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HAVÍA CORRIDO LA VOZ: CIRCULAÇÃO DE RUMORES SOBRE A EXISTÊNCIA DE MINAS DE OURO NA REGIÃO DO RIO DA PRATA E PARAGUAI (1647-1680)1 1 O presente artigo é uma contribuição inédita e, portanto, não foi publicado em nenhuma plataforma de preprint. Todas as fontes e bibliografia empregadas estão mencionadas no texto e as fontes utilizadas foram consultadas no Archivo General de Índias (Espanha). Todas as obras e todos os documentos utilizados na pesquisa e na elaboração do artigo são citados nas notas e na bibliografia. O autor participou de todas as atividades, incluindo pesquisa documental e bibliográfica, sistematização de dados e redação do artigo. Pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (2017/03606-8 e 2018/02354-8).

HAVÍA CORRIDO LA VOZ: RUMORS CIRCULATED ABOUT THE EXISTENCE OF GOLD MINES IN THE REGION OF RÍO DE LA PLATA AND PARAGUAY (1647-1680)

Resumo

O artigo tem por objetivo compreender os rumores difundidos no porto de Buenos Aires a partir de 1647 envolvendo notícias relacionadas à existência de minas de ouro na região do Uruguai e Paraguai. Os rumores representaram anseios da sociedade, propiciando sua efetivação e, principalmente, sua rápida difusão. O porto de Buenos Aires, como ponto de encontro de pessoas provenientes de diferentes regiões foi locus privilegiado para a criação e circulação desse tipo de notícia. Apesar de sua origem difusa, os rumores acerca das minas foram apropriados por agentes locais. Pouco depois, Bernardino de Cárdenas, bispo do Paraguai, utilizaria dos rumores como forma de atacar seus rivais, no caso, os padres jesuítas. Essa apropriação garantiu não somente a efetividades das notícias, mas principalmente sua permanência no imaginário social por uma temporalidade mais ampla.

Palavras-chave:
Circulação; Notícias; Rumor; Mineração; Rio da Prata

Abstract

This article aims to understand the rumors spread in the port of Buenos Aires from 1647 involving news related to the existence of gold mines in the region of Uruguay and Paraguay. The rumors represented the yearnings of the society, propitiating its effectiveness and, mainly, its rapid diffusion. The port of Buenos Aires, as a meeting point for people from different regions, was a privileged locus for the creation and circulation of this type of news. Despite its diffuse origin, rumors about the mines were appropriated by local agents. Shortly thereafter, Bernardino de Cárdenas, bishop of Paraguay, would use the rumors as a way of attacking his rivals, in this case the priests of the Society of Jesus. This appropriation guaranteed not only the effectiveness of the news, but mainly its permanence in the social imaginary for a wider temporality.

Keywords:
Circulation; News; Rumor; Minning; Río de La Plata

No se inventa nada.

Sólo pequeñísimas variaciones de lo ya dicho,

visto oído, leído, escrito, olvidado.

( ROA BASTOS, 1996 ROA BASTOS, Augusto. Metaforismos. Barcelona: Edhasa, 1996. , p. 76)

O presente artigo propõe analisar a circulação de notícias envolvendo a existência de minas de ouro e prata na região do interior do Uruguai e Paraguai. Esse processo, ocorrido entre 1647 e 1680 mobilizaria diversos agentes. Rumores relacionados às minas tiveram início com relatos de dois indígenas, Ventura e Felipe, e levaram a uma ampla investigação conduzida pelo governador de Buenos Aires à época, Jacinto de Laris. O auto de investigação, bem como os processos movidos contra os dois agentes geraram ampla documentação, custodiada atualmente no Archivo General de Indias, em Espanha.

Estudos acerca dos rumores tiveram vasto desenvolvimento ao longo do século XX. De acordo com Philippe Aldrin (2003, p. 128)ALDRIN, Philippe. Penser la rumeur. Une question discutée des sciences sociales. Genèses, n.º 50, p. 126-41, 2003., indica-se o trabalho de Gordon Allport e Leo Postman, de 1945ALLPORT, Gordon; POSTMAN, Leo. The basic psychology of rumor. Transactions of the New York Academy of Sciences, v. 8, n.º 2, 1945., como esforços pioneiros na abordagem sobre a questão. Partindo de uma análise que privilegiaria a abordagem psicológica, esses autores analisaram os rumores como distorções, enfatizando os processos como produtos de situações de ambiguidade (ALLPORT e POSTMAN, 1945ALLPORT, Gordon; POSTMAN, Leo. The basic psychology of rumor. Transactions of the New York Academy of Sciences, v. 8, n.º 2, 1945.). A partir da década de 1960 os estudos sobre rumores adotaram uma perspectiva de valorização do intercâmbio. A abordagem interacionista foi, por exemplo, a base para análises de Nobert Elias e John Scotson (1997)ELIAS, Norbert ; SCOTSON, John. Logiques de l'exclusion. Paris: Fayard, 1997, [1.ª ed., 1965]. e para o estudo sobre fofocas e cultura afroamericana de Ulf Hannerz (1967, p. 35-9)HANNERZ, Ulf. Gossip, networks and culture in a Black American Ghetto. Ethnos, v. 4, nº. 1, p. 35-59, 1967..

Nas décadas de 1960 e 1970 os estudos sobre rumores tiveram como foco os mecanismos de cooperação, caracterizando-se como um desenvolvimento das abordagens interacionistas anteriores. Trabalhos como de Tamotsi Shibutani (1966)SHIBUTANI, Tamotsi. Improvised news. A sociological study of rumor. Indianapolis: The Bobbs-Merrill Co., 1966. e de Michel-Louis Rouquette (1975)ROUQUETTE, Michel-Louis. Les rumeurs. Paris: PUF, 1975. sobre rumores representam o estudo nesses anos.

Desde a década de 1980, de acordo com a tendência de fragmentação do campo historiográfico, os estudos sobre rumores foram abordados seguindo a lógica de valorização de estudos de casos. Estudos dessa época privilegiaram contextos sociais mais específicos, tais como de Aanti Aarne e Stith Thompson (1984)AARNE, Aanti; THOMPSON, Stith. The types of the Folktale. A classification and bibliography. Folklore Fellows Communication, Helsinque, n.º 184, 1984. e de Véronique Campion-Vincent acerca da difusão de “lendas urbanas” (1988, p. 75-91). A partir de 2000 a temática sobre rumores privilegiou a difusão como forma de compreender o fenômeno, abandonando a concepção do boato como evento pontual. Em relação a esses estudos, ressalta-se os trabalhos de Phillipe Aldrin (2001)ALDRIN, Philippe. Le rumeur en politique. Une sociologie de la prise de parole politique. Tese (Doutorado em Ciência Política. Paris: Université de Paris I, 2001. e de Laurent Taïeb (2001, p. 231-71)TAÏEB, Laurent. Persistence de la rumeur. Sociologie des rumeurs elétroniques. Réseux, n.º 106, p. 231-271, 2001..

Para o presente artigo privilegiou-se o processo de circulação dos rumores na região platina. Assente na interpretação de Fernando Bouza, a qual destaca a interação entre escrever, ler, ouvir e ver no mundo ibero-americano dos séculos XVI e XVII (2002, p. 119), busca-se valorizar os processos de interação entre os diversos agentes como forma de melhor compreender os fenômenos que geraram as notícias falsas e explicar sua considerável dispersão.

A região da bacia do Rio da Prata, ao longo do século XVII, foi marcada por processos de reestruturação. O porto de Buenos Aires, por volta de 1615, seria caracterizado pela atividade de contrabando, notadamente o escoamento da prata de Potosí e a entrada de escravizados oriundos de África. Esse comércio, base para a economia regional, foi tolerado pela Coroa espanhola como estratégia de manutenção de uma importante praça militar (MOUTOUKIAS, 1988MOUTOUKIAS, Zacarías. Contrabando y control colonial en el siglo XVII. Buenos Aires, el Atlántico y el espacio peruano. Buenos Aires: Centro Editor de América Latina, 1988.).

No Paraguai, o contexto também seria de mudanças. Após a destruição do Guairá, importante província paraguaia responsável pela produção da erva-mate, pelos portugueses de São Paulo, a região passaria por uma profunda reestruturação econômica e espacial (JENSEN, 2009JENSEN, Carlos Ernesto Romero. El Guairá: caída y éxodo. Assunção: Academia Paraguaya de la Historia; FONDEC, 2009.). Como consequência desses eventos, a produção ervateira seria concentrada nos territórios circunvizinhos à cidade de Assunção, o que levaria a um desenvolvimento da atividade econômica a ponto de consolidar-se como principal produto de exportação da província na segunda metade do século XVII. Esse desenvolvimento somado ao progresso das missões dos padres jesuítas, que também atuavam na produção da erva-mate, levaria a um conflito de graves proporções. Destaca-se, como momento representativo dessa tensão, a expulsão dos inacianos pelo governador-bispo Bernardino de Cárdenas em 1649 (RIBEIRO, 2017RIBEIRO, Fernando Victor Aguiar. “Levantamiento bajo Cárdenas”: novas abordagens em torno do conflito antijesuítico no cabildo de Assunção em 1649. Revista de História (Unisinos), v. 21, n.º 3, p. 351-64, 2017. DOI disponível em: <http://doi.org/10.4013/htu.2017.213.05>. Acesso em: 15/10/2019.
http://doi.org/10.4013/htu.2017.213.05...
, p. 351-64).

Ao contexto conflitivo no Paraguai soma-se os crescentes embates envolvendo a demarcação das fronteiras entre os domínios de Portugal e Espanha na América. Durante esse período, o desenvolvimento de técnicas de mapeamento do território, as ações de construções de interpretações envolvendo a identidade e alteridade nessas áreas, marcariam as dinâmicas sobre fronteira. Somente em 1750, com o Tratado de Madri, as questões acerca dos limites assumiriam características mais estáveis.

Esse seria o panorama no qual os rumores da existência de minas de ouro no interior do Uruguai chegariam ao porto de Buenos Aires. Mais que um contexto favorável por conta da ampla circulação de pessoas de locais diferentes, esse momento seria um terreno fértil para a difusão e desenvolvimento dessas notícias.

Aver oydo esa voz común

Em agosto de 1647 uma notícia chegaria à população da região da bacia do Rio da Prata. Era anunciada no porto de Buenos Aires a existência de minas de ouro no interior das províncias do Uruguai e Paraná. Imediatamente o governador de Buenos Aires, Jacinto de Laris, iniciou uma série de averiguações em busca das referidas jazidas. Paralelo a essas ações, os jesuítas seriam acusados de ocultar as minas em suas reduções, situação que levaria a uma sequência de investigações em torno do caso.

Na data de 30 de agosto de 1647, o governador partia da cidade de Buenos Aires e dirigia-se às reduções franciscanas e jesuítas das províncias do Uruguai e Paraná. A motivação para essas ações foi, nas palavras de Jacinto de Laris, “por notisia y vos común y general q a corrido y corre en estas provinçias de aver minerales de oro en las de los ríos del Paraná y Uruguay donde están beynte Reducciones d elos indios de nass.on guaraníes a cargo de los Padres de la comp.ª de Jesus” (AGI, CHARCAS, 120, 30/08/1647, fl. 163r).

No momento em que se inicia tais averiguações, é enviada uma sequência de cartas aos governadores das províncias de Tucumán e Paraguai e às autoridades eclesiásticas da região. Enquanto os inqueridos respondiam não ter informações concretas da existência das minas de ouro, exceto as notícias que corriam pela região, o bispo Bernardino de Cárdenas, da província do Paraguai, relatava ter informações complementares. Ele confirmara a existência das minas de ouro em terras das reduções jesuíticas e indicara os inacianos como responsáveis por ocultá-las das autoridades imperiais (AGI, CHARCAS, 120, 30/08/1647, fl. 165v).

A colaboração do bispo Cárdenas, figura-chave no desenvolvimento dos rumores sobre o envolvimento dos padres da Companhia na exploração das minas, será analisada adiante. No momento, este estudo concentra-se nas investigações empreendidas pelo governador Jacinto de Laris na busca das minas de ouro.

A 28 de outubro de 1647, Laris realizava uma visita à redução de Nuestra Señora de la Encarnación de Ytapúa, em que eram solicitadas as presenças de alguns indígenas que conheçam bem o território vizinho à redução, os quais seriam indicados pelos padres jesuítas. Foram designados Lorenso guapú, Francisco yngaí e Ygnacio abacante. Assim, o governador “les de horden y manda agan todas las diligencçias posibles en procurar con los indios de esta y demás Reduçiones descubran las minas de oro que es voz común averen los paraxes de dhas Reducciones en esta Provinçia del Parana y del Uruguay” (AGI, CHARCAS, 120, 19/10/1647, fl. 169r).

Ao saber das investigações do governador, o padre Francisco Díaz Taño, superior das reduções jesuítas, redigiu uma petição na qual se defendia das acusações de que os padres estariam explorando ocultamente as minas de ouro. Em 19 de outubro de 1647, acusava seus oponentes de estarem motivados por inveja “del buen nombre que siempre an conservado los Religiosos desde que an entrado en estas provinçias y que de lo mucho q an hecho en ellas en el servicio de Dios y de su mag.d” (AGI, CHARCAS, 120, 19/10/1647, fl. 170r). Diante da acusação, Díaz Taño possibilitou detalhes sobre os rumores que circulavam nas províncias. Afirmou que “predicándoles el sancto evangelio por la cudicia del oro y minas riquissimas que de lo viren en las dhas reducciones y aun an añadido sin Reselo la ofensa q a Dios hacen y la injuria a los dhos Religiosos q sacan cada año a escondidas gran cantidad usurpando al Rey n.ro señor sus Reales quintos”. E continuou apontando que, “no contentos con esta maldad añandiendo pecado e injuria an dho que los dhos rreligiosos ambiam a Reynos extraños gran summa contra el Rey n.ro señor Como se a publicado en una carta que ha corrido en diversos traslados en nombre del Señor ob.po del Paraguay don fray Ber.no de Cardenas para el Ylustrissimo de Tucuman” (AGI, CHARCAS, 120, 19/10/1647, fl. 170v).

Diante das acusações proferidas pelo bispo Cárdenas, quem adicionou aos rumores da existência de minas a exploração oculta pelos padres e o crime de envio do ouro para nações estrangeiras, Díaz Taño exigia que o governador realizasse uma minuciosa investigação e que culpasse severamente os responsáveis por tais acusações. Finalizou a petição requerendo “con el mismo respecto debido a V. SS se sirba mandar a qualquiera persona, yndio o español q dixesse a constare a ver dho q ha visto, os ave donde el dho oro y mina esta lo manifiesta y digo donde esta en que parte o lugar Río, arroyo o monte o otra qualquier parte obligándole a ello con graves penas pues es Justiçia” (AGI, CHARCAS, 120, 19/10/1647, fl. 171v-172r).

As solicitações do superior jesuíta foram atendidas e em 10 de novembro do corrente ano o governador Jacinto de Laris iniciava o processo contra os indígenas acusados de serem os responsáveis pela difusão dos rumores da existência das minas de ouro na região. Foram acusados Ventura, indígena do grupo charrua e Felipe, guarani reduzido em missão de padres jesuítas. O auto iniciava-se com breve descrição das origens do referido rumor. Apontava, no processo, que

quando em la ciud.ª de la trinidad puerto de buenos ayres abra tiempo de ocho meses poco mas o menos que un indio llamado ventura de nass.on charrúa ladino en lengua española le informo [ao governador] y certifico por cossa cierta avia minerales de oro en tierras de las reducciones y tenían y tienen a su cargo los Padres de la Comp.ª de Jhs en estas Provincias del Parana y Uruguay (AGI, CHARCAS, 120, 10/11/1647, fl. 162v-173r).

Assim, iniciou a descrição de esse sítio, no qual era extraído ocultamente o ouro. Descrevia que

el dho yndio avia visto dho oro y el mismo ydo a sacarlo = Y que tenían un Castillo con piessas de artillería y mucha gente indios de la dha redussion los que le guardaban y q sacaban el oro de unas peñas q habían arrojos quando llovía y attrecho unos possos donde después con unas bateguelas sacaban el oro y que al tiempo que estaban para irse al dho puerto de buenos ayres aviendo coxido el dho yndio un pedado de una piedra q tenia piedrecitas de color de sangre y más coloradas q sangre mirándole y rreconociendole su atto y vestuario los dhos Padres de la Comp.ª le avian hallado a toda la piedra a un mueslo y le avian asotado y tenido presso mas de quatro meses y después se avía huído y hidosse al dho puerto de buenos ayres y dio la noticia Referida al dho señor gov.or (AGI, CHARCAS, 120, 10/11/1647, fl. 173r).

A acusação apontava que

el qual dho yndio Bentura notoriamente se sabe servido acostumbrado a pasar semejantes ynformes engañosamente como hizo los mismos al gov.or don Ger.mo Luis de Cabrera siendo los destas provincias y otras personas conq a sido causador de la Voz publica y gen.l q ha corrido de sacarse y aver mucho oro en tierra de las reducciones desta dha provincia del Uruguay y Parana (AGI, CHARCAS, 120, 10/11/1647, fl. 174r-174v).

É relevante assinalar que durante o processo Ventura era acusado de enganar de forma sistemática. Contudo, o governador Jacinto de Laris, que acolheu o rumor e iniciou a busca pelas minas de ouro, não é citado em nenhuma parte do processo por acusar os jesuítas de ocultar as minas.

Na abertura do processo são realizadas algumas perguntas aos indígenas acusados. A Ventura lhe foi perguntado seu nome e sua origem, na qual respondeu que “se llama Ventura y q nasio en el yguaré cerca del Puerto de Buenos Ayres y q desde muchacho pequeño esta criado entre españoles y assi es ladino en la lengua castellana q habla y entiende. Paresio por su aspeto de hedad asta treinta y seis años poco más, poco menos” (AGI, CHARCAS, 120, 30/11/1647, fl. 176v).

Em relação à atividade profissional, respondeu que “no tiene officio y se sustenta de su servicio q haze” e que “lo más hordinario suele estar y Residir en el dho Puerto de buenos ayres” (AGI, CHARCAS, 120, 30/11/1647, fl. 177r).

Ao ser questionado mais uma vez sobre as notícias das minas, Ventura revelava novas informações, entrando em contradição com o declarado anteriormente. Afirmava que “solo lo q sabe este casso es aver dho el dho yndio ffelipe q avia tenido noticias se sacaba oro en tierras lejanas arriba de estos Ríos del Uruguay y Parana asi san pablo” (AGI, CHARCAS, 120, 30/11/1647, fl. 177v). Felipe, por sua vez, repetia as informações iniciais descritas por Ventura a respeito da existência de um castelo, com artilharia e explorado pelos padres jesuítas. Apontava também que Ventura fora a testemunha ocular e que contou a ele o que viu (AGI, CHARCAS, 120, 30/11/1647, fl. 179v-180r).

Posteriormente a confissão de ambos envolvidos, após a tormenta, processo pelo qual o acusado era submetido a torturas físicas a fim de confessar suas culpas, foi proferida sentença. Ao índio Ventura foi condenado a que “sea sacado de la prission en q esta y llevado a plassa publica desta reduss.on donde este puesto eyncado en la tierra un palo gruesso que sirba de árbol de justicia y arrimado y atado en el en concurso de gente y con voz de pregonero que manifieste su delito y le sean dados duscientos azotes y l e sea quitado y cortado el cabello” e, de forma complementar, foi condenado também “en destierro perpetuo y pressisso de todo este gobierno y provincias del Rio de la Plata y jurisdiss.in donde por todos los días de su vida no entre ni buelba con pena de morte” (AGI, CHARCAS, 120, 30/11/1647, fl. 194r-194v).

O índio Felipe foi absolvido de suas culpas por alegação de “su incapasidad de yndio bosal y aver sido persuadido y enganado por el dho yndio bentura effecto de q. se abonasse el falso informe y noticia q médio de los dhos minerales de oro” (AGI, CHARCAS, 120, 30/11/1647, fl. 194v). Assim, aplacou-se o descontentamento dos jesuítas diante das acusações que circulavam pela província e, com a absolvição de Felipe, garantiu-se de forma mais evidente que Ventura fora o único responsável por enganar a todos, principalmente ao governador Laris.

Enquanto corria o processo de Ventura e Felipe, o governador de Buenos Aires nomearia Martín de Vaz, experimentado minerador de ouro e prata, para que, junto com mais cinco soldados explorasse o território apontado nos rumores que circulavam. A notícia do indígena Cristóbal Cuma de que havia minas de ouro nas missões jesuíticas do Paraguai foi a motivação para essa empresa. Assim, no Auto de exploração do território é descrito que “parece aver dado noticia un yndio de la rreducion de la assump.on el día que el dho gov.or vicito los indios q están poblados y citeados en las tierras della llamado xptoval Cuma quien señaló un arroyo q haxa de a serranía nombrado ñeambuy q cae en las tierras y rreducciones q despoblaron los enemigos de san Pablo” (AGI, CHARCAS, 120, 30/11/1647, fl. 196v-197r).

Em 17 de novembro de 1647 o grupo retornava à cidade de Assunção e declarava não haver encontrado quaisquer indícios de ouro na região. Ao questionarem o índio Cristóbal sobre as informações por ele fornecidas, este indicou que o local de ouro “era donde avia ydo dizir a su padre ya defunto y a un tio suyo Alonso cabayu”. Seu tio fora questionado acerca da história e esse declarou que “mentía el dho su sobrino y a aquellas tierras eran de los indios de la dha rreduss.on y q vivía y se avia criado en ellas y las avia andado y hallado de hordinario y q nunca tal vio q ubiesse oro ni mineral a les del ni tal alan oydo” (AGI, CHARCAS, 120, 17/11/1747, fl. 198v-199r).

Indígenas de diversas localidades respondiam positivamente aos anseios do governador Jacinto de Laris. Parece que fora ele a pessoa que mais acreditou nesses rumores que circulavam. Contudo, uma declaração de um português, residente em Assunção, iria trazer luz à situação e explicar o processo de criação e circulação dessas notícias acerca das minas de ouro.

Na data de 17 de abril de 1657, na cidade de Assunção, foi relatado que havia um português, Domingo Farto, que declarava conhecer minas de ouro exploradas pelos padres jesuítas. Diante dessa acusação, o padre do colégio de Córdoba solicitou que ele declarasse o que sabia. No dia seguinte, afirmou que “es de nación portugués que siendo muchacho lo trajeron al Brasil donde se crio y se caso en San Pablo Provincias todas de el Reyno de Portugal”. E, no

año de quarenta y siete o el quarenta y ocho se encarvo en el Brasil vn navio de Antonio franco madera en el qual aporto al puerto de Buenos ayres que allí se deservaco y paso a la Provinçia de tucuman desterrado del dicho puerto de Buenos Ayres por don Jacinto de laris que Governaba y mando salir de allí a todos los portugueses con lo qual este declarante paso a cordova ciudad de la Provinçia de Tucumán (AGI, CHARCAS, 120, 17/04/1657, fl. 24r).

Afirmou que antes de sua viagem a Buenos Aires havia explorado o território próximo à capitania de São Vicente, na América portuguesa. Relatou que “a estado en las dichas provincias del uruguay y Parana y Reducciones de los Padres de la Compañía” (AGI, CHARCAS, 120, 17/04/1657, fl. 24r). E que em suas andanças, “llegou asta un lugar que llamavan santa thereza de los Piñales y que aviendolo hallado desse volvió este delcarante con la demás gente otra ves a la dicha ciudad de San Pablo” (AGI, CHARCAS, 120, 17/04/1657, fl. 24v).

Essa paragem, na qual encontraria as minas de ouro, denominada Santa Thereza, “es de la Provinçia de Uruguay o Paraná y si es los que están a cargo de los Padres de la compañía dixo que el dicho lugar de santa teresa es tiera firme continuada con a de san Pablo y de Aquel distrito que todas se tiene por tierra de los portugueses y que allí son las cabessadas de la Provincia del Uruguay” (AGI, CHARCAS, 120, 17/04/1657, fl. 24v).

Foi-lhe questionado mais uma vez a respeito da existência das minas de ouro e do envolvimento dos jesuítas em sua exploração. A esse respeito, Domingo Farto relatou que “no a estado en las Reducciones de los dichos Padres con lo qual no puede saber nada lo que se pregunta mas que la de aver oydo esta voz común de que lo sacaba los dichos padres en la dicha provincia” (AGI, CHARCAS, 120, 17/04/1657, fl. 25v).

Assim, declarava que as minas de ouro estavam “en tierras de san Pablo siete leguas de la ciudad en yn cerro de minas llamado Ybiturun y en el puerto de Parnagua dose leguas de Canane para el sur que son los dos parages donde se labra y saca oro por todos los que quiseren ir sacando Porque son minas comunes a todos” (AGI, CHARCAS, 120, 17/04/1657, fl. 26r).

Essa última declaração relaciona duas minas de ouro já conhecidas. A primeira, Ybiturun corresponde às minas de Voturuna, próximas à vila de Santana de Parnaíba na capitania de São Vicente. Já as minas próximas ao porto de Paranaguá e à vila de Cananéia correspondem às descobertas auríferas no planalto de Curitiba na década de 1640.

Domingo Farto, motivado pelas notícias dessa descoberta que circulavam na região de São Paulo, levaria esses rumores ao porto de Buenos Aires. Em 1647, ano de sua chegada ao porto platino, corresponde à data declarada pelo indígena Ventura na qual conhecera os relatos sobre as minas. Soma-se a isso a hostilidade que os portugueses de São Paulo manifestavam aos jesuítas envolvendo a disputa pela mão de obra indígena. Assim, o relato da existência de minas de ouro e a exploração oculta dos jesuítas seriam plasmados em uma única notícia que seria introduzida na região platina no porto de Buenos Aires. Ressalta-se que Domingos Farto era marinheiro e Ventura trabalhava de forma esporádica no porto e que esse espaço teria sido um locus privilegiado para a circulação de notícias no período colonial.

Circulação de relatos e rumores

O processo de conquista da América teve como impulsionador relatos acerca da existência de territórios ricos em ouro e prata. Em associação aos mitos edênicos europeus, de raízes medievais, as notícias colhidas pelos conquistadores em relação à presença de metais preciosos reforçariam tais mitos e encorajaria a penetração europeia ao interior da América (HOLANDA, 1958HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. Tese (Concurso para a Cadeira de História da Civilização Brasileira da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras). Universidade de São Paulo, 1958.).

Partindo desse cenário, observa-se que a circulação de relatos e notícias encontrou papel de destaque e, portanto, sua compreensão seria uma das chaves para entender a dinâmica de formação das sociedades no Novo Mundo.

Robert Darton, ao analisar a circulação de informações na Paris do século XVIII, descreve a existência da árvore da Cracóvia, no entorno da qual a população se reunia para saber as novidades na região. Aponta a importância da oralidade nesse processo, visto que boatos comuns não satisfaziam os parisienses, que dispunham de poderoso apetite por informações. Eles precisavam mudar o ruído do público para descobrir o que realmente estava acontecendo (DARTON, 2003DARTON, Robert. George Washington's false teeth. Nova York: W. W. Norton & Company, 2003., p. 27).

A oralidade adquiria relevância graças a sua facilidade de dispersão, capacidade de alteração de conteúdo e como estratégia de escapar dos controles régios por meio da censura. Isso porque todo material impresso deveria ser analisado mediante complexa burocracia que incluía quase duzentos censores, e suas decisões eram aplicadas por um ramo especial da polícia, os inspetores do comércio de livros (DARTON, 2003DARTON, Robert. George Washington's false teeth. Nova York: W. W. Norton & Company, 2003., p. 33).

Em relação ao contexto da Espanha do século XVII, Michele Olivari em Avisos, pasquines y rumores. Los comienzos de la opinión púbica en la España del siglo XVII, de 2014, traça um importante panorama sobre a circulação de informações e notícias. Destaca a relevância dos espaços públicos no processo de circulação e de difusão das notícias em setores sociais distintos. Afirma que “es sabido que el ‘espacio público', por ejemplo, en el sentido literal de lugar constituía una noción intrínseca a la cultura de los españoles de entonces”. Dessa forma, “la percepción clara que tuvieron de la naturaleza de bonum commune propia de las plazas y calles, de su función eminentemente social, me parece indicativa de una sensibilidad intelectual y de una experiencia real perfectamente susceptible de conjugar algunos lugares con la idea de publicidad” (OLIVARI, 2014OLIVARI, Michele. Avisos, pasquines y rumores. Los comienzos de la opinión púbica en la España del siglo XVII. Madrid: Cátedra, 2014., p. 25).

O espaço democrático das praças, isto é, locais onde congregavam diferentes segmentos da sociedade, adquiria relevância na sociedade moderna. Porque, “además de las reuniones cívicas, en las plazas encontramos sede natural las relaciones interpersonales ordinarias: encuentros, conversaciones, corrillos, idas y venidas ritmadas por los coloquios bajo los pórticos de los días de lluvia o de pleno sol” (OLIVARI, 2014OLIVARI, Michele. Avisos, pasquines y rumores. Los comienzos de la opinión púbica en la España del siglo XVII. Madrid: Cátedra, 2014., p. 28).

Esse locus privilegiava a circulação de informações, atingindo diferentes segmentos da sociedade. Nas palavras de Olivari, “el explícito reconocimiento del derecho a esta sociabilidad de los aldeanos, impuesto obviamente por la dependencia de los productos de la tierra, exaltaba en todo caso el carácter público de las plazas extendiéndose a un ámbito más diverso y heterogéneo que el solamente el urbano” (OLIVARI, 2014OLIVARI, Michele. Avisos, pasquines y rumores. Los comienzos de la opinión púbica en la España del siglo XVII. Madrid: Cátedra, 2014., p. 28). A essa permeabilidade soma-se a participação ativa de setores subalternos da sociedade no processo de criação e difusão das notícias devido ao fato de “los campesinos, en todo subalternos al centro urbano dominante, poder disfrutar allí libremente del mismo ‘trato común' de los ciudadanos: conocer habitantes de otros pueblos y de la ciudad misma, informarse sobre las últimas novedades y sobre los comentarios relativos a estas” (OLIVARI, 2014, p. 28).

Tal contexto múltiplo apresentado por Olivari corresponde ao domínio da oralidade. Contudo, o processo de circulação de informações encontrava algumas especificidades que diferem da circulação da cultura escrita, devido ao fato de que “la oralidad de las plazas y la lectura callejera garantizaban una caja de resonancia eficaz para las informaciones escritas, gracias a la básica homogeneidad de los intereses del público” e “naturalmente bastante diferentes eran el alcance y la importancia de las piezas que constituían el mosaico de los canales de información” (OLIVARI, 2014OLIVARI, Michele. Avisos, pasquines y rumores. Los comienzos de la opinión púbica en la España del siglo XVII. Madrid: Cátedra, 2014., p. 186).

Ressalta-se que, durante a Época Moderna, inclusive decisões escritas somente se tornavam efetivas por meio de sua leitura “con voz alta y clara” em praça pública. A esse fator reforça-se mais uma vez a especificidade da cultura oral e a relação direta de interdependência com a cultura escrita (OLIVARI, 2014OLIVARI, Michele. Avisos, pasquines y rumores. Los comienzos de la opinión púbica en la España del siglo XVII. Madrid: Cátedra, 2014., p. 214)3 3 Para um estudo mais detalhado acerca leitura de bandos e leis na França do século XVIII, ver (FOGEL, 1989, p. 23). .

À circulação de informações há diversos processos pelos quais os rumores são criados e difundidos. Nesse sentido, Chris Wickham, ao estudar os rumores entre os camponeses medievais, reflete a respeito do processo pelo qual a informação é construída em sociedades não letradas. Reforça a reputação pública como conhecimento comum, isto é, como processo constituído por meio da conversação acerca do assunto: em outras palavras, por meio de fofocas (WICKHAM, 1998WICKHAM, Chris. Gossip and resistance among the medieval peasantry. Past and Present, n.º 160, p. 3-24, 1998. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/651105>. Acesso em: 15/10/2019.
http://www.jstor.org/stable/651105...
, p. 5).

Como exemplo paradigmático do impacto da circulação de rumores na construção de uma cultura oral, apresenta-se o caso da Islândia medieval. Segundo Wickham, a situação de pobreza generalizada na ilha, cuja imensa maioria da população era composta por camponeses, permitiu a consolidação da literatura nacional, isto é, as sagas islandesas, a partir da produção e circulação de relatos orais, muitos deles rumores (WICKHAM, 1998WICKHAM, Chris. Gossip and resistance among the medieval peasantry. Past and Present, n.º 160, p. 3-24, 1998. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/651105>. Acesso em: 15/10/2019.
http://www.jstor.org/stable/651105...
, p. 6). Essas narrativas, ou sagas, se concentram em disputas das quais o sucesso final de um camponês islandês em um conflito dependia em grande parte da opinião de seus parentes, ou mais raramente, dos vizinhos. Assim, a construção do indivíduo passava pela circulação oral envolvendo sua reputação (WICKHAM, 1998, p. 6).

Todavia, o exemplo citado não inclui a questão da resistência, pois a sociedade islandesa não apresenta disparidades sociais relevantes e, os conflitos entre as partes acabam por ser minimizados. Wickham aponta que as resistências são mais bem observadas em sociedades desiguais, visto que as contradições estão mais evidenciadas. Dessa forma, os rumores acabam por definir grupos sociais, mediante processo de exclusão de setores considerados como não participantes ou rivais de quem produz e circula as informações (WICKHAM, 1998WICKHAM, Chris. Gossip and resistance among the medieval peasantry. Past and Present, n.º 160, p. 3-24, 1998. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/651105>. Acesso em: 15/10/2019.
http://www.jstor.org/stable/651105...
, p. 13).

Em sociedades desiguais, entre as quais destaca-se a sociedade platina do século XVII, em que as divisões étnica, religiosa e cultural compunham a base estruturante, os rumores foram importante ferramenta de resistência frente às lideranças e poderosos. Wickham expõe a fofoca como construção a partir de valores e conhecimentos comuns, operada pelos grupos aos quais os indivíduos pertencem, não cabendo a ela o papel de resistência, diferentemente do caso dos rumores (WICKHAM, 1998WICKHAM, Chris. Gossip and resistance among the medieval peasantry. Past and Present, n.º 160, p. 3-24, 1998. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/651105>. Acesso em: 15/10/2019.
http://www.jstor.org/stable/651105...
, p. 18). Isso se deve à natureza do rumor, visto que tem vínculo direto com as linhas de poder, seja pela sua complexa rede de relações, seja pela capacidade de subverter os vínculos sociais, invertendo hierarquias e homogeneizando as informações em relatos simples e de fácil assimilação e disseminação.

O processo de consolidação de um rumor ocorre quando o relato criado é incorporado pela sociedade por meio de seu senso comum. Quando a informação, mesmo subvertendo a hierarquia ou questionando as relações, faz sentido a setores da sociedade, ela é capaz de disseminá-los. Caso contrário, o relato pode ser dissipado em meio à outras informações orais no momento. Ou seja, em uma diversidade de informações circulando de forma aparentemente desestruturada, o rumor somente se efetiva quando é incorporado pelos seus receptores e difusores (WICKHAM, 1998WICKHAM, Chris. Gossip and resistance among the medieval peasantry. Past and Present, n.º 160, p. 3-24, 1998. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/651105>. Acesso em: 15/10/2019.
http://www.jstor.org/stable/651105...
, p. 20).

Marc Bloch, em Réflexions d'un historien sur les fausses nouvelles de la guerre, publicada em 1921 reflete acerca do processo de difusão das notícias falsas no front durante a Primeira Guerra Mundial. Ele define que a transmissão de tais informações somente pode acontecer em um contexto favorável (BLOCH, 1921, p. 17). A percepção inexata de um evento, reunida a uma situação de incerteza contribuiria para a efetivação da notícia e como garantia para sua dispersão (BLOCH, 1921, p. 27). Outro aspecto salientado por Bloch em relação à difusão de rumores é a situação de circulação de informações. Destaca que as notícias falsas somente nascem em lugares onde pessoas de diferentes grupos e origens se encontram (BLOCH, 1921, p. 32). O contexto do porto de Buenos Aires, por exemplo, corresponde a esse quadro: um local de encontro de indivíduos de locais diferentes torna-se espaço privilegiado para a difusão de rumores.

O estudo dos rumores, como apontou Wickham, é mais bem compreendido em sociedades desiguais. Seguindo essa tendência, o estudo de Anjay Ghosh sobre os rumores na Índia colonial pode ser de extrema importância para a análise e para as relações com a sociedade platina.

A questão inicial apresentada por Ghosh é um esforço na definição do rumor na sociedade moderna. Em sua visão, o boato é um discurso de autoria anônima que transmite a vontade coletiva de uma parte do povo, muitas vezes contrária ao discurso dominante (GHOSH, 2008GHOSH, Anjay. The role of rumour in History writing. History Compass, n.º 6/5, p. 1235-43, 2008. DOI disponível em: <http://doi.org/10.1111/j.1478-0542.2008.00552.x>. Acesso em: 15/10/2019.
http://doi.org/10.1111/j.1478-0542.2008....
, p. 1235). Assim, desenvolve-se a reflexão com foco à dispersão, diferentemente da definição de Allport e Postman, na qual o rumor é concebido como uma proposição específica de crença, transmitida de pessoa para pessoa, geralmente de boca em boca, sem a presença de padrões seguros de evidência (ALLPORT & POSTMAN, 1965ALLPORT, Gordon; POSTMAN, Leo. The psychology of rumor. Nova York: Henry Holt & Co, 1965., p. 9).

O fator mais importante levantado por Ghosh é que rumores não emergem na sociedade de forma espontânea. São consequência de situações que favorecem seu desenvolvimento e difusão. O principal elemento apontado é que a circulação de rumores é mais propícia em momentos em que falta informação, sendo o elemento mais marcante a censura de livros e panfletos (GHOSH, 2008GHOSH, Anjay. The role of rumour in History writing. History Compass, n.º 6/5, p. 1235-43, 2008. DOI disponível em: <http://doi.org/10.1111/j.1478-0542.2008.00552.x>. Acesso em: 15/10/2019.
http://doi.org/10.1111/j.1478-0542.2008....
, p. 1236). É interessante relacionar esse evento à árvore da Cracóvia apresentada por Darton. Uma sociedade ávida por informação, como foi a parisiense às vésperas da Revolução Francesa, somente pode atingir tal situação pela censura régia e o controle estrito das publicações. Na falta de formas de informar-se, a sociedade recorreu aos rumores e aos relatos orais difusos.

Contudo, o rumor não pode ser compreendido como uma força universal. Por responder diretamente aos anseios de uma sociedade, corresponde ao reflexo imediato das necessidades de um certo tempo. Portanto, segundo Ghosh, seu estudo pode trazer à luz elementos de uma sociedade que não seriam possíveis de compreender somente pelos atos oficiais ou pela cultura escrita (GHOSH, 2008GHOSH, Anjay. The role of rumour in History writing. History Compass, n.º 6/5, p. 1235-43, 2008. DOI disponível em: <http://doi.org/10.1111/j.1478-0542.2008.00552.x>. Acesso em: 15/10/2019.
http://doi.org/10.1111/j.1478-0542.2008....
, p. 1236).

Por permitir a compreensão de sociedades em conflito, os rumores permitem dar voz a setores que não tiveram registros históricos próprios. Os subalternos podem ser compreendidos no que Ranajit Guha define como insurgent communicators, isto é, a capacidade dos rumores como esforço de desestabilização de forças políticas (GUHA, 1983GUHA, Ranajit. Elementary aspects of peasant insurgency in colonial India. Delhi: Oxford University Press, 1983., p. 253).

Os rumores viabilizam uma mobilização que pode atingir amplos setores de uma sociedade e, por sua vez, alcançar extensa área geográfica. Essa capacidade é potencializada em sociedades não-letradas, nas quais a oralidade é a forma mais efetiva de transmissão de informações, o que leva a uma reflexão acerca da transmissão dos rumores nessas sociedades. Os rumores geralmente são transmitidos pelo boca a boca. A transmissão oral é característica do boato (GHOSH, 2008GHOSH, Anjay. The role of rumour in History writing. History Compass, n.º 6/5, p. 1235-43, 2008. DOI disponível em: <http://doi.org/10.1111/j.1478-0542.2008.00552.x>. Acesso em: 15/10/2019.
http://doi.org/10.1111/j.1478-0542.2008....
, p. 1236).

Entre os principais efeitos dos rumores está a sua capacidade de desorientar as elites. Como não possuem autoria e circulam de forma rápida, geralmente causam pânico junto aos setores dominantes, justamente pela impossibilidade de controlar a difusão desses relatos. Devido à sua capacidade de subversão, os rumores produzidos pelos setores subalternos são distintos das informações produzidas no seio da elite local. Assim, o boato geralmente representa um discurso popular distinto do da elite, por meio do qual pode ser implantado às vezes pela elite para seus próprios fins. Consequentemente, os estudos de boatos têm sido principalmente associados ao campesinato (GHOSH, 2008GHOSH, Anjay. The role of rumour in History writing. History Compass, n.º 6/5, p. 1235-43, 2008. DOI disponível em: <http://doi.org/10.1111/j.1478-0542.2008.00552.x>. Acesso em: 15/10/2019.
http://doi.org/10.1111/j.1478-0542.2008....
, p. 1239).

A dificuldade reside justamente na ambivalência do discurso do rumor. Como o boato procura representar um mundo paralelo dos subalternos perante o discurso principal (GHOSH, 2008GHOSH, Anjay. The role of rumour in History writing. History Compass, n.º 6/5, p. 1235-43, 2008. DOI disponível em: <http://doi.org/10.1111/j.1478-0542.2008.00552.x>. Acesso em: 15/10/2019.
http://doi.org/10.1111/j.1478-0542.2008....
, p. 1240), esse se encontra na intersecção entre o setor popular e sua visão em relação ao setor dominante. Nesse campo de representações, marcado pela efemeridade do relato, cabe ao historiador compreender as relações entre as partes, destacando as motivações de criação dos rumores e sua capacidade como força de resistência frente aos dominadores.

A capacidade de resistência dos setores subalternos pode ser vista em evento marcantes do processo de conquista da América. De acordo com Éric Taladoire, a disseminação de relatos sobre a existência de reinos míticos com ouro e prata no interior do continente americano pode ter sido uma estratégia de retirar os conquistadores espanhóis dos territórios indígenas. Dessa forma, “al situar dicho reino fuera de su territorio, los iroqueses incitaron a los colonos a aventurarse lejos: ¿se trataba, en el mejor de los casos, de alejar a los inoportunos?, ¿o en el peor de los casos, de dirigirlos hacia un mundo donde iban a encontrar la muerte?” (TALADOIRE, 2017TALADOIRE, Éric. De América a Europa. Cuando los indígenas descubrieron el Viejo Mundo (1493-1892). México: Fondo de Cultura Económico, 2017., p. 65).

Dessa forma, a circulação de relatos de reinos míticos, presente em inúmeras sociedades indígenas e com larguíssima duração cronológica, pode ser vista como uma atitude de setores subalternos de repelir visitantes inconvenientes. A informação acerca da existência de riquezas pode ser vista dessa forma, mas também como estratégia de alguns indígenas para receberem benefícios em troca de detalhes incertos quanto à localização das minas. É importante ressaltar que a permanência desse imaginário entre os europeus prosseguiu por todo o período colonial, perdurando ao século XX. Em 1925, Percy Fawcett se embrenhava nas selvas mato-grossenses na procura da cidade de El Dorado, utilizando como pistas relatos de indígenas.

Porto de Buenos Aires:

espaço de circulação de informações

O porto de Buenos Aires atuou como ponto de conexão entre o Atlântico e o interior da América. Os portos são locais privilegiados de circulação de informações e interação entre indivíduos provenientes de lugares distintos. Isso ocorre por sua característica de fronteira e, principalmente, de ponto de entrada em um território. Relativamente, Cátia Antunes e Louis Sicking afirmam que os portos podem ser vistos como fronteiras porque existiam em locais considerados como fim do território de um determinado estado e porque representavam, em certa medida, a soberania desse estado sobre o território situado no interior (ANTUNES & SICKING, 2007ANTUNES, Cátia; SICKING, Louis. Ports and the border of the State, 1200-1800. An Introduction. International Journal of Maritime History, XIX, n.º 2, p. 273-86, 2007. DOI disponível em: <http://doi.org/10.1177/084387140701900212>. Acesso em: 15/10/2019.
http://doi.org/10.1177/08438714070190021...
, p. 273).

Considerando essa lógica, os portos tornam-se locais nos quais a diversidade de pessoas e culturas são marcantes, posto que sua interação econômica entre diversas partes atraem uma significativa população, tanto do interior do território como de outras áreas do Império ou fora dele (ANTUNES & SICKING, 2007ANTUNES, Cátia; SICKING, Louis. Ports and the border of the State, 1200-1800. An Introduction. International Journal of Maritime History, XIX, n.º 2, p. 273-86, 2007. DOI disponível em: <http://doi.org/10.1177/084387140701900212>. Acesso em: 15/10/2019.
http://doi.org/10.1177/08438714070190021...
, p. 281).

O porto de Sevilha, ponto de entrada do comércio americano na Espanha, assume características que auxiliam a compreensão da natureza dinâmica dessas cidades mercantis e como isso fomentou a circulação de pessoas e de informações. Daviken Studnicki-Gizbert, em estudo concernente às relações entre Portugal e Espanha no período moderno, apresenta o porto de Sevilha como ponto central de conexão entre a Europa e América. Afirma que Sevilha atuou como o porto de monopólio e, portanto, porta do sistema comercial da Espanha no Atlântico. Dessa forma, um dos motores mais importantes de seu notável crescimento demográfico ao longo do século XVI (15.000 no início do século, 22.000 em 1566, 122.000 no final da década de 1580) era a imigração, isto é, a circulação de pessoas (STUDNICKI-GIZBERT, 2007STUDNICKI-GIZBERT, Daviken. A nation upon the Ocean Sea. Portugal's Atlantic diaspora and the crisis of the Spanish Empire, 1492-1640. Nova York: Oxford University Press, 2007., p. 27).

O fluxo migratório para a cidade de Sevilha iria transformá-la em uma das maiores cidades da Europa e, com isso, no local cuja diversidade cultural e étnica estaria presente em suas ruas. A partir dessa atração demográfica, esses migrantes criaram uma das cidades mais cosmopolitas da Europa. No seu labiríntico arranjo de praças e ruas estreitas e retorcidas (de nomes como rua dos genoveses) sicilianos, venezianos, corsos, franceses, flamengos, ingleses, alemães, valões, holandeses, portugueses, catalães, bascos, árabes, otomanos e mouriscos circulavam pelo território (STUDNICKI-GIZBERT, 2007STUDNICKI-GIZBERT, Daviken. A nation upon the Ocean Sea. Portugal's Atlantic diaspora and the crisis of the Spanish Empire, 1492-1640. Nova York: Oxford University Press, 2007., p. 27).

O desenvolvimento de Sevilha como cidade cosmopolita seria espelhado, de forma menos intensa, em outras cidades portuárias do Império espanhol. Em Buenos Aires, na porção meridional da América, o comércio da prata, bem como o abastecimento da região mineradora com produtos oriundos da Europa, iriam consolidar a cidade como importante ponto de conexão e, consequentemente, de circulação de pessoas e informações. De acordo com Studnicki-Gizbert, a prata que apareceu em Buenos Aires e no Brasil é proveniente de Potosí, transportada de mula à foz do Rio da Prata. Novamente, esse era um comércio ilegal, pois a prata de Potosí deveria ser enviada oficialmente para Arica, no sul do Peru, onde deveria ser carregada aos navios da frota do império no Pacífico (STUDNICKI-GIZBERT, 2007STUDNICKI-GIZBERT, Daviken. A nation upon the Ocean Sea. Portugal's Atlantic diaspora and the crisis of the Spanish Empire, 1492-1640. Nova York: Oxford University Press, 2007., p. 144).

O comércio da prata em Buenos Aires estava formalmente proibido, mas o escoamento do minério através da cidade e o florescimento de considerável atividade mercantil propiciaria que um dos principais acessos às minas de Potosí estivesse protegido por uma guarnição militar, evitando-se, pois, um eventual ataque de potências estrangeiras (RIBEIRO, 2018RIBEIRO, Fernando Victor Aguiar. “Arribadas maliciosas”: redes no comércio de contrabando no porto de Buenos Aires, inícios do séc. XVII. Antíteses, v. 11, n.º 22, p. 841-66, 2018. DOI disponível em: <http://doi.org/10.5433/1984-3356.2018v11n22p841>. Acesso em: 15/10/2019.
http://doi.org/10.5433/1984-3356.2018v11...
, p. 841-66; MOUTOUKIAS, 1988MOUTOUKIAS, Zacarías. Contrabando y control colonial en el siglo XVII. Buenos Aires, el Atlántico y el espacio peruano. Buenos Aires: Centro Editor de América Latina, 1988.).

A fim de proporcionar devida compreensão das dinâmicas de circulação de pessoas e informações no porto de Buenos Aires, este artigo retomará seu processo de fundação e consolidação. De acordo com Guillermo Madero, o porto de Buenos Aires, fundado de forma definitiva em 1580 iria marcar uma disputa com o antigo centro da burocracia colonial na região, representado pela cidade de Assunção no Paraguai. Paulatinamente e motivado pelo desenvolvimento comercial, a cidade portuária vai adquirindo importância e passa a controlar a atividade política da região do Rio da Prata (MADERO, 1955MADERO, Guillermo. Historia del puerto de Buenos Aires. Buenos Aires: Emencé, 1955., p. 20).

Na descrição da atividade portuária elaborada por Madero, encontra-se algumas características que merecem distinção, como, por exemplo, a dificuldade de acesso ao porto e a necessidade de atracar os barcos maiores a uma distância considerável na zona de desembarque na região do Riachuelo. Assim, “los barcos de ultramar no podían acercarse de 6 a 8 millas de la ciudad; allí fondeaban en una depresión del río de unos 15 a 16 píes de profundidad que les servía de puerto inclemente, las Balizas Exteriores, y allí debían concurrir barcos menores para el desembarco” (MADERO, 1955MADERO, Guillermo. Historia del puerto de Buenos Aires. Buenos Aires: Emencé, 1955., p. 48).

Dessa forma, “cuando se tenía conocimiento de la llegada de un barco a las balizas, se les acercaban provenientes del Riachuelo pequeñas embarcaciones a vela, de poco callado, llamados alijadores, para transbordar los pasajeros, equipaje y carga y llevarlos a tierra”. Assim, “muchos viajes tenían que hacer los alijadores para vaciar las bodegas de los barcos de ultramar y los transbordos eran lentos y difíciles en aquel río abierto” (MADERO, 1955MADERO, Guillermo. Historia del puerto de Buenos Aires. Buenos Aires: Emencé, 1955., p. 48).

As características descritas por Madero permitem esboçar algumas inferências no que se refere ao cotidiano do porto de Buenos Aires. A primeira, mais evidente, é que a atividade mercantil, notadamente o contrabando de prata, atraiu para a cidade um número considerável de pessoas interessadas em enriquecer, levando a um crescimento demográfico e estabelecimento de uma cidade com características cosmopolitas. A segunda refere-se ao processo de embarque e desembarque de mercadorias, descrito anteriormente. A demora no processo de manejo das mercadorias fazia que os barcos tardassem mais no porto e, consequentemente, que a tripulação tivesse de ficar um período mais estendido em Buenos Aires. Logo, quanto mais tempo um grupo de pessoas fica em uma localidade mais se desenvolve a circulação de informações.

Desse modo, nota-se que a natureza geográfica, tanto da localização de Buenos Aires como das interferências no acesso de barcos à região portuária, propiciaria o desenvolvimento da circulação de informações. A cidade tornar-se-ia um ponto nevrálgico das rotas do Atlântico meridional e a permanência de tripulação na cidade no dificultoso processo de transferência de mercadorias faria com que o porto fosse espaço privilegiado de criação e difusão de rumores.

Atuando como ponto de convergência de pessoas no porto, Buenos Aires abrigou, em meados do século XVII, três categorias de indivíduos que seriam os atores do processo iniciado em 1647 motivado pelos rumores da existência de minas de ouro no Uruguai. Destaca-se inicialmente o grupo ligado ao poder institucional, representado pelo governador do Rio da Prata, Jacinto de Laris; o escrivão de Sua Majestade Gregório Martinez Campusano; o provincial da ordem de São Francisco, frei Pedro González; o vigário da redução de Nuestra Señora de Yati, Geronimo de Aguillera e o padre Francisco Díaz Taño, superior das reduções administradas pelos jesuítas no Paraguai e Uruguai.

O segundo grupo corresponderia aos marinheiros, contrabandistas e soldados que atuavam no porto bonaerense. Embora muitos não tenham sido nomeados no processo iniciado em 1647, são apontados os soldados Martin de Vera e Francisco Pesoa de Figueroa como indivíduos que foram citados como relevantes para a investigação motivada pelos rumores da existência de minas de ouro.

Esses grupos seriam completados por um terceiro, composto por indígenas. Conforme descrito anteriormente, os índios Ventura e Felipe foram os agentes que informaram o governador Laris a respeito da notícia da existência das minas. Com ele foram acrescentadas testemunhas ao processo, dentre as quais Diego tirapux, Bernardo cajirán, Lorenso guapí, Francisco yngaí e Ygnacio abacatu. A atuação dos indígenas nesse contexto revela aspectos ligados às estratégias de sobrevivência e resistência ao mundo colonial. Isto é, indivíduos que viviam nas proximidades do porto de Buenos Aires, região de confluência de diversas pessoas e espaço privilegiado de circulação de informações, captaram relatos acerca da existência de minas de ouro e utilizaram dessas informações para obter vantagens frente a um governador que ansiava descobrir novas fontes de riqueza para o Império Espanhol4 4 Essa ação dos indígenas reforça a atuação dos atores e grupos, em oposição à abordagem de Allport e Postman que, em uma abordagem psicológica do fenômeno, trata os boatos como disfunção social. .

Somam-se, na cidade de Buenos Aires, diversas estratégias. Incialmente um governador que buscava a projeção pessoal mediante a descoberta de riquezas que poderiam atenuar a crise pela qual a monarquia atravessava em meados do século XVII. Diante dessa ação por parte do poder institucional, os dois indígenas, em contato com relatos difusos da existência de riquezas, construíram uma narrativa minimamente convincente e, principalmente, sedutora aos interesses do governador Jacinto de Laris. Seria essa a fórmula para que o rumor sobre a existência de ouro na região do Uruguai fosse consolidado, garantisse a credibilidade dos agentes e gerasse ampla investigação por parte das autoridades coloniais.

O desenvolvimento do rumor: a relação entre os jesuítas e as minas de ouro

A partir da circulação dos boatos em Buenos Aires foi desenvolvida uma narrativa envolvendo a existência de minas de ouro em missões dos padres jesuítas. Embora o processo empreendido pelo governador Jacinto de Laris tenha sido finalizado em 1647, as informações dos territórios ricos em minérios seguiram circulando. O espírito ambicioso do europeu, desde as etapas iniciais da conquista da América, fomentara para que os relatos, mesmo que vagos, tivessem uma permanência longa no imaginário da região.

A migração do mito, das proximidades das missões jesuíticas no rio Uruguai, para as missões localizadas ao longo do rio Paraná, não foi somente motivada pela ambição dos colonizadores em obter riqueza de forma rápida. Conflitos entre agentes eclesiásticos, notadamente entre o bispo do Paraguai, Bernardino de Cárdenas, e os padres inacianos proporcionariam que os relatos acerca da existência de ouro na região assumissem características mais evidentes e, consequentemente, colocassem os boatos no centro do debate político da região.

Em conformidade aos relatos anteriores, parte das etapas iniciais da investigação do governador Laris foi o envio de cartas aos governadores e bispos da região solicitando notícias envolvendo a existência de minas de ouro. O bispo Cárdenas foi um dos que prontamente responderam ao governador, enviando, em outubro de 1647, duas cartas em que se afirmava conhecer informações concretas acerca da existência de jazidas de minérios na região do rio Paraná.

Cabe ressaltar que esse período marcaria o início das animosidades entre o bispo paraguaio e as autoridades jesuítas. O conflito seria marcado, inicialmente, pelo debate em torno da aplicação do direito do padroado régio em paróquias administradas pelos inacianos em suas missões. Cárdenas teria como interesse a indicação de padres para essas igrejas, contrariando os interesses dos missionários (RIBEIRO, 2017RIBEIRO, Fernando Victor Aguiar. “Levantamiento bajo Cárdenas”: novas abordagens em torno do conflito antijesuítico no cabildo de Assunção em 1649. Revista de História (Unisinos), v. 21, n.º 3, p. 351-64, 2017. DOI disponível em: <http://doi.org/10.4013/htu.2017.213.05>. Acesso em: 15/10/2019.
http://doi.org/10.4013/htu.2017.213.05...
, p. 363).

Esse objetivo está expresso na carta enviada por Cárdenas ao governador Jacinto Laris, notadamente quando afirma que “se rrestituyan a la jurisdiss.on del Reynos y de la yglesias de q. asta aora na estado usurpadas surrepticiamente y q. los curas se rrestituyan com la forma del patronato y del consilio tridentino” (AGI, CHARCAS, 120, 31/10/1647, fl. 204r).

Na mesma carta o bispo informa ao governador que havia lido a obra do jesuíta Antonio Ruiz de Montoya intitulada La Conquista Espiritual. Esse livro, publicado em Madri em 1639 objetivava defender as missões inacianas na América do Sul frente aos ataques realizados pelos portugueses de São Paulo anos antes (MAEDER, 185MAEDER, Ernesto Joaquín. La ‘Conquista espiritual' de Montoya y su alegato sobre las misiones. Teología: revista de la Facultad de Teología de la Pontificia Universidad Católica Argentina, n.º 46, p. 122-36, 1985. , p. 123). Contudo, Cárdenas utiliza de forma deturpada alguns elementos do livro, com interesse em atacar as obras dos padres na região do Paraguai. Afirma, ao governador de Buenos Aires, que “en un libro q tengo en mi poder escripto por un Padre la comp.ª Antonio Ruiz de las cosas de essas provincias dize q. el Parana y Uruguay es la major joya de la corona R.l” (AGI, CHARCAS, 120, 10/10/1647, fl. 207v).

A obra de Montoya é clara na descrição das missões como maior joia da Coroa Real. Refere-se o inaciano à atividade de missionação, descrevendo logo após a figura de linguagem as vantagens espirituais para a monarquia no desenvolvimento da catequese. Porém, com objetivo de atacar a obra dos padres, Cárdenas associa a metáfora à existência de fontes de riqueza ocultas em territórios das missões.

Assim, o bispo paraguaio descreve que “q se refiere el dho libro aver en ellas el serv.o y tributo de los quales sino le estobassen los dhos Padres puede valer cada año a su mag.d y a su vasallos mas de dos millones q le quitan cruelissimamente como vera V. Ss.ª en las partidas q le embio en essa memoria” (AGI, CHARCAS, 120, 31/10/1647, fl. 201v).

Ao argumentar, Cárdenas compara o potencial de extração das presumidas minas com a fonte de riqueza mais importante das Américas, Potosí. Dessa forma conclui que o rei estava perdendo o dobro das receitas supostamente ocultas pelos jesuítas, já que “pues de todas las minas de Potosí no llevan a Su Mag.d un millón cada año” (AGI, CHARCAS, 120, 31/10/1647, fl. 201v).

Diante desses números, Cárdenas embasa sua argumentação no amplo conhecimento da realidade aurífera do Paraguai. Aponta conhecer relatos, o território e, principalmente, o impacto negativo da evasão tributária empreendida pelos inacianos ao Real Erário. Relata, pois, que “así en todos mis ynformes no ago mucho Reparo en lo del oro aun q tengo por sertissimo que le ay porque ay muchas Rasones para entenderlo” (AGI, CHARCAS, 120, 31/10/1647, fl. 204v).

A principal argumentação acerca da veracidade dos relatos é construída a partir da lógica de proximidade geográfica. Como o território da capitania de São Vicente, na América Portuguesa, encontra-se próximo às terras da província do Paraguai, seria razoável supor que, se fossem encontradas minas de ouro na primeira, encontrar-se-ia ouro também em terras paraguaias. A descoberta de minas na região de Sorocaba e, principalmente, em Paranaguá e Curitiba, levaria à suposição de que as terras meridionais da América fossem auríferas, incluindo o território ocupado pelas missões inacianas.

Na descrição do território, o bispo Cárdenas aponta que “el ser esos çitios del mismo terreno y aguas de la ciu.d de san Pablo donde se sabe q ay mucho oro La voz ge.l y el amor destos Pueblos y provincias el aver dho algunos indios en barrias ocaciones q ay oro” (AGI, CHARCAS, 120, 31/10/1647, fl. 205v).

O segundo argumento na defesa da existência das minas em territórios jesuíticos seriam os valores obtidos na suposta extração do minério pelos padres. Calcula-se que “menos q mas y en veinte años q an usurpado la dha summa quitando diez antecedentes q el Rey nso. Señor dio despera a los rresien convertidos porque a mas de treynta que a questan alla los dhos Padres monte la cantidad quarenta millones mire V. SS”. E, “totalmente usurpadas por los dhos Padres doctrineros… quitadas al patronazgo R.l” (AGI, CHARCAS, 120, 10/10/1647, fl. 207r).

O último argumento apresentado por Cárdenas contra os jesuítas seria a participação de estrangeiros nas missões. A atuação de indivíduos que não seriam súditos do rei de Espanha corroboraria a ideia central de que os padres estavam interessados em ocultar as riquezas e enviá-las para fora dos domínios reais sem o pagamento do tributo devido. Também apontou os privilégios que os padres estrangeiros usufruíram no Paraguai em detrimento da população descendente dos conquistadores do território. Assim, relata que “este gran agravio q se les haze en q estranjerors y estraños como los son casi todos los Padres doctrineros q estab en aquellas doctrinas gosen contra leyes e previlegios de nsa. españa lo q se debe a españoles no solo por ser lo sino por ser conquistadores y beneméritos de q sus hijos y nietos se den las doctrinas” (AGI, CHARCAS, 120, 10/10/1647, fl. 211v).

Essas acusações proferidas pelo bispo Bernardino de Cárdenas prontamente seriam respondidas pelo superior das missões jesuíticas no Paraguai, padre Francisco Díaz Taño. Em carta não datada, mas enviada antes de novembro de 1647, rebate as acusações relatadas. Afirma que,

aviendo venido a mi noticia las calumnias y falsos testimonios q algunas Personas con poco temor de dios avian levando a los dhos Religiosos de la dha Comp.ª de Jhs q asisten en las dhas Reducciones afirmando tenían escondido minas mui Ricas de oro de donde se sacaban cada año mui grande cantidad sin pagar los quintos al Rey nso señor y aun añadiendo embian grandes summas de oro a Reynos estraños contra los del Rey catholico (AGI, CHARCAS, 120, 1647, fl. 213r).

E, como argumento central na defesa da inocência dos jesuítas e da inexistência das referidas minas, Díaz Taño exorta o bispo denunciante a mostrar os locais onde os padres supostamente extraíam o ouro. Ele solicita ao governador de Buenos Aires “pidiendo q si alguna Persona se hallasse o tuviera noticia q huviesse dho sabia donde estaba el dho oro fusse compelido a manifestarlo señalando y mostrando el lugar donde esta y no querendo fuere tenido por falso calumniador y como tal castigado según der.o” (AGI, CHARCAS, 1647, fl. 213r-213v).

Contudo, os rumores acerca da existência das minas não puderam ser refutados com essa carta. A atratividade do ouro no imaginário popular da época garantiria a permanência dos rumores por longo tempo. Associado a isso, constitui fato que o desenvolvimento das missões dos padres inacianos na região confrontaria a situação de estagnação econômica da população do Paraguai. Os rumores podem ser uma ferramenta de resistência operada por populações subjugadas, no caso, pelos indígenas, que necessitavam de estratégias de sobrevivência na sociedade colonial. Também atuavam como forma de subversão da ordem estabelecida por populações subalternas, como os habitantes do Paraguai que projetavam nas missões jesuíticas as causas de sua situação de pobreza (WICKHAM, 1998WICKHAM, Chris. Gossip and resistance among the medieval peasantry. Past and Present, n.º 160, p. 3-24, 1998. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/651105>. Acesso em: 15/10/2019.
http://www.jstor.org/stable/651105...
, p. 18).

Os rumores, para serem efetivados, necessitam estar associados aos anseios de uma certa sociedade (GHOSH, 2008GHOSH, Anjay. The role of rumour in History writing. History Compass, n.º 6/5, p. 1235-43, 2008. DOI disponível em: <http://doi.org/10.1111/j.1478-0542.2008.00552.x>. Acesso em: 15/10/2019.
http://doi.org/10.1111/j.1478-0542.2008....
, p. 1235-36). No Paraguai e Rio da Prata, a obsessão por riqueza, motor da empresa colonizadora desde os primeiros anos da conquista, seria associada à oposição do projeto dos jesuítas pela população paraguaia, principal elemento que justificaria a permanência e a consolidação dos rumores envolvendo a existência de minas no Uruguai e Paraguai e a associação dos jesuítas na sua exploração e ocultamento.

O desenvolvimento do rumor: as influências nas negociações geopolíticas de 1680

Os rumores em torno da existência de minas de ouro continuariam presentes na região. Em meados de 1680, com a fundação da Colônia do Sacramento pelos portugueses à margem esquerda do Rio da Prata, a região passaria a assumir posição de destaque na disputa geopolítica entre Portugal e Espanha.

O estabelecimento do núcleo português, em 22 de janeiro de 1680, foi empreendido pelo governador e capitão-mor do Rio de Janeiro Manuel Lobo. De acordo com Fábio Kühn e Adriano Comissoli, “a fundação da Colônia do Sacramento pautou-se por dois objetivos principais: estabelecer o comércio com terras espanholas - legal e ilegal - abocanhando um quinhão da prata potosina e criar um posto avançado permanente de ocupação portuguesa” (KUHN & COMISSOLI, 2013KÜHN, Fábio; COMISSOLI, Adriano. Administração na América Portuguesa: a expansão das fronteiras meridionais do Império (1680-1808). Revista de História, n.º 169, 2013, p. 53-81. DOI disponível em: <http://doi.org/10.11606/issn.2316-9141.v0i169p58-81>. Acesso em: 15/10/2019.
http://doi.org/10.11606/issn.2316-9141.v...
, p. 58).

Com isso, “na prática, tratou-se de um empreendimento patrocinado por grandes comerciantes fluminenses, interessados na troca de mercadorias e escravos pelo metal precioso e couros bovinos” (SAMPAIO, 2003SAMPAIO, Antonio C. J. Na encruzilhada do Império: hierarquias sociais e conjunturas econômicas no Rio de Janeiro (c. 1650-c.1750). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003., p. 146-147). A presença dos portugueses na região causaria reação imediata da parte dos espanhóis, causando a instabilidade da ocupação até meados do século XVIII5 5 Para a história da Colônia do Sacramento, ver (MONTEIRO, 1957) e (POSSAMAI, 2006). .

Logo após o estabelecimento português na região, seria assinado o Tratado Provisional de Lisboa, em 7 de maio de 1681, no qual assegurava-se a permanência lusitana na colônia e garantia-se a posse espanhola das terras no interior da região do Uruguai. A motivação por trás desse acordo poderia ser conveniências comerciais na região, o que certamente seria a garantia do interesse português na região do Rio da Prata. Entretanto, os rumores em torno das supostas minas de ouro no interior do Uruguai exerceram influência nas negociações de ambas potências.

Em 2 de abril de 1680 o Consejo de Indias solicita um parecer ao cronista Antonio de Solís e ao jesuíta Juan de Andosilla referente à demarcação da fronteira meridional entre os domínios português e castelhano, garantindo que a repartição contemplasse interesses de Espanha. Logo no início do parecer, os autores, em carta de 25 de novembro de 1679, relataram ao rei

sobre la fortificaz.on que intentaron haçer los Portugueses del Brasil, y benefiçio de una mina de plata [sobrescrito: una fortificación para poblar y beneficiar], refiriendo (entre otras cosas) que algunos autores diçen que los Portugueses an querido apartar desi la línea y estender su Jurisdiçión hasta las mismas orillas del Río de la plata pero lo refieren como pretensión suya no constando que aya habido concordia o disposición en que puedan fundarse y según esta inteligencia que dara la mina en sus términos pero la fortificaz.on se lebantara dentro de los nsos sin genero de controversia (AGI, CHARCAS, 164, 2/4/1680, fl. 1r).

E, como consequência dessa situação, solicitam às autoridades espanholas que “se embien los ordenes que tiene pedidas de la línea de Demarcaçión para pasar los ofiçios que se le a mandado sobre la nueva fundación y benefiçío de la mina que intentan Portugueses en aquellas partes” (AGI, CHARCAS, 164, 2/4/1680, fl. 1v).

Poucos dias antes, o abade Masserati, embaixador de Espanha em Lisboa, encaminha uma carta ao Consejo de Indias referente à supostas motivações que levaram os portugueses a estabelecerem uma colônia no Rio da Prata. O interesse seria, além da questão comercial com Buenos Aires, fomentado pelos relatos acerca das minas de ouro na região. Assim, relata que

di quenta a V. Mg.d que se dava por asentado que el sitio que estaba elijido para la funçión era el Cavo de s.ta María que esta a la Voca del Río de la plata de la Vanda de la Jurisdiçión que posehen Portugueses; después acá se me supone que la poblaçión se ha de fundar con nombre de Real de Minas en un parage que llaman los Naturales Panaguara (distante 80 leguas del Cavo de s.ta María) donde diçen se ha descubierto la mina de plata y que sirvia esta Poblaçión, así para el Venefício de ella, como de ospedage y reparo al Camino que se intenta abrir según se afirma desde el Río Janeiro al Cavo de Santa María (AGI, CHARCAS, 164, 6/3/1680, fl. 2r).

A menção que o abade Masserati faz às minas denota um desconhecimento do interior da região e indica elementos que possibilita perceber melhor os relatos em volta das referidas jazidas. Ao mencionar o cabo de Santa María, refere-se ao acidente geográfico localizado a leste do local onde foi estabelecida a Colônia do Sacramento em 1680. A paragem denominada “Panaguara”, sítio das minas de ouro, leva ao entendimento de que se trata das minas de Paranaguá, local de extração aurífera explorada pelos portugueses desde meados de 1640. Cabe mencionar que a distância de 80 léguas, partindo do referido cabo, que corresponderia aproximadamente a 445 km6 6 A distância de 80 léguas corresponde a 445,76 km se utilizar a padronização de léguas comuns ou castelhanas. De acordo com Valentina Garza Martínez, as medições de distância em Espanha e em seus domínios americanos era imprecisa e dependia de diversos fatores que impactavam o ritmo da viagem. (2012, p. 202). , não atinge as proximidades da localidade aurífera portuguesa.

No que tange às motivações do estabelecimento da Colônia, aponta que o principal seria o “deseo de Introduzir Comercio con buenos Ayres” (AGI, CHARCAS, 164, 6/3/1680, fl. 2v). No entanto a menção às minas de ouro aparece como interesse secundário, visto que os portugueses

tienen por fin segundario allenar el Camino referido desde el Cavo de S.ta María por tierra para San Pablo, a fin de poder sujetar a la devida obediencia por aquella parte sus moradores con la fuerza puesto que por el del Río Janeiro a San Pablo por la soras de aspereza de los Montes que se interponen, y en que esta situada aquella Villa, es casi inaccesible (AGI, CHARCAS, 164, 6/3/1680, fl. 2v).

E, como o elemento que justifica esse caminho seria garantir a posse portuguesa “expecialm.te la Poblaçión en el Sitio de la mina que se supone haverse descubierto nuevam.te” (AGI, CHARCAS, 164, 6/3/1680, fl. 3v).

A imprecisão em relação à localização das minas seria elemento importante que influenciaria as descrições relacionadas à fronteira meridional da América. Em 28 de novembro de 1679, o abade Masserati associa o esforço dos portugueses em conquistar a ilha de Maldonado, na foz do Rio da Prata, com a ideia de proteção de território que abrigaria as minas de ouro. Informa à Junta de Guerra que

enquanto al segundo punto de la noticia que daban algunos Capitanes, y marineros de que la Jornada que el nuevo Governador yba disponiendo para yr à s.n Pablo, era con disignio de yr â formar una nueva poblaçion la tierra à dentro y benefiçiar una mina de oro que estaba descubierta, y que asentaban algunos marineros se havía de fundar en una Ysla del Río de la plata (AGI, CHARCAS, 164, 28/11/1679, fl. 3r).

A associação da empreitada de Manuel Lobo rumo ao sul é evidenciada por Masserati quando ele afirma que “se levantava heran para fortificar la poblaçion que sea de haçer para benefiçiar la mina de oro” (AGI, CHARCAS, 164, 28/11/1680, fl. 3r). E, dessa forma, “fundar una poblaçion, y fortificarla, en una Ysla del Río de la plata (como queda referido) para la seguridad de benefiçiar una mina de plata (que antecedentemente dxo que era de oro)” (AGI, CHARCAS, 164, 28/11/1680, fl. 3v).

Ao observar atentamente a alteração da natureza da mina, nota-se que passou de ouro para de prata, evidenciando a imprecisão das informações coletadas pelo abade. Na parte seguinte de seu relato, inclusive, aponta que se trata de suposições, mas como a questão da posse das minas são de extrema importância para a Coroa castelhana, decide dar ouvido aos rumores que circulam pela região. Relata, pois, que “y que solo se save que los Portugueses fabircan una fortificaçion, y benefiçian una mina, pero que donde suçede uno y otro, queda en términos de congetura”. E, portanto,

según lo que supone pareçe que la línea de la demarcación que señalo los limites de Portugal, y Castela, vino a quedar en nro distrito la Provinçia del Paraná, y toda la tierra que ay entre la margen derecha del Río, hasta s.n Viçente, y que según la inteligençia que supone quedara la mina en sus términos, pero la fortificaçion se leventara dentro de los nuestros sin genero de controversia. Pero que si esta mina (según se insignua) esta situada en la falda de los montes que desçienden al Río de Paraná (AGI, CHARCAS, 164, 28/11/1680, fl. 4v).

Por fim aponta que o estabelecimento da Colônia de Sacramento pelos portugueses ocorreu em território pertencente à Espanha e que caberia ao monarca hispânico pleitear o território ocupado por Portugal à margem do Rio da Prata.

O resultado dessa questão foi apresentado em 5 de abril de 1680, em cuja data o cronista Antonio de Solís e o jesuíta Juan de Andosilla finalmente informam seu parecer acerca da delimitação da fronteira na região:

obedeciendo la orden de la Junta de Guerra de Indias, comunique su papel de V.md (cuya fha a dos del corriente) al P.e Juan de Andosilla Cathedratico de Mathematica en el Collegio Imperial de la Compañía de Jesús, y habiendo considerado y discurrido los dos, sobre las noticias, que hay de esta Mina, que los Portugueses tratan de benefiçiar, y fortificar, a la parte oriental del Río de la Platta (AGI, CHARCAS, 164, 5/4/1680, fl. 2r).

Dessa forma, concluem que “según esta línea que es la Verdadera y la que viene señalada en las Cartas Geographicas no es dubitable que toda la Provinçia del Paraná y del Paraguay con el Río Paraná y toda la tierra que hay entre el Río de la Platta y el Río grande es de las Conquistas de Castilla con que Juzgamos el P.e Juan de Andosilla y yo” (AGI, CHARCAS, 164, 5/4/1680, fl. 3r).

Ao final do documento assinalam o elemento no qual mais se detiveram em sua análise geográfica para determinar que as supostas minas, mencionadas por rumores há décadas na região, estivessem no território sob controle castelhano. A imprecisão da localização exata dessas minas, bem como a confusão envolvendo se nela é extraído ouro ou prata, não foram postas em dúvida pelas autoridades. A ideia seria, diante desses rumores, assegurar o controle das jazidas e impedir que ficassem sob jurisdição dos portugueses.

Ocorre nesse momento uma alteração definitiva em relação à localização das minas. Enquanto, em março de 1680, o abade Masserati descrevia que as minas deveriam estar a pouco mais de 80 léguas do Cabo de Santa María, Solís e Andosilla defendem agora que as jazidas estariam na serra do Paraná, provavelmente correspondendo às vilas de Paranaguá e Curitiba. Afirmam que “si la mina que benefiçian los Portugueses es en la falda de los montes del Paraná (como dice la relaçíon del Aband Maserati) viene â quedar en nuestros limites sin disputa” (AGI, CHARCAS, 164 5/4/1680, fl. 3r).

Assim a questão a respeito dos rumores da existência de minas no Uruguai perde sua atração. Diante da afirmativa de que se tratava na realidade de minas já conhecidas ao sul da capitania de São Paulo, o interesse de sua descoberta pelos castelhanos desvanece. No entanto, as notícias, mesmo desencontradas, envolvendo sua existência, motivaram não somente expedições para sua descoberta, mas também influenciaram as discussões envolvendo o estabelecimento das linhas de demarcação da fronteira meridional entre os domínios castelhano e português na América.

Considerações Finais

Os rumores relativos às existências de minas de ouro no interior das províncias do Uruguai e, posteriormente, do Paraguai, mobilizaram tanto autoridades administrativas, como o governador do Rio da Prata Jacinto de Laris, e também autoridades eclesiásticas, particularmente, o bispo do Paraguai Bernardino de Cárdenas. A atuação de Ventura e Felipe, dois indígenas que trabalhavam no porto de Buenos Aires, evidencia dois aspectos relevantes para compreender a dinâmica do rumor na região. O primeiro é o fato do porto, por conta da circulação de pessoas e mercadorias, ser locus privilegiado para a propagação de informações. O segundo refere-se à utilização do relato como elemento de subversão da ordem estabelecida, pois a divulgação do relato acerca da existência das minas pelos dois indivíduos fora motivada não só pelo interesse deles em receber vantagens do governador, mas também como uma forma de sobreviverem na sociedade colonial. Destaca-se que os rumores não são criações sem base social. Para serem efetivos e divulgados, é fundamental que essas notícias respondam de alguma forma aos anseios compartilhados por uma certa comunidade. No caso americano, a busca por minas de ouro e prata é uma constante no movimento de conquista e colonização do território.

O movimento de circulação dos rumores foi apropriado pelo bispo do Paraguai Bernardino de Cárdenas. Ele, em conflito com os jesuítas por conta da aplicação do padroado régio nas paróquias das missões dos religiosos, utilizou das notícias envolvendo a existência das minas com o intuito de atacar os padres no Paraguai. Mais uma vez utilizando dos anseios de uma comunidade empobrecida como narrativa para associar as minas de ouro aos jesuítas. Por conseguinte, o rumor ganha vitalidade com a mudança geográfica.

Em 1680, no contexto do acirramento das disputas entre Portugal e Espanha envolvendo a presença lusa na Colônia do Sacramento, o relato começa a desvanecer. O maior interesse da parte das Coroas ibéricas na região leva a discussões abrangendo a demarcação de linhas de fronteira e, para isso, um melhor conhecimento do território. O relato, embora difuso, das supostas minas de ouro (ou de prata) na região, mobilizaria os castelhanos. A partir dos laudos elaborados à época, o espaço torna-se mais conhecido e percebe-se que as supostas minas propaladas pelos indígenas Ventura e Felipe são, na verdade, as minas de Curitiba e Paranaguá, conhecidas e exploradas pelos portugueses desde meados de 1640. Com isso, o rumor esmorece e perde sua atratividade. Continua, contudo, associado aos jesuítas, situação que acompanharia por longas décadas os conflitos entre inacianos e autoridades castelhanas e portuguesas.

  • 1
    O presente artigo é uma contribuição inédita e, portanto, não foi publicado em nenhuma plataforma de preprint. Todas as fontes e bibliografia empregadas estão mencionadas no texto e as fontes utilizadas foram consultadas no Archivo General de Índias (Espanha). Todas as obras e todos os documentos utilizados na pesquisa e na elaboração do artigo são citados nas notas e na bibliografia. O autor participou de todas as atividades, incluindo pesquisa documental e bibliográfica, sistematização de dados e redação do artigo. Pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (2017/03606-8 e 2018/02354-8).
  • 3
    Para um estudo mais detalhado acerca leitura de bandos e leis na França do século XVIII, ver (FOGEL, 1989FOGEL, Michèle. Les cérémónies de l'information. Paris: Fayard , 1989., p. 23).
  • 4
    Essa ação dos indígenas reforça a atuação dos atores e grupos, em oposição à abordagem de Allport e Postman que, em uma abordagem psicológica do fenômeno, trata os boatos como disfunção social.
  • 5
    Para a história da Colônia do Sacramento, ver (MONTEIRO, 1957MONTEIRO, Jonathas da Costa Rego. A colônia do Sacramento, 1680-1771. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1957.) e (POSSAMAI, 2006POSSAMAI, Paulo César. A vida quotidiana na colónia do Sacramento (1715-1735): um bastião português em terras do Uruguai. Lisboa: Livros do Brasil, 2006.).
  • 6
    A distância de 80 léguas corresponde a 445,76 km se utilizar a padronização de léguas comuns ou castelhanas. De acordo com Valentina Garza Martínez, as medições de distância em Espanha e em seus domínios americanos era imprecisa e dependia de diversos fatores que impactavam o ritmo da viagem. (2012, p. 202).

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  • EL ABBAD Masserati ha escrito la Carta de que va aquí Copia sobre la fundación que quieren hazer Portugueses en el Brasil. Archivo General de Indias, AGI, CHARCAS, 164, 6 mar./ 1680.
  • EL CONSEJO de Indias solicita el parecer del cronista Antonio de Solís y del jesuita Juan de Andosilla sobre la frontera entre los dominios español y portugués en América. Archivo General de Indias, AGI, CHARCAS, 164, 2 abr./ 1680.
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Editado por

Editores Responsáveis: Júlio Pimentel Pinto e Flavio de Campos

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    01 Jul 2019
  • Aceito
    01 Nov 2019
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