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DIMENSÃO DA POPULAÇÃO INDÍGENA INCORPORADA AO ESTADO DO MARANHÃO E GRÃO-PARÁ ENTRE 1680 E 1750: UMA ORDEM DE GRANDEZA1 1 Este artigo não foi previamente publicado em plataforma de preprint. Todas as obras e todos os documentos utilizados na pesquisa e na elaboração do artigo são citados nas notas e na bibliografia. Na elaboração do artigo, Camila Dias e Fernanda Bombardi foram responsáveis pelo levantamento de dados, pesquisa bibliográfica, sustentação teórica e redação. Eliardo Costa responsabilizou-se pela construção dos cálculos matemáticos, a partir da metodologia elaborada em conjunto por todos os autores.

INDIGENOUS POPULATION INTEGRATED TO THE COLONIAL AMAZON BETWEEN 1680 AND 1750: A POSSIBLE MAGNITUDE

Resumo

Este artigo estima o número de índios incorporados à sociedade colonial do Estado do Maranhão e Grão-Pará entre 1680 e 1750. Para tanto, reunimos dados e informações de fontes diversas, organizados em função da categoria laboral, ou estatuto jurídico, pelo qual os indígenas se integravam. Desses dados, extraímos números e produzimos cálculos, realizando algumas projeções quando necessário. Por fim, comparamos as estimativas dos documentos de época com os resultados obtidos por nossos cálculos. Em um esforço inédito, o presente artigo apresenta uma metodologia para cômputo de fluxo populacional, desenvolvida em função da natureza das fontes e dos dados, bem como os resultados de nossos cálculos sobre a população indígena livre e escrava recrutada - por vias legais e ilegais - ao longo de 70 anos, momento de intensa integração da Amazônia colonial ao comércio atlântico.

Palavras-chave:
Amazônia colonial; Metodologia; População; Trabalho indígena; Escravidão

Abstract

In this article, we estimate the number of Indians who were incorporated into the colonial society between 1680 and 1750 in the Amazon region. For this purpose, we gathered data and information from several sources and organized it according to the labor category or legal status by which the indigenous people were integrated. From them, we extracted numbers, made assessments and some possible projections. Finally, we compared the estimates of the period, in their respective contexts, with the results obtained by our own findings. This paper proposes a calculation methodology developed according to the diverse nature of sources and data. It also presents the results of our calculations on the free and slave indigenous population recruited - by legal and illegal means - in Colonial Amazon over 70 years, during the integration of the local economy to the Atlantic trade.

Keywords:
Colonial Amazon; Methodology; Population; Indigenous labour; Slavery

Introdução

O objetivo deste artigo é estimar o número de índios incorporados à sociedade colonial como trabalhadores livres e escravos, no Estado do Maranhão e Grão-Pará,2 2 Estado independente do Brasil e diretamente subordinado a Lisboa desde 1621. Passou a ser denominado Estado do Grão-Pará e Maranhão a partir de 1751. entre finais do século XVII e primeira metade do século XVIII. Pelas dificuldades intrínsecas a um objetivo como esse, seria mais correto afirmar que se trata aqui de procurar estabelecer uma ordem de grandeza da população indígena trazida do interior do território amazônico, dos chamados “sertões”, e reunida em atividades laborais nas colônias do norte da América portuguesa.3 3 Inspiramo-nos aqui nas considerações metodológicas de Fernand Braudel (1997, p. 21-38), quem, na ausência de números completamente seguros, admite a possibilidade de partirmos de números conhecidos para passar a números plausíveis e que fixam uma ordem de grandeza ou níveis máximos e mínimos, superando uma limitação típica do historiador que consiste em se ater, e se contentar, somente com o que é provado por um documento irrefutável. Note-se ainda que não se trata de um exercício de demografia histórica, pois não examinamos as variáveis clássicas da disciplina, isto é, taxas de natalidade, nupcialidade e mortalidade. Nosso objetivo, então, poderia se enquadrar naquilo que Carlos Bacellar nomeia “história de população”. Uma das razões de uma tal abordagem se encontra justamente no fato de não dispormos de estatísticas seriadas de nascimento, casamento e morte da população para esse período - somente a partir da segunda metade do século XVIII é que se começa a produzir, no mundo, de modo geral, números mais ou menos organizados de forma seriada. Adaptamos a estratégia, portanto, aos dados de que dispomos com o intuito de estimar ordens de grandeza plausíveis, ou possíveis cenários de deslocamentos populacionais. (BACELLAR, SCOTT e BASSANEZI, 2005, p. 339-350).

Justificativas para uma proposta dessa são fáceis de enumerar. A começar com alguém incontornável como Braudel, podemos alegar que, tanto na escala global quanto local, tudo está ligado aos números e às oscilações da massa dos homens. Para um brasilianista como Dauril Alden (1963, p. 173-205)ALDEN, Dauril. The population of Brazil in the late eighteenth century: a preliminary study. Hispanic American Historical Review. Durham: Duke University Press, vol. 43, n. 2, 1963, p. 173-205., uma história social adequada não pode prescindir das características demográficas das pessoas que viveram o contexto analisado. E há quem observe ainda que, mesmo os estudos de interesse demográfico sendo, por si, relevantes, no caso da história da América, eles assumem significados mais amplos, devido às implicações que as oscilações dos números populacionais têm na interpretação da conquista e colonização e, sobretudo, de suas características e efeitos (SANCHEZ-ALBORNOZ, 1999SANCHEZ-ALBORNOZ, Nicolás. A população da América Espanhola Colonial. In: Bethell, Leslie (org.). História da América Latina: América Latina Colonial , vol. II. São Paulo / Brasília: Edusp / Fundação Alexandre de Gusmão, 1999, p. 23-56., p. 23-56).

Por certo, as consequências e a narrativa que tiramos dos processos coloniais mudam bastante se assumimos que havia oito ou 100 milhões de índios quando da chegada dos europeus nas Américas; se a perda demográfica teria sido da ordem de 9 para um em algumas décadas, ou menor e mais espaçada ao longo dos anos. Muda ainda se soubermos que o número de índios deslocados de suas terras de origem para os centros coloniais teria sido da ordem de mil, cinco mil ou 10 mil por ano nessa ou naquela conjuntura. Da mesma forma que não nos é indiferente saber quantos africanos completaram a travessia transoceânica para vir trabalhar na América.

Caminhos historiográficos podem tomar novos rumos a depender da proporção relativa entre os africanos e os indígenas transportados de suas terras originárias às colônias portuguesas na América. Quantos foram os africanos trazidos do outro lado do Atlântico, e quantos foram os índios trazidos do sertão? Quais as dimensões de suas respectivas migrações induzidas pelos processos coloniais? Ordens de grandeza da massa populacional e de seus movimentos são parâmetros essenciais tanto para a história social quanto econômica; mas são importantes também para as propostas de uma historiografia recente que tem sublinhado a relevância da atuação dos sujeitos indígenas, individuais e coletivos, no âmbito da história.

Por esse motivo, o presente artigo pretende ser um subsídio para a história indígena, moderna, colonial, americana. Sendo o historiador capaz de vislumbrar as características demográficas da população ameríndia e a frequência e dimensão de seus deslocamentos às comunidades coloniais, é possível que as pesquisas sobre a importância social, econômica e política dos sujeitos em posição de protagonismo nas narrativas contemporâneas tomem novas dimensões e assumam contornos insuspeitos.

Porém, é preciso nos precavermos de alguns possíveis equívocos. Para que esse trabalho seja de fato útil e cumpra a sua função investigativa é necessário que nos contentemos com ordens de grandeza, isto é, que abdiquemos de números exatos e contagens precisas; os entraves são muitos e sobre eles discorreremos ao longo deste artigo. Portanto, deve-se tomar essas ordens de grandeza pelo que elas são: parâmetros para se pensar o volume e a evolução do recrutamento de trabalhadores indígenas no Estado do Maranhão de finais do século XVII e primeira metade do século XVIII. Como nos alertou Braudel, somente assim elas possuem um valor próprio, e não sofrem o risco de perdê-lo.

Os índios na América em 1492 e o impacto da presença europeia

A realidade demográfica da América indígena como um todo ainda é pouco conhecida. Tanto a estimativa da população à chegada dos europeus e o impacto que a presença deles provocou, quanto a incorporação das gentes nativas na sociedade colonial são difíceis de estimar e sobre elas não existe, até hoje, consenso.4 4 Para um apanhado dos números relativos à América, conferir texto de Leslie Bethell (1998, p. 129-131).

Para o todo populacional na América em 1492, os números podem variar de 8 a 100 milhões de indivíduos, de acordo com a metodologia adotada por cada escola. Muitos autores assumem que cerca de 90% da população ameríndia morreu já nas primeiras décadas após a chegada dos espanhóis, como foi calculado para Hispaniola ou como se costuma inferir para outras áreas americanas de maior concentração populacional, como o México e certas regiões do Peru. Porém, há quem defenda que em outras regiões, de diferentes padrões demográficos, como nas selvas, por exemplo, o impacto poderia ter sido menor e/ou mais lento (DENEVAN, 1976DENEVAN, William Maxfield. The aboriginal population of Amazonia. In: Denevan, Willian M. (ed.). The native population of the Americas in 1492. Madison: The University of Wisconsin Press, 1976. ; LIVI BACCI, 2005LIVI BACCI, Massimo. Conquista. La distruzione degli indios americani. Bologna: Il Mulino, 2005.; LIVI BACCI, 2012LIVI BACCI, Massimo. Amazzonia. L’impero dell’acqua: 1500-1800. Bologna: Il Mulino , 2012.). Ou seja, diferentes experiências de contato, contextos demográficos, formas de organização nativas ou distintos cenários naturais são fatores que podem modificar a equação. Entre o México e Andes - áreas urbanas, de grande concentração populacional - e os desertos da Patagônia ou o cerrado brasileiro, de fato, há variações importantes.

Para Livi Bacci (2012)LIVI BACCI, Massimo. Amazzonia. L’impero dell’acqua: 1500-1800. Bologna: Il Mulino , 2012., o impacto da presença europeia na demografia das sociedades indígenas amazônicas foi maior a partir das décadas de 1630 e 1640, quando começou a haver contatos mais sistemáticos, embora Anne-Christine Taylor (1994, p. 105)TAYLOR, Anne Christinne. Génesis de un arcaísmo: la Amazonía y su antropología. In: BERNAND, Carmen (Org). Descubrimiento, conquista y colonización de América a quinientos años. México: Consejo Nacional para la cultura y las artes / Fondo de Cultura Económica, 1994, p. 91-126. já houvesse apontado para um amplo movimento de refluxo, da bacia amazônica em direção às zonas de interflúvio no século anterior, entre 1550-1650. O demógrafo italiano, contudo, não acredita que, antes disso, tenha havido um decréscimo populacional tão grande como aconteceu nos Andes e Mesoamérica, já que as expedições europeias na região, até então, teriam sido esporádicas.

Sabemos que vírus, bactérias e parasitas propagam-se mais rapidamente do que animais, plantas e homens, e esse foi provavelmente o caso dos que chegaram à América cerca de cinquenta anos antes da primeira empreitada espanhola na floresta amazônica em 1540. Assim sendo, é possível que os primeiros relatos, das primeiras viagens ao rio Amazonas, ainda no século XVI, já testemunhassem situações de populações de alguma forma acometidas pela presença europeia na América.

São apenas hipóteses, mas, de todo modo, é consenso que houve variações regionais desse impacto, relacionadas tanto às características demográficas e dinâmicas de mobilidade de cada população como ao grau de contato com os elementos exógenos. Variaram na intensidade, no espaço e no tempo de propagação, alertando-nos para a importância das circunstâncias em que se desenvolveram as relações entre indígenas e europeus na análise da dimensão do impacto demográfico sobre a população nativa.

Índios no Brasil: população nativa e colonial

As estimativas com relação à população indígena que vivia nas terras do atual Brasil à época da chegada dos europeus também variam enormemente e ainda carecem de atualização. No final da década de 1970, John Hemming (2007, p. 737)HEMMING, John. Ouro vermelho. A conquista dos índios brasileiros. Tradução de Carlos Eugênio Marcondes de Moura. São Paulo: Edusp, 2007 [1978]. estimou cerca de 3,2 milhões de índios, incluindo a região amazônica.

Para a população indígena amazônica, especificamente, as estimativas variam de menos de dois milhões de sujeitos, segundo Meggers e Steward, a 15 milhões de acordo com Nigel Smith (DENEVAN, 2003DENEVAN, William Maxfield. The native population of Amazonia in 1492 reconsidered. Revista de Indias, vol. 63, nº. 227, 2003, p. 175-188. Disponível em: <http://revistadeindias.revistas.csic.es/index.php/revistadeindias/article/view/557/6> Acesso em: 30 jun. 2019. DOI: https://doi.org/10.3989/revindias.2003.i227.557.
http://revistadeindias.revistas.csic.es/...
, p. 186; STEWARD, 2000STEWARD, Julien. A população nativa da América do Sul. São Paulo: Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, vol. 10, 2000, p. 303-315. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/revmae/article/view/109394/107878>. Acesso em: 30 mar. 2019. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2448-1750.revmae.2000.109394
http://www.revistas.usp.br/revmae/articl...
, p. 308-310; DENEVAN, 2014, p. 207-221). Na década de 1970, Denevan (1976)DENEVAN, William Maxfield. The aboriginal population of Amazonia. In: Denevan, Willian M. (ed.). The native population of the Americas in 1492. Madison: The University of Wisconsin Press, 1976. havia calculado em seis milhões a população pertencente ao que ele chama de “grande Amazônia” (toda a planície tropical da América do Sul a leste dos Andes, exceto a região do Gran Chaco) e cinco milhões na própria bacia amazônica. Recentemente, com base em novos estudos arqueológicos sobre os sítios de terra preta,5 5 Solos particularmente férteis que se encontram em algumas regiões amazônicas e que são resultantes de densas ocupações humanas (CLÉMENT, 2015, p. 3-4). as estimativas se elevaram para a ordem de 8 a 10 milhões a população pertencente à “grande Amazônia” (DENEVAN, 2012DENEVAN, William Maxfield. Rewriting the Late Pre-European History of Amazonia. Journal of Latin American Geography, vol. 11, n. 1, 2012, p. 9-24. Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/41442121?seq=1>. Acesso em: 30 jun. 2019. DOI: https://doi.org/10.1353/lag.2012.0001.
https://www.jstor.org/stable/41442121?se...
, p. 9-24; DENEVAN, 2014DENEVAN, William Maxfield. Estimating Amazonian Indian Numbers in 1492. Journal of Latin American Geography , vol. 13, n. 2, 2014, p. 207-221. Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/24395921?seq=1>. Acesso em: 30 jun. 2019. DOI: https://doi.org/10.1353/lag.2014.0036.
https://www.jstor.org/stable/24395921?se...
; CLÉMENT, 2015CLÉMENT, Charles et al. The domestication of Amazonia before European conquest. Proceedings of the Royal Society B. Biological Sciences, vol. 282, 2015, p. 1-9. Disponível em: <https://royalsocietypublishing.org/doi/10.1098/rspb.2015.0813> Acesso em: 30 jun. 2019. DOI: https://dx.doi.org/10.1098/rspb.2015.0813.
https://royalsocietypublishing.org/doi/1...
, p. 1-9).

Com relação à realidade colonial, há alguns números considerados mais ou menos estabelecidos, porém, tampouco isentos de contestações. Ângelo Carrara calcula que, em finais do setecentos, a população do Estado do Brasil estaria em torno de 200 mil indivíduos, entre colonos, índios cristãos e trabalhadores de origem africana, enquanto a população do Estado do Maranhão de origem portuguesa seria de 10 mil almas. No entanto, a maior dificuldade para compor um quadro mais completo da população da América portuguesa, segundo o mesmo autor, está justamente em estimar a quantidade de índios integrados aos espaços coloniais. No caso da população indígena do Estado do Maranhão, o quadro é ainda mais incerto (CARRARA, 2014CARRARA, Ângelo Alves. A população do Brasil, 1570-1700: uma revisão historiográfica. Niterói: Revista Tempo, vol. 20, 2014, p. 1-21. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/tem/v20/pt_1980-542X-tem-2014203619.pdf>. Acesso em: 30 mar. 2019. DOI: https://doi.org/10.1590/TEM-1980-542X-2014203619eng.
https://www.scielo.br/pdf/tem/v20/pt_198...
, p. 1-21). Este artigo pretende justamente trazer alguns elementos para esclarecer esse ponto.

A dificuldade, em parte, se deve à ausência de dados. Toda informação é incompleta, indireta e somente em casos excepcionais é serializada (MARCÍLIO, 1999MARCÍLIO, Maria Luíza. A população do Brasil Colonial. In: BETHELL, Leslie (org.). História da América Latina: América Latina Colonial , vol. II. São Paulo / Brasília: Edusp/Fundação Alexandre de Gusmão, 1999, p. 311-338. , p. 311-338). A situação começa a melhorar para o pesquisador apenas na segunda metade do XVIII, com o censo de 1765 realizado pela administração pombalina, ilustrada, preocupada em mensurar e realizar estatísticas. Antes disso, havia pouca preocupação em seriar dados populacionais e qualquer tentativa de estimar a população colonial por métodos propriamente demográficos esbarra nesse obstáculo (ALDEN, 1963ALDEN, Dauril. The population of Brazil in the late eighteenth century: a preliminary study. Hispanic American Historical Review. Durham: Duke University Press, vol. 43, n. 2, 1963, p. 173-205.). E, ainda assim, há o infortúnio de que muitos documentos que poderiam fornecer informações valiosas se perderam por conta das próprias contingências históricas.6 6 Por exemplo, uma carta do bispo do Pará, datada de 1730, que se referia a um documento com informações demográficas, documento esse nunca encontrado nos arquivos. Carta do bispo do Pará de 19 de setembro de 1730. Arquivo Histórico Ultramarino (Avulsos), Pará, cx. 12, doc. 1138.

Os problemas se devem ainda à dificuldade de estabelecer uma metodologia apropriada para a realidade colonial da América portuguesa, que tem como característica uma grande mobilidade das populações, além de vastos e heterogêneos espaços. Uma sociedade escravista, diversa, com uma presença importante de mestiços, com fluxos migratórios espontâneos e forçados, conflitos militares, resistência a trabalhos constrangidos (como fugas, por exemplo), além de doenças, epidemias, enfim, tudo isso torna complexa a tarefa de calcular sua população.

Ainda carecemos de uma tipologia dos regimes demográficos de toda a América portuguesa e Império do Brasil, pois os estudos de demografia histórica permanecem concentrados em um espaço/tempo específico: aquele situado entre a segunda metade do século XVIII e primeira do século XIX, no eixo Rio de Janeiro/Minas Gerais/São Paulo. Todo o resto permanece praticamente desconhecido, tornando-se difícil estabelecer tipologias da América portuguesa como um todo (BACELLAR, SCOTT e BASSANEZI, 2005BACELLAR, Carlos de Almeida Prado; SCOTT, Ana Silvia Volpi; BASSANEZI; Maria Silvia C. B. Quarenta anos de demografia histórica. São Paulo: Revista Brasileira de Estudos da População, vol. 22, 2005, p. 339-350. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/rbepop/v22n2/v22n2a09.pdf>. Acesso em: 18 fev. 2019. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-30982005000200010
https://www.scielo.br/pdf/rbepop/v22n2/v...
, p. 339-350).

Maria Luíza Marcílio (1999, p. 336-337)MARCÍLIO, Maria Luíza. A população do Brasil Colonial. In: BETHELL, Leslie (org.). História da América Latina: América Latina Colonial , vol. II. São Paulo / Brasília: Edusp/Fundação Alexandre de Gusmão, 1999, p. 311-338. propôs uma tipologia demográfica bastante genérica, dividindo e classificando o território da América portuguesa entre regiões integradas à economia mundial, regiões de economia secundária e outras periféricas, isto é, à margem do sistema. Segundo a autora, na região amazônica, uma área economicamente não atraente, a população se reproduziria por meio do crescimento interno natural, com altas taxas de mortalidade, mas também de natalidade, tendência próxima à população livre de agricultura de subsistência de São Paulo entre finais do XVIII e meados do XIX.

Partindo da proposição de Marcílio, mais recentemente, Sérgio Nadalin (2004, pp. 133-141)NADALIN, Sérgio Odilon. História e Demografia: elementos para um diálogo. Campinas: Associação Brasileira de Estudos Populacionais, 2004. avançou em uma sugestão de análise mais elaborada, que combina estruturas sociais e variáveis populacionais regionais, abrindo caminho a um mapeamento dos regimes demográficos distintos que vigoraram na América portuguesa. A partir da combinação de diversos elementos, o autor distingue, por exemplo, o regime demográfico paulista, o das plantations, o das elites, o das áreas de subsistência, entre outros, e inclusive propõe um regime próprio ao contexto das “drogas do sertão”, caracterizado por uma relação singular com os indígenas e, acrescentamos, onde a mobilidade é componente fundamental.

Mas, apesar dos esforços de Marcílio e Nadalin, as preocupações da história social seguiram outros caminhos e as características demográficas da América portuguesa setentrional ainda estão por ser desvendadas. Alguns estudos mais recentes reúnem dados brutos (CHAMBOULEYRON, 2005CHAMBOULEYRON, Rafael Ivan. Portuguese colonization of the Amazon region, 1640-1706. PhD. thesis, History, University of Cambridge, 2005.; CHAMBOULEYRON, 2010CHAMBOULEYRON, Rafael Ivan. Povoamento, ocupação e agricultura na Amazônia colonial, 1640-1706. Belém: Açaí, 2010.), mas ainda é preciso combinar as informações ou propor análises mais abrangentes. Ainda não houve um genuíno esforço de compilação sistemática e de apreciação estatística da documentação. Portanto, nosso objetivo aqui é sanar essa lacuna, e olhar especificamente para a região amazônica com os dados que temos disponíveis e que, de alguma forma, podem nos esclarecer alguns aspectos dessa população. Na ausência de dados prontos e de recenseamentos de acordo com os parâmetros modernos, recolhemos informações dispersas, por vezes indiretas, fazemos inferências e projeções e não desprezamos as pontuais estimativas realizadas por missionários ou governadores.

Índios do Estado do Maranhão: estratégia possível

Uma característica intrínseca ao trabalho a que nos propusemos é que não temos muitas opções de escolha da amostra. E que a amostra está, de partida, selecionada pelos processos históricos que produziram os documentos de onde extraímos os dados, mas também pelas contingências históricas que permitiram, ou não, a conservação desses documentos. Portanto, precisamos lidar com o que possuímos e a partir de aí desenvolver as estratégias adequadas a cada situação para chegar aos números que estamos buscando.

Apesar de conseguirmos operar nossos cálculos apenas para o período que se inicia nos anos finais do século XVII, por conta dos documentos de que dispomos, podemos ter uma ideia de como se desenvolveram os movimentos populacionais de migração do sertão para as regiões de produção colonial a partir de contextos conhecidos. Identificamos que, no espaço de trezentos anos (c. 1500 - c.1800), cada conjuntura de cinquenta anos, mais ou menos, possuiu características próprias e distintas uma das outras. Por isso, neste artigo, para os primeiros 200 anos sobre os quais temos poucos dados, ou quase nenhum, apresentamos algumas considerações a partir do que conhecemos do contexto de cada período.

O estudo de população propriamente dito, mobilizando dados para produzir informações, só se inicia em nosso escopo a partir do final do século XVII e se encerra em meados do XVIII, pois é o período para o qual existem dados disponíveis e onde se concentra o auge da incorporação de índios trabalhadores à sociedade colonial. Trata-se, portanto, de uma única conjuntura. Porém, essa é não só uma conjuntura importante para a compreensão dos processos históricos da região, como é, também, uma conjuntura internamente dinâmica.

Analisamos os números que possuímos, extraindo os padrões possíveis, fazendo projeções e checando com as estimativas contemporâneas. Partimos de alguns números mais ou menos sólidos, estabelecidos por meio de compilação de documentos administrativos que registram, em seu conjunto, a quantidade de índios autorizados a serem trazidos por particulares para as aldeias e fazendas portuguesas.

Adotamos ainda como estratégia não desprezar as estimativas contemporâneas, geralmente expressas em cartas e relatórios de missionários, especialmente dos jesuítas, em documentos administrativos de várias ordens e em relatos de viajantes ou relatórios de governadores. Embora sejam muitas vezes desautorizadas por supostos exageros, essas informações têm seu valor estatístico, pois eram os números sobre os quais se definiam políticas. Algumas delas são suficientemente confiáveis, como por exemplo, as estimativas jesuítas acerca do número de índios em suas aldeias e fazendas nos anos 1696 e 1730. Outras talvez puxassem para mais ou para menos em função de interesses do enunciador. Mas, em geral, as estimativas de época não podiam ser completamente irrealistas e não devem ser, portanto, simplesmente ignoradas. Não sabemos de antemão se os números eram ou não confiáveis, mas podemos usá-los como parâmetros de comparação com os outros números que, reunidos ou calculados, obtivermos.

Assim, selecionar as estimativas mais confiáveis, tomá-las como possivelmente justas tendo em vista que estamos buscando ordens de grandeza, reunir os dados disponíveis, fazer projeções a partir delas e do que se sabe do contexto e, por fim, confrontar as informações entre si, essa foi a estratégia adotada. Pelo cotejamento de várias informações, é possível separar o joio do trigo em termos de números com valores estatísticos, sempre lembrando que estamos investigando ordens de grandeza. O que não podemos é simplesmente acreditar nos moradores, sujeitos igualmente interessados na formulação de um determinado discurso, quando diziam que não tinham escravos suficientes para suas lavouras e, a partir disso, concluir que a economia local era pobre e estagnada porque não havia dinheiro para comprar africanos e que a população indígena era escassa. É preciso (pelo menos tentar) calcular a sua dimensão.

Conjunturas e deslocamentos populacionais: do sertão à colônia

Ajuda na apreensão do nosso objeto considerar os movimentos populacionais no espaço a partir do que conhecemos a respeito dos contextos. Os relatos dos primeiros viajantes a empreenderem a navegação pelo rio Amazonas testemunham a existência de populações bastante densas às margens do rio.7 7 CARVAJAL, Gaspar de. Relación del nuevo descubrimiento del famoso Rio Grande que descubrió por muy gran ventura el Capitán Francisco de Orellana [1542] (MADARUELO, 2002, p. 31-88). Descrições que contrastam com a escala populacional das sociedades do século XX, mas coincidem com as descobertas arqueológicas das últimas décadas (CLÉMENT, 2015CLÉMENT, Charles et al. The domestication of Amazonia before European conquest. Proceedings of the Royal Society B. Biological Sciences, vol. 282, 2015, p. 1-9. Disponível em: <https://royalsocietypublishing.org/doi/10.1098/rspb.2015.0813> Acesso em: 30 jun. 2019. DOI: https://dx.doi.org/10.1098/rspb.2015.0813.
https://royalsocietypublishing.org/doi/1...
, p. 1-9). As primeiras viagens pelo território amazônico ocorreram em meados do século XVI. De um lado, espanhóis vindos do oeste, insatisfeitos com as partes que lhes cabiam no botim de conquista do império Inca. Desceram até o rio Amazonas em busca do país da canela. Do litoral do Caribe, ingleses saíram em busca do El Dorado. Espanhóis, franceses e holandeses instalaram feitorias para comerciar com os indígenas.

Do lado português, o período de 1600 a 1650, grosso modo, foi marcado pelas guerras no litoral do Maranhão e Pará. Período de fugas e grande mortalidade das sociedades indígenas na região litorânea até a entrada do rio Amazonas, resultado também da intensa exploração de seu trabalho em lavouras de tabaco. A expedição de Pedro Teixeira, que partiu de Belém e chegou a Quito em 1636, voltando com o jesuíta Cristóbal de Acuña no ano de 1639, teve notícia da existência de muitos escravos indígenas entre os nativos que viviam no interior do rio Negro.8 8 ACUÑA, Cristóbal. Nuevo descubrimiento del Gran río de las Amazonas [1641]. (ARELLANO; DÍEZ BORQUE e SANTOJA, 2009).

Na estimativa do padre Antônio Vieira datada de 1657, teriam sido na ordem de dois milhões o número de mortos nas últimas quatro décadas, que habitavam mais de quinhentas numerosas povoações.9 9 Antônio Vieira. Carta ao rei d. Afonso VI, 20 de abril de 1657. In: Obra completa: Padre António Vieira, t. 1, vol. III. São Paulo: Editora Loyola, 2013, p. 226. Exagero ou não, de todo modo, sabemos que foi depois desse primeiro grande refluxo demográfico que as dinâmicas de descimentos, resgates e de guerras no interior do território (as quais contabilizaremos a seguir) começaram a ganhar importância. É sintomático, aliás, que em 1661, os moradores do Estado do Maranhão, na Câmara de São Luís, estivessem exigindo dos jesuítas que tropas de resgates fossem enviadas a áreas já bastante distantes das vilas e fazendas portuguesas, “rio Madeira, cabeceiras do Rio Negro, Cambebas e outras muitas paragens que há”.10 10 Conferir o debate entre a Câmara de Belém e Antônio Vieira, entre janeiro e fevereiro de 1661: “Representação da Câmara de Belém ao padre Vieira a expor as limitações em que vivem pela falta de escravos para os servir”. 15 de janeiro de 1661. Biblioteca Ajuda. 54-XI-27, n. 12a, f.1-2; “Carta com a resposta do padre Vieira à representação da Câmara de Belém”. 12 fevereiro 1661. Biblioteca Ajuda. 54-XI-27, n.12b, f.2-3v; “Carta da Câmara de Belém ao padre Vieira com reposta à sua carta”. Biblioteca Ajuda. 54-XI-27, n.12c, f. 3v-5 (BERREDO, 1988, p. 251-257).

De todos os modos, parece ser evidente que, um século depois das primeiras viagens ao Amazonas, Acuña testemunhou um cenário distinto daquele encontrado pelos primeiros viajantes, sugerindo-nos uma evidente transformação e declínio provocado por dinâmicas relacionadas à presença europeia. As dinâmicas de interiorização, a organização de expedições com objetivos de obter trabalhadores indígenas, livres ou escravos, começaram a se intensificar no período seguinte, de 1650 a 1700, quando assistimos a uma consolidação do domínio português na região. Nesse momento podemos prontamente falar em contatos sistemáticos: guerras, resgates, descimentos, aldeamentos, escravidão, doenças, epidemias. Expedições oficiais anuais, além das incontáveis expedições particulares legais ou ilegais, rumo ao sertão do rio Amazonas, em busca de índios para serem comprados ou simplesmente capturados e escravizados.

No final desse período é quando se tem início a estruturação de um sistema de aldeamentos. O Regimento das Missões, de 1686, amplo documento que regulamentava a organização do trabalho dos índios na região, estabeleceu como prioridade a fundação de aldeias em rede ao longo do curso do rio Amazonas, que tanto serviriam como pontos de apoios às expedições quanto fariam escoar os produtos que circulavam no interior do território.11 11 “Regimento das Missões” (LEITE, 1941, p. 369-375). Em 1693, ocorreu a repartição dos territórios do Estado entre várias ordens religiosas, o que permitiu a expansão do número de aldeamentos e descimentos12 12 Carta de 19 de março de 1693. Anais da Biblioteca Nacional (ABN), v. 66, 1948, p. 142-144. .

O contexto político e social é, além disso, complexo. A passagem para o século XVIII foi marcada por vários incidentes militares envolvendo as missões espanholas e portuguesas na disputa por território na altura da confluência do rio Negro com o rio Amazonas (DIAS, 2012DIAS, Camila Loureiro. Jesuit Maps and Political Discourse: The Amazon River of Father Samuel Fritz. The Americas, v. 69, p. 95-116, 2012. Disponível em: <http://redebrasilis.net/wp-content/uploads/2013/04/Camila-L.-Dias-Jesuit-Maps-and-Political-Discourse-muse.pdf>. Acesso em: 30 jun. 2019. DOI: https://doi.org/10.1353/tam.2012.0052.
http://redebrasilis.net/wp-content/uploa...
, p. 95-116). Ponto para onde também confluía um comércio de prisioneiros desenvolvido entre os índios e os holandeses do Suriname, justaposto a redes de comércio indígenas pré-existentes (WHITEHEAD, 1988WHITEHEAD, Neil. Lords of the tiger spirit. A history of the Caribs in colonial Venezuela and Guyana. 1498-1820. Dordrecht: Foris Publications Holland, 1988. ; DREYFUS, 1993DREYFUS, Simone. Os empreendimentos Coloniais e os Espaços Políticos indígenas no Interior da Guiana Ocidental (entre o Orenoco e o Corentino) de 1613 a 1796. In: CASTRO, Eduardo Viveiros de; CUNHA, Manuela Carneiro da. Amazônia: Etnologia e história indígena. São Paulo: NHII-USP, FAPESP, 1993, p. 19-41, p. 19-41).

Depois da grande guerra justa deflagrada contra os índios dessa região (1728-1736), os portugueses tiveram acesso ao curso alto do rio Negro e, justamente a partir desse momento, as expedições portuguesas financiadas e comandadas por particulares se regularizaram, configurando o auge da busca de índios no sertão para sua incorporação à sociedade colonial. Destaca-se também a grande quantidade de guerras organizadas na fronteira das capitanias do Maranhão e Piauí (MELO, 2011MELO, Vanice Siqueira de. Cruentas guerras: índios e portugueses no sertão do Maranhão e Piauí (primeira metade do século XVIII). Dissertação de mestrado, História, IFCH - Universidade Federal do Pará, 2011.). Já nos centros coloniais das capitanias do Pará e Maranhão, esse período é marcado por intensas disputas entre padres e colonos pelo controle do trabalho indígena (DIAS, 2014DIAS, Camila Loureiro. L’Amazonie avant Pombal: politique, économie, territoire. Tese de doutorado, História, Paris: EHESS, 2014. , p. 292). A maior parte das informações de que dispomos para nosso objetivo concentra-se nesse período.

A partir da década de 1750, com o governo pombalino, mudou-se a forma de incorporar os índios à sociedade colonial. Embora tenha sido utilizado o mesmo modelo dos aldeamentos para organizar as novas vilas, introduziu-se uma série de modificações nas modalidades de obtenção de trabalhadores. Os índios foram declarados livres, o que quer dizer que as tropas de resgate foram proibidas, permaneceram apenas as ilegais, cujos números não podemos contabilizar. A partir do governo pombalino, portanto, não há mais registros de escravos indígenas.

Aconteceu ainda uma transformação na estrutura do trabalho, pois foi o momento quando efetivamente foram introduzidos escravos africanos na região em quantidade nunca vistas e a proporção entre eles e os índios passou a ficar mais equilibrada no conjunto da população trabalhadora (CHAMBOULEYRON, 2006CHAMBOULEYRON, Rafael Ivan. Escravos do Atlântico equatorial: tráfico negreiro para o Estado do Maranhão e Pará (século XVII e início do século XVIII). São Paulo. Revista Brasileira de História, vol. 56, n. 52, 2006, p. 79-114. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/rbh/v26n52/a05v2652.pdf>. Acesso em: 24 jun. 2019. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-01882006000200005.
https://www.scielo.br/pdf/rbh/v26n52/a05...
, p. 79-114; SILVA, 2008SILVA, Daniel Domingues da. The Atlantic slave trade to Maranhão, 1680-1846: volume, routes and organization. Slavery and Abolition, vol. 29, n. 4, 2008, p. 477-501. Disponível em: <https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/01440390802486507>. Acesso em: 30 jun. 2019. DOI: https://doi.org/10.1080/01440390802486507.
https://www.tandfonline.com/doi/full/10....
, p. 477-501; BARBOSA, 2009BARBOSA, Benedito Carlos Costa. Em outras margens do Atlântico: tráfico negreiro para o Estado do Maranhão (1707-1750). Dissertação de mestrado, História, IFCH - Universidade Federal do Pará, 2009.; BEZERRA NETO, 2012BEZERRA NETO, José Maia. Escravidão negra no Grão-Pará (séculos XVII-XVIII). Belém: Paka-Tatu, 2012.). Entre 1751 e 1800, foram desembarcados cerca de 70 mil africanos nos portos de São Luís e Belém - muito mais do que os quase 11 mil do período anterior (entre 1676 e 1750) -, o que certamente modificou as dinâmicas sociais na região.13 13 Dados disponíveis em <https://www.slavevoyages.org.>

Além disso, o casamento entre índios e portugueses foi incentivado, a política dos padres (embora falha) de tentar isolar os índios do contato dos colonos foi abolida em prol de uma política que incentivava a miscigenação e transformação dos índios em vassalos. Tudo isso implicou em novas formas de produção e em novas consequências sociais. E também refletiu na maneira de registrar a população, diferente daquela que nos permitiu desenvolver a estratégia deste estudo. A partir desse momento, encontramos os termos “livres”, “moradores”, “escravos” e “índios aldeados” nos mapas populacionais; alguns mapas desse período classificam por “qualidade” (branco, negro, mameluco, índio, cafuzo, mulato).14 14 Para estudos demográficos sobre esse período, que consideram as transformações demográficas próprias a ele e o desenvolvimento de metodologias de contagem da população do império português, conferir Mello (2015, p. 227-253) e Fonseca (2017, p. 439-464). Dessa forma, não temos os mesmos parâmetros para comparar com as nossas categorias do período anterior (índios escravos e livres, incorporados segundo diferentes modalidades). Contar essa população e, especialmente, comparar os números, demanda a construção de uma nova metodologia.

Trabalhadores indígenas livres e escravos: modalidades de inserção à economia colonial

Nosso cálculo da quantidade de índios incorporados à sociedade colonial na primeira metade do século XVIII se fez a partir de uma análise compartimentada dos números disponíveis sobre as diferentes formas ou modalidades de incorporação dos índios a essa sociedade na condição de trabalhadores, previstas na legislação e/ou realizadas de forma ilegal.

Para estimar a população indígena inserida no Estado do Grão-Pará e Maranhão durante a primeira metade do século XVIII, consideramos o número de habitantes indígenas dos aldeamentos jesuítas em datas específicas (1696, 1730), o número de licenças para descimentos e para resgates particulares que pudemos colher em vários fundos documentais, uma estimativa da média anual de resgates oficiais e outra sobre guerras justas a partir de dados de prisioneiros e de inferências possíveis também pela análise documental; e, por fim, para estimar a população ilegalmente incorporada, utilizamos a apreciação de um juiz designado pelo rei para avaliar o conflito entre moradores e missionários, do ano de 1735.

Há uma grande quantidade de documentos produzidos na primeira metade do século XVIII que nos permitem realizar essas contas. Não encontramos muitos documentos para anos anteriores, embora a legislação que institui a obrigatoriedade dos registros seja bastante anterior. Talvez por causa das perdas documentais relacionadas às condições de conservação de nossos arquivos. Mas pode ser que, de fato, nessa primeira metade do século XVIII tenha se produzido um volume maior de documentação administrativa, refletindo a intensificação da prática. É, em todo caso, o que nos permite realizar uma análise mais consistente desse contexto do que dos períodos anteriores, para os quais não temos séries.

A população das aldeias e os descimentos oficiais

Descimento era quando uma expedição - composta, via de regra, por missionários e militares, além de índios remeiros e práticos - realizava um acordo com o chefe de uma comunidade indígena, chamado pelos portugueses de Principal. O descimento caracterizava-se por uma forma, a princípio, consensual de deslocamento dos índios de suas terras para as terras onde os portugueses possuíam colônias: eram integrados como trabalhadores livres aos aldeamentos administrados pelos missionários.

Se tivéssemos disponível nas fontes o número de índios que aceitaram viver nas vilas portuguesas por meio dessa modalidade conhecida por descimentos oficiais (modalidade 1) bastaria apenas somá-los para que chegássemos a um total entre os anos que nos interessam. No entanto, não dispomos desses números. O que possuímos são duas estimativas da população indígena concentrada nas missões jesuítas nos anos de 1696 e 1730, e nossos cálculos para estimar a incorporação de indígenas a essas missões é estritamente matemático, embora seja compatível com o contexto com o qual estamos lidando.

Em 1696, havia mais ou menos 11 mil índios nas aldeias da Companhia de Jesus.15 15 Em 1696, o número de índios cristãos das aldeias jesuítas do Estado do Maranhão e Grão-Pará era 11.000 “pouco mais ou menos”. Miguel Antunes, Carta ânua de 1696, Bras. 9, 427v. Por esse tempo, em 1701, os índios das aldeias da Companhia no Centro e no Sul do Brasil eram 15.450 (Bras. 10, 25v-26) (LEITE, 1941, p. 138-140). Sabemos, no entanto, que os jesuítas haviam acabado de ceder metade das suas missões para outras ordens religiosas.16 16 Carta régia de 19 de março de 1693. Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, vol. 66, 1948, p. 142-144. Uma primeira abordagem, para quem busca ordem de grandeza, nos autoriza inferir que, por volta de 1696, havia pelo menos o dobro de índios vivendo em aldeias administradas pelos religiosos das várias ordens presentes na região (jesuítas, carmelitas, mercedários e franciscanos), o que representaria cerca de 22 mil índios.

O outro dado de que dispomos é uma nova estimativa jesuíta do ano de 1730. Diziam eles ter cerca de 21 mil índios em suas aldeias e fazendas.17 17 “Numerus per donaru in Indoru pagis, qui nostris regutur de gentiu in Maragnoni 1730”. ARSI, Cód. Bras. 10 (2), f. 338-338v. Se esses números estão corretos, teria havido um crescimento considerável da população dos aldeamentos jesuítas na ordem de aproximadamente 2% ao ano. Nesse ano, havia em todo o Estado cerca de 60 aldeamentos administrados por todas as ordens religiosas.18 18 Segundo documento da década de 1730, os jesuítas possuíam 27 aldeamentos, os padres carmelitas 11, os capuchinhos de Santo Antônio e da Conceição 5, os padres piedosos 8 e os mercedários 3. Corrigimos o dado do número de aldeias jesuíticas, pois por levantamento da própria ordem eram 29, bem como o número de aldeias dos religiosos de Santo Antônio e Conceição, que girava em torno de 9. “Cálculo do importantíssimo cabedal...”. Biblioteca Pública de Évora (BPE), Cód. CXV/2-13, fl. 224-237. Com base nessa informação, tiramos a média aproximada (720) do possível número de índios que habitavam cada aldeamento jesuíta e projetamos sobre os demais aldeamentos. Chegamos a um total de 43.200 índios vivendo nas aldeias e fazendas das ordens religiosas em 1730.

Se, de fato, a população de índios nas aldeias coloniais quase dobrou de tamanho em pouco mais de 30 anos, entre 1696 e 1730 - como parece ter acontecido pelo menos nas aldeias jesuítas -, a essa velocidade não podemos considerar que foi somente por crescimento vegetativo. Foi, sobretudo, por incremento das práticas de descimentos. Autoriza-nos a confiar nessa conclusão o fato de que tenha sido esse um momento de intensas disputas políticas e de grande movimentação populacional, perceptível por meio de relatos contemporâneos. Quer dizer, esses números quantificam a impressão geral que se tem desse período ao lermos a documentação colonial.

Assumindo os números de 22 mil índios em 1696 e de 43.200 para 1730, resta, então, cogitar quantos índios havia nas aldeias missionárias no ano de 1750. O governador Mendonça Furtado contabilizou um total de 63 aldeias, somente no bispado do Pará, no ano de 1751. Embora não soubesse informar o número de habitantes dessas aldeias, estimava que algumas contassem com cerca de 800 “almas” e nenhuma com menos de 150.19 19 Seriam 19 pertencentes à Companhia de Jesus, 15 aos regulares do Carmo, 9 aos da Província de Santo Antônio, 7 aos da Província de Conceição, 10 aos da Província de Piedade e 3 aos dos religiosos de Nossa Senhora das Mercês. Francisco Xavier de Mendonça Furtado, Carta ao rei, 30 de dezembro de 1751 (MENDONÇA, 2005, p. 214-215). A partir desses números, João Lúcio de Azevedo tirou um média de 475 indivíduos por aldeia, chegando a um total de cerca de 30 mil pessoas, ao que ele somou 20 mil, número provável das vítimas da epidemia que atingiu a região logo antes dessa informação.20 20 Não há consenso sobre o número de mortos nessa epidemia. Antônio Vieira e Roberta Martins estimam, com base em listagens feita por religiosos, 16.494 índios mortos nas aldeias e povoações de índios. Em trabalhos futuros, realizaremos uma crítica adequada sobre os limites quantitativos dessas listagens. De qualquer forma, por ora tomamos as estimativas de João Lúcio de Azevedo somente como uma referência comparativa dos nossos próprios cálculos, tendo em vista que estamos buscando ordens de grandeza, e não números absolutos (VIEIRA JUNIOR e MARTINS, 2015, p. 293-311). Sobre as implicações socioeconômicas, políticas e demográficas das epidemias no Estado do Maranhão no século XVIII, ver Claudia Sousa (2017) e Roberta Martins (2017). Com isso, Azevedo (1930, p. 228-229)AZEVEDO, João Lúcio de. Os jesuítas no Grão-Pará: suas missões e a colonização. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1930. estimou cerca de 50 mil índios vivendo nas aldeias missionárias da capitania do Pará em 1750. Como incluímos em nossos cálculos os aldeamentos da capitania do Maranhão, chegamos a um número um pouco maior de habitantes em 1750, considerando a taxa de crescimento anual de 2%.21 21 Pelas listas de população indígena aldeada vítima do contágio de sarampo de 1748 a 1749, concluímos que havia, pelo menos, 70 aldeamentos em todo o Estado: 17 do Carmo, 11 de Santo Antônio, 4 da Conceição, 12 da Piedade e cerca de 29 da Companhia de Jesus. AHU, Pará, doc. 3001. Se, entre 1731 e 1750 o crescimento das aldeias tivesse se mantido no mesmo ritmo que no período anterior (de 1696 a 1730), haveria nas aldeias missionárias de todo o Estado, antes da epidemia, um total de cerca de 60 mil índios.22 22 Nesta modalidade de arregimentação, o modelo é construído a partir da afirmação de que a quantidade de índios em um determinado ano é igual à quantidade de índios no ano anterior mais uma proporção dessa quantidade. Assim, escrevemos o modelo da seguinte forma yt = (1 + ρ)yt - 1, em que yt é a quantidade de índios no ano t e ρ ϵ [-1, 1] é um parâmetro que pode indicar um crescimento/decrescimento anual em relação ao ano anterior dependendo do seu valor. Podemos chamá-lo de “taxa de crescimento anual”, se ρ < 0 temos uma taxa de crescimento negativa (ou decrescimento), se ρ > 0 temos uma taxa de crescimento positiva e se ρ = 0 temos uma “estabilização” da população. Se considerarmos t0 um ano inicial fixo podemos reescrever a equação anterior como yt=yt01+ρt−t0,t≥t0. Obviamente poderíamos acrescentar na primeira e na segunda equação uma variável para representar um erro de contagem e assim aproximar-se ainda mais da realidade do problema, entretanto não dispomos de dados suficientes para modelar a variabilidade desse erro. O que temos são contagens que foram extrapoladas para os anos de 1696 e 1730. Desta forma, uma estimativa para o número de índios recrutados no período 1680-1700 é de 23.818 - 15712 = 8.106 índios; para o período de 1701-1730 é de 43.200 - 23.818 = 19.382 índios; e para o período de 1731-1750 é de 64.250 - 43.200 = 21.050 índios.

Mas o que estamos procurando aferir é a quantidade de índios incorporados e não quantos habitavam as aldeias nos anos de 1700, 1730 e 1750. Nossos cálculos apontaram para o afluxo de 48.500 índios entre 1680 e 1750. Nessa quantificação, não foi possível separar a taxa de crescimento natural (isto é, a diferença entre nascimentos e mortes) do número de índios descidos anualmente. Também não foi possível dimensionar o impacto das fugas sobre a dinâmica populacional, apesar de sabermos que eram constantes, pois são dados que não conhecemos.

Entretanto, sabemos a partir dos dados apontados em carta do jesuíta José de Vidigal que o número de índios descidos anualmente poderia girar em torno de 9% da população de cada aldeamento.23 23 Escrevendo em meados de 1714, o jesuíta José Vidigal informou que durante o governo de Cristóvão da Costa Freire (1707-1714 (7 anos e meio)), desceram 1.530 índios para quatro aldeias, com uma média 51 índios descidos anualmente a cada aldeia. Verificamos que em 1696 haveria 11 mil índios sendo missionados, provavelmente, em 20 aldeias jesuíticas. Se assumirmos uma média de 550 índios habitantes por aldeia, podemos supor que os índios descidos anualmente representaram, pelo menos, 9,28% da população total das aldeias. Uma ressalva: esses dados são sobre aldeias de repartição, o mesmo padre afirma que o volume de descimentos de índios às aldeias de missão era bem maior. “Carta de José Vidigal, para o rei”. 24 de julho de 1714. AHU (Avulsos), Pará, Cx. 6, Doc. 503. Tendo em vista que o número de descimentos era constante e provavelmente bastante superior ao ritmo de crescimento de 2% e que o que se busca aqui é entender o fluxo de pessoas, assumimos que o número de 48.500 índios descidos em 70 anos está, provavelmente, subestimado e é bastante conservador. Mas é o número que temos e sobre o qual trabalharemos.

Os resgates oficiais

Os resgates oficiais (modalidade 2) aconteciam quando uma tropa portuguesa negociava um prisioneiro indígena por mercadoria: punhado de sal e avelórios é o que vemos mais frequentemente nos registros; mas sabemos que tecidos europeus e indianos, ferramentas, manufaturados em geral, aguardente e farinha também faziam parte das mercadorias aceitas pelos índios em troca de seus prisioneiros, conforme relatos dos moradores. A operação do resgate gerava um registro do prisioneiro adquirido, que devia ser assinado pelo missionário e pelo cabo da tropa. O prisioneiro era, em seguida, reduzido à condição de escravo e destinado ao trabalho dos moradores que pagavam pelo seu resgate e que deviam guardar consigo o registro da compra, para atestar a sua legalidade.24 24 Registros de resgate de prisioneiros indígenas se encontram conservados no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP), Coleção Lamego, códice 43, e no Arquivo Público do Pará, códice 44.

O padre Antônio Vieira afirmou que, entre 1655 e 1660, ele mesmo e seus colegas haviam trazido do sertão mais de 3 mil índios forros (livres) e 1.800 escravos,25 25 Antônio Vieira, Resposta que deu o padre Antônio Vieira ao senado da Câmara do Pará sobre o resgate dos índios do sertão. Pará, 12 de fevereiro de 1661. (VIEIRA, 2016, p. 153). o que daria uma média de cerca de 300 escravos por ano. Entre 1657 e 1658, uma tropa de resgate enviada ao sertão trouxe consigo 600 escravos por ano: um total, portanto, de 1.200 (SWEET, 1974SWEET, David. A Rich Realm of Nature Destroyed. The Middle Amazon Valley, 1640-1750. Phd Dissertation, History, Madison: University of Madison, 1974., p. 729-731). De todo modo, o dobro do que havia dito Vieira.

No livro da tropa que esteve no rio Negro entre junho de 1745 e junho de 1747, quase um século depois de Vieira, foram registrados cerca de 1.400 índios,26 26 Arquivo Público do Pará, códice 44. o que daria uma média de 700 escravos por ano. Isso quer dizer que, embora não possamos estabelecer um número exato para a quantidade de índios legalmente feito escravos durante o período em que os números variaram entre 300 a 700 por ano, é possível assumi-los como parâmetros que correspondem a seus contextos. Quer dizer, é perfeitamente factível que tenha sido por volta de 300 índios por ano em meados do século XVII, que esse número tenha subido a cerca de 500 índios nas primeiras décadas do século XVIII e que tenha chegado a 700 na década de 1740, quando sabemos, por outras fontes, que houve o auge dessa prática no interior do rio Amazonas.27 27 Para o período 1688-1700, a estimativa da média anual é de 300 índios, logo podemos calcular uma estimativa para o período 1688-1700 (13 anos) de 13x300 = 3.900 índios. No período de 1701-1730, temos as seguintes estimativas de média anual: no período 1701-1713 (13 anos) é 500 índios, no período 1714-1722 não houve tropa de resgate, e no período 1723-1730 (8 anos) é 500. Logo uma estimativa para 1701-1730 é (13x500) + (8x500) = 10.500 índios. Para o período de 1731-1750, temos as seguintes estimativas: em 1731-1737 (7 anos) foi 500 índios, em 1738-1747 houve somente resgates privados, e em 1745-1750 (6 anos) foi 700 índios. Dessa forma, uma estimativa para 1731-1750 é (7 x 500) + (6 x 700) = 7.700 índios. Assim, incorporamos essas médias aos nossos cálculos, excluindo os anos de 1680 a 1687, período em que vigorou a lei de liberdade de 1680; de 1714 a 1722, quando sabemos que não houve envio de nenhum tipo de tropa de resgate; e de 1738 a 1744, quando somente encontramos registros da ocorrência de tropas de resgate privadas.28 28 Entre 1680 e 1687, vigorou a lei de liberdade. Entre 1714 e 1722, os governadores não enviaram tropas de resgate. Em 1738, as tropas oficiais converteram-se em tropas que possuíam financiamento de capital privado e eram compostas por moradores. Ficaram vigentes até 1747, quando o rei proibiu a realização dos resgates privados. “Alvará em forma de Ley”. 28 de abril de 1688. ABN, 66, p. 97-101. “Carta do provedor da Fazenda Real da capitania do Pará para o rei”. 22 de maio de 1720. AHU (Avulsos), Pará, cx. 6, doc. 551; “Certidão do escrivão da câmara da cidade de Belém do Pará, Manuel Álvares”. 9 de julho de 1720. AHU (Avulsos), Pará, cx. 6, doc. 559. “Carta do governador para o rei D. João V”. 13 de novembro de 1747. AHU (Avulsos), Pará, cx. 30, doc. 2813. Ordem régia de 23 de julho de 1748. AHU. Códice 271, f. 132-132v.

Descimentos e resgates particulares

Descimentos e resgates, em princípio, deveriam ser realizados por autoridades oficiais, isto é, religiosos e militares (BOXER, 1965BOXER, Charles. Um regimento inédito sobre o resgate dos ameríndios no Estado do Maranhão, 1660. In: Atas do V Colóquio Internacional de Estudos Luso-brasileiros. Vol. 3. Coimbra: Oficina Gráfica de Coimbra, 1965. ). Porém, essas formas de aquisição de trabalhadores indígenas passaram a ter suas regras flexibilizadas a partir do final do século XVII para atender à demanda crescente de uma economia em expansão, momento em que colonos foram autorizados a realizar resgate e descimento privadamente (modalidade 3). Em torno de 1700, temos o início da outorga de alvarás régios para que os moradores pudessem descer índios do sertão às suas próprias custas, podendo usufruir do trabalho dos índios descidos de modo exclusivo. Permitiu-se, além disso, que os descimentos fossem feitos à força, caso os índios considerados “bárbaros” se recusassem a descer voluntariamente. Os resgates, por sua vez, também passaram a ser financiados e depois realizados por particulares. E, com o crescimento da demanda e da prática, os jesuítas se instalaram definitivamente no arraial do rio Negro, passando a emitir registros e mais registros de prisioneiros resgatados, legítimos escravos. Ao longo da primeira metade do século, a responsabilidade por essas autorizações passou a ser de um órgão local, a Junta das Missões (DIAS, BOMBARDI, 2016DIAS, Camila Loureiro; BOMBARDI, Fernanda Aires. O que dizem as licenças? Flexibilização da legislação e recrutamento particular de trabalhadores indígenas no Estado do Maranhão. São Paulo: Revista de História, n. 175, 2016, p. 249-280. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/111250/121212>. Acesso em: 30 jun. 2019. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2016.111250
http://www.revistas.usp.br/revhistoria/a...
, p. 249-280).

Por meio da compilação dessas autorizações, sabemos que mais de 23 mil índios poderiam ter sido deslocados do sertão do rio Amazonas às colônias portuguesas na primeira metade do século XVIII, dos quais 10.420 teriam sido levados por meio de descimentos privados29 29 Uma compilação de quase todas essas autorizações de descimentos privado pode ser consultada na dissertação de Fernanda A. Bombardi, (2014, p. 173-187). e 13.252 por meio de resgates privados.30 30 Tais licenças encontram-se em fundos diversos: Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, vol. 66 e 67, 1948; Arquivo Histórico Ultramarino, documentos avulsos, Pará e Maranhão; Arquivo Público do Pará, códice 10; Anais da Biblioteca e Arquivo Público do Pará; Termos das Juntas das Missões transcrito em Wojtalewicz (1993).

Claro que são números virtuais, pois o que estamos contabilizando aqui são autorizações e não deslocamentos efetivos. Um morador que pede ao rei autorização para descer 100 casais de índios para trabalhar na sua lavoura de cacau pode não ter descido esses 100 casais, por razões as mais diversas. Da mesma forma que um morador autorizado a resgatar 25 índios pode ter trazido o dobro de indivíduos. Além disso, pudemos computar somente parte dos instrumentos de registros das autorizações de resgate privados, pois até hoje algumas atas do Tribunal da Juntas das Missões não foram encontradas, sendo a documentação lacunar. É possível que o número de autorizações tenha sido significativamente maior. Isso realmente não é possível averiguar. No entanto, estamos aqui buscando ordens de grandeza e esses números nos ajudam aferir, a partir da burocracia colonial, a magnitude possível da prática, o volume factível da demanda, a dimensão provável daquela economia.

Com isso em mente, verificamos que houve um claro aumento da proporção: até 1730, em cerca de 30 anos, foram autorizados o descimento e resgate de 10.440 índios; depois, em apenas 17 anos, foram 13.232. Mais uma vez, números que comprovam o que nos sugerem outras fontes, acerca do incremento da população indígena colonial nessa primeira metade do século XVIII.

As guerras

A outra forma de adquirir trabalhadores - no caso, também escravos - era por meio de guerra justa (modalidade 4). Os conflitos correspondiam, em geral, a conjunturas específicas e variavam em função de uma série de fatores: dinâmicas de expansão das fazendas portuguesas, diferentes estratégias de ocupação e exploração do território, conflitos internos entre populações nativas, alianças e disputas entre indígenas e europeus, políticas e interesses dos governadores, questões de fronteira etc. A partir de dados de índios aprisionados em 10 guerras, calculamos uma média de gente capturada em 23 guerras realizadas em todo o Estado, entre 1680 e 1750; exceção feita à que foi empreendida contra os índios manaos do rio Negro (1728-1736), que gerou, segundo um padre franciscano, três mil escravos entre 1728 e 1730.31 31 Carta de 30 de setembro de 1730. AHU (Avulsos), Pará, cx. 12, doc. 1157. Por tratar-se de uma guerra atípica, isolamos o número para, em seguida, somá-lo à média resultante do cálculo dos prisioneiros das guerras promovidas entre 1701 e 1730. Dessa forma, entre 1680 e 1700, foram aprisionados 1.500 índios;32 32 Contabilizamos as guerras realizadas entre 1680 e 1687, período em que vigorou a lei de liberdades, porque os prisioneiros seguiram sendo inseridos na sociedade colonial, ainda que como livres. entre 1701 e 1730, foram recrutados 4.100 índios; e entre 1731 e 1750, teriam sido escravizados 210 índios.33 33 Segundo o nosso levantamento, para o período de 1680-1700 temos números disponíveis de 4 guerras que somam 600 índios, que resulta em uma média de 150 índios/guerra. Projetando essa estimativa para as 10 guerras do período temos uma estimativa de 10 x 150 = 1.500 índios. Para o período de 1701-1730 temos números disponíveis de 4 guerras (excluindo a de 1726-1736 dos índios manaos) que somam 402 índios, que resulta em uma média de aproximadamente 100 índios/guerra. Projetando essa estimativa para as 11 guerras do período temos uma estimativa de 1.100 índios, e finalmente, a estimativa para o referido período é de 1.100 + 3.000 = 4.100 índios, somando-se o número referente aos índios manaos. Para o período 1731-1750, temos números disponíveis de 2 guerras que somam 141 índios, que resulta em uma média de aproximadamente 70 índios/guerra, e projetando essa estimativa para o período temos uma estimativa de 3 x 70 = 210 índios. Em todo o período, portanto, foram capturados 5.810 índios. Foram consideradas todas as guerras realizadas nas capitanias do Pará, Maranhão e Piauí no referido recorte. Uma compilação dessas guerras pode ser consultada na dissertação de Fernanda A. Bombardi (2014, p. 169-171).

A guerra do Rio Negro foi particularmente importante, pois ela marca dois períodos distintos na primeira metade do século XVIII, em que percebemos ao mesmo tempo uma substituição dos descimentos (forma a princípio consensual, trabalhadores livres) para os resgates (forma compulsória, escravos) como modalidade mais importante de incorporação dos índios por meios lícitos, e um aumento do número de índios trazidos do sertão. De fato, foi depois dessa guerra que os portugueses conseguiram ter acesso direto à região que eles, desde 1639, acreditavam ser como uma espécie de bolsão de escravos: o alto rio Negro, Japurá e rio Branco.

Importante destacar que essa guerra seguiu ativa até 1736. Ou seja, ao longo de seis anos, entre 1731 e 1736, deve ter havido uma quantidade considerável de prisioneiros, principalmente porque a tropa acumulava também a função de resgatar índios. Por falta de dados, esses números não foram incorporados aos nossos primeiros cálculos, o que nos leva a crer que o número de índios aprisionados a que chegamos está, mais uma vez, subestimado. Tendo isso em vista, estabeleceremos uma porcentagem de reajuste dos resultados no cômputo ao final.

Formas ilegais: as amarrações

Por fim, há que se considerar ainda as chamadas “amarrações”, nome genérico para toda a forma ilícita de obtenção de trabalhadores indígenas, que acabavam tornando-se escravos. A prática mais comum consistia em lançar fogo na aldeia, matar os homens e prender as mulheres e crianças. Dessa maneira de incorporar índios na sociedade colonial não temos, obviamente, os números; porém, sabemos, pelos relatos de figuras politicamente divergentes, que era a forma mais comum e amplamente utilizada.

Como somar essa população aos nossos cálculos já que não aparecem nas fontes? Para atingirmos uma ordem de grandeza, aproveitamos a estimativa de um juiz que, em 1734, foi designado pelo rei para visitar o Estado do Maranhão e emitir seu parecer acerca do conflito entre missionários e moradores pelo controle do trabalho dos índios.34 34 Alvará de 13 de abril de 1734 (MORAES, 1860, p. 253-254) (nota). Segundo esse juiz, Francisco Duarte dos Santos, havia no Estado uma situação caótica, marcada por fortes disputas políticas entre colonos e missionários pelo controle dos trabalhadores indígenas. Afirmava que os moradores não tinham muito do que reclamar e que, a cada 50 escravos, apenas 10 ou 12 possuíam o seu registro de escravidão, todo o restante sendo, portanto, oriundo de práticas ilícitas.35 35 Francisco Duarte dos Santos. Pará, 15 de julho de 1735 Moraes 1860, IV, 123-150 (nota). Em 1655, Vieira calcula que os índios legalmente escravizados correspondiam entre menos da metade a 1/3 do total de índios trazidos do sertão do Amazonas. VIEIRA, Antônio. Informação do modo como que foram tomados e sentenciados por cativos os índios do ano de 1655. (VIEIRA, 2016, p. 88). Cf. nota 27.

Traduzindo em outros termos, temos que, para apenas um em cada cinco índios escravos, havia registro de seu resgate. Essa informação nos autoriza a imaginar que os números que extraímos de documentos oficiais correspondam a cerca de um quinto dos índios que efetivamente trabalhavam como escravos nas fazendas e nas casas dos moradores. Multiplicamos por quatro a soma do número dos índios oriundos de resgates oficiais, resgates privados e guerras, excluindo desse cálculo as modalidades de recrutamento de trabalhadores considerados livres (descimentos oficiais e privados). Por esse raciocínio, teriam sido deslocados do sertão e integrados à economia colonial de forma não controlada pela Coroa portuguesa cerca de 165 mil índios em 70 anos, conforme Tabela 1.

Tabela 1
Número estimado de índios recrutados, por modalidade, entre 1680 e 1750 no Estado do Maranhão

As contas e os resultados

Com base na documentação levantada e seriada nas diferentes modalidades, construímos um cenário do deslocamento populacional a partir do número de indígenas que teriam saído de suas terras no interior da região amazônica e inseridos na sociedade colonial do Estado do Maranhão e Grão-Pará. Trata-se da estimativa do total de índios incorporados a esse contexto em um período de 70 anos (1680-1750). Para calcular o número mínimo, consideramos aquilo que conseguimos reunir da documentação sobre os descimentos oficiais, resgates oficias, descimentos e resgates privados e guerras, com algumas projeções e inferências. Para chegarmos ao contingente máximo, incorporamos também a estimativa do juiz acerca dos índios que não passaram pelo radar da fiscalização, ou seja, os índios recrutados ilegalmente.

É importante relembrar que os números da modalidade 1 (descimentos oficiais) têm natureza distinta dos demais números. Eles foram obtidos a partir de dados de relatórios jesuítas sobre a população que já se encontrava nos aldeamentos nos anos 1696 e 1730 e, a partir deles, inferimos uma taxa de crescimento populacional que foi, em seguida, projetada para todas as aldeias missionárias existentes em 1750 (ver nota 25). Não podemos subtrair deles o que teria sido o crescimento vegetativo dessa população, pois não sabemos. Acreditamos, no entanto, pelo que conhecemos do contexto, que esse número de nascimentos não traria grandes alterações no cenário, já que seriam contrabalanceados pelo número de fugas, mortes naturais e mortes em contextos epidêmicos, sempre lembrando que estamos procurando ordem de grandeza.

Chegamos aos números das modalidades 2 (resgates oficiais) e 4 (guerras) a partir da média dos índios recrutados anualmente em tropas de resgates oficiais ou em cada expedição de guerra; trata-se, portanto, do total da população inserida por meio dessas duas práticas. A modalidade 3 (descimentos e resgates privados) refere-se ao número de índios que os moradores foram autorizados a resgatar ou a descer, sendo, portanto, dados que indicam tendências de movimentos populacionais. Por fim, temos a estimativa do desembargador Francisco Duarte dos Santos, de 1735, segundo o qual 80% dos escravos indígenas haviam sido ilegalmente recrutados.

Feitas todas essas explanações metodológicas, concluímos com o nosso estudo que, entre 1680 e 1750, saíram de suas terras originárias e foram morar nos aldeamentos missionários (espalhados por todo o território de jurisdição portuguesa na Amazônia) cerca de 48.500 indígenas. Cerca de 22 mil indígenas foram comprados por tropas oficiais de resgate. Mais de 23 mil índios foram incorporados às dinâmicas coloniais por meio dos resgates e descimentos financiados e organizados por particulares. E quase 6 mil indígenas vieram do sertão às colônias portuguesas na condição de cativos de guerras oficialmente empreendidas pelas autoridades portuguesas.

Somando essas diversas formas, podemos inferir que no mínimo 100 mil índios saíram do sertão amazônico para as colônias portuguesas por meio de procedimentos previstos pelas leis portuguesas naquela colônia. Mas é possível que 165 mil indígenas tenham sido trazidos à força do sertão por moradores impacientes de esperar os trâmites oficiais para obter trabalhadores para seus empreendimentos, seja de subsistência ou comerciais. Ou seja, de acordo com nossos cálculos, pelo menos entre 100 e 265 mil indígenas foram trazidos dos sertões do rio Amazonas às zonas coloniais do Estado do Maranhão - quiçá alguns para outras capitanias portuguesas na América.36 36 Ele diz: “Estes, e muitos outros tiranos insultos motivaram a total proibição da tropa dos resgates no dito ano de 1750, depois de terem saído, só do rio Negro perto de 3 milhões de índios escravos, como consta dos registros, os quais vendidos em pública praça, se repartiam pelos moradores. Basta dizer que havia particulares que tinham já para cima de mil escravos; e outros tinham tantos, que não lhes sabiam os nomes, além de muitos que se repartiam e distribuíam para a comarca do Maranhão, e de lá talvez comprados pelos mineiros se distribuíam por todo o Brasil, e Minas. Disse que só do rio Negro pela tropa de resgates saíram perto de 3 milhões, porque fora estes foram inumeráveis os índios que por violência dos moradores se fizeram escravos, os quais com o pretexto, e pela ocasião de irem ao sertão às colheitas do cacau, e mais riquezas, de que abundam aqueles matos, iam amarrar peças, ou índios” (DANIEL, 2004, p. 314).

Entre 100 e 265 mil são nossas balizas para estimar, no primeiro caso, a população indígena incorporada por meios lícitos e, no segundo caso, por meios lícitos e ilícitos. São números conservadores que, principalmente no caso dos descimentos oficiais, resgates privados e guerras, trazem números subestimados. Como nossa escolha foi seguir os dados documentais - em seus valores concretos ou como ordens de grandeza -, nada nos impede de tentar propor uma margem de variação aos nossos próprios cálculos, margem essa construída a partir das diferentes estratégias desenvolvidas ao longo do nosso percurso. É possível, portanto, acrescentar uma variação positiva de 12% a esses números, elevando o número de recrutamento lícito a 112 mil e o lícito e ilícito a quase 300 mil índios.37 37 Mais da metade das modalidades, isto é, descimentos oficiais, resgates privados e guerras, apresentam dados subestimados. A falta desses dados pode ser contrabalanceada, até certo ponto, por outros números que talvez estejam superestimados, como é o caso dos resgates oficiais e descimentos privados; mas não totalmente. Para sanar esse desequilíbrio, propomos um possível reajuste sobre o cálculo total a partir do número de prisioneiros de guerras que não pudemos contabilizar. Se, entre meados de 1728 e meados de 1730, a tropa de guerra e resgate enviada ao Rio Negro capturou 3 mil índios, é possível que a tropa tenha seguido capturando 1.500 índios anualmente. Essa média é ainda corroborada pelo fato de que nos anos seguintes à guerra, entre 1738 e 1747, foi autorizado o resgate privado de 12.272 índios (com exceção do ano de 1742, quando não encontramos registros), perfazendo uma média anual de 1.364 resgates. Como já contabilizamos uma média anual de 500 índios resgatados pelas tropas oficiais nos seis anos finais da guerra, 1731 a 1736, (ver nota 30) nos restam os 6 mil índios que poderiam ter sido aprisionados no conflito. Ao incorporarmos esses dados, temos uma variação no total da população recrutada, incluindo os índios ilegais, na ordem de 12%.

Conclusões

A economia do Norte da América portuguesa funcionava com muito mais índios do que africanos, isso já sabíamos. Pouco menos de 11 mil escravos africanos desembarcaram nos portos amazônicos mais ou menos no mesmo período, entre os anos de 1676 e 1750. O que não sabíamos era a dimensão dessa população indígena recrutada e tampouco se sabia como calculá-la. Trata-se, contudo, de uma informação importante, que nos permite aferir a dimensão dos processos coloniais amazônicos no contexto da América portuguesa, a dimensão dos deslocamentos populacionais e do impacto das pressões do comércio atlântico sobre essa população nativa, enfim, o peso dos fluxos da população indígena nas dinâmicas coloniais.

Embora não seja de fato fácil, é possível desenvolver estratégias que nos permitam aferir números populacionais para períodos recuados, quando não havia recenseamento segundo parâmetros modernos. Aqui, a estratégia foi desenvolver uma metodologia que se adequasse à natureza do material disponível, seccionado a partir de estatutos jurídicos e modalidades de recrutamento. O exercício realizado neste artigo não se pretende definitivo. Recontamos inumeráveis vezes, mas mesmo assim os cálculos estão sujeitos a variações. Além disso, é preciso aprimorar e expandir a análise.

Uma das conclusões a que chegamos é que, muitas vezes, os números estimados pelos governadores ou religiosos eram razoavelmente justos. João Daniel provavelmente exagerou com seus três milhões de índios retirados só do rio Negro, mas a estimativa de José de Moraes, apontando para mais de 20 mil índios que, deste rio e vizinhanças, foram resgatados ou descidos em alguns anos na primeira metade do século XVIII é perfeitamente plausível diante de nossos cálculos.38 38 Sobre a estimativa de João Daniel, ver nota 59 em José de Moraes (1987, p. 367). Da mesma forma, os 40 mil mortos na epidemia de 1750 do governador do Maranhão não é incompatível com aquela realidade populacional. Mesmo a estimativa de dois milhões de mortos no litoral do Maranhão e entrada do rio Amazonas, mencionados por Vieira, não pode ser descartada.

Com o objetivo de estabelecermos um chão e um teto para a população indígena recrutada aos espaços coloniais, chegamos ao número mínimo de 100 mil índios inseridos no Estado em 70 anos por vias legais. Apesar de significativo, relembramos que esse número é conservador, tendo em vista que não pudemos calcular o fluxo de índios anualmente descidos aos aldeamentos, que não temos a totalidade das autorizações de resgate, que não pudemos incluir o número de índios capturados na guerra contra os manaos entre 1731 e 1736. Por isso, pode oscilar positivamente em 12%. O nosso teto, de 265 mil - igualmente suscetível a variação de 12% -, teve por base a percepção de que a escravização ilegal era uma realidade muito mais frequente do que a conduzida por meios legais e que, por isso, não poderiam ser desconsiderados de nossos cálculos.

Em relação ao quantitativo da população destinada aos aldeamentos, nossos cálculos apresentados na Tabela 1 apontaram que de 18% a 48,5% (proporção sobre valores máximo e mínimo) de todo o contingente recrutado saiu dos interflúvios para ir morar à beira do rio Amazonas, onde os portugueses montaram uma rede de comércio cujos pontos de apoio eram as missões religiosas. Isso quer dizer que pelo menos metade da população indígenas arregimentada aos espaços coloniais teria sido destinada diretamente ao trabalho dos moradores. Proporção essa que chega a mais de 80%, se considerarmos também os índios que poderiam ter sido escravizados ilegalmente. Tais números questionam diretamente o argumento de que o grosso da população indígena estaria nas mãos dos missionários.

Com relação à proporção de índios livres e escravos recrutados legalmente, observamos que a quantidade de índios livres incorporados por vias legais sempre superou o número de índios escravizados também por meios legais. Se considerarmos o nosso chão, cerca de 59% (58.958) dos índios foram recrutados por mecanismos de incorporação de mão de obra livre (descimentos oficiais e privados). No entanto, ao considerar também os índios escravizados ilegalmente, temos 22% dos índios recrutados como livres e 78% como escravos. O que revela que, para a burocracia colonial, a maior parte dos índios ingressava ao Maranhão com o estatuto de livre, enquanto que a realidade parece-nos ter sido bem diferente.

Índios e negros somados no Estado do Maranhão, ainda assim não se tratou do mesmo volume de africanos introduzidos no Estado do Brasil. De fato, mais ou menos no mesmo período (entre 1676 e 1750), teriam sido desembarcados em todo o território do Estado do Brasil mais de um milhão de escravos africanos. Contudo, se colocarmos nossos números em perspectiva com outras conjunturas econômicas fortemente dinâmicas - como o nordeste açucareiro, para onde foram levados cerca de 306 mil africanos entre 1576 e 1650, ou como a exploração de minério, responsável pelo desembarque de mais de 350 mil africanos no sudeste brasileiro entre 1676 e 175039 39 Dados consultados em: https://slavevoyages.org. - concluímos que estamos lidando com uma ordem de grandeza potencialmente equivalente. Tratam-se, portanto, de fluxos de pessoas e dinâmicas de exploração da mão de obra nativa que não podem ser desprezados.

Essas informações mudam o cenário dos movimentos territoriais na América portuguesa, e mesmo no âmbito do Atlântico. Região sobre qual nada ou quase nada sabemos, a floresta amazônica figura como um grande vazio, demográfico e histórico, no nosso imaginário coletivo. Observamos em nossas análises um cenário bastante distinto. Intensas movimentações populacionais que, internamente dinâmicas, se relacionavam com outras no próprio território americano, mas também fora, no circuito atlântico, mundial.

Ainda há muitos cálculos a serem realizados. É preciso comparar esses cálculos com os recenseamentos do período pombalino, como mencionado anteriormente. Mas também, para essa mesma primeira metade do século XVIII, com a qual estamos trabalhando, é preciso calcular os fatores de depopulação. Pois, um dos motivos de tanta gente ter sido deslocada da floresta para as vilas e aldeias portuguesas se deve ao fato de que essas pessoas fugiam e morriam em um grau bastante elevado; e que, além disso, houve episódios de surtos epidêmicos (1695, 1725, 1743, 1749) que fizeram a população indígena colonial despencar, estimulando o incremento das tais práticas de descimentos, resgates, guerras e amarrações, como em um círculo vicioso. Esse é um cálculo que ainda estamos realizando.

  • 1
    Este artigo não foi previamente publicado em plataforma de preprint. Todas as obras e todos os documentos utilizados na pesquisa e na elaboração do artigo são citados nas notas e na bibliografia. Na elaboração do artigo, Camila Dias e Fernanda Bombardi foram responsáveis pelo levantamento de dados, pesquisa bibliográfica, sustentação teórica e redação. Eliardo Costa responsabilizou-se pela construção dos cálculos matemáticos, a partir da metodologia elaborada em conjunto por todos os autores.
  • 2
    Estado independente do Brasil e diretamente subordinado a Lisboa desde 1621. Passou a ser denominado Estado do Grão-Pará e Maranhão a partir de 1751.
  • 3
    Inspiramo-nos aqui nas considerações metodológicas de Fernand Braudel (1997, p. 21-38)BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo, séculos XV-XVIII. vol. 1: As estruturas do cotidiano: o possível e o impossível. São Paulo: Martins Fontes, 1997 [1979]., quem, na ausência de números completamente seguros, admite a possibilidade de partirmos de números conhecidos para passar a números plausíveis e que fixam uma ordem de grandeza ou níveis máximos e mínimos, superando uma limitação típica do historiador que consiste em se ater, e se contentar, somente com o que é provado por um documento irrefutável. Note-se ainda que não se trata de um exercício de demografia histórica, pois não examinamos as variáveis clássicas da disciplina, isto é, taxas de natalidade, nupcialidade e mortalidade. Nosso objetivo, então, poderia se enquadrar naquilo que Carlos Bacellar nomeia “história de população”. Uma das razões de uma tal abordagem se encontra justamente no fato de não dispormos de estatísticas seriadas de nascimento, casamento e morte da população para esse período - somente a partir da segunda metade do século XVIII é que se começa a produzir, no mundo, de modo geral, números mais ou menos organizados de forma seriada. Adaptamos a estratégia, portanto, aos dados de que dispomos com o intuito de estimar ordens de grandeza plausíveis, ou possíveis cenários de deslocamentos populacionais. (BACELLAR, SCOTT e BASSANEZI, 2005, p. 339-350).
  • 4
    Para um apanhado dos números relativos à América, conferir texto de Leslie Bethell (1998, p. 129-131)BETHELL, Leslie. Nota sobre as populações americanas às vésperas das invasões europeias. In: BETHELL, Leslie (org.). História da América Latina: América Latina Colonial, vol. I. Tradução Maria Clara Cescato. São Paulo / Brasília: Edusp/Fundação Alexandre de Gusmão, 1998, p. 129-134. .
  • 5
    Solos particularmente férteis que se encontram em algumas regiões amazônicas e que são resultantes de densas ocupações humanas (CLÉMENT, 2015, p. 3-4).
  • 6
    Por exemplo, uma carta do bispo do Pará, datada de 1730, que se referia a um documento com informações demográficas, documento esse nunca encontrado nos arquivos. Carta do bispo do Pará de 19 de setembro de 1730. Arquivo Histórico Ultramarino (Avulsos), Pará, cx. 12, doc. 1138.
  • 7
    CARVAJAL, Gaspar de. Relación del nuevo descubrimiento del famoso Rio Grande que descubrió por muy gran ventura el Capitán Francisco de Orellana [1542] (MADARUELO, 2002MADARUELO, Rafael Díaz (org.). La aventura del Amazonas. Crónicas de América. Madrid: Dastin, 2002., p. 31-88).
  • 8
    ACUÑA, Cristóbal. Nuevo descubrimiento del Gran río de las Amazonas [1641]. (ARELLANO; DÍEZ BORQUE e SANTOJA, 2009).
  • 9
    Antônio Vieira. Carta ao rei d. Afonso VI, 20 de abril de 1657. In: Obra completa: Padre António Vieira, t. 1, vol. III. São Paulo: Editora Loyola, 2013, p. 226.
  • 10
    Conferir o debate entre a Câmara de Belém e Antônio Vieira, entre janeiro e fevereiro de 1661: “Representação da Câmara de Belém ao padre Vieira a expor as limitações em que vivem pela falta de escravos para os servir”. 15 de janeiro de 1661. Biblioteca Ajuda. 54-XI-27, n. 12a, f.1-2; “Carta com a resposta do padre Vieira à representação da Câmara de Belém”. 12 fevereiro 1661. Biblioteca Ajuda. 54-XI-27, n.12b, f.2-3v; “Carta da Câmara de Belém ao padre Vieira com reposta à sua carta”. Biblioteca Ajuda. 54-XI-27, n.12c, f. 3v-5 (BERREDO, 1988BERREDO, Bernardo Pereira de. Anais Históricos do Estado do Maranhão: em que se dá notícia do seu descobrimento, e tudo o mais que nele tem sucedido desde o ano em que foi descoberto até o de 1718. Rio de Janeiro, Tipo Editor [1988?]., p. 251-257).
  • 11
    “Regimento das Missões” (LEITE, 1941LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Lisboa / Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, vol. IV, 1941., p. 369-375).
  • 12
    Carta de 19 de março de 1693. Anais da Biblioteca Nacional (ABN), v. 66, 1948, p. 142-144.
  • 13
    Dados disponíveis em <https://www.slavevoyages.org.>
  • 14
    Para estudos demográficos sobre esse período, que consideram as transformações demográficas próprias a ele e o desenvolvimento de metodologias de contagem da população do império português, conferir Mello (2015, p. 227-253)MELLO, Márcia Eliane Alves de Souza e. Contribuição para uma demografia do Estado do Grão-Pará e Maranhão, 1774-1821. In: Anais de História de Além-mar. Lisboa, n. XVI, 2015, p. 227-253. Disponível em: <https://www.academia.edu/30965408/Contribui%C3%A7%C3%A3o_para_uma_demografia_do_Estado_do_Gr%C3%A3o_Par%C3%A1_e_Maranh%C3%A3o_1774_1821>. Acesso em: 30 mar. 2019.
    https://www.academia.edu/30965408/Contri...
    e Fonseca (2017, p. 439-464)FONSECA, André Augusto da. Os mapas da população no Estado do Grão-Pará: consolidação de uma população colonial na segunda metade do século XVIII. São Paulo: Revista Brasileira de Estudos de População, vol. 34, n. 3, 2017, p. 439-464. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-30982017000300439&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 30 mar. 2020. DOI: https://doi.org/10.20947/S0102-3098a0034.
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
    .
  • 15
    Em 1696, o número de índios cristãos das aldeias jesuítas do Estado do Maranhão e Grão-Pará era 11.000 “pouco mais ou menos”. Miguel Antunes, Carta ânua de 1696, Bras. 9, 427v. Por esse tempo, em 1701, os índios das aldeias da Companhia no Centro e no Sul do Brasil eram 15.450 (Bras. 10, 25v-26) (LEITE, 1941LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Lisboa / Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, vol. IV, 1941., p. 138-140).
  • 16
    Carta régia de 19 de março de 1693. Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, vol. 66, 1948, p. 142-144.
  • 17
    “Numerus per donaru in Indoru pagis, qui nostris regutur de gentiu in Maragnoni 1730”. ARSI, Cód. Bras. 10 (2), f. 338-338v.
  • 18
    Segundo documento da década de 1730, os jesuítas possuíam 27 aldeamentos, os padres carmelitas 11, os capuchinhos de Santo Antônio e da Conceição 5, os padres piedosos 8 e os mercedários 3. Corrigimos o dado do número de aldeias jesuíticas, pois por levantamento da própria ordem eram 29, bem como o número de aldeias dos religiosos de Santo Antônio e Conceição, que girava em torno de 9. “Cálculo do importantíssimo cabedal...”. Biblioteca Pública de Évora (BPE), Cód. CXV/2-13, fl. 224-237.
  • 19
    Seriam 19 pertencentes à Companhia de Jesus, 15 aos regulares do Carmo, 9 aos da Província de Santo Antônio, 7 aos da Província de Conceição, 10 aos da Província de Piedade e 3 aos dos religiosos de Nossa Senhora das Mercês. Francisco Xavier de Mendonça Furtado, Carta ao rei, 30 de dezembro de 1751 (MENDONÇA, 2005MENDONÇA, Marcos Carneiro de. A Amazônia na Era pombalina. Correspondência do governador e capitão general do Estado do Grão-Pará e Maranhão. Brasília: Senado Federal, 2005., p. 214-215).
  • 20
    Não há consenso sobre o número de mortos nessa epidemia. Antônio Vieira e Roberta Martins estimam, com base em listagens feita por religiosos, 16.494 índios mortos nas aldeias e povoações de índios. Em trabalhos futuros, realizaremos uma crítica adequada sobre os limites quantitativos dessas listagens. De qualquer forma, por ora tomamos as estimativas de João Lúcio de Azevedo somente como uma referência comparativa dos nossos próprios cálculos, tendo em vista que estamos buscando ordens de grandeza, e não números absolutos (VIEIRA JUNIOR e MARTINS, 2015VIEIRA JUNIOR, Antonio Otaviano; MARTINS, Roberta Sauaia. Epidemia de sarampo e trabalho escravo no Grão-Pará (1748-1778). São Paulo: Revista Brasileira de Estudos de População, vol. 32, n. 2, 2015, p. 293-311. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-30982015000200293&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 15 mar. 2020. DOI: https://doi.org/10.1590/S0102-30982015000000017.
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
    , p. 293-311). Sobre as implicações socioeconômicas, políticas e demográficas das epidemias no Estado do Maranhão no século XVIII, ver Claudia Sousa (2017)SOUSA, Claudia Rocha de. A “Enfermidade era dilatada e os enfermos infinitos”: os efeitos epidêmicos no estado do Maranhão e Grão-Pará (1690-1750). Dissertação de mestrado, História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Pará, Belém, 2017. e Roberta Martins (2017)MARTINS, Roberta Sauaia. “Do sarampão as perniciozissimas bexigas”: epidemias no Grão-Pará setecentista (1742-1800). Dissertação de mestrado, História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Pará, Belém, 2017..
  • 21
    Pelas listas de população indígena aldeada vítima do contágio de sarampo de 1748 a 1749, concluímos que havia, pelo menos, 70 aldeamentos em todo o Estado: 17 do Carmo, 11 de Santo Antônio, 4 da Conceição, 12 da Piedade e cerca de 29 da Companhia de Jesus. AHU, Pará, doc. 3001.
  • 22
    Nesta modalidade de arregimentação, o modelo é construído a partir da afirmação de que a quantidade de índios em um determinado ano é igual à quantidade de índios no ano anterior mais uma proporção dessa quantidade. Assim, escrevemos o modelo da seguinte forma yt = (1 + ρ)yt - 1, em que yt é a quantidade de índios no ano t e ρ ϵ [-1, 1] é um parâmetro que pode indicar um crescimento/decrescimento anual em relação ao ano anterior dependendo do seu valor. Podemos chamá-lo de “taxa de crescimento anual”, se ρ < 0 temos uma taxa de crescimento negativa (ou decrescimento), se ρ > 0 temos uma taxa de crescimento positiva e se ρ = 0 temos uma “estabilização” da população. Se considerarmos t0 um ano inicial fixo podemos reescrever a equação anterior como yt=yt01+ρtt0,tt0. Obviamente poderíamos acrescentar na primeira e na segunda equação uma variável para representar um erro de contagem e assim aproximar-se ainda mais da realidade do problema, entretanto não dispomos de dados suficientes para modelar a variabilidade desse erro. O que temos são contagens que foram extrapoladas para os anos de 1696 e 1730. Desta forma, uma estimativa para o número de índios recrutados no período 1680-1700 é de 23.818 - 15712 = 8.106 índios; para o período de 1701-1730 é de 43.200 - 23.818 = 19.382 índios; e para o período de 1731-1750 é de 64.250 - 43.200 = 21.050 índios.
  • 23
    Escrevendo em meados de 1714, o jesuíta José Vidigal informou que durante o governo de Cristóvão da Costa Freire (1707-1714 (7 anos e meio)), desceram 1.530 índios para quatro aldeias, com uma média 51 índios descidos anualmente a cada aldeia. Verificamos que em 1696 haveria 11 mil índios sendo missionados, provavelmente, em 20 aldeias jesuíticas. Se assumirmos uma média de 550 índios habitantes por aldeia, podemos supor que os índios descidos anualmente representaram, pelo menos, 9,28% da população total das aldeias. Uma ressalva: esses dados são sobre aldeias de repartição, o mesmo padre afirma que o volume de descimentos de índios às aldeias de missão era bem maior. “Carta de José Vidigal, para o rei”. 24 de julho de 1714. AHU (Avulsos), Pará, Cx. 6, Doc. 503.
  • 24
    Registros de resgate de prisioneiros indígenas se encontram conservados no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP), Coleção Lamego, códice 43, e no Arquivo Público do Pará, códice 44.
  • 25
    Antônio Vieira, Resposta que deu o padre Antônio Vieira ao senado da Câmara do Pará sobre o resgate dos índios do sertão. Pará, 12 de fevereiro de 1661. (VIEIRA, 2016VIEIRA, Antônio. Escritos sobre os Índios. Coordenação e introdução de Ricardo Ventura. Lisboa: Temas e Debates, 2016., p. 153).
  • 26
    Arquivo Público do Pará, códice 44.
  • 27
    Para o período 1688-1700, a estimativa da média anual é de 300 índios, logo podemos calcular uma estimativa para o período 1688-1700 (13 anos) de 13x300 = 3.900 índios. No período de 1701-1730, temos as seguintes estimativas de média anual: no período 1701-1713 (13 anos) é 500 índios, no período 1714-1722 não houve tropa de resgate, e no período 1723-1730 (8 anos) é 500. Logo uma estimativa para 1701-1730 é (13x500) + (8x500) = 10.500 índios. Para o período de 1731-1750, temos as seguintes estimativas: em 1731-1737 (7 anos) foi 500 índios, em 1738-1747 houve somente resgates privados, e em 1745-1750 (6 anos) foi 700 índios. Dessa forma, uma estimativa para 1731-1750 é (7 x 500) + (6 x 700) = 7.700 índios.
  • 28
    Entre 1680 e 1687, vigorou a lei de liberdade. Entre 1714 e 1722, os governadores não enviaram tropas de resgate. Em 1738, as tropas oficiais converteram-se em tropas que possuíam financiamento de capital privado e eram compostas por moradores. Ficaram vigentes até 1747, quando o rei proibiu a realização dos resgates privados. “Alvará em forma de Ley”. 28 de abril de 1688. ABN, 66, p. 97-101. “Carta do provedor da Fazenda Real da capitania do Pará para o rei”. 22 de maio de 1720. AHU (Avulsos), Pará, cx. 6, doc. 551; “Certidão do escrivão da câmara da cidade de Belém do Pará, Manuel Álvares”. 9 de julho de 1720. AHU (Avulsos), Pará, cx. 6, doc. 559. “Carta do governador para o rei D. João V”. 13 de novembro de 1747. AHU (Avulsos), Pará, cx. 30, doc. 2813. Ordem régia de 23 de julho de 1748. AHU. Códice 271, f. 132-132v.
  • 29
    Uma compilação de quase todas essas autorizações de descimentos privado pode ser consultada na dissertação de Fernanda A. Bombardi, (2014, p. 173-187)BOMBARDI, Fernanda Aires. Pelos interstícios do olhar do colonizador: descimentos de índios no Estado do Maranhão e Grão-Pará (1680-1755). Dissertação de mestrado, História Social, Universidade de São Paulo, 2014..
  • 30
    Tais licenças encontram-se em fundos diversos: Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, vol. 66 e 67, 1948; Arquivo Histórico Ultramarino, documentos avulsos, Pará e Maranhão; Arquivo Público do Pará, códice 10; Anais da Biblioteca e Arquivo Público do Pará; Termos das Juntas das Missões transcrito em Wojtalewicz (1993)WOJTALEWICZ, Paul David. The “Junta de Missões”: the missions in the Portuguese Amazon. Master thesis, History, University of Minnesota, 1993..
  • 31
    Carta de 30 de setembro de 1730. AHU (Avulsos), Pará, cx. 12, doc. 1157.
  • 32
    Contabilizamos as guerras realizadas entre 1680 e 1687, período em que vigorou a lei de liberdades, porque os prisioneiros seguiram sendo inseridos na sociedade colonial, ainda que como livres.
  • 33
    Segundo o nosso levantamento, para o período de 1680-1700 temos números disponíveis de 4 guerras que somam 600 índios, que resulta em uma média de 150 índios/guerra. Projetando essa estimativa para as 10 guerras do período temos uma estimativa de 10 x 150 = 1.500 índios. Para o período de 1701-1730 temos números disponíveis de 4 guerras (excluindo a de 1726-1736 dos índios manaos) que somam 402 índios, que resulta em uma média de aproximadamente 100 índios/guerra. Projetando essa estimativa para as 11 guerras do período temos uma estimativa de 1.100 índios, e finalmente, a estimativa para o referido período é de 1.100 + 3.000 = 4.100 índios, somando-se o número referente aos índios manaos. Para o período 1731-1750, temos números disponíveis de 2 guerras que somam 141 índios, que resulta em uma média de aproximadamente 70 índios/guerra, e projetando essa estimativa para o período temos uma estimativa de 3 x 70 = 210 índios. Em todo o período, portanto, foram capturados 5.810 índios. Foram consideradas todas as guerras realizadas nas capitanias do Pará, Maranhão e Piauí no referido recorte. Uma compilação dessas guerras pode ser consultada na dissertação de Fernanda A. Bombardi (2014, p. 169-171).
  • 34
    Alvará de 13 de abril de 1734 (MORAES, 1860MORAES, Alexandre José de Mello. Chorographia historica, chronographica, genealogica, nobiliaria e politica do Imperio do Brasil, t. 4. Rio de Janeiro: Typ. Americana, 1860. , p. 253-254) (nota).
  • 35
    Francisco Duarte dos Santos. Pará, 15 de julho de 1735 Moraes 1860, IV, 123-150 (nota). Em 1655, Vieira calcula que os índios legalmente escravizados correspondiam entre menos da metade a 1/3 do total de índios trazidos do sertão do Amazonas. VIEIRA, Antônio. Informação do modo como que foram tomados e sentenciados por cativos os índios do ano de 1655. (VIEIRA, 2016, p. 88). Cf. nota 27.
  • 36
    Ele diz: “Estes, e muitos outros tiranos insultos motivaram a total proibição da tropa dos resgates no dito ano de 1750, depois de terem saído, só do rio Negro perto de 3 milhões de índios escravos, como consta dos registros, os quais vendidos em pública praça, se repartiam pelos moradores. Basta dizer que havia particulares que tinham já para cima de mil escravos; e outros tinham tantos, que não lhes sabiam os nomes, além de muitos que se repartiam e distribuíam para a comarca do Maranhão, e de lá talvez comprados pelos mineiros se distribuíam por todo o Brasil, e Minas. Disse que só do rio Negro pela tropa de resgates saíram perto de 3 milhões, porque fora estes foram inumeráveis os índios que por violência dos moradores se fizeram escravos, os quais com o pretexto, e pela ocasião de irem ao sertão às colheitas do cacau, e mais riquezas, de que abundam aqueles matos, iam amarrar peças, ou índios” (DANIEL, 2004DANIEL, João. Tesouro descoberto no Máximo rio Amazonas [1776], 2 vols., Rio de Janeiro: Contraponto, 2004., p. 314).
  • 37
    Mais da metade das modalidades, isto é, descimentos oficiais, resgates privados e guerras, apresentam dados subestimados. A falta desses dados pode ser contrabalanceada, até certo ponto, por outros números que talvez estejam superestimados, como é o caso dos resgates oficiais e descimentos privados; mas não totalmente. Para sanar esse desequilíbrio, propomos um possível reajuste sobre o cálculo total a partir do número de prisioneiros de guerras que não pudemos contabilizar. Se, entre meados de 1728 e meados de 1730, a tropa de guerra e resgate enviada ao Rio Negro capturou 3 mil índios, é possível que a tropa tenha seguido capturando 1.500 índios anualmente. Essa média é ainda corroborada pelo fato de que nos anos seguintes à guerra, entre 1738 e 1747, foi autorizado o resgate privado de 12.272 índios (com exceção do ano de 1742, quando não encontramos registros), perfazendo uma média anual de 1.364 resgates. Como já contabilizamos uma média anual de 500 índios resgatados pelas tropas oficiais nos seis anos finais da guerra, 1731 a 1736, (ver nota 30) nos restam os 6 mil índios que poderiam ter sido aprisionados no conflito. Ao incorporarmos esses dados, temos uma variação no total da população recrutada, incluindo os índios ilegais, na ordem de 12%.
  • 38
    Sobre a estimativa de João Daniel, ver nota 59 em José de Moraes (1987, p. 367)MORAES, José de. História da Companhia de Jesus na extinta província do Maranhão e Pará (1759). Rio de Janeiro: Alhambra, 1987..
  • 39
    Dados consultados em: https://slavevoyages.org.

Apêndice Dimensão da população indígena incorporada ao Estado do Maranhão e Grão-Pará entre 1680 e 1750: uma ordem de grandeza

1 Análise quantitativa

Consideramos um cenário populacional no qual destacamos os anos de 1700, 1730 e 1750. Neste cenário nos referimos ao número total de índios inseridos no Estado do Maranhão e Grão-Pará entre os anos 1680-1700, 1701-1730, 1730-1750, sem acréscimo do número de nascimentos e sem dedução do número de mortes.

1.1 Modalidade 1 (descimentos oficiais)

Nesta modalidade o modelo é construído a partir da afirmação de que a quantidade de índios em um determinado ano é igual a quantidade de índios no ano anterior mais uma proporção dessa quantidade. Assim, escrevemos o modelo da seguinte forma

(1) y t = 1 + ρ y t 1 ,

em que yt é a quantidade de índios no ano t e p ∈ [-1,1] é um parâmetro que pode indicar um crescimento/decrescimento anual em relação ao ano anterior dependendo do seu valor, podemos chamá-lo de “taxa de crescimento anual”, se p < 0 temos uma taxa de crescimento negativa (ou decrescimento), se p > 0 temos uma taxa de crescimento positiva e se p = 0 temos uma “estabilização” da população. Se considerarmos t0 um ano inicial fixo podemos reescrever (1) como

(2) y t = y t 0 1 + ρ t t 0 , t t 0 .

Obviamente poderiamos acrescentar em (1) ou (2) uma variável para representar um erro de contagem e assim aproximar-se ainda mais da realidade do problema, entretanto não dispomos de dados suficientes para modelar a variabilidade desse erro, o que temos são contagens que foram extrapoladas para os anos de 1696 e 1730 (Tabela 6). Considerando t0 = 1696 temos yt0̂=y1696̂=22000 e a contagem estimada para o ano 1730 é y1730̂=43200.. Dessa forma, de (2) temos

43200 = 22000 1 + ρ 1730 1696 = 22000 1 + ρ 34 ,

e resolvendo esta equação em ̭ρ obtemos a estimativa ̭ρ = 0, 02 (2%). Então, escrevemos novamente o modelo com a estimativa de ρ da seguinte forma

(3) y t ̂ = y t 0 ̂ 1 , 02 t t 0 , t t 0 .

Para t0 = 1696 e de (3) temos

y 1700 ̂ = 22000 × 1 , 02 1700 1696 = 22000 × 1 , 02 4 = 23818 ,

e para t0 = 1730 temos

y 1750 ̂ = 43200 × 1 , 02 1750 1730 = 43200 × 1 , 02 20 = 64250 .

Para t0 = 1679 e t = 1696, temos

y 1696 = y 1679 × 1 , 02 1696 1679 = y 1679 × 1 , 02 17 ,

logo

y 1679 = y 1696 1 , 02 17 = 22000 1 , 02 17 15712 .

Desta forma, uma estimativa para o número de índios recrutados no período 1680-1700 é de 23818 - 15712 = 8106 índios, para o período de 17011730 é de 43200 - 23818 = 19382 índios, e para o período de 1731-1750 é de 64250 - 43200 = 21050 índios. Resumimos estas informações na Tabela 1.

Tabela 1
Estimativa do número de índios recrutados na modalidade 1 por período.

1.2 Modalidade 2 (resgates oficiais)

Para o período 1688-1700 a estimativa da média anual de acordo com a Tabela 7 é de 300 índios, logo podemos calcular uma estimativa para o período 16881700 (13 anos) de 13 x 300 = 3900 índios.

No período de 1701-1730 temos as seguintes estimativas de média anual segundo a Tabela 7: no período 1701-1713 (13 anos) é 500 índios, no período 1714-1722 não houve tropa de resgate, e no período 1723-1730 (8 anos) é 500. Logo uma estimativa para 1701-1730 é 13 x 500 + 8 x 500 = 10500 índios.

Para o período de 1731-1750 temos as seguintes estimativas (Tabela 7): em 1731-1737 (7 anos) foi 500 índios, em 1738-1744 houve somente resgates particulares, e em 1745-1750 (6 anos) foi 700 índios. Dessa forma, uma estimativa para 1731-1750 é 7 x 500 + 6 x 700 = 7700 índios. Resumimos estas informações na Tabela 2.

Tabela 2
Estimativa do número de índios recrutados na modalidade 2 por período.

1.3 Modalidade 3 (descimentos e resgates particulares)

De acordo com a Tabela 8, para o período de 1680-1700 somente temos o ano de 1700 com 120 índios concedidos por meio de descimentos, os outros anos da modalidade assim como a modalidade de resgates dentro do referido período apresentam zero índios. Dessa forma, consideraremos como uma estimativa para o período o valor de 120 índios para descimentos, e zero índios para resgates.

Para o período 1701-1730, a Tabela 8 apresenta dados para alguns anos (25 anos). Somando todos os números de índios dos anos disponíveis na tabela para descimentos e que estão dentro do referido período o resultado é 9440 índios, enquanto que para resgates o resultado é 880 índios. Seguindo a mesma lógica para 1731-1750, temos dados de 12 anos, que somam um total de 860 índios para descimentos, e 12372 índios para resgates.

Tabela 3
Estimativa do número de índios recrutados na modalidade 3 por período.

1.4 Modalidade 4 (guerras)

De acordo com a Tabela 9, para o período de 1680-1700 temos números disponíveis de 4 guerras que somam 600 índios, que resulta em uma média de 150 índios/guerra. Projetando essa estimativa para as 10 guerras do período temos uma estimativa de 10 x 150 = 1500 índios.

Para o período de 1701-1730 temos números disponíveis de 4 guerras (excluindo a de 1726-1736 dos índios manaos) que somam 402 índios, que resulta em uma média de aproximadamente 100 índios/guerra. Projetando essa estimativa para as 11 guerras do período temos uma estimativa de 1100 índios, e finalmente, a estimativa para o referido período é de 1100 + 3000 = 4100 índios, somando-se o número referente aos índios manaos.

Para o período 1731-1750, de acordo com a Tabela 9 temos números disponíveis de 2 guerras que somam 141 índios, que resulta em uma média de aproximadamente 70 índios/guerra, e projetando essa estimativa para o referido período temos uma estimativa de 3 x 70 = 210 índios.

Tabela 4
Estimativa do número de índios recrutados na modalidade 4 por período.

1.5 Escravos ilegais

Neste caso temos a informação de que somente 1 em cada 5 índios eram registrados (ou 80% ilegais). Considere a equação

i R + i NR = i T ,

em que iR é o número de índios registrados, iNR o número de não registrados (ilegais), e iT o número total de índios. Sabemos que iR = iT/5, logo da equação acima temos

i R + i NR = 5 i R i NR = 4 i R .

Neste caso, o número de ilegais é estimado como 4 vezes o número de registrados. Pela Tabela 8 obtivemos estimativas do número de indios de cada período somando-se as quantidades dos anos disponíveis somente para os resgates particulares. Como estimativa usamos a soma pois há períodos ou com poucos dados, ou com anos com zero índios. As estimativas encontram-se na Tabela 3. Logo, para obtermos os números de ilegais somaremos os números da modalidade 2 (resgates oficiais), dos resgates particulares e da modalidade 4 (guerras). Para 1680-1700 temos 3900 + 0 + 1500 = 5400 índios, o que nos fornece uma estimativa de 4 x 5400 = 21600 índios ilegais. No período 1701-1730 temos 10500 + 880 + 4100 = 15480 índios, o que nos fornece uma estimativa de 4 x 15480 = 61920 índios ilegais. Finalmente no período de 1731-1750 temos 7700 + 12372 + 210 = 20282 índios, o que nos fornece uma estimativa de 4 x 20282 = 81128 índios ilegais. Na Tabela 5 resumimos as estimativas de todas as modalidades e ilegais.

Tabela 5
Estimativa do número de índios recrutados por período em cada modalidade.
2 Dados obtidos em documentos

Nas Tabelas 6-9 encontram-se os dados resumidos obtidos em documentos para cada uma das quatro modalidades: descimentos oficiais, resgates oficiais, descimentos e resgates privados, e guerras.

Tabela 6
Dados sobre os índios residentes em aldeamentos na modalidade de descimentos oficiais, baseado no levantamento realizado pelos próprios jesuítas.
Tabela 7
Dados sobre a média anual de índios resgatados na modalidade de resgates oficiais.
Tabela 8
Dados sobre o número de índios concedidos sob a modalidade de resgates e descirnentos particulares.
Tabela 9
Dados sobre o número de índios obtidos por meio da modalidade de guerra.

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Editado por

Editores Responsáveis: Júlio Pimentel Pinto e Flavio de Campos

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    30 Out 2019
  • Aceito
    18 Fev 2020
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