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TEMPO E ESPAÇO NA PRODUÇÃO DE UM TERRITÓRIO MODERNO: A “PÁTRIA CEARENSE” NA CARTOGRAFIA DE FRANCISCO SATURNINO RODRIGUES DE BRITO (1892)* * Este artigo é resultado de pesquisa financiada pelo Edital Universal do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com o projeto Ceará de Papel: Cartografias, Computadores e Pesquisa Histórica. Ambas as autoras participaram de todas as partes do artigo, que não foi publicado em plataforma de preprint. Todas as obras e todos os documentos utilizados na pesquisa e na elaboração do artigo são citados nas notas e na bibliografia. Com exceção da vetorização do mapa, coordenado por Ana Isabel juntamente com equipe de bolsistas - Maria Leopoldina Máximo e Cícera Adeliana Silva, as autoras realizaram todas as fases da pesquisa.

TIME AND SPACE IN THE PRODUCTION OF A MODERN TERRITORY: THE “PÁTRIA CEARENSE” IN THE CARTOGRAPHY OF FRANCISCO SATURNINO RODRIGUES DE BRITO (1892)

Resumo

Nos quarenta dias em que esteve no Ceará a serviço da Estrada de Ferro de Baturité, Francisco Saturnino Rodrigues de Brito mapeou o território e relatou seu parecer sobre o melhor percurso para o prolongamento dessa ferrovia, que deveria atravessar as terras cearenses e chegar até as margens do rio São Francisco, em Pernambuco. Nessa documentação, o engenheiro, convencido de sua obrigação para com a pátria brasileira e o progresso do país, definiu as marcas para a produção de um território moderno, que aliasse o Ceará à rapidez e eficiência dos moldes europeus ocidentais. Suas colocações, via de regra, apresentaram um olhar preconceituoso sobre a realidade observada, classificando o diferente como desigual e inferior. Trata-se de farta documentação a partir da qual é possível refletir sobre os projetos de modernização para o Brasil do final do século XIX e início do XX.

Palavras-chave:
História; território; modernização; tempo; ferrovia

Abstract

In the forty days he was in Ceará, Brazil, at the service of the Baturité Railway, Francisco Saturnino Rodrigues de Brito mapped the territory and reported an opinion on the best route for the extension of said railroad, which should cross Ceará lands and reach the banks of the São Francisco river, in Pernambuco. In this documentation, the engineer, convinced of his obligation to the Brazilian nation and the country’s progress, defined the marks for the production of a modern territory, which would ally Ceará to the speed and efficiency of the Western European molds. His affirmations, as a rule, presented a prejudiced look on the reality he observed, classifying anything different as uneven and inferior. This is a plentiful documentation from which it is possible to reflect on the modernization projects for Brazil of the late nineteenth and early twentieth centuries.

Keywords:
History; territory; modernization; time; railroad

O mapa intitulado Reconhecimento parcial do prolongamento da E. F. Baturité para o rio S. Francisco, de autoria do engenheiro Francisco Saturnino Rodrigues de Brito, é seu único estudo publicado sobre uma estrada de ferro. O desenho cartográfico representava o território cearense e pernambucano, compreendido entre a cidade de Quixadá e o rio São Francisco (Figura 1). A projeção tinha o objetivo de informar sobre os possíveis caminhos para a expansão da Estrada de Ferro de Baturité (EFB) (FERREIRA, 1989FERREIRA, Benedito Genésio. A Estrada de Ferro de Baturité: 1870-1930. Fortaleza: Edições UFC, 1989. (Projeto História do Ceará, Política, Indústria e Trabalho 1930-1964).)1 1 A construção da Estrada de Ferro de Baturité (também denominada Linha Sul ou Tronco) no sertão cearense foi iniciada em 1872 e finalizada no ano de 1926, com a inauguração do ponto final dessa linha férrea na cidade do Crato (CE), perfazendo um trajeto de 599 km. Os trilhos também se estenderam em direção ao norte do estado com a Estrada de Ferro de Sobral (ou Linha Norte), que tinha seu destino final na cidade de Oiticica, contando cerca de 450 km de percurso. Juntas constituíam a Rede de Viação Cearense (RVC), que mais tarde foi incorporada à Reffsa. Ver mais sobre o tema em Ferreira (1989). até as margens do referido rio, diferentemente de outros mapas da EFB no Ceará, cujos desenhos de linhas férreas não ultrapassavam os limites do território cearense (OLIVEIRA, 2013OLIVEIRA, Gabriel Pereira de. Sentidos de um pedaço de rio que não existiu: A transposição do São Francisco em meados do século XIX. In: FUNES, Eurípedes et al. Natureza e cultura: capítulos de história social . Fortaleza: Expressão Gráfica , 2013, p. 179-188. ).2 2 Nesse caso, deve-se perceber impressos no mapa os interesses numa implementação de mais de um meio de comunicação, o terrestre e o fluvial - com uma hidrovia no São Francisco - e as intenções de uma integração nacional. Ver mais em Oliveira (2013).

Figura 1
Mapa de Reconhecimento parcial do prolongamento da E. F. Baturité para o rio S. Francisco, de Francisco Saturnino Rodrigues de Brito (1892)

Nos quarenta dias em que esteve no Ceará a serviço da EFB, o engenheiro produziu, além do mapa, um extenso relatório com observações sobre os espaços visitados, destacando seus benefícios ou obstáculos para um rentável funcionamento do tráfego férreo e da produção local. Esse relatório é considerado surpreendente não só por seu detalhamento da obra e do Ceará no final do século XIX, mas porque se trata de um dos poucos escritos do gênero desse engenheiro. A quase totalidade da obra de Saturnino de Brito é de saneamento e expansão urbana, sendo responsável pelo planejamento e execução de obras sanitaristas, por exemplo, nas cidades de Santos, Recife, Rio de Janeiro e Pelotas no início do século XX. Tamanha é a experiência desse engenheiro com obras de urbanismo sanitarista que o parecer encomendado sobre a Estrada de Ferro de Baturité parece sugerir, pelo menos de início, uma exceção em sua prática. No entanto, é preciso destacar que Saturnino de Brito iniciou sua carreira com produções para ferrovias: além da EFB, ele participou do traçado e construção da Estrada de Ferro Leopoldina, em Minas Gerais, e da Estrada de Ferro Tamandaré, no Pernambuco. Na realidade, foram esses trabalhos que o inspiraram e auxiliaram, pela experiência adquirida nos serviços de levantamento topográfico, a elaborar e realizar suas obras sanitaristas.

Por outro lado, se considerado que o parecer encomendado para a construção da EFB era subjacente a uma preocupação em pensar soluções para uma região que se tinha como espaço frequentemente assolado pelas secas, o trabalho do engenheiro em questão não parece tão deslocado de seu contexto. Nesse caso, um estudo que considere tanto o mapa como o relatório que o acompanhava deve compreendê-los como produtos ou instrumentos de um projeto modernizador para o Brasil. Um projeto modernizador e republicano, ainda que tivesse tons imperiais.

Assim, importa compreender a obra de Saturnino de Brito, em relação à Estrada de Ferro de Baturité e ao Ceará, como proposta eivada de interesses políticos que conformavam, em menor ou maior medida, a preocupação de mapear o território cearense a fim de justificar ou propor intervenções naquele espaço que gerassem algum efeito sobre os aspectos políticos e econômicos do então estado do Ceará. Nessa notória preocupação modernizadora (nova expressão para civilização, no fim do século XIX), encabeçada por engenheiros e intelectuais do governo republicano, como Saturnino de Brito, o Ceará e seus habitantes foram “medidos” e classificados por ele muito aquém do Brasil moderno.

Um republicano

Francisco Saturnino Rodrigues de Brito nasceu em 14 de julho de 1864, na cidade de Campos, no estado do Rio de Janeiro, e faleceu aos 65 anos, em 10 de março de 1929, na cidade de Pelotas, quando revisava o saneamento que ele havia projetado. Nessa época, o Brasil, pela administração imperial e depois republicana, passava por um processo de centralização de suas funções administrativas e de formação de uma nação que era pretendida o menos tropical possível.

É nesse momento, sobretudo a partir dos anos 1870, que se percebe a reprodução de ideias e planos para o território nacional com forte apelo de reforma e modernização da nação brasileira. Conforme esse pensamento, toda a estrutura brasileira deveria corresponder à nação moderna que era projetada e desejada. Por isso, “tanto cientistas como membros da elite política apregoavam, naquele momento, a necessidade de reformar, regenerar, civilizar a sociedade e o país” (HERSCHMANN & PEREIRA, 1994HERSCHMANN, Micael M. & PEREIRA, Carlos Alberto Messeder. O imaginário moderno no Brasil. In: HERSCHMANN, Micael M. & PEREIRA, Carlos Alberto Messeder (orgs). A invenção do Brasil moderno: medicina, educação e engenharia nos anos 20-30. Rio de Janeiro: Rocco, 1994, p. 09-42., p. 21) - reforma que tinha a Europa como referência de modernização. Ciência e progresso, então, eram associados às “culturas da reforma” no final do período imperial brasileiro, mas que perduraram e se aprofundaram na República. Dessa maneira, o engenheiro Saturnino de Brito cresceu num cotidiano que inspirava o progresso europeu ocidental como único caminho possível para a nação, o que foi intensificado durante sua formação em engenharia.

Formado em engenharia civil pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, no ano de 1886, o doutor Saturnino de Brito, como era reconhecido, era um dos engenheiros ditos “politécnicos”. Esta definição designava, conforme André Luís Borges Lopes (2013, p. 44)LOPES, André Luís Borges. “Sanear, prever e embelezar”: o engenheiro Saturnino de Brito, o urbanismo sanitarista e o novo projeto urbano do PRR para o Rio Grande do Sul (1908-1929). Tese de doutorado em História, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013., profissionais com

sólida formação matemática básica, aliada a um currículo “generalista”, que permitiu a muitos (…) engenheiros uma atuação quase “enciclopédica”, em vários ramos da engenharia: ferrovias, portos, obras públicas e indústrias, e principalmente, permitiu que grandes avanços técnicos fossem feitos mais tarde por engenheiros, em grande parte “autodidatas”.

Ainda segundo o autor, Saturnino de Brito foi um engenheiro “de formação ‘enciclopédica’ e de habilidade de um ‘autodidata’”, e que também concorreu para isso sua passagem no curso de Artes e Manufaturas na mesma instituição, em 1886, destacando-se “pelo seu pioneirismo em idealizar novos elementos e materiais destinados ao saneamento das cidades, as redes de esgoto e ao abastecimento d’água” (Ibidem, p. 44-45). Nesse sentido, era considerado um dos “missionários do progresso” (Ibidem, p. 46), vanguarda dotada de um saber objetivo e exato que tiraria o país do atraso imputado às nações que não aderissem ao progresso técnico europeu ocidental.

Os engenheiros politécnicos, conforme Luiz Otávio Ferreira (2007, p. 5)FERREIRA, Luiz Otávio. O ethos positivista e a institucionalização da ciência no Brasil no início do século XIX. Fênix, Uberlândia, v. 4, ano 4, n. 3, p. 1-10, jul.-set. 2007., compunham com outros intelectuais brasileiros um “ethos positivista”, cujas principais características eram “o cientificismo, isto é, a crença na capacidade da ciência em descobrir as leis que regem os fenômenos sociais e naturais e de fornecer os instrumentos de explicação e de intervenção na realidade” e “um acentuado senso de missão social de que [os positivistas] se consideravam portadores e que orientava suas ações visando sempre o bem estar coletivo”. Além dessas caraterísticas, importa destacar a insistência desses homens num discurso em defesa da nação e da nacionalidade, amparado numa perspectiva nada romântica, mas científica. Esse aspecto, segundo Ferreira (Op. cit., p. 6), está relacionado ao fato de que “todos os positivistas eram decididamente republicanos”.3 3 Ver também Alonso (1996).

Se essa afirmação podia parecer exagerada ou fatalista, para Saturnino de Brito a sentença era bastante válida. Em carta enviada a Ernesto Antônio Lassance Cunha, engenheiro-chefe da EFB, quando da sua passagem pelo Ceará para produzir o parecer, Saturnino de Brito expressou tanto sua comunhão às ideias republicanas como seu desejo de colocá-las em prática. Na missiva, datada de 5 de janeiro de 1894, o engenheiro republicano respondia à indagação, feita por Lassance Cunha em epístola anterior, se “os serviços que prestar à pátria como soldado (…) compensarão o prejuízo que terá a própria pátria perdendo o engenheiro Brito” (BRITO, 1944BRITO, Francisco Rodrigues Saturnino de. Obras completas, v. 22. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional , 1944., p. 35-36). Após externar seu apreço e admiração pelo seu ex-chefe da EFB, o autor da carta explicou

Sem hesitações respondo pela afirmativa. Após tantos anos de apatia cívica, prudentemente explorada pela Monarquia, vemos com prazer surgir uma época em que as convicções republicanas despertaram nos corações dos verdadeiramente patriotas as adormecidas energias. O narcótico do governo do Sr. D. Pedro deixou de fazer efeitos e na República vê-se que surgem espontaneamente abnegações que a Monarquia não logrou obter quando o trono caiu roído pela base (…). No momento atual, não se trata só das pontarias certeiras contra os bandidos que perturbam a ordem natural da nossa pátria e querem cassar-nos a liberdade espiritual. A par do esforço material cumpre considerar a sinérgica ação do esforço moral determinado pelas convicções sãs. Eu não serei um herói nessa luta, entro em combate com uma calma que não seria de esperar atendendo ao meu temperamento nervoso; mas se não me atirarei heroicamente avante (mesmo por que a minha arma não permite tais ações), ficai certo de que não recuo um passo e que se o inimigo, por uma hipótese inverificável, for encontrar-me na trincheira, ai será recebido, quando já não tiver mais munições bélicas, com os golpes do desprezo e da indignação lançados pelo são amor a pátria. Fazedores de estradas de ferro não faltam; cumpridores de elementares deveres cívicos são mais raros e mais necessários a pátria. (BRITO, 1944BRITO, Francisco Rodrigues Saturnino de. Obras completas, v. 22. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional , 1944., p. 35-36)

As palavras de Saturnino de Brito sugeriam, à primeira vista, sua ausência para servir ao Estado brasileiro numa guerra. Mas, além de o Brasil não estar envolvido naquele ano de 1894 em nenhum conflito bélico interno ou com outra nação, o próprio escritor deixou clara a natureza de sua decisão. Ele deveria assumir um posto no Forte da Conceição, cuja artilharia protegia a orla marítima entre o bairro do Valongo e a Praça Mauá (antigo cais do porto), e de lá se retiraria “apenas para as refeições”.

Esta atitude de servir a pátria como soldado, mesmo quando não era exatamente necessário, implica perceber a intensidade do republicanismo que o engenheiro professava. No decorrer da missiva, ele ainda imputou a indignação que sentia pela inércia percebida, por ele, na maior parte da população brasileira, um dos motivos para sua decisão de abandonar o serviço, que também considerava pátrio, para o qual havia se formado e se tornar soldado de artilharia. Em suas palavras:

Quando encontro na rua amigos, colegas, moços contemporâneos que deveriam possuir orientação patriótica e os vejo perdidos nas divagações platônicas a favor de bandidos que atacam nossa pátria; quando vejo essa falange de boateiros, de adversários covardes e desbriados; quando sinto tédio pela vida em meio tão desregrado - anima-me essa reflexão consoladora, conduzindo-me a convergir todas as energias morais, intelectuais e práticas em prol da santa causa republicana que é a causa da geração que se forma nessa tormenta revolucionária. (…) Os nossos sacrifícios diante da obrigação que temos de, em nome do passado, contribuir para o aperfeiçoamento da situação no porvir, serão sempre inferiores aos reclamos do dever em questão. São horas de seguir para o meu posto - o Forte Conceição - de onde apenas me retiro para as refeições. Peço-vos que apresenteis os meus respeitos a Exma. Família e que aceiteis saudoso abraço do amigo e colega respeitador, Rodrigues de Brito. (BRITO, 1944BRITO, Francisco Rodrigues Saturnino de. Obras completas, v. 22. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional , 1944., p. 35-36)

A tônica de suas palavras, o amor à pátria, sugere a intensidade de seu interesse em defender a recente república brasileira. Mas, por outro lado, também demonstra que o discurso de salvação da pátria pela realização de obras públicas como a construção de estradas de ferro perdia força e ficava em segundo plano nas suas considerações republicanas. Isto pelo menos até a escrita da carta para seu ex-chefe, Lassance Cunha. Mais tarde, o engenheiro republicano retornou para suas atribuições de formação, quando projetou as obras pelas quais foi considerado um dos pioneiros no sanitarismo urbano brasileiro, no qual trabalhou até sua morte, em 1929.

Entretanto, deve-se observar que, para além de todo o zelo republicano apresentado por Saturnino de Brito em seus escritos, o seu projeto para a Estrada de Ferro de Baturité sugeria uma projeção para o território cearense contraditória em relação ao Pacto Federativo, já desenhado pelo governo brasileiro desde o período imperial (DOLHNIKOFF, 2005DOLHNIKOFF, Miriam. O pacto imperial: origens do federalismo no Brasil. São Paulo: Globo, 2005.; MELLO, 2004MELLO, Evaldo Cabral de. A outra independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824. São Paulo: Editora 34, 2004.). Isso porque, ao planejar os trilhos da referida ferrovia para além do limite sul cearense, com destino às margens do rio São Francisco, o citado engenheiro desafiava, sob certos aspectos, o processo de fortalecimento dos recém-formados estados brasileiros e do federalismo que dava suporte à organização da República no Brasil. Nesse sentido, é fundamental constatar um caráter não regionalista da reorganização do espaço nos sertões das antigas províncias do norte por Saturnino de Brito, assim como a peculiaridade de seu pensamento que impunha um projeto de integração nacional ao regionalismo republicano.

Mapa e relatório de Saturnino de Brito

Saturnino de Brito escreveu seu Relatório de reconhecimento do prolongamento da EFB, de Quixeramobim ao rio S. Francisco após ter percorrido por quarenta dias o território cearense. Nessas 30 páginas há descrições dos terrenos, sugestões de construção e o mapa projetado para informar sobre caminhos trilhados e indicações de percursos para o leito férreo. Para tanto, o engenheiro fez dois trajetos principais, que correspondiam aos dois traçados previstos para a implantação dos trilhos. O primeiro traçado,4 4 Conforme o relatório: “Parti de Quixeramobim dirigindo-me para Maria Pereira, Saboeiro, Vila do Araripe (Brejo-Seco) até ganhar a Serra do Araripe em ponto tal que o prolongamento com destino ao Rio S. Francisco não oferecesse dificuldade de subida” (BRITO, 1943, p. 199). considerado “direto”, demandava

a Vila do Araripe (Brejo-Seco) com destino ao Rio S. Francisco, em ponto comunicável - ou diretamente com as vias férreas de Baía a S. Francisco e Recife a S. Francisco, - ou indiretamente, por intermédio da navegação fluvial deste traçado derivar-se-ia de ponto conveniente, um ramal para a cidade do Crato. (BRITO, 1943BRITO, Francisco Rodrigues Saturnino de. Primeiras publicações, v. 22. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional , 1943., p. 199)

Já o segundo traçado seria “direto para o Crato, com o mesmo objetivo” (BRITO, loc. cit.). Para ambos, Saturnino de Brito indicou um ponto de vista técnico e econômico das modificações no terreno para a implantação dos trilhos, mas também apresentava seu juízo de valor sobre os habitantes do local, em geral desqualificativo.

O mapa produzido em 1892 delimita parte do território cearense, sobretudo as regiões centro e sul e, ainda, parte do espaço pernambucano, entre seu limite com o Ceará e o rio São Francisco. No desenho foram representados os rios, o alinhamento da Serra do Araripe, ao sul do estado, fazendo fronteira com Pernambuco, e também a distribuição de vilas, cidades e povoados e os caminhos percorridos por Saturnino de Brito para reconhecimento do território. Também aparecem o que ele denominou de “Ante-projecto do 1º” e “do 2º traçado”, entre outros elementos. O mapa original (Figura 1) foi produzido numa escala “0,000833m= 1000M” (sic)5 5 Sobre a escala do mapa, expressa em forma de dízima periódica, prática atípica na cartografia, Saturnino de Brito fez a advertência seguinte: “O Snr. Diretor Engenheiro-Chefe ordenou-me que reduzisse a planta de Reconhecimento a dimensões acomodadas ao tamanho das brochuras; a tal molde sujeitei a escala, e, assim, aparece esta em dízima periódica, o que, aliás, é de somenos importancia” (BRITO, 1943, p. 193). e se encontra rotado 90° (neste caso, o norte aponta para o leste). Esses dados foram cuidadosamente registrados no relatório de Saturnino de Brito, o qual embasa a produção dos mapas de análise deste artigo, já apresentados com a rotação padrão (figuras 2 e 3).

Figura 2
Georreferenciamento e vetorização do mapa Reconhecimento parcial do prolongamento da E. F. Baturité para o rio S. Francisco, de Saturnino de Brito

Figura 3
Georreferenciamento e vetorização do 1º e 2º traçados do anteprojeto de Saturnino de Brito

Na sequência, três mapas são apresentados. O mapa original de Saturnino e dois georreferenciados e vetorizados: o primeiro contendo a vetorização das estradas, com os rios, a vegetação e as estradas percorridas por Saturnino de Brito; e o segundo com a vetorização das estradas.

O mapa Reconhecimento parcial do prolongamento da E. F. Baturité para o rio S. Francisco, de Francisco Saturnino Rodrigues de Brito (1892), foi georreferenciado e vetorizado para viabilizar este estudo. Este processo reproduz a base cartográfica, pautado num sistema de coordenadas (latitude e longitude), e, em seguida, a associa a um mapa antigo, no caso, o produzido em 1892. Para este artigo, toda a análise do mapa de Saturnino de Brito foi projetada em ArcGIS. Esse software delimita a escala espacial em que o mapa foi produzido, superpondo camadas, e esta atividade demarca pontos de referência do território cearense que permitem determinar suas coordenadas geográficas.

Nesses termos, foram identificados nos mapas pontos de intersecção de rios - por exemplo, o Jaguaribe, que intercepta o rio Cariús, e o rio Salgado, o qual sai do Jaguaribe e cruza com o riacho do Machado - que possibilitaram determinar suas coordenadas de latitude e longitude, georreferenciar o mapa e identificar sua escala geográfica. Com este trabalho, foi possível refletir sobre o conhecimento que o autor do mapa tinha do território, uma vez que são evidenciados nesse processo as distorções e compreensões que esses homens tinham ou faziam do território que desenhavam. Dessa maneira, é possível levantar várias conjecturas em torno das próprias ideias, noções e interesses sobre o território do Ceará na segunda metade do século XIX, do que era apresentado como verdade e do que era silenciado.

O georreferenciamento é uma atividade inicial da reprodução dos mapas, após o qual se passa à segunda parte, a mais demorada: a vetorização em ArcGIS. Esta atividade consiste na reprodução, em programa de computador próprio para desenhos e construções de bases cartográficas, do mapa que foi preservado em imagem. Trata-se de desenhar todos os componentes do mapa, em seus mínimos detalhes, em modo digital. Para cada componente foi criada uma camada, que foi de muita importância para, a partir dela, conseguir decifrar cada componente. Esta reprodução é realizada por etapas, dividindo o mapa em grupos de componentes diferentes, tais como a base hídrica do Ceará, com rios e lagoas projetados no mapa, ou a base das vias de comunicação, com as estradas e caminhos etc. Cada grupo que agrega um tipo de componente é destacado por uma cor, previamente determinada, e é projetado numa camada, cuja sobreposição compõe finalmente o mapa.

Este recurso de divisão do desenho cartográfico em diferentes camadas permite projetar mapas independentes que possibilitam, por exemplo, estabelecer uma reflexão em torno da consciência do autor do mapa, e até mesmo dos cearenses, sobre os recursos hídricos da província. Também é interessante destacar que alguns outros mapas do Ceará têm, além da projeção do território, dados ou traços da divisão política e religiosa da província, com a demarcação das freguesias vigentes na época. A vetorização dos mapas é uma atividade mais trabalhosa (o que é razoável pelas peculiaridades dos trabalhos já referidos), mas que tem trazido importantes dados para a interpretação dos fatos, dilemas e conflitos que subjazem a produção desse tipo de documentação e do próprio território cearense.6 6 Mapas produzidos por Ana Isabel Ribeiro Parente Cortez Reis, Maria Leopoldina Dantas, Anderson da Silva Felix e Cícera Adeliana Ferreira (sendo os três últimos bolsistas de iniciação científica). Projeto Ceará de Papel: Cartografias, Computadores e Pesquisa Histórica, Edital Universal CNPq.

Por uma república moderna

A amizade estabelecida entre Saturnino de Brito e Lassance Cunha, engenheiro-chefe da EFB, em 1892, sugere a comunhão de pensamento e perspectiva política de ambos, inclusive no que concerne aos projetos de modernização para o Brasil. Esse aspecto já era esperado, por se tratar de dois engenheiros formados e atuantes no Brasil do final do século XIX. Nesse caso, é necessário perceber o empenho de se defender uma república com cuja modernidade pretendiam contribuir. Se o primeiro engenheiro se dispôs a pegar em armas para defender o país de qualquer invasor e se empenhou na execução de obras sanitaristas em várias cidades - além da construção de ferrovias -, o segundo foi o responsável pelo envio do relatório que propagandeava a Estrada de Ferro de Baturité na exposição internacional de Chicago, em 1892. Essas atitudes demarcavam o quanto intelectuais da engenharia brasileira estavam convencidos de tornar o Brasil uma nação moderna, fosse em projetos e realização de obras, fosse em propagandas do país em terras estrangeiras.

Nesse ínterim, cumpre destacar o Ceará e o ano de 1892 como espaço e tempo privilegiados para a atuação dos referidos engenheiros e de seus intentos modernizadores: enquanto Saturnino de Brito percorria o Ceará para analisar os melhores percursos para o prolongamento da EFB, Lassance Cunha produzia e enviava o seu já citado relatório para a exposição internacional de Chicago. O projeto em que ambos se empenhavam, naquele momento, concorria para modernizar o Ceará e transformá-lo na “pátria cearense”. Nas palavras do engenheiro sanitarista:

Atendei, senhor, às grandes vantagens que se pode alcançar, não só sob o ponto de vista de economia industrial como principalmente sob o ponto de vista da economia social, para a Pátria Cearense, e juntai o vosso patriotismo ao simples apelo que por intermédio da Administração desta Estrada dirijo aos poderes competentes. Muitos pregam o abandono do Ceará; mas empiricamente o governo tem enviado esforços, embora sem maduro plano de conjunto que garanta a eficácia dos resultados, para conservar aos Cearenses a Patria que tanto estremecem, e fetichistamente estes filhos amantes se prendem a Ela de um modo que cativam a simpatia de todos os corações bem formados. (BRITO, 1943BRITO, Francisco Rodrigues Saturnino de. Primeiras publicações, v. 22. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional , 1943., p. 199)

Reformar o Ceará era reformar o próprio Brasil: a pátria somente poderia ser moderna se os seus mais distantes rincões também o fossem. Nesse sentido, o mapa de Saturnino de Brito, tanto quanto seu relatório, cumpriria um papel fundamental nessa empreitada, posto que seu desenho cartográfico teria a missão de conscientizar e convencer sobre o território cearense e as vantagens de modernizá-lo. Mais do que traços organizados em um desenho das terras cearenses (e pernambucanas), o mapa apresentava, sobretudo, estratégias de como vencer o território e a natureza do sertão brasileiro.

Diferentemente dos mapas coloniais, cujos interesses estavam mais relacionados à ocupação do espaço, a cartografia produzida na segunda metade do século XIX apresentava um projeto de modernização do território. Conforme Brian Harley (2009, p. 4)HARLEY, Brian. Mapas, saber e poder. Confins, São Paulo, n. 5, p. 1-23, 2009. Disponível em: <https://bit.ly/2kFkxy7>. Acesso em: 10 set. 2019. doi: https://dx.doi.org/10.4000/confins.5724
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, no texto “Mapas, saber e poder”, os interesses estatais recaíam sobre ambições territoriais: “quanto mais a administração do Estado é complexa, mais suas ambições territoriais e sociais são ampliadas” - aspecto que tornava os mapas um elemento importante para organizar e planejar estratégias de dominação do espaço. Afinal, nos mapas o poder político poderia ser mais eficazmente reproduzido, comunicado e percebido, uma vez que neles reverberavam sinais dos imperativos territoriais de um sistema político. Assim, “é inevitável que o mapa esteja envolvido no processo de poder (…) ele é meio de consolidar o poder do Estado” (HARLEY, loc. cit.). Por isso mesmo, o mapa de Saturnino de Brito se torna peculiar, uma vez que nele eram projetados os rumos de uma integração nacional ao ligar a EFB ao rio São Francisco. Com a construção de uma hidrovia na referida corrente fluvial, haveria a comunicação entre interior do território e litoral, abrindo caminho para a produção agrícola e demais mercadorias produzidas nos sertões brasileiros. Deve-se considerar, inclusive, que os empenhos pela integração nacional foram tema constante para o Império do Brasil, sobretudo a partir de 1870,7 7 Ver mais em Reis (2015). aspecto que terminava por conceder tons bastante imperiais ao projeto republicano de Saturnino de Brito para a EFB e o Ceará.

Muito além de expressar coordenadas geográficas, o mapa pode dar indícios de “mundos sociais passados”. Assim, tem-se que compreender a amplitude de sua influência nas relações sociais. As cartografias são os primeiros instrumentos da manipulação do território; nelas, o espaço era devassado, exposto, conhecido, manipulado, fabricado. Os tracejados dos mapas têm função definida: não são representações inocentes desse espaço, implicam interesses, jogos de poder, conflitos. Nada está impresso ali por acaso. Nesse sentido, a cartografia histórica é fato e é fábula, tomando-se de empréstimo a expressão de Régis Lopes Ramos (2012)RAMOS, Francisco Régis Lopes. O fato e a fábula: o Ceará na escrita da história. Fortaleza: Expressão Gráfica , 2012.: os traços instituídos nos mapas constituem uma escolha, um fato impresso no papel, e, por outro lado, essa escolha é resultado de um processo complexo de negociações e conflitos que envolviam o governo imperial, o provincial, os donos de sítios e outros personagens. Portanto, é oportuno considerar o quanto era necessária, ao pretendido Brasil moderno, a existência de um território, mais do que de limites. E de um sertão - sinônimo de interior do país, conforme Capistrano de Abreu (1998)ABREU, Capistrano de. Capítulos de história colonial: 1500-1800. Brasília: Conselho Editorial do Senado Federal, 1998. Disponível em: <https://bit.ly/2kFfFcv>. Acesso em: 10 set. 2019.
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em Capítulos de história colonial - que se constituísse como Estado territorial, conhecido e manipulável, para que o Império brasileiro estivesse cada vez mais centralizado administrativamente.

O ano de 1892 indica um tempo específico: final do século XIX, tempo de formação da nação e da introdução do capitalismo no Brasil. Na realidade, os anos 1850-1900, no país, foram o momento de formação do Estado Nacional,8 8 O Império brasileiro estava sendo consolidado no seu Segundo Reinado, com dom Pedro II, que colocava em prática um projeto de centralização administrativa do país. A impressão de estabilidade social brasileira era experimentada desde 1845, com o término da Guerra dos Farrapos - última revolta de caráter separatista no período imperial brasileiro. Nesse tempo de relativa paz interna, foram implementados projetos que visavam o fortalecimento do poder do imperador e a centralização administrativa do Brasil, como o reconhecimento e a demarcação “mais exata” do que era o território nacional. intimamente ligada à introdução das práticas capitalistas pela própria construção de estradas de ferro no território brasileiro (REIS, 2015REIS, Ana Isabel Ribeiro Parente Cortez. O espaço a serviço do tempo: a Estrada de Ferro de Baturité e a invenção do Ceará. Tese de doutorado em História, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2015.). É sobretudo na projeção de uma ferrovia nos territórios cearense e pernambucano, que ligasse a primeira parte da Estrada de Ferro de Baturité a um ponto às margens do rio São Francisco, em que residia o principal aspecto do projeto modernizador de Saturnino de Brito para aquela parte do território nacional - muito embora ele viesse com tons imperiais com a sobreposição, ainda que em projeto, de uma ideia de integração nacional que prejudicava o regionalismo do pacto federativo.

As ferrovias eram associadas àquilo que havia de mais moderno na segunda metade do século XIX. Mas não pela sua parafernália, e sim pela possibilidade de abreviar o tempo. O mapa em questão referia-se em suas linhas ao tempo, mais que ao espaço. Era o projeto de encurtar o período de viagem pelo interior do Brasil, para passageiros e mercadorias, e transformar o que era concebido como lugar do atraso no espaço da velocidade e da aceleração. Nesses projetos modernos, a ferrovia foi desejada e esperada a partir de uma idealização que a colocava como superação das estradas de rodagem e como realizadora de uma planificação extrema dos caminhos, que significaria, ao cabo, a anulação do espaço pelo tempo (HARVEY, 2005HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005 .). Não por acaso, Lamartine (1851, p. 178)LAMARTINE, Alphonse de. Histoire de La Restauration. Paris: Pagnerre, Lecou, Furne e Co. 1851, p 178. observou, em 1851, que “a rapidez do tempo suprime[iria] as distâncias”.

Na visão dos defensores dessa modernidade, somente assim o Brasil se ajustaria ao ritmo do progresso europeu ocidental. Tanto que os editores do Auxiliador da Indústria Nacional, jornal produzido pela Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional (nomenclatura muito sugestiva, inclusive), alertaram, já em 1852, no verbete “Estrada de Ferro”, a centralidade do tempo e da velocidade nos projetos modernos:

Estrada de ferro - Se considerarmos um pouco, que ha um bem nesta vida, que uma vez perdido, não pôde á preço algum ser readquerido; se considerar-mos que na nossa vida tão limitada o mais precioso bem que possuímos é o tempo, facilmente se comphenderá que todas as innovações tem por fim poupar tempo, fazer que com num mais limitado espaço se possa praticar maior numero de acções, são úteis e devem ser por todos abraçados.9 9 AUXILIADOR DA INDÚSTRIA NACIONAL. Rio de Janeiro: Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, 07/01/1852, p. 233.

O tempo, mais do que o espaço, passa a ser peça-chave para os projetos modernos do final do século XIX. Audibert, engenheiro dos caminhos de ferro no século XIX, consciente dessa propriedade política da aceleração do tempo, inferiu compreensão semelhante aos editores do Auxiliador da Indústria Nacional: “Se conseguirmos fazer que os comboios cheguem no segundo exacto, dotámos a humanidade do instrumento mais eficaz para a construção do mundo novo” (VIRILIO, 2000VIRILIO, Paul. Cibermundo: a política do pior. Lisboa: Teorema, 2000., p. 19).

Conforme Paul Virilio (2000, p. 19)VIRILIO, Paul. Cibermundo: a política do pior. Lisboa: Teorema, 2000., em Cibermundo: a política do pior, “o próprio da velocidade absoluta é ser poder absoluto, controle absoluto, instantâneo”, o que significa, em última instância, a possibilidade de se exercer maior controle sobre territórios, pessoas e relações sociais. Tais relações terminavam por determinar os limites dos jogos de poder no final do século XIX, tipificados no eixo velocidade-transporte-transmissão. Ainda segundo esse autor, “o poder é sempre o poder de controlar um território por mensageiros, por meios de transporte e de transmissão” (VIRÍLIO, 2000VIRILIO, Paul. Cibermundo: a política do pior. Lisboa: Teorema, 2000., p. 19). O esforço por uma aceleração máxima implicava o desejo de obter a velocidade absoluta, a instantaneidade, ou seja, o poder, já que a velocidade é inseparável da riqueza e do poder. Nesse sentido, “a velocidade é o próprio poder” de “apoderar-se” (VIRÍLIO, 2000VIRILIO, Paul. Cibermundo: a política do pior. Lisboa: Teorema, 2000., p. 16). Não por acaso, além do trem, a linha telegráfica, acompanhante das ferrovias, garantia comunicação mais rápida entre distantes regiões do território, todas as que se pretendia controlar. Esta condição, inclusive, contribuiu para a dominação e colonização de povos considerados atrasados por nações europeias imperialistas, como os indianos dizimados pela colonização inglesa no século XIX - a mesma Inglaterra que chegava ao Brasil com a velocidades dos trens no final dos Oitocentos.

A velocidade, associada aos trens e à modernidade por aqueles que a experimentavam de alguma forma, como Saturnino de Brito, foi o referencial utilizado por muitos dos que chegavam ao interior do território brasileiro para expressá-lo como lugar de atraso, da desaceleração e da perda de tempo. Diversas vezes, no final do século XIX e por todo o século XX, o sertão foi associado ao que era retrocesso e retardamento. O relatório produzido em paralelo ao mapa por Saturnino de Brito reforçou a ideia do atraso do sertão e de seu povo, na medida em que tratou a diferença observada por ele nas terras e homens sertanejos como cravada de inferioridade.

A “pátria cearense”

Nos quarenta dias em que percorreu o Ceará, Saturnino de Brito projetou dois caminhos para a passagem dos trilhos da Baturité: um passando pela cidade de Crato e outro passando fora dela, mas com possibilidade de se construir um ramal que a alcançasse. Sem dúvida, os escritos compreendem a tentativa de convencimento sobre essa parte do território cearense de que a região, com suas condições geomorfológicas, admitia a passagem da linha férrea, com a técnica e os orçamentos a que se tinha acesso para a obra. Mas o texto também permite perceber os reveses do estabelecimento de relações com um ambiente diferente daqueles a que Saturnino de Brito estava acostumado. O engenheiro comentou a dificuldade enfrentada nos trabalhos de reconhecimento do terreno:

Nos mesmos pontos, e muitas vezes com idênticas temperaturas, os aneroides deram os mais absurdos resultados; foi a primeira vez que encontrei erros tão grosseiros, cumprindo notar que trabalhamos sempre com mais de um aneroide e todos de acordo. Portanto, ficando verificado que tudo dependia principalmente do repouso do aneroide e das verificações diurnas da pressão atmosférica, nem sempre consoantes com as variações termométricas, conclue-se que a fórmula e o “compensated” do instrumento não são garantias suficientes dos resultados para as condições de nossas condições climatológicas e para as condições de nossas viagens de reconhecimento. Não nos sobrava tempo, nem argumentos meteorológicos para empreendermos estudar um meio de corrigir melhor os dados obtidos, e então resolvi aceitar como verdadeiras as observações feitas com o aneroide em repouso, pela manhã, e, tomando a diferença entre este argumento e o obtido no momento de chegada determinar o coeficiente para o número de estações e grosseiramente fazer a correção, em progressão aritmétrica crescente, a partir da primeira até a última estação correspondente ao dia da observação. (BRITO, 1943BRITO, Francisco Rodrigues Saturnino de. Primeiras publicações, v. 22. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional , 1943., p. 195-196).

Havia pelo menos três possibilidades de medição por aneroides: geométrico, trigonométrico e barométrico. A referência ao uso de aneroides para a determinação da pressão atmosférica no campo atesta a escolha de Saturnino de Brito pelo barométrico. Nele, a medição baseava-se na relação existente entre a pressão atmosférica e a altitude, dispensando a visibilidade entre os pontos a nivelar, apenas com necessidade de se efetuar correções devido à maré barométrica. Apesar de menos preciso que os outros, demandava menos equipamentos, o que exigia menor esforço no transporte sertão adentro, fato que explicava a escolha.

O impasse relatado no trabalho de medição por aneroides sugere as dificuldades de estabelecimento com o ambiente sertanejo. Os resultados, considerados inadequados, colocavam em xeque a autoridade da ciência, e por isso eram imediatamente traduzidos pelo engenheiro como errados. Já que a engenharia e os métodos científicos não poderiam ser inadequados, o sertão cearense era compreendido como espaço desconcertado, que dificilmente alcançaria o sul do país. Consequentemente, o povo também parecia não caber na descrição de um habitante ideal para o território. Conforme Saturnino,

E a isto vão se habituando, a este hábito já dá aos cearenses um cunho especial de indolência: - sempre a espera de um bom inverno, quando este lhe chega, não só por falta de semente como ainda por indolência acalentada pela descrença plantam a pequena área que conservaram preparada e colhem os produtos que a força vital desta terra causticada oferece abundantes e prontamente amadurecidos. Penso mesmo que os resultados duplamente negativos decorrentes do desfavor com que são tratados por uma providência rancorosa e injusta, qual atribuem a inconstância das estações, e os resultados surpreendentes ocasionados pelo favor largamente dispensado nos bons invernos, tornaram o trabalhador cearense muito diferente do homem de lavoura do Sul, onde o trabalho é assíduo durante o curso completo do ano e onde pouco tempo sobra para efusões preguiçosas a uma providência aliás mais equitativa. (BRITO, 1943BRITO, Francisco Rodrigues Saturnino de. Primeiras publicações, v. 22. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional , 1943., p. 196)

A diferença percebida entre os territórios e as populações do sul do Brasil e do Ceará era imediatamente entendida como desigualdade. Nas palavras de Saturnino, o ambiente encontrado no interior do território cearense, com altas temperaturas e clima difícil de mensurar, estava intimamente ligado ao que ele reputava como comportamento indolente do cearense, que não tinha como característica a diligência que ele alegava ser nítida nos povos do sul do Brasil. Nesse sentido, era projetada uma visão em que a região sertaneja, atualmente identificada como Nordeste brasileiro, era um mundo diferente do restante da nação - perspectiva esta que, se não foi formulada por Saturnino de Brito na sua chegada ao Ceará, foi largamente reforçada na sua passagem pelo território, tanto que observa nos cearenses “um cunho especial de indolência”.

É importante destacar que a ideia que apresenta os cearenses como preguiçosos também é identificada nos relatórios de outros engenheiros que trabalharam na construção da ferrovia no Ceará. Carlos Alberto Morsing, na correspondência trocada com a administração da obra da EFB, também se utilizou desse argumento para explicar o atraso dos trabalhos. Em suas palavras, “os operarios que aqui encontrei não estão habituados a trabalhos desta espécie e muito tem custado conseguir-se a sua freqüência e actividade; isto me tem feito lutar com sérios embaraços que felismente tem de alguma forma minorado”.10 10 MORSING, Carlos Alberto [Correspondência]. Destinatátio: Engenheiro Chefe da Direção de Obras Públicas do Ceará, Dr. José Pompeu Albuquerque Cavalcante. Baturité, 30/09/1878. BR, APEC, EFB, 02, 1878. Ofício, p. 01. Anos mais tarde, já no século XX, a evasão de trabalhadores dos campos de serviço da EFB se tornou frequente: logo no início da época de chuvas, os operários retornavam para seus locais de origem. Em 1916, foi impossível manter uma frequência diária de 3 mil trabalhadores em parte “por ter se retirado um grande número de infelizes flagellados logo depois que bem se accentuaram as esperanças de inverno com as chuvas de fevereiro e março”.11 11 REDE DE VIAÇÃO CEARENSE. Relatório. Fortaleza: RVC, 1916, p. 11. Em 1918, ano de bom inverno, grande parte dos trabalhadores da edificação da via férrea abandonou esses serviços e retornou para o campo.12 12 BRASIL. Ministério da Viação e Obras Públicas. Relatório. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1918

Na realidade, a resistência dos trabalhadores da EFB às intensas jornadas de trabalho, experimentada por Morsing e pelos engenheiros responsáveis pela construção em 1916 e 1918, tinha uma relação íntima com o comportamento dos cearenses criticado por Saturnino de Brito em 1892: ambos eram modo de se relacionar com o ambiente e uma tentativa de defender suas tradições e costumes. A fuga do canteiro de obras e o retorno a um trabalho classificado como moroso, indolente, era a busca de um cotidiano que se adequasse melhor à vida numa região com períodos de seca e altas temperaturas no decorrer do dia na maior parte do ano. O trabalho sistemático ou diligente, advogado pelos engenheiros ligados à EFB, provavelmente seria mais penoso no sertão cearense com seu clima peculiar, do que decorre a resistência a ele.

Como tentativa de achar explicações e motivos para o que Saturnino de Brito chamou de indolência dos habitantes cearenses, o engenheiro comentou com ênfase a atuação do clero local, que chamou de radicalmente anacrônico:

Os diretores espirituais aos quaes está entregue a nossa população ignorante e feitichistamente supersticiosa, são radicalmente anacrônicos. (…) O clero cearense, os verdadeiros sacerdotes que são aceitos como diretores espirituais, em lugar de se entregarem ao domínio dos fenômenos patológicos que espantam esta população e que, entretanto, não passam de grave histerismo, os sacerdotes que são ouvidos por este povo sujeito a cruéis vicissitudes, em lugar de mandarem-no para as igrejas do Joaseiro e do Crato, deveriam ordenar-lhe que fosse cavar a terra e açudar todas as vertentes a fim de que estas recolhessem as primeiras aguas caídas. Incontestavelmente esta solução garantirá mais contra a fome, do que consumir o tempo a dormir nas redes ou a orar em igrejas e purificar a alma para novos pecados. (BRITO, 1943BRITO, Francisco Rodrigues Saturnino de. Primeiras publicações, v. 22. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional , 1943., p. 205).

O tempo, ao que indicam estas observações, é o ponto-chave da crítica. Para Saturnino de Brito, o tempo deveria ser pautado pela eficiência, compreensão típica do pensamento moderno e dos engenheiros brasileiros no final do século XIX, numa subordinação da natureza e das pessoas a um saber técnico, “fruto de uma sociedade capitalista que substituiu o tempo associado à natureza e o submeteu aos ponteiros racionais do relógio” (SILVA, 2013SILVA, Wendell Guedes da. A todo vapor! Formação de trabalhadores na Estrada de Ferro de Baturité (1877-1880). Dissertação de mestrado em História, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2013., p. 70). A racionalidade da organização dos serviços estava intimamente relacionada ao ofício dos engenheiros e seu pensamento matemático e era traduzida numa rígida disciplina de divisão metódica do tempo para regular o trabalho humano. Assim, observa ironicamente ser inadmissível o cearense “consumir o tempo a dormir nas redes ou a orar em igrejas e purificar a alma para novos pecados”; ao contrário, os sertanejos deveriam aproveitar todo seu tempo em trabalho.

Importa compreender que as observações do engenheiro ganharam tons dramáticos, em parte, em virtude de sua trajetória como homem que viveu em cidades maiores e mais movimentadas que as existentes no interior do Ceará no final do século XIX. Semelhantemente a Saturnino de Brito, Euclides da Cunha expressou sua surpresa sobre a relação estabelecida com o tempo no espaço do sertão - no caso deste, o sertão baiano. Nas palavras do autor de Os Sertões:

Tem-se a sensação esmagadora de uma imobilidade do tempo. A terra realiza a sua rotação eterna, os dias sucedem-se astronomicamente, mas mudam aqui. Parece que é o mesmo dia que se desdobra sobre nós - indefinido e sem horas - interrompido apenas pelas noites ardentes e tristes. E quando o sol dardeja alto, ardentíssimo num céu vazio, tem-se a impressão estranha de um spleen mais cruel do que o que se deriva dos nevoeiros de Londres; spleen tropical feito da exaustão de um organismo e do tédio ocasionado por uma vida sem variantes. (CUNHA, 1939, p. 78 - nota 04)

Margarida Neves (2013), ao trabalhar os cenários da república brasileira no final do século XIX, destacou as diferentes realidades que constituíam o país. No Rio de Janeiro e nas principais cidades brasileiras,

tudo parecia mudar em ritmo alucinante. A política e a vida cotidiana; as idéias e as práticas sociais; a vida dentro das casas e o que se via nas ruas. Como nas subidas, descidas, voltas e reviravoltas de uma montanha russa estonteante, (…) o progresso tudo parecia arrebatar em sua corrida desenfreada. (Ibidem, p. 13)

Enquanto isso, no interior do país, tudo era marasmo. No sertão,

nada parecia romper uma rotina secular, firmemente alicerçada no privilégio, no arbítrio, na lógica do favor, na inviolabilidade da vontade senhorial dos coronéis e nas rígidas hierarquias assentadas sobre a propriedade, a violência e o medo. Tudo parecia ser sempre igual e o tempo, ao menos aparentemente, ainda seguia o ritmo da natureza. (Ibidem, p. 13-14)

Assim, o pensamento de Euclides da Cunha, e do próprio Saturnino de Brito, de que o tempo não aproveitado de forma sistemática se tornava eterno, “indefinido e sem horas”, o que provocava tédio e impossibilitava o progresso - “uma vida sem variantes” -, deve ser entendido como compreensível para a virada do século XIX e início do XX. Contudo, é importante ressaltar que a consciência de modos de vida diferentes nos sertões nordestinos do observado em cidades do sul do país, naquele momento, somente explica a surpresa dos engenheiros com uma experiência diferente da sua. Tal consciência não pode, sob qualquer pretexto, legitimar seu olhar preconceituoso sobre a realidade que eles observavam.

De outro lado, é prudente destacar que a imposição de um regime de trabalho sob uma racionalidade não experimentada pelos cearenses, cuja maior parte era de agricultores pobres, modificava drasticamente sua vida, sobretudo porque essa compreensão de trabalho exigia frequência diária e sistemática durante todo o período laboral (numa obra como a ferrovia, por exemplo), numa temporalidade radicalmente distinta da experimentada no cultivo da lavoura, restrito a determinados períodos do ano. Essas modificações redimensionavam as horas de descanso e os costumes cotidianos dos antigos cultivadores agrícolas.

Para os “reformadores da pátria” e os racionalistas defensores do progresso, as atividades que não tivessem um caráter rentável, com aproveitamento do tempo para o trabalho sistemático, eram reputadas como inúteis ou contraproducentes, sobretudo se tais atividades eram religiosas. Não por acaso, Saturnino de Brito classificou como “graves histerismos” os acontecimentos de Juazeiro do Norte que envolveram, em 1889, o padre Cícero e a beata Maria de Araújo, no que ficou conhecido como o milagre de transformação da hóstia em sangue pelo referido sacerdote na boca da religiosa (DELLA CAVA, 1985DELLA CAVA, Ralph. Milagre em Joaseiro. 2ª edição. São Paulo: Paz e Terra, 1985.; FORTI, 1991FORTI, Maria do Carmo P. Maria de Araújo, a beata do Juazeiro. São Paulo: Edições Paulinas, 1991.). Teceu, a partir de sua compreensão racionalista e matemática de mundo, duras críticas aos “diretores espirituais” que encontrou no Ceará, a quem o engenheiro responsabilizou pela fome experimentada na região, uma vez que enviavam o povo para a igreja quando deveriam, em suas palavras, “ordenar-lhe que fosse cavar a terra e açudar todas as vertentes a fim de que estas recolhessem as primeiras aguas caídas”.

Indolente, supersticioso, preguiçoso: o sertanejo cearense foi definido a partir da compreensão moderna, racionalista e eurocêntrica de mundo que, apesar de extremamente comum no Brasil do final do século XIX, ainda é surpreendente e incômoda, sobretudo porque o discurso sobre o nordeste atrasado é lamentavelmente atual.

Considerações finais

A compreensão de tempo e espaço defendida por Saturnino de Brito para a formação da “pátria cearense” era tipicamente moderna. No mapa e relatório entregues a Lassance Cunha, então administrador da EFB, com as propostas de melhores percursos para a ferrovia, é delineado um projeto moderno de superação do espaço pela abreviação ou aceleração do tempo, em que o território cearense seria estruturado para atender a velocidade dos ritmos do progresso europeu ocidental. No mapa, as linhas tracejadas referiam-se ao tempo e à velocidade para percorrer o território muito mais do que demarcava aquele espaço, porque o âmago da disputa pelo poder na modernidade estava na capacidade de alcançar a velocidade máxima de transporte/comunicação/transmissão, uma vez que “o poder é inseparável da riqueza e a riqueza é inseparável da velocidade” (VIRÍLIO, 2000, p. 15). Nenhum lugar considerado distante e atrasado poderia ser entendido como moderno no final do século XIX. Por isso, o sertão era projetado para a velocidade, para se tornar a “pátria cearense”, num processo que, ironicamente, reforçava discursos que o descreviam como “apático”.

É nítido em todo o relatório de Saturnino de Brito o tratamento do Ceará e dos cearenses, que tinham uma experiência diferente da pautada pela ciência e apontada como comum no sul do país, como desigual. Trata-se de uma visão recorrentemente depreciativa, em que as diferenças observadas no seu trajeto pelo território cearense foram entendidas como atraso. É interessante observar que o próprio engenheiro precisou reorganizar seus métodos de medição da pressão atmosférica para conseguir estabelecer uma relação com o clima e o ambiente que lhe permitisse fazer o reconhecimento dos terrenos propícios para o assentamento da Estrada de Ferro de Baturité. Mas, contraditoriamente, o mesmo engenheiro classificou as negociações dos habitantes do sertão com o clima e o ambiente como retrógradas e indolentes.

Nesse momento, é oportuno tomar de empréstimo a reflexão feita por Mike Davis (2002)DAVIS, Mike. Holocaustos coloniais: clima, fome e imperialismo na formação do terceiro mundo. Rio de Janeiro: Record, 2002. sobre Canudos, em Holocaustos coloniais, para pensar as experiências dos sertanejos cearenses no final do século XIX, para compreender a experiência dos sujeitos sociais observados e criticados por Saturnino de Brito, tal como os homens, as mulheres e crianças que fizeram Canudos: como uma reação racional ao inexorável caos da seca e da depressão que se agigantava diante da incapacidade do Estado de desenvolver o sertão, ou mesmo reduzir a rapidez do seu declínio. Assim, o que é classificado como superstição, indolência e preguiça é, na realidade, uma negociação e uma atitude racional de sertanejos que precisavam lidar com um ambiente na maioria das vezes hostil.

  • *
    Este artigo é resultado de pesquisa financiada pelo Edital Universal do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com o projeto Ceará de Papel: Cartografias, Computadores e Pesquisa Histórica. Ambas as autoras participaram de todas as partes do artigo, que não foi publicado em plataforma de preprint. Todas as obras e todos os documentos utilizados na pesquisa e na elaboração do artigo são citados nas notas e na bibliografia. Com exceção da vetorização do mapa, coordenado por Ana Isabel juntamente com equipe de bolsistas - Maria Leopoldina Máximo e Cícera Adeliana Silva, as autoras realizaram todas as fases da pesquisa.
  • 1
    A construção da Estrada de Ferro de Baturité (também denominada Linha Sul ou Tronco) no sertão cearense foi iniciada em 1872 e finalizada no ano de 1926, com a inauguração do ponto final dessa linha férrea na cidade do Crato (CE), perfazendo um trajeto de 599 km. Os trilhos também se estenderam em direção ao norte do estado com a Estrada de Ferro de Sobral (ou Linha Norte), que tinha seu destino final na cidade de Oiticica, contando cerca de 450 km de percurso. Juntas constituíam a Rede de Viação Cearense (RVC), que mais tarde foi incorporada à Reffsa. Ver mais sobre o tema em Ferreira (1989)FERREIRA, Benedito Genésio. A Estrada de Ferro de Baturité: 1870-1930. Fortaleza: Edições UFC, 1989. (Projeto História do Ceará, Política, Indústria e Trabalho 1930-1964)..
  • 2
    Nesse caso, deve-se perceber impressos no mapa os interesses numa implementação de mais de um meio de comunicação, o terrestre e o fluvial - com uma hidrovia no São Francisco - e as intenções de uma integração nacional. Ver mais em Oliveira (2013).
  • 3
    Ver também Alonso (1996)ALONSO, Angela. De positivismo e de positivistas: interpretações do positivismo brasileiro. BIB, Rio de Janeiro, n. 42, p. 109-134, 1996..
  • 4
    Conforme o relatório: “Parti de Quixeramobim dirigindo-me para Maria Pereira, Saboeiro, Vila do Araripe (Brejo-Seco) até ganhar a Serra do Araripe em ponto tal que o prolongamento com destino ao Rio S. Francisco não oferecesse dificuldade de subida” (BRITO, 1943BRITO, Francisco Rodrigues Saturnino de. Primeiras publicações, v. 22. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional , 1943., p. 199).
  • 5
    Sobre a escala do mapa, expressa em forma de dízima periódica, prática atípica na cartografia, Saturnino de Brito fez a advertência seguinte: “O Snr. Diretor Engenheiro-Chefe ordenou-me que reduzisse a planta de Reconhecimento a dimensões acomodadas ao tamanho das brochuras; a tal molde sujeitei a escala, e, assim, aparece esta em dízima periódica, o que, aliás, é de somenos importancia” (BRITO, 1943BRITO, Francisco Rodrigues Saturnino de. Primeiras publicações, v. 22. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional , 1943., p. 193).
  • 6
    Mapas produzidos por Ana Isabel Ribeiro Parente Cortez Reis, Maria Leopoldina Dantas, Anderson da Silva Felix e Cícera Adeliana Ferreira (sendo os três últimos bolsistas de iniciação científica). Projeto Ceará de Papel: Cartografias, Computadores e Pesquisa Histórica, Edital Universal CNPq.
  • 7
    Ver mais em Reis (2015)REIS, Ana Isabel Ribeiro Parente Cortez. O espaço a serviço do tempo: a Estrada de Ferro de Baturité e a invenção do Ceará. Tese de doutorado em História, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2015..
  • 8
    O Império brasileiro estava sendo consolidado no seu Segundo Reinado, com dom Pedro II, que colocava em prática um projeto de centralização administrativa do país. A impressão de estabilidade social brasileira era experimentada desde 1845, com o término da Guerra dos Farrapos - última revolta de caráter separatista no período imperial brasileiro. Nesse tempo de relativa paz interna, foram implementados projetos que visavam o fortalecimento do poder do imperador e a centralização administrativa do Brasil, como o reconhecimento e a demarcação “mais exata” do que era o território nacional.
  • 9
    AUXILIADOR DA INDÚSTRIA NACIONAL. Rio de Janeiro: Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, 07/01/1852, p. 233.
  • 10
    MORSING, Carlos Alberto [Correspondência]. Destinatátio: Engenheiro Chefe da Direção de Obras Públicas do Ceará, Dr. José Pompeu Albuquerque Cavalcante. Baturité, 30/09/1878. BR, APEC, EFB, 02, 1878. Ofício, p. 01.
  • 11
    REDE DE VIAÇÃO CEARENSE. Relatório. Fortaleza: RVC, 1916, p. 11.
  • 12
    BRASIL. Ministério da Viação e Obras Públicas. Relatório. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1918

Referências Bibliográficas Fontes

Referências Bibliográficas Fontes
  • AUXILIADOR DA INDÚSTRIA NACIONAL. Rio de Janeiro: Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, 07/01/1852.
  • BRASIL. Ministério da Viação e Obras Públicas. Relatório Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1918.
  • MORSING, Carlos Alberto [Correspondência]. Destinatátio: Engenheiro Chefe da Direção de Obras Públicas do Ceará, Dr. José Pompeu Albuquerque Cavalcante. Baturité, 30/09/1878. BR, APEC, EFB, 02, 1878. Ofício.
  • REDE DE VIAÇÃO CEARENSE. Relatório Cidade: RVC, 1916.
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      » https://bit.ly/2ka0YOp» http://dx.doi.org/10.1590/S1982-45132013000300011
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    Editado por

    Editores responsáveis pela publicação: Júlio Pimentel Pinto e Flavio de Campos

    Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Abr 2020
    • Data do Fascículo
      2020

    Histórico

    • Recebido
      16 Out 2018
    • Aceito
      16 Maio 2019
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