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“CUÍCAS E PANDEIROS PARA STOKOWSKI OUVIR!”: O DISCO NATIVE BRAZILIAN MUSIC E A POLÍTICA DA BOA VIZINHANÇA (1940-1942)* * Este texto é resultado parcial da pesquisa “Heitor Villa-Lobos e a diplomacia cultural brasileira (1923-1959)”, apoiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). Todas as obras e todos os documentos utilizados na pesquisa e na elaboração do artigo são citados nas notas e na bibliografia. As fontes documentais originais aqui citadas pertencem ao Museu Villa-Lobos.

“CUÍCAS AND PANDEIROS FOR STOKOWSKI TO LISTEN!”: THE ALBUM NATIVE BRAZILIAN MUSIC AND THE GOOD NEIGHBOR POLICY (1940-1942)

Resumo

Em 1940, no contexto da chamada Política da Boa Vizinhança, o regente Leopold Stokowski (1882-1977) visitou alguns países da América do Sul em turnê com a All-American Youth Orchestra. Por meio da análise de fontes da imprensa e do acervo documental do Museu Villa-Lobos, o presente artigo pretende iluminar aspectos relacionados à gravação do disco Native Brazilian Music, que reuniu, sob a iniciativa de Stokowski, alguns expoentes da música popular do Rio de Janeiro - como Donga, Pixinguinha e João da Baiana. O trabalho discute o papel desempenhado por músicos na esfera diplomática e argumenta que um dos efeitos da Política da Boa Vizinhança foi criar um jogo especular no qual, apesar da pretensa unidade cultural do continente, a aproximação promoveu discussões sobre identidade nacional, diferença e resistência.

Palavras-chave
Heitor Villa-Lobos; Leopold Stokowski; Política da Boa Vizinhança; samba; identidade cultural

Abstract

In 1940, in the context of the so-called “good neighbor policy,” regent Leopold Stokowski (1882-1977) visited some South American countries on a tour with the All-American Youth Orchestra. Through the analysis of press sources and the Villa-Lobos Museum documentary collection, this article aims to illuminate aspects related to the recording of the album Native Brazilian Music, which brought together, under Stokowski’s initiative, some exponents of popular music from Rio de Janeiro - such as Donga, Pixinguinha, and João da Baiana. The paper discusses the role played by musicians in the diplomatic sphere and argues that one of the effects of the “good neighbor policy” was to create a specular game in which, despite the continent’s alleged cultural unity, the approach fostered discussions about national identity, difference and resistance.

Keywords
Heitor Villa-Lobos; Leopold Stokowski; good neighborhood policy; samba; cultural identity

“Triunfa em Nova York a música do Brasil!” (TRIUNFA..., 1939TRIUNFA em Nova York a música do Brasil. A Noite, Rio de Janeiro, 05/05/1939. Rio de Janeiro: Museu Villa-Lobos. L08-033G.); “De triunfo em triunfo a música do Brasil” (DE TRIUNFO..., 1939DE TRIUNFO em triunfo a nossa música. O Globo, Rio de Janeiro, 19/06/1939, s. p. [recorte]. Rio de Janeiro: Museu Villa-Lobos. L08-047A.) - em letras garrafais, jornais e revistas sob a censura do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) exprimiam com orgulho o nacionalismo cultural da era Vargas, naquele início da década de 1940. A difusão da música brasileira no exterior, que naquele período mirava especialmente os países da América, parecia ter alcançado durante o Estado Novo o seu apogeu, a depender do olhar quase sempre triunfalista da imprensa.1 1 A Agência Nacional, criada em 1937 (ainda no período pré-Estado Novo), era responsável por mais de 60% da produção de textos e imagens publicados pelos jornais. Eles recebiam matérias prontas e o restante era submetido à censura prévia. O jornalista Joel Silveira relembrou a ação de jornalistas e de jornais durante o Estado Novo (SILVEIRA, 1979).

Dois fenômenos geopolíticos possibilitaram um incessante ir e vir de músicos de outras partes do continente americano ao Brasil - e vice-versa -, um país há muito acostumado a receber músicos e orquestras franceses, italianos e alemães e a enviar a esses países, na condição de aprendizes, seus compositores mais promissores. O bloqueio naval europeu, promovido pela Inglaterra para dificultar a movimentação de Hitler, tornou precária a comunicação com o Velho Mundo, incrementando a navegação entre os países americanos. Além disso, como fruto do projeto de hegemonia continental idealizado por Franklin Roosevelt ao longo da década de 1930, a chamada Política da Boa Vizinhança atingiu, a partir de 1940, seu ápice. Tornam-se frequentes os artigos sobre aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais dos Estados Unidos na imprensa brasileira, além de notícias sobre músicos, intelectuais, artistas plásticos e cineastas estadunidenses em visita ao Brasil, sob os desígnios de Roosevelt.

Popularizado pelo governo e a imprensa dos Estados Unidos a partir de 1933, com a chegada de Franklin Roosevelt à presidência, o termo good neighbor já havia sido utilizado em 1928 pelo mandatário anterior, Herbert Hoover (TOTA, 2009TOTA, Antonio Pedro. The seduction of Brazil: the americanization of Brazil during the World War II. Austin: University of Texas Press, 2009., p. 14). Mas é com Roosevelt, idealizador de uma nova forma de relação diplomática com os países latino-americanos, baseada nas ideias de cooperação e intercâmbio técnico, econômico e cultural - o soft power -, que o termo ganhou força, sendo reproduzido cotidianamente por órgãos de imprensa brasileiros de forma acrítica. A aproximação entre os dois países, que já ocorria desde a virada do século, ganhou força ao longo dos anos 1930 e se aprofundou de modo praticamente irreversível no início da década seguinte, às vésperas da participação dos Estados Unidos e, mais tarde, do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Getúlio Vargas vinha estabelecendo, até então, a sua política de “equidistância pragmática” (MOURA, 2012MOURA, Gerson. Relações exteriores do Brasil (1939-1950): mudanças na natureza das relações Brasil-Estados Unidos durante e após a Segunda Guerra Mundial. Brasília, DF: Funag, 2012.), com a qual buscava obter vantagens dos rivais Estados Unidos e Alemanha para financiar um dos intentos de sua política econômica desenvolvimentista: a criação de uma indústria de base no Brasil.

Ao longo da década de 1930, era visível o fascínio que o “paradigma do germanismo” - e seu modelo de modernização social e econômica pelo alto, patrocinada e induzida pelo Estado, bem como o militarismo e a importância dada pelos alemães à indústria de base - exercia sobre parcelas expressivas das elites políticas, culturais e militares do país (TOTA, 2009TOTA, Antonio Pedro. The seduction of Brazil: the americanization of Brazil during the World War II. Austin: University of Texas Press, 2009., p. 14). Tal paradigma era apreciado pelos generais Góis Monteiro e Eurico Dutra, que compunham a cúpula da ditadura varguista, além de outros nomes importantes do governo. Segundo Antonio Pedro Tota, a Alemanha demonstrou ser um perigoso concorrente dos Estados Unidos e de sua ideologia de dominação continental, o americanismo. Embasavam tal ideologia - um arcabouço do american way of life - as ideias de democracia e de liberdades e direitos individuais, os quais prevaleceriam sobre diferenças de classe social, religião e raça (TOTA, 2009TOTA, Antonio Pedro. The seduction of Brazil: the americanization of Brazil during the World War II. Austin: University of Texas Press, 2009., p. 9-13). Nesse sentido, de acordo com Tota, o principal objetivo da Política da Boa Vizinhança foi minimizar as resistências políticas, econômicas e culturais da sociedade brasileira à influência dos Estados Unidos, a qual vinha se impondo desde o final do século XIX; desse modo, a aproximação foi o instrumento utilizado por Roosevelt para executar seu plano de americanização do Brasil (TOTA, 2009TOTA, Antonio Pedro. The seduction of Brazil: the americanization of Brazil during the World War II. Austin: University of Texas Press, 2009., p. 7). Com o mesmo viés crítico, Gerson Moura afirma que uma das principais características dessa política foi o fato de ter operado como uma via de mão única:

A boa vizinhança apresentava-se como uma avenida larga, de mão dupla, isto é, um intercâmbio de valores culturais entre as duas sociedades. Na prática, a fantástica diferença de recursos de difusão cultural dos dois países produziu uma influência de direção praticamente única, de lá para cá. (MOURA, 1988MOURA, Gerson. Tio Sam chega ao Brasil: a penetração cultural americana. 5ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1988., p. 9)

No projeto hegemônico de Roosevelt, músicos e estudiosos dos dois países foram vistos como peças importantes de intercâmbio político e cultural. Com base nos jornais e revistas da época, um constante ir e vir de artistas do norte e do sul do continente possibilitou, a partir da década de 1930, a inserção na vida cultural dos Estados Unidos de nomes de vulto da música erudita brasileira, como os pianistas Guiomar Novaes e Arnaldo Estrella, as cantoras Bidu Sayão e Olga Praguer Coelho, os compositores Camargo Guarnieri e Walter Burle Marx e o musicólogo Luiz Heitor Corrêa de Azevedo, entre outros. A boa vizinhança também trouxe ao país alguns músicos e estudiosos estadunidenses ou radicados naquele país, como o compositor Aaron Copland - cuja obra era, até então, praticamente desconhecida no Brasil - e o célebre regente Leopold Stokowski.

Apesar da importância (auto)adquirida por músicos eruditos no âmbito do pan-americanismo e da “boa vizinhança”, a historiografia pouco tem se lançado a compreender a trajetória de seus protagonistas e o papel que representaram nessa aproximação. Este artigo - um estudo de caso - busca reconstituir o contexto que tornou possível a interlocução de duas figuras de proa da música erudita, Leopold Stokowski (1882-1977) e Heitor Villa-Lobos (1887-1959), em favor de uma pretensa unidade cultural do continente americano. Para tanto, busco lançar luz sobre um episódio singular da “boa vizinhança” - a visita de Leopold Stokowski e da All-American Youth Orchestra (AAYO) ao Brasil, que resultou em concertos e na gravação do disco Native Brazilian Music, em 1940 - em busca de suas implicações e significados mais amplos no que diz respeito à relação entre Brasil e Estados Unidos naquele período.

O amigo quase americano

A bordo do Uruguay, um dos três navios da chamada “frota da boa vizinhança”, um dos mais famosos regentes do mundo, britânico de pai polonês e mãe irlandesa, desembarcou no cais do porto do Rio às 18h30 do dia 7 de agosto de 1940. Leopold Stokowski, dono de uma inconfundível cabeleira prateada, veio acompanhado de 109 jovens músicos estadunidenses, de 16 a 25 anos de idade, selecionados entre cerca de 10 mil candidatos de todo o país (GRANDES…, 1940GRANDES concertos sinfônicos no Municipal, sob a regência de Stokowsky. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 16/07/1940, p. 9. Disponível em: <https://bit.ly/2m0ueHN>. Acesso em: 27 dez. 2017
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). Eles foram recrutados por meio da National Youth Administration, agência federal criada no âmbito do New Deal, programa de investimentos públicos e de geração de empregos criado em 1933 pelo presidente Franklin Roosevelt. Os jovens, pré-selecionados por comitês locais de professores e referendados pelo próprio regente, integraram a AAYO, criada no início de 1940 com o propósito de circular por países da América Latina no âmbito da política da boa vizinhança - “The Good-Will Tour”.2 2 Ver, por exemplo, New York Times, New York, 04/03/1940.

A orquestra jovem fora idealizada por Stokowski nos anos anteriores. Previa-se um tour pelos Estados Unidos, culminando com apresentações na feira mundial de Nova York, o que não vingou. Em tempos de pan-americanismo - o ano de 1940 foi designado por Roosevelt como o Travel America Year -, a ideia acabou sendo adaptada aos propósitos da Política da Boa Vizinhança (DOWNES, 1940DOWNES, Olin. Good-Will Tour. New York Times, New York, 24/03/1940, p. 113., p. 113). No Brasil, eles se apresentariam no Rio de Janeiro e em São Paulo. O primeiro concerto ocorreria no Teatro Municipal do Rio, às 21h30 do dia 7, razão pela qual a imprensa justificou o apressado desembarque de Stokowski, que mal falou com jornalistas, decepcionando também um grupo que o aguardava há mais de quatro horas na praça Mauá.

O diário O Jornal, orgulhoso por ter sido o único a alcançar Stokowski na cabine 14 do Uruguay, onde estava hospedado, noticiou com exclusividade os momentos anteriores ao desembarque do maestro pop no Rio. De acordo com a matéria, Stokowski chegou esbanjando seu conhecimento da língua local, para surpresa dos presentes: “Os senhores podem falar em português. Orgulho-me de conhecer a vossa língua” - ao que um músico da orquestra jovem acrescentou: “Isso não é novidade para nós. O maestro Stokowski é um verdadeiro poliglota”. Sobre o custo das entradas para as apresentações, o regente comentou que eram “muito caras”,3 3 De acordo com anúncios do Teatro Municipal publicados em jornais da época, os preços variavam de 50 mil réis (galeria) a 600 mil réis (camarote). O salário mínimo, criado por decreto-lei em julho de 1940, era de 240 mil réis. Na mesma página do Correio da Manhã, o Teatro João Caetano anunciava a apresentação de uma companhia de balé da Inglaterra, com preços entre 5 mil réis (galeria) e 50 mil réis (camarote). e acrescentou: “Sou muito democrata. Por mim, daria os concertos de graça” (LEOPOLDO…, 1940LEOPOLDO Stokowsky desembarcou poucas horas antes da estreia no Municipal. O Jornal, Rio de Janeiro, 08/08/1940, p. 3 Disponível em: <https://bit.ly/2lJMAwQ>. Acesso em: 27 dez. 2017
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). É bem possível que a frase tenha soado ingênua ou irônica para parte dos leitores d’O Jornal, dados o pouco apreço do regime de Vargas pela democracia e o público elitizado dos concertos do Teatro Municipal. A recepção foi liderada por Villa-Lobos, que, na companhia da pianista Magda Tagliaferro, velha conhecida de ambos, recebeu o amigo Stokowski com um abraço efusivo. Eles se conheceram na Paris dos anos 1920 e desde então, envolvidos com a criação e a promoção da música erudita moderna, estabeleceram uma amizade duradoura. Antes da turnê pelas Américas, o maestro britânico radicado nos Estados Unidos vinha trocando cartas com Villa-Lobos sobre um dos intentos de sua visita: o registro fonográfico de “músicas típicas” do Brasil (“typical music of Brazil”, nos dizeres de Stokowski).

A bem da verdade, se Stokowski desembarcou orgulhoso de seu conhecimento da língua portuguesa, era nítida a confusão (que era a de tantos cidadãos estadunidenses) do regente sobre o histórico da colonização do Brasil. Em carta para Villa-Lobos, de 3 de julho de 1940, ele demonstrou ânsia de gravar o que chamava de tipicamente brasileiro, “derivado de fontes indígenas antigas, das origens espanholas (sic) e da música típica popular de hoje” (STOKOWSKI, 1940bSTOKOWSKI, Leopold. [Correspondência]. Destinatário: Heitor Villa-Lobos. Philadelphia, 3 jul. 1940b. 1 carta. Rio de Janeiro: Museu Villa-Lobos. Correspondência, cód. FE 1452-12., tradução nossa).4 4 Tradução livre do original: “that is derived from ancient Indian sources, from Spanish origins, and the typical popular music of today”. A carta também demonstra uma visão um tanto evolucionista sobre a cultura popular, inspirada na visão hegemônica da época sobre o folclore e a busca do “autêntico”:

Acredito que essas gravações darão prazer musical a todos os amantes de música nos Estados Unidos e nas Américas do Sul, Central e do Norte. Além disso, elas serão um importante documento etnográfico das fases culturais do Hemisfério Ocidental que podem se tornar raras ou extintas. (…) Desejamos, por certo, gravar essa música típica que possui a maior autenticidade e validade, e que é a verdadeira expressão de toda a vida no Brasil.5 5 Tradução livre do original: “I believe these recordings will give musical pleasure to all those who love Music in the United States and all over South, Central and North America. In addition they will be important ethnographical document of phases of culture in the Western Hemisphere which in time may be come rare or even extinct. (…) We wish to sure to record that typical music which has the greatest authenticity and vitality, and is a true expression of all the life in Brazil”. (STOKOWSKI, 1940bSTOKOWSKI, Leopold. [Correspondência]. Destinatário: Heitor Villa-Lobos. Philadelphia, 3 jul. 1940b. 1 carta. Rio de Janeiro: Museu Villa-Lobos. Correspondência, cód. FE 1452-12., tradução nossa)

A carta selou o compromisso de Villa-Lobos - que assina na condição de representante musical do governo Vargas, cônscio de seus deveres de bom vizinho - com o velho amigo.6 6 Em 1932, Villa-Lobos passou a chefiar a Superintendência de Educação Musical e Artística (Sema), a convite do então secretário de Educação do Distrito Federal, Anísio Teixeira. Desde então, implementou nas escolas do Rio de Janeiro um modelo de educação musical que serviu de orientação aos demais estados. Durante o Estado Novo (1937-1945), Villa-Lobos organizou e regeu as famosas concentrações orfeônicas, que chegaram a reunir algumas dezenas de milhares de estudantes em torno do culto à personalidade de Getúlio Vargas e ao regime. A 16 de julho, o brasileiro respondeu, em francês, dizendo-se emocionado com os planos do colega de registrar a música folclórica do continente americano e empenhado em ajudá-lo (VILLA-LOBOS, 1940VILLA-LOBOS, Heitor. [Correspondência]. Destinatário: Leopold Stokowski. Rio de Janeiro, 16 jul. 1940. 1 carta. Rio de Janeiro: Museu Villa-Lobos. Correspondência, cód. FE 1452-7.).7 7 “Je suis vraiment ravi de vos plans d’échange folklorique entre les nations des continents américains par l’intermède de disques”. Villa-Lobos seria responsável por selecionar músicos populares do Rio para a gravação proposta por Stokowski, a qual seria lançada em disco nos Estados Unidos em 1942, pela Columbia Records, com o título Native Brazilian Music.

Como um disco de vinil, a visita de Stokowski ao Brasil tem lado A e lado B. Antes de abordar a celeuma causada pela longa noite de gravação de typical music of Brazil no convés do Uruguay, vamos analisar a lua de mel de setores da sociedade brasileira com Stokowski e o que ela tem a nos dizer sobre o controverso processo de aproximação cultural entre Brasil e Estados Unidos - e sobre as dissonâncias musicais da boa vizinhança.

Lado A

Três características tornariam o britânico Leopold Stokowski (1882-1977) um dos mais famosos regentes de sua época: 1) o fato de reger sem batuta, apenas com as mãos - em performances carregadas de emoção -; 2) a ligação com o mundo das celebridades; e 3) a promoção, em seus concertos, de música contemporânea.8 8 Nascido em Londres, Stokowski estudou órgão até os dezesseis anos, e graduou-se em Oxford aos 21. Em Nova York, para onde migrou em 1905, tornou-se organista em uma igreja católica de Manhattan. Com 27 anos de idade, assumiu a regência da orquestra sinfônica de Cincinnati, e em 1912, já aclamado, assumiu a orquestra da Filadélfia, uma das mais importantes dos Estados Unidos. À memória social sobre o maestro também é atribuído o papel de ter sido um dos promotores de uma etiqueta rigorosa por parte da plateia nos concertos. O racionamento de aplausos - praticamente proibidos entre movimentos de uma longa obra sinfônica - e a contenção das emoções eram algo incentivado nas diversas plateias ocidentais desde meados do século XIX. Stokowski, o maestro pop da era do rádio e da indústria fonográfica, foi um dos principais veículos de disseminação desse código de conduta nos Estados Unidos (ROSS, 2011ROSS, Alex. Escuta só: do clássico ao pop. São Paulo: Companhia das Letras, 2011., p. 31).

A visita de Stokowski à América do Sul era aventada desde março de 1940, e a imagem do regente veiculada pela imprensa brasileira nem sempre foi das mais favoráveis. Reproduzindo a notícia de uma agência internacional, o Diário de Notícias de 27 de março acusava o regente de flertar com o comunismo. A “denúncia” partiu do congresso estadunidense, nas discussões sobre o orçamento da National Youth Administration (NYA) (NATIONAL…, 2011NATIONAL Youth Administration. New York: Roosevelt Institute, 2011. Disponível em: <https://bit.ly/2lDada6>. Acesso em: 30 ago. 2011.
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). O Diário alerta que “foi lida uma lista de organizações comunistas com as quais Stokowski estaria ligado”, sem citá-las. “É oportuno recordar”, observa o jornal em tom alarmista, “que o famoso diretor de orquestra tenciona visitar Buenos Aires à frente de um conjunto musical integrado por jovens” (STOKOWSKY…, 1940STOKOWSKI partirá a 26 de Nova York. O Jornal, Rio de Janeiro, 24/07/1940, p. 5. Disponível em: <https://bit.ly/2m849Xu>. Acesso em: 29 dez. 2017.
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). O limite de idade dos músicos da AAYO coincidia com o estabelecido pela NYA, além do propósito de criar oportunidades para jovens de todo o país. Conforme noticiou o Jornal do Brasil, em entrevista com Stokowski, a seleção abrangeu jovens de todas as raças, com “preferência somente para os instrumentos de percussão, confiando-os a músicos de cor devido ao senso maravilhoso de ritmo que estes possuem” (O MAESTRO… 1940O MAESTRO Stokowski chegou, hontem, pelo “Uruguai”. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 08/08/1940, p. 9. MVL, L11-060K., p. 9). Afora o mito da aptidão “natural” dos negros por instrumentos de percussão e o fato de a empreitada de Stokowski ter tido o apoio de uma empresa privada no âmbito das relações diplomáticas do continente americano, a suspeita de comunismo foi levantada por parcelas da oposição republicana que viam no New Deal um programa de cunho socialista, e reproduzida sem crítica pela imprensa brasileira. “Bach, Beethoven, Brahms, Wagner, Verdi - absolutamente estrangeiros e subversivos”, ironizou em sessão do Capitólio o deputado Vila Marcantonio, do American Labor Party (DORRIS, 1940DORRIS, Henry N. Are the 3 B’s Aliens? New York Times, New York, 31/03/1940, p. 122. Disponível em: <https://nyti.ms/2Ew7gfx>. Acesso em: 10 jan. 2018.
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, tradução nossa).9 9 Tradução livre do original: “Bach, Beethoven, Brahms, Wagner, Verdi - absolutely alien and subversive”.

Como observou André Egg (2013)EGG, André Acastro. Modernismo musical e colaboração internacional na Política da Boa Vizinhança. Baleia na Rede: Estudos em Arte e Sociedade, Marília, v. 1, n. 10, p. 62-81, 2013. ISSN 1808-8473. Disponível em: <https://bit.ly/2lBK8bw>. Acesso em: 6 set. 2019.
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, as visitas de Stokowski e, antes dele, do decano regente italiano Arturo Toscanini, também radicado nos Estados Unidos, foram importantes a ponto de impulsionar a criação da Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB).10 10 Toscanini apresentou-se ao público carioca em dois concertos no Teatro Municipal, nos dias 13 e 14 de junho, nos quais regeu obras de Beethoven, Berlioz, Schubert e Brahms, entre outros, e dos brasileiros Francisco Mignone e Carlos Gomes. Em julho de 1940, ainda sob o impacto da visita de Toscanini e da NBC Symphony, o Diário de Notícias noticiou que a formação da orquestra foi inspirada na Sinfônica da Filadélfia, dirigida até alguns meses atrás por Stokowski. A OSB seria integrada por noventa músicos brasileiros de reconhecida excelência, sob a presidência do compositor José Siqueira e a regência de Eugen Szenkar, cargo que o húngaro ocupou até 1948 (MÚSICA, 1940MÚSICA do morro para Stokowski ouvir. Diário da Noite, Rio de Janeiro, 08/08/1940, p. 1. Rio de Janeiro: Museu Villa-Lobos. L11-061I, recorte.). O jornal O Globo, sem esconder seu entusiasmo patriótico e pan-americanista, anunciou no dia 16 de julho: “Uma orquestra sinfônica do Brasil para toda a América”. Nas palavras de Siqueira, membros do Instituto Nacional de Música se dispuseram a criar uma orquestra nos moldes da NBC Symphony, com viabilidade artística e comercial. “A orquestra terá sede no Rio, mas estenderá seu raio de ação pelos Estados do Brasil e pelos países sul-americanos”, resumiu Siqueira as pretensões da OSB (UMA ORCHESTRA…, 1940UMA ORCHESTRA synphonica do Brasil para toda a América. O Globo, Rio de Janeiro, 16/07/1940, ed. vespertina, p. 3. Disponível em: <https://glo.bo/2lKyvPo>. Acesso em: 29 dez. 2017.
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). Em entrevista a D’Or - pseudônimo de Ondina Portella Ribeiro Dantas, colunista do Diário de Notícias -, Siqueira afirmou que os estatutos da nova orquestra eram inspirados nos “grandes trusts musicais da América, como a orquestra de Stokowski, a de Chicago e outras mais”, e que os planos abrangiam “tudo quanto se relaciona com a música erudita, inclusive a de empresariar realizações artísticas de reconhecido interesse” (D’OR, 1940dD’OR (Ondina Portella Ribeiro Dantas). Música: construindo um grande monumento para a música nacional. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 13/07/1940d, p. 9. Disponível em: <https://bit.ly/2m8UHmL>. Acesso em: 29 dez. 2017.
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). A OSB foi um resultado indireto da Política da Boa Vizinhança, e mais um indício do crescente fascínio exercido pela sociedade estadunidense no Brasil da época.

Enquanto a imprensa carioca ainda celebrava o impacto da visita de Toscanini, O Jornal apresentava o itinerário de Stokowski e da AAYO pelo continente. A bordo do Uruguay, os músicos partiriam de Nova York no dia 26 de julho, com concertos no Rio de Janeiro (7 e 8 de agosto), em São Paulo (9), Montevidéu (17, 18 e 19) e Buenos Aires (13 e 30), Rosário (25 e 26) e Ciudad Trujillo (13 de setembro), com retorno a Nova York previsto para 17 de setembro. Nas palavras de Stokowski, “durante nossa permanência na América Latina faremos o possível para que nossos jovens músicos possam entrar em contato com a mocidade dos países que visitarmos, por isso que o futuro de todas as Américas está entre as mãos de sua mocidade” (STOKOWSKI…, 1940c). Com a presença da primeira-dama, Darcy Vargas, e de membros da família, além de ministros de Estado e dos embaixadores da Argentina e dos Estados Unidos, as apresentações ganharam inequívoco caráter oficial (PEPPERCORN, 1940PEPPERCORN, Lisa. Brazilian reaction to visitors. New York Times, New York, 03/11/1940.). Os concertos da AAYO foram vistos pela municipalidade como uma oportunidade de difusão da “alta cultura”, a ponto de o prefeito Henrique Dodsworth ordenar que ambos os concertos fossem irradiados pela Rádio Difusora da Municipalidade (PRD-5). O desejo do alcaide não se concretizou. Em nota publicada no dia 9 de agosto, a Secretaria de Educação justificou a não cobertura pela discordância de Stokowski, que alegou razões técnicas - seu desconhecimento da acústica do Municipal e localização específica dos instrumentos na orquestra -, embora seja possível inferir que tal impedimento veio da Columbia, detentora do contrato do regente (PORQUE…, 1940PORQUE não foram irradiados os concertos de Stokowski. O Jornal, Rio de Janeiro, 09/08/1940, p. 5. Disponível em: <https://bit.ly/2lH6xUZ>. Acesso em: 28 dez. 2017.
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).

A crítica musical recebeu com entusiasmo os visitantes e proclamou a grandiosidade das orquestras estadunidenses. Após o primeiro concerto, D’Or (1940e)D’OR (Ondina Portella Ribeiro Dantas). Música: Stokowski e a “All American Youth Orchestra”. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 08/08/1940e, p. 9. Disponível em: <https://bit.ly/2m0YvpV>. Acesso em: 28 dez. 2017.
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celebrou a “sobriedade de gestos” de Stokowski, que “leva os seus músicos aos mais doces e suaves movimentos, como os carrega em verdadeiras ondas de entusiasmo”. E lamentou que a Fantasia Brasileira, de Mignone, tenha sido substituída por L’aprés-midi d’un faune, de Debussy. O atraso na chegada do Uruguay impediu o ensaio da obra do brasileiro, a qual o maestro prometeu executar no Brasil em outra ocasião (D’OR, 1940eD’OR (Ondina Portella Ribeiro Dantas). Música: Stokowski e a “All American Youth Orchestra”. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 08/08/1940e, p. 9. Disponível em: <https://bit.ly/2m0YvpV>. Acesso em: 28 dez. 2017.
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). A primeira noite também teve obras de Brahms, Bach e Wagner. Sobre o segundo concerto, Ayres de Andrade (1940)ANDRADE, Ayres de. Segundo concerto da All American Youth Orchestra. O Jornal, Rio de Janeiro, 09/08/1940, p. 6., d’O Jornal, elogiou “a elegância expressiva” dos gestos de Stokowski e sua capacidade de produzir “momentos verdadeiramente empolgantes”. Tais elogios o levaram a afirmar que, “por si só, Stokowski vale um espetáculo” (ANDRADE, 1940ANDRADE, Ayres de. Segundo concerto da All American Youth Orchestra. O Jornal, Rio de Janeiro, 09/08/1940, p. 6.). O segundo concerto foi tomado por obras dos autores russos Tchaikovsky e Stravinsky, mas o destaque da crítica musical foi para Momoprecoce (1929), obra de Villa-Lobos para piano solo e orquestra. A pianista franco-brasileira Magda Tagliaferro (1893-1986), uma das principais divulgadoras da obra de Villa-Lobos na Europa, foi a solista. A estreia mundial da obra ocorreu em fevereiro de 1930, em Paris, tendo como solista a própria Tagliaferro, a quem a obra foi dedicada (VILLA-LOBOS…, 2010VILLA-LOBOS, sua obra. Rio de Janeiro: Museu Villa-Lobos, 2010. Disponível em: <https://bit.ly/2lAq5KH>. Acesso em: 29 dez. 2017.
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, p. 58-59). Ayres de Andrade escreveu: “é uma obra cheia de fantasia e na qual os episódios poéticos alternam com passagens cuja rítmica diabólica evocam os festejos carnavalescos cariocas, transportados aliás para a música artística com um gosto perfeito” (ANDRADE, 1940ANDRADE, Ayres de. Segundo concerto da All American Youth Orchestra. O Jornal, Rio de Janeiro, 09/08/1940, p. 6.). Embevecida do espírito do pan-americanismo, a colunista D’Or (1940e)D’OR (Ondina Portella Ribeiro Dantas). Música: Stokowski e a “All American Youth Orchestra”. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 08/08/1940e, p. 9. Disponível em: <https://bit.ly/2m0YvpV>. Acesso em: 28 dez. 2017.
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comentou sobre a orquestra: “símbolo de um amanhã grandioso para a música continental, e cuja aurora ele contempla e revela aos países irmãos do Novo Mundo”.

Se a exibição da AAYO para o público do Teatro Municipal causou comoção nos círculos mais afeitos à música clássica, a visita do bom vizinho Stokowski carecia de maior apelo popular. O fato foi registrado por ele próprio, que em mais de uma situação criticou o alto preço dos ingressos, prometendo retornar ao Rio para uma grande apresentação, em local aberto, a preços módicos. O fato foi registrado na coluna de D’Or (1940e)D’OR (Ondina Portella Ribeiro Dantas). Música: Stokowski e a “All American Youth Orchestra”. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 08/08/1940e, p. 9. Disponível em: <https://bit.ly/2m0YvpV>. Acesso em: 28 dez. 2017.
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, que celebrou a notícia de que os visitantes estadunidenses iriam se apresentar no campo do Fluminense (onde também foram promovidas diversas concentrações orfeônicas), nos dias 3 e 4 de setembro, para um público estimado em 20 mil pessoas, com ingressos a partir de 5 mil réis. “É para ele, o povo, que Stokowski vai, agora, realizar concertos no Rio, depois de haver tocado para a plateia encasacada no Teatro Municipal” (D’OR, 1940eD’OR (Ondina Portella Ribeiro Dantas). Música: Stokowski e a “All American Youth Orchestra”. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 08/08/1940e, p. 9. Disponível em: <https://bit.ly/2m0YvpV>. Acesso em: 28 dez. 2017.
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). O modelo musical da orquestra oferecia uma nova perspectiva ao meio musical brasileiro, no olhar da jornalista: Stokowski ajudaria a implantar no Brasil o regime da “música para o povo”, a exemplo do que já ocorreria nos Estados Unidos, “onde essa arte não é, como aqui, um privilégio das elites, mas uma dádiva que generosamente se oferece a todas as camadas sociais”. D’Or lamenta o “jejum do povo” em relação à “boa arte musical”, e deseja que Stokowski lance sobre o Brasil o “espírito democratizador da música” (D’OR, 1940eD’OR (Ondina Portella Ribeiro Dantas). Música: Stokowski e a “All American Youth Orchestra”. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 08/08/1940e, p. 9. Disponível em: <https://bit.ly/2m0YvpV>. Acesso em: 28 dez. 2017.
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). Alex Ross (2008)ROSS, Alex. The rest is noise: listening to the twentieth century. Nova York: Picador, 2008., em sua história da música erudita ocidental no século XX, The rest is noise, analisou a produção estadunidense durante o New Deal, registrando o interesse - do governo, dos músicos e da indústria cultural - de que a considerada “alta cultura” rompesse os limites dos círculos sociais privilegiados, tornando-se comum na vida do cidadão médio por meio do rádio, dos discos e de concertos populares.

As apresentações populares de Stokowski ocorreram durante as comemorações da Semana da Pátria, um calendário de eventos criado pelo Estado Novo em torno do dia da Independência, com fim ufanista. Stokowski assistiu aos desfiles do Dia da Raça (4 de setembro) e, na mesma ocasião, apresentou-se pela segunda vez no campo do Fluminense. No programa dos dois concertos, havia obras de Carlos Gomes, Palestrina, Frescobaldi, Bach e Tchaikovsky, entre outros. Ao contrário dos concertos do Teatro Municipal, que lotaram a casa, o público presente no campo do Fluminense foi modesto, composto por pessoas jovens (provavelmente recrutadas nas escolas da rede municipal). Lisa Peppercorn (1940)PEPPERCORN, Lisa. Stokowski and orchestra in Brazil. New York Times, New York, 01/09/1940. Disponível em: <https://nyti.ms/2EuokCJ>. Acesso em: 10 jan. 2018.
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, correspondente do New York Times no Rio de Janeiro e futuramente uma das principais biógrafas de Villa-Lobos, registrou o “ressentimento” de Stokowski com a baixa adesão do público àquele que, segundo ela, teria sido o primeiro concerto sinfônico ao ar livre do Rio.

A imprensa brasileira, por sua vez, ressaltava o suposto entusiasmo do regente com os eventos patrióticos do Estado Novo. O Globo, fazendo coro ao espírito ufanista da ditadura, citou as palavras de Stokowski de que o desfile havia sido “o mais admirável espetáculo a que assistiu”, e que “por coisa alguma trocaria os momentos de emoção que sentiu ao ver a mocidade brasileira em uma pujante prova de ardor patriótico” (RADIOSA…, 1940RADIOSA encarnação do Brasil de amanhã. O Globo, Rio de Janeiro, 04/09/1940, ed. vespertina, p. 2. Disponível em: <https://glo.bo/2kd20Jy>. Acesso em: 6 jan. 2018.
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). O Diário de Notícias, na mesma linha, afirmou que Stokowski testemunhara a “amostra magnífica de vitalidade e civismo” do Dia da Raça. O maestro acariciou o público local, falando da “predestinada vocação musical” dos brasileiros e sugerindo a criação de uma orquestra jovem nacional nos moldes da AAYO. “Stokowski lançou a ideia que, agora, será vista, apenas, como um sonho irrealizável. Mas ficará, talvez, martelando em alguns cérebros que ainda vicejam, entre nós, como oásis de idealismo e espiritualidade”, afirmou D’Or (1940c)D’OR (Ondina Portella Ribeiro Dantas). Música: a palavra de Stokowski. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 18/09/1940c, p. 9. Disponível em: <https://bit.ly/2kqLs0Q>. Acesso em: 29 dez. 2017.
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, em tom melancólico.

No próprio dia 4, Stokowski e seus jovens músicos embarcaram rumo aos Estados Unidos, após uma bem-sucedida visita a países da América do Sul. Consubstanciou-se, naquele momento, sua lua de mel com a imprensa. Regente moderno e envolvido com o ideal de democratização da música erudita, ele era a face desejável do pan-americanismo, ao visitar um país que almejava o reconhecimento como uma nação moderna e culta, nos moldes ocidentais. As controvérsias em torno da figura de Stokowski ocorreriam por conta de seu projeto de registrar música popular (“typical music”), que praticamente dividiu a imprensa brasileira. Villa-Lobos, como veremos a seguir, foi um dos pivôs de uma discórdia continental.

“Música do morro para Stokowski ouvir”

Como já foi adiantado, o projeto de gravação de música “típica” do Brasil no convés do Uruguay ocorreu por meio de uma troca de cartas entre Villa-Lobos e Stokowski. Entre as garantias que o brasileiro solicitou ao amigo, em carta datada de 16 de julho de 1940, constavam o envio ao Brasil do material original da gravação, além da quantia de 500 dólares - 8 contos e 330 mil réis, no câmbio de 1940, ou o equivalente a quase 35 salários mínimos (VILLA-LOBOS, 1940VILLA-LOBOS, Heitor. [Correspondência]. Destinatário: Leopold Stokowski. Rio de Janeiro, 16 jul. 1940. 1 carta. Rio de Janeiro: Museu Villa-Lobos. Correspondência, cód. FE 1452-7.).11 11 Para o câmbio da época, ver: Holloway (1984, p. 268). Sobre o salário mínimo, ver: <www.rhcontabil.cnt.br/slariominimo.pdf>. Em resposta a Villa-Lobos, no dia 20, o britânico especificou o que gostaria de gravar: “música brasileira de origem africana” e “música dos índios brasileiros desde o século XVI até os dias de hoje” (STOKOWSKI, 1940aSTOKOWSKI, Leopold. [Carta da All-American Youth Orchestra]. Destinatário: Heitor Villa-Lobos. Nova York, 20 jul. 1940a. 1 carta. Rio de Janeiro: Museu Villa-Lobos. Col. Correspondência, cód. MVL 2008-17A-0063., tradução nossa).12 12 No documento original: “Brazilian Music of African origins” e “music of Brazilian Indians from the 16th century down to the present day”. Sobre a música de origem africana, Stokowski listou, em português, os tópicos de seu interesse:

Canticos de escolas de samba

Canticos de macumba

Canticos de batucudas [sic]

Canticos de embolados [sic]. (STOKOWSKI, 1940aSTOKOWSKI, Leopold. [Carta da All-American Youth Orchestra]. Destinatário: Heitor Villa-Lobos. Nova York, 20 jul. 1940a. 1 carta. Rio de Janeiro: Museu Villa-Lobos. Col. Correspondência, cód. MVL 2008-17A-0063.)

Segundo Stokowski, a gravação de “música brasileira de origem africana” foi uma recomendação do embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Jefferson Caffery,13 13 Jefferson Caffery (1886-1974) foi embaixador dos Estados Unidos no Brasil entre 1937 e 1945. Até 1942, Caffery teve a difícil missão de coordenar a representação diplomática de um país com o qual Vargas mantinha uma relação intensamente dúbia, a qual alguns analistas chamam de “equidistância pragmática” - postura pela qual o ditador buscou vantagens da Alemanha e dos Estados Unidos, duas potências em conflito. A partir de 1942, com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, Caffery e Vargas se tornariam próximos. Por sua posição política e geográfica privilegiada, Caffery foi um dos principais promotores do projeto de hegemonia estadunidense no Brasil (CAFFERY…, c2009). em carta ao maestro. Ainda de acordo com Stokowski, o embaixador recomendou para a gravação o orçamento de 100 dólares, apenas um quinto do valor solicitado por Villa-Lobos, “e ficaremos gratos em pagar” (“and we shall be glad to pay that”) (STOKOWSKI, 1940aSTOKOWSKI, Leopold. [Carta da All-American Youth Orchestra]. Destinatário: Heitor Villa-Lobos. Nova York, 20 jul. 1940a. 1 carta. Rio de Janeiro: Museu Villa-Lobos. Col. Correspondência, cód. MVL 2008-17A-0063.). Seria o equivalente a 1 conto e 666 mil réis - menos de sete salários mínimos -, uma bagatela diante do grande número de músicos (trinta ou mais) convocados para a gravação, o que torna a frase de Stokowski um tanto oca. A participação do embaixador Caffery nas negociações demonstra, mais uma vez, o óbvio caráter político/diplomático dos eventos musicais da Política da Boa Vizinhança, ainda que produzidos por instituições privadas.

Figura 1
A noite de gravação no convés do Uruguay foi a manchete principal do jornal – A Noite – em 7 de agosto de 1940

Apesar de insatisfeito com o valor estipulado (conforme veremos mais adiante), Villa-Lobos prosseguiu com a produção e arregimentou três representantes da nata da música popular produzida no Rio de Janeiro: Donga, Cartola e Zé Espinguela. “Na qualidade de encarregado de convocar e organizar os elementos para tomarem parte nas gravações do Exmo. Snr. Maestro Leopoldo Stokowski”, escreve no dia 29 de julho o célebre Donga (SANTOS, 1940SANTOS, Ernesto dos. [Carta de Donga]. Destinatário: Heitor Villa-Lobos. Rio de Janeiro, 29 jul. 1940. Rio de Janeiro: Museu Villa-Lobos. MVL, Col. Correspondência, cód. FE 1558.), coautor do famoso samba “Pelo telefone”, solicitando um adiantamento para as despesas referentes à produção. A carta endereçada a Villa-Lobos estipulava o valor total de 1 conto e 700 mil réis, valor praticamente idêntico à cotação de 100 dólares na época, o que nos permite supor a anuência de Villa-Lobos, de Donga e dos demais músicos em torno do orçamento imposto por Stokowski. A carta especifica a distribuição da quantia conforme Tabela 1:

Tabela 1
Distribuição da valor a ser gasto com a gravação

A capital federal aos poucos se preparava para a chegada dos visitantes estadunidenses. “Stokowski filmará no Brasil!”, anunciava, erroneamente, uma matéria d’O Globo de 5 de agosto de 1940, que completou: “O famoso regente traz possantes e modernos aparelhos para fixar na tela a alma popular do país. Sambas, emboladas, batucadas e música artística, documentos para um intercâmbio permanente com as Américas”.14 14 O Globo, Rio de Janeiro, 05/08/1940, s.p. [recorte]. MVL, L11-058H. A filmagem é algo que jamais foi explicitado nas cartas de Stokowski a Villa-Lobos, o que sugere que a notícia falsa foi uma licença poética do compositor - ou da própria imprensa.

As gravações transcorreram durante toda a madrugada de 6 para 7 de agosto, horas após a atracação do S.S.Uruguay, o mesmo que um ano antes havia levado Carmen Miranda e o Bando da Lua para Nova York. O convés do navio, frequentado por Stokowski, dirigentes da NBC/RCA e jovens instrumentistas dos Estados Unidos, foi tomado por dezenas de músicos do Rio, alguns deles em traje de carnaval, pois se acreditava que haveria filmagem. Entre os muitos presentes, o jornal A Noite citou Pixinguinha, Jararaca, Luiz Americano, Augusto Calheiros, Donga, Zé Espinguela, Mauro Cesar, João da Baiana, Janyr Martins, membros da Estação Primeira de Mangueira e o compositor David Nasser.15 15 A Noite, Rio de Janeiro, 06/08/1940, s.p. [recorte]. MVL, L11-061D. Os relatos contraditórios sobre aquela noite apontam mais de cem gravações ao todo, ao som de samba, macumba, candomblé, maracatu, frevo e embolada. Pixinguinha teria impressionado os presentes ao tocar o “Urubu malandro”, de sua autoria. O Orfeão de Professores do Distrito Federal entoou cantos indígenas, conforme a instrução de Stokowski. “Pela manhã, o homem do ‘controle’ podia contar mais de uma centena de gravações”, afirmou o jornal A Noite. “Aquilo é o trabalho de uma noite e é, também, a música brasileira, na sua expressão mais típica, que vai para os outros países do Continente e servirá à política pan-americana de aproximação dos povos deste hemisfério”.16 16 A Noite, Rio de Janeiro, 06/08/1940, s.p. [recorte]. MVL, L11-061D.

O Diário da Noite cobriu a gravação como uma conquista do nacionalismo musical:

Viajando pelas Américas, [Stokowski] tem a missão infinitamente espiritual de colher sons. Músicas nativas de cada país. Sem estrangeirismos. A alma, enfim, de cada nação no compasso expressivo e emocional da sua música. Ao fim de sua excursão terá ele, numa caixa, uma síntese do momento artístico das Américas, com o qual pretende, no futuro, com esses elementos documentados, organizar um conclave inédito, que se intitulará: Congresso Folclórico Pan-americano. (MÚSICA…, 1940MÚSICA do morro para Stokowski ouvir. Diário da Noite, Rio de Janeiro, 08/08/1940, p. 1. Rio de Janeiro: Museu Villa-Lobos. L11-061I, recorte.)

Embora ufanista, a matéria, intitulada “Música do morro para Stokowski ouvir”, não escondeu o espanto preconceituoso diante dos populares que ora ocupavam um salão destinado a viajantes ilustres e bem-nascidos:

Ontem à noite, a gente simples do morro esteve a bordo do luxuoso transatlântico Uruguai, atracado no armazém 1 do cais do porto. Veio vestida a caráter. As saias bizarras e espalhafatosas das baianas da Escola de Samba, invadindo os ‘decks’ e roçando os tapetes custosos, num ambiente muito iluminado por lustros aristocráticos, deu ao salão de festas do Uruguay uma tonalidade extremamente sugestiva. (MÚSICA…, 1940MÚSICA do morro para Stokowski ouvir. Diário da Noite, Rio de Janeiro, 08/08/1940, p. 1. Rio de Janeiro: Museu Villa-Lobos. L11-061I, recorte.)

Pouco restou de relatos oferecidos pelos “populares” presentes no S.S. Uruguay. Em estudo de 2002, a pesquisadora Daniela Thompson citou as memórias de Dona Neuma (1922-2000), filha de um dos fundadores da Mangueira, Saturnino Gonçalves, que futuramente seria considerada uma das grandes damas do samba, em depoimento concedido em 1981 ao cineasta Roberto Moura:

Era um navio bonito. (…) Era um salão bonito, tinha um palco, nós cantamos num palco, ele regendo. Ele regia a nós, tinha uma orquestra e a bateria nossa. (…) Ele [Villa-Lobos] regia a orquestra, depois veio e regeu a bateria e a gente. Nós já sabíamos porque o maestro Villa-Lobos ensinou os gestos da mão, como ia, se fosse levantando, se fosse levantar, todos os gestos nós sabíamos, ensinados pelo maestro Villa-Lobos. Ele ensinava aqui, na escola, em todo lugar, porque o maestro que nós conhecíamos naquela época foi o Villa-Lobos, foi ele. Ele vinha aqui no morro muito, porque ele era amigão do Cartola. (THOMPSON, 2005THOMPSON, Daniela. Stokowski caçado. Musica Brasiliensis, [s. l.], 2005. Disponível em: <https://bit.ly/2k7uUe0>. Acesso em: 29 dez. 2017.
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)

Dois meses após a gravação, manteve-se a negociação entre Villa-Lobos a respeito dos cachês dos músicos e de uma possível turnê dos participantes de Native Brazilian Music nos Estados Unidos. Apesar de Stokowski ter assinado as cartas anteriores à gravação, agora tal tarefa foi terceirizada a Michael Myerberg, um dos produtores da Columbia e homem de confiança do regente. Como só tive acesso às cartas recebidas por Villa-Lobos, é possível entrever esta situação: o brasileiro solicitara cópias da gravação, ao que Myerberg (1940a, tradução nossa)MYERBERG, Michael. [Carta da All-American Youth Orchestra]. Destinatário: Heitor Villa-Lobos. Nova York, 18 out. 1940a. 1 carta. Rio de Janeiro: Museu Villa-Lobos. Col. Correspondência, cód. MVL 2008-17A-0064. respondeu que a escolha das faixas estava em processo e que “tão logo tenhamos decidido definitivamente sobre a seleção, eu lhe enviarei cópias assinadas do termo de concordância dos autores”.17 17 Tradução livre do original: “and as soon as we have definitely decided on the selections, I will send you signed copies of the author’s agreement”. Sobre a possível turnê dos músicos, Myerberg (1940a)MYERBERG, Michael. [Carta da All-American Youth Orchestra]. Destinatário: Heitor Villa-Lobos. Nova York, 18 out. 1940a. 1 carta. Rio de Janeiro: Museu Villa-Lobos. Col. Correspondência, cód. MVL 2008-17A-0064. afirmou que o cachê sugerido por Villa-Lobos era proibitivo, representando um entrave para as negociações.

Em carta de janeiro de 1941, a boa vizinhança já ganhava ares de mexerico. O produtor fala em “aparente mal-entendido” entre os dois, e reafirma que não havia, por parte da Columbia, o desejo de renegociar os cachês pagos aos músicos. E relata, pela segunda vez, um erro ocorrido na noite da gravação, em que os autores das obras selecionadas haviam assinado erroneamente o formulário referente aos artistas, o que deve ter embaraçado o pagamento de direitos autorais e reduzido o cachê de alguns dos envolvidos. O erro seria corrigido por meio do envio de novos formulários, a serem assinados pelos autores e devolvidos à Columbia, mas os músicos não receberiam nenhum centavo a mais. Por fim, Myerberg afirma que o montante exigido por Villa-Lobos para a turnê dos músicos - 2.140 dólares por semana - impossibilitaria a empreitada: “Estou realizando duros esforços para isso, mas sinto que será muito difícil e o aviso assim que possível” (MYERBERG, 1940bMYERBERG, Michael. [Carta da All-American Youth Orchestra]. Destinatário: Heitor Villa-Lobos. Nova York, 21 jan. 1941b. 1 carta. Rio de Janeiro: Museu Villa-Lobos. Col. Correspondência, cód. MVL 2008-17A-0066., tradução nossa).18 18 Tradução livre do Original: “I am making strenuous efforts in order to accomplish this, although I feel it will very difficult and I will advise you at the earliest possible moment”. Os contratos foram enviados por via aérea no dia 25 (MYERBERG, 1940cMYERBERG, Michael. [Carta da All-American Youth Orchestra]. Destinatário: Heitor Villa-Lobos. Nova York, 25 jan. 1941c. 1 carta. Rio de Janeiro: Museu Villa-Lobos. Col. Correspondência, MVL 2008-17A-0067.), com o pretexto de permitir aos autores o recebimento de royalties por parte da Columbia Recording Corporation - segundo os próprios músicos, isso jamais aconteceu, como veremos a seguir.

A atmosfera de celebrações em torno do “popular”, que teve ecos na imprensa, não rendeu aos músicos o merecido reconhecimento. Em 1942, a Columbia Records lançou em disco as gravações feitas por Stokowski a bordo do S.S. Uruguay, com o título Native Brazilian Music. Das gravações, apenas dezessete ganharam registro em disco - em dois álbuns, cada um contendo quatro discos 78 rpm. As notas da contracapa celebravam, em meio ao espírito do pan-americanismo, as gravações do “autêntico” e do “nativo”:

Aqui neste álbum da Columbia Records você tem a música autêntica do Brasil… tocada primorosamente por músicos nativos… selecionada e gravada sob a supervisão pessoal de Leopold Stokowski. Estas gravações significativas foram feitas durante a turnê do Maestro Stokowski pela América do Sul com a All-American Orchestra. Nas várias paradas da turnê, Dr. Stokowski ouviu a música nativa popular e folclórica do modo como é interpretada pelos músicos de nossos estados Bons Vizinhos. Para a gravação ele escolheu o que achava ser melhor e o mais típico. (THOMPSON, 2005THOMPSON, Daniela. Stokowski caçado. Musica Brasiliensis, [s. l.], 2005. Disponível em: <https://bit.ly/2k7uUe0>. Acesso em: 29 dez. 2017.
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)

Thompson (2005)THOMPSON, Daniela. Stokowski caçado. Musica Brasiliensis, [s. l.], 2005. Disponível em: <https://bit.ly/2k7uUe0>. Acesso em: 29 dez. 2017.
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observa que “as condições de gravação do salão cheio estavam longe do ideal”, como se pode constatar ao ouvir os álbuns lançados pela Columbia. “O engenheiro de som era americano - bastante alheio à música e instrumentos afro-brasileiros - e tinha de dar um jeito de gravar pelo menos quarenta números em uma sessão”. Isso era um dos sinais, segundo a autora, de que os Estados Unidos “não estava[m] dando muita importância à música”. Ainda segundo a pesquisadora:

A maioria dos músicos morreu sem nunca ter ouvido as gravações. Poucos foram pagos por elas. Cartola recebeu uns míseros 1.500 réis, o suficiente para comprar três maços de cigarro baratos, um ano e meio depois das gravações. Em uma entrevista dada a Sérgio Cabral em 1974, Cartola disse que finalmente ouviu “Quem Me Vê Sorrir” - sua primeira gravação cantando - na casa de Lúcio Rangel uns bons vinte anos depois das sessões no Uruguay. Dois outros participantes da mesma gravação, Aluísio Dias (1911-1991) e Dona Neuma Gonçalves Silva, tiveram de esperar até 1980 para ouvi-la em fita. Em 1940, [Dona Neuma] tinha 18 anos e foi uma das pastoras que forneceram o acompanhamento vocal eletrizante em “Quem Me Vê Sorrir”. (THOMPSON, 2005THOMPSON, Daniela. Stokowski caçado. Musica Brasiliensis, [s. l.], 2005. Disponível em: <https://bit.ly/2k7uUe0>. Acesso em: 29 dez. 2017.
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)

Em 1987, no centenário de nascimento de Villa-Lobos, o Museu Villa-Lobos lançou em LP todas as faixas de Native Brazilian Music, em gravação feita a partir de discos 78 rpm doados pelo colecionador e musicólogo Flávio Silva. No ano seguinte, a Columbia foi adquirida pela Sony Music Entertainment. As matrizes originais jamais retornaram ao Brasil, e não se sabe de seu paradeiro, se é que ainda existem. Em 2012, por ocasião dos 70 anos do lançamento de Native Brazilian Music, a edição brasileira da revista Rolling Stone publicou a reportagem “O Tio Sam extraviou a nossa batucada”, que registra a busca persistente de Daniella Thompson pelas matrizes do disco e o silêncio da holding proprietária, além dos esforços da embaixada do Brasil nos Estados Unidos e do Museu Villa-Lobos em recuperá-los (BASTOS, 2012BASTOS, Cristiano. O tio Sam extraviou a nossa batucada. Rolling Stone, São Paulo, n. 74, 26/11/2012. Disponível em: <https://bit.ly/2k4bu9M>. Acesso em: 8 jan. 2018.
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). Novamente, não houve resposta. Sete décadas depois, os ruídos da boa vizinhança deram lugar a um silêncio comprometedor.

Lado B

Como tantas vezes ocorreu na vida cultural da ditadura de Vargas, a visita do músico-missionário Stokowski gerou uma discussão acalorada na grande imprensa, contrapondo apoiadores do samba e seus detratores. O olhar estrangeiro parecia despertar em parcelas da sociedade uma incômoda ansiedade em torno dos dilemas da brasilidade e da imagem do país no exterior. O episódio também explicitou preconceitos sociais e raciais camuflados pelo culto ao nacional-popular promovido pelo Estado Novo. A cruzada contra a “música do morro” - e contra seus personagens criadores - era tema frequente nos jornais de maior circulação, pari passu aos esforços oficiais de construção do samba como gênero-síntese da identidade nacional.

Para alguns, a gravação no convés do Uruguay era um atestado da maioridade do samba e de sua legitimidade como emblema da nação. É o caso de Jorge Maia, do jornal A Noite, para quem “o samba - esse filho enjeitado da música nacional - encontrou um bom tutor, disposto a cuidar do seu futuro, a seguir seus passos, ensinando-o senão a caminhar, (…) pelo menos a se portar convenientemente diante de visitas de cerimônia…” (MAIA, 1940MAIA, Jorge. Crônica da cidade. A Noite, Rio de Janeiro, 11/08/1940, p. 3. Disponível em: <https://bit.ly/2k8zKHY>. Acesso em: 28 dez. 2017.
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). Para o cronista, “o maestro Leopoldo Stokowski descobriu o samba!” (MAIA, 1940MAIA, Jorge. Crônica da cidade. A Noite, Rio de Janeiro, 11/08/1940, p. 3. Disponível em: <https://bit.ly/2k8zKHY>. Acesso em: 28 dez. 2017.
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). Tomado de um ímpeto narcísico que atribuía ao sucesso do samba pelo olhar estrangeiro um atestado de redenção nacional, Jorge Maia afirmou:

Estamos vendo daqui a fisionomia carrancuda e severa daqueles que maldiziam a música popular. De hoje em diante, estão condenados ao mais tristonho dos silêncios: daquele dos homens sem direito a manifestar a sua opinião, porque ela se choca com a afirmativa de uma inteligência superior. Os seus inimigos devem amargar, neste momento, o peso da derrota, porque as suas palavras foram levadas para longe, diante das afirmativas do mestre. (…) E se outras emoções não guardou o grande regente, ao menos teve o prazer de conhecer pessoalmente S. M. o Samba, que lhe foi apresentado sem os protocolos de estilo, democraticamente vestido de camisa de malandro, empunhando uma cuíca e um tamborim….(MAIA, 1940MAIA, Jorge. Crônica da cidade. A Noite, Rio de Janeiro, 11/08/1940, p. 3. Disponível em: <https://bit.ly/2k8zKHY>. Acesso em: 28 dez. 2017.
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)

Mas o tom predominante nos grandes diários cariocas era a crítica à seleção de músicas para o Native Brazilian Music. O Jornal do Brasil, por exemplo, ressentia-se da existência de instituições devotadas à propagação da “boa música”, como a recém-criada OSB, que “redimirá o nosso país do juízo errôneo (em grande parte devido a nós mesmos), de que só gostamos e só aplaudimos a música bárbara, o africanismo estilizado ou não dos batuques do cateretê, do maracatu e de outras modalidades de música popular” (SILVEIRA, 1940SILVEIRA, Porto da. Músicos brasileiros. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 18/08/1940, p. 5. Rio de Janeiro: Museu Villa-Lobos, L09-010I, recorte. Disponível em: <https://bit.ly/2kDfMFh>. Acesso em: 9 set. 2019.
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). O Cine Rádio-Jornal, por sua vez, talvez tenha sido o único a apontar o suposto “apadrinhamento” de Villa-Lobos na escolha dos músicos do Native Brazilian Music: “Basta dizer que os melhores compositores populares que possuímos nem tiveram conhecimento do desejo do maestro estrangeiro! Tudo foi feito no escuro”, teria dito ao jornal um músico que participou das gravações daquela madrugada. Segundo ele, a pretensão de Stokowski não fora devidamente divulgada: “Se eu publicasse qualquer coisa nesse sentido, forçosamente seria prejudicado pela concorrência e ficaria sem gravar os oito números que gravei”.19 19 Cine Rádio-Jornal, Rio de Janeiro, 12/09/1940, s.p., recorte. MVL, L09-011G. De fato, não houve um chamamento público na imprensa - a seleção de músicos coube especialmente a Donga e Zé Espinguela, a quem Villa-Lobos delegou a tarefa.

Passados mais de dois meses da visita de Stokowski, a modorrenta discussão em torno da escolha dos músicos participantes da gravação havia dado lugar a uma das principais polêmicas culturais de 1940. Na edição de 30 de setembro, a revista Time, semanário de maior circulação nos Estados Unidos, publicou um artigo sobre a recente turnê de Stokowski pela América Latina. A publicação, em tom claramente descontraído e jocoso, afirma - sem atribuir ao regente tal declaração - que, entre as supostas 300 gravações produzidas na América do Sul, ele teria recolhido canções executadas por feiticeiros indígenas (“Indian witch doctors”). A pedido do regente, segundo a revista, 150 índios totalmente nus (“mother-naked”) teriam ido de ônibus até a região portuária do Rio. Ainda em tom de galhofa, a revista afirma: “seguiu-se uma discussão animada sobre se os instrumentos [da orquestra] eram roupas suficientes. A resposta foi não. Então, os membros da Youth Orquestra usaram algumas peças de roupa” (RETURN…, 1940RETURN in triumph. Time, Nova York, 30/09/1940, p. 72. Disponível em: <https://bit.ly/2k434PH>. Acesso em: 10 maio 2018.
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, tradução nossa).20 20 No original: “Maestro Stokowski brought home 300 records which he made of South American music, among them some tunes played by Indian witch doctors. At Stokowski’s request, 150 Indians were taken to Rio de Janeiro by busses, from which they emerged mother-naked. Ensued a lively discussion about whether their instruments were clothing enough. The answer was no. So Youth Orchestra members rustled up some garments”.

O tom irreverente da revista Time, retirado de seu devido contexto, mexeu com o brio de boa parte da imprensa carioca. Obviamente, a notícia dos índios nus era inverídica. Se havia um lugar no Rio que não escaparia ao escrutínio da imprensa, naquela noite de agosto de 1940, era a Praça Mauá, onde vários jornalistas acompanhavam deslumbrados a “descoberta” da música popular pelo regente estrangeiro. E, convenhamos, a presença de índios nus, em meio à selva de pedra do centro da capital federal, teria chamado a atenção de qualquer um dos presentes. Os cantos ameríndios registrados no disco - “Teiru”, “Canidé Ioune” e “Nozani-Ná”, ambientados na obra de Villa-Lobos - foram entoados por quatro professores do Orfeão Villa-Lobos. O que mais poderia ter se aproximado da figura de “índios nus” foram os adereços utilizados por membros da Mangueira, que, devido à falsa notícia de que seriam filmados pela equipe de Stokowski, foram para o Uruguay devidamente paramentados (estariam eles fantasiados de índios?).

Se a liberdade poética foi criada por Stokowski ou (mais provavelmente) pela Time, não se sabe. O fato é que, na microeconomia simbólica da boa vizinhança, tal afirmação ajudou a azedar a relação entre os vizinhos, num momento em que as elites políticas brasileiras se dividiam entre o flerte com o nazi-fascismo e a adesão ao pan-americanismo de Roosevelt, com tendência majoritária para o primeiro caso. A matéria reforçava certos estereótipos dos estadunidenses sobre o Brasil - um país que se resumia a uma bela cidade cercada de selva -, apesar dos esforços oficiais de aproximação cultural.

Seduzida pela intenção de produzir no exterior a imagem de um Brasil erudito e “civilizado”, a imprensa brasileira repercutiu de modo muito peculiar o artigo da Time. Os principais diários cariocas, com efeito, reagiram de forma histérica. O Diário de Notícias de 23 de outubro destinou não menos do que o canto superior esquerdo da capa - a parte mais visível do jornal - ao caso, com o artigo “Pajés em pelo cantando sambinhas”, de Ricardo Pinto (1940)PINTO, Ricardo. Pajés em pelo cantando sambinhas. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 23/10/1940, p. 1. Disponível em: <https://bit.ly/2kmN9wg>. Acesso em: 28 dez. 2017.
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. Na impossibilidade de uma oposição franca à ditadura de Vargas, o Diário de Notícias criava pirraça a cada deslize oficial, e deu ampla repercussão às declarações de Stokowski. O próprio articulista admite que a matéria da Time é implausível, mas usa o caso para destilar sua tradicional orientação hidrófoba. “O maestro Villa-Lobos mobilizou a negrada dos morros, emérita na batucada desaparafusada, para oferecer ao regente de passagem uma audição de música nacional” (Pinto, 1940PINTO, Ricardo. Pajés em pelo cantando sambinhas. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 23/10/1940, p. 1. Disponível em: <https://bit.ly/2kmN9wg>. Acesso em: 28 dez. 2017.
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), reclama o jornal. “Ora, sempre que ouço falar nessas audições para estrangeiros ilustres, fico logo verde e amarelamente arrepiado” (Pinto, 1940PINTO, Ricardo. Pajés em pelo cantando sambinhas. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 23/10/1940, p. 1. Disponível em: <https://bit.ly/2kmN9wg>. Acesso em: 28 dez. 2017.
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). Segue o festival de impropérios do articulista, que responsabiliza Villa-Lobos, representante da ditadura à qual o jornal se opunha, pelo ocorrido:

A culpa cabe, inteirinha, ao sr. Villa-Lobos, é claro. Foi o organizador de tal audição. É provável, de resto, que tenha mandado vir de ônibus os macumbeiros de Nilópolis e adjacências, gente que não anda nua, contudo. Ao contrário: é gente, em geral, do trabalho, que se entrega, à noite, ao culto de Ogum, santo camarada, por sinal. (…) O culpado, repito, é o sr. Villa-Lobos, que faz questão de impingir a harmonia bárbara da senzala aos estrangeiros ilustres que nos visitam. Não é difícil de reconstituir mentalmente o espetáculo terrível que ofereceu ao célebre chefe da AAYO, uma noite, a bordo de luxuoso transatlântico. Os maestros de beira de calçada foram convocados. A cafajestada dos morros desceu toda, com as suas cuícas e pandeiros. Veio igualmente a turma da macumba (…). Nessa noite a temperatura não estava muito amena, lembro-me bem. Houve cervejadas copiosas, naturalmente. A transpiração foi proporcionalmente abundante, então. (PINTO, 1940PINTO, Ricardo. Pajés em pelo cantando sambinhas. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 23/10/1940, p. 1. Disponível em: <https://bit.ly/2kmN9wg>. Acesso em: 28 dez. 2017.
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)

D’Or, do mesmo Diário de Notícias, ajudou a engrossar o coro. Ela defende que se divulgue a “boa música” brasileira, isto é, a música erudita produzida no Brasil, e que fosse de preferência muito europeia em sua expressão, sem alusões às musicalidades afro-brasileiras ou indígenas. A polêmica em torno de Stokowski serviu como uma luva para a campanha de D’Or contra o samba, para quem dois episódios recentes - o sucesso de Carmen Miranda nos Estados Unidos e a gravação do disco Native Brazilian Music teriam ajudado a incutir na comunidade internacional “a convicção de que somos um povo sem cultura, uma nação de negros e de selvagens” (D’OR, 1940fD’OR (Ondina Portella Ribeiro Dantas). Música: Toscanini e a sua orquestra. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 12/07/1940f, p. 9. Disponível em: <https://bit.ly/2m6TT1I>. Acesso em: 29 dez. 2017.
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). A autora diferencia as finalidades de se promover Carmen Miranda e o “verdadeiro folclore” brasileiro, de violões e cavaquinhos, e não de cuícas e tamborins (D’OR, 1940gD’OR (Ondina Portella Ribeiro Dantas). Propaganda. Diário de Notícias, Rio de janeiro, 24/10/1940g, p. 9. Rio de Janeiro: Museu Villa-Lobos. L09-029A.). A mesma obsessão por música europeizada está presente em outro artigo, de 29 de novembro, no qual a autora questiona Villa-Lobos por ter apresentado os músicos estrangeiros ao universo das favelas cariocas - o próprio Stokowski, além dos estadunidenses Aaron Copland e Carleton Sprague Smith -, e defende aquele que seria o “legítimo” nacionalismo musical:

[A música nacionalista] tem de surgir num colorido furta-cor de sentimentos raciais, já que não descendemos só de índios e escravos, mas de portugueses, de espanhóis, de holandeses, de italianos, como em São Paulo; de alemães, como em Santa Catarina e no Paraná, apresentando a nossa cultura um reflexo muito vivo da cultura francesa, predominando, como ela sempre tem predominado, na formação do nosso espírito e do nosso intelecto. (…) Música brasileira é a que nasce no Brasil. (D’OR, 1940aD’OR (Ondina Portella Ribeiro Dantas). Música nacionalista. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 29/11/1940a, p. 9. Rio de Janeiro: Museu Villa-Lobos. L09-032B.)

O jornal A Noite, entusiasta da carreira de Carmen Miranda nos Estados Unidos e mais voltado para a cultura popular, critica a revista Time por sua “sistemática má vontade para com o nosso país e as suas coisas, deturpando, sempre que pode, a realidade brasileira, com o intuito de deprimir-nos” (OS “FEITICEIROS…, 1940OS “FEITICEIROS índios” de Stokowski. A Noite, Rio de Janeiro, 25/10/1940, p. 7. Disponível em: <https://bit.ly/2lG3HiW>. Acesso em: 9 set. 2019.
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). A Noite trata o caso como um quase crime de lesa-pátria, e maneja velhos estereótipos antiamericanos: “O que vale é que a revista Time não representa a opinião americana, mas apenas o ‘snobismo’ yankee, o grã-finismo balofo de certos turistas que, quando vêm ao Brasil, perguntam do fundo da sua cultura de miolo de abóbora onde estão as cobras e os índios do Rio de Janeiro” (OS “FEITICEIROS…, 1940OS “FEITICEIROS índios” de Stokowski. A Noite, Rio de Janeiro, 25/10/1940, p. 7. Disponível em: <https://bit.ly/2lG3HiW>. Acesso em: 9 set. 2019.
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). Para a Gazeta de Notícias, a solução para esse tipo de discussão era algo mais prosaico: publicações estrangeiras, antes de se referirem ao Brasil, deveriam passar por primárias lições de geografia (LIÇÕES..., 1940). Na mesma toada, O Globo põe panos quentes na história. “Confundiram ‘terreiro’ com floresta virgem: os ‘índios’ que teriam cantado para Stokowski eram apenas ‘gente do morro’, decentemente vestida” - eis o título da matéria. O jornal solicitou à Associated Press uma resposta da AAYO sobre as declarações de Stokowski. Myerberg, o produtor da orquestra, disse que Stokowski nunca fizera tais declarações:

Estávamos gravando música popular brasileira, e precisávamos gravar a chamada “música de macumba”. Alugamos alguns ônibus e mandamos buscar cerca de 50 músicos cantores macumbeiros, os quais vieram dos arredores do Rio de Janeiro naqueles ônibus. Como alguns deles não dispunham de roupas adequadas para virem até o centro da cidade, nós lhe fornecemos essas roupas. Todos eles chegaram nos ônibus decentemente vestidos. (CONFUNDIRAM…, 1940CONFUNDIRAM “terreiro com floresta virgem. O Globo, Rio de Janeiro, 29 out. 1940, p. 2. Rio de Janeiro: Museu Villa-Lobos. L09-029E, recorte.)

O produtor lamentou a veiculação da falsa notícia e acrescentou que estavam muito adiantadas as negociações para uma turnê dos músicos de Native Brazilian Music nos Estados Unidos - algo que, como vimos, nunca se concretizou.

No Cine Rádio Jornal, o articulista Djalma Maciel questiona por que a ideia da presença de “índios nus” em plena Avenida Rio Branco criou tamanha repulsa na imprensa e por que, afinal de contas, é tão ruim “pensar o Brasil como uma terra de índios”. Afinal, um país de 50 milhões de habitantes deveria se deixar afetar pela opinião de um maestro, “registrada em letra de forma por um escriba qualquer?”. O episódio, para Maciel, dá mostras da “fraqueza patriótica” e da suposta falta de consciência da força do Brasil. Ao fim, numa espécie de recalque, chama Stokowski de “grande mentiroso e medíocre compositor” (LIÇÃO..., 1940LIÇÃO de geografia. Cine Rádio Jornal, Rio de Janeiro, 31/10/1940, s.p. [recorte]. MVL, L09-031C.).

Mas é do jornalista Osório Borba a melhor síntese das discussões engendradas na imprensa. O título de seu artigo em O Jornal - “Narciso desconfiado” -, de 10 de novembro, já diz muito: o Brasil de Vargas era demasiadamente suscetível ao olhar estrangeiro. O caso Stokowski teria servido para evidenciar o papel da música na construção de uma identidade nacional brasileira, uma ideia que, se hoje parece cristalizada, foi fruto de intensos embates ao longo do século XX, ganhando nas décadas de 1930 e 40 a máxima intensidade. Segundo Osório,

não há certamente nenhum povo na terra que viva tão atento quanto o nosso ao que dele se diz no exterior. Vivemos de orelha em pé à escuta do que possa falar de nós o forasteiro; de olho vivo catando o nome do Brasil na imprensa de outros países, nos livros e revistas da Europa e de todo o mundo, com o coração alerta para um reconhecimento, de qualquer modo desconfiado, aos elogios (não será ironia?) e um resmungo ou um palavrão patriótico na ponta da língua para qualquer erro de fato, ou incompreensão ou ignorância do estrangeiro. (BORBA, 1940BORBA, Osório. Narciso desconfiado. O Jornal, Rio de Janeiro, 10/11/1940. Rio de Janeiro: Museu Villa-Lobos. L09-034E, p. 1, recorte.)

A sensibilidade da imprensa ao olhar estrangeiro seria um “traço da psicologia brasileira”, e nada mais parecia irritá-la tanto do que a obsessão pelo “exótico”, por traços sociais que escapavam aos trâmites da modernidade ocidental. Nesse sentido, as culturas indígenas e afro-brasileiras eram algo que a imprensa gostaria que o mundo visse em sua forma “universalizada”, como material de um poema sinfônico de Villa-Lobos ou nas tintas de Di Cavalcanti. Elas deveriam estar sublimadas de seus aspectos ditos primitivos ou selvagens, devidamente fundidas com a cultura europeia. O ideário da miscigenação - defende Borba, não exatamente com estas palavras - era uma forma de recalcar a contribuição desses grupos para a constituição de uma suposta unidade cultural brasileira: “A obsessão do índio e do negro é a maior tortura dos patriotas hipersensíveis. (…) E chegamos a querer esconder ao mundo a contribuição do indígena e do africano em nossa formação racial, como se fôssemos o único povo de miscigenação do mundo” (BORBA, 1940BORBA, Osório. Narciso desconfiado. O Jornal, Rio de Janeiro, 10/11/1940. Rio de Janeiro: Museu Villa-Lobos. L09-034E, p. 1, recorte.). Daí a ferocidade e o histrionismo com que parte da imprensa reagiu às questões sobre música erudita e popular suscitadas pela visita de Stokowski ao Brasil.

A imprensa estrangeira cobriu as faustosas apresentações de Stokowski e da orquestra jovem, mas não deu a menor atenção ao ramerrão jornalístico em torno das declarações do regente. O Uruguay partira tal como chegara, pelas águas calmas e turvas da Guanabara, e seu mais ilustre visitante, sem perceber, motivara a discórdia em um país cheio de ânsias em se autodefinir.

Considerações finais

A visita do “missionário” Leopold Stokowski ao Brasil, no âmbito dos esforços de aproximação cultural entre Brasil e Estados Unidos, é reveladora de uma das dimensões da Política da Boa Vizinhança: com efeito, ela funcionou como um jogo especular no qual os dois países, na contramão do discurso oficial de unidade continental, viram-se diante da diferença - social, cultural e política - e de velhas resistências mútuas.

No caso da visita do regente, a gravação do disco Native Brazilian Music, ao valorizar o “típico” - a cultura afro-brasileira e sua expressão no samba e na música popular -, fez explicitar as contradições e as velhas chagas de parte das elites culturais e políticas envolvidas, naquele momento, com a difusão no exterior de um Brasil culto, civilizado e branco. Se a agenda dedicada à difusão da música de concerto inspirou elogios rasgados ao pan-americanismo e textos em defesa da disseminação da “alta cultura”, Native Brazilian Music revelou os interditos racistas por trás do projeto, então em curso, de atualização da imagem internacional do último país da América a abolir a escravidão. Enquanto a “boa vizinhança” condizia com tal intento, as relações culturais entre o Brasil e os Estados Unidos pareciam fluir sem grandes contradições. Mas a explicitação de expressões culturais à margem desse processo parece ter servido para demonstrar a fragilidade dessas relações.

Dessa forma, a música, instrumentalizada para fins políticos, acabou por expor e produzir dissonâncias. Os “ruídos” em torno da visita de Stokowski, obviamente, não fizeram cessar o ir e vir de músicos brasileiros e estadunidenses, bem como não impediram o sucesso de ícones populares e eruditos do Brasil naquele país. Além disso, parecem ter sido um pequeno percalço diante do processo de americanização do Brasil, aparentemente irreversível a partir da década de 1940. No entanto, o episódio discutido neste artigo possibilita demonstrar as tensões, resistências e impasses ocorridos durante esse processo.

  • *
    Este texto é resultado parcial da pesquisa “Heitor Villa-Lobos e a diplomacia cultural brasileira (1923-1959)”, apoiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). Todas as obras e todos os documentos utilizados na pesquisa e na elaboração do artigo são citados nas notas e na bibliografia. As fontes documentais originais aqui citadas pertencem ao Museu Villa-Lobos.
  • 1
    A Agência Nacional, criada em 1937 (ainda no período pré-Estado Novo), era responsável por mais de 60% da produção de textos e imagens publicados pelos jornais. Eles recebiam matérias prontas e o restante era submetido à censura prévia. O jornalista Joel Silveira relembrou a ação de jornalistas e de jornais durante o Estado Novo (SILVEIRA, 1979SILVEIRA, Joel. Jornalistas contam a História 5: O Estado Novo e o Getulismo. [Depoimento cedido a Gilberto Negreiros]. Folha de S.Paulo, São Paulo, 09/01/1979. Disponível em: <https://bit.ly/2lYA8ZX>. Acesso em: 28 fev. 2018
    https://bit.ly/2lYA8ZX...
    ).
  • 2
    Ver, por exemplo, New York Times, New York, 04/03/1940.
  • 3
    De acordo com anúncios do Teatro Municipal publicados em jornais da época, os preços variavam de 50 mil réis (galeria) a 600 mil réis (camarote). O salário mínimo, criado por decreto-lei em julho de 1940, era de 240 mil réis. Na mesma página do Correio da Manhã, o Teatro João Caetano anunciava a apresentação de uma companhia de balé da Inglaterra, com preços entre 5 mil réis (galeria) e 50 mil réis (camarote).
  • 4
    Tradução livre do original: “that is derived from ancient Indian sources, from Spanish origins, and the typical popular music of today”.
  • 5
    Tradução livre do original: “I believe these recordings will give musical pleasure to all those who love Music in the United States and all over South, Central and North America. In addition they will be important ethnographical document of phases of culture in the Western Hemisphere which in time may be come rare or even extinct. (…) We wish to sure to record that typical music which has the greatest authenticity and vitality, and is a true expression of all the life in Brazil”.
  • 6
    Em 1932, Villa-Lobos passou a chefiar a Superintendência de Educação Musical e Artística (Sema), a convite do então secretário de Educação do Distrito Federal, Anísio Teixeira. Desde então, implementou nas escolas do Rio de Janeiro um modelo de educação musical que serviu de orientação aos demais estados. Durante o Estado Novo (1937-1945), Villa-Lobos organizou e regeu as famosas concentrações orfeônicas, que chegaram a reunir algumas dezenas de milhares de estudantes em torno do culto à personalidade de Getúlio Vargas e ao regime.
  • 7
    Je suis vraiment ravi de vos plans d’échange folklorique entre les nations des continents américains par l’intermède de disques”.
  • 8
    Nascido em Londres, Stokowski estudou órgão até os dezesseis anos, e graduou-se em Oxford aos 21. Em Nova York, para onde migrou em 1905, tornou-se organista em uma igreja católica de Manhattan. Com 27 anos de idade, assumiu a regência da orquestra sinfônica de Cincinnati, e em 1912, já aclamado, assumiu a orquestra da Filadélfia, uma das mais importantes dos Estados Unidos.
  • 9
    Tradução livre do original: “Bach, Beethoven, Brahms, Wagner, Verdi - absolutely alien and subversive”.
  • 10
    Toscanini apresentou-se ao público carioca em dois concertos no Teatro Municipal, nos dias 13 e 14 de junho, nos quais regeu obras de Beethoven, Berlioz, Schubert e Brahms, entre outros, e dos brasileiros Francisco Mignone e Carlos Gomes.
  • 11
    Para o câmbio da época, ver: Holloway (1984, p. 268)HOLLOWAY, Thomas H. Imigrantes para o café. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.. Sobre o salário mínimo, ver: <www.rhcontabil.cnt.br/slariominimo.pdf>.
  • 12
    No documento original: “Brazilian Music of African origins” e “music of Brazilian Indians from the 16th century down to the present day”.
  • 13
    Jefferson Caffery (1886-1974) foi embaixador dos Estados Unidos no Brasil entre 1937 e 1945. Até 1942, Caffery teve a difícil missão de coordenar a representação diplomática de um país com o qual Vargas mantinha uma relação intensamente dúbia, a qual alguns analistas chamam de “equidistância pragmática” - postura pela qual o ditador buscou vantagens da Alemanha e dos Estados Unidos, duas potências em conflito. A partir de 1942, com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, Caffery e Vargas se tornariam próximos. Por sua posição política e geográfica privilegiada, Caffery foi um dos principais promotores do projeto de hegemonia estadunidense no Brasil (CAFFERY…, c2009CAFFERY, Jefferson. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, c2009. Disponível em: <https://bit.ly/2k89X2B>. Acesso em: 27 dez. 2017.
    https://bit.ly/2k89X2B...
    ).
  • 14
    O Globo, Rio de Janeiro, 05/08/1940, s.p. [recorte]. MVL, L11-058H.
  • 15
    A Noite, Rio de Janeiro, 06/08/1940, s.p. [recorte]. MVL, L11-061D.
  • 16
    A Noite, Rio de Janeiro, 06/08/1940, s.p. [recorte]. MVL, L11-061D.
  • 17
    Tradução livre do original: “and as soon as we have definitely decided on the selections, I will send you signed copies of the author’s agreement”.
  • 18
    Tradução livre do Original: “I am making strenuous efforts in order to accomplish this, although I feel it will very difficult and I will advise you at the earliest possible moment”.
  • 19
    Cine Rádio-Jornal, Rio de Janeiro, 12/09/1940, s.p., recorte. MVL, L09-011G.
  • 20
    No original: “Maestro Stokowski brought home 300 records which he made of South American music, among them some tunes played by Indian witch doctors. At Stokowski’s request, 150 Indians were taken to Rio de Janeiro by busses, from which they emerged mother-naked. Ensued a lively discussion about whether their instruments were clothing enough. The answer was no. So Youth Orchestra members rustled up some garments”.

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  • CAFFERY, Jefferson. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, c2009. Disponível em: <https://bit.ly/2k89X2B>. Acesso em: 27 dez. 2017.
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  • CONTIER, Arnaldo Daraya. Villa-Lobos: o selvagem da modernidade. Revista de História, São Paulo, v. 1, n. 135, p. 101-119, 1996. ISSN 2316-9141. Disponível em: <https://bit.ly/2kwszJC>. Aceso em: 6 set. 2019. doi: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141.v0i135p101-119
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  • D’OR (Ondina Portella Ribeiro Dantas). Música: construindo um grande monumento para a música nacional. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 13/07/1940d, p. 9. Disponível em: <https://bit.ly/2m8UHmL>. Acesso em: 29 dez. 2017.
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Editado por

Editores responsáveis pela publicação:
Iris Kantor e Rafael de Bivar Marquese

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Fev 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    21 Maio 2018
  • Aceito
    13 Set 2018
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