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HISTÓRIA E TEXTUALIZAÇÃO: A HISTORIOGRAFIA DA FRENTE DO NIASSA (MOÇAMBIQUE) 1964-1974

HISTORY AND TEXTUALIZATION: THE HISTORIOGRAPHY OF THE NIASSA FRONT (MOZAMBIQUE) 1964-1974

Resumo

Este artigo versa sobre a luta armada de independência nacional de Moçambique na Frente do Niassa, setor militar cuja importância reside na sua localização na região de fronteira com a Tanzânia e Malawi e no seu desempenho geoestratégico no desenvolvimento da luta. O mesmo aborda a evolução da historiografia sobre esta frente, analisada como processo de textualização e intrinsecamente dialógico entre história vivida, memória coletiva e política. A cronologia da luta armada é respaldada em fontes do arquivo colonial e em depoimentos de antigos guerrilheiros. Ao salientar a devida importância da Frente do Niassa, dirigida pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) - organização nacionalista -, o mesmo situa a sua contribuição no âmbito da descolonização da África Austral nas décadas de 1960 e 1970.

Palavras-chave:
Frente do Niassa; Frelimo; Moçambique; luta armada; estrada de Mataca

Abstract

This article deals with the armed struggle for national independence of Mozambique in the Niassa Front, a military sector whose importance lies in its location in the border region with Tanzania and Malawi and in its geo-strategic performance in the development of the struggle. It also addresses the evolution of historiography on this front, analysed as a process of textualization and intrinsically dialogic between history, collective memory and politics. The chronology of armed struggle is supported by sources from the colonial archive and testimony of former guerrillas. Emphasizing the importance of the Niassa Front, led by Mozambique Liberation Front (Frelimo) - a nationalist organization - it has also contributed to the decolonization of Southern Africa in the 1960s and 1970s.

Keywords:
Front of Niassa; Frelimo; Mozambique; armed struggle; road of Mataca

Introdução

A história da luta armada de independência nacional de Moçambique na Frente do Niassa vive hoje nova experiência de textualização, em que vêm ao público os testemunhos de guerrilheiros da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) publicados em livros, provavelmente pela primeira vez, e os estudos baseados em fontes documentais. É uma experiência nova porque as informações sobre a luta armada constam dos "comunicados de guerra" publicados nos órgãos do Departamento de Informação, designadamente o Mozambique Revolution e no livro Lutar por Moçambique (MONDLANE, 1977MONDLANE, Eduardo. Lutar por Moçambique. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1977.).1 1 MONDLANE, Eduardo. Lutar por Moçambique. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1977.

Os testemunhos voltam hoje a falar ajustados a um texto narrativo, desta vez em contexto público no qual a Frelimo conta a sua história. Não é por acaso que assim acontece, uma vez que a historiografia nacional da luta de independência do país parece marcada pela transição da "narração dos sofrimentos" - os relatos pessoais da unidade ideológica na Frelimo reportados durante a luta armada - à narração da libertação. Esta última surge representada nos livros-testemunhos de antigos guerrilheiros recentemente publicados, nos quais os mesmos contam a passagem heróica do tempo de sofrimento - o da colonização - para o tempo da vitória - da independência nacional e da libertação. Nestes, a libertação é um discurso de significação subjetiva e objetiva porque, na narrativa desses autores, é testemunhada a história heróica da Frelimo.

A novidade é que o texto em livro constrói de forma entrelaçada a memória pessoal do autor e a narrativa política da libertação nacional, que Paul Ricouer chama de "dimensão fiduciária" do testemunho, em que a sua autenticação, acreditação, aceitação ou credenciamento pressupõem confiabilidade e autodesignação sendo que esta última "se inscreve numa troca que instaura uma situação dialogal" (RICOUER, 2007, p. 173).2 2 RICOUER, Paul. A memória, a história e o esquecimento. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2007, p. 173. P. Ricouer salienta que a "especificidade do testemunho consiste no fato de que a asserção de realidade é inseparável de seu acoplamento com a autodesignação do sujeito que testemunha" (RICOUER, 2007, p. 172).3 3 Ibidem, p. 172. No atual contexto, as vozes não são mediadas pelos órgãos do Departamento de Informação, mas os autores reiteram o discurso modular, derivativo: uma demanda narrativa do contexto historiográfico em um Moçambique democrático.

O dado novo da atual historiografia da luta armada parece ser este jogo dialético que ocorre no espaço público de produção historiográfica, da de-hierarquização do ato textual, da escrita da história e da memória histórica, ainda que derivativa do discurso modular de libertação da Frelimo, uma vez que, nos livros de memória, conta-se a história pessoal do autor desde o local de origem até a experiência da luta armada, de modo que o credenciamento do testemunho é o da imaginação ou subjetividade que antecede a própria Frelimo. Assim se faz uma memória pessoal e um discurso de libertação.

Durante a luta armada, a história das frentes militares era centralizada em um texto hierárquico na forma dos órgãos de informação e propaganda, tornando-a uma síntese de depoimentos de uma narrativa revolucionária. A estrutura discursiva era concomitante com a própria estrutura hierarquizada de exercício político que a organização nacionalista desenvolveu durante a luta armada. Cito: a forma textual ou documental, funcional para fins administrativos, diplomáticos e de propaganda - esta era a forma oficial de ordenamento central e de disciplina hierárquica entre os departamentos e órgãos, que veiculava as decisões das cimeiras, dos congressos, do Comité Central, entre outras. Transmitia o discurso político moderno por via das representações do Departamento de Relações Exteriores, em que os expedientes em línguas das antigas metrópoles transmitiam a decisão colegial, o comando e a hierarquia do discurso revolucionário. Pode-se dizer que o discurso textual era o meio superior da disciplina na Frelimo, transmitindo e dirigindo o conhecimento do processo de libertação.

A outra forma foi a oral: a popularização do discurso de libertação nacional e da guerra revolucionária que, por meio das narrações dos sofrimentos e sacrifícios vividos na exploração do homem pelo sistema colonial, subjetivava as "zonas libertadas". A educação, a saúde, a produção alimentar, as canções, a poesia, a arte e a propaganda representavam os atos populares e históricos da revolução nacionalista. Neste meio social da luta armada, a história dever-se-ia concretizar na ideologia, cuja textualidade - o discurso textual da revolução - em princípio estruturaria a consciência popular.

Era a textualidade que agenciava a ideologia. Por textualidade me refiro a representação da história da luta de independência nacional de Moçambique em texto historiográfico, em que a contradição intrínseca da narrativa se situa no próprio ato de textualização que torna a história um depoimento. Não me refiro ao amplo campo da literatura, da história da literatura e das tensões internas no contexto da luta de independência nacional do país (BASTO, 2006),4 4 BASTO, Maria Benedita. A guerra das escritas: literatura, nação e teoria pós-colonial em Moçambique. Lisboa: Edições Vendaval, 2006. mas ao campo específico de textos sobre a cronologia, narração e simbologia da história da luta armada de independência nacional, nos quais se pontifica um lugar, o lugar de origem (por sinal, o simbólico lugar do primeiro tiro), e se solapam outros lugares, colocados num contraproducente e conflitante jogo de alteridade historiográfico.

A questão de início, também a principal que carece de ser feita, é o que foi a luta armada de libertação por via da qual parece razoável construir uma abordagem conceitual do que foi a Frente do Niassa. O argumento é que a luta armada de libertação, em particular a Frente do Niassa, foi uma experiência de unidade política em que as contradições subjacentes derivaram da própria heterogeneidade da libertação, uma vez que a Frente do Niassa se desenvolveu como uma geoestratégia operativa interssetorial, interligando as populações Nianja, Yao, Macua, Angoni, entre outras dos setores ocidental, oriental e sul do Niassa.

Uma interligação não isenta de contradições e tensões políticas. As fontes documentais coloniais descrevem situações de "fidelidade" ao governo colonial, de que se mencionam, entre outros, os regedores Mecanhelas e Chamba no setor sul do Niassa ao longo de toda a luta armada. Ao se referir à população Yao do setor oriental, o gabinete militar do Comando-Chefe das Forças Armadas portuguesas reportou, no seu relatório de 28 de junho de 1965, a "fidelidade e colaboração dos Ajauas [Yao]".5 5 ANTT/SCCIM n. 1945. Mais tarde, sobre a mesma população, em setembro de 1971, a Direção-Geral de Segurança (DGS) concluiu que a "relativa tranquilidade" inicial da região oriental foi o fator "primordial" que permitiu à Frelimo se implantar no "coração das terras ajauas, sede da 'dinastia' do Mataca". Da mesma fonte, neste setor, as informações coloniais localizavam a base operacional Beira e as bases ou destacamentos Montepuez, Ibo, Quelimane e Nampula, cobrindo o dispositivo do planalto de Chipamula e o triângulo Muembe-Litunde-Vila Cabral.6 6 ANTT: Pide/DGS. 2ª Divisão de Informação. Gabinete Ultramarino, SC- CI(2), GU, cx. 1 e 2. Vale mencionar também o fato da Frelimo se referir aos chefes Yao como "chefes feudais" ou de pretenderem ser "senhores incontestados",7 7 FRELIMO. O partido e as classes trabalhadoras moçambicanas na edificação da democracia popular. In: 3° CONGRESSO DA FRELIMO. Relatório do Comité Central ao 3° Congresso. Maputo: s/d, p. 18. ao mesmo tempo em que os mesmos se notabilizaram no que o governo colonial português chamou de "estrada de Mataca".8 8 ANTT/SCCIM n. 1941, c0003. Ver mais detalhes adiante.

Pode-se dizer que a ideia da independência nacional não foi, no início da luta armada, um objetivo político e ideológico universal entre os moçambicanos, tendo a adesão à luta armada por alguns chefes políticos locais sido objetivamente articulada para reforçar a autoridade política, nem sempre consentânea com a ideologia revolucionária da Frelimo de libertação de todo o país. Os maniqueísmos ideológicos subsequentes resultaram da incompreensão dessas diferenças, ao se tomar a unidade política como unidade ideológica e a contingência política como adesão natural à revolução.

Indicações desse maniqueísmo na concepção da luta armada de libertação parecem presentes nas metáforas utilizadas para desempenhar a função de transposição da ideologia em oralidade, na qual a operação interpelativa se fazia pela subversão, pela deselitização, difundindo-se a vontade das massas como a origem da ideologia, naturalizando a revolução: "Mozambican revolution is an immense movement - irreversible as a force of nature - with roots in the will and aspirations of each Mozambican".9 9 FRELIMO. Frelimo Information Department. Mozambique Revolution n. 11, Dar es Salaam, out. 1964, p. 1.

These relations exist naturally, because the Guerrillas and the people work hand in hand in the struggle against the enemy, to liberate our country, to assure the victory of the struggle for National Liberation.

"The people are to the guerrillas the same as water is to the fish". Out of the water the fish cannot live.10 10 FRELIMO. Frelimo Information Department. Mozambique Revolution n. 21, Dar es Salaam, set. 1965, p. 11. Grifos meus.

Sobre as contradições internas do movimento nacionalista, tomamos de empréstimo a crítica de Partha Chatterjee sobre as "fórmulas modulares", segundo a qual se deve observar a diferença, não a similitude em relação ao discurso moderno universalista (CHATTERJEE, 1993CHATTERJEE, Partha. The nation and its fragments: colonial and postcolonial histories. Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 1993., p. 5).11 11 CHATTERJEE, Partha. The nation and its fragments: colonial and postcolonial histories. Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 1993, p. 5. É neste âmbito que a textualidade, o discurso textual da história da luta de libertação nacional se torna importante como ideologia de dupla função junto aos moçambicanos: de hierarquização ante as estruturas políticas pré-existentes, de universalização ante as heterogeneidades subjetivas e de naturalização ante as contingencialidades políticas no espaço interno; e, por outro lado, de legitimação política por via do discurso de guerra revolucionária no espaço internacional.

A textualidade - ou o discurso textualizado - foi essencial para a Frelimo, com a função de estabelecer uma hierarquia com as massas e a filiação a Moçambique como "comunidade nacional imaginada" (ANDERSON, 2011ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo, 2ª reimpressão. Tradução de Denise Bottman. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.),12 12 ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo, 2ª reimpressão. Tradução de Denise Bottman. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. sobretudo se pensarmos que o discurso textual era o meio de comunicação administrativa colonial e o seu uso estava restringido ao pessoal administrativo e eclesiástico. A escrita e a leitura não constituíam a essência do "assimilado", antes, a adoção desse estatuto representava uma estratégia mimética de filiação e identificação com a cultura, a economia e a política da época colonial. Seu reconhecimento subjetivo manifestou ambiguidades políticas até se tornar revolucionário no contexto do pós-II Guerra Mundial (ANDRADE, 1997).13 13 ANDRADE, Mário Pinto de. Origens do nacionalismo africano: continuidade e ruptura nos movimentos unitários emergentes da luta contra a dominação colonial portuguesa: 1911-1961. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1997. Com efeito, em 25 de junho de 1962, data da sua fundação, a Frelimo carregava essa contradição subjetiva e literária profunda sob a estética da ideologia revolucionária do nacionalismo.

Como essência ou centralidade de todo texto e discurso moderno, "Moçambique" como imaginação ascendeu à figura de universalidade, constituindo-se referência de um conjunto plural de aspectos culturais, políticos e econômicos, justificando as variadas experiências de unidade política subjetivas e comunitárias. Nesta condição textual, Moçambique nasceu na subjacente tensão discursiva das heterogeneidades, da escrita e da oralidade.

Composta de um conjunto de textos publicados entre documentais, escolares e acadêmicos, a textualidade experimenta a transição da fase revolucionária14 14 A fase revolucionária caracterizava-se pelo idealismo do "homem novo" moçambicano que tinha como perspectiva a sujeição do indivíduo - segundo Amélia N. de Souto - à memória coletiva "fundamental para o triunfo da revolução." Cf. SOUTO, Amélia Neves de. Memory and identity in the history of Frelimo: some research themes. Kronos, vol. 39, n. 1, Cape Town, jan. 2013, p. 281. da historiografia para a fase de flexibilização narrativa. Nesta última, novos textos de história são inscritos na reiteração narrativa em novo contexto, o liberal, num tempo em que a memória individual expõe sua tensão interna com a memória coletiva, ainda que inevitavelmente aluda à concreta experiência de uma luta de libertação dirigida pela Frelimo.

Em estudos sobre a memória histórica da luta de independência nacional de Moçambique, Amélia N. de Souto e J. P. Borges Coelho15 15 SOUTO, Amélia Neves de. Memory and identity in the history of Frelimo..., op. cit; COELHO, João Paulo Borges. Politics and contemporary history in Mozambique: a set of epistemological notes. Kronos, vol. 39, n. 1, Cape Town, jan. 2013. observaram que ela é um campo de tensão e de instrumentalização para tornar flexível o discurso de autoridade e legitimidade política no país. Estudos nesta direção demonstram que a memória histórica vem ganhando espaço temático entre historiadores moçambicanos, interessados em descortinar as incongruências do texto historiográfico nacional.

Segundo Souto, são visíveis as dissonâncias da memória coletiva de libertação nacional do país na forma de compromisso ideológico, em que a memória individual devia se comprometer a apagar o passado individual em nome da sua identidade com o futuro revolucionário da Frelimo: "A 'purification' was necessary in which their future was more important than the memory of their past".16 16 Referindo-se aos prisioneiros políticos da luta clandestina das cidades de Lourenço Marques (atual Maputo) e Beira ver SOUTO, Amélia Neves de. Memory and identity in the history of Frelimo ..., op. cit., p. 288. O compromisso visava instituir uma determinada centralidade da memória da luta de libertação nacional do país, contrária às memórias consideradas paralelas, aquelas não produzidas na guerra: "To acknowledge this struggle [a luta política clandestina das cidades de Lourenço Marques e Beira] was to attribute an importance to its protagonists that Frelimo was not disposed to share with them" (SOUTO, 2013SOUTO, Amélia Neves de. Memory and identity in the history of Frelimo: some research themes. Kronos, vol. 39, n. 1, Cape Town, jan. 2013., p. 288).17 17 Ibidem, p. 288.

Com efeito, Chai e Mueda foram erigidos à dimensão de símbolos do início da guerra de independência nacional e, consequentemente, em lugares da história de sacrifício, glória e da heroicidade do ato de desencadeamento da luta armada nacional. Alçada ao alto da hierarquia historiográfica, a história oficial encerra no seu corpo as tensões subjetivas e políticas, cuja narrativa apregoada a partir da textualidade é objeto de questionamentos, dadas as polaridades intrínsecas entre a própria narrativa e a história, entre a memória e a historiografia, entre o tempo e a política, não por acaso, mas porque a textualização, o depoimento e o documento são atos dialógicos que representam dialéticas internas do tempo nas suas porosas fronteiras de grandes significados. No caso, a memória e a oralidade das frentes da luta armada desejam o estatuto de texto na historiografia, dado que a textualidade parece conferir lugar público de mérito nacional às narrativas subjetivas e aos lugares não devidamente mencionados no panteão da história da libertação nacional.

Ao longo do tempo, a cronologia pode se tornar indefensável no seu simbolismo, porque a história é mesmo assim, a permeabilização do tempo, de estereótipos, de identidades, de significados e dos contingenciais estados de conforto político que, eventualmente, caracterizam a estética legitimadora do texto histórico, de forte natureza política. No atual contexto historiográfico, a memória e o texto põem-se de forma dialética, esboroando os maniqueísmos narrativos.

Reitero que, no caso em análise, a textualidade marcou o ato fundante da Frelimo. Tendo se afirmado na data da sua fundação, em Dar es Salaam, pelo seu discurso textual de unidade nacional, a legitimidade política da Frelimo no contexto revolucionário africano só foi decidida pela apropriação do espírito da época, a luta armada na África Austral. Mesmo afirmando a natureza e o caráter popular da luta no interior do país, a guerra no contexto regional e o discurso textual de frente unida foram centrais para a ideologia e a identidade da Frelimo, superando nesta dimensão as organizações que a precederam.18 18 Mozambique African National Union (Manu), União Nacional Africana de Moçambique Independente (Unami) e a União Democrática Nacional de Moçambique (Udenamo), inclusive o Comité Revolucionário de Moçambique (Coremo).

Mário P. de Andrade faz-nos saber que nela, como em suas congêneres da Confederação das Organizações Nacionalistas das Colônias Portuguesas (CONCP), estiveram representadas as camadas advindas do "aparelho produtivo" e aquelas que neste não estiveram "em geral diretamente ligadas", "cuja formação se processa sob o controlo do poder político colonial, através dos aparelhos de hegemonia cultural (escola e a igreja) (...). Conjunto social assimilável à pequena burguesia" (ANDRADE, 1990ANDRADE, Mário Pinto de. As ordens do discurso do "clamor africano": continuidade e ruptura na ideologia do nacionalismo unitário. Estudos Moçambicanos n. 7, Centro de Estudos Africanos, Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, 1990., p.18).19 19 ANDRADE, Mário Pinto de. As ordens do discurso do "clamor africano": continuidade e ruptura na ideologia do nacionalismo unitário. Estudos Moçambicanos n. 7, Centro de Estudos Africanos, Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, 1990, p. 18. Negrito do autor. Com efeito, a alteridade política e a hegemonia estavam aí marcadas pelo discurso da luta armada na dimensão regional das independências na África Austral e a hegemonia política do discurso da libertação nacional era o escopo da luta ideológica e do discurso textual.

A Frelimo, ao longo da luta armada, procurou resolver as contradições políticas da luta de independência nacional pela via da conquista de zonas libertadas e pelo discurso textual, pelo qual desenvolvia, por textos oficiais e meios do Departamento de Informação, a escrita da história de libertação nacional do país. A combinação da prática libertária e do discurso sobre esta libertação deveria se concretizar no propósito da identidade popular com a ideologia de frente única, uma forma hierarquizada e moderna de libertação.

É assim que, de novo, a textualização das memórias sob a forma de depoimentos em publicações reitera a coerência do discurso moderno da Frelimo no país, o processo de integração das histórias subjetivas em texto público. Segundo Borges Coelho (2013COELHO, João Paulo Borges. Politics and contemporary history in Mozambique: a set of epistemological notes. Kronos, vol. 39, n. 1, Cape Town, jan. 2013.), a textualidade é o "código" narrativo da história da libertação nacional, um "instrumento" de legitimidade da autoridade da Frelimo (COELHO, 2013COELHO, João Paulo Borges. Politics and contemporary history in Mozambique: a set of epistemological notes. Kronos, vol. 39, n. 1, Cape Town, jan. 2013., p. 21).20 20 COELHO, João Paulo Borges. Politics and contemporary history in Mozambique: a set of epistemological notes. Kronos, vol. 39, n. 1, Cape Town, jan. 2013, p. 21. Textualidade e textualização, neste sentido, se tornam indissociáveis de uma historiografia que configura a história escrita como monumento. A perspectiva é de que a posteridade será reservada à autoridade de quem escreve a história.

Entretanto, é inevitável que o depoimento ou o testemunho deixe as tensões e as inquietações da memória passarem em entrelinhas ante as omissões no texto historiográfico. Radicado no seu livro A luta de libertação na frente do Niassa (NDEGUE, 2009NDEGUE, David Francisco Xadreque. A luta de libertação na frente do Niassa, vol. 1. Maputo: JV Editores, 2009.),21 21 NDEGUE, David Francisco Xadreque. A luta de libertação na frente do Niassa, vol. 1. Maputo: JV Editores, 2009. como se reivindicando o devido lugar das memórias subjetivas no panteão do texto oficial dos heróis nacionais, pode-se ler em David F. X. Ndegue o seguinte:

Passado algum tempo, algo aconteceu que levou o mano Mateus Malipa [comandante do grupo que atacou a base naval de Metangula, em Niassa, a meia-noite de 25 de setembro de 1964] a fugir para a Tanzania. (...) Esta questão da fuga do meu mano Malipa sempre me preocupou muito. Interroguei muitos combatentes, alguns não me puderam dizer nada (...) (NDEGUE, 2009NDEGUE, David Francisco Xadreque. A luta de libertação na frente do Niassa, vol. 1. Maputo: JV Editores, 2009., p. 83- 84).22 22 Ibidem, p. 83-84.

Este livro que agrega memória, depoimentos e fontes documentais coloniais, por exemplo, é um manifesto das histórias e memórias subjetivas, evidenciando que não são infundadas ou mesmo silenciadas por força de um essencialismo historiográfico a respeito de atos heroicos nacionais. Em Lutar por Moçambique, de Eduardo Mondlane, primeiro presidente da Frelimo, consta uma descrição lacônica referente ao início da luta armada no dia 25 de setembro de 1964:

Em 25 de Setembro a FRELIMO lançou um grande número de acções de ataque a postos militares e administrativos na província de Cabo Delgado. Em Novembro já a luta se estendia às províncias do Niassa, Zambézia e Tete (...) (MONDLANE, 1977MONDLANE, Eduardo. Lutar por Moçambique. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1977., p. 151-152).23 23 MONDLANE, Eduardo. Lutar por Moçambique. op. cit., 1977, p. 151-152. Grifo meu.

Ao reportar a "Proclamação ao povo moçambicano" na edição de outubro de 1964 do Mozambique Revolution, órgão do seu Departamento de Informação e Propaganda, a Frelimo comunicou que o ato cumpriu o planificado, tendo lugar na hora exata pré-estabelecida.24 24 FRELIMO. Frelimo Information Department. Mozambique Revolution n° 11, Dar es Salaam, out. 1964, p. 1. Infelizmente não foi encontrada a página deste documento com a descrição dos ataques desencadeados na noite de 25 de setembro de 1964. Em depoimento citado por David Ndegue (2009NDEGUE, David Francisco Xadreque. A luta de libertação na frente do Niassa, vol. 1. Maputo: JV Editores, 2009.), Daniel Polela, que comandou o início da luta armada em Niassa, contou que regressou à Dar es Salaam no dia 28 de setembro, onde reportou à direção da Frelimo ter cumprido na "íntegra" a ordem do Comité Central (NDEGUE, 2009NDEGUE, David Francisco Xadreque. A luta de libertação na frente do Niassa, vol. 1. Maputo: JV Editores, 2009., p. 77).25 25 NDEGUE, David Francisco Xadreque. A luta de libertação na frente do Niassa, vol. 1. Maputo: JV Editores, 2009, p. 77. A ser verdade, o relato de Niassa ficou marcadamente omisso quando comparado com o de Cabo Delgado.

Apesar de em 1983, o Sistema Nacional da Educação (SNE) instruir os professores de que a data de 25 de setembro marcou o início da luta armada em Cabo Delgado e Niassa,26 26 Livro do professor 4ª classe, vol. 4. Maputo: Inde/Núcleo Editorial do Livro Escolar, 1985, p. 51. O Sistema Nacional de Educação data de 1983 (Lei n° 4/83, de 23 de março). ou mesmo constar que na "mesma data, outro grupo da Frelimo atacou um barco militar no lago Niassa" (COSTA & SITOE, 1995, p. 62),27 27 COSTA, Alda; B., Mariana; SITOE, Lucas. Livro de História 4ª classe. Direção de Luís Pereira. Maputo: Inde/Núcleo Editorial do Livro Escolar, edição revista 1995 [1985], p. 62. as menções referentes ao Niassa acabam por ser solapadas pela narrativa na qual Chai (ou Mueda) figuram como o lugar do início da luta armada em Moçambique. Decerto ficou autorizado que constasse que "em 25 de setembro de 1964 teve início a Luta Armada de Libertação Nacional, na região de Chai, na Província de Cabo Delgado, a norte de Moçambique" (COSTA & SITOE, 1995, p. 60).28 28 COSTA, Alda; B., Mariana; SITOE, Lucas. Livro de História 4ª classe..., op. cit., 1995, p. 60.

Em um contexto político marcado por mudanças constitucionais, historiadores nacionais advogaram a "necessidade profissional" (ALEXANDRE & MENESES, 1991ALEXANDRE, José & MENESES, Maria Paula. Moçambique - 16 anos de historiografia: focos, problemas, metodologias, desafios para a década 90. In: PRIMEIRO PAINEL DE HISTORIOGRAFIA, 31 jul. a 3 ago., Maputo. Artigos e depoimentos. Maputo, 1991.)29 29 Prólogo assinado por Alexandrino José. In: ALEXANDRE, José & MENESES, Maria Paula G. Moçambique - 16 anos de historiografia: focos, problemas, metodologias, desafios para a década 90. In: PRIMEIRO PAINEL DE HISTORIOGRAFIA, 31 jul. a 3 ago. 1991, Maputo. Artigos e depoimentos. Maputo, 1991. de repensar a historiografia, em particular sobre a luta de independência, evitando as ilusórias relações entre as fontes elaboradas pelos colonialistas ou pela Frelimo, marcadamente ideológicas, e os processos históricos dos anos de luta de libertação. O número especial do boletim Arquivo, de outubro de 1993, publicou artigos sobre Cabo Delgado e, em um deles, Yussuf Adam - historiador moçambicano do Centro de Estudos Africanos (CEA) da Universidade Eduardo Mondlane - fez uma observação acerca de Mueda, Niassa, Tete e Zambézia. Cito:

Mueda é uma região de Moçambique em que a guerra de libertação nacional subsistiu durante todo o período, entre 1964 e 1974, contrariamente a Niassa e Tete, onde começou mais tarde, e à Zambézia, onde foi interrompida em 1965 (ADAM, 1993ADAM, Yussuf. Mueda, 1917-1990: Resistência, colonialismo, libertação e desenvolvimento. Arquivo n° 14, Maputo, out. 1993., p. 32).30 30 ADAM, Yussuf. Mueda, 1917-1990: Resistência, colonialismo, libertação e desenvolvimento. Arquivo n. 14, Maputo, out. de 1993, p. 32. Grifo meu.

Ainda que seu foco de análise tenha sido a subversão em Cabo Delgado na década de 1950-60, em um parágrafo em que situa os Macondes do planalto de Mueda junto dos Macuas, Yao e "as populações costeiras", Anna Maria Gentili observa que: "Os macondes do planalto de Mueda foram os últimos a ser submetidos (e serão os primeiros a lançar e a hospedar a guerra de libertação, em 1964)" (GENTILI, 1993GENTILI, Anna Maria. A subversão no distrito de Cabo Delgado entre 1950 e 1960 segundo as fontes administrativas locais. Arquivo, n. 14, Maputo, out. 1993., p. 109).31 31 GENTILI, Anna Maria. A subversão no distrito de Cabo Delgado entre 1950 e 1960 segundo as fontes administrativas locais. Arquivo n. 14, Maputo, out. 1993, p. 109. Grifo meu. Ora, Y. Adam e A. M. Gentili integraram as primeiras brigadas de pesquisa do CEA na história de Moçambique.32 32 GENTILI, Anna Maria. Prefácio. In: SILVA, Teresa Cruz e; COELHO, João Paulo Borges; SOUTO, Amélia Neves de. Como fazer ciências sociais e humanas em África: questões epistemológicas, metodológicas, teóricas e políticas. In: COLÓQUIO EM HOMENAGEM A AQUINO DE BRAGANÇA. Textos. Dakar: Codesria, 2012, p. 17.

Sobre a Frente do Niassa, as primeiras publicações (artigos e livros) remontam ao ano de 2009.33 33 NDEGUE, David Francisco Xadreque. A luta de libertação na frente do Niassa..., op. cit., 2009; MOIANE, José Phahlane. Memórias de um guerrilheiro, 2ª edição. Maputo: King Ngungunhane Institute, 2009; FRELIMO. In: SIMPÓSIO 50 ANOS DA FRELIMO (1962-2012). Fontes para a nossa História. Maputo: Centro de Pesquisa da História da Luta de Libertação Nacional (CPHLLN)/Movimento Editora, 2012; RAIMUNDO, José Alberto. Frente do Niassa. In: TEMBE, Joel da Neves (coord.). História da luta de libertação nacional, vol. 1. Maputo: Ministério dos Combatentes/Direção Nacional de História, 2014. Baseado em fontes do governo colonial português, destaca-se Os Yao e o contexto da luta armada de independência nacional de Moçambique (1964-1974) (CORREIA, 2017CORREIA, Milton Marcial Meque. Os Yao e o contexto da luta armada de independência nacional de Moçambique (1964-1974). Tese de doutorado, Departamento de História, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.),34 34 CORREIA, Milton Marcial Meque. Os Yao e o contexto da luta armada de independência nacional de Moçambique (1964-1974). Tese de doutorado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017. uma tese de doutoramento que traz duas contribuições. A primeira é que a luta armada desencadeada pela Frelimo em Moçambique teve também lugar em Niassa, na mesma meia-noite de 25 de setembro de 1964 e, diferente do que aconteceu em Cabo Delgado, em Niassa o início da guerra foi marcado por dois ataques: contra a base naval de Metangula e contra o edifício da sede da administração de Cóbuè.

A segunda contribuição é relativa ao fato de que a Frente do Niassa não só subsistiu desta data até ao cessar-fogo estabelecido pelo Acordo de Lusaka em setembro de 1974, como foi geoestrategicamente tão importante quanto as outras frentes militares. Haja vista ser bastante provável que no Niassa a Frelimo tenha implantado a "estrada de Mataca"35 35 ANTT/SCCIM n. 1465. que, de acordo com as fontes coloniais era um corredor de infiltração e de expansão da guerra, interligando a direção da organização em Tanzânia, as frentes do Niassa e, provavelmente, de Tete, Zambézia, Manica e Sofala. Fica o desafio de pesquisar em arquivos, buscando mais dados que permitam aprofundar e alargar a extensão geoestratégica deste corredor, na tentativa de identificar sua relação com a extensão da guerra de libertação ao nível nacional e regional.

Ora, este conjunto de aspectos reflete o que Aquino de Bragança e Jacques Depelchin chamaram de consenso implícito com um texto narrativo, a textualidade da história da Frelimo. Eles observaram que, para além da forma vitoriosa como era abordada a história da Frelimo, um dos "problemas de fundo" provinha "sobretudo da utilização dos seus conhecimentos de forma inquestionável" (BRAGANÇA & DEPELCHIN, 1986BRAGANÇA, Aquino de & DEPELCHIN, Jacques. Da idealização da Frelimo à compreensão da história de Moçambique. Estudos Moçambicanos, n. 5, 6, Centro de Estudos Africanos, Maputo, 1986., p. 33).36 36 BRAGANÇA, Aquino de & DEPELCHIN, Jacques. Da idealização da Frelimo à compreensão da história de Moçambique. Estudos Moçambicanos, n. 5, 6, Centro de Estudos Africanos, Maputo, 1986, p. 33. Para essa situação, podem ter contribuído os percalços próprios - quem sabe? - do começo de uma historiografia prisioneira da ideologia da luta de libertação.

Sobre o início da luta armada em Moçambique

Sobre esta questão pode-se ler em Participei, por isso testemunho, de Sérgio Vieira (2011VIEIRA, Sérgio. Participei, por isso testemunho. 2ª edição. Maputo: Ndjira, 2011.), a argumentação:

Em Chai, Cabo Delgado, disparou-se o primeiro tiro sob o comando de Chipande, na noite de 24 para 25, não está claro se precedido de ou logo seguido por poucas horas pela acção de Tazama em Metangula, em Niassa. (...) A comunicação de Chai, de todo o modo, chegou primeiro à direcção da FRELIMO. Ficou registada e pois difundida a afirmação de que Chipande disparou o primeiro tiro, como está correcto dizer-se que a luta armada de libertação nacional se iniciou no dia 25 de Setembro de 1964 (VIEIRA, 2011VIEIRA, Sérgio. Participei, por isso testemunho. 2ª edição. Maputo: Ndjira, 2011., p. 222).37 37 VIEIRA, Sérgio. Participei, por isso testemunho. 2ª edição. Maputo: Ndjira, 2011, p. 222. Grifos meus.

Aqui está manifesta a argumentação do fator propagandístico, mencionando-se o sentido de urgência para difundir o que eventualmente teria impedido que se esclarecesse a cronologia dos fatos. Certo é que ambiguidade é um domínio da textualidade, denunciando as contradições da idealização da história que, uma vez identificadas, desnudam seus contornos historiográficos. Um de seus aspectos é uma cronologia representada em nome de algo que carece de ser compreendido. Recorro à citação supra sobre o ataque de Chai, "da noite de 24 para 25 de setembro de 1964", cuja data não coincide com a dos textos da Frelimo e de como foi ensinado nas escolas primárias do país.38 38 Livro do professor 4ª classe, vol. 4. Inde/Núcleo Editorial do Livro Escolar. Maputo, 1985; COSTA, Alda; B., Mariana; SITOE, Lucas. Livro de História 4ª classe, edição revista. Direção de Luís Pereira. Maputo: Inde/Núcleo Editorial do Livro Escolar, [1985] 1995. E o depoimento do comandante Alberto Chipande, segundo o qual o ataque de Chai teve lugar às 21 horas do dia 25 de setembro de 1964, foi reiterado oficialmente em 2014 em História da luta de libertação nacional, publicada sob os auspícios da Direção Nacional de História do Ministério dos Combatentes (NKULUNGUILA, 2014NKULUNGUILA, Josefina Daniel. Frente de Cabo Delgado. In: TEMBE, Joel da Neves (coord.). História da luta de libertação nacional, vol. 1. Maputo: Ministério dos Combatentes/Direção Nacional de História. 2014., p. 264).39 39 NKULUNGUILA, Josefina Daniel. Frente de Cabo Delgado. In: TEMBE, Joel das Neves (coord.). História da luta de libertação nacional, vol. 1. Maputo: Ministério dos Combatentes/Direção Nacional de História, 2014, p. 264.

A respeito do desencadeamento da luta armada em Moçambique, vale considerar dois novos dados. Em circular datada de 12 de dezembro de 1967, da delegação distrital dos SCCIM de Cabo Delgado, em Porto Amélia (atual Pemba), Vinício Ferreira da Costa, chefe desta delegação, confirmou o ataque de Chai às 21 horas do dia 25 de setembro de 1964, mas classificou como uma "falsidade" que alguém tenha sido morto, inclusive o chefe do posto, porque, segundo o mesmo, este último estava ausente de Chai, tendo regressado após o ataque.

Em um artigo de notas preliminares de 1998, ao que parece baseado em fontes documentais do governo colonial português - ainda que não referenciadas -, Michel Cahen afirma ter ocorrido um "incidente militar" em julho (de 1964?) em Tacuane, na Zambézia, provocado por um grupo do "comandante Zodiaque" do Elipamo (Exército de Libertação do Povo Africano de Moçambique). Afirma também que este grupo era o braço armado da Udenamo e acredita que o "comandante Zodiaque" só podia ser Adelino Guambe, conhecido presidente desta organização nacionalista. Com estas notas, Cahen pretende evidenciar que a data de 25 de setembro de 1964 foi uma invenção da Frelimo, porquanto o "first first" (o primeiríssimo tiro), como o mesmo defende, teve lugar em Tacuane e, logicamente, realizado pela Udenamo.40 40 CAHEN, Michel. The Mueda case and Maconde political ethnicity: some notes on a work in progress. In: CONFERÊNCIA ANUAL DA AFRICAN STUDIES ASSOCIATION, 1 de novembro de 1998, Illinois. Artigo. Illinois, 1998. Porém reitero que o historiador francês, a despeito de amiúde referir no mesmo artigo que teve acesso às fontes dos arquivos da Pide (Polícia Internacional e de Defesa do Estado) e dos SCCIM, não as apresenta.41 41 Diante da ausência de referências adicionais sobre o desencadeamento da luta armada na Zambéza, vale considerar também os depoimentos de Eduardo Nihia (Mtoto) em duas ocasiões. Lê-se a seguinte citação inserida num texto bastante lacônico sobre o assunto: "Depois de fazer o reconhecimento de Lugela, a 22 de Agosto de 1964, deu-se o primeiro tiro que sinalizava o início da Luta Armada nesta frente". Cf. SIMPÓSIO 50 ANOS DA FRELIMO (1962-2012) ..., op. cit., p. 120). Em outro depoimento consta o seguinte: "Deviam ser por aí 22h00 do dia 25 de Setembro. Começamos a disparar, tivemos informação que o chefe do posto foi ferido. Incendiou-se a cadeia depois de libertar os prisioneiros e fazer reféns os prisioneiros. Nos Correios atingiu-se primeiro o chefe dos mesmos. Iniciou-se assim a luta de libertação de Moçambique, na província da Zambézia". Cf. O País, Maputo, 25 set. 2010. Disponível em: http://opais.sapo.mz/index.php/entrevistas/76-entrevistas/9768-relato-de-uma-guerra-sem-primeiro-tiro.html. Acesso em: 21/8/2017.

Em relato publicado na revista Tempo42 42 Osvaldo Tazama em entrevista conduzida por Sol de Carvalho e José Dias Loureiro. Tempo, n. 520, Maputo, 28 set. 1980, p. 27-30. de 28 de setembro de 1980, por ocasião da celebração dos 16 anos da luta armada, Osvaldo Tazama - um dos históricos guerrilheiros da Frente do Niassa - narrou o desempenho da missão incumbida aos 11 guerrilheiros da Frelimo, ele incluso, que desencadeou a guerra. No relato que cobre o período de 25 de setembro de 1964 a 7 de janeiro de 1965, o comandante Tazama apresentou, provavelmente, um dos primeiros dados historiográficos (após a independência do país) sobre esta frente, no que diz respeito ao início da luta.

Ele mencionou os ataques à base naval de Metangula, à secretaria do posto administrativo de Cóbuè, à residência do respectivo administrador, ao quartel de Lupilisse no dia 29 de dezembro de 1964 e ao combate dos dias 5 e 6 de janeiro de 1965. Tratou-se, este último, do combate de Ngombe, no posto de Lipoche, onde pela primeira vez os referidos guerrilheiros (e quiçá o primeiro na história militar da Frelimo) confrontaram em sua base as tropas portuguesas e lograram a defesa imediata da mesma.43 43 NDEGUE, David Francisco Xadreque. A luta de libertação na frente do Niassa..., op. cit., 2009; ANTT/SCCIM n. 1937.

Consta em relatórios coloniais portugueses que, ao desembarcar na povoação de Ngombe, no regulado de Lipoche, ao alvorecer do dia 5 de janeiro de 1965, a tropa de fuzileiros da Marinha portuguesa e uma guarda administrativa foram recebidos a tiros disparados por uma posição da Frelimo que se encontrava na povoação de Ngombe. No dia seguinte, 6 de janeiro, dois aviões da força aérea portuguesa metralharam a área de combate na povoação de Ngombe, em resposta ao pedido de reforço feito pela tropa de fuzileiros portugueses que, no dia anterior, teve que recuar e pedir reforço militar. Após a retirada dos guerrilheiros da Frelimo do local de combate, a força portuguesa encontrou alguns escritos contendo nomes dos guerrilheiros e de voluntários provenientes do posto administrativo de Cóbuè que se juntaram aos 11 guerrilheiros no período de outubro e novembro de 1964. Autoridades portuguesas encontraram no local como apontamentos: manual de armamento, instruções de guerrilha e equipamento militar, além de informações que apontavam que o local era uma importante base e campo de preparação política e militar da Frelimo. A tropa portuguesa seguiu para o posto administrativo de Lipoche na companhia do seu administrador, após o ataque de Olivença na noite de 29 de dezembro 1964.44 44 ANTT/SCCIM n. 1937. As fontes portuguesas consultadas não mencionam o ataque de Lupilisse de 25 de dezembro mencionado por Tazama na referida entrevista. Ao se referir ao ataque de Lupilichi, Ndegue menciona que o mesmo teve lugar em dezembro, porém cita um documento colonial com a data de 29 deste mês. Cf. NDEGUE, David Francisco Xadreque. A luta de libertação na frente do Niassa..., op. cit., 2009, p. 79. Fica por aferir se a data de 25 de dezembro constante na entrevista de Osvaldo Tazama publicada na revista Tempo é equivocada.

Por volta das 23h30 do referido 29 de dezembro, o comando pioneiro da Frelimo atacou a residência do administrador do posto de Olivença. Tiago Crispim Mitula, professor anglicano, ao ser interrogado pelo administrador do posto, declarou que o ataque foi chefiado por Timóteo Mateus Matumba, acompanhado por Mateus Malipa, Daniel Polela e Ezra Cágua. Consta do depoimento que, antes do ataque, Timóteo Matumba entrou em contato com Tiago Crispim Mitula, seu ex-colega da Missão Anglicana de Messumba, a quem informou do plano de ataque e de quem recebeu abrigo e comida na noite anterior.45 45 ANTT/SCCIM n°1937. O referido contato com Tiago Mitula foi parte da missão de reconhecimento feita por Timóteo Matumba que culminou no ataque comandado por Osvaldo Tazama (NDEGUE, 2009NDEGUE, David Francisco Xadreque. A luta de libertação na frente do Niassa, vol. 1. Maputo: JV Editores, 2009., p. 79-80).46 46 NDEGUE, David Francisco Xadreque. A luta de libertação na frente do Niassa..., op. cit., 2009, p. 79-80. Em janeiro de 1965, a Frelimo aludiu que a cerca elétrica em volta do posto administrativo impediu um maior impacto do ataque, embora tenham sido abatidos seis soldados portugueses.47 47 FRELIMO. Frelimo Information Department. Mozambique Revolution, n. 14, Dar es Salaam, jan. 1965, p. 7, 8.

Na documentação encontrada na base de Ngombe constavam nomes e dados de identificação referentes aos guerrilheiros da Frelimo que desencadearam a luta armada no Niassa. Timóteo Matumba foi referido como chefe, natural da povoação Ngombe, do regulado de Matumba, no posto de Cóbuè, também apontado como tendo feito parte nos ataques ocorridos no distrito. Mateus Malipa, natural de Manhica, ex-professor da Missão Anglicana de Messumba, foi referido como adjunto eleito em Dar-es-Salam; o nome Tazama ou "Mário Tazama" foi referido como adjunto eleito em Dar-es-Salam e que "parecia ser" o chefe máximo do campo; "Williade Quida", natural de Wiqui, residente em Ngombe; Tiago Valério "Niuco", descrito como maconde de Porto Amélia; Cassonjola ou "Matias" Cassonjola, pastor, natural de Chigoma, posto administrativo de Cóbuè; "Sedine" Namata que se encontrava sob a custódia das autoridades coloniais; "José Ntaúma Teodoro", maconde de Porto Amélia, apontado como secretário do grupo; Tomás Seleia, natural de Chitege, ex-aluno da Escola Técnica de Vila Cabral e da Missão Anglicana de Messumba; "Augusto Ntuco Valério", de Porto Amélia; "Matumba Mauenda"; e "Casimiro Malibone".48 48 ANTT/SCCIM n. 1937.

Dos voluntários que teriam recebido preparação na base de Ngombe constavam os nomes de "Francisco Muapulo" ou "Muajulo" (que se supôs ser natural de Mbueca), chefe de grupo Matucuano, (posto de Cóbuè), que chegou aos guerrilheiros da Frelimo em Ngombe a 28 de outubro de 1964; "Elias Mapelele", identificado como ex-aluno de Messumba, natural de Mandambuzi, constando que também se juntou aos guerrilheiros da Frelimo em Ngombe a 28 de outubro de 1964; "André Nzunja" que teria chegado a Ngombe a 11 de novembro de 1964; "Ezra Ezau Cágua", identificado como ex-empregado dos Caminhos de Ferro de Moçambique em Iaparata (administração de Nova Freixo), ex-aluno da Missão Anglicana de Messumba, mencionado como chegado a Ngombe a 13 de novembro de 1964; "Alfredo Binauli" constando que chegou a Ngombe a 13 de novembro de 1964; "Tomás Jalafe" que teria chegado a Ngombe a 13 de novembro de 1964; "Tiago Juma" constando que chegou a Ngombe a 13 de novembro de 1964; "Mateus Futtalila", identificado como ex-aluno da Missão de Cóbuè, ex-militar em Nampula, que teria chegado a Ngombe a 15 de novembro de 1964; "Jorge Canange" que teria chegado a Ngombe a 15 de novembro de 1964. Desta lista constavam também indivíduos que teriam recebido cartões de membro da Frelimo provenientes, em sua maioria, da povoação de Ngombe. Constam ainda os "capricórnios" - termo utilizado na Frelimo para designar informantes das autoridades coloniais portuguesas.49 49 Ibidem.

Depois dos ataques que marcaram o início da luta armada em Moçambique, o combate de Ngombe é provavelmente o primeiro e o mais importante que até a data os guerrilheiros da Frelimo enfrentaram em Moçambique, tendo em conta o tipo de efetivo do inimigo, o tipo de operação visando desmantelar a mais importante base dos guerrilheiros no Niassa e a duração do confronto. Segundo as fontes consultadas, até a data do combate, as operações anteriores da Frelimo resultaram em ataques contra a lancha Castor, na base naval de Metangula; em Cóbuè contra a secretaria deste posto e contra a residência do respectivo chefe. O mesmo aconteceu na noite de 29 de dezembro em Lupilichi (NDEGUE, 2017).50 50 NDEGUE, David Francisco Xadreque. A luta de libertação na frente do Niassa..., op. cit., 2009; CORREIA, M. M. M. Os Yao e o contexto da luta armada ..., op. cit., 2017. Os ataques e emboscadas se sucederam em Cabo Delgado (ADAM, 1993ADAM, Yussuf. Mueda, 1917-1990: Resistência, colonialismo, libertação e desenvolvimento. Arquivo n° 14, Maputo, out. 1993., p. 32),51 51 ADAM, Yussuf. Mueda, 1917-1990..., op. cit., 1993, p. 32. a despeito do simbolismo conferido ao ataque de Chai de 25 de setembro de 1964. Aliás, o número de ataques realizado pela Frelimo em Niassa, no período de 25 de setembro até o fim do ano de 1964, superou os ocorridos em outras frentes do país (CORREIA, 2017CORREIA, Milton Marcial Meque. Os Yao e o contexto da luta armada de independência nacional de Moçambique (1964-1974). Tese de doutorado, Departamento de História, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.).52 52 CORREIA, Milton Marcial Meque. Os Yao e o contexto da luta armada..., op. cit., 2017. Neste trabalho é mencionada uma série de ataques ocorridos nas frentes ocidental, oriental e sul do Niassa.

Enfim, a textualização, enquanto inscrição da memória e de informações de outras origens no texto público, é na verdade um ato dialético da historiografia.

Evolução da luta armada na Frente do Niassa

Niassa não foi um distrito colonial alheio ao contexto e aos movimentos nacionalistas africanos na virada da década de 1950; antes, um dos primeiros casos data de 1959 em Maúa - na altura, posto administrativo da circunscrição de Marrupa -, classificado pelas autoridades coloniais portuguesas como "ocorrência de Maúa".53 53 ANTT/SCCIM n. 1120. No dia 5 de agosto de 1959, Manuel Amante Branco, um agente da concessionária algodoeira, tomou conhecimento de que a população da regedoria Vatiua, do posto administrativo de Maúa, circunscrição de Marrupa, se preparava para receber no dia seguinte, 6 de agosto, a "chegada do chefe político do Tanganica, de nome Nherere, que viria de avião". Para isso, a população preparou um campo de aterrissagem para o avião, arrumou um terreno com bandeiras e um palanque no centro de onde o referido "Nherere" iria se dirigir à população. De fato, no dia 6 de agosto, "cerca de um milhar de homens, mulheres e crianças" esteve concentrada para receber o "Nherere".54 54 Ibidem.

Afonso Ivens-Ferraz de Freitas, dos SCCIM, não tinha dúvidas: a "ocorrência" de Maúa constituía prova "irrefutável" da infiltração da influência e prestígio da Tanganyika African National Union (Tanu) e do seu líder Julius Nyerere junto da população do Niassa. Reconhecia que "pelo menos parte dos indígenas do Posto de Maúa está[va] preparada a emparceirar ao lado do Nherere, seja [fosse] por convicção e apoio às suas doutrinas, seja [fosse] simplesmente por 'medo'55 55 ANTT/SCCIM n. 1120. Ivens-Ferraz refutava a suposição contida na análise do auto de declarações do regedor Vatiua feita pelo administrador da circunscrição de Marrupa, segundo a qual a atitude deste regedor teria sido forçada pelo receio de represálias que lhe seriam acometidas caso se furtasse ao cumprimento das instruções recebidas por intermédio do emissário do "Nherere". ou ainda por qualquer outro motivo".56 56 Ibidem. Ivens-Ferraz percebeu que se estava diante de um ambiente "verdadeiramente explosivo"57 57 Ibidem. porquanto os regedores na sua função de auxiliares da administração colonial constituíam "as principais células da base da hierarquia em que se apoia[va] a nossa ocupação e administração".58 58 Ibidem.

Cerca de quatro anos depois, a 25 de janeiro de 1964, o administrador do posto administrativo de Cóbuè, junto ao lago Niassa, informou ao administrador da circunscrição de Maniamba ter perdido o controle da infiltração da Frelimo no posto, ao ponto de considerar que:

...toda a área deste Posto [de Cóbuè] está infestada de nativos ligados à Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), desempenhando, todos eles, funções mais ou menos preponderantes, naquele Partido.59 59 ANTT/SCCIM n. 1936.

O mesmo administrador lamentava que era "quase impossível" proceder ao controle e impedir o alastramento da infiltração, porquanto a Frelimo foi bem sucedido na conquista da adesão política das autoridades africanas da região de Cóbuè, levando-os ao descumprimento das obrigações administrativas de colaborarem com a administração do posto. Mencionava que a Frelimo contava com bases de apoio político junto das autoridades malawianas da ilha de Likoma e do governo da Tanzânia, às quais os seus elementos mobilizadores recorriam quando se viam na suspeita de serem detidos pelas autoridades portuguesas.60 60 Ibidem.

Semanas depois, em fevereiro de 1964, a Frelimo divulgou a informação da detenção a 23 de dezembro de 1963 do regedor Chitege (Aidão Kawele Chitegi)61 61 NDEGUE, David Francisco Xadreque. A luta de libertação na frente do Niassa..., op. cit., 2009, p. 17-18. de Chigoma, de Sidney Namata, E. Khamphambe e de M. Mchikoma, pelo governo do distrito do Niassa, designando-os de "nacionalistas moçambicanos".62 62 FRELIMO. Frelimo Information Department. Mozambique Revolution, n. 3, Dar es Salaam, fev, 1964, p. 8-9. Em sequência da nota referida de 25 de janeiro de 1964, em que o administrador do posto de Cóbuè aludia à infiltração de agentes da Frelimo, os SCCIM sintetizaram informações sobre o regedor Chitege, constando que teria diligenciado a saída para Tanzânia de 30 moçambicanos que "sabiam ler e escrever corretamente o português" e pretendia novamente diligenciar a saída de mais 18 com as mesmas habilitações, além de que teria conseguido que um indivíduo deste país fosse libertado sem que antes fosse submetido a averiguações por autoridades competentes da administração colonial. O referido indivíduo tinha sido detido por um sipaio que o acusara de não estar na posse de documento de identificação. Constava também que o mesmo regedor Chitege tinha sido preso e enviado para Metangula acusado de participar de atividades clandestinas como membro da Frelimo.63 63 ANTT/SCCIM n. 1936.

Estes fatos podem ter permitido que o plano pré-estabelecido para o início da insurreição armada em Niassa tenha ocorrido sem sobressaltos, sobretudo como resultado de uma experiência de organização política clandestina envolvendo jovens instruídos, estudantes e professores, chefes africanos locais, com destaque para o padre Paulo Suizane Litumbe, da Missão Anglicana de Messumba, os regedores Chitege, Mataca (de Cóbuè) e Vatiua de Maúa, entre vários outros.

Dos registros dos SCCIM constam os dois ataques ocorridos em Metangula e no posto administrativo de Cóbuè. A lancha Castor da capitania do Lago Niassa, que se encontrava ancorada na baía de Metangula, foi atacada com rajadas de metralhadora, calibre 12 mm, cerca da meia-noite do dia 25 de setembro de 1964. Foram apontados como responsáveis: Timóteo Matumba, Calumbaíne e mais dois membros não identificados, além de Mateus Malipa considerado comandante do ataque.64 64 Ibidem.

A mesma fonte do governo colonial registrou que o segundo ataque (em Cóbuè) teve lugar pouco depois, à 01h00 de 26 de setembro. O grupo de guerrilheiros disparou rajadas de metralhadoras e tentou assaltar a residência do administrador e a secretaria do posto de Cóbuè. Cerca das 03h00, o grupo de Mateus Malipa (do ataque de Metangula) seguiu para o internato da Missão Anglicana de Messumba onde efetuou rajadas de metralhadoras e derrubou o mastro da bandeira portuguesa. Menciona ainda que, no dia 27 de setembro, Mateus Malipa relatou aos indivíduos com quem entrou em contato defronte da igreja de Ngôo que o grupo de Cóbuè tinha saído da ilha de Likoma em barco a vela no dia 23 de setembro seguido por Mataca e Chilola até Cóbuè, onde realizou o ataque. O barco utilizado pelo grupo foi tripulado por Leuine Cune, irmão do chefe Mataca da regedoria do mesmo nome. O grupo de Metangula do qual fez parte seguiu em barco a vela da mesma ilha de Likoma para Cóbuè na noite do dia 23 de setembro, fazendo um itinerário que passou pelas povoações de Mataca, Chilola, Mandambuzi, Ngôo e Chuanga até Metangula, onde desencadeou o ataque.65 65 ANTT/SCCIM n. 1936. A sequência de eventos constantes nas fontes coloniais consultadas coincide com os depoimentos compilados por Ndegue (NDEGUE, 2009NDEGUE, David Francisco Xadreque. A luta de libertação na frente do Niassa, vol. 1. Maputo: JV Editores, 2009., p. 49-53).66 66 NDEGUE, David Francisco Xadreque. A luta de libertação na frente do Niassa..., op. cit., p. 49-53.

Depoimentos dos integrantes da operação que culminou nos referidos ataques contaram que a direção da Frelimo em Dar es Salaam designou Daniel Assahel Polela como comandante do grupo de onze guerrilheiros na missão de dar início a luta armada em Niassa. No comando da missão, Daniel Polela dividiu os onze guerrilheiros em dois grupos. Coube a Mateus Barnabé Malipa comandar o grupo constituído por José Teodoro Ntaúma, Timóteo Mateus Matumba, Henriques Catarina Calumbaíne e Casimiro Malibane, no ataque contra a lancha Castor, na base naval de Metangula. O segundo grupo deveria atacar a sede do posto de Cóbuè, cujo alvo principal era abater o chefe do posto. Era integrado por Osvaldo Assahel Tazama, que comandou o grupo e contou com Mateus Rodrigues Kassonjola, Tomás Seleia, Tiago Valério Mtuko, Matias Paulo Makoko e Daniel Polela (comandante da missão).67 67 Ibidem, p. 46-47. Depoimentos de Daniel Polela e Osvaldo Assahel Tazama.

Com exceção de Casimiro Malibane, Tiago Valério Ntuco e José Teodoro Ntaúma, naturais de Cabo Delgado, os demais guerrilheiros foram estudantes da Missão Anglicana de Messumba, embora Daniel Assahel Polela, Osvaldo Assahel Tazama, Mateus Barnabé Malipa, Timóteo Mateus Matumba, Mateus Rodrigues Kassonjola e Tomás Seleia tenham nascido nas povoações do posto administrativo de Cóbuè, enquanto Henriques Luís Calumbaíne e Matias Paulo Makoko no posto administrativo de Lunho.68 68 Ibidem, p. 57-63.

O desencadeamento da guerra na frente ocidental, da mesma forma que ocorreu na frente oriental em meados de 1965, contrastou com a situação na frente sul do Niassa. A despeito de todo o conjunto de dificuldades nesta última frente como resultado da situação de instabilidade militar e política junto do governo do presidente Hastings Banda (do Malawi) e devido a participação dos regedores Mecanhelas e Chamba em operações de auxílio ao governo português, a luta armada se expandiu no sul do Niassa, ao ponto da Frelimo ter atacado a cidade de Vila Cabral (na altura, sede distrital do governo colonial, atual cidade de Lichinga). Também se tentou cortar a comunicação rodoviária e ferroviária desta cidade com a parte restante do distrito e do país. E até 1º de setembro de 1965, a situação no concelho de Vila Cabral foi descrita como "já atingida fortemente pelo terrorismo", com registro de "casos de certa gravidade". Autoridades coloniais consideravam "cortadas" e inseguras as estradas que ligavam Vila Cabral e Porto Arroio (Meponda) e Vila Cabral e Catur, situação classificada como de ameaça para a própria capital do governo do distrito.69 69 ANTT/SCCIM n. 1947. A 26 de agosto de 1966, foram registrados tiroteio e rebentamento de granadas no interior da cidade de Vila Cabral.70 70 ANTT/SCCIM n. 1462.

Porém, pouco antes, por volta de 15 de junho de 1965, o governador do distrito do Niassa tinha comunicado ao governador-geral de Moçambique que a Frelimo estava tentando se infiltrar na região oriental do distrito, estando a introduzir sua propaganda entre os Yao por via da circunscrição de Mecula.71 71 ANTT/SCCIM n. 1945. José Moiane, comandante da Frelimo no Niassa, registrou que, em meados de 1965, os portugueses descobriram a linha de infiltração de Chiwinde (no extremo noroeste do distrito do Niassa), utilizada pela Frelimo desde o início da luta armada, ligando a Tanzânia e o setor ocidental do distrito. O cerco que a tropa portuguesa estabeleceu em torno da área obrigou o comando da Frelimo a explorar a zona de Mitomoni (MOIANE, 2009MOIANE, José Phahlane. Memórias de um guerrilheiro. 2ª edição. Maputo: King Ngungunhane Institute, 2009. , p. 72),72 72 MOIANE, José Phahlane. Memórias de um guerrilheiro..., op. cit., 2009, p. 72. situada a leste ao longo do rio Rovuma, junto da confluência com o rio Messinge. Contou ainda que, neste período, a Frelimo havia entrado em contato com o régulo Mataka em Marrupa, visando obter sua adesão e colaboração nas operações militares que deveriam ser desencadeadas na região oriental do Niassa.73 73 Ibidem, p. 80-81 e 83.

Com efeito, a 1º de setembro de 1965, os SCCIM registravam que a luta armada no distrito do Niassa havia se generalizado, não se resumindo às áreas afetadas da circunscrição do Lago (setor ocidental) e do concelho de Amaramba (setor austral). A circunscrição de Sanga foi descrita como estando "também grandemente afectada pela subversão", com registro de que as populações da sede da circunscrição e dos postos administrativos de Mazoco e Unango estavam a abandonar as suas povoações. E concluía: as "principais pontes" no itinerário Unango-Miranda tinham sido "todas destruídas".74 74 ANTT/SCCIM n. 1947.

Um ano depois, em setembro de 1966, a Frelimo já havia alastrado suas operações até Maúa quando as autoridades coloniais acusaram as autoridades africanas da circunscrição de Marrupa de fazerem parte da "grande rede de elementos afectos à subversão".75 75 ANTT/SCCIM n. 1462. Nos dias 6 de junho e 9 de julho de 1966, a Frelimo atacou a residência do administrador e o quartel do posto de Unango, respectivamente.76 76 Ibidem. Deste modo, a 26 de dezembro de 1966, os SCCIM estavam convictos da existência da "estrada de Mataca", um itinerário de infiltração utilizado pela Frelimo, com diversos pontos iniciais ao longo do rio Rovuma, designadamente a foz do rio Lussanhando, Lucabanga, Mazíua, Ludimile, Carpindimbe, Mataca-Nova e Luatize.77 77 ANTT/SCCIM n. 1465. Mais tarde, em meados de 1967, a "estrada de Mataca" foi descrita como sendo uma

...faixa com largura de cerca de 100 km desde a foz do rio Luchuringo [Lucheringo] a Chamba, e 400 km de profundidade que se estende desde o R Rovuma [rio Rovuma] ao limite norte do Distrito da Zambézia, através de Milepa, Forte Maziua, Valadim, Litunde, Revia e Muoco.78 78 ANTT/SCCIM n. 1941, c0003.

O alastramento sucessivo das operações da Frelimo no setor sul, em um contexto em que se tornaram importantes as referências aos regedores Catur de Moçambique e do Malawi entre 1966-1967, sugere o prolongamento da referida "estrada de Mataca" das linhas de infiltração situadas no rio Rovuma à fronteira do Malawi com o sul do distrito do Niassa. Este corredor passava pelas povoações Yao na região oriental do Niassa e contornava pelo sul da cidade de Vila Cabral, ao longo do qual as autoridades Yao, nomeadamente Mataca, Vatiua, Catur (de Moçambique) e Catur (do Malawi) foram os principais aliados da Frelimo.

Há fortes razões para considerar que esta não tenha sido a principal via de transporte e movimentação militar utilizada pela Frelimo, ligando a sua direção central sediada em Dar es Salaam e os seus comandos militares nos distritos da Zambézia, Tete, Manica e Sofala, dado que a sua longa extensão pelo interior do Niassa não facilitava o movimento de cargas pesadas como as artilharias. Ademais, a "estrada de Mataca" atravessava uma área em guerra. De todo modo, sua função era de extrema importância geoestratégica no movimento de efetivos e cargas transportáveis por pessoas, considerando a posição ambivalente do governo do presidente Banda, pendente a dar mostras do seu compromisso de "boa vizinhança" com Portugal, Rodésia e África do Sul.

É também provável que esta estrada não tenha sido desenvolvida e utilizada na sua máxima força, isto é, como corredor de segurança entre as frentes que a Frelimo mantinha no Niassa e no centro de Moçambique, considerando que ela reabriu a Frente de Tete em 1967 e, depois, a Frente de Manica e Sofala. Mas poderá ter sido o seu ímpeto em se concretizar nesse quadro mais amplo e regional de 1968 em diante que tenha condicionado, em princípios de agosto de 1970, a realização das operações Nó Górdio, Brandura e Sumauma no sul do Niassa, junto da fronteira com o Malawi. Desencadeadas em Niassa na sequência das operações de junho e julho de 1970 no norte de Cabo Delgado e coordenadas com ações das autoridades do governo do presidente Banda, estas operações tiveram a finalidade de cortar o grave perigo que o corredor de Niassa representava na progressão da luta armada para o centro do país.79 79 ANTT: Pide/DGS. 2ª Divisão de Informação. Gabinete Ultramarino, SC-CI(2), GU, cx. 1.

As operações referidas foram desencadeadas no contexto da construção de dois grandes projetos de infraestrutura - geoestratégicos e antagônicos - na África Austral, nomeadamente a construção da barragem de Cahora Bassa (no distrito de Tete) e a construção da linha férrea que ligaria a Tanzânia e a Zâmbia. Batizada pelo nome Tanzam, a construção desta linha férrea financiada pela China foi iniciada em princípios de 1971 e entrou em funcionamento em dezembro do mesmo ano (MUTUKWA, 1972MUTUKWA, Kasuka Simwinji. Imperial dream becomes pan-african reality. Africa Report, jan. 1972. Arquivo Histórico Militar, Lisboa, FO 63/11/Cx. 942/3. ) 80 80 MUTUKWA, Kasuka Simwinji. Imperial dream becomes pan-african reality. Africa Report, jan. 1972, Lisboa, Arquivo Histórico Militar. FO 63/11/cx. 942/3. e foi considerada, pelos quadros de segurança portugueses em Angola e Moçambique, como tendo o propósito de abrir um corredor comunista entre a Tanzânia e Zâmbia para servir aos movimentos armados do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), Frelimo, Zimbabwe African National Union (Zanu), Zimbabwe African Popular Union (Zapu), Congresso Nacional Africano (ANC) da África do Sul e Organização Popular Africana do Sudoeste Africano (Swapo) da Namíbia.81 81 Lisboa, Arquivo Histórico Militar. FO 63/11/cx. 942/3. Em março de 1970, a Frelimo denunciou a construção da barragem de Cahora Bassa por um consórcio ocidental-sul-africano e afirmou que ela representava o "símbolo" da internacionalização da agressão imperialista ocidental contra a causa da libertação e independência nacional de Moçambique e da África Austral como um todo.82 82 FRELIMO. Frelimo Information Department. Mozambique Revolution, n. 43, Dar es Salaam, abr.-jun. 1970, p. 7. Cf. Carta aberta datada de 19 de março de 1970 em que a Frelimo chama a atenção do chanceler da República Federal da Alemanha (RFA), Willy Brandt, contra a construção da barragem de Cahora Bassa.

É provável que a posição política do Malawi, ao permitir que as referidas operações das Forças Armadas portuguesas tivessem lugar dentro do seu território contra as supostas bases da Frelimo aí localizadas, estivesse enquadrada no novo contexto da intervenção regional dos regimes sul-africano, rodesiano e português, formalizado em outubro de 1970 com o Exercício Alcora.83 83 MENESES, Filipe R. de & McNAMARA, Robert. The origins of the Exercise Alcora, 1960-71. The International History Review, vol. 35, n. 5, 2013, p. 1113-1114; ROSA, Celso Braga; MENESES, Maria Paula; MARTINS, Bruno Sena. Memórias da guerra colonial: alianças secretas e mapas imaginados. In: VII CONGRESSO PORTUGUÊS DE SOCIOLOGIA, 19 a 22 de junho de 2012. Anais. Universidade do Porto, Faculdade de Letras, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, p. 9. Acesso em: 27 de outubro de 2016. Filipe Meneses e Robert McNamara referem a participação de Portugal e da África do Sul e Celso Rosa et al. referem a assinatura de um acordo tripartite entre África do Sul, Rodésia e Portugal na reunião de Pretória em outubro de 1970.

Enfim, apesar do reforço da intervenção militar colonial em Niassa nesse período, este não impediu que a Frelimo efetuasse ataques de artilharia pesada demonstrando o seu potencial militar em vésperas de 25 de abril de 1974 em Portugal. Em 14 de janeiro de 1974, o gabinete dos Negócios Políticos do Ministério do Ultramar remeteu ao governador-geral de Moçambique uma informação de 27 de dezembro de 1973 da Embaixada de Portugal em Kinshasa referente a visita de inspeção do Secretariado Executivo do Comitê de Libertação da OUA às zonas libertadas do Niassa, citando Sérgio Vieira (descrito como secretário pessoal de Samora Machel, presidente da Frelimo) como tendo afirmado que a situação militar desta organização se apresentava "sob os melhores auspícios" e que poderia em breve atacar posições portuguesas com efetivos de infantaria e artilharia que somavam 1.300 homens. Também constava que o mesmo disse estar previsto que, no decurso do primeiro semestre de 1974, o Secretariado Executivo do Comitê de Libertação da OUA iria efetuar uma visita de inspeção às zonas libertadas do distrito do Niassa.84 84 ANTT/SCCIM n. 865.

Em face desta informação, o ofício de 4 de fevereiro de 1974, assinado por João dos Santos Correia, da Região Militar de Moçambique, em nome do chefe do Estado Maior, colocou suspeitas de que: 1 - o reforço e a reativação das atividades militares da Frelimo nos últimos tempos no distrito do Niassa poderiam estar relacionados com a preparação desta visita do Secretariado Executivo do Comité de Libertação da OUA; 2 - esta visita poderia estar relacionada com um eventual plano da Frelimo de seguir o mesmo procedimento do PAIGC proclamando de forma unilateral a independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde como a via pela qual a Frelimo se livraria das pressões que vinha recebendo dos Estados membros da OUA e das organizações internacionais que apoiavam a luta armada em Moçambique. O ofício mencionava que essas pressões estariam sendo feitas depois de não terem sido realizadas as expectativas iniciais da conquista rápida da independência, tal como previa o discurso revolucionário do Grupo de Casablanca. O Estado Maior português recomendou aos SCCIM pesquisar os elementos relacionados com essas suspeitas, sugerindo que recorressem aos interrogatórios de "importantes elementos" da Frelimo que ultimamente teriam se apresentado às autoridades portuguesas ou sido capturados.85 85 ANTT/SCCIM n° 865. Ao responder o ofício do Estado Maior da Região Militar em Moçambique, os SCCIM afirmaram, no relatório de 22 de março de 1974, que até a data não dispunham de elementos que lhes permitissem selecionar "concretamente" as áreas mais prováveis da referida visita, conjecturando que as regiões fronteiriças do norte do distrito do Niassa pareciam "mais indicadas" por permitir rápida retirada em caso de necessidade de segurança.86 86 Ibidem.

As análises feitas não eram infundadas. Manuel Rui Passos Pereira, comandante de defesa do Batalhão de Caçadores 4811, em relatório de 8 de fevereiro de 1974, registrou o ataque ao aquartelamento de Valadim e aldeamentos de GE (grupos especiais) de Mataca, iniciado às 18 horas de 6 de fevereiro. Por sua vez, no seu relatório circunstanciado n. 1/74 do mesmo 8 de fevereiro de 1974, o comandante do Batalhão de Caçadores 4811, Armando de Sousa Gomes, fez constar que um grupo numeroso da Frelimo, de 100 a 200 homens, incluindo carregadores, flagelou o aquartelamento de Valadim, os aldeamentos do GE 102 e da Mataca, utilizando três agrupamentos de armas pesadas. Tendo em conta os elementos de balística recolhidos nos locais de rebentamento, o mesmo concluiu que foi possível identificar a utilização de morteiros 82, canhão S/R (sem recuo) que, segundo as indicações constantes no relatório, seria B-10, calibre 82 m/m, e uma ou mais armas automáticas.87 87 Arquivo Histórico Militar/2ª Divisão. Colônias / Ultramar/7ª Secção. Moçambique, cx. 123/23. Lisboa, Batalhão de Caçadores 4811/Relatório de Ações.

Armando de Sousa Gomes também fez constar que os rebentamentos tiveram lugar porque o grupo atacante instalou as suas armas no limite máximo do seu alcance e tendo sido favorecido por algumas estarem instaladas em zona de cota elevada em relação ao aquartelamento. Notou ainda que a eficácia do ataque se deveu ao fato dos aquartelamentos em causa disporem "apenas" de dois morteiros 81 m/m, de menor alcance em relação aos utilizados pelo grupo atacante, que "utilizou um mínimo de 5". Lamentou o fato de terem ruído as plataformas de cimento da instalação dos morteiros dos aquartelamentos, o que contribuiu para as dificuldades de regulação de tiro das tropas portuguesas para bater três agrupamentos separados de armas da Frelimo, obrigando que se recorresse a improvisações.88 88 Ibidem.

Pouco depois, no relatório de ação do comandante José Moreira Amaral, da 2ª Companhia de Cavalaria, do Batalhão de Cavalaria 8421, foi registrada a operação que teve lugar às 4h55 do dia 28 de fevereiro de 1974, na qual a Frelimo lançou um ataque de três bases de fogo situadas a leste, sudeste e sudoeste do aquartelamento de Negomano (distrito de Cabo Delgado), utilizando um armamento composto de foguetões 122, canhão sem recuo, morteiro 82, RPG 2 e metralhadora antiaérea. A base de fogo a sudoeste do aquartelamento de Negomano foi localizada a nordeste do Niassa, onde teria estado a metralhadora antiaérea. As forças portuguesas comandadas pelo alferes miliciano José Moreira Amaral estavam alertadas da iminência do ataque desde o dia anterior. Uma força portuguesa composta de dois grupos de combate da 2ª companhia de cavalaria, um grupo de combate da 3ª Companhia de Cavalaria, (todos do Batalhão de Cavalaria 8421), e ainda um pelotão da Companhia de Engenharia 9146, estavam preparados desde a zero hora de 27 de fevereiro em posições nas valas pelo início do ataque. O estado de alerta, a preparação prévia e o arame farpado do aquartelamento evitaram o golpe de mão ou assalto que os elementos da Frelimo, calculados em cerca de 150 guerrilheiros, tentaram realizar a partir dos lados sul e sudeste da cerca do aquartelamento de Negomano. Na tentativa de assalto foram registradas 13 baixas da parte dos guerrilheiros da Frelimo, surpreendidos por fogo de granada de mão, dilagrama e armas ligeiras da referida tropa portuguesa abrigada em valas da periferia no interior da cerca.89 89 Arquivo Histórico Militar/2ª Divisão. Colônias /Ultramar/7ª Secção. Moçambique, cx. 116/3. Batalhão de Cavalaria 8421/Relatório de Ações.

No dia 16 de março, Rogério Augusto T. da Silva, comandante do destacamento de Milepa, registrou que o aldeamento de Milepa, no dia 11 de março de 1974, cerca das 17h30, foi flagelado com ataque de armas pesadas, automáticas e ligeiras. O comandante calculou terem participado na operação entre 40 e 50 elementos da Frelimo e lançadas cerca de 80 granadas que não caíram no interior do destacamento e da povoação. Concluiu registrando que no local do ataque foram utilizados canhões sem recuo e três morteiros 82.90 90 Arquivo Histórico Militar/2ª Divisão. Colônias / Ultramar/7ª Secção. Moçambique, cx. 123/23. Lisboa, Batalhão de Caçadores 4811/Relatório de Ações.

Enfim, a sequência desses ataques de artilharia pesada lançados em Niassa visando, desta feita, os aquartelamentos, e com iniciativas de assalto de mão, junto das operações militares em outras frentes do país, constituiu o argumento de fato da Frelimo em defesa do almejado estatuto de único e legítimo representante do povo moçambicano e do seu reconhecimento pelo governo português como condição preliminar para o início das negociações para se pôr termo ao cessar-fogo e se proceder à transferência de poder para o futuro governo independente em Moçambique.91 91 FRELIMO. Frelimo Information Department. Mozambique Revolution, n. 59, Dar es Salaam, abr.-jun. 1974, p. 21.

Em última análise, pode-se dizer que o fator decisivo da hegemonia política da Frelimo no contexto da luta pela independência nacional foi a luta armada consubstanciada na conquista de zonas libertadas que, tendo sido observadas pelas missões do Comité de Libertação da OUA e reconhecidas na atribuição do título de observador92 92 FRELIMO. Frelimo Information Department. Mozambique Revolution, n. 53, Dar es Salaam, out.-dez. de 1972, p. 16; FRELIMO. Frelimo Information Department. Mozambique Revolution, n. 54, Dar es Salaam, jan.-mar. 1973, p. 16. ao nível da OUA em junho de 1972, consolidaram o discurso de única representante do povo moçambicano. A componente bélica pôs em prática o projeto revolucionário das "zonas libertadas" e, por conseguinte, efetivava a modernização social. Vale dizer ainda que a guerra de libertação foi a principal estrutura de identificação política regional, face ao relutante belicismo dos regimes coloniais na África Austral (sul-africano, rodesiano e português), no âmbito da qual a Frelimo se inscreveu e foi um dos eixos chave.

Será esta identificação centrada na guerra que fundamentará a articulação ideológica na Frelimo, com certo grau de ambivalência, apropriando-se do discurso de "aliança natural" ao bloco socialista (liderado pela União Soviética e a China) para efeitos materiais e práticos para o desenvolvimento da guerra.93 93 "A existência de um sistema socialista mundial forte foi o fator objetivo exterior decisivo para o avanço e o triunfo da nossa Revolução". TROISIÈME CONGRÉS DU FRELIMO. Programme et Statuts. Paris: Librairie Edition L'Harmattan, s/d, p. 3-4. Porém, só depois da independência do país, por ocasião do III Congresso de fevereiro de 1977, é que se declara partido de vanguarda marxista-leninista, passando a constar nos seus estatutos que a luta armada e o marxismo-leninismo constituíram a sua síntese ideológica.94 94 Ibidem, p. 24 (ver o capítulo dos princípios fundamentais dos estatutos). No contexto do II Congresso de julho de 1968, em Niassa, tinha sido agendada uma discussão voltada para definir uma orientação de política internacional.95 95 FRELIMO. Frelimo Information Department. Mozambique Revolution, n. 34, Dar es Salaam, abr.-mai. 1968, p. 6 e 9. Neste aspecto, vale citar o apelo da Frelimo de 1965 aos nacionalistas zimbabweanos após a Declaração Unilateral da Independência da Rodésia:

...in vital matters such as that of independence a nation's people must count primarily on themselves and must not wait for solutions to come from outside. The aid given by other countries is useful since it furnishes the people with the means they need to realize their objectives, and this is important because it is impossible to successfully face bombs and tanks with bows and arrows. The solution of the problems which are posed in each country, however, have to be solved actively by the people themselves.96 96 FRELIMO. Frelimo Information Department. Mozambique Revolution, n. 23, Dar es Salaam, dez 1965 a fev. 1966, p. 13.

Considerações finais

A historiografia sobre a Frente do Niassa retoma os seus primeiros passos, evoluindo do âmbito de informação e propaganda da época da luta de libertação nacional para o contexto historiográfico atual representado por novas publicações em livros (de testemunhos e depoimentos dos "antigos combatentes") e por fontes documentais do governo colonial português.

O presente artigo situa o desenvolvimento da historiografia da Frente do Niassa no contexto da textualização em curso da história da luta de libertação nacional do país e se apresenta como contribuição calcada em fontes documentais ainda não partilhadas na historiografia desta frente e da luta armada de independência do país. Em princípio, o conteúdo historiográfico do artigo chama à devida importância da Frente do Niassa, ainda hoje situada como outro lugar no jogo das alteridades nos marcos cronológicos simbólicos fundantes da luta armada de independência nacional do país.

Por fim, penso que a textualização em curso reflete a contradição real e inevitável entre o tempo da política, a memória coletiva e a história vivida que não se compadece com os dualismos de uma textualidade vinculada a um tempo que já não é o mesmo no seu ideal estruturante. Ainda que os marcos temporais apareçam como primordiais à consciência dos sujeitos e, como tal, à política, como bem disse Slavoj Zizek, os "momentos de entre ideologias" e a "experiência de 'libertação'" tornam a sujeição temporária um "traço universal". (ZIZEK, 1996ZIZEK, Slavoj. O espectro da ideologia. In. ZIZEK, Slavoj (org.). Um mapa da ideologia. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996., p. 25).97 97 ZIZEK, Slavoj. O espectro da ideologia. In. Idem (org.). Um mapa da ideologia. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996, p. 25.

Imagem 1
Croqui de Sectores da FRELIMO no Niassa.

  • 1
    MONDLANE, Eduardo. Lutar por Moçambique. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1977.
  • 2
    RICOUER, Paul. A memória, a história e o esquecimento. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2007, p. 173.
  • 3
    Ibidem, p. 172.
  • 4
    BASTO, Maria Benedita. A guerra das escritas: literatura, nação e teoria pós-colonial em Moçambique. Lisboa: Edições Vendaval, 2006.
  • 5
    ANTT/SCCIM n. 1945.
  • 6
    ANTT: Pide/DGS. 2ª Divisão de Informação. Gabinete Ultramarino, SC- CI(2), GU, cx. 1 e 2.
  • 7
    FRELIMO. O partido e as classes trabalhadoras moçambicanas na edificação da democracia popular. In: 3° CONGRESSO DA FRELIMO. Relatório do Comité Central ao 3° Congresso. Maputo: s/d, p. 18.
  • 8
    ANTT/SCCIM n. 1941, c0003. Ver mais detalhes adiante.
  • 9
    FRELIMO. Frelimo Information Department. Mozambique Revolution n. 11, Dar es Salaam, out. 1964, p. 1.
  • 10
    FRELIMO. Frelimo Information Department. Mozambique Revolution n. 21, Dar es Salaam, set. 1965, p. 11. Grifos meus.
  • 11
    CHATTERJEE, Partha. The nation and its fragments: colonial and postcolonial histories. Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 1993, p. 5.
  • 12
    ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo, 2ª reimpressão. Tradução de Denise Bottman. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
  • 13
    ANDRADE, Mário Pinto de. Origens do nacionalismo africano: continuidade e ruptura nos movimentos unitários emergentes da luta contra a dominação colonial portuguesa: 1911-1961. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1997.
  • 14
    A fase revolucionária caracterizava-se pelo idealismo do "homem novo" moçambicano que tinha como perspectiva a sujeição do indivíduo - segundo Amélia N. de Souto - à memória coletiva "fundamental para o triunfo da revolução." Cf. SOUTO, Amélia Neves de. Memory and identity in the history of Frelimo: some research themes. Kronos, vol. 39, n. 1, Cape Town, jan. 2013, p. 281.
  • 15
    SOUTO, Amélia Neves de. Memory and identity in the history of Frelimo..., op. cit; COELHO, João Paulo Borges. Politics and contemporary history in Mozambique: a set of epistemological notes. Kronos, vol. 39, n. 1, Cape Town, jan. 2013.
  • 16
    Referindo-se aos prisioneiros políticos da luta clandestina das cidades de Lourenço Marques (atual Maputo) e Beira ver SOUTO, Amélia Neves de. Memory and identity in the history of Frelimo ..., op. cit., p. 288.
  • 17
    Ibidem, p. 288.
  • 18
    Mozambique African National Union (Manu), União Nacional Africana de Moçambique Independente (Unami) e a União Democrática Nacional de Moçambique (Udenamo), inclusive o Comité Revolucionário de Moçambique (Coremo).
  • 19
    ANDRADE, Mário Pinto de. As ordens do discurso do "clamor africano": continuidade e ruptura na ideologia do nacionalismo unitário. Estudos Moçambicanos n. 7, Centro de Estudos Africanos, Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, 1990, p. 18. Negrito do autor.
  • 20
    COELHO, João Paulo Borges. Politics and contemporary history in Mozambique: a set of epistemological notes. Kronos, vol. 39, n. 1, Cape Town, jan. 2013, p. 21.
  • 21
    NDEGUE, David Francisco Xadreque. A luta de libertação na frente do Niassa, vol. 1. Maputo: JV Editores, 2009.
  • 22
    Ibidem, p. 83-84.
  • 23
    MONDLANE, Eduardo. Lutar por Moçambique. op. cit., 1977, p. 151-152. Grifo meu.
  • 24
    FRELIMO. Frelimo Information Department. Mozambique Revolution n° 11, Dar es Salaam, out. 1964, p. 1. Infelizmente não foi encontrada a página deste documento com a descrição dos ataques desencadeados na noite de 25 de setembro de 1964.
  • 25
    NDEGUE, David Francisco Xadreque. A luta de libertação na frente do Niassa, vol. 1. Maputo: JV Editores, 2009, p. 77.
  • 26
    Livro do professor 4ª classe, vol. 4. Maputo: Inde/Núcleo Editorial do Livro Escolar, 1985, p. 51. O Sistema Nacional de Educação data de 1983 (Lei n° 4/83, de 23 de março).
  • 27
    COSTA, Alda; B., Mariana; SITOE, Lucas. Livro de História 4ª classe. Direção de Luís Pereira. Maputo: Inde/Núcleo Editorial do Livro Escolar, edição revista 1995 [1985], p. 62.
  • 28
    COSTA, Alda; B., Mariana; SITOE, Lucas. Livro de História 4ª classe..., op. cit., 1995, p. 60.
  • 29
    Prólogo assinado por Alexandrino José. In: ALEXANDRE, José & MENESES, Maria Paula G. Moçambique - 16 anos de historiografia: focos, problemas, metodologias, desafios para a década 90. In: PRIMEIRO PAINEL DE HISTORIOGRAFIA, 31 jul. a 3 ago. 1991, Maputo. Artigos e depoimentos. Maputo, 1991.
  • 30
    ADAM, Yussuf. Mueda, 1917-1990: Resistência, colonialismo, libertação e desenvolvimento. Arquivo n. 14, Maputo, out. de 1993, p. 32. Grifo meu.
  • 31
    GENTILI, Anna Maria. A subversão no distrito de Cabo Delgado entre 1950 e 1960 segundo as fontes administrativas locais. Arquivo n. 14, Maputo, out. 1993, p. 109. Grifo meu.
  • 32
    GENTILI, Anna Maria. Prefácio. In: SILVA, Teresa Cruz e; COELHO, João Paulo Borges; SOUTO, Amélia Neves de. Como fazer ciências sociais e humanas em África: questões epistemológicas, metodológicas, teóricas e políticas. In: COLÓQUIO EM HOMENAGEM A AQUINO DE BRAGANÇA. Textos. Dakar: Codesria, 2012, p. 17.
  • 33
    NDEGUE, David Francisco Xadreque. A luta de libertação na frente do Niassa..., op. cit., 2009; MOIANE, José Phahlane. Memórias de um guerrilheiro, 2ª edição. Maputo: King Ngungunhane Institute, 2009; FRELIMO. In: SIMPÓSIO 50 ANOS DA FRELIMO (1962-2012). Fontes para a nossa História. Maputo: Centro de Pesquisa da História da Luta de Libertação Nacional (CPHLLN)/Movimento Editora, 2012; RAIMUNDO, José Alberto. Frente do Niassa. In: TEMBE, Joel da Neves (coord.). História da luta de libertação nacional, vol. 1. Maputo: Ministério dos Combatentes/Direção Nacional de História, 2014.
  • 34
    CORREIA, Milton Marcial Meque. Os Yao e o contexto da luta armada de independência nacional de Moçambique (1964-1974). Tese de doutorado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.
  • 35
    ANTT/SCCIM n. 1465.
  • 36
    BRAGANÇA, Aquino de & DEPELCHIN, Jacques. Da idealização da Frelimo à compreensão da história de Moçambique. Estudos Moçambicanos, n. 5, 6, Centro de Estudos Africanos, Maputo, 1986, p. 33.
  • 37
    VIEIRA, Sérgio. Participei, por isso testemunho. 2ª edição. Maputo: Ndjira, 2011, p. 222. Grifos meus.
  • 38
    Livro do professor 4ª classe, vol. 4. Inde/Núcleo Editorial do Livro Escolar. Maputo, 1985; COSTA, Alda; B., Mariana; SITOE, Lucas. Livro de História 4ª classe, edição revista. Direção de Luís Pereira. Maputo: Inde/Núcleo Editorial do Livro Escolar, [1985] 1995.
  • 39
    NKULUNGUILA, Josefina Daniel. Frente de Cabo Delgado. In: TEMBE, Joel das Neves (coord.). História da luta de libertação nacional, vol. 1. Maputo: Ministério dos Combatentes/Direção Nacional de História, 2014, p. 264.
  • 40
    CAHEN, Michel. The Mueda case and Maconde political ethnicity: some notes on a work in progress. In: CONFERÊNCIA ANUAL DA AFRICAN STUDIES ASSOCIATION, 1 de novembro de 1998, Illinois. Artigo. Illinois, 1998.
  • 41
    Diante da ausência de referências adicionais sobre o desencadeamento da luta armada na Zambéza, vale considerar também os depoimentos de Eduardo Nihia (Mtoto) em duas ocasiões. Lê-se a seguinte citação inserida num texto bastante lacônico sobre o assunto: "Depois de fazer o reconhecimento de Lugela, a 22 de Agosto de 1964, deu-se o primeiro tiro que sinalizava o início da Luta Armada nesta frente". Cf. SIMPÓSIO 50 ANOS DA FRELIMO (1962-2012) ..., op. cit., p. 120). Em outro depoimento consta o seguinte: "Deviam ser por aí 22h00 do dia 25 de Setembro. Começamos a disparar, tivemos informação que o chefe do posto foi ferido. Incendiou-se a cadeia depois de libertar os prisioneiros e fazer reféns os prisioneiros. Nos Correios atingiu-se primeiro o chefe dos mesmos. Iniciou-se assim a luta de libertação de Moçambique, na província da Zambézia". Cf. O País, Maputo, 25 set. 2010. Disponível em: http://opais.sapo.mz/index.php/entrevistas/76-entrevistas/9768-relato-de-uma-guerra-sem-primeiro-tiro.html. Acesso em: 21/8/2017.
  • 42
    Osvaldo Tazama em entrevista conduzida por Sol de Carvalho e José Dias Loureiro. Tempo, n. 520, Maputo, 28 set. 1980, p. 27-30.
  • 43
    NDEGUE, David Francisco Xadreque. A luta de libertação na frente do Niassa..., op. cit., 2009; ANTT/SCCIM n. 1937.
  • 44
    ANTT/SCCIM n. 1937. As fontes portuguesas consultadas não mencionam o ataque de Lupilisse de 25 de dezembro mencionado por Tazama na referida entrevista. Ao se referir ao ataque de Lupilichi, Ndegue menciona que o mesmo teve lugar em dezembro, porém cita um documento colonial com a data de 29 deste mês. Cf. NDEGUE, David Francisco Xadreque. A luta de libertação na frente do Niassa..., op. cit., 2009, p. 79. Fica por aferir se a data de 25 de dezembro constante na entrevista de Osvaldo Tazama publicada na revista Tempo é equivocada.
  • 45
    ANTT/SCCIM n°1937.
  • 46
    NDEGUE, David Francisco Xadreque. A luta de libertação na frente do Niassa..., op. cit., 2009, p. 79-80.
  • 47
    FRELIMO. Frelimo Information Department. Mozambique Revolution, n. 14, Dar es Salaam, jan. 1965, p. 7, 8.
  • 48
    ANTT/SCCIM n. 1937.
  • 49
    Ibidem.
  • 50
    NDEGUE, David Francisco Xadreque. A luta de libertação na frente do Niassa..., op. cit., 2009; CORREIA, M. M. M. Os Yao e o contexto da luta armada ..., op. cit., 2017.
  • 51
    ADAM, Yussuf. Mueda, 1917-1990..., op. cit., 1993, p. 32.
  • 52
    CORREIA, Milton Marcial Meque. Os Yao e o contexto da luta armada..., op. cit., 2017. Neste trabalho é mencionada uma série de ataques ocorridos nas frentes ocidental, oriental e sul do Niassa.
  • 53
    ANTT/SCCIM n. 1120.
  • 54
    Ibidem.
  • 55
    ANTT/SCCIM n. 1120. Ivens-Ferraz refutava a suposição contida na análise do auto de declarações do regedor Vatiua feita pelo administrador da circunscrição de Marrupa, segundo a qual a atitude deste regedor teria sido forçada pelo receio de represálias que lhe seriam acometidas caso se furtasse ao cumprimento das instruções recebidas por intermédio do emissário do "Nherere".
  • 56
    Ibidem.
  • 57
    Ibidem.
  • 58
    Ibidem.
  • 59
    ANTT/SCCIM n. 1936.
  • 60
    Ibidem.
  • 61
    NDEGUE, David Francisco Xadreque. A luta de libertação na frente do Niassa..., op. cit., 2009, p. 17-18.
  • 62
    FRELIMO. Frelimo Information Department. Mozambique Revolution, n. 3, Dar es Salaam, fev, 1964, p. 8-9.
  • 63
    ANTT/SCCIM n. 1936.
  • 64
    Ibidem.
  • 65
    ANTT/SCCIM n. 1936.
  • 66
    NDEGUE, David Francisco Xadreque. A luta de libertação na frente do Niassa..., op. cit., p. 49-53.
  • 67
    Ibidem, p. 46-47. Depoimentos de Daniel Polela e Osvaldo Assahel Tazama.
  • 68
    Ibidem, p. 57-63.
  • 69
    ANTT/SCCIM n. 1947.
  • 70
    ANTT/SCCIM n. 1462.
  • 71
    ANTT/SCCIM n. 1945.
  • 72
    MOIANE, José Phahlane. Memórias de um guerrilheiro..., op. cit., 2009, p. 72.
  • 73
    Ibidem, p. 80-81 e 83.
  • 74
    ANTT/SCCIM n. 1947.
  • 75
    ANTT/SCCIM n. 1462.
  • 76
    Ibidem.
  • 77
    ANTT/SCCIM n. 1465.
  • 78
    ANTT/SCCIM n. 1941, c0003.
  • 79
    ANTT: Pide/DGS. 2ª Divisão de Informação. Gabinete Ultramarino, SC-CI(2), GU, cx. 1.
  • 80
    MUTUKWA, Kasuka Simwinji. Imperial dream becomes pan-african reality. Africa Report, jan. 1972, Lisboa, Arquivo Histórico Militar. FO 63/11/cx. 942/3.
  • 81
    Lisboa, Arquivo Histórico Militar. FO 63/11/cx. 942/3.
  • 82
    FRELIMO. Frelimo Information Department. Mozambique Revolution, n. 43, Dar es Salaam, abr.-jun. 1970, p. 7. Cf. Carta aberta datada de 19 de março de 1970 em que a Frelimo chama a atenção do chanceler da República Federal da Alemanha (RFA), Willy Brandt, contra a construção da barragem de Cahora Bassa.
  • 83
    MENESES, Filipe R. de & McNAMARA, Robert. The origins of the Exercise Alcora, 1960-71. The International History Review, vol. 35, n. 5, 2013, p. 1113-1114; ROSA, Celso Braga; MENESES, Maria Paula; MARTINS, Bruno Sena. Memórias da guerra colonial: alianças secretas e mapas imaginados. In: VII CONGRESSO PORTUGUÊS DE SOCIOLOGIA, 19 a 22 de junho de 2012. Anais. Universidade do Porto, Faculdade de Letras, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, p. 9. Acesso em: 27 de outubro de 2016. Filipe Meneses e Robert McNamara referem a participação de Portugal e da África do Sul e Celso Rosa et al. referem a assinatura de um acordo tripartite entre África do Sul, Rodésia e Portugal na reunião de Pretória em outubro de 1970.
  • 84
    ANTT/SCCIM n. 865.
  • 85
    ANTT/SCCIM n° 865.
  • 86
    Ibidem.
  • 87
    Arquivo Histórico Militar/2ª Divisão. Colônias / Ultramar/7ª Secção. Moçambique, cx. 123/23. Lisboa, Batalhão de Caçadores 4811/Relatório de Ações.
  • 88
    Ibidem.
  • 89
    Arquivo Histórico Militar/2ª Divisão. Colônias /Ultramar/7ª Secção. Moçambique, cx. 116/3. Batalhão de Cavalaria 8421/Relatório de Ações.
  • 90
    Arquivo Histórico Militar/2ª Divisão. Colônias / Ultramar/7ª Secção. Moçambique, cx. 123/23. Lisboa, Batalhão de Caçadores 4811/Relatório de Ações.
  • 91
    FRELIMO. Frelimo Information Department. Mozambique Revolution, n. 59, Dar es Salaam, abr.-jun. 1974, p. 21.
  • 92
    FRELIMO. Frelimo Information Department. Mozambique Revolution, n. 53, Dar es Salaam, out.-dez. de 1972, p. 16; FRELIMO. Frelimo Information Department. Mozambique Revolution, n. 54, Dar es Salaam, jan.-mar. 1973, p. 16.
  • 93
    "A existência de um sistema socialista mundial forte foi o fator objetivo exterior decisivo para o avanço e o triunfo da nossa Revolução". TROISIÈME CONGRÉS DU FRELIMO. Programme et Statuts. Paris: Librairie Edition L'Harmattan, s/d, p. 3-4.
  • 94
    Ibidem, p. 24 (ver o capítulo dos princípios fundamentais dos estatutos).
  • 95
    FRELIMO. Frelimo Information Department. Mozambique Revolution, n. 34, Dar es Salaam, abr.-mai. 1968, p. 6 e 9.
  • 96
    FRELIMO. Frelimo Information Department. Mozambique Revolution, n. 23, Dar es Salaam, dez 1965 a fev. 1966, p. 13.
  • 97
    ZIZEK, Slavoj. O espectro da ideologia. In. Idem (org.). Um mapa da ideologia. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996, p. 25.

Referências bibliográficas

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    21 Jan 2017
  • Aceito
    25 Jul 2018
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