida os viúvos e noivos, com 3 representantes para cada grupo (13%). Por fim, constavam 3 homens declarados respectivamente como solteiro, órfão e clérigo (4,3% para cada grupo). Não há informações em 4 registros (17,39%). Esta diferença constitui quase o dobro da ausência de registros quanto ao estado verificada entre as mulheres (10%). Para explicá-la, deve-se levar em conta que, para o homem, a menção ao estado não era fundamental para a determinação da honra.

Se a referência ao estado não era tão importante para os homens quanto para as mulheres, o mesmo não se pode dizer da ocupação. Neste caso, há uma inversão de situações: não há referências sobre ocupações profissionais femininas, na medida em que o universo social das mulheres reclusas afastava-se da esfera do trabalho manual, podendo-se acrescentar que, em muitos casos, levavam consigo uma ou mais escravas para que as servissem no interior das instituições de reclusão. Para os 23 requerentes do sexo masculino, temos informações quanto à ocupação para 14 casos. Em primeiro lugar, destacavam-se 5 militares, representando 21,7% do total. Em segundo lugar, vinham 3 funcionários civis, totalizando 13% do conjunto. Um pouco mais abaixo, representando 8,6% cada grupo, situavam-se 2 comerciantes e 2 homens com profissões marítimas. Por fim, 1 fidalgo da Casa Real e 1 eclesiástico. Este perfil profissional é muito representativo. Em todos os casos, tratava-se de ocupações cujos indivíduos mantinham relações muito próximas com a monarquia, de quem dependiam para a concessão de mercês, promoções na carreira e outras vantagens pessoais. Segundo Schultz, ainda que o recurso imediato à soberania régia tenha sido facilitado após 1808 para diferentes súditos que residiam no Rio de Janeiro, geralmente a intervenção do soberano ocorria apenas nos casos em que a qualidade da pessoa e/ou os serviços que oferecera à monarquia justificavam tal medida.27 27 SCHULTZ, Kirsten, op. cit., 2008, p. 234. Este tipo de perfil se ajusta inclusive para o caso dos comerciantes, que em geral operavam no comércio de grosso trato, inclusive em portos estrangeiros. O conhecimento do perfil profissional dos homens que recorriam às secretarias de Estado em busca de mercês régias para aliviar os seus problemas familiares e conjugais é revelador da lógica de funcionamento dos referidos órgãos. A impressão que fica é que o recurso às secretarias de Estado era uma via cujo êxito dependia do envolvimento dos requerentes e dos respectivos familiares nas redes de poder da Coroa. Como era típico do Antigo Regime, não era um canal muito eficaz para as solicitações da totalidade dos súditos, o que explica a pequena presença de homens com perfil socioeconômico muito humilde.

Os requerimentos de homens e mulheres dirigidos às secretarias de Estado dos Negócios do Reino e do Império informavam sobre o trânsito das mulheres de suas casas para as instituições de reclusão, ou vice-versa. Outros percursos eram também possíveis: em casos de litígio conjugal, as mulheres casadas eram depositadas provisoriamente em casas de parentes, até que a autoridade eclesiástica do bispado decidisse ou não pela transferência a alguma instituição de reclusão. Há casos inclusive de mulheres que passaram por mais de um recolhimento ou convento. Do total de 83 requerentes, apenas 6 (7,2%) não fizeram referência a alguma das instituições de reclusão em seus pedidos. Como já se sabe, em alguns casos, há referências a mais de uma instituição de reclusão, dados que foram considerados na análise a seguir. De longe, o Recolhimento da Santa Casa da Misericórdia foi a instituição mais procurada, sendo mencionado por 57 (68,6%) dos requerentes. Em seguida, aparece o Convento de Nossa Senhora da Conceição da Ajuda, que foi lembrado nas petições de 16 (19,2%) requerentes. O Recolhimento de Nossa Senhora do Parto foi referido em 5 requerimentos e, por sua vez, o Recolhimento de Santa Teresa de Itaipu, localizado na Banda d’Além - no atual município de Niterói - aparece lembrado em 4 petições. Por fim, o Seminário de São Joaquim foi buscado como instituição de reclusão por um requerente. A entrada de mulheres nas referidas instituições de reclusão era um processo que provocava inúmeras tensões. O Recolhimento da Santa Casa era uma instituição delineada originalmente para receber órfãs que, educadas no referido estabelecimento, recebiam na idade propícia dotes para casamento. No período em questão, houve um grande crescimento de mulheres recolhidas devido a conflitos conjugais. O Convento da Ajuda passou por problemas semelhantes. Antes do período joanino, a instituição já tinha um perfil múltiplo, abrigando, além das freiras, meninas que entravam como educandas, serventes e escravas. Após 1808, o Convento passou a ser também procurado para abrigar mulheres em conflito conjugal, cujo comportamento contrastava com aquele exigido do restante da população conventual.

Para concluir a breve apreciação das fontes da Fundação Biblioteca Nacional que tratavam do recolhimento de mulheres, deve-se comentar também um pouco sobre os meandros administrativos percorridos pelas petições. De modo geral, o requerimento era dirigido em primeira pessoa ao soberano ou, mais raramente, aos secretários de Estado. Estes, de modo geral, mandavam apurar informações junto a outros órgãos, como a Intendência Geral da Polícia - que participou mais frequentemente dos processos no período joanino -, o bispo diocesano - quando se tratava de um processo de divórcio - e os representantes das próprias instituições de reclusão envolvidas. Nem sempre ocorre o despacho final dos secretários de Estado nos requerimentos.

Representações do feminino e do masculino

Sem procurar exaurir todas as possibilidades de análise, serão vistas algumas petições de requerentes envolvidos em conflitos conjugais, deixando-se de lado os pedidos para recolhimento de mulheres sob a alegação de pobreza ou orfandade. A escolha se justifica na medida em que, naquele tipo de petição, as representações do masculino e do feminino adquirem mais ênfase. Em alguns casos, os cônjuges em disputa já haviam iniciado o processo de divórcio, cuja resolução legal dependia do Juízo Eclesiástico de cada bispado.28 28 No período colonial e no contexto em análise, o divórcio era entendido como uma separação de corpos dos cônjuges, que só poderiam contrair novo matrimônio caso se tornassem viúvos. Havia basicamente duas justificativas para o divórcio: sevícias e adultério. Enquanto as mulheres aguardavam o processo de divórcio, eram depositadas em casas de parentes, pessoas de confiança ou em recolhimentos destinados à referida finalidade. Nos processos de divórcio da capitania de São Paulo analisados por Maria Beatriz Nizza da Silva, a iniciativa sempre partia das mulheres, na medida em que “nenhum marido acusaria a mulher de seviciá-lo, pois ficaria imediatamente desqualificado na comunidade em que vivia”. SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Sistema de casamento no Brasil colonial. São Paulo: T. A. Queiroz: EDUSP, 1984, p. 217. Ver também GOLDSCHMIDT, Eliana Maria Rea. Convivendo com o pecado na sociedade colonial paulista (1719-1822). São Paulo: Annablume, 1998; SILVA, Marilda Santana da. Dignidade e transgressão: mulheres no Tribunal Eclesiástico em Minas Gerais (1748-1830). Campinas: Ed. da UNICAMP, 2001. De acordo com a análise de Schultz, a Coroa procurava respeitar o rito do divórcio estabelecido na justiça eclesiástica, evitando interferir na autoridade ordinária do bispo do Rio de Janeiro. Mesmo preservando a jurisdição episcopal, é possível observar a intervenção da soberania régia nos conflitos conjugais, apoiando ou negando a prática do recolhimento de mulheres. Segundo Kirsten Schultz, a atitude da Coroa não ocorria em qualquer situação; “os efeitos do conflito tinham de transcender as fronteiras do lar em questão e a intervenção tinha que propiciar à Coroa a possibilidade de promover a moralidade pública e a virtude no seio da corte”.29 29 SCHULTZ, Kirsten, op. cit., 2008, p. 235. Focalizando a ação do intendente da Polícia Paulo Fernandes Viana, cujos pareceres acompanhavam também várias petições enviadas à Secretaria dos Negócios do Reino, Schultz assinala que o magistrado régio pautava-se pela defesa dos direitos patriarcais e paternos, revelando intolerância frente a tentativas de independência feminina. De acordo com o imaginário político vigente, a família patriarcal era considerada o pilar da manutenção e da representação do próprio poder do rei.30 30 HESPANHA, Antonio Manuel. Imbecilitas: as bem-aventuranças da inferioridade nas sociedades de Antigo Regime. São Paulo: Annablume, 2010, p. 101-140. Porém, ocasionalmente, o soberano podia tomar decisões que limitavam a autoridade patriarcal.31 31 SCHULTZ, Kirsten, op. cit., 2008, p. 237.

Em uma petição sem data definida, enviada à Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, Fortunata Maria da Conceição fez um apelo ao soberano para que este intercedesse em seu conflito conjugal. O processo de divórcio já tinha corrido no Juízo Eclesiástico do Rio de Janeiro, com desfecho favorável para a suplicante. O marido, Bernardo Antônio do Amaral, tentara embargar em 1807 a decisão junto ao mesmo Tribunal, mas não obteve sucesso. Por fim, em 1808, Bernardo apelara para a Relação Eclesiástica da Bahia, que funcionava como tribunal de segunda instância para as causas de divórcio. Enquanto aguardava a resposta da apelação, Fortunata Maria da Conceição expôs ao soberano que se encontrava

Depositada no Recolhimento do Parto há mais de seis anos, pela refinada malícia de seu marido Bernardo Antônio do Amaral, que sendo um vagabundo, sem ofício nem benefício, teve a malévola constância de seduzir a suplicante para efetuar um consórcio inteiramente caviloso, depois do qual em breve deu a manifesto seus perversos intentos, que era ficar na posse dos bens da suplicante, e tudo conseguiu por ser esta naquele tempo menor de treze anos.32 32 Fortunata Maria da Conceição. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando licença para sair do Recolhimento em que seu marido a colocou, para tomar posse de seus bens que estão sendo utilizados pelo mesmo. 1809-1814. BNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0192, 006.

No documento em questão, fazendo apelo ao estado de inocência quase infantil em que se encontrava quando contraíra o matrimônio, a autora se afasta do estereótipo da sedução, associado secularmente ao gênero feminino,33 33 A respeito das representações misóginas no período Moderno, ver WIESNER, Merry E.Women and Gender in Early Modern Europe. 2ª ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2000, p. 13-47; LOPES, Maria Antonia. Mulheres, espaço e sociabilidade. A transformação dos papéis femininos em Portugal à luz de fontes literárias (segunda metade do século XVIII). Lisboa: Livros Horizonte, 1989, p. 17-45. No contexto analisado pela autora, arquétipos tradicionais associados às mulheres vão sendo aos poucos confrontados, como, por exemplo, na produção literária de Manuel de Figueiredo: “Afonsa é uma mulher astuciosa e dissimulada, que finge ser ignorante e submissa, defende abertamente a supremacia do marido, a quem contradiz mas, sem que ele se aperceba, é ela que determina os acontecimentos (...). Personalidade oposta é a de Erina, incapaz de mentir, digna e possuidora de amor próprio. Sem subterfúgios, atua contra a vontade do pai” (p. 180). e o inverte, aplicando-o ao marido. De modo complementar, este se acha representado na petição destituído do papel de provedor, vivendo, ao contrário, na dependência material da suplicante. Tanto no que diz respeito à conduta quanto no que tange à administração dos bens, os atributos viris do marido encontravam-se esvaziados.34 34 Em um contexto próximo ao enfocado, o Código Civil da França (1804) definia que “o marido deve proteção à mulher; ele precisa, assim, evitar deixá-la padecer no abandono e na miséria. A esposa, por sua vez, tem o dever de obedecer ao seu marido”. COURBIN, Alain. A virilidade reconsiderada sob o prisma do naturalismo. In: Idem (dir.). O triunfo da virilidade: o século XIX. Petrópolis: Vozes, 2013, p. 29. Não obstante, não se encontra registro de interferência do soberano neste litígio conjugal, que se conformou, talvez, com a solução do mesmo pela via ordinária, representada pela apelação de Bernardo Antônio do Amaral à Relação Eclesiástica do Arcebispado da Bahia. Desta maneira, Fortunata Maria da Conceição permaneceu depositada no Recolhimento do Parto do Rio de Janeiro.

Entre 1814 e 1819, dona Ana Joaquina de Miranda peticionou diversas vezes ao soberano. O seu caso guarda semelhanças com o exemplo anterior: iniciara em 1806 um processo de divórcio contra o seu marido, o capitão José Joaquim do Rego; enquanto aguardava a resolução do processo, permaneceu depositada no Recolhimento da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro; o processo estendeu-se por vários anos, pois o marido, derrotado na primeira instância, apelou para a Relação Eclesiástica da Bahia, que lhe deu ganho de causa; inconformada com esta decisão, Ana Joaquina de Miranda recorreu à última instância legal, o Supremo Tribunal da Legacia, presidido na Corte pelo núncio apostólico, do qual obteve resolução favorável ao divórcio. Na descrição dos conflitos em que se envolvera com o marido, a requerente chama a atenção para um fator pouco presente no caso anterior: a violência física. Em um requerimento com data de 1814, suplicou ao soberano a graça de obter do marido a devolução dos filhos menores, que retirara de sua companhia. No requerimento em questão, o “mundo da casa”, constituído pela mulher, filhos e escravos, encontra-se nivelado pela condição de violência em que estava submetido pelo pater familias.35 35 A definição de “mundo da casa” se baseia em MATTOS, Ilmar Rohloff de. O tempo Saquarema: a formação do Estado imperial. 2ª ed. São Paulo: Hucitec, 1990, p. 109-129. Neste e em outros casos, a violência se torna um dos signos predominantes de produção e percepção da masculinidade.

Talvez para curar o ódio que concebeu contra a suplicante, obteve despacho e foi com meirinhos arrancá-los à força dos braços da suplicante, a que se uniram com gritos de desesperação, e talvez precursores das desgraças que os ameaçam. Estes desgraçados meninos, ausentes do bafo da suplicante, vão sofrer um homem que se tem feito intratável, e vão sem dúvida sacrificados ao ódio do suplicado, que está acostumado a tratar mulher, filhos e escravos com o maior insulto e rigor.36 36 Ana Joaquina de Miranda. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando licença para sair do Recolhimento da Santa Casa da Misericórdia. 1814-1819. BNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0547, 008, nº 001.

A trajetória de Ana Joaquina de Jesus acrescenta outros elementos às representações do feminino e do masculino. Verifica-se primeiramente que requereu no Juízo Eclesiástico o divórcio de seu marido, Manoel Rodrigues de Oliveira, com a justificativa de sevícias. A sentença foi proferida em abril de 1817, “em virtude do que foi depositada em casa de sua mãe Maria Joaquina de Jesus, donde a requerimento do réu seu marido foi removida para a casa de Antônio de Jesus Vieira, e desta casa passada à Misericórdia, a requerimento do mesmo réu”37 37 Ana Joaquina de Jesus. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando restituição de seus quatro filhos e sua soltura do recolhimento. 1817-1822. BNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0548, 030, Doc. 23. . A oscilação verificada quanto ao local de depósito se deve à divergência de interesses dos litigantes quanto ao lugar que parecia mais adequado para cada parte. Enviada ao Recolhimento da Misericórdia, Ana Joaquina de Jesus foi admitida na condição de pensionista, obrigando-se o marido ao pagamento adiantado de 97 mil réis, para “comedorias e cela de seis meses”. Porém, conforme o registrado pela administração do Recolhimento, Ana Joaquina de Jesus “saiu para a companhia de sua mãe em 8 de novembro de 1817, em razão de seu marido não pagar o semestre que devia adiantar na forma dos estatutos”38 38 Ana Joaquina de Jesus. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando restituição de seus quatro filhos e sua soltura do recolhimento. 1817-1822. BNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0548, 030, Doc. 17. .

Em 1819, o marido da requerente encontrava-se ausente há algum tempo na capitania do Rio Grande, para tratar de pendências com diversos credores. Na ausência de Manoel Rodrigues de Oliveira, Ana Joaquina de Jesus procurou mostrar ao soberano que vivera sob o código do recato e da honestidade, considerado adequado para as mulheres de sua condição. Além disso, sublinhou o abandono material ao qual foi exposta pelo marido, que negligenciava assim as funções de provedor do casal:

Deixando a suplicante em total desamparo, e exposta a sofrer os terríveis efeitos da indigência, se recolheu esta à companhia de sua mãe, onde vivera todo o tempo que decorrera da ausência de seu marido, de um modo irrepreensível, pelo que se constitui digna de obter provisão do Desembargo do Paço para tutela de seus quatro filhos menores. Tendo porém inimigos, que ousando denegrir a sua reputação, iludissem ao benemérito conselheiro intendente geral da Polícia, à vista da informação deste, foi V. M. servido ordenar que a suplicante, entregando os seus filhos a Antônio Machado Nunes, tio de seu marido, fosse clausurada no Recolhimento da Misericórdia, onde já se acha.39 39 Ana Joaquina de Jesus. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando restituição de seus quatro filhos e sua soltura do recolhimento. 1817-1822. BNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0548, 030, Doc. 30.

Além de preocupar-se com o seu recolhimento, assinalava também o recato das filhas menores que viviam na casa do tio do marido e novo tutor de seus filhos, Antônio Machado Nunes:

As suas duas filhas, uma das quais tem quase onze anos, precisam de educação mui circunspecta, pelo seu sexo e até pela idade perigosa, em que se acham; a casa do depositário, por muito honesta que seja, não parece própria, por isso que nela há rapazes já crescidos, que não podem, sem risco, viver promiscuamente com as meninas, que não são suas irmãs.40 40 Ana Joaquina de Jesus. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando restituição de seus quatro filhos e sua soltura do recolhimento. 1817-1822. BNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0548, 030, Doc. 30.

Por fim, Ana Joaquina de Jesus concluía a sua petição solicitando ao monarca a mercê de ordenar que o intendente da Polícia remetesse as duas filhas ao Recolhimento da Misericórdia, onde a requerente se encontrava enclausurada. Na informação enviada em 29 de agosto de 1819 por Paulo Fernandes Viana a Tomás Antônio de Vila Nova Portugal, secretário de Estado dos Negócios do Reino, o intendente da Polícia manifestou uma concepção bastante diversa das virtudes da suplicante. A mercê da tutoria dos filhos, que Ana Joaquina de Jesus havia conseguido junto à Mesa do Desembargo do Paço, não tinha sido obtida legalmente, pois ocultara todas as providências que o marido havia tomado para que a prole do casal ficasse aos cuidados do tio paterno. Além disso, o intendente não acreditava também que a requerente dispusesse de meios materiais lícitos para sustentar os filhos:

Posta na casa de sua mãe, que nada pode e não é bem conceituada, nem ela nem os ditos filhos podem ser mantidos senão da sua prostituição, de que o marido vivia já assombrado, calando por sua honra o que já sabia, e que mais se aclarou com a sua saída do Recolhimento, porque agora é público que ela com efeito se mantém à custa de um José Maria da Silva, negociante rico do Valongo, casado e que por ela maltrata sua mulher, e a tem de casa posta na companhia de sua mãe em casas na Praça do Rocio, que ele frequenta e mantém.41 41 Ana Joaquina de Jesus. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando restituição de seus quatro filhos e sua soltura do recolhimento. 1817-1822. BNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0548, 030, Doc. 10.

Por fim, o intendente da Polícia, ao negar os atributos de Ana Joaquina de Jesus para se tornar tutora dos filhos, recomendou à autoridade régia que a requerente retornasse ao Recolhimento da Misericórdia, providência que, como já analisado, acabou cumprida pouco depois. Na conclusão da sua correspondência, Paulo Fernandes Viana sublinha, de modo inequívoco, que considerava o pátrio poder um fator básico para a manutenção da ordem social sob o regime monárquico:

É o meu parecer que a mulher volte para o Recolhimento, se o marido assim o quiser por via do tio, que é seu procurador, e que por esta Intendência firmada em Aviso se mandem pôr os filhos em poder do tio, que é como seu pai pede, o qual por se ter ausentado em parte certa dentro do Reino, não está inibido de cuidar de sua família nem perdeu sobre os seus filhos os direitos paternos.42 42 Ana Joaquina de Jesus. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando restituição de seus quatro filhos e sua soltura do recolhimento. 1817-1822. BNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0548, 030, Doc. 10.

Em princípios da década de 1820, sob o impacto da propaganda constitucional e das críticas às instituições que simbolizavam o Antigo Regime, há indícios de mudanças das atitudes das autoridades régias ocupadas com o recolhimento feminino. No caso da Intendência da Polícia, a saída de Paulo Fernandes Viana ocorreu em fevereiro de 1821, “tendo sido seu afastamento uma das principais exigências de um grupo de militares e civis que pressionaram dom João VI a adotar a Constituição liberal que as Cortes de Lisboa deveriam ainda promulgar”43 43 HOLLOWAY, Thomas H., op. cit., 1997, p. 46-47. . Em uma petição sem data precisa, Ana Joaquina de Jesus acusava o marido de ter conseguido “por meio do despotismo, que naquele tempo reinava” desapossá-la de sua prole, “violentando assim (...) a natureza de uma mãe amante, a quem com o coração foram tiranamente arrancados os seus quatro filhinhos”. Solicitava ao príncipe regente D. Pedro, “à vista muito principalmente do Liberalismo, com que Vossa Alteza reparte a justiça ao seu prezado Povo Brasileiro” que ordenasse ao novo intendente da Polícia que devolvesse os quatro filhos aos seus cuidados.44 44 Ana Joaquina de Jesus. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando restituição de seus quatro filhos e sua soltura do recolhimento. 1817-1822. BNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0548, 030, Doc. 8. No documento anterior, duas estratégicas retóricas buscavam legitimar o pedido de Ana Joaquina de Jesus. Em primeiro lugar, certa representação do gênero feminino que, naturalizando o amor materno, esperava neutralizar o pátrio poder do marido. Em segundo lugar, o discurso constitucional da liberdade, que estava construído em oposição direta ao poder despótico e tirânico associado a Paulo Fernandes Viana e ao marido.

A petição acima surtiu algum efeito diante das autoridades régias. Na informação enviada em 13 de junho de 1821 à Secretaria de Estado dos Negócios do Reino por Antônio Luís Pereira da Cunha, o novo intendente percebia o litígio conjugal de Ana Joaquina de Jesus sob uma perspectiva bastante diversa daquela assumida pelo antecessor. A nova autoridade policial preocupava-se agora em limitar a interferência do Estado sobre a esfera privada das famílias:

Me parece que sendo este assunto de interesse e economia particular destas partes, e meramente jurídico, que Sua Alteza Real se dignasse ordenar que, conservando tudo no estado em que se acha, requeresse a suplicante a entrega de seus filhos às justiças ordinárias, se julgasse ter para isso algum direito, usando umas e outras partes de meios, que as leis para o dito fim permitem, cessando esta Intendência de gerir-se nesta questão, nem fazer-se negócio de estado.45 45 Ana Joaquina de Jesus. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando restituição de seus quatro filhos e sua soltura do recolhimento. 1817-1822. BNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0548, 030, Doc. 12.

Poucos meses depois, João Inácio da Cunha, o mais recente ocupante das funções de intendente de Polícia, emitiu um parecer ambíguo a respeito da disputa conjugal. Com o falecimento de Antônio Machado Nunes, tio e procurador do marido, cessava a custódia em que aquele mantinha os filhos de Ana Joaquina de Jesus. Esta poderia conservar os filhos em seu poder “enquanto o marido não determinar o contrário”.46 46 Ana Joaquina de Jesus. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando restituição de seus quatro filhos e sua soltura do recolhimento. 1817-1822. BNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0548, 030, Doc. 5. Assim, na correspondência que dirigiu ao secretário de Estado José Bonifácio de Andrada e Silva em 1º de abril de 1822, o terceiro intendente da Polícia procurava garantir as atribuições do pátrio poder, ainda que Manoel Rodrigues de Oliveira se encontrasse ausente da Corte há vários anos.

* * *

Uma vez que foram vistos três requerimentos enviados por mulheres às secretarias de Estado dos Negócios do Reino e do Império, devem agora ser analisadas algumas petições mais representativas, enviadas por requerentes masculinos aos órgãos em questão. Para tornar a amostragem mais representativa a respeito das ocupações dos requerentes, as três petições selecionadas correspondem a solicitações de um marítimo, um negociante e um militar.

Em primeiro lugar, será enfocada a trajetória de Antônio Manoel Sodré. Era natural do Reino de Algarves e domiciliado na cidade do Rio de Janeiro com a família. Havia obtido do monarca a licença para navegar durante dois anos na Marinha Mercantil, “seguindo do Rio de Janeiro para os portos da África”47 47 Antônio Manoel Sodré. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império. 1820-1821. BNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0333, 007. . Por causa da arribada de sua embarcação em Pernambuco, presenciara o motim de 1817, durante o qual declarava ter lutado contra os rebeldes e permanecido ao lado da causa monárquica. Não obstante, fora acusado injustamente de colaboração com os rebeldes, na devassa judicial que se seguiu ao evento. Em vista disso, pedia ao soberano a graça do perdão e da liberdade, pois se encontrava há mais de três anos encarcerado nas cadeias da Relação da Bahia. Na sua petição, que foi contemplada pelo monarca pelo Aviso de 2 de outubro de 1820, argumentou a falta de assistência a sua família “a quem não pode socorrer nem ser socorrido”.

Há uma relação entre os conflitos conjugais em que se envolveu pouco depois o suplicante e a sua ausência prolongada da cidade do Rio de Janeiro. Em data indefinida, mas certamente depois da saída da prisão, solicitava “por justos motivos de honra” à Secretaria dos Negócios do Reino uma “correção” para sua mulher, D. Maria Teresa Sodré, que devia ser recolhida à Santa Casa da Misericórdia. O pedido se fundamentava no fato de que a mulher “teve que anuir na ausência dele as criminosas solicitações de um vagabundo sem lei, sem moral e sem religião”.48 48 Antônio Manoel Sodré. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império. 1820-1821. BNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0333, 007. A repetição da preposição “sem” na petição de Antônio Manoel Sodré aponta para uma representação negativa do “outro”, o amante de sua mulher, desqualificando-o. Como seria esperado, não há informações na petição do suplicante que detalhem o provável estado de abandono material e emocional a que ficou submetida sua mulher durante o período em que permaneceu preso.

Em uma rica informação datada de 9 de fevereiro de 1821, e enviada a Tomás Antônio de Vilanova Portugal, o secretário de Estado dos Negócios do Reino, Paulo Fernandes Viana concordou com as providências sugeridas pelo requerente, pois D. Maria Teresa Sodré

Fez pública a sua prostituição, e a tem provado perante mim, sendo a última com o carpinteiro do trem. Não quis receber em casa o marido e foi preciso que pela polícia se descobrisse, tendo-se homiziado, e se pusesse em um depósito por não haver ainda uma casa de correção; mas a maldade excogitaram [sic] logo o meio disto se frustrar, provando sevícias no Juízo Eclesiástico, e propondo causa de divórcio, em virtude da qual já se apresentou mandado de depósito que fiz dar à execução, e o que se segue é escolher-se depósito a aprazimento do amante, e ver se assim frustra a providência que o marido pede para mais livremente tratar do divórcio.49 49 Antônio Manoel Sodré. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império. 1820-1821. BNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0333, 007.

Assim, o intendente da Polícia julgava mais adequado conduzir a mulher do suplicante ao Recolhimento da Misericórdia. Na informação de Paulo Fernandes Viana, torna-se nítida a disputa pelo lugar de depósito de D. Maria Teresa Sodré. O intendente da Polícia alegou também que, surpreendentemente, “até os amantes convém nos casamentos para logo depois promoverem os divórcios, e assim se estraga e não se educa a prole, e vêm grandes males à população”. Por fim, concluiu de modo ainda mais veemente que os amantes “são os prevaricadores e corruptores da paz das famílias e da pública morigeração”, o que justificava a interferência do Estado em semelhantes casos, para além da solução ordinária dos conflitos conjugais pela via do Juízo Eclesiástico.

O perfil do comerciante Custódio de Souza Guimarães era mais destacado do que o do requerente analisado acima. Não havia suspeitas de infidelidade política diante da monarquia. Além disso, procurou provar ao soberano a realização de diversos serviços meritórios, quando atuava como piloto e capitão no comércio com a África, fazendo entrar nos reais cofres mais de 27 contos de réis por meio do tráfico negreiro. Gozando de distinção entre o corpo do comércio da cidade do Rio de Janeiro, solicitou ao soberano, em data imprecisa, a mercê do hábito da Ordem de Cristo, que lhe foi concedido.50 50 A respeito da “economia das mercês” que pautava a concessão de hábitos e comendas das ordens militares, ver OLIVAL, Fernanda. As ordens militares e o Estado Moderno: honra, mercê e venalidade em Portugal (1641-1789). Lisboa: Estar Editora, 2001, p. 107-162. Em requerimento elaborado em 1813, quando já possuía a distinção de cavaleiro da Ordem, recorreu à Secretaria de Estado dos Negócios do Reino para tratar do recolhimento de sua mulher, D. Mariana Inácia de Jesus, no Convento da Ajuda do Rio de Janeiro, para que “fique desafrontado o suplicante e ilibada a sua honra de sua filha”. Custódio de Souza Guimarães alegava que, sendo casado há mais de 14 anos com a sua mulher,

E dando-lhe aquele tratamento e estima que lhe é própria do homem de bem, sem lhe faltar nada do preciso para a sua decência e abundante passadio; ela, por força da sua natural inconstância e de estranhas aliciações de outro homem, passou a violar a fé conjugal e a quebrantar com maior imprudência os vínculos do matrimônio, que os havia ligado. Nestas circunstâncias o suplicante, procurando por meios suaves reduzi-la a uma vida honesta e virtuosa a corrigiu, pensando que deste modo terminaram suas desenvolturas e impudicos procedimentos, mas bem pelo contrário, Real Augusto Senhor, a suplicada, dominada das suas paixões não desiste de seu dissoluto procedimento, e sem pejo larga o casado suplicante seu marido, leva consigo todas as jóias e alfaias (...), e entregue à revelia de suas paixões, busca as casas estranhas para poder dar satisfação a seus criminosos desígnios.51 51 Custódio de Souza Guimarães. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando a mercê da Ordem de Cristo (...) e que seja sua mulher, recolhida no Convento de Nossa Senhora da Ajuda, tendo em vista sua conduta imoral. 1802-1842. BNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0648, 009.

Na petição de Custódio de Souza Guimarães, é visível a tentativa de se apresentar diante da soberania régia como um marido ideal, afetuoso e pródigo no trato de sua mulher. Rico negociante, sobressai em sua narrativa o conforto material que podia garantir a sua mulher. Custódio de Souza Guimarães procurava reproduzir na escala doméstica a dignidade pública que gozava como súdito agraciado com a Ordem de Cristo. De modo oposto, o comportamento da mulher encontrava-se marcado pelos predicados negativos associados secularmente ao gênero feminino, tais como a “natural inconstância” e o domínio das paixões (e não da razão). A “correção” a que o negociante faz referência no requerimento trata-se, provavelmente, de castigo físico, que lhe era lícito aplicar em situações semelhantes, pois as Ordenações do Reino chegavam a admitir que “quando o marido fazia sua acusação perante as justiças civis, a adúltera e seu amante sofriam morte natural”52 52 SILVA, Maria Beatriz Nizza da Silva, op. cit., 1984, p. 217. Ver também ALMEIDA, Cândido Mendes de (ed.). Ordenações filipinas (1603). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985, vol. 3, Livro V, p. 1174-1177. Não foram, porém, encontrados casos de uxoricídio nas fontes em análise, o que pode indicar uma aplicação mais branda da legislação. . Por fim, a respeito da retirada de joias da mulher para outras casas, provavelmente se encontra aqui uma alusão ao depósito da sua cônjuge em outro domicílio, para onde podia levar objetos de uso pessoal e escravos. Conforme já foi discutido, o divórcio se iniciava com o depósito das mulheres, conduzido pelo Juízo Eclesiástico. Não obstante, não foram encontradas nas fontes alusões ao processo de divórcio do referido casal. As autoridades régias atenderam ao pedido do cavaleiro da Ordem de Cristo, por meio do Aviso datado de 3 de outubro de 1813.

Em documento elaborado no final de 1819 ou em princípios do ano seguinte, Solidônio José Antônio Pereira do Lago, segundo-tenente, comandante do Destacamento de Artilharia Ligeira da Divisão Militar da Capitania de Pernambuco, estacionado no Rio de Janeiro, requereu à Secretaria de Estado dos Negócios do Reino que D. Anastácia Rosa de Oliveira, com a qual se encontrava casado, fosse remetida “ao Recolhimento da Misericórdia desta Corte”, onde “talvez o tempo, a reflexão a façam entrar nos seus deveres”. Segundo o próprio relato, o tenente havia se oferecido voluntariamente para combater os rebeldes pernambucanos. Ao chegar à Corte, a mulher recusou-se a deixar a casa paterna e voltar para a companhia do tenente e da família deste, que reagiu com suspeitas de traição. Assim,

Vendo-se então o suplicante ofendido em uma parte tão sensível, e ainda mais envergonhado, corrido e sem bastante conformidade para aparecer na roda de seus companheiros, onde sempre comparecera com garbo, e denodo de um oficial honrado, e não lhe restando outro recurso para se por ao abrigo dos fatos, que podem eclipsar a sua honra, visto que não tem bens patrimoniais,53 53 Solidônio José Antônio Pereira do Lago. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando que sua mulher seja recolhida na Santa Casa da Misericórdia, e que o seu sustento fique a cargo do Recolhimento, enquanto ele não puder pagar. 1819-1839. BNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0597,003, nº 001.

Solicitou ao soberano a mercê de confinamento de D. Anastácia Rosa de Oliveira na Misericórdia, cujo estabelecimento devia lhe garantir os meios de sustento pela pobreza do suplicante. É interessante observar, como fez antes Leila Algranti, de que maneira a honra masculina se associava à coragem, à bravura, aos feitos heroicos da vida pública, enquanto que a feminina se ligava ao recolhimento, seja na companhia do pai, do marido, ou de alguma instituição que garantisse tal comportamento.54 54 ALGRANTI, Leila Mezan, op. cit., 1993, p. 111-112. Em ambos os casos, a respeitabilidade dependia da “voz popular” ou da opinião da comunidade, representada, no caso do tenente, pelos companheiros de farda.55 55 RAMOS, Donald. A “voz popular” e a cultura popular no Brasil do século XVIII. In: SILVA, Maria Beatriz Nizza da (coord.). Cultura portuguesa na Terra de Santa Cruz. Lisboa: Estampa, 1995, p. 137-154.

No litígio conjugal em questão, também foi possível acompanhar a versão do pai de D. Anastácia Rosa de Oliveira, que ocupava a patente de major, mas cujo nome não aparece registrado nas informações enviadas em novembro de 1819 pelo sargento-mor José Miguel de Oliveira Paes, por ordem do intendente da Polícia. Assim que chegara à Corte, o segundo-tenente Solidônio “começou imediatamente a maltratar a sua dita mulher, por não ter esta nem a sua família mandado dar em Pernambuco a assistência de dinheiro para sustentar os seus deboches”. Pouco depois, apareceu fardado à porta da casa do sogro,

Desembainhando as espadas, desafiando a seu próprio sogro e cunhado, dando muitas cutiladas na rótula da mesma porta, causando um motim e alvoroço tal que obrigou a aparecer pelas janelas toda a vizinhança, que estará, sem dúvida, pronta a testemunhar tudo quanto se passou, insultando de palavras injuriosas sua própria mulher, ameaçando-a com pancadas, e dizendo-lhe claramente (palavras formais) que a havia de tirar dali para lhe dar com um chicote.56 56 Solidônio José Antônio Pereira do Lago. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando que sua mulher seja recolhida na Santa Casa da Misericórdia, e que o seu sustento fique a cargo do Recolhimento, enquanto ele não puder pagar. 1819-1839. BNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0597,003, nº 001.

Por fim, o pai de D. Anastácia Rosa de Oliveira declarou que

Sua filha nenhum obstáculo tinha para acompanhar o seu marido para a casa de seu sogro, quando não tivesse sido por ele ultrajada tão publicamente, e se já não tivesse toda a certeza de que ele, além do mais, a queria pôr no mesmo modo de vida em que está sua irmã, pois é fama constante nesta cidade ser uma mulher prostituta pública, para com os lucros de tal profissão sustentar a sua família, com escandaloso consentimento de seu pai, e irmãos.57 57 Solidônio José Antônio Pereira do Lago. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando que sua mulher seja recolhida na Santa Casa da Misericórdia, e que o seu sustento fique a cargo do Recolhimento, enquanto ele não puder pagar. 1819-1839. BNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0597,003, nº 001.

O conflito opunha duas famílias compostas por militares, cuja estima pública dependia da manutenção da honra de D. Anastácia Rosa de Oliveira. Para o segundo-tenente Solidônio, a esposa devia cumprir prontamente todas as vontades do marido e, em caso de desobediência, podia ser punida com castigos físicos ou com a reclusão punitiva no Recolhimento da Misericórdia. Para o pai de D. Anastácia, a pretensão do marido tornava-se enfraquecida por vários motivos. Em primeiro lugar, não tinha meios materiais para prover a própria esposa, o que comprometia a capacidade de provedor do marido; este, ao contrário, tornara-se dependente da família de D. Anastácia. Ainda que as famílias dos cônjuges tivessem um perfil semelhante, havendo militares de ambos os lados, há indícios visíveis de diferenças quanto aos níveis de fortuna.58 58 Ainda que a administração dos bens no casamento se regesse pelo princípio da meação, era comum entre grupos de elite do período colonial que a família da esposa contribuísse com riquezas materiais mais significativas do que a família do marido, para a constituição de um novo casal. NAZZARI, Muriel. O desaparecimento do dote: mulheres, famílias e mudança social em São Paulo, Brasil, 1600-1900. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 77-82. Em segundo, o marido era um homem violento, maltratando a própria mulher e declarando publicamente que pretendia açoitá-la. Em terceiro, manchara a honra da família de D. Anastácia, ao tornar público um conflito conjugal. Por fim, a filha não podia viver na casa paterna do segundo-tenente, cuja irmã encontrava-se ali submetida à prostituição. A esta última declaração, inserida no círculo de representações construídas em torno do feminino e do masculino, o autor acrescentou uma defesa contundente do estatuto da filha: “não há lei nenhuma que permita a um homem casado prender em um recolhimento sua mulher, sem crime, nem que esta sofra os desatinos, os insultos, os tormentos e todo o mal que seu marido lhe queira fazer, só porque é casado com ela”59 59 Solidônio José Antônio Pereira do Lago. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando que sua mulher seja recolhida na Santa Casa da Misericórdia, e que o seu sustento fique a cargo do Recolhimento, enquanto ele não puder pagar. 1819-1839. BNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0597,003, nº 001. . A partir de um ofício enviado por Paulo Fernandes Viana em janeiro de 1820, a Secretaria indeferiu o pedido de Solidônio Pereira do Lago.

Considerações finais

Nas petições elaboradas pelos maridos litigantes e/ou por seus respectivos representantes legais, é possível perceber algumas regularidades que, possivelmente, constituem indícios de práticas sociais coletivas. Nos casos de Antônio Manoel Sodré e de Solidônio Pereira do Lago, as suspeitas de infidelidade conjugal das esposas aparecem quando se encontravam ausentes da Corte do Rio de Janeiro, mais especificamente na capitania do Pernambuco, onde alegaram lutar contra os rebeldes republicanos de 1817. No campo do significado, é possível identificar uma tensão entre a fidelidade à causa monárquica e a infidelidade praticada supostamente pelas mulheres quando os dois se encontravam ausentes. Assim, indiretamente, as práticas de infidelidade conjugal das mulheres se transformavam em negação dos princípios da monarquia, o que legitimava a intervenção desta nos conflitos. Segundo a estratégia discursiva dos maridos, havia uma proximidade entre a traição das mulheres e a traição praticada pelos rebeldes pernambucanos. Portanto, tornava-se uma obrigação da pátria apoiar o pátrio poder.

Conforme assinalam as contribuições teóricas comentadas na parte inicial deste trabalho, o gênero constitui uma das maneiras mais importantes de estabelecer hierarquias e de definir relações de poder. No contexto em análise, marcado pela implantação de uma Corte de Antigo Regime em uma sociedade escravista e colonial, a documentação examinada confirmou a força de certas representações tradicionais a respeito do homem e da mulher. Em alguns casos, particularmente nas petições elaboradas por indivíduos do sexo masculino ou por seus procuradores, as narrativas naturalizavam a tal ponto as diferenças de papéis sociais entre homens e mulheres que contribuíam para que a ordem social patriarcal se mantivesse intocada.60 60 A respeito da permanência e da abrangência de algumas das representações do masculino e do feminino constituídas a partir dos códigos do patriarcalismo, ver SCHIPPER, Mineke. Nunca se case com uma mulher de pés grandes: a representação da mulher no dito popular. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012; BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. 4ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005, p. 69-85. O referido discurso encontrava eco nas ações do intendente geral da Polícia, Paulo Fernandes Viana, as quais foram quase sempre apoiadas pela Secretaria de Estado dos Negócios do Reino. Assim, conforme argumenta Sueann Caulfield, “a relação entre honra social e intervenção do estado na construção social de diferenças de gênero, raça e classe na América Latina” estava associada às instituições da administração colonial.61 61 CAULFIELD, Sueann, op. cit., 2000, p. 32.

Por sua vez, nas petições produzidas por mulheres e por seus procuradores legais, é possível observar como certos estereótipos misóginos se encontravam matizados ou redefinidos, com vistas a justificar as escolhas e as condutas femininas assumidas durante os conflitos conjugais. De forma análoga, nos requerimentos produzidos pelos mesmos agentes, foram também enunciadas certas representações do masculino, cujos atributos de honra e dignidade não se encontravam presentes nas condutas dos respectivos maridos. Por sua vez, após 1820, com a crescente penetração na Corte do Rio de Janeiro das ideias políticas da Revolução do Porto, há indícios de que os novos titulares da Intendência da Polícia evitaram interferir nos conflitos conjugais, transformando-os em uma questão de “Estado”, e deixando a cargo dos próprios cônjuges litigarem nos juízos ordinários para a resolução dos conflitos, que passavam aos poucos à órbita do privado. Na nova linguagem política do constitucionalismo e do liberalismo, o despotismo do antigo intendente foi associado ao comportamento violento dos maridos, como indica a petição de Ana Joaquina de Jesus analisada antes.62 62 POCOCK, J. G. A.Linguagens do ideário político. São Paulo: Edusp, 2003, p. 63-82. É preciso conhecer melhor os detalhes do referido processo a partir da documentação da Intendência Geral da Polícia, que ainda não foi examinada sistematicamente. Explorando os fundos documentais da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, Luciana Gandelman e Erica Windler identificaram as restrições ao uso punitivo do Recolhimento mantido pela referida instituição, o que vem a confirmar o declínio da ação das autoridades monárquicas quanto ao confinamento de mulheres naquela instituição.63 63 Ver a análise desenvolvida no início, no item “Contexto”. A respeito da reclusão punitiva no contexto em análise, ver SILVA, Maria Beatriz Nizza da, op. cit., 2002, p. 155-165. Transformações mais amplas ocorridas no arcabouço institucional do Império nascente podem ter contribuído também para diminuir a interferência das autoridades do Estado nos conflitos conjugais e, por extensão, na prática de reclusão de mulheres. Neste sentido podem ter atuado a extinção da Intendência e da Guarda Real da Polícia em 1831, no bojo das reformas de caráter liberal conduzidas desde 1828 pela Câmara dos Deputados, e a subordinação das novas autoridades policiais aos procedimentos do Código do Processo Criminal recém-elaborado. Entre outras medidas, o novo Código “determinou os procedimentos para reunir provas, apresentar queixas, efetuar prisões e indiciar; e especificou como deveriam ser conduzidos os julgamentos e os passos para a apelação”64 64 HOLLOWAY, Thomas H., op. cit., 1997, p. 103. . Tais medidas podem ter tido o efeito de diminuir as possibilidades de recurso direto de maridos envolvidos em conflitos conjugais à autoridade do monarca ou das secretarias régias, o que precisa ser ainda confirmado. No contexto que se seguiu à Independência, os maridos em litígio conjugal perderam aos poucos o apoio das autoridades régias e das instituições de reclusão para encarcerarem provisoriamente as suas mulheres, prática que tinha o efeito de afastá-las das redes familiares de proteção e dos próprios filhos.

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  • BNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0547, 008, nº 001
  • BNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0548, 030, Doc. 23.
  • BNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0548, 030, Doc. 17.
  • BNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0548, 030, Doc. 30.
  • BNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0548, 030, Doc. 30.
  • BNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0548, 030, Doc. 10.
  • BNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0548, 030, Doc. 10.
  • BNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0548, 030, Doc. 8.
  • BNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0548, 030, Doc. 12.
  • BNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0548, 030, Doc. 5.
  • BNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0597,003, nº 001.
  • BNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0648, 009.
  • BNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0744, 041, nº 003
  • *
    Agradeço: ao Prof. Dr. Evergton Sales Souza pelo apoio ao desenvolvimento do Projeto de Pesquisa de Pós-Doutorado, do qual este artigo constitui resultado, junto ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Bahia; às Profas. Dras. Jacqueline Hermann e Beatriz Catão Cruz Santos, pelos comentários feitos à versão manuscrita deste artigo em uma reunião do Laboratório Sacralidades da UFRJ; e à Patrícia Peixoto, pela revisão do abstract.
  • 1
    Ana Theotônia Leal. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando licença para sair da clausura do Convento de Nossa Senhora da Ajuda da Corte do Rio de Janeiro. 1821-1822. BNRJ, Divisão de ManuscritosBNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0744, 041, nº 003, Documentos Biográficos, C-0744, 041, nº 003. A ortografia foi atualizada, mantendo-se o uso de maiúsculas do original.
  • 2
    Sobre as referidas secretarias, ver SÁ NETTO, Rodrigo deSÁ NETTO, Rodrigo de. A Secretaria de Estado dos Negócios do Império (1823-1891). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2013.. A Secretaria de Estado dos Negócios do Império (1823-1891). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2013, p. 7. Ainda que quase todos os requerimentos localizados na Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro tenham sido identificados como enviados ao Ministério do Império, o autor citado informa mais precisamente sobre os órgãos administrativos aos quais eram enviadas as petições que tratavam do recolhimento de mulheres: “as raízes da Secretaria de Estado dos Negócios do Império estão em Portugal, no reinado de D. João V, quando o alvará de 28 de julho de 1736, reorganizando a administração lusa, criou três secretarias: a dos Negócios Interiores do Reino, a da Marinha e Domínios Ultramarinos e a dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. A primeira delas, com a transferência da monarquia para o Brasil, em 1808, passou a chamar-se Secretaria de Estado dos Negócios do Reino (...). Após a Independência seria rebatizada como Secretaria de Estado dos Negócios do Império e Estrangeiros e, posteriormente, apenas Secretaria de Estado dos Negócios do Império, segundo o decreto de 13 de novembro de 1823”. Ver também TAPAJÓS, VicenteTAPAJÓS, Vicente. Organização política e administrativa do Império. Brasília: Funcep, 1984.. Organização política e administrativa do Império. Brasília: Funcep, 1984, p. 85; VINHOSA, Francisco Luiz TeixeiraVINHOSA, Francisco Luiz Teixeira. Brasil sede da monarquia: Brasil Reino. Brasília: Funcep, 1984.. Brasil sede da monarquia: Brasil Reino. Brasília: Funcep, 1984, p. 164-167.
  • 3
    Para a América Portuguesa, o estudo mais amplo é o de ALGRANTI, Leila MezanALGRANTI, Leila Mezan. Honradas e devotas: mulheres da Colônia. Condição feminina nos conventos e recolhimentos do Sudeste do Brasil, 1750-1822. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: Ed. UnB, 1993.. Honradas e devotas: mulheres da Colônia. Condição feminina nos conventos e recolhimentos do Sudeste do Brasil, 1750-1822. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: Ed. UnB, 1993. Ver também SILVA, Maria Beatriz Nizza daSILVA, Maria Beatriz Nizza da. Donas e plebeias na sociedade colonial. Lisboa: Estampa, 2002.. Donas e plebeias na sociedade colonial. Lisboa: Estampa, 2002, p. 103-134; MYSCOFSKI, Carole A.MYSCOFSKI, Carole A. Amazons, Wives, Nuns and Witches. Women and the Catholic Church in Colonial Brazil, 1500-1822. Austin: University of Texas Press, 2014.Amazons, Wives, Nuns and Witches. Women and the Catholic Church in Colonial Brazil, 1500-1822. Austin: University of Texas Press, 2014.
  • 4
    RUSSELL-WOOD, JohnRUSSELL-WOOD, John. Fidalgos e filantropos: A Santa Casa da Misericórdia da Bahia, 1550-1755. Brasília: Ed. UnB, 1981.. Fidalgos e filantropos: A Santa Casa da Misericórdia da Bahia, 1550-1755. Brasília, Ed. UnB, 1981, p. 253-265; COATES, Timothy J.COATES, Timothy J. Degredados e órfãs: colonização dirigida pela Coroa no Império português (1550-1755). Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1998.Degredados e órfãs: colonização dirigida pela Coroa no Império português (1550-1755). Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1998, p. 223-274; GANDELMAN, Luciana______. Mulheres para um Império. Órfãs e caridade nos recolhimentos femininos da Santa Casa da Misericórdia (Salvador, Rio de Janeiro e Porto - século XVIII). Tese de Doutorado em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005.. Mulheres para um Império. Órfãs e caridade nos recolhimentos femininos da Santa Casa da Misericórdia (Salvador, Rio de Janeiro e Porto – século XVIII). Tese de Doutorado em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005.
  • 5
    MANSO, Maria de Deus BeitesMANSO, Maria de Deus Beites. Mujeres en el Brasil colonial: el caso del Recogimiento de la Santa Casa de la Misericordia de Bahía a través de la depositada Teresa de Jesús. In: LORETO LÓPEZ, Rosalva; VIFORCOS MARINAS, Maria Isabel (org.). Historias compartidas. Religiosidad y reclusión femenina en España, Portugal y América. Siglos XVI-XIX. León: Universidad de León; Puebla: Benemérita Universidad Autónoma de Puebla, 2007, p. 339-365.. Mujeres en el Brasil colonial: el caso del Recogimiento de la Santa Casa de la Misericordia de Bahía a través de la depositada Teresa de Jesús In: LORETO LÓPEZ, Rosalva; VIFORCOS MARINAS, Maria Isabel (org.). Historias compartidas. Religiosidad y reclusión femenina en España, Portugal y América. Siglos XVI-XIX. León: Universidad de León; Puebla: Benemérita Universidad Autónoma de Puebla, 2007, p. 339-365.
  • 6
    SILVA, Maria Beatriz Nizzada______. Punida e insubmissa: escândalo no Convento da Lapa em Salvador. Clio. Revista de pesquisa Histórica. Recife, v. 25, n. 1, 2007, p. 11-30. ISSN 0102-4736, Disponível em http://www.revista.ufpe.br/revistaclio/index.php/revista/article/viewFile/595/434. Acesso em 28 Apr. 2017.
    http://www.revista.ufpe.br/revistaclio/i...
    . Punida e insubmissa: escândalo no Convento da Lapa em Salvador. Clio. Revista de pesquisa histórica. Recife, v. 25, n. 1, 2007, p. 11-30. ISSN 0102-4736. Disponível em http://www.revista.ufpe.br/revistaclio/index.php/revista/article/viewFile/595/434. Acesso em 28 Apr. 2017.; MOTT, LuizMOTT, Luiz. Rosa Egipcíaca: uma santa africana no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand, 1993.. Rosa Egipcíaca: uma santa africana no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand, 1993, p. 276.
  • 7
    ALMEIDA, Suely Creusa Cordeiro deALMEIDA, Suely Creusa Cordeiro de. O sexo devoto: normalização e resistência feminina no Império português, XVI-XVIII. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2005.. O sexo devoto: normalização e resistência feminina no Império português, XVI-XVIII. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2005, p. 261-334.
  • 8
    Para o estudo das mulheres brancas pobres, forras e escravas no referido contexto, ver DIAS, Maria Odila da SilvaDIAS, Maria Odila da Silva. Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX. 2ª ed. rev. São Paulo: Brasiliense, 1995.. Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX. 2ª ed. rev. São Paulo: Brasiliense, 1995.
  • 9
    CHARTIER, RogerCHARTIER, Roger. A História cultural entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990.. A História cultural entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990, p. 23.
  • 10
    A respeito da polissemia de significados assumidos pelo termo “recolhimento” no contexto ibérico e colonial, ver VAN DEUSEN, NancyVAN DEUSEN, Nancy. Between the Sacred and Wordly. The Institutional and Cultural Practice of Regogimento in Colonial Lima. Stanford: Stanford University Press, 2001.. Between the Sacred and Wordly. The Institutional and Cultural Practice of Recogimiento in Colonial Lima. Stanford: Stanford University Press, 2001, p. 1-36.
  • 11
    SCOTT, Joan WallachSCOTT, Joan Wallach. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e realidade. Porto Alegre, n. 16, 2, 1990, p. 5-22. ISSN: 0100-3143. Disponível em Disponível em http://www.seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/issue/viewIssue/3059/325 . Acesso em 28 Apr. 2017.
    http://www.seer.ufrgs.br/index.php/educa...
    . Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e realidade. Porto Alegre, n. 16, 2, 1990, p. 5-22. ISSN: 0100-3143. Disponível em http://www.seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/issue/viewIssue/3059/325. Acesso em 28 Apr. 2017. Para uma tentativa de conciliar a abordagem pós-estruturalista dos estudos de gênero e as análises de História Social, opção que foi adotada no presente trabalho, ver PINSKY, Carla BassaneziPINSKY, Carla Bassanezi. Estudos de gênero e História Social. Revista de Estudos Feministas. Florianópolis, v. 17, n. 1, 2009, p. 159-189. ISSN: 0104-026X. Disponível em Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ref/v17n1/a09v17n1.pdf . Acesso em 28 Apr. 2017.Doi: Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ref/v17n1/a09v17n1.pdf. Acesso em 28 Apr. 2017.Doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X2009000100009 .
    http://www.scielo.br/pdf/ref/v17n1/a09v1...
    . Estudos de gênero e História Social. Revista de Estudos Feministas. Florianópolis, v. 17, n. 1, 2009, p. 159-189. ISSN: 0104-026X. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ref/v17n1/a09v17n1.pdf. Acesso em 28 Apr. 2017. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X2009000100009.
  • 12
    BUTLER, JudithBUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 22.
  • 13
    LAQUEUR, ThomasLAQUEUR, Thomas. Inventando o sexo: corpo e gênero dos gregos a Freud. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2001.. Inventando o sexo: corpo e gênero dos gregos a Freud. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001, p. 169.
  • 14
    LAQUEUR, ThomasLAQUEUR, Thomas. Inventando o sexo: corpo e gênero dos gregos a Freud. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2001., op. cit., 2001, p. 177.
  • 15
    WEBER, AlisonWEBER, Alison. Teresa of Avila and the Rhetoric of Femininity. Princeton: Princeton University Press, 1990.. Teresa of Avila and the Rhetoric of Femininity. Princeton: Princeton University Press, 1990, p. 17-41.
  • 16
    ROWE, Erin KathleenROWE, Erin Kathleen. Saint and Nation. Santiago, Teresa of Avila and Plural Identities in Early Modern Spain. Pennsylvania: Pennsylvania State University Press, 2011.. Saint and Nation. Santiago, Teresa of Avila and Plural Identities in Early Modern Spain. Pennsylvania State University Press, 2011, p. 48-76.
  • 17
    SILVA, Natanael de FreitasSILVA, Natanael de Freitas. Historicizando as masculinidades: considerações e apontamentos à luz de Richard Miskolci e Albuquerque Junior. História, histórias. Revista do Programa de Pós-graduação em História da UnB. Brasília, v. 1, n. 5, 2015, p. 7-22.. Historicizando as masculinidades: considerações e apontamentos à luz de Richard Miskolci e Albuquerque Junior. História, histórias. Revista do Programa de Pós-graduação em História da UnB. Brasília, v. 1, n. 5, 2015, p. 7-22. ISSN: 2318-1729, Disponível em http://periodicos.unb.br/index.php/hh/article/view/13306/12262. Acesso em 28 Apr. 2017.
  • 18
    KRITZMAN, Lawrence D.KRITZMAN, Lawrence D. A virilidade e seus “outros”: a representação da masculinidade paradoxal. In: VIGARELLO, Georges (dir.). A invenção da virilidade da Antiguidade às Luzes. Petrópolis: Vozes, 2013, p. 217-241. A virilidade e seus “outros”: a representação da masculinidade paradoxal. In: VIGARELLO, Georges (dir.). A invenção da virilidade da Antiguidade às Luzes. Petrópolis: Vozes, 2013, p. 218.
  • 19
    HOLLOWAY, Thomas H.HOLLOWAY, Thomas H. Polícia no Rio de Janeiro: Repressão e resistência numa cidade do século XIX. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1997.Polícia no Rio de Janeiro: Repressão e resistência numa cidade do século XIX. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1997, p. 46-47.
  • 20
    Para mencionar apenas algumas referências, ver ALGRANTI, Leila______. O feitor ausente: estudos sobre a escravidão urbana no Rio de Janeiro (1808-1821). Petrópolis: Vozes, 1988.. O feitor ausente: estudos sobre a escravidão urbana no Rio de Janeiro (1808-1821). Petrópolis: Vozes, 1988; SCHWARCZ, Lilia MoritzSCHWARCZ, Lilia Moritz. A longa viagem da biblioteca dos reis: do terremoto de Lisboa à Independência do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.. A longa viagem da biblioteca dos reis: do terremoto de Lisboa à Independência do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2002; RODRIGUEZ LOPEZ, Emilio CarlosRODRIGUEZ LOPEZ, Emilio Carlos. Festas públicas, memória e representação: um estudo sobre as manifestações políticas na Corte do Rio de Janeiro, 1808-1822. São Paulo: Humanitas, 2004.. Festas públicas, memória e representação: um estudo sobre as manifestações políticas na Corte do Rio de Janeiro, 1808-1822. São Paulo: Humanitas, 2004; BARRA, SérgioBARRA, Sérgio. Entre a Corte e a cidade: o Rio de Janeiro no tempo do rei (1808-1821). Rio de Janeiro: José Olympio, 2008.. Entre a Corte e a cidade: o Rio de Janeiro no tempo do rei (1808-1821). Rio de Janeiro: José Olympio, 2008.
  • 21
    SCHULTZ, KirstenSCHULTZ, Kirsten. Versalhes tropical. Império, monarquia e a Corte imperial no Rio de Janeiro, 1808-1821. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.. Versalhes tropical. Império, monarquia e a Corte imperial no Rio de Janeiro, 1808-1821. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 221-234. A respeito da economia da graça na sociedade portuguesa do período Moderno, ver XAVIER, Ângela Barreto; HESPANHA, Antonio ManuelXAVIER, Ângela Barreto; HESPANHA, Antonio Manuel. As redes clientelares. In: HESPANHA, Antonio Manuel (coord.). O Antigo Regime (1620-1807). Lisboa: Estampa , 1993, p. 381-393.. As redes clientelares. In: HESPANHA, Antonio Manuel (coord.). O Antigo Regime (1620-1807). Lisboa: Estampa, 1993, p. 381-393.
  • 22
    SCHULTZ, KirstenSCHULTZ, Kirsten. Versalhes tropical. Império, monarquia e a Corte imperial no Rio de Janeiro, 1808-1821. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008., op. cit., 2008, p. 333-385; NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira dasNEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. Corcundas e constitucionais: a cultura política da Independência (1820-1822). Rio de Janeiro: Revan: FAPERJ, 2003.. Corcundas e constitucionais: a cultura política da Independência (1820-1822). Rio de Janeiro: Revan/FAPERJ, 2003, p. 119-168; SILVA, Ana Rosa Cloclet daSILVA, Ana Rosa Cloclet da. Inventando a nação: intelectuais ilustrados e estadistas luso-brasileiros na crise do Antigo Regime português. São Paulo: Hucitec/FAPESP, 2006.. Inventando a nação: intelectuais ilustrados e estadistas luso-brasileiros na crise do Antigo Regime português. São Paulo: Hucitec/FAPESP, 2006, p. 287-312.
  • 23
    WINDLER, EricaWINDLER, Erica. Honor among Orphans: Girlhood, Virtue and Nation at Rio de Janeiro’s Recolhimento. Journal of Social History. Oxford, vol. 44, n. 4, Summer 2011, p. 1209. ISSN: 0022-4529. Disponível em Disponível em https://academic.oup.com/jsh/issue/44/4 . Acesso em 28 Apr. 2017. Doi: Disponível em https://academic.oup.com/jsh/issue/44/4. Acesso em 28 Apr. 2017. Doi: https://doi.org/10.1353/jsh.2011.0052.
    https://academic.oup.com/jsh/issue/44/4...
    . Honor among Orphans: Girlhood, Virtue and Nation at Rio de Janeiro’s Recolhimento. Journal of Social History. Oxford, vol. 44, n. 4, Summer 2011, p. 1209. ISSN: 0022-4529. Disponível em https://academic.oup.com/jsh/issue/44/4. Acesso em 28 Apr. 2017. Doi: https://doi.org/10.1353/jsh.2011.0052. As mudanças na representação da honra feminina após a Independência foram também analisadas por CAULFIELD, SueannCAULFIELD, Sueann. Em defesa da honra: moralidade, modernidade e nação no Rio de Janeiro (1918-1940). Campinas: Ed. da Unicamp, 2000.. Em defesa da honra: moralidade, modernidade e nação no Rio de Janeiro (1918-1940). Campinas: Ed. da Unicamp, 2000, p. 32.
  • 24
    GANDELMAN, LucianaGANDELMAN, Luciana. Entre a cura das almas e o remédio dos vivos: o Recolhimento de Órfãs da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro e a caridade para com as mulheres (ca. 1739-1830). Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, 2008.. Entre a cura das almas e o remédio dos vivos: o Recolhimento de Órfãs da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro e a caridade para com as mulheres (ca. 1739-1830). Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, 2008, p. 94-95.
  • 25
    HOLLOWAY, Thomas H.HOLLOWAY, Thomas H. Polícia no Rio de Janeiro: Repressão e resistência numa cidade do século XIX. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1997., op. cit., 1997, p. 67-76; BARMAN, Roderick J.BARMAN, Roderick J. Brazil. The Forging of a Nation, 1798-1852. Stanford: Stanford University Press, 1988. Brazil. The Forging of a Nation, 1798-1852. Stanford: Stanford University Press, 1988, p. 160-174.
  • 26
    As duas autoras citadas não trabalharam com a documentação examinada neste artigo.
  • 27
    SCHULTZ, KirstenSCHULTZ, Kirsten. Versalhes tropical. Império, monarquia e a Corte imperial no Rio de Janeiro, 1808-1821. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008., op. cit., 2008, p. 234.
  • 28
    No período colonial e no contexto em análise, o divórcio era entendido como uma separação de corpos dos cônjuges, que só poderiam contrair novo matrimônio caso se tornassem viúvos. Havia basicamente duas justificativas para o divórcio: sevícias e adultério. Enquanto as mulheres aguardavam o processo de divórcio, eram depositadas em casas de parentes, pessoas de confiança ou em recolhimentos destinados à referida finalidade. Nos processos de divórcio da capitania de São Paulo analisados por Maria Beatriz Nizza da Silva, a iniciativa sempre partia das mulheres, na medida em que “nenhum marido acusaria a mulher de seviciá-lo, pois ficaria imediatamente desqualificado na comunidade em que vivia”. SILVA, Maria Beatriz Nizza da______. Sistema de casamento no Brasil colonial. São Paulo: T. A. Queiroz/EDUSP, 1984.. Sistema de casamento no Brasil colonial. São Paulo: T. A. Queiroz: EDUSP, 1984, p. 217. Ver também GOLDSCHMIDT, Eliana Maria ReaGOLDSCHMIDT, Eliana Maria Rea. Convivendo com o pecado na sociedade colonial paulista (1719-1822). São Paulo: Annablume, 1998.. Convivendo com o pecado na sociedade colonial paulista (1719-1822). São Paulo: Annablume, 1998; SILVA, Marilda Santana daSILVA, Marilda Santana da. Dignidade e transgressão: mulheres no Tribunal Eclesiástico em Minas Gerais (1748-1830). Campinas: Ed. da Unicamp, 2001.. Dignidade e transgressão: mulheres no Tribunal Eclesiástico em Minas Gerais (1748-1830). Campinas: Ed. da UNICAMP, 2001.
  • 29
    SCHULTZ, KirstenSCHULTZ, Kirsten. Versalhes tropical. Império, monarquia e a Corte imperial no Rio de Janeiro, 1808-1821. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008., op. cit., 2008, p. 235.
  • 30
    HESPANHA, Antonio ManuelHESPANHA, Antonio Manuel. Imbecilitas: as bem-aventuranças da inferioridade nas sociedades de Antigo Regime. São Paulo: Annablume, 2010.. Imbecilitas: as bem-aventuranças da inferioridade nas sociedades de Antigo Regime. São Paulo: Annablume, 2010, p. 101-140.
  • 31
    SCHULTZ, KirstenSCHULTZ, Kirsten. Versalhes tropical. Império, monarquia e a Corte imperial no Rio de Janeiro, 1808-1821. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008., op. cit., 2008, p. 237.
  • 32
    Fortunata Maria da Conceição. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando licença para sair do Recolhimento em que seu marido a colocou, para tomar posse de seus bens que estão sendo utilizados pelo mesmo. 1809-1814. BNRJ, Divisão de ManuscritosBNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0192, 006, Documentos Biográficos, C-0192, 006.
  • 33
    A respeito das representações misóginas no período Moderno, ver WIESNER, Merry E.WIESNER, Merry E. Women and Gender in Early Modern Europe. 2ª ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2000.Women and Gender in Early Modern Europe. 2ª ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2000, p. 13-47; LOPES, Maria AntoniaLOPES, Maria Antonia. Mulheres, espaço e sociabilidade. A transformação dos papéis femininos em Portugal à luz de fontes literárias (segunda metade do século XVIII). Lisboa: Livros Horizonte, 1989.. Mulheres, espaço e sociabilidade. A transformação dos papéis femininos em Portugal à luz de fontes literárias (segunda metade do século XVIII). Lisboa: Livros Horizonte, 1989, p. 17-45. No contexto analisado pela autora, arquétipos tradicionais associados às mulheres vão sendo aos poucos confrontados, como, por exemplo, na produção literária de Manuel de Figueiredo: “Afonsa é uma mulher astuciosa e dissimulada, que finge ser ignorante e submissa, defende abertamente a supremacia do marido, a quem contradiz mas, sem que ele se aperceba, é ela que determina os acontecimentos (...). Personalidade oposta é a de Erina, incapaz de mentir, digna e possuidora de amor próprio. Sem subterfúgios, atua contra a vontade do pai” (p. 180).
  • 34
    Em um contexto próximo ao enfocado, o Código Civil da França (1804) definia que “o marido deve proteção à mulher; ele precisa, assim, evitar deixá-la padecer no abandono e na miséria. A esposa, por sua vez, tem o dever de obedecer ao seu marido”. COURBIN, AlainCOURBIN, Alain. A virilidade reconsiderada sob o prisma do naturalismo. In: COURBIN, Alain (dir.). O triunfo da virilidade: o século XIX. Trad. Petrópolis: Vozes , 2013, p. 13-34.. A virilidade reconsiderada sob o prisma do naturalismo. In: Idem (dir.). O triunfo da virilidade: o século XIX. Petrópolis: Vozes, 2013, p. 29.
  • 35
    A definição de “mundo da casa” se baseia em MATTOS, Ilmar Rohloff deMATTOS, Ilmar Rohloff de. O tempo Saquarema: a formação do Estado imperial. 2ª ed. São Paulo: Hucitec, 1990.. O tempo Saquarema: a formação do Estado imperial. 2ª ed. São Paulo: Hucitec, 1990, p. 109-129.
  • 36
    Ana Joaquina de Miranda. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando licença para sair do Recolhimento da Santa Casa da Misericórdia. 1814-1819. BNRJ, Divisão de ManuscritosBNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0547, 008, nº 001, Documentos Biográficos, C-0547, 008, nº 001.
  • 37
    Ana Joaquina de Jesus. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando restituição de seus quatro filhos e sua soltura do recolhimento. 1817-1822. BNRJ, Divisão de ManuscritosBNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0548, 030, Doc. 23., Documentos Biográficos, C-0548, 030, Doc. 23.
  • 38
    Ana Joaquina de Jesus. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando restituição de seus quatro filhos e sua soltura do recolhimento. 1817-1822. BNRJ, Divisão de ManuscritosBNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0548, 030, Doc. 17., Documentos Biográficos, C-0548, 030, Doc. 17.
  • 39
    Ana Joaquina de Jesus. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando restituição de seus quatro filhos e sua soltura do recolhimento. 1817-1822. BNRJ, Divisão de ManuscritosBNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0548, 030, Doc. 30., Documentos Biográficos, C-0548, 030, Doc. 30.
  • 40
    Ana Joaquina de Jesus. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando restituição de seus quatro filhos e sua soltura do recolhimento. 1817-1822. BNRJ, Divisão de ManuscritosBNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0548, 030, Doc. 30., Documentos Biográficos, C-0548, 030, Doc. 30.
  • 41
    Ana Joaquina de Jesus. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando restituição de seus quatro filhos e sua soltura do recolhimento. 1817-1822. BNRJ, Divisão de ManuscritosBNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0548, 030, Doc. 10., Documentos Biográficos, C-0548, 030, Doc. 10.
  • 42
    Ana Joaquina de Jesus. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando restituição de seus quatro filhos e sua soltura do recolhimento. 1817-1822. BNRJ, Divisão de ManuscritosBNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0548, 030, Doc. 10., Documentos Biográficos, C-0548, 030, Doc. 10.
  • 43
    HOLLOWAY, Thomas H.HOLLOWAY, Thomas H. Polícia no Rio de Janeiro: Repressão e resistência numa cidade do século XIX. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1997., op. cit., 1997, p. 46-47.
  • 44
    Ana Joaquina de Jesus. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando restituição de seus quatro filhos e sua soltura do recolhimento. 1817-1822. BNRJ, Divisão de ManuscritosBNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0548, 030, Doc. 8., Documentos Biográficos, C-0548, 030, Doc. 8.
  • 45
    Ana Joaquina de Jesus. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando restituição de seus quatro filhos e sua soltura do recolhimento. 1817-1822. BNRJ, Divisão de ManuscritosBNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0548, 030, Doc. 12., Documentos Biográficos, C-0548, 030, Doc. 12.
  • 46
    Ana Joaquina de Jesus. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando restituição de seus quatro filhos e sua soltura do recolhimento. 1817-1822. BNRJ, Divisão de ManuscritosBNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0548, 030, Doc. 5., Documentos Biográficos, C-0548, 030, Doc. 5.
  • 47
    Antônio Manoel Sodré. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império. 1820-1821. BNRJ, Divisão de ManuscritosBNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0333, 007., Documentos Biográficos, C-0333, 007.
  • 48
    Antônio Manoel Sodré. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império. 1820-1821. BNRJ, Divisão de ManuscritosBNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0333, 007., Documentos Biográficos, C-0333, 007.
  • 49
    Antônio Manoel Sodré. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império. 1820-1821. BNRJ, Divisão de ManuscritosBNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0333, 007., Documentos Biográficos, C-0333, 007.
  • 50
    A respeito da “economia das mercês” que pautava a concessão de hábitos e comendas das ordens militares, ver OLIVAL, FernandaOLIVAL, Fernanda. As ordens militares e o Estado Moderno: honra, mercê e venalidade em Portugal (1641-1789). Lisboa: Estar Editora, 2001.. As ordens militares e o Estado Moderno: honra, mercê e venalidade em Portugal (1641-1789). Lisboa: Estar Editora, 2001, p. 107-162.
  • 51
    Custódio de Souza Guimarães. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando a mercê da Ordem de Cristo (...) e que seja sua mulher, recolhida no Convento de Nossa Senhora da Ajuda, tendo em vista sua conduta imoral. 1802-1842. BNRJ, Divisão de ManuscritosBNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0648, 009., Documentos Biográficos, C-0648, 009.
  • 52
    SILVA, Maria Beatriz Nizza da Silva______. Sistema de casamento no Brasil colonial. São Paulo: T. A. Queiroz/EDUSP, 1984., op. cit., 1984, p. 217. Ver também ALMEIDA, Cândido Mendes de (ed.). Ordenações filipinas (1603). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985, vol. 3, Livro V, p. 1174-1177. Não foram, porém, encontrados casos de uxoricídio nas fontes em análise, o que pode indicar uma aplicação mais branda da legislação.
  • 53
    Solidônio José Antônio Pereira do Lago. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando que sua mulher seja recolhida na Santa Casa da Misericórdia, e que o seu sustento fique a cargo do Recolhimento, enquanto ele não puder pagar. 1819-1839. BNRJ, Divisão de ManuscritosBNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0547, 008, nº 001, Documentos Biográficos, C-0597,003, nº 001.
  • 54
    ALGRANTI, Leila MezanALGRANTI, Leila Mezan. Honradas e devotas: mulheres da Colônia. Condição feminina nos conventos e recolhimentos do Sudeste do Brasil, 1750-1822. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: Ed. UnB, 1993., op. cit., 1993, p. 111-112.
  • 55
    RAMOS, DonaldRAMOS, Donald. A “voz popular” e a cultura popular no Brasil do século XVIII. In: SILVA, Maria Beatriz Nizza da (coord.). Cultura portuguesa na Terra de Santa Cruz. Lisboa, Estampa, 1995, p. 137-154.. A “voz popular” e a cultura popular no Brasil do século XVIII. In: SILVA, Maria Beatriz Nizza da (coord.). Cultura portuguesa na Terra de Santa Cruz. Lisboa: Estampa, 1995, p. 137-154.
  • 56
    Solidônio José Antônio Pereira do Lago. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando que sua mulher seja recolhida na Santa Casa da Misericórdia, e que o seu sustento fique a cargo do Recolhimento, enquanto ele não puder pagar. 1819-1839. BNRJ, Divisão de ManuscritosBNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0597,003, nº 001., Documentos Biográficos, C-0597,003, nº 001.
  • 57
    Solidônio José Antônio Pereira do Lago. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando que sua mulher seja recolhida na Santa Casa da Misericórdia, e que o seu sustento fique a cargo do Recolhimento, enquanto ele não puder pagar. 1819-1839. BNRJ, Divisão de ManuscritosBNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0597,003, nº 001., Documentos Biográficos, C-0597,003, nº 001.
  • 58
    Ainda que a administração dos bens no casamento se regesse pelo princípio da meação, era comum entre grupos de elite do período colonial que a família da esposa contribuísse com riquezas materiais mais significativas do que a família do marido, para a constituição de um novo casal. NAZZARI, Muriel. O desaparecimento do dote: mulheres, famílias e mudança social em São Paulo, Brasil, 1600-1900. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 77-82.
  • 59
    Solidônio José Antônio Pereira do Lago. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando que sua mulher seja recolhida na Santa Casa da Misericórdia, e que o seu sustento fique a cargo do Recolhimento, enquanto ele não puder pagar. 1819-1839. BNRJ, Divisão de ManuscritosBNRJ, Divisão de Manuscritos, Documentos Biográficos, C-0597,003, nº 001., Documentos Biográficos, C-0597,003, nº 001.
  • 60
    A respeito da permanência e da abrangência de algumas das representações do masculino e do feminino constituídas a partir dos códigos do patriarcalismo, ver SCHIPPER, MinekeSCHIPPER, Mineke. Nunca se case com uma mulher de pés grandes: a representação da mulher no dito popular. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.. Nunca se case com uma mulher de pés grandes: a representação da mulher no dito popular. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012; BOURDIEU, PierreBOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. 4ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.. A dominação masculina. 4ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005, p. 69-85.
  • 61
    CAULFIELD, SueannCAULFIELD, Sueann. Em defesa da honra: moralidade, modernidade e nação no Rio de Janeiro (1918-1940). Campinas: Ed. da Unicamp, 2000., op. cit., 2000, p. 32.
  • 62
    POCOCK, J. G. A.POCOCK, J. G. A. Linguagens do ideário político. São Paulo: Edusp, 2003.Linguagens do ideário político. São Paulo: Edusp, 2003, p. 63-82.
  • 63
    Ver a análise desenvolvida no início, no item “Contexto”. A respeito da reclusão punitiva no contexto em análise, ver SILVA, Maria Beatriz Nizza daSILVA, Maria Beatriz Nizza da. Donas e plebeias na sociedade colonial. Lisboa: Estampa, 2002., op. cit., 2002, p. 155-165.
  • 64
    HOLLOWAY, Thomas H.HOLLOWAY, Thomas H. Polícia no Rio de Janeiro: Repressão e resistência numa cidade do século XIX. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1997., op. cit., 1997, p. 103.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    22 Abr 2016
  • Aceito
    19 Dez 2016
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