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CINEMA CIENTÍFICO: A CONSTRUÇÃO DE IMAGENS DA MEDICINA NA PRODUÇÃO DE BENEDITO JUNQUEIRA DUARTE* * Este texto é resultado parcial da pesquisa na modalidade produtividade intitulada “O cinema científico na história das ciências: imagens da medicina na produção de Benedito Junqueira Duarte”, apoiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Científico - CNPq (processo 307386/20155).

SCIENTIFIC CINEMA: THE DEVELOPMENT OF MEDICINE-RELATED IMAGES IN BENEDITO JUNQUEIRA DUARTE’S WORK

Resumo

O objetivo deste artigo é compreender o papel desempenhado pelo uso de imagens médicas na produção do cinema documental no Brasil, especificamente na trajetória do documentarista Benedito Junqueira Duarte. O cinema científico foi uma nova experiência visual sobre a qual Duarte construiu parte importante de seu percurso profissional. De 1940 a 1954 os filmes produzidos tiveram como tema principal a cultura nacional, com documentários que se referiam principalmente à educação, em associação com temas de saúde, saúde pública e espaço urbano. De fins dos anos 1950 até fins dos anos 1960, Duarte passou a realizar documentários com médicos de diferentes instituições paulistas e com diferentes laboratórios nacionais e internacionais, com grande repercussão na área da cirurgia cardíaca, momento de consolidação de um novo campo de especialização médica que também se instituía no país.

Palavras-chave
Cinema científico; Benedito Junqueira Duarte; História da medicina; Medicina em São Paulo; Ciências

Abstract

The aim of this paper is to analyze the role of medicine-related images in the development of documentary cinema in Brazil, specifically with regard to the documentary filmmaker Benedito Junqueira Duarte. Scientific cinema was a new visual experience by which Duarte built an important part of his professional career. From 1940 to 1954 documentary films had as their main subject the Brazilian culture, depicting documentaries pertaining to education together with health, public health and urban space themes. From the late 1950s until the late 1960s Duarte began to make documentaries with doctors from different institutions in São Paulo and various national and international laboratories, leading to great repercussion in the field of cardiac surgery, a moment of consolidation in a new field of medical expertise that was being established in the country.

Keywords
Scientific cinema; Benedito Junqueira Duarte; History of medicine; Medicine in São Paulo; Science

Apresentação

O objetivo do presente artigo é acompanhar parte da produção cinematográfica de caráter científico realizada no Brasil, discutindo uma fração da obra do documentarista Benedito Junqueira Duarte.1 1 Todas as fontes e bibliografias empregadas são referidas no artigo.

B. J. Duarte, como ficou conhecido, nasceu em 1910 na cidade de Franca e morreu em 1995, em São Paulo. Seus filmes foram realizados a partir de fins dos anos 1940, momento em que Duarte passou a se destacar no meio intelectual paulista, exercendo uma ampla variedade de atividades. Começou sua carreira trabalhando como “retratista”, atividade exercida “junto à elite paulistana do final dos anos 20 - início dos 30” (CATANI, 1991CATANI, Afrânio Mendes. Cogumelos de uma só manhã. B.J. Duarte e o cinema brasileiro: Anhembi: 1950-1962. Tese de doutoramento em Sociologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991. 3 v., p. 200). A profissão foi aprendida na França, quando de sua estadia com o fotógrafo português José Ferreira Guimarães, marido de sua tia Maria Aparecida, e no renomado ateliê Reutlinger.

Segundo Afrânio Catani, durante sua carreira, B. J. Duarte buscou estabelecer para a produção cinematográfica brasileira um padrão de “boa qualidade”, que estivesse “em condições de realizar a obra cultural e educativa ainda não realizada, qual seja, ‘a de elevar o povo ao cinema’” (CATANI, 1991CATANI, Afrânio Mendes. Cogumelos de uma só manhã. B.J. Duarte e o cinema brasileiro: Anhembi: 1950-1962. Tese de doutoramento em Sociologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991. 3 v., p. 230). Essa expectativa pode ser verificada tanto no conjunto de sua obra como crítico cinematográfico quanto em sua filmografia; ambas as atividades foram sustentadas por uma linguagem formal e erudita, que para ele significava qualidade técnica tal qual se produziria nos grandes estúdios internacionais.

Duarte realizou a maior parte de seus trabalhos em São Paulo, tendo realizado diversos de seus documentários em conjunto com diferentes nomes da medicina paulista, que desempenhavam função de assessoria técnica. Sua proximidade com essa elite científica, seguida da qualidade técnica de suas produções, trouxe grande repercussão para sua carreira, em aproximação constante com a área médica. Segundo depoimento próprio, Duarte teria realizado mais de quinhentos filmes de caráter científico (embora em sua biografia abreviada constem certa de 227 películas), participando intensamente de congressos e festivais na área, nos quais obteve cerca de cinquenta prêmios nacionais e internacionais.2 2 As memórias de Benedito Junqueira Duarte foram publicadas em três volumes, bastante citados, ver Duarte (1982a, 1982b, 1982c). Ver também a obra póstuma Duarte (2007).

Antes de se dedicar ao cinema, Duarte desempenhou outras atividades a partir das quais ampliou seu envolvimento com a intelectualidade modernista de São Paulo, a mais relevante foi sua atuação como fotógrafo, contratado por Mário de Andrade para a Seção de Iconografia do Departamento de Cultura do Município de São Paulo, entre 1935 e 1964.3 3 Sobre o tema, ver: Raffaini (2001), Silva (2007) e Silva (2008).

Antes, Duarte atuou como “fotógrafo repórter” do jornal Diário Nacional (de 1929 a 1933) a convite de seu irmão Paulo Duarte, então redator-chefe daquele diário; no mesmo momento Duarte passaria, rapidamente, pela secretaria da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. Como crítico de cinema, escreveu para vários veículos de comunicação paulistas: de 1946 até 1950 para o jornal O Estado de S. Paulo; de 1950 até 1962 para a revista Anhembi; e de 1956 a 1965para os jornais do grupo Folha. Além dessas atividades, contribuiu como fotógrafo com o Foto Clube Bandeirantes e com a revista S.Paulo (TAKAMI, 2007TAKAMI, Marina Castilho. Fotomontagem: ordem da subversão. Análise da revista S.Paulo (1936). Visualidades: Revista do Programa de Mestrado em Cultura Visual, Goiânia, v. 5, n. 1, p. 57-86, 2007.; 2008TAKAMI, Marina Castilho. Fotografia em marcha: revista S.Paulo - 1936. Dissertação de mestrado em Estética e História da Arte, Universidade de São Paulo, 2008.).

A realização de documentários passou a se destacar a partir de 1937, com filme produzido para o Departamento de Cultura, seguido de diversas “reportagens” sobre as atividades daquela divisão. Já o primeiro filme científico de que se tem notícia, intitulado Apendicectomia, foi realizado em 1949. Daí por diante dedicou-se especialmente à realização de filmes de temática médica, que viriam a ser realizados em parceria com diferentes laboratórios, dentre os quais Torres, Johnson & Johnson, Roche, Rhodia no Brasil e Carlo Erba do Brasil. Além dos diversos prêmios em congressos médicos, sua relação com a medicina permitiu que mais tarde fosse contratado como assessor na Faculdade de Medicina da USP, entre fins dos anos 1960, até sua morte.

Cinema científico e a produção de imagens

São escassos estudos sobre a produção fílmica relativa a imagens médicas no Brasil. Mesmo em termos internacionais há poucos trabalhos que façam referência ao cinema utilizado como ferramenta para a medicina, embora os primórdios da obtenção de imagens em movimento estejam associados a áreas correlatas, como as primeiras pesquisas em fisiologia e anatomia do movimento com Étienne-Jules Marrey, na década de 1880, entre outros realizadores.4 4 Sobre estudos fisiológicos sobre a visão, ver Crary (2012). Sobre cinema científico, ver Gaycken (2002), Landecker (2006) e Rieznik e Lois (2018). Uma exceção é o cinema realizado pelo francês Jean Painlevé, com filmes sobre biologia marinha, que teve a característica de transitar entre os temas da natureza, da ciência e do filme educativo (MACDOUGALL, 2000MACDOUGALL, Marina. Introduction: hybrids roots. In: BELLOWS, Andy Masaki & MACDOUGALL, Marina (ed.). Science is fiction: the films of Jean Painlevé. Cambridge, MA: MIT Press, 2000, p. xiv-xviii.; CALCAGNO-TRISTANT, 2005CALCAGNO-TRISTANT, Frédérique. Jean Painlevé et le cinéma animalier. Communication, Laval, v. 24, n. 1, p. 117-149, 2005. Disponível em: http://journals.openedition.org/communication/3281. Acesso em: 21 set. 2019. doi: http://dx.doi.org/10.4000/communication.3281.
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; HAMERY, 2005HAMERY, Roxane. Jean Painlevé et la promotion du cinéma scientifique en France dans les années trente. 1895 : Mille huit cent quatre-vingt-quinze, Paris, n. 47, p. 79-95, 2005. Disponível em: <http://journals.openedition.org/1895/328>. Acesso em: 21 set. 2019. doi: https://doi.org/10.4000/1895.328.
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).

No Brasil cinema e fotografia são objetos já bastante bem estabelecidos, principalmente na área da comunicação, sendo possível encontrar aí trabalhos sobre educação e cinema, perspectiva que tangencia a temática médica e científica. Verifica-se que o cinema foi utilizado como opção para a divulgação de temas de saúde, principalmente ligados à doença, à divulgação científica de modo mais geral e à educação especificamente. Este é o caso da produção realizada no Instituto de Cinema Educativo (INCE), que tinha perspectiva mais ampla do uso do cinema para a expansão da instrução pública (DA-RIN, 2004DA-RIN, Silvio. Espelho partido: tradição e transformação do documentário. Rio de Janeiro: Azougue, 2004.; MORETTIN, 1995MORETTIN, Eduardo V. Cinema educativo: uma abordagem histórica. Comunicação & Educação, São Paulo, v. 2, n. 4, p. 13-19, 1995. ISSN 1806-9347. <https://doi.org/10.11606/issn.2316-9125.v0i4p13-19>. Acesso em: 21 set. 2019.
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, 2005MORETTIN, Eduardo V. Dimensões históricas do documentário brasileiro no período silencioso. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 25, n. 49, p. 125-152, 2005., 2013MORETTIN, Eduardo V. Humberto Mauro, cinema, história. São Paulo: Alameda, 2013.; OLIVEIRA, 2014OLIVEIRA, Carmen Irene C. de. Representações imagéticas do fazer científico no contexto do Instituto Nacional do Cinema Educativo. Caderno Cedes, Campinas, v. 34, n. 92, p. 35-50, 2014. ISSN 0101-3262. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0101-32622014000100003>. Acesso em: 21 set. 2019
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; XAVIER, 2010XAVIER, Priscila de Almeida. Representação cinematográfica e história institucional: uma análise de filmes sobre o Instituto Butantan (1928-1953). Dissertação de Mestrado em Meios e Processos Audiovisuais, Universidade de São Paulo, 2010.).

No Brasil, muito recentemente, estudos históricos, sociológicos e antropológicos têm passado a relacionar fotografia, cinema e ciência como temas de estudo. É o caso da discussão sobre serviços especializados tanto na produção de imagens médicas (CHAZAN, 2003CHAZAN, Lilian. O corpo transparente e o panóptico expandido: considerações sobre as tecnologias de imagem nas reconfigurações da pessoa contemporânea. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 13, n. 1, 2003, p. 193-214. ISSN 1809-4481. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0103-73312003000100009>. Acesso em: 21 set. 2019.
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; RIBEIRO, 2005RIBEIRO, José da Silva. Antropologia visual, práticas antigas e novas perspectivas de investigação. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 48, n. 2, 2005. ISSN 1678-9857. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0034-77012005000200007>. Acesso em: 21 set. 2019.
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) quanto, de modo mais amplo, na elaboração de imagens científicas, o que ocorre principalmente por meio de estudos etnográficos, como em pesquisas sobre imagens produzidas por satélites, por exemplo (MONTEIRO, 2009MONTEIRO, Marko. Representações digitais e interação incorporada: um estudo etnográfico de práticas científicas de modelagem computacional. Maná: Estudos de Antropologia Social, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2, p. 529-556, 2009. ISSN 0104-931. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0104-93132009000200008>. Acesso em: 21 set. 2019.
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, 2011MONTEIRO, Marko. Teatro anatômico digital: práticas de representação do corpo na ciência. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 18, n. 3, p. 641-660, 2011. ISSN 0104-5970. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702011000300003>. Acesso em: 21. set. 2019.
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).

A perspectiva neste artigo é associar a história ao uso do cinema na medicina e à compreensão do papel das imagens na discussão sobre as noções de objetividade e neutralidade da ciência (DASTON; GALISON, 1990DASTON, Lorraine & GALISON, Peter. The image of objectivity. Representations, Berkeley, v. 40, p. 81-128, 1990.; DELAGE, 2006DELAGE, Christian. La vérité par l’image: de Nuremberg au procès Milosevic. Paris: Denoël, 2006.; KNORR-CETINA, 1999KNORR-CETINA, Karin. Epistemic cultures: how the sciences make knowledge. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1999.). Para tanto, analisaremos o cinema documental no Brasil, formato destacado pelos realizadores de filmes de caráter científico, explicitamente adotado por Benedito Junqueira Duarte em sua vasta produção fílmica, possível de ser avaliado ainda na escrita em que também se empenhou.5 5 A prática da escrita é destacada como uma característica que acompanha o gênero documentário desde seus primórdios. Sobre o tema, ver o recente livro organizado por Amir Labaki (2015) com traduções de diversos destes registros.

Serve como orientação a noção de que a imagem, longe de ser apenas forma de confirmação de uma verdade ou transmissão de conhecimento, também dá existência àquilo que projeta.6 6 O tema passou à discussão, principalmente a partir dos estudos de laboratório, como em Latour (1990) e Latour e Woolgar (1997). É a partir deste entendimento que julgo poder discutir a aproximação entre cinema e ciência, realizada no trabalho particular do cinema dedicado à ciência, especificamente à medicina, e à disseminação de determinado entendimento médico sobre o universo social.

Uma vertente da bibliografia especializada na área demonstra que a relação entre cinema e ciência pode ser avaliada em diferentes dimensões: a do filme como suporte para a produção de conhecimento científico, a do filme de publicidade institucional e a do filme educativo. Cada uma dessas diferentes produções, por vezes, se aproxima de suas congêneres, embora os limites de cada leitura devam ser precisados sempre no contexto de realização específica e particular de cada filme. O uso do filme em ciência pode ser pensado, portanto, em mais de um sentido. Tanto como um meio de que a ciência se utiliza para produzir conhecimento, em que a pesquisa sobre determinado conteúdo e a investigação sobre como filmá-lo (modos de realizar a filmagem, tipos e formas de câmaras, de filmes, lentes, parâmetros de exposição) estariam em discussão.

Nesse caso, a produção científica que se utiliza de imagens sobre o mundo natural e o funcionamento do corpo humano e de micro ou pequenos organismos, por exemplo, trabalhando a partir principalmente da ideia de captura do real, demarca todo um campo de ação do cinema e da ciência envolvido em diferentes definições: como ver e acessar novos fenômenos, como compreender os fenômenos ainda não estudados pelas ciências e como ver e entender antigos fenômenos de uma nova forma. Exemplos imediatos: supertelescópios espaciais, câmeras que capturam imagens do fundo do mar, o funcionamento de nanopartículas ou funções internas e pouco conhecidas do corpo humano. O filme, neste caso, serve como produtor de conhecimento, um laboratório para capturar o real, modificando-o, a fim de intervir mais completamente nos universos do natural e do humano.

Outra possibilidade de uso do cinema em ciência estaria ligada à sua função pedagógica, tanto para o mundo científico - na forma de imagens dirigidas às audiências de estudantes de determinado campo, aula ou demonstração - quanto filmes dirigidos à audiência de públicos leigos - nesse caso como um modo de popularização daquela atividade.

A própria ideia de popularização não pode ser entendida sem relação com o período em que está sendo proposta, pois facilmente se liga à noção de difusão de temas científicos - como o princípio pedagógico de fornecer conhecimento, conteúdos científicos a determinado público, e em especial se pensa no público leigo, de não cientistas -, mas há uma percepção que não pode nos escapar: o filme com essa temática, antes de servir a algum tipo de divulgação científica como conhecemos na atualidade - de que temos exemplos diversos, desde a banca de jornal ao programa de domingo -, serve talvez bem mais a tentativas de sensibilização dos seus públicos aos temas em questão.

Neste caso o cinema poderia auxiliar ou sugerir uma forma de olhar o mundo, e está sempre estaria na dependência de uma série de escolhas, ângulos, luzes, edição e modos narrativos, enfim, de imagens, sons e palavras previamente escolhidas para construir certa informação. É por isso que a história social das ciências abre um espaço enorme de estudos para pensar o filme científico.

A intenção é, portanto, avaliar tanto o “caráter estético das imagens” (MORETTIN, 2005MORETTIN, Eduardo V. Dimensões históricas do documentário brasileiro no período silencioso. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 25, n. 49, p. 125-152, 2005.) produzidas por Duarte quanto discutir como a atividade científica era pensada e apresentada por determinado grupo de médicos para os públicos aos quais se dirigia.

A produção de Duarte, dedicada à medicina, se desenhou em intensa proximidade com a perspectiva de adentrar o corpo humano. Nesse propósito pode-se indicar que seus filmes “performaram” - conceito emprestado de Annemarie Mol (2007)MOL, Annemarie. The body multiple: ontology in medical practice. Durham: Duke University Press, 2007. - as intervenções da ciência médica como uma atividade documentada e teatralizada. Ajuda a compreender este aspecto sua intensa atividade profissional, que deverá ser analisada a partir de dois aspectos principais e diversos entre si. O primeiro se dá a partir de sua produção crítica, onde Duarte advogava a imagem como um meio didático de comunicação; o segundo na análise de seu grande repertório de imagens médicas, que, tanto por documentários quanto por fotografias, se pode acompanhar como um processo intenso de ficcionalização da ciência.

A ideia geral ao tratar cinema e ciência, produção de imagens e medicina, é analisar a junção desses dois temas realizada por Duarte, avaliando como, em inícios do século XX, se constituía uma nova experiência visual no Brasil, que foi sendo construída com as imagens internas do corpo humano, tanto quanto com aspectos da vida social em que a higiene e a saúde eram destaque.

Duarte foi objeto de algumas investigações que serão discutidas a seguir, sobretudo no que se relaciona à crítica cinematográfica e à sua atividade como fotógrafo e documentarista, porém aqui a opção é pelo acompanhamento da intersecção entre cinema e ciência, a partir da opção pela discussão da linguagem documental. Apesar de já iniciada, a análise produzida até agora foi exploratória e está embasada em apenas um fragmento da produção de Benedito Junqueira Duarte.

O cinema documental de Benedito Junqueira Duarte

A produção de B. J. Duarte pode ser analisada a partir de diferentes períodos. No primeiro, com os filmes produzidos entre 1940 e 1954, o tema da cultura nacional esteve em destaque nos seus documentários, destacando-se produções que se referiam principalmente à educação em associação com temas de saúde, saúde pública e espaço urbano.

Esse é o mesmo momento em que o Ministério da Educação e Saúde Pública, criado em 1930, no primeiro governo de Getúlio Vargas, ficava sob a direção de Gustavo Capanema, entre 1934 e 1945. Em 1937, o nome e as funções do ministério seriam alterados para Ministério da Educação e Saúde, que mais uma vez se transformaria, em 1953, no Ministério da Educação e Cultura. Tal processo pode ser caracterizado pela criação de uma rede de instituições federais de cultura e consequente busca por uma administração racional da cultura em direções diversas, tendo em vista a elaboração e a tentativa de implantação de uma política cultural própria no âmbito federal.7 7 Sobre o tema, ver Pandolfi (1999), Gomes (2000), Bomeny (2001).

É possível relacionar a produção fílmica de B. J. Duarte do período a partir desse ambiente de reordenamento e, também, por suas estreitas relações com um segmento da administração cultural paulista. A preocupação com a cultura nacional, a meu ver, se exemplifica em filmes produzidos para vários setores e órgãos governamentais, ainda que do próprio município de São Paulo. São filmes bastante conhecidos os realizados para a Secretaria da Fazenda (Relíquias históricas de São Paulo, 1937; A metrópole de Anchieta, 1952); para a Secretaria de Educação, Assistência e Recreio da Prefeitura de São Paulo (Parques e jardins de São Paulo,1941); para o já citado Departamento de Cultura (Viagem em redor de São Paulo, 1943) e para o Departamento de Obras (Retificação do Rio Tietê, 1940), entre outros.8 8 A lista completa de filmes constantes da Cinemateca Brasileira pode ser acompanhada pelo site da instituição ou na publicação póstuma, já citada, de/sobre Duarte, publicada em 2007. Para uma visão geral dos diretores brasileiros, ver Ramos e Miranda (1997).

Em poucas palavras, o conjunto de filmes realizados a partir do prisma do Estado pode servir para destacar as relações estreitas de Duarte frente a preocupação programática de fortalecimento das bases de uma civilização urbana, capaz de vencer o atraso nacional por meio da educação formal. O objetivo dos filmes indicados poderia ser contribuir para uma urbanização controlada, a partir da ideia de campanhas de higiene e assistência social sob coordenação do Estado, o que garantiria o bem comum e o progresso do Brasil.9 9 Como uma das debatedoras convidadas para a “Mostra Cinemateca SP 2009. Debate B. J. Duarte - O caçador de imagens”, 2009, pude analisar no evento a maior parte dos filmes aqui citados. Pensando a obra de Duarte, análise similar foi feita no artigo de Santos (2014).

Um exemplo é a disposição do discurso presente no filme Parques e Jardins de São Paulo, claramente estabelecido como contraponto ao ensino escolar, possível transformador da moral, da saúde e do bem-estar. A juventude e a infância são vistas e apresentadas como os receptores perfeitos para a empreitada, coordenada pelo Estado reorganizador da nacionalidade a partir da educação programática.

O cinema era considerado no período do filme um dos grandes instrumentos de persuasão e divulgação - junto com o rádio e o jornal, principalmente - para o aperfeiçoamento do brasileiro e da cultura nacional. É nesse contexto que se identifica no filme Parques e Jardins de São Paulo uma grande coincidência de tomadas com a memória imagética dos primeiros tempos da saúde pública paulista e da própria cidade. Essa memória se encontrava nas fotografias de Militão Augusto de Azevedo, que Duarte conhecia muito bem, pois era o responsável por sua organização e preservação como técnico da Seção Iconográfica do Departamento de Cultura do município de São Paulo (MACHADO JÚNIOR, 2004MACHADO JÚNIOR, Rubens. São Paulo e o seu cinema: para uma história das manifestações cinematográficas paulistanas (1889-1954). In: PORTA, Paula (org.) História da cidade de São Paulo, v. 2: a cidade no Império. São Paulo: Paz e Terra, 2004, p. 456-505.).

O mesmo ocorria com a memória da saúde em São Paulo preservada nas fotografias pertencentes à Faculdade de Higiene da USP (antigo Instituto de Higiene, fundado em 1918), que apresenta em seu acervo registros das cheias nos rios Tietê e Tamanduateí na década de 1920 e do depósito de lixo da terceira parada no Brás, no mesmo período. Mesmo caminho foi seguido por arquitetos, engenheiros e administradores na conformação de planos e projetos de reforma urbana, vistos nas diversas imagens do centro da cidade de São Paulo da época. Imagens de educadoras sanitárias, crianças em atendimento médico, entre outros, acompanham a memória das instituições responsáveis pela elaboração das atividades (academias literárias, instituições científicas), consideradas as verdadeiras “condutoras” de um processo de civilização nacional. Nesse período, reforçam-se os laços entre cultura e instituições oficiais, cabendo ao tema da cultura um papel político crucial, que podem ser acompanhados a partir de diversos filmes, tais como: Uma escola de médicos (1963), Um lençol de algodão (1954), A metrópole de Anchieta (1952), Parques infantis da cidade de São Paulo (1954), Festa do Divino (1946), São Paulo de ontem 1863… e São Paulo de hoje 1943 (1943).

O primeiro dos filmes citados nesse grupo contém já alguns dos temas sugeridos. Uma Escola de Médicos (SILVA, 2019SILVA, Márcia Regina Barros da. Uma Escola de Médicos: Benedito Junqueira Duarte e o cinema científico. Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 12, n. 1, p. 6-18, 2019.) trata de atividades realizadas para as comemorações dos 30 anos da fundação da Escola Paulista de Medicina (EPM), que havia sido criada em março de 1933. A inauguração de um busto do primeiro diretor da EPM, Octávio de Carvalho, e a inauguração do Edifício de Ciências Biomédicas, à época projetado para abrigar um futuro Instituto de Biologia, já que em dezembro de 1960 havia sido criada, ainda no governo Juscelino, a Universidade Federal de São Paulo, da qual a EPM faria parte com outras faculdades estaduais (SILVA, 2002SILVA, Márcia Regina Barros da. O ensino médico em debate: São Paulo, 1890-1930. História, Ciência, Saúde-Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 9, p. 139-59, 2002. Suplemento. ISSN 0104-5970. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702002000400007>. Acesso em: 21 set. 2019.
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, 2003SILVA, Márcia Regina Barros da. Estratégias das Ciências: a história da Escola Paulista de Medicina (1933-1956). Bragança Paulista: Edusf, 2003.).

O filme foi realizado na gestão do então diretor Marcos Lindenberg, que em 30 de maio de 1962 foi nomeado reitor do projeto da futura universidade. O projeto se veria frustrado pelo golpe de 1964, que resultou na cassação e sumária aposentadoria de Lindenberg, assim como na suspensão da nova universidade, adiado até sua supressão formal no início dos anos 1970. Além disso, como também aparecia no filme, naquele momento era lançada a pedra fundamental do que seria o Departamento de Educação Cívica e Física para a nova universidade, que veio a se tornar mais tarde as instalações da Atlética da EPM.

As filmagens dessas comemorações e das instalações da Escola tinham um caráter de reportagem, no formato que tradicionalmente podemos encontrar em diversos documentários brasileiros dos anos 1930. O filme foi composto também por imagens de atividades esportivas e desfiles escolares, objetos tradicionais na filmografia de Duarte, além de imagens de demonstrações experimentais, intervenções cirúrgicas e aulas práticas diversas.

As demonstrações se deram em diferentes cadeiras das áreas básicas, destacando o caráter experimental da Farmacologia, cujo catedrático era o médico José Ribeiro do Valle, de Fisiologia, com o médico Paulo Enéas Galvão, e da cadeira de Cirurgia Experimental, com os também catedráticos José Maria de Freitas e Rodolpho de Freitas. Com tais escolhas, o filme passa a enfatizar a medicina como uma atividade experimental, realizada sobretudo em laboratórios, o que oferece e demarca uma identidade específica ao filme e à instituição em questão, a EPM. A busca pela comprovação do epíteto “científica” para aquela instituição pode ser percebida inclusive porque, apesar do título Uma Escola de Médicos, o filme não apresentou nenhuma imagem de médicos em atendimento, pacientes ou mesmo do espaço interno do hospital e suas clínicas.

A descrição da medicina como uma atividade experimental se via reforçada pelo tipo de experimentos apresentados, intervenções em animais (cão, cobaia etc.) e instalações, vestimentas e equipamentos filmados, que compunham parte considerável do filme. Essa visão experimental da medicina estava em pleno acordo com os discursos que, naquele momento de projeto de criação de uma universidade, insistiam na importância da criação de outros cursos de formação profissional, lembrando que naquele momento a EPM possuía apenas os cursos de Medicina e de Enfermagem e que logo, em 1966, seria criado o curso de Ciências Biológicas - Modalidade Médica pelos professores das cadeiras básicas, destacados no filme.

Filmes de ciência

O segundo conjunto de filmes, produzidos entre fins dos anos 1950 e fins dos anos 1960, perfaz uma extensa lista de produções especializadas. A maior parte dessa produção foi realizada com médicos de diferentes instituições paulistas e com diferentes laboratórios nacionais e internacionais, de grande repercussão na área. Têm especial destaque os filmes dedicados à cardiologia, como um aspecto da história de um novo campo de especialização médica que também se construía no Brasil naquele período.

Entre a produção altamente diversificada de Duarte constam, entre outros:10 10 No seu “Curriculum Abreviado”, reproduzido na tese de Catani (1991), Duarte indica os prêmios conquistados em festivais nacionais e internacionais. Ali estão destacadas premiações com indicações como: “Secção de filmes de cirurgia”, “Setor de filmes científicos”, “Filme de documentação científica”, “Cinematografia especializada”, “Filmes científicos”, Filme científico-didático”, “Festivais universitários”. Os prêmios foram recebidos entre os anos 1950 e fins de 1960, o que condiz com a periodização por mim indicada para a concentração de produção de filmes de caráter científico, embora não tenha sido possível até o momento conferir as datas de produção de cada filme individualmente. Marcapasso implantável, Técnica conservadora em cirurgia de válvula mitral, Revascularização do miocárdio, Válvula cardíaca artificial, Revascularização do infarte agudo experimental, Coartação da aorta, todos com assessoria do médico Adib Jatene; e Coronáriopatias e Estenose da artéria pulmonar, com assessoria do médico Euryclides de Jesus Zerbini. Há ainda em seu currículo diferentes laboratórios da área médica que aparecem como financiadores de seus trabalhos: Torres, Johnson & Johnson, Roche, Rhodia no Brasil, Carlo Erba do Brasil, entre outros.

Em vários de seus escritos, principalmente nos três volumes de suas memórias, B. J. Duarte expõe e analisa sua trajetória profissional e, especificamente no terceiro volume, discute sua visão sobre a realização dos filmes dedicados à medicina, sobretudo à cirurgia cardíaca. Indicou a filiação inicial ao trabalho anterior do fotógrafo Alberto Federmann,11 11 Fotógrafo ligado aos primeiros tempos do Instituto Biológico de Higiene Agrícola e Animal do Estado de São Paulo, desde 1924, até sua morte em 1958. Sobre o Biológico, ver Ribeiro (1997). muito pouco estudado, que atuou também na produção de filmes científicos no Instituto Biológico. Sobre Federmann, Duarte (1982c, p. 11)DUARTE, Benedito Junqueira. Crônica da memória, v. 3: lâmpada cialítica: namoros com a medicina. São Paulo: Massao Ohno, 1982c. aponta a antecedência e o valor técnico, mas não reconhece inteiramente a qualidade daquela produção.

Até então [1949], pouco, quase nada, se havia realizado no Brasil, no campo do cinema científico, pelo menos de modo sistemático, com orientação e constâncias certas (…). Houve, entretanto, um pioneiro: Alberto Federmann, antigo técnico do Instituto Biológico, para ali levado pela mão de Arthur Neiva, em 1924. Federmann morreria em 1958, após muitos anos de atividade fecunda sem, entretanto, ter realizado grande parte do que era capaz.

Em segundo lugar, Duarte aponta a si mesmo como o primeiro e mais competente realizador na área, com trabalhos feitos no Hospital das Clínicas, na clínica cirúrgica (de tórax e abdome) do médico Edmundo Vasconcelos, antes mesmo de sua inserção no, sempre referenciado em seus escritos, laboratório Torres e sua Filmoteca Médico-Cirúrgica Brasileira, criada em 1949 (Duarte, 1982cDUARTE, Benedito Junqueira. Crônica da memória, v. 3: lâmpada cialítica: namoros com a medicina. São Paulo: Massao Ohno, 1982c.).

Por conta desse laboratório, em trabalho conjunto com o fotógrafo Estanislau Szankoviski e, algumas vezes, com Juan Gatti, Duarte aponta que “Só num ano [1950], mais de duas mil exibições se fizeram em todo o País, sendo assistidos tais filmes por mais de 20.000 médicos brasileiros, sem contar as apresentações fora do Brasil, em conferências particulares, em congressos científicos, nas quais a delegação brasileira sempre se valia das peças da Filmoteca Médico-Cirúrgica Brasileira para ilustrar teses e comunicações.” (Duarte, 1982DUARTE, Benedito Junqueira. Crônica da memória, v. 1: a luz fosca do dia nascente. São Paulo: Massao Ohno, 1982a., p. 11). No primeiro ano de atividade junto ao laboratório Torres, Duarte ganhou seus dois primeiros prêmios,12 12 O primeiro prêmio recebido foi exibido durante o III Festival do Cinema de Curta Metragem do Rio de Janeiro - primeiro lugar com o filme Pneumonectomia Total Direita por Câncer Broncogênico e no mesmo evento com o prêmio de segundo lugar, com o filme: Simpatextomia Tóraco-Lombar por Hipertensão Arterial (DUARTE, 1982c, p. 12). A lista mais completa encontra-se em Duarte (2007) e Cattani (1991). entre mais de cinquenta em toda sua carreira.

O terceiro aspecto importante de seus escritos é a caracterização que faz da construção dos filmes dedicados à ciência médica. Nesse ponto sua discussão se encontra com a ideia da ciência como uma atividade de representação do mundo dito natural.

Duarte aponta um aspecto central na realização de seus filmes: a obtenção de técnicas originais, valendo-se dos efeitos de iluminação e sua relação com a cor, e a busca do ângulo de visão ideal da intervenção médica filmada por ele ou seus colaboradores. Seu objetivo, manifesto nesses textos, foi sempre “tornar também artístico aquilo, que para alguns, deveria restringir-se somente ao científico”, atento ao “ponto de vista do cirurgião” e em busca do “centro do campo operatório”, segundo ele, “de maior interesse didático e estético” (DUARTE, 1982cDUARTE, Benedito Junqueira. Crônica da memória, v. 3: lâmpada cialítica: namoros com a medicina. São Paulo: Massao Ohno, 1982c., p. 12).

Ao procurar explicar os “fatos e fenômenos da ciência”, todo empenho técnico de Duarte era colocado sobre a tentativa de “penetrar em campos pouco acessíveis [do corpo humano] para lá colher imagens fugidias e inimigas da captação” (DUARTE, 1982cDUARTE, Benedito Junqueira. Crônica da memória, v. 3: lâmpada cialítica: namoros com a medicina. São Paulo: Massao Ohno, 1982c., p. 125). A cronometragem de várias e várias cirurgias experimentais funcionava de guia na perseguição desse ideal de desvendamento, para a obtenção da melhor imagem, do melhor ponto de vista da “ação” e para a visão do “ato operatório” que interessava, bem como para poder dispensar aqueles registros considerados desnecessários.

O objetivo era evitar o ritmo lento e a monotonia das “imagens muito analíticas”. A aproximação da câmera se dava apenas para “coincidir com o tempo mais importante da sequência operatória”, quando possível utilizando também fusões, para “sintetizar” a sequência filmada. O uso da cor, luz e sombra seria questão recorrente, pois estas eram para ele os recursos principais na construção de uma almejada “dramaticidade”, esta sim razão de ser da produção de um filme que visava adentrar no laboratório, na sala cirúrgica, no “templo sagrado do espaço médico”, em busca dos “gestos litúrgicos”, do “ballet enigmático” daquela atividade científica (DUARTE, 1982cDUARTE, Benedito Junqueira. Crônica da memória, v. 3: lâmpada cialítica: namoros com a medicina. São Paulo: Massao Ohno, 1982c., p. 125).

Segundo Duarte, a experiência da filmagem de cirurgias vinha não apenas do filme científico em si, mas do gênero documentário, se bem realizado. Seus filmes científicos, de modo geral - e alguns em particular, como o citado Transplante Cardíaco ou outro, tão detalhado quanto este, como Marca-passo implantável, de 1968, realizado em parceria com o laboratório Sandoz do Brasil e com médicos e professores da Faculdade de Medicina da USP e Escola Paulista de Medicina - demonstram a construção de um diálogo bastante próximo dos processos de produção do conhecimento em ciência e da atividade cinematográfica:

Motivos de sobra havia, pois, para tornar-se intensa minha atividade no cinema científico brasileiro, a partir dos anos 60. Atingiria o auge de minha carreira em maio de 1968, por ocasião da ocorrência do 1o. Transplante Cardíaco Humano da América do Sul, o 17o. do mundo. (DUARTE, 1982cDUARTE, Benedito Junqueira. Crônica da memória, v. 3: lâmpada cialítica: namoros com a medicina. São Paulo: Massao Ohno, 1982c., p. 18)

Uma das principais questões do que considero um processo de “sensibilização” do trabalho com o filme científico pode ser verificada quando outros, provenientes do universo de leigos que não constituía a comunidade de cientistas ou o próprio médico que não estava envolvido no ato cirúrgico filmado, são trazidos para participar visualmente do trabalho do cientista. O filme passa, assim, a permitir ao não cientista ou mesmo ao cientista de outra área ter pretensamente a visão que o cientista tem sobre o corpo, fornecendo certa homogeneidade na descrição do mundo que nos cerca. Dessa forma, não parece possível separar completamente as duas funções principais do filme científico, a produção de conhecimento e a pedagogia da imagem, duas possibilidades no fundo bastante misturadas dentro do filme de temática científica, sendo justamente a riqueza do debate e o ponto central da inovação do cinema em ciência que se fazia naquele momento: levar o laboratório para o auditório, seja para o público especializado, seja para o público leigo.

Construção de novos corações

Em entrevista realizada com o médico Adib Jatene em 200713 13 Entrevista realizada com o Dr. Adib Jatene. Local: Consultório - Rua Desembargador Eliseu Guilherme, 147, 2º andar, Paraíso, Hospital do Coração - HCOR. Data: 23 de maio de 2007. Realizada por: Márcia Regina Barros da Silva, gravada em arquivo digital. foi possível acompanhar a forma de trabalhar de um médico que esteve ligado a Duarte. Como assessor científico em dois filmes, como cirurgião responsável nas duas cirurgias filmadas, Jatene faz sua descrição da confecção da válvula cardíaca que nos serve de roteiro sucinto das imagens contidas no filme denominado Marca-passo implantável:

Os moldes, tudo feito lá no Dante [Pazzanese). Eu fui procurar, a válvula era uma gaiolinha metálica com uma bolinha de silicone dentro. Então eu fui ver que metal era aquele, era uma liga de cromo, cobalto, molibdênio e níquel que é o estelaide 21. O estelaide 21 era uma liga metálica que se usava para prótese dentaria, para ponte móvel, então eu fui nos [sic] protéticos para ver como é que eles fundiam, e eles disseram “não, isso aqui tem que fazer em [molde]… Tira o molde em cera e depois a gente fundi. Se o sr. me der a válvula em cera a gente consegue fundir”. Então eu fui ver como é que eu podia fazer a gaiola em cera e eu fiz uns moldes pequenos, primeiro do anel da válvula, desmontável com 4 peças para injetar a cera, depois desmontar e ficar com o anel em cera, isso, está tudo no filme, depois eu fiz uns dispositivos em que eu colocava o anel, isso em duas peças e aí eu colocava os arames de cera nesse molde para que a valvular ficasse sempre do mesmo tamanho, e eu tirava a válvula do anel. A válvula, como o dispositivo era duplo, eu conseguia tirar da gaiola sem estragar a gaiola, e a gente colocava nos canais de fundição, nós, eu fazia pessoalmente e fui eu que ensinei o pessoal lá no Dante [Pazzanese] a fazer depois, então a mão que você vê é a minha mão. (…)

E depois a gente embutia em cera, em material cerâmico, nós fizemos um vibrador especial para poder fazer isso, e depois levava para o forno a 1200º C. então a cera volatilizava e ficava o negativo da válvula dentro do molde de cerâmica. Você pegava aquilo, com umas coisas…, umas pinças especiais, botava na centrífuga de fundição, botava a liga, fundia a liga com maçarico e aí disparava a centrífuga, então a liga enchia o molde (…) e aí nós quebrávamos o molde e tirávamos a válvula em metal, tirava os canais de fundição, retificava as medidas, polia etc., depois fazia a bola, isso está tudo no filme.

(…) fazia a bolinha, depois cura a bolinha, põe dentro, costura o colarinho, quem costurava era a Rute, que trabalhava comigo, ela era enfermeira nossa, ela que costurava o colarinho, então aquela mão com a agulha aquilo era a Rute, depois punha a bola e levava para esterilizar. Então isso foi colocado no filme, todas essas etapas, depois então nós colocamos, fizemos o implante, para mostrar todo o processo, então dependendo da coisa a gente passava só a válvula, [ou] passava só a operação. (Adib Jatene)

O entendimento das escolhas acima apontadas - construir no Brasil, com materiais locais, um equipamento médico superespecializado - pode possibilitar que avaliemos o olhar que conjuntamente produzia explicações sobre o corpo - num órgão específico: o coração - e buscava demonstrar capacidade e desejo de produzir tecnologia médica, as peças que de outra forma teriam que ser adquiridas no mercado estrangeiro, notadamente norte-americano. A atividade médica, científica e local, que se queria participante de um circuito e uma produção internacional, necessitava antes de tudo construir suas próprias capacidades de interação, tanto por meio do domínio dos procedimentos médicos correspondentes quanto pelo acesso aos artefatos pertinentes àquele universo. Somente após tais passos seria possível adentrar uma área especializada de igual para igual:

(…) isso foi uma conquista brutal, porque na época a válvula americana custava 320 dólares, e eu fiz essa válvula no Dante Pazzanese que é da Secretaria da Saúde [do Estado de São Paulo], sem nenhum interesse financeiro, e eu fornecia para os cirurgiões brasileiros, para os vários serviços, que trabalhavam com o antigo Inamps, essa coisa que não tinha dinheiro. Eu fornecia a válvula por quarenta dólares, então isso teve uma repercussão na experiência brasileira. Quer dizer o pessoal de fora não conseguia entender como o Brasil conseguia tanto volume de cirurgia valvular. O [Euryclides de Jesus] Zerbini levava as experiências somadas do Dante [Pazzanese] e do Hospital das Clínicas, era uma das maiores experiências do mundo na época, isso teve uma importância enorme no desenvolvimento da cirurgia cardíaca aqui no Brasil. (Adib Jatene)

É possível especular que somente a partir desse tipo de iniciativa, local, se poderia arregimentar experiência suficiente para influir na produção acadêmica científica internacional na área de conhecimento cardiológico, como o que ocorreria a partir daqueles anos com um grupo médico atuante em São Paulo, frente à produção mundial em cirurgia cardíaca.14 14 Ao acompanhar o desenrolar do que foi nomeada como a “cirurgia coronariana moderna”, a produção do cineasta paulista atingiu ponto de grande proximidade com a área médica, participando do primeiro transplante cardíaco humano da América do Sul, 17o cirurgia de transplante realizada no mundo (em maio de 1968), conduzida pela equipe do médico Euryclides de Jesus Zerbini, do Hospital das Clínicas da USP, a cirurgia foi filmada e fotografada por B. J. Duarte, que foi marcado ainda pelo recebimento de seis prêmios: dois no Brasil, um na Itália, um na França e um no Reino Unido, todos por filmes de temática médica (Duarte, 2007).

Conclusão inconcludente

O cinema de Benedito Junqueira Duarte documentava o crescimento eficiente da medicina a partir dos trabalhos realizados em parceria com o establishment médico paulista, localizado nas maiores instituições de saúde do período, tais como Hospital das Clínicas, Hospital São Paulo, Faculdade de Medicina da USP, Escola Paulista de Medicina, Instituto de Cardiologia. A partir de nomes como os de Benedito Montenegro, Edmundo Vasconcelos, Alípio Corrêa Neto, E. J. Zerbini, Adib D. Jatene, entre outros.

Dois pontos merecem destaque no entendimento dos processos sucintamente descritos acima: quanto há de intervenção do cineasta no mundo especializado do cirurgião e quanto o cirurgião dá a conhecer ao público do seu espaço de atuação.

O trabalho conjunto evidentemente anunciava a ideia de divulgação de temas científicos como função idealizada de fornecer informações e conteúdos científicos a determinado público. Atrelada à disseminação do conhecimento estava também a concepção de que o filme de temática científica, antes de servir a algum tipo de divulgação como concebemos na atualidade, pode servir para buscar uma descrição do mundo, aquela que se dá por meio do conhecimento especializado da ciência, sempre na dependência de uma série de escolhas, ângulos, luzes, edição, modos narrativos, dramatização, imagens e sons bem como palavras previamente escolhidas para construir determinada informação, de acordo com a concepção de ciência presente naquele tempo e lugar.15 15 Quanto ao tema, ver Baqué (2006) e Da-Rin (2004). Especialmente sobre uma discussão entre nacionalidade e imagens de saúde, ver Vignaux (2002).

Não parece possível separar completamente as duas funções principais a que os filmes de B. J. Duarte parecem pertencer: a produção de conhecimento e a pedagogia da imagem. Esta é justamente a riqueza do debate e o ponto central da inovação no uso do cinema em ciência que os filmes de Duarte podem permitir compreender: perceber como o cientista pensa levar seu próprio mundo, o laboratório, para o auditório e com isso levar também uma concepção de ciência e de conhecimento.

As cirurgias realizadas em São Paulo pelos médicos Euryclides de Jesus Zerbini, Adib Jatene e vários outros, colocaram o país como um dos destaques na área da cirurgia cardíaca. Foi principalmente nesta área de ponta da medicina brasileira que Duarte produziu a intersecção entre a temática médica e o cinema como meio de divulgação de novas técnicas cirúrgicas. A divulgação dos novos procedimentos e equipamentos médicos produzidos no país, ainda que não inventados aqui, se beneficiou das dimensões visuais do cinema. A perspectiva era educar um público formado por especialistas da área cardíaca, porém a partir da construção de um novo corpo, agora corpo cardíaco. O acesso ao olhar do médico/cirurgião/cientista trazia em consequência uma nova verdade/realidade sobre o mundo, até aquele momento de difícil acesso, mas que passava a ter existência mais clara à medida que se materializava nas imagens amplificadas do cinema.

A intenção aqui não é colocar em questão competências, até porque elas se criam em função das questões que lhes são colocadas e na expectativa de serem resolvidas. Os médicos que se propuseram a participar de um movimento mundial naquela especialidade, a cirurgia e o transplante cardíaco, construíram seus espaços de atuação e foram com isso reconhecidos. Para a crítica, no entanto, o importante é perceber as possibilidades de circulação que o cinema permite às atividades científicas e quanto a prática da ciência contribui para que o cinema adquira novas competências e habilidades, com a câmera, a linguagem e a fixação da imagem do corpo, tão importantes para o cinema contemporâneo como para a dinâmica científica de modo geral.

Nos filmes de Duarte, é possível perceber a preocupação em fortalecer as bases de uma civilização urbana, que, controlada, seria capaz de vencer o atraso nacional. Alguns temas seriam recorrentes nos seus filmes: a industrialização, a racionalização do trabalho, a educação formal, a ciência e o entendimento higiênico da sociedade. Discussões associadas a tais temas que surgem em seus filmes a partir de discussões diversificadas, mas que confluem para uma perspectiva comum em que a coordenação do Estado seria a garantia para o bem geral e para o progresso do país.

Tais disposições estão presentes no trabalho de Duarte e denotam uma abordagem cinematográfica da ciência como um objeto de atenção da linguagem cinematográfica, pelo entendimento da associação da filmografia produzida pelo cineasta como parte intercambiável do posicionamento das instâncias oficiais de poder político e do poder científico, percebidos nas relações do cineasta com patrocinadores e médicos envolvidos naquelas realizações.

Além do filme ser um documento importante para compreender os serviços existentes e os personagens envolvidos na história da cirurgia cardíaca no Brasil, o novo fenômeno, no caso a cirurgia cardíaca, e o funcionamento de novos tipos de intervenção propiciada pela tecnologia médica são documentados, também historicamente, como projeto de construção da memória de uma área, ao mesmo tempo que se realiza uma produção visivelmente voltada para a demonstração e para o ensino de um público especializado e não exatamente para o público leigo, embora este também pudesse entrar em contato com o mundo da medicina. Mas, sobretudo, as imagens fornecem para seu público a aceitação de procedimentos ultranovos, diferenciados, prometeicos, na medida em que essa solução médica se referia a uma realidade muito específica no quadro das possibilidades de atendimento à saúde no país. Mesmo direcionado de início a um público de pares, o filme comunica uma inovação e com isso constrói uma performance, no limite, podemos dizer, um espetáculo.

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    Este texto é resultado parcial da pesquisa na modalidade produtividade intitulada “O cinema científico na história das ciências: imagens da medicina na produção de Benedito Junqueira Duarte”, apoiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Científico - CNPq (processo 307386/20155).
  • 1
    Todas as fontes e bibliografias empregadas são referidas no artigo.
  • 2
    As memórias de Benedito Junqueira Duarte foram publicadas em três volumes, bastante citados, ver Duarte (1982aDUARTE, Benedito Junqueira. Crônica da memória, v. 1: a luz fosca do dia nascente. São Paulo: Massao Ohno, 1982a., 1982bDUARTE, Benedito Junqueira. Crônica da memória, v. 2: nas trilhas do cinema brasileiro: caçadores de imagens. São Paulo: Massao Ohno, 1982b., 1982c)DUARTE, Benedito Junqueira. Crônica da memória, v. 3: lâmpada cialítica: namoros com a medicina. São Paulo: Massao Ohno, 1982c.. Ver também a obra póstuma Duarte (2007)DUARTE, Benedito Junqueira. B.J. Duarte: caçador de imagens. Textos Rubens Fernandes Júnior, Michael Robert Alves de Lima, Paulo Valadares. São Paulo: Cosac Naify, 2007..
  • 3
    Sobre o tema, ver: Raffaini (2001)RAFFAINI, Patrícia Tavares. Esculpindo a Cultura na forma Brasil: o Departamento de Cultura de São Paulo (1935-1938). São Paulo: Humanitas, 2001., Silva (2007)SILVA, Márcia Regina Barros da. O filme de temática científica: possibilidades de uma documentação histórica. Cadernos de História da Ciência, São Paulo, v. 3, n. 2, p. 13-36, 2007. e Silva (2008)SILVA, Carolina da Costa e. O álbum “Parques Infantis” como objeto cultural (São Paulo, 1937). Dissertação de mestrado em Educação, Universidade de São Paulo, 2008..
  • 4
    Sobre estudos fisiológicos sobre a visão, ver Crary (2012)CRARY, Jonathan. Técnicas do observador: visão e modernidade no século XIX. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.. Sobre cinema científico, ver Gaycken (2002)GAYCKEN, Oliver. “A drama unites them in a fight to the death”: some remarks on the flourishing on a cinema of scientific vernacularization in France, 1909-1914. Historical Journal of Film, Radio and Television, Abingdon, v. 22, n. 3, p. 353-374, 2002. ISSN 0143-9685. Disponível em: <https://doi.org/10.1080/01439680220148750>. Acesso em: 21 set. 2019.
    https://doi.org/10.1080/0143968022014875...
    , Landecker (2006)LANDECKER, Hannah. Microcinematography and the history is science and film. Isis, Chicago, v. 97, n. 1, p. 121-132, 2006. Disponível em: <https://doi.org/10.1086/501105>. Acesso em: 21 set. 2019.
    https://doi.org/10.1086/501105...
    e Rieznik e Lois (2018)RIEZNIK, Marina & LOIS, Carla. Micrografías interrogadas: una aproximación a la cuestión de las imágenes técnicas en la historia de las ciencias en la Argentina (siglos XIX y XX). Caiana #, Buenos Aires, v. 12, p. 1-17, 2018..
  • 5
    A prática da escrita é destacada como uma característica que acompanha o gênero documentário desde seus primórdios. Sobre o tema, ver o recente livro organizado por Amir Labaki (2015)LABAKI, Amir (org.). A verdade de cada um. São Paulo: Cosac Naify, 2015. com traduções de diversos destes registros.
  • 6
    O tema passou à discussão, principalmente a partir dos estudos de laboratório, como em Latour (1990)LATOUR, Bruno. Drawing things together. In: LYNCH, Michael & WOOLGAR, Steve (org.). Representation in scientific practice. Cambridge, MA: MIT Press, 1990, p. 19-68. e Latour e Woolgar (1997)LATOUR, Bruno & WOOLGAR, Steve. A vida de laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997..
  • 7
    Sobre o tema, ver Pandolfi (1999)PANDOLFI, Dulce (org.). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999., Gomes (2000)GOMES, Angela de Castro (org.). Capanema: o ministro e seu ministério. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000., Bomeny (2001)BOMENY, Helena (org.). Constelação Capanema: intelectuais e políticas. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001..
  • 8
    A lista completa de filmes constantes da Cinemateca Brasileira pode ser acompanhada pelo site da instituição ou na publicação póstuma, já citada, de/sobre Duarte, publicada em 2007DUARTE, Benedito Junqueira. B.J. Duarte: caçador de imagens. Textos Rubens Fernandes Júnior, Michael Robert Alves de Lima, Paulo Valadares. São Paulo: Cosac Naify, 2007.. Para uma visão geral dos diretores brasileiros, ver Ramos e Miranda (1997)RAMOS, Fernão & MIRANDA, Luiz Felipe. Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo: Editora Senac, 1997..
  • 9
    Como uma das debatedoras convidadas para a “Mostra Cinemateca SP 2009. Debate B. J. Duarte - O caçador de imagens”, 2009, pude analisar no evento a maior parte dos filmes aqui citados. Pensando a obra de Duarte, análise similar foi feita no artigo de Santos (2014)SANTOS, Márcia Juliana. Entre a cavação e o ato de documentar: os limites da produção de filmes em São Paulo nos anos 20 e 30. Revista Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual, São Paulo, v. 3, n. 2, p. 147-174, 2014. ISSN 1980-4369. Disponível em: <https://doi.org/10.22475/rebeca.v3n2.152>. Acesso em: 21 set. 2019.
    https://doi.org/10.22475/rebeca.v3n2.152...
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  • 10
    No seu “Curriculum Abreviado”, reproduzido na tese de Catani (1991)CATANI, Afrânio Mendes. Cogumelos de uma só manhã. B.J. Duarte e o cinema brasileiro: Anhembi: 1950-1962. Tese de doutoramento em Sociologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991. 3 v., Duarte indica os prêmios conquistados em festivais nacionais e internacionais. Ali estão destacadas premiações com indicações como: “Secção de filmes de cirurgia”, “Setor de filmes científicos”, “Filme de documentação científica”, “Cinematografia especializada”, “Filmes científicos”, Filme científico-didático”, “Festivais universitários”. Os prêmios foram recebidos entre os anos 1950 e fins de 1960, o que condiz com a periodização por mim indicada para a concentração de produção de filmes de caráter científico, embora não tenha sido possível até o momento conferir as datas de produção de cada filme individualmente.
  • 11
    Fotógrafo ligado aos primeiros tempos do Instituto Biológico de Higiene Agrícola e Animal do Estado de São Paulo, desde 1924, até sua morte em 1958. Sobre o Biológico, ver Ribeiro (1997)RIBEIRO, Maria Alice Rosa. História, ciência e tecnologia: 70 anos do Instituto Biológico de São Paulo na defesa da agricultura, 1927-1997. São Paulo: Instituto Biológico, 1997..
  • 12
    O primeiro prêmio recebido foi exibido durante o III Festival do Cinema de Curta Metragem do Rio de Janeiro - primeiro lugar com o filme Pneumonectomia Total Direita por Câncer Broncogênico e no mesmo evento com o prêmio de segundo lugar, com o filme: Simpatextomia Tóraco-Lombar por Hipertensão Arterial (DUARTE, 1982cDUARTE, Benedito Junqueira. Crônica da memória, v. 3: lâmpada cialítica: namoros com a medicina. São Paulo: Massao Ohno, 1982c., p. 12). A lista mais completa encontra-se em Duarte (2007)DUARTE, Benedito Junqueira. B.J. Duarte: caçador de imagens. Textos Rubens Fernandes Júnior, Michael Robert Alves de Lima, Paulo Valadares. São Paulo: Cosac Naify, 2007. e Cattani (1991).
  • 13
    Entrevista realizada com o Dr. Adib Jatene. Local: Consultório - Rua Desembargador Eliseu Guilherme, 147, 2º andar, Paraíso, Hospital do Coração - HCOR. Data: 23 de maio de 2007. Realizada por: Márcia Regina Barros da Silva, gravada em arquivo digital.
  • 14
    Ao acompanhar o desenrolar do que foi nomeada como a “cirurgia coronariana moderna”, a produção do cineasta paulista atingiu ponto de grande proximidade com a área médica, participando do primeiro transplante cardíaco humano da América do Sul, 17o cirurgia de transplante realizada no mundo (em maio de 1968), conduzida pela equipe do médico Euryclides de Jesus Zerbini, do Hospital das Clínicas da USP, a cirurgia foi filmada e fotografada por B. J. Duarte, que foi marcado ainda pelo recebimento de seis prêmios: dois no Brasil, um na Itália, um na França e um no Reino Unido, todos por filmes de temática médica (Duarte, 2007DUARTE, Benedito Junqueira. B.J. Duarte: caçador de imagens. Textos Rubens Fernandes Júnior, Michael Robert Alves de Lima, Paulo Valadares. São Paulo: Cosac Naify, 2007.).
  • 15
    Quanto ao tema, ver Baqué (2006)BAQUÉ, Dominique. Pour un nouvel art politique: de l’art contemporain au documentaire. Paris: Flammarion, 2006. e Da-Rin (2004)DA-RIN, Silvio. Espelho partido: tradição e transformação do documentário. Rio de Janeiro: Azougue, 2004.. Especialmente sobre uma discussão entre nacionalidade e imagens de saúde, ver Vignaux (2002)VIGNAUX, Valérie. Femmes et enfants ou le corps de la nation: l’éducation à l’hygiène dans le fonds de la Cinémathèque de la ville de Paris. 1895: Mille huit cent quatre-vingt-quinze, Paris, n. 37, p. 23-43, 2002. ISSN 1960-6176. Disponível em: <http://journals.openedition.org/1895/224> Acesso em: 21 set. 2019. doi: http://dx.doi.org/10.4000/1895.224.
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Referências Bibliográficas

  • BAQUÉ, Dominique. Pour un nouvel art politique: de l’art contemporain au documentaire Paris: Flammarion, 2006.
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Editado por

Editores responsáveis pela publicação: Júlio Pimentel Pinto e Flavio de Campos

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    24 Abr 2019
  • Aceito
    29 Ago 2019
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