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INFORMALIDADE URBANA, CLASSE TRABALHADORA E RAÇA NO RIO DE JANEIRO: A HISTÓRIA DOS CENSOS DE FAVELAS (1948-1960)1 1 Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referidos no artigo.

URBAN INFORMALITY, WORKING CLASS AND RACE IN RIO DE JANEIRO: THE HISTORY OF FAVELA CENSUS (1948-1960)

Resumo

O artigo analisa a história dos censos de favelas no Rio de Janeiro produzidos no âmbito do sistema censitário formado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Ao contrário de analisar os dados estatísticos como transparência do real, compreende-as como uma tecnologia de governo relacionada às políticas públicas e às relações de poder. Os censos de favelas estabeleceram novos parâmetros para representar a pobreza urbana no Brasil. A definição do que seria uma favela a partir de variáveis quantificáveis, a diferenciação entre os “trabalhadores” e os “inativos” e a imaginação da diferença racial negra nas favelas foram temas politizados, tendo grande variação na forma de registro nas primeiras estatísticas. A análise compreende as estatísticas de 1949, 1950 e 1960.

Palavras-chave
Rio de Janeiro; Censos de Favelas; Favelas cariocas; Instituto Brasileiro de Geografa e Estatística; Classe e Raça

Abstract

The article analyzes the history of favela censuses in Rio de Janeiro produced under the census system formed by the Brazilian Institute of Geography and Statistics. In contrast to analyzing statistical data as transparency of the real, it understands them as a technology of government related to public policies and power relations. Favela censuses set new parameters for representing urban poverty in Brazil. The definition of what a favela would be based on quantifiable variables, the differentiation between the “workers” and the “inactive ones” and the imagination of the black racial difference in the favelas were politicized themes, with great variation in the form of registration in the first statistics. The analysis includes the statistics for 1949, 1950 and 1960.

Keywords
Rio de Janeiro; Favelas Census; Favelas cariocas; Brazilian Institute of Geography and Statistics; Class and Race

Os censos de favelas surgiram nas décadas de 1940 e 1950 e estabeleceram uma nova leitura da representação da pobreza urbana no Rio de Janeiro. A formação do substantivo comum favela3 3 A palavra “Favela” surge como nome próprio para nomear áreas de pobreza no final da década de 1890, associada ao Morro da Providência, aonde soldados que retornaram de Canudos foram autorizados a construírem moradias provisórias, mas que já vinha sendo ocupado. Em princípio, trata-se de um termo que não se generalizava para qualquer área de pobreza urbana. Nas primeiras décadas do século XX, aparece “favela” apareceu como substantivo comum de diferentes áreas de pobreza urbana. Cf. ABREU, 1994; VALLADARES, 2005; MATTOS, 2008. nas primeiras décadas do século XX demarcam uma transformação das imagens da pobreza urbana no Rio de Janeiro e no Brasil. Além de ser um índice da desigualdade social e segregação sociourbana na formação do tecido urbano, a imagem da favela progressivamente substituiu a dos cortiços como símbolo da desordem da cidade e da caracterização das classes perigosas no imaginário social (ABREU, 1994ABREU, Maurício de Almeida. Reconstruire une histoire oubliée: Origine e expantion initiale de favelas de Rio de Janeiro. Gênese, nº 18, jun. 1994, p. 45-68.; MACHADO DA SILVA, 2002MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio. A continuidade do “Problema da favela”. In: OLIVEIRA, Lúcia Lippi (Org.). Cidade: história e desafios. Rio de Janeiro: FGV , 2002. p. 221-237.; VALLADARES, 2005VALLADARES, Lícia do Prado. A invenção da favela: do mito de origem à favela.com. Rio de Janeiro: FGV , 2005. ; MATTOS, 2008MATTOS, Romulo Costa. Pelos Pobres! Campanhas pela construção de habitações populares e discursos sobre as favelas na Primeira República. Tese (Doutorado) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2008. ; FISCHER, 2008FISCHER, Brodwyn. A poverty Rights: Citizenship and Inequality in Twentieth-Century Rio de Janeiro. Standford/Califórnia: Standford University Press, 2008.; OLIVEIRA, 2014OLIVEIRA, Samuel Silva Rodrigues de. “Os trabalhadores favelados”: identificação das favelas e movimentos sociais no Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Tese (Doutorado em História, Políticas e Bens Culturais) - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), Programa de Pós-Graduação em História, Políticas e Bens Culturais, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2014.). O surgimento dos censos de favelas foi uma ruptura com essa imaginação social e estabeleceu novos parâmetros para a representação social das favelas.

Os trabalhos de Lícia do Prado Valladares, A invenção das favelas, e de Maria Lais Pereira da Silva, Favelas Cariocas (1930-1964), apontam vários ganhos na análise social das estatísticas das favelas. Ao contrário da representação das classes perigosas, os censos mostravam as articulações complexas do espaço urbano com o mundo do trabalho e a heterogeneidade da morfologia social. Segundo Valladares (2005VALLADARES, Lícia do Prado. A invenção da favela: do mito de origem à favela.com. Rio de Janeiro: FGV , 2005. ), os censos foram um dos vetores da complexificação da representação das favelas, diferenciando-as entre si e internamente. Ao contrário das categorias duais (“legal/ilegal”, “formal/informal”, “ordem/desordem”, “elite/popular”) típicas da mitologia das favelas construída na imprensa e estudos urbanísticos, as estatísticas contribuíam para uma ampliação da leitura da questão social. Silva (2005) também assinalou que os censos mostravam a diversidade da composição social e da morfologia da ocupação urbana, mas também reafirmavam uma homogeneidade, em que “as favelas ganharam importância como representação nacional do ‘problema habitacional’, numa nítida projeção da realidade do Rio de Janeiro para todo país” (SILVA, 2005SILVA, Maria Lais Pereira da. Favelas Cariocas (1930-1964). Rio de Janeiro: Contraponto, 2005., p. 37).

Ainda que os censos de favelas tornem mais complexas as análises da pobreza urbana, eles também são fruto de relações de poder e das lutas pela representação do mundo social. Porém, na história urbana do Rio de Janeiro, é pouco enfatizada a análise das categorias censitárias que se referiam às favelas cariocas na institucionalização do sistema estatístico brasileiro. Entre 1930 e 1960, ocorreu a estruturação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a formação de uma comunidade de produção e debates censitários em escala nacional. Os censos das favelas cariocas relacionam-se a esse processo complexo, que envolve a construção das tecnologias de governo.

Normalmente, as estatísticas de favelas são tomadas como “dados” da realidade. Neste artigo, enfatizaremos que são resultado de lutas construídas entre os agentes censitários e relacionadas à construção das políticas públicas no espaço público (STARR, 1980STARR, Paul. The sociology of official statistics. In: ALONSO, William; STARR, Paul. The politics of numbers. New York: Russel Sage Foudation, 1980. p. 7-57. ; ROSENTÁL-ANDRÉ, 2009; SENRA, 2008aSENRA, Nelson. Pesquisa histórica das estatísticas: temas e fontes. História, ciência e saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2, p. 411-425, abr./jun. 2008a. ISSN 1678-4758. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/hcsm/v15n2/11.pdf . Acesso em: 10 fev. 2021. doi: https://doi.org/10.1590/S0104-59702008000200011.
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; TOPALOV, 1992TOPALOV, Christian. Realistes, nominalistes et convention statistiques. Genèse, Paris, n. 9, p. 114-119, 1992. ). A partir dos censos de favelas de 1949, 1950 e 1960, e dos debates que cercaram as estatísticas do IBGE, o artigo analisa a construção da representação social das favelas. Enfatiza especificamente a maneira como as noções de “irregularidade”/informalidade urbana, “trabalho” e “cor”/raça foram construídas, fixando um debate sobre a subalternidade e a marginalidade social das favelas na formação da sociedade urbana e industrial do Brasil no pós-guerra.

1. Os censos de favelas no sistema estatístico coordenado pelo IBGE, as “lógicas de justificação” e as políticas públicas

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ocupou lugar central na produção das estatísticas brasileiras, tendo sido, a partir da década de 1930, estruturado em uma rede de várias agências distribuídas nas esferas de governo nacional, estadual e municipal, que estavam unidas pelo Conselho Nacional de Geografia e de Estatística e por diversas publicações que circulavam entre os profissionais da área (ALMEIDA, 2000ALMEIDA, Roberto Schimidt. A Geografia e os geógrafos do IBGE no período de 1938-1998. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2000.; SENRA, 2008bSENRA, Nelson. História das Estatísticas Brasileiras (vol.3). Rio de Janeiro: IBGE , 2008b.). Nesse sentido, a produção estatística do IBGE não foi somente aquela ligada ao Serviço Nacional de Recenseamento, mas toda a produção que se vinculou direta e indiretamente ao sistema estatístico então formado por agências instaladas nos municípios e estados e que eram ligadas ao IBGE e ao Conselho Nacional de Geografia4 4 As próprias estatísticas oferecem essa leitura de conjunto, já que fazem referências umas às outras, estabelecendo conceitos e diferenciações. . A formação dessa estrutura nacional possibilitou a retomada da produção das estatísticas brasileiras em 1940 e a regularidade na apresentação e no debate dos dados censitários ao longo do século XX.

Os censos das favelas cariocas traduziam essa longa vinculação entre a estatística e a constituição da soberania e das funções estatais no controle e conhecimento do território. Eles estabeleceram forte relação com a legislação e as atribuições burocráticas ligadas às favelas, na forma como foram definidas no Código de Obras de 1937. Esse regulamento urbanístico estabeleceu juridicamente a distinção entre “bairro” e “favela”, enquadrando esse segundo território como “ilegal” e foco de políticas habitacionais e assistenciais para a remoção do que era visto como símbolo da desordem urbana. Havia um viés autoritário e uma tentativa de fiscalizar e controlar os espaços da pobreza urbana que se expandiam juntamente com o aumento demográfico gerado pela industrialização e migração para o Rio de Janeiro. O Código de Obras de 1937, pela primeira vez, definiu a favela em termos jurídicos, numa norma que foi reiterada por sucessivas legislações até os anos 1970, e fixou um status e uma cidadania restrita para os moradores: eles tiveram sua moradia classificada como ilegal e seu lugar na cidade visto como transitório, como um lugar a ser removido na urbanização (FISCHER, 2006 aFISCHER, Brodwyn. Direitos por lei ou leis por direitos? Pobreza e ambiguidade legal no Estado Novo. In: LARA, Silvia Hunold; MENDONÇA, Joseli Maria Nunes. Direitos e Justiças no Brasil: Ensaios de História Social. Campinas: Unicamp, 2006a. p. 417-457.; GONÇALVES, 2013GONÇALVES, Rafael Soares. Favelas do Rio de Janeiro: História e direito. Rio de Janeiro: Puc-Rio/Pallas, 2013.; OLIVEIRA, 2014OLIVEIRA, Samuel Silva Rodrigues de. “Os trabalhadores favelados”: identificação das favelas e movimentos sociais no Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Tese (Doutorado em História, Políticas e Bens Culturais) - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), Programa de Pós-Graduação em História, Políticas e Bens Culturais, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2014.).

As estatísticas de favelas produziam uma visibilidade numérica e uma reinterpretação das narrativas sobre esse conjunto populacional definido na legislação urbanística. Como os estudos da história das estatísticas têm notado, a demanda por dados censitários guarda diálogo e relação estreita com as classificações jurídicas e administrativas estabelecidas pelo poder público. Os censos objetivam e legitimam as práticas estatais de governança do território e da população, atuando numa “lógica da justificação” das políticas públicas e das práticas de controle do social (TOPALOV, 1992TOPALOV, Christian. Realistes, nominalistes et convention statistiques. Genèse, Paris, n. 9, p. 114-119, 1992. ; SENRA, 2008aSENRA, Nelson. Pesquisa histórica das estatísticas: temas e fontes. História, ciência e saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2, p. 411-425, abr./jun. 2008a. ISSN 1678-4758. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/hcsm/v15n2/11.pdf . Acesso em: 10 fev. 2021. doi: https://doi.org/10.1590/S0104-59702008000200011.
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; ROSENTAL-ANDRÉ, 2009ROSENTAL-ANDRÉ, Paul. Por uma história política das populações. Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 1, n. 1, p. 176-200, jan./jun. 2009. ). Após legislação urbanística que homogeneizava o status das favelas, Victor Tavares Moura realizou um dos primeiros estudos censitários específicos sobre o tema.

Em 1940, o médico Victor Tavares Moura coordenou uma produção censitária para orientar a política de construção de Parques Proletários Provisórios, através da Secretaria de Saúde e Assistência Social da Prefeitura do Distrito Federal (RJ). Durante o Estado Novo (1937-1945), o prefeito Henrique Dodworth (1937-1945) - interventor no município do Rio de Janeiro - promoveu uma série de reformas urbanas (destacando-se a abertura da Avenida Presidente Vargas, da Avenida Brasil e a duplicação do túnel do Leme) e construiu três Parques Proletários (na Gávea, no Caju e na Lagoa Rodrigo de Freitas), visando a remoção das favelas cariocas (MEDEIROS, 2009MEDEIROS, Lídia. Habitação social no Rio de Janeiro: Victor Tavares de Moura e a contribuição da medicina social. In: CARNEIRO, Sandra de Sá; SANT’ANNA, Maria Josefina (Org.). Cidade: olhares e trajetórias. Rio de Janeiro: Garamond/Faperj, 2009. p. 241-293. ; GONÇALVES, 2013GONÇALVES, Rafael Soares. Favelas do Rio de Janeiro: História e direito. Rio de Janeiro: Puc-Rio/Pallas, 2013., p. 128-134). A iniciativa tinha relação com e inspirava-se nas ações do interventor Agamenon Magalhães em Pernambuco, pioneiro na criação a Liga Social contra os Mocambos em Recife em 1939 (PANDOLFI, 1984PANDOLFI, Dulce Chaves. Pernambuco de Agamenon Magalhães: consolidação e crise de uma elite política. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Ed. Massagana, 1984., p. 59-67; FISCHER, 2020FISCHER, Brodwyn. A ética do silêncio racial no contexto urbano: política públicas e desigualdade social no Recife, 1900-1940. Anais do Museu Paulista, São Paulo, vol.28, p.1-45, 2020. ISSN 1982-0267. Disponível em: Disponível em: https://www.revistas.usp.br/anaismp/article/view/156261 . Acesso: 10 feb. 2021. doi: https://doi.org/10.1590/1982-02672020v28d1e15.
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, p. 26-31). Ambas as iniciativas enfocavam as regiões que eram vistas como símbolos da desordem social e da concentração da população negra na cidade. Essas políticas públicas tinham como objetivo o embelezamento urbano e a reforma social que, através das políticas habitacionais e da construção de espaços de moradia e lazer pelo poder público, procuravam alterar o modus vivendi e o cotidiano dos grupos populares para formar o trabalhador nacional.

Em 1948, 1950 e 1960, os censos de favelas continuaram sendo produzidos, só que agora prioritariamente no âmbito das agências integradas ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Diferente daquele produzido por Victor Tavares Moura, tais estatísticas envolviam uma ampla divulgação dos resultados e do debate sobre as políticas públicas de “desfavelamento” articuladas por diferentes agências da Prefeitura do Distrito Federal (RJ) e do governo federal. A ênfase na questão social e nas demandas dos grupos populares, a racialização dos espaços da cidade, e a perspectiva autoritária de oferecer uma pedagogia civilizatória aos marginais sociais na formação do trabalhador nacional mantinham-se no horizonte do debate púbico sobre as políticas urbanas e as estatísticas.

Os primeiros censos de favelas, sob a influência do IBGE, foram produzidos na conjuntura do pós-guerra e nos embates sobre a política urbana no Rio de Janeiro. Diante da politização da questão das favelas, o prefeito Ângelo Mendes de Morais (1947-1951) solicitou ao diretor da seção de estatística do Distrito Federal um trabalho para o esclarecimento do problema das favelas. Dessa demanda, surgiu o inquérito intitulado Censo das Favelas - aspectos Gerais, coordenado pelo engenheiro-geógrafo Major Durval Magalhães Coelho. Ele era membro Conselho Nacional de Geografia, assim como representante do Departamento de Estatística e Geografia do Distrito Federal. Em 1950, o Serviço Nacional de Recenseamento elaborava o censo demográfico brasileiro e, em vista do debate da questão das favelas no Rio de Janeiro, publicou-se um censo especializado sobre o tema, coordenado pelo engenheiro-geógrafo Alberto Passos Guimarães. Em 1960, Rômulo Coelho também se encarregou de coordenar a realização do censo no âmbito do Serviço Nacional de Estatística.

Para os administradores públicos, os censos eram diagnósticos dos problemas das cidades de um ponto de vista “técnico” e não “político”: as estatísticas permitiriam traçar o melhor caminho para a solução dos problemas urbanos e do governo da cidade. Segundo o Major Durval Magalhães Coelho, o censo servia ao desenvolvimento da administração da Capital da República, executando trabalhos básicos, “necessários ao esclarecimento tão objetivo e completo quanto possível da questão, capaz de possibilitar posterior adoção, por parte das autoridades, das medidas mais indicadas para extinguir as favelas ou pelo menos sustar o seu desenvolvimento” (DISTRITO FEDERAL, 1949DISTRITO FEDERAL. Censo de Favelas: aspectos gerais. Rio de Janeiro: Prefeitura do Distrito Federal, 1949. , p. 6). Para Alberto Passos Guimarães, sejam quais “forem os rumos escolhidos para equacionar os problemas surgidos com a proliferação dos núcleos de favelados, o acerto das medidas que possam a ser postas em prática dependerá do melhor conhecimento das características individuais e sociais dessas populações” (GUIMARÃES, 1953GUIMARÃES, Alberto Passos. As favelas do Distrito Federal e o Censo de 1950. Rio de Janeiro: IBGE, 1953. , p. 9-10).

Na elaboração dos censos, partilhava-se o intento de racionalizar a administração estatal. Assim, a produção de estatísticas, mapas e a formulação de categorias de análise do mundo social ligavam-se ao processo de planejamento e burocratização do Estado brasileiro, tentando despersonalizar práticas e rotinas do poder público. O IBGE foi uma dessas instituições voltadas à formação de especialistas e de sistemas de conhecimento e controle que objetivavam a racionalização da ação do Estado. Segundo o IBGE, na Revista Brasileira de Estatística,

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística é uma entidade de natureza federativa, subordinada diretamente à Presidência da República. Tem por fim, mediante a progressiva articulação e cooperação das três ordens administrativas da organização política da República e da iniciativa particular, promover e fazer executar, ou orientar tecnicamente, em regime racionalizado, o levantamento sistemático de todas as estatísticas nacionais, bem como incentivar e coordenar as atividades geográficas dentro do País, no sentido de estabelecer o conhecimento metódico e sistematizado do território brasileiro. Dentro do seu campo de atividades, coordena os diferentes serviços de estatística e de geografia, fixa diretivas, estabelece normas técnicas, faz divulgação, propõe reformas, recebe, analisa e utiliza sugestões, forma especialistas, prepara ambiente favorável às iniciativas necessárias, reclamando, em benefício dos seus objetivos, a colaboração das três órbitas de governo e os esforços conjugados de todos os brasileiros de boa vontade. (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 1951INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Revista Brasileira de Estatística , Ano XII, nº47, jul./set. 1951, p. 3, p. 3)

O IBGE era fruto da reforma administrativa construída na década de 1930 que “aperfeiçoou e diversificou os instrumentos de intervenção do Estado nas diferentes esferas da vida social e política, viabilizando a implementação de um projeto nacional por cima da rivalidade entre as elites” regionais (DINIZ, 1999DINIZ, Eli. Engenharia institucional e políticas públicas: dos conselhos técnicos às câmaras setoriais. In: PANDOLFI, Dulce (org.). O Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1999., p. 250). O objetivo desse projeto era a ruptura com a tradição e com a República oligárquica, visando à eficiência da máquina pública. Na perspectiva do reforço do poder central contra a descentralização da Primeira República, o IBGE exerceu o monopólio da estatística pública e padronizou diversos métodos e práticas censitárias e cartográficas (PENHA, 1993PENHA, Eli Alves. A criação do IBGE no contexto de centralização do Estado Novo. Rio de Janeiro: IBGE , 1993.; ALMEIDA, 2000ALMEIDA, Roberto Schimidt. A Geografia e os geógrafos do IBGE no período de 1938-1998. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2000.; GOMES, 2002GOMES, Ângela de Castro. Através o Brasil: o território e seu povo. In: GOMES, Ângela de Castro; PANDOLFI, Dulce Chaves; ALBERTI, Verena (Org.). A República no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira/CPDOC, 2002. p. 156-190). O conhecimento do território brasileiro submeteu-se a um paradigma de representação controlado pelo Conselho Nacional de Geografia e pelas estratégias do governo da União. Ainda que contasse com uma estrutura federativa, o IBGE era vinculado diretamente à presidência da República. Dessa maneira, periodicamente, para incorporar algumas demandas e normatizar os procedimentos estatísticos e analíticos, realizaram-se consultas aos produtores e usuários de dados censitários (ALMEIDA, 2000ALMEIDA, Roberto Schimidt. A Geografia e os geógrafos do IBGE no período de 1938-1998. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2000., p. 41).

Nesse sentido, os censos de favelas são amostras de como as questões locais de uma cidade interferiam na ordem da demanda e da produção das agências ligadas ao IBGE. Primeiro, indicava a circulação da categoria “favela” como conceito da geografia urbana para pensar a questão habitacional, a informalidade e a pobreza em escala nacional, interferindo na forma como outras situações de informalidade e pobreza urbana eram representadas e imaginadas (SILVA, 2005SILVA, Maria Lais Pereira da. Favelas Cariocas (1930-1964). Rio de Janeiro: Contraponto, 2005., p. 37; OLIVEIRA, 2014OLIVEIRA, Samuel Silva Rodrigues de. “Os trabalhadores favelados”: identificação das favelas e movimentos sociais no Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Tese (Doutorado em História, Políticas e Bens Culturais) - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), Programa de Pós-Graduação em História, Políticas e Bens Culturais, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2014.). Em segundo lugar, o IBGE definiu os critérios para contabilizar a população das favelas. A ficha de coleta do censo do Distrito Federal estabeleceu uma série de critérios para o registro de informações que seria retomada em outros censos. No censo do Serviço Nacional de Estatística de 1950, usou-se a mesma ficha, que foi adaptada ao tempo, ao recurso e às características da população que se desejava enfocar na visão de Alberto Passos. Em 1960, no censo do Estado da Guanabara, observa-se o mesmo diálogo com os critérios observados na coleta da ficha referente ao censo de favelas anterior (DISTRITO FEDERAL, 1949DISTRITO FEDERAL. Censo de Favelas: aspectos gerais. Rio de Janeiro: Prefeitura do Distrito Federal, 1949. ; GUIMARÃES, 1953GUIMARÃES, Alberto Passos. As favelas do Distrito Federal e o Censo de 1950. Rio de Janeiro: IBGE, 1953. ; COELHO, 1970COELHO, Rômulo. As favelas do Estado da Guanabara, segundo o censo de 1960. Revista Brasileira de Estatística, Rio de Janeiro, v.31, p.125-141, n.12, abr./jun. 1970. ).

O conceito estatístico de favela e sua possibilidade de representar a realidade e a estrutura social era um debate em aberto. Desse modo, no censo de 1948 havia incerteza sobre quais habitações e domicílios informais seriam identificados como favela. Qualquer ocupação urbana irregular e ilegal, independente da densidade demográfica seria identificada como uma favela? Como se caracterizava o barracão como tipo de habitação social? Para tentar resolver esse problema, o censo de 1948 identificou os tipos de materiais que serviam à construção dos “casebres” ou “barracos” e o número de pessoas por cômodos nas moradias, mas, ainda assim, permanecia vago quanto à densidade da ocupação de uma área irregular para a caracterização das favelas. Realizado nas últimas semanas de 1947 e nas primeiras de 1948, o censo teria estimado, em princípio, 119 favelas e 280 mil habitantes. Posteriormente, alegando que os recenseadores “tinham natural tendência em exagerar os dados”, o coordenador da pesquisa realizou um ajuste nos números. Com isso, registraram-se 105 favelas e uma população de 138.837, uma drástica modificação que foi criticada por vereadores e pela imprensa (GONÇALVES, 2020GONÇALVES, Rafael. Censos e favelas cariocas: evolução de um conceito censitário. Anais do Museu Paulista, São Paulo, Nova Série, v.28, p.1-30, 2020.).

Em 1950, Alberto Passos Guimarães evitou a definição do tipo de moradia e de seus materiais e optou por uma definição geral da habitação como “rústica” e próxima aos tipos das habitações pobres feitas no meio rural brasileiro. Afirmava que o “barraco não se opõe ao mocambo ou a qualquer tipo de habitação pobre brasileira, por possuir determinadas linhas ou determinada composição exclusiva das favelas” (GUIMARÃES, 1953GUIMARÃES, Alberto Passos. As favelas do Distrito Federal e o Censo de 1950. Rio de Janeiro: IBGE, 1953. , p. 20). Além disso, fixou a densidade de 50 domicílios em terrenos ilegais e sem infraestrutura para classificar uma favela. Assim, tinha-se o objetivo de evitar o senso comum que atribuía a qualquer ocupação rústica do espaço urbano a identificação de uma favela e mostrava-se que as favelas existiam em espaços urbanos para além da ocupação dos morros da cidade.

Contabilizaram-se, então, 58 favelas e 169.305 habitantes: a diferença verificada anteriormente em relação ao número de habitantes e favelas explica-se pela metodologia e pelo fato de o censo de 1948, como foi indicado por Alberto Passos Guimarães, ter sido realizado sem a estrutura mobilizada pelo Serviço Nacional de Estatística, gerando furos na contabilização do número de habitantes em função do longo período de coleta dos dados. As estatísticas coordenadas por ele foram realizadas em apenas um dia - 1 de julho de 1950 - e mobilizava a estrutura e os cuidados metodológicos do Serviço Nacional de Recenseamento que garantiam mais confiabilidade aos números. No censo da Guanabara de 1960, a conceituação de Aberto Passos Guimarães de 50 moradias irregulares em espaços sem infraestrutura foi reproduzida e se tornaria um padrão nacional para a identificação das favelas e das habitações “subnormais” no Brasil (VALLADARES, 2005VALLADARES, Lícia do Prado. A invenção da favela: do mito de origem à favela.com. Rio de Janeiro: FGV , 2005. ; OLIVEIRA, 2014OLIVEIRA, Samuel Silva Rodrigues de. “Os trabalhadores favelados”: identificação das favelas e movimentos sociais no Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Tese (Doutorado em História, Políticas e Bens Culturais) - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), Programa de Pós-Graduação em História, Políticas e Bens Culturais, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2014.; GONÇALVES, 2020GONÇALVES, Rafael. Censos e favelas cariocas: evolução de um conceito censitário. Anais do Museu Paulista, São Paulo, Nova Série, v.28, p.1-30, 2020.).

Tabela 1
Habitantes, domicílios e favelas nos censos do IBGE no Rio de Janeiro5 5 Fonte: DISTRITO FEDERAL, 1949; GUIMARÃES, 1953; IBGE, 1968. * O dado não foi coligido na estatística.

Os serviços estatísticos ligados ao IBGE engendram um paradigma de conhecimento articulado à política pública de desfavelamento. Em torno de tais serviços, formavam-se corpos de especialistas, cuja liderança para efetuar o conhecimento do território das favelas era constituída por engenheiros, os quais eram comprometidos com uma visão exterior à percepção e à experiência dos moradores de favelas, formulando sistemas abstratos de conceituação do território. Entre 1930 e 1960, os técnicos e os quadros do IBGE eram principalmente de engenheiros vindos das Escolas Politécnicas ou do Exército (ALMEIDA, 2000ALMEIDA, Roberto Schimidt. A Geografia e os geógrafos do IBGE no período de 1938-1998. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2000.). O Departamento de Geografia e Estatística era coordenado pelo Major Durval Magalhães Coelho que era militar com formação em engenharia, a mesma de Alberto Passos Guimarães, mas Guimarães se diferenciou em grande medida de outros quadros do IBGE. Ao longo de sua trajetória, escreveu várias obras de Sociologia rural e urbana, investigou a estrutura econômica e social do Brasil, e tornou-se uma referência nas Ciências Sociais - principalmente, no debate travado sobre a questão da reforma agrária e da desigualdade econômica na estrutura social brasileira (MOTTA, 2014MOTTA, Márcia Maria Mendes. O Rural à la gauche. Rio de Janeiro: Eduff/Faperj, 2014.).

A partir dos censos, houve uma polêmica em torno do “desfavelamento” para definir se ocorreria pela construção de conjuntos habitacionais ou pela urbanização. O Major Durval Magalhães Coelho, por exemplo, em 1949, produziu um folheto, intitulado Contribuição para campanha de Extinção das Favelas, no qual indicava a necessidade de construção e venda de conjuntos habitacionais como o melhor meio de solucionar a questão das favelas (COELHO, 1949COELHO, Durval Magalhães. Contribuição para campanha de extinção das favelas. Rio de Janeiro: Prefeitura do Distrito Federal , 1949.). Destruir as favelas e prover habitação “digna” supriria o déficit habitacional e alteraria o habitat dos moradores, favorecendo a recuperação “humana” desse conjunto populacional. Esse folheto foi uma resposta à campanha jornalística intitulada “Batalha do Rio”, série de textos publicados pelo jornalista e político Carlos Lacerda6 6 Carlos Lacerda filiou-se à União Democrática Nacional (UDN) em 1945, elegeu-se para a Câmara Municipal do Rio de Janeiro em 1947, numa votação expressiva, e renunciou ao cargo de vereador num protesto à regulamentação feita pelo governo federal da escolha do prefeito da cidade sem eleição (indicado pelo presidente), e em oposição às restrições na autonomia do legislativo municipal. Destacou-se na oposição liberal ao governo Vargas e ao trabalhismo nos anos 1950, e elegeu-se governador do estado da Guanabara em 1960, liderando uma política de remoção das favelas que ganhou expressão durante a ditadura civil-militar. no jornal Correio da Manhã, entre os meses de maio e julho de 1948, com repercussão em vários outros periódicos do país.

O político udenista usava a imagem das favelas e da pobreza urbana para conclamar uma ação cívica de diferentes atores sociais e da Prefeitura do Rio de Janeiro. Através de um discurso político liberal e católico conservador, sua campanha jornalística mostrava a favela como um problema do “egoísmo” e do “individualismo” da cidade. O prefeito do Rio de Janeiro, general Angelo Mendes de Morais (1947-1951), assim como o major Durval Magalhães Coelho, encabeçaram uma resposta à opinião pública, lançando o “Plano de Extinção de Favelas”. O plano usava metáforas militares e era dividido em três fases: na primeira, realizar-se-ia o estudo estatístico da “Fase Preparatória” para conhecer as favelas; na segunda, seria feita uma “Apreciação dos ‘meios’”; na terceira, a municipalidade desencadearia uma ação final, O “Dia D”, que se prolongaria por um ano. O documento fala em “Dia D+30”, “Dia D+60”, entre outros, num escalonamento progressivo da ação. Seguindo vocabulário e lógica de ação de guerra, o plano realizaria vários “expurgos”, num plano de interdição da vida nas favelas e seleção dos moradores através de várias categorias de exceção e acusatórias. Segundo o “Plano Geral para a Solução das Favelas”, em sua fase final, haveria o “Desencadeamento da Ação” da seguinte forma:

  • A) Iniciadas as providências da letra C, no dia D:

  • a) interdição absoluta da favela nesse dia.

  • b) encaminhamento dos “expurgados”:

  • 1) Amparados pelos institutos de previdência e indústria (Ministério do Trabalho);

  • 2) Entrega à Polícia Civil (vadios, prostitutas, criminosos e exploradores);

  • 3) Fechamento e demolição das “biroscas” (biroscas, botequins cabarés, casas de jogo e de tolerância);

  • 4) Suspensão de pagamento de aluguel por todo e qualquer favelado;

  • 5) Encaminhamento para asilos, institutos, internatos e hospitais dos velhos, crianças, enfermos;

  • 6) Destruição dos casebres abandonados ou desocupados e dos que surjam depois do dia D;

  • 7) Demolição dos que ofereçam perigo, encaminhando-se as famílias para o Albergue e outros destinos;

  • 8) Entrega aos governos estaduais, com transporte e auxílio, aos que desejarem retornar à origem e à lavoura;

  • 9) Encaminhamento dos desempregados que possuam profissão e desejam emprego no Distrito Federal (São Francisco, Siderúrgica e outros);

  • 10) Estrangeiros indesejáveis - Polícia Civil e Ministério do Exterior (PREFEITURA DO DISTRITO FEDERAL, 1948PREFEITURA DO DISTRITO FEDERAL. Problema das Favelas do Distrito Federal. Diário Oficial da União, 15/07/1948. p. 4824-4825., p. 4824-4825)

Essa postura ideológica e política que alinha liberais e conservadores, por outro lado, foi questionada por Alberto Passos Guimarães. Referindo-se a debates ocorridos no Conselho Nacional de Geografia e no espaço público do período, ele colocava a questão: “as favelas devem ser urbanizadas ou simplesmente extintas?” (GUIMARÃES, 1953GUIMARÃES, Alberto Passos. As favelas do Distrito Federal e o Censo de 1950. Rio de Janeiro: IBGE, 1953. , p. 11). Seu argumento era de que a técnica de construção de engenharia estava evoluindo, permitindo a construção e a urbanização de morros e outros espaços encarados como irregulares. Para ele, as “batalhas para extinção das favelas” atendiam aos interesses imobiliários, que desejavam construir nas áreas ocupadas pelos pobres. O “desfavelamento”, então, deveria ocorrer pela urbanização e melhoria da condição de vida nas favelas.

Existe uma ambivalência na posição de Alberto Passos Guimarães, própria do lugar sociopolítico que ocupava: era um técnico do IBGE, mas também um membro do quadro do Partido Comunista do Brasil, chegando a ocupar importante cargo no seu Comitê Central.

Por um lado, seu posicionamento era próximo às intenções declaradas em ações coletivas estabelecidas no campo das esquerdas, mostrando a filiação do autor ao Partido Comunista. Nas eleições de 1947 para os órgãos legislativos, o PCB construiu a maior bancada na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, e um dos primeiros pontos debatidos foi a regularização e urbanização das favelas cariocas. Na década de 1950, os comunistas destacaram-se na construção da União dos Trabalhadores Favelados (UTF), sinalizando uma aliança com as esquerdas trabalhista e socialista na formação de associações de moradores em diversas favelas para lutar contra os despejos coletivos na cidade do Rio de Janeiro (LIMA, 1989LIMA, Nisia Trindade. O movimento de favelas no Rio de Janeiro: políticas do Estado e lutas sociais (1954-1973). Dissertação (Mestrado) - Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1989.; FISCHER, 2008FISCHER, Brodwyn. A poverty Rights: Citizenship and Inequality in Twentieth-Century Rio de Janeiro. Standford/Califórnia: Standford University Press, 2008.; AMOROSO, 2012AMOROSO, Mauro. Caminhos do lembrar: a construção e os usos políticos da memória no Morro do Borel. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Rio de Janeiro, 2012. GONÇALVES, 2013GONÇALVES, Rafael Soares. Favelas do Rio de Janeiro: História e direito. Rio de Janeiro: Puc-Rio/Pallas, 2013.; PESTANA, 2016PESTANA, Marco Marques. A União dos Trabalhadores Favelados e a luta contra o controle negociado das favelas cariocas (1954-1964). Rio de Janeiro: Eduff, 2016.; OLIVEIRA, 2018OLIVEIRA, Samuel Silva Rodrigues de. Associativismo de trabalhadores favelados no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte (1954-1964). Estudos Históricos, v. 31, n. 65, p. 349-368, set.-dez. 2018. ISSN 0103-2186. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/eh/v31n65/2178-1494-eh-31-65-349.pdf . Acesso em: 10 fev. 2021. doi: https://doi.org/10.1590/s2178-14942018000300003.
https://www.scielo.br/pdf/eh/v31n65/2178...
; PANDOLFI & OLIVEIRA, 2019PANDOLFI, Dulce Chaves. Pernambuco de Agamenon Magalhães: consolidação e crise de uma elite política. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Ed. Massagana, 1984.)

Por outro lado, Alberto Passos Guimarães ajudou a constituir uma visão exterior à favela e próxima do tecnicismo que propugnava o desfavelamento com políticas habitacionais e classificando as favelas como marginal e irregular. Nesse período, a produção estatística do IBGE tinha uma fina articulação com a legitimação das políticas públicas (SENRA, 2008aSENRA, Nelson. Pesquisa histórica das estatísticas: temas e fontes. História, ciência e saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2, p. 411-425, abr./jun. 2008a. ISSN 1678-4758. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/hcsm/v15n2/11.pdf . Acesso em: 10 fev. 2021. doi: https://doi.org/10.1590/S0104-59702008000200011.
https://www.scielo.br/pdf/hcsm/v15n2/11....
). Guimarães compôs a identificação do habitat da favela, que se tornaria modelar para a época, coadunando-a com os intentos declarados na legislação e na política pública de extinguir esse espaço físico-moral das cidades. Essas ambiguidades na abordagem do autor podem ser observadas no livro clássico da sociologia urbana: As classes perigosas - banditismo urbano e rural, em que se recuperam pontos e a perspectiva históricas da leitura do espaço urbano, ensaiada nos censos de favelas.

Esse debate constitutivo da lógica de justificação censitária não ficou restrito ao corpo de especialistas ligados à produção do censo. Como analisa Starr (1980STARR, Paul. The sociology of official statistics. In: ALONSO, William; STARR, Paul. The politics of numbers. New York: Russel Sage Foudation, 1980. p. 7-57. ), o significado das estatísticas vincula-se às elites governamentais e políticas públicas que demandam a produção do censo, mas também se liga às apropriações feitas na comunidade política. No período da experiência democrática, as favelas tornaram-se tema presente no espaço público como objeto de debates e discussões de associações moradores de favelas, partidos de direita e esquerda, sindicatos, cineastas, escritores, intelectuais acadêmicos, músicos, bem como outros agentes que se engajaram em problematizar a realidade nacional, tomando o Rio de Janeiro locus para a construção da nacionalidade. Os censos de favelas, direta ou indiretamente, foram refletidos e apropriados nessas intervenções que tratavam da modernização urbano-industrial, sendo visto por grande parte do público como um dado “objetivo”, uma transparência da realidade da cidade e do espaço urbano.

2. Classe e raça na estrutura urbana do Rio de Janeiro

Na narrativa e compreensão das estatísticas, o Rio de Janeiro e o Brasil passavam por uma rápida “revolução industrial”, gerando desequilíbrios em sua estrutura social. A imagem da industrialização e da rápida transformação sugeria que os efeitos do desequilíbrio eram transitórios e se resolveriam com o avanço do desenvolvimento econômico e com a ação planejada do Estado. Contudo, o espaço urbano carioca reproduzia uma estrutura social desigual, marcada pelo modelo segregacionista que também afetou a dinâmica das políticas públicas - distribuídas de forma desigual e sem serem universalizadas. Contrariando as expectativas de “rápida solução” do problema, presente nos censos e em diferentes discursos oficiais da época, as favelas tiveram um aumento superior ao crescimento urbano do Rio de Janeiro entre 1950 e 1960.

As estatísticas que apontavam o crescimento das favelas cariocas seriam problematizadas em discursos internacionais sobre a “cidade latino-americana”. No início dos anos 1960, a circulação do livro Antropologia de la pobreza, de Oscar Lewis (1961LEWIS, Oscar. Antropologia de la pobreza - cinco famílias. Cidade do México: Fondo de Cultura Econômica, 1961.), o encontro Urbanização na América Latina, no Chile, em 1959, e o debate sobre uma teoria da cidade latino-americana em instituições ligadas ao Urbanismo e às Ciências Sociais identificavam a fragmentação do território da cidade, a informalidade urbana e os “pobres”, também identificados como “marginais sociais”, como um “problema” no processo de “explosão urbana” experimentado pelo Terceiro Mundo. Na conjuntura da Guerra Fria, as favelas cariocas, imaginadas e representadas nos censos, eram vistas como uma questão social e política que se coadunavam com a construção da imagem compósita da cidade latino-americana e dos embates sobre a construção do capitalismo e socialismo (GORELIK, 2005GORELIK, Adrián. A produção da “cidade latino-americana”. Tempo Social, São Paulo, v. 17, n. 1, p. 111-133, jun. 2005. ISSN 0103-2070. Disponível em: Disponível em: https://www.revistas.usp.br/ts/article/view/12456 . Acesso em: 10 fev. 2021. doi: https://doi.org/10.1590/S0103-20702005000100005.
https://www.revistas.usp.br/ts/article/v...
; DAVIS, 2006DAVIS, Mike. Planeta Favela. São Paulo: Boitempo, 2006.; BENMERGUI, 2009BENMERGUI, Leandro. The Alliance for Progress and housing policy in Rio de Janeiro and Buenos Aires in the 1960s. Urban History, n. 36, v. 2, p. 303-326, jul. 2009. ISSN 0963-9268. Disponível em: Disponível em: https://www.cambridge.org/core/journals/urban-history/article/alliance-for-progress-and-housing-policy-in-rio-de-janeiro-and-buenos-aires-in-the-1960s/8B80C39DA89D90E581439ADB2561C514 . Acesso em 10 fev. 2021. doi: https://doi.org/10.1017/S0963926809006300.
https://www.cambridge.org/core/journals/...
; BRUM, 2012BRUM, Mário Sérgio Ignácio. Cidade Alta: história, memórias e o estigma de favela num conjunto habitacional do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ponteio, 2012.; OLIVEIRA, 2014OLIVEIRA, Samuel Silva Rodrigues de. “Os trabalhadores favelados”: identificação das favelas e movimentos sociais no Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Tese (Doutorado em História, Políticas e Bens Culturais) - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), Programa de Pós-Graduação em História, Políticas e Bens Culturais, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2014.; GOMES, 2018GOMES, Gabriela. Vivienda social en dictaduras: Actores, discursos, políticas públicas y usos propagandísticos en las Regiones Metropolitanas de Buenos Aires (1966-1983) y Santiago de Chile (1973-1989). Tese (Doutorado) - Facultad de Filosofía y Letras, Universidad de Buenos Aires, Buenos Aires, 2018.) 7 7 Em 1961, o governo dos Estados Unidos lançou a iniciativa internacional “Aliança para o Progresso” na América Latina, visando a conter o comunismo após a Revolução Cubana. O fomento às políticas de habitação e às reformas urbanas eram previstas na iniciativa norte-americana e tinham em vista a imagem da informalidade urbana como um foco para a expansão comunista na “cidade latino-americana”. .

A expansão dos territórios das favelas cariocas era entendida como resultado do processo de migração e inserida na complexificação do mercado de trabalho urbano industrial. Quando se analisa comparativamente os censos de favelas, tem-se um quadro em que os moradores se concentram no trabalho urbano, com pequena parcela que se dedicam à agricultura, pecuária, silvicultura e indústria extrativa (ver Tabela 2). Pode-se questionar da pertinência do uso dessas categorias relativas ao mundo rural, já que representavam menos que 1% da força de trabalho residente nas favelas; todavia, na retórica da marginalidade social, viam-se os moradores de favelas como migrantes, ligados ao habitat rural. O estigma de “rurícola”, o trabalhador “rústico” do interior deslocado de seu ambiente, permaneceu em diferentes registros históricos. Para dar conta do trabalho rural, as categorias foram mantidas no censo de 1948, 1950 e 1960, ainda que outras, tão irrelevantes quanto essa na caracterização da força de trabalho nas favelas, tenham desaparecido.

Em sua maioria, os trabalhadores da favela estavam inseridos na dinâmica do trabalho urbano. Concentravam-se em atividades na indústria de transformação, no comércio de mercadorias, na prestação de serviço e no setor de transportes. Esse grupo reunia uma série de ofícios e profissões diferentes e contabilizava 33,17% da população em geral em 1948, e 47,49% das ocupações remuneradas para a população acima de 10 anos em 1950 e 40,2% em 1960. Destacava-se a concentração da força de trabalho na indústria de transformação e prestação de serviço. Diversos autores apontam a forte relação entre redes de trabalho, migração e parentesco na formação das favelas, e a distribuição da informalidade na construção do espaço urbano por várias zonas da cidade, acompanhando a expansão da indústria e formação de um mercado de trabalho de serviços próximo aos bairros vizinhos (PARISSE, 1969PARISSE, Lucien. Favelas do Rio de Janeiro: Evolução e sentido. Rio de Janeiro: Cenpha, 1969.; SILVA, 2005SILVA, Maria Lais Pereira da. Favelas Cariocas (1930-1964). Rio de Janeiro: Contraponto, 2005.; ABREU, 2010ABREU, Maurício de Almeida. Evolução Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPLANRIO, 2010.; CAVALCANTI & FONTES, 2011CAVALCANTI, Mariana; FONTES, Paulo. Ruínas industriais e memória em uma favela fabril. História Oral, v. 14, n. 1, p. 11-35, jan./jun. 2011.). A maior parte das favelas surgidas na década de 1950 acompanhavam o processo de expansão do tecido urbano nas periferias do centro urbano, na “favelização” dos subúrbios e das áreas de ocupação industrial (SILVA, 2010SILVA, Maria Lais Pereira da. A favela e o subúrbio: associação e dissociações na expansão suburbana da favela. In: FERNANDES, Nelson da Nóbrega; OLIVEIRA, Márcio Piñon de (Org.). 150 anos de subúrbio carioca. Rio de Janeiro: Lamparina/Faperj, 2010. p. 161-187.).

Os censos mostram ainda como era reduzido o segmento dos trabalhadores ligados às profissões liberais, administração pública, comércio de imóveis e seguro, segurança pública e defesa - os setores das “classes médias”. Em 1948, esse segmento era de 2,1% da ocupação da força de trabalho das favelas cariocas; em 1950, era de 1,81% e, em 1960, 1,7%. A baixa participação em ocupações associadas aos setores médios levou à exclusão de duas categorias presentes no censo de 1950, “profissionais liberais” e “comércio de imóveis e valores imobiliários, créditos e seguros”. O primeiro elemento que condiciona a estrutura social e o acesso a profissões médias são os anos de escolarização dos moradores das favelas, que tendiam a serem mais baixos em relação à média dos moradores do Rio de Janeiro.

Tabela 2
Ramos de atividade e trabalho nas favelas cariocas8 8 Fonte: DISTRITO FEDERAL, 1949; GUIMARÃES, 1953; IBGE, 1968. * Não houve trabalhos censitários nesse período ou o dado não foi coligido à estatística.

Como estamos analisando, os censos ofereciam informações sobre a morfologia social das favelas cariocas, mas também eram atravessados pela retórica de mitos e estigmas das favelas. Isso ficava evidente na categoria residual dos “inativos” e na disparidade na forma de contabilizar esse grupo nos anos 1948, 1950 e 1960. A identificação dos “inativos” mostra a ambiguidade do status de trabalhador nas favelas, algo que esteve presente na maior parte das políticas públicas do período, que se preocupavam em realizar uma “depuração” entre os “ativos” - os trabalhadores que seriam recuperáveis por políticas assistenciais e habitacionais - e os “inativos”, que deveriam ser reprimidos e são associados às classes perigosas9 9 Na formação do tecido urbano e da segregação socioespacial do Rio de Janeiro, no início do século XX, Lícia Valladares, Sidney Chalhoub, Andrelino Campos e Rômulo Mattos enfatizam que a “favela” vinculou-se aos estigmas de classe e raça que associava a pobreza urbana às classes perigosas cf. CHALHOUB, 1996; CAMPOS, 2005; VALLADARES, 2005; MATTOS, 2008 .

Em 1949, a pesquisa coordenada pelo major Durval Magalhães Coelho optou por classificar toda a população no cálculo dos vínculos de trabalho. O resultado disso foi que crianças de 0 a 10 anos eram vistas como parte da força de trabalho, levando à maior taxa de contabilização de “inativos”. A imagem construída pelo major mostrava uma clara associação entre favelados e classes perigosas e “marginais” sociais, representando 64,62% da população. Nem a classificação das atividades “mal definidas ou não declaradas”, com diferenciação dos grupos que trabalhavam em “bicos” e profissões informais no mercado de trabalho daqueles que eram identificados como “inativos”, foi realizada no censo.

No censo de 1950, o coordenador da pesquisa, Alberto Passos Guimarães, afirmava que os moradores de favelas eram “trabalhadores”, portanto não eram “marginais”: o número de inativos era de 8,7% da população. Para chegar a esse dado, Guimarães contabilizou os maiores de 10 anos como parte da população ativa, entretanto, separou do número de inativos as pessoas que realizavam “atividades domésticas não remuneradas e atividades discentes” (38,75%) e os indivíduos que tinham “profissões mal definidas ou não declaradas” (0,48%). Essas categorias que possibilitavam distinguir a parcela da população que trabalhava em “bicos”, os “estudantes” e o trabalho doméstico familiar desaparecem em 1960 e, dessa forma, surge a radical diferença entre as informações do censo de 1950 e 1960.

O censo de 1960 retomou maior parte dos critérios definidos em 1950, mas não manteve a diferenciação entre os “inativos” e aqueles que tinham “atividades domésticas não remuneradas e atividades discentes” e as “profissões mal definidas ou não declaradas”. O número de inativos contabilizados subia para 51% da população. Ao ler as análises sobre a produção da estatística no período, não se encontram justificativas para estabelecer o abandono de definições censitárias estabelecidas em 1950, mas tal postura se coadunava com a justificativa da política de assistência social da época, que insistia em recuperar e formar o “trabalhador” nas favelas e depurá-la dos “malandros”. Além disso, o censo de favelas do estado da Guanabara, de 1960, retomava parte das definições de inativos da estatística produzida em 1948.

Ao contrário da imagem difundida de um consenso antirracista em que a noção de raça foi considerada ilegítima nas análises sociais após a derrota do nazismo, as favelas tornaram-se locus de renovação das estereotipias variadas, em que raça e classe atravessavam o debate sobre segregação urbana no Rio de Janeiro. No censo de 1949, o Major Durval Magalhães Coelho elaborou um discurso racista para explicar a prevalência dos “inativos” nas favelas. Ao mostrar a favela como uma exceção à tendência do “progresso de vida” da cidade e da presença da população marginalizada no Rio de Janeiro, apresentava a seguinte argumentação:

O preto, por exemplo, via de regra não soube ou não pode aproveitar a liberdade adquirida e a melhoria econômica que lhe proporcionou o novo ambiente para conquistar bens de consumo capazes de lhe garantirem nível de vida descente. Renasceu-lhe a preguiça atávica, retornou a estagnação que estiola, fundamentalmente distinta do repouso que revigora, ou então e como ele todos os indivíduos de necessidades primitivas, sem amor próprio e sem respeito à própria dignidade, priva-se do essencial à manutenção de um nível descente mas investe somas relativamente elevadas em indumentárias exóticas, na gafieira e nos cordões carnavalescos (DISTRITO FEDERAL, 1949DISTRITO FEDERAL. Censo de Favelas: aspectos gerais. Rio de Janeiro: Prefeitura do Distrito Federal, 1949. , p. 11).

É interessante notar que Major Durval Magalhães Coelho, assim como ocorreu em outros censos de favelas, optou pela designação da “cor”, em lugar de “raça” (ver Tabela 3). A utilização dessa variável foi incorporada ao sistema censitário brasileiro em 1940 e replicada até o ano de 1990. Em vez de evitar a incorporação da noção de “raça”, como foi usual nos censos de 1900 e 1920, com a justificativa da “dissimulação” da autodeclaração por parte dos “mestiços” e com o intento de apresentar uma ideologia do embranquecimento da população, o Estado brasileiro optou por reintroduzir a variável a partir da noção de “cor”. Com esse deslocamento, as estatísticas reconheciam as variações na autodeclaração racial, posteriormente enquadradas em quatro tipos e, ao mesmo tempo, afirmava o Brasil como “paraíso racial” na conjuntura da guerra contra o nazifascismo. A noção de “democracia racial” insistia na diferença do Brasil frente a outros povos, numa formação social que possibilitava a mobilidade pelo assimilacionismo dos não-brancos e pela “mestiçagem”. Essa ideologia ocultava o autoritarismo, as hierarquias e as violências perpetradas na sociedade (PAIXÃO & CANAVARO, 2008PAIXÃO, Marcelo. Censo e demografia: a variável cor ou raça no interior dos sistemas censitários brasileiros. In: PINHO, Osmundo (org.). Raça: novas perspectivas antropológicas. Salvador: ABA/EDUFBA, 2008.; CAMARGO, 2008CAMARGO, Alexandre de Paiva Rio. Aquarela dos números: a questão racial nos censos em perspectiva histórica. In: SENRA, Nelson. História das Estatísticas Brasileiras. vol.3. Rio de Janeiro: IBGE , 2008.; SCHWARCZ, 2013SCHWARCZ, Lilia. Nem preto nem branco muito pelo contrário: cor e raça na sociabilidade brasileira. São Paulo: Cia. das Letras, 2013.; MUNANGA, 2019).

A noção de “cor” não apagava a ideia de raça e nem as hierarquias do racismo. Na interpretação da estatística de favelas em 1949, compreendia-se a prevalência da cor preta (35,7%) e parda (35,88%) nas favelas em contraposição aos censos de 1940 do Rio de Janeiro, quando se registrou a autodeclaração de 71,1% de brancos, 11,31% de pretos e 17,31% de pardos.

À maioria negra das favelas, atribuía-se comportamentos como “preguiça atávica” e “exotismo” da “gafieira” e dos “blocos carnavalescos”, ambos aspectos se coadunavam com uma interpretação culturalista do paradigma da mestiçagem, mas também podiam se relacionar com as noções eugenistas, que não se apagavam com a adoção da categoria “cor”. Além disso, a interpretação de Durval Magalhães e o racismo estrutural associavam a prevalência das cores preta e parda à condição de escravo. Imaginava-se um contínuo temporal entre a abolição/fim da escravidão e a conquista da “liberdade”, em que se reproduzia a subalternidade pela inabilidade do “preto” e sua vinculação à condição de escravizado, essencializando uma identidade social.

O censo de favelas servia para endossar a ideologia do branqueamento pela modernização: rejeitava-se a categoria biológica de raça no paradigma culturalista de interpretação social, mas afirmava-se a hierarquia do branco associado ao progresso urbano-industrial e o “preto” e “pardo” ligado às favelas e ao atraso. Esse regime de representação foi reproduzido na revista O Observador Econômico e Financeiro, um dos veículos de comunicação do debate do desenvolvimentismo e que repercutiu a publicação dos censos de favelas de 1949 e 1950 (OLIVEIRA, 2020OLIVEIRA, Samuel Silva Rodrigues de. A revista O Observador Econômico e Financeiro e as favelas cariocas: fotografia documental e os regimes de representação da pobreza urbana (1942-1953). Revista Maracanan, v. 24, p. 90-114, 2020. ISSN 1807-989X. Disponível em: Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/maracanan/article/view/47923 . Acesso em: 10 feb.2021. Doi: https://doi.org/10.12957/revmar.2020.47923.
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index....
). No censo de 1950, coordenado pelo Serviço Nacional de Estatística, Alberto Passos Guimarães não deixaria de registrar a categoria cor e observar a prevalência de “pretos” e “pardos” na pobreza urbana do Rio de Janeiro. Na sua interpretação, essa prevalência decorria do efeito da migração rural para as cidades

Se considerar o fato observado pelo Professor Motara, em sua análise dos resultados de 1940, de que as atividades extrativas são “o único ramo em que os não brancos constituem a maioria dos ocupados”, pode-se também concluir que, uma vez provada a forte proporção nas favelas de contingentes de deslocados do interior, talvez estes provissem, em maior número, de ocupações rurais do ramo extrativo, do que do agropecuário (GUIMARÃES, 1953GUIMARÃES, Alberto Passos. As favelas do Distrito Federal e o Censo de 1950. Rio de Janeiro: IBGE, 1953. , p. 23).

Em sua análise da estatística das favelas, Alberto Passos cita o professor Giorgio Motara, judeu perseguido pelos fascistas na Itália e imigrado para o Brasil em 1939 que foi contratado como conselheiro do IBGE no censo de 1940, vindo a dirigir o Serviço Nacional de Recenseamento no censo de 1950. Motara teve várias reticências à aplicação da categoria de raça no censo, devido à experiência de extermínio e perseguição dos judeus na conjuntura de expansão do nazifascismo na Segunda Guerra Mundial. Assim como Motara, o coordenador do censo de favelas enfatiza a dificuldade de se recolher a autodeclaração, visto que “preceitos e, mesmo reserva de certos informantes, quanto à declaração expressa de mestiçagem, contribuem para que às vezes as respostas não sejam fidedignas”. Não por outro motivo, registrava-se a porcentagem de pessoas “sem declaração”. Adotava-se também o procedimento de registrar “outras declarações (pardos, mulatos, cafuzos, caboclos, mestiços etc.)” reunindo-as sob “a designação genérica de pardos”, como realizada no censo de 1940.

Através da categoria elástica “pardo”, ocultava-se a polissemia das noções de cor e raça na estrutura social brasileira e afirmava-se a ideologia da mestiçagem. Na sua apropriação de Motara e do censo de 1940, Alberto Passos Guimarães também afirmava a prevalência de pretos e pardos em localidades do interior, empregados em setores “agropecuários e extrativos”; nas favelas, a prevalência de pretos e pardos decorria da presença de migrantes para o Rio de Janeiro em seu processo de urbanização e industrialização. Também afirmava a pouca prevalência de pretos e pardos na posição de “empregador” e em profissões liberais que eram dominadas por brancos, construindo a identificação de um trabalhador nas favelas em “atividades de baixa remuneração”, uma vez que as “posições superiores não são facilmente acessíveis” (GUIMARÃES, 1953GUIMARÃES, Alberto Passos. As favelas do Distrito Federal e o Censo de 1950. Rio de Janeiro: IBGE, 1953. ).

Passos identificava a predominância de pretos e pardos das favelas vinculando-os ao meio rural, na construção das habitações rústicas de “mocambos”, “cafuas” e “casebres de palha” no interior do Brasil, e também reconhecia os limites da mobilidade social dos grupos de migrantes, pois o acesso aos postos de trabalho “superiores” nas cidades era controlado por grupos urbanizados e “brancos”.

Quanto à intepretação da questão da raça, as posições do censo de favelas de 1950 seriam seguidas na estatística de 1960, também coordenada pelo Serviço Nacional do Recenseamento, que afirmava a ideologia da mestiçagem pelo uso da categoria “cor”, interpretada dentro de um paradigma que associava a subalternidade dos migrantes “pretos” e “pardos” numa estrutura social urbana em que as posições mais altas eram controladas por uma maioria de “brancos”.

Tabela 3
População das favelas e “cor”/raça10 10 Fonte: DISTRITO FEDERAL, 1949; GUIMARÃES, 1953; IBGE, 1968. * O dado não coletado na estatística.

Seguindo essa linha de interpretação e discussão da marginalidade social, em que os censos de favelas estão no centro do debate das relações raciais, a pesquisa “O negro no Rio de Janeiro” (1953), de Luís Costa Pinto, afirmava a “linha de cor” como base para uma estrutura urbana carioca. Sendo uma das pesquisas patrocinadas pela Organização das Nações Unidas para Educação e Cultura (Unesco), Costa Pinto rompia com a ideologia da democracia racial: mostrava a segregação social e racial das favelas no processo de modernização do Rio de Janeiro. Ao contrário da ideia de uma modernização que assimilaria trabalhadores numa sociedade mestiça, o sociólogo indicava que a construção de uma sociedade urbano-industrial reproduzia e intensificava os conflitos e preconceitos raciais, confirmando uma “linha de cor” que impedia a ascensão de pretos e pardos (PINTO, 1998PINTO, Luiz de Aguiar Costa. O Negro no Rio de Janeiro: Relações de Raças numa Sociedade em Mudança. 2ª ed. Rio de Janeiro, Editora da UFRJ, 1988. MAIO, 1998MAIO, Marcos Chor. Costa Pinto e a Crítica ao Negro como Espetáculo In: PINTO, Luiz de Aguiar Costa. O Negro no Rio de Janeiro: Relações de Raças numa Sociedade em Mudança. 2ª ed. Rio de Janeiro, Editora da UFRJ, 1998, p. 17-50.).

Os censos de favelas mostravam uma concentração de “pretos” e “pardos” nesses espaços, numa distribuição populacional de 70,5% da população total das favelas em 1949, 66,86% em 1950 e 61,6% em 1960 (ver Tabela 3). O quantitativo da população “de cor” nas favelas era superior à média declarada na cidade do Rio de Janeiro, situando-a como espaço urbano de constituição de um campo negro. Assim, as sociabilidades entre os moradores, suas articulações territoriais e as relações sociais dentro e fora das favelas constituíam um espaço em que se experimentava o racismo, mas se articulavam também experiências de resistência e da negritude11 11 O conceito de campo negro, ou “experiência negra”, foi usado por Andrelino Campos na análise das favelas, e tem sido utilizado por historiadores do pós-abolição, preocupados em incorporar o debate das relações raciais na construção de hierarquias e de valores sócio-políticos no Brasil República. Cf. CAMPOS, 2006. . A retórica da mestiçagem e marginalidade social foi ajustada, contestada e/ou alargada nas diferentes formas de experiência que atravessavam o espaço das favelas cariocas.

A articulação das relações de classe e raça foram um aspecto fundamental desenvolvido nas estatísticas de favelas. Na história do espaço urbano carioca, Andrelino Campos, em Do quilombo à favela (2005), Sidney Chalhoub, em Cidade Febril (1996), Brodway Fischer, no artigo “Partindo a cidade maravilhosa” (2006 b), e tantos outros pesquisadores, têm salientado que a formação do território de um dos maiores portos escravistas e cidade negra do Atlântico foi atravessada pela racialização das relações sociais12 12 Sobre a análises que articulação raça e classe na história da sociabilidade urbana relacionada às favelas cf. CHALHOUB, 1996; FISCHER, 2006 b; CAMPOS, 2005; GIACOMINNI, 2006; MATTOS, 2008. . Os censos de favelas refletiam essa longa vinculação entre raça e classe na cidade, mas respondiam aos critérios normativos e políticos do Estado e debates de especialistas interessados na produção e discussão das estatísticas como instrumento de conhecimento da realidade.

3. Considerações Finais

Este texto mostra a forma como os censos de favelas de 1949, 1950 e 1960 articulavam-se à construção do sistema censitário brasileiro coordenado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e ao debate sobre a política urbana no Rio de Janeiro. Após a definição legal do status jurídico das favelas, a definição de uma tecnologia de governo que justificasse a intervenção e oferecesse bases para imaginar as práticas políticas nesse espaço eram questões estratégicas. O contraponto entre uma política de remoção e de urbanização das favelas, com a ascensão dos movimentos sociais, interferiu no debate público sobre as estatísticas.

Como vimos, os censos mostravam as favelas como parte de classe trabalhadora, identificando os vínculos entre a expansão urbano-industrial do Rio de Janeiro com o crescimento da informalidade urbana. Nem por isso, o estigma de classes perigosas foi apagado nas construções das categorias estatísticas, a definição de quem eram os “inativos” nas favelas foi elemento de grande variação nos censos de 1949, 1950 e 1960. Atrelada a essa discussão, a noção de “cor”/raça e a predominância de “pretos” e “pardos” nas favelas era também tema de disputa, por isso os debates em torno dos censos das favelas cariocas foram centrais na avaliação das relações raciais e do racismo no Brasil, na retórica da democracia racial.

Desse modo, o processo de construção das estatísticas das favelas cariocas estabeleceu uma base para a imaginação da informalidade urbana no Brasil. Na discussão da “marginalidade social” no desenvolvimento urbano-industrial brasileiro, as categorias do sistema censitário IBGE no Rio de Janeiro serviram de base para representar a pobreza urbana em outras capitais e centros urbanos. Elas também foram fundamentais para a construção da noção de “cidade latino-americana” que inspirou cientistas sociais e urbanistas a criticarem o processo de urbanização do terceiro mundo na década de 1960, estabelecendo um debate sobre um novo ciclo de reformas urbanas nesse período.

Além de serem “dados” da realidade que ajudam a complexificar a morfologia social e a imaginação das sociedades modernas, as estatísticas foram fruto de um jogo de forças que colocava em pauta as disputas de poder e a representação da realidade urbana e nacional. Os intelectuais vinculados aos censos de favelas participaram de um debate mais amplo desenvolvido nas lutas políticas da esfera pública e na construção da imaginação da comunidade nacional.

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  • VALLADARES, Lícia do Prado. A invenção da favela: do mito de origem à favela.com. Rio de Janeiro: FGV , 2005.
  • 1
    Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referidos no artigo.
  • 3
    A palavra “Favela” surge como nome próprio para nomear áreas de pobreza no final da década de 1890, associada ao Morro da Providência, aonde soldados que retornaram de Canudos foram autorizados a construírem moradias provisórias, mas que já vinha sendo ocupado. Em princípio, trata-se de um termo que não se generalizava para qualquer área de pobreza urbana. Nas primeiras décadas do século XX, aparece “favela” apareceu como substantivo comum de diferentes áreas de pobreza urbana. Cf. ABREU, 1994ABREU, Maurício de Almeida. Reconstruire une histoire oubliée: Origine e expantion initiale de favelas de Rio de Janeiro. Gênese, nº 18, jun. 1994, p. 45-68.; VALLADARES, 2005VALLADARES, Lícia do Prado. A invenção da favela: do mito de origem à favela.com. Rio de Janeiro: FGV , 2005. ; MATTOS, 2008MATTOS, Romulo Costa. Pelos Pobres! Campanhas pela construção de habitações populares e discursos sobre as favelas na Primeira República. Tese (Doutorado) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2008. .
  • 4
    As próprias estatísticas oferecem essa leitura de conjunto, já que fazem referências umas às outras, estabelecendo conceitos e diferenciações.
  • 5
    Fonte: DISTRITO FEDERAL, 1949DISTRITO FEDERAL. Censo de Favelas: aspectos gerais. Rio de Janeiro: Prefeitura do Distrito Federal, 1949. ; GUIMARÃES, 1953GUIMARÃES, Alberto Passos. As favelas do Distrito Federal e o Censo de 1950. Rio de Janeiro: IBGE, 1953. ; IBGE, 1968INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo demográfico 1960: Favelas do Estado da Guanabara. Rio de Janeiro: FIBGE, 1968. . * O dado não foi coligido na estatística.
  • 6
    Carlos Lacerda filiou-se à União Democrática Nacional (UDN) em 1945, elegeu-se para a Câmara Municipal do Rio de Janeiro em 1947, numa votação expressiva, e renunciou ao cargo de vereador num protesto à regulamentação feita pelo governo federal da escolha do prefeito da cidade sem eleição (indicado pelo presidente), e em oposição às restrições na autonomia do legislativo municipal. Destacou-se na oposição liberal ao governo Vargas e ao trabalhismo nos anos 1950, e elegeu-se governador do estado da Guanabara em 1960, liderando uma política de remoção das favelas que ganhou expressão durante a ditadura civil-militar.
  • 7
    Em 1961, o governo dos Estados Unidos lançou a iniciativa internacional “Aliança para o Progresso” na América Latina, visando a conter o comunismo após a Revolução Cubana. O fomento às políticas de habitação e às reformas urbanas eram previstas na iniciativa norte-americana e tinham em vista a imagem da informalidade urbana como um foco para a expansão comunista na “cidade latino-americana”.
  • 8
    Fonte: DISTRITO FEDERAL, 1949DISTRITO FEDERAL. Censo de Favelas: aspectos gerais. Rio de Janeiro: Prefeitura do Distrito Federal, 1949. ; GUIMARÃES, 1953GUIMARÃES, Alberto Passos. As favelas do Distrito Federal e o Censo de 1950. Rio de Janeiro: IBGE, 1953. ; IBGE, 1968INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo demográfico 1960: Favelas do Estado da Guanabara. Rio de Janeiro: FIBGE, 1968. . * Não houve trabalhos censitários nesse período ou o dado não foi coligido à estatística.
  • 9
    Na formação do tecido urbano e da segregação socioespacial do Rio de Janeiro, no início do século XX, Lícia Valladares, Sidney Chalhoub, Andrelino Campos e Rômulo Mattos enfatizam que a “favela” vinculou-se aos estigmas de classe e raça que associava a pobreza urbana às classes perigosas cf. CHALHOUB, 1996CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.; CAMPOS, 2005CAMPOS, Andrelino. Do quilombo à favela: a produção do “espaço criminalizado” no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.; VALLADARES, 2005VALLADARES, Lícia do Prado. A invenção da favela: do mito de origem à favela.com. Rio de Janeiro: FGV , 2005. ; MATTOS, 2008MATTOS, Romulo Costa. Pelos Pobres! Campanhas pela construção de habitações populares e discursos sobre as favelas na Primeira República. Tese (Doutorado) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2008.
  • 10
    Fonte: DISTRITO FEDERAL, 1949DISTRITO FEDERAL. Censo de Favelas: aspectos gerais. Rio de Janeiro: Prefeitura do Distrito Federal, 1949. ; GUIMARÃES, 1953GUIMARÃES, Alberto Passos. As favelas do Distrito Federal e o Censo de 1950. Rio de Janeiro: IBGE, 1953. ; IBGE, 1968INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo demográfico 1960: Favelas do Estado da Guanabara. Rio de Janeiro: FIBGE, 1968. . * O dado não coletado na estatística.
  • 11
    O conceito de campo negro, ou “experiência negra”, foi usado por Andrelino Campos na análise das favelas, e tem sido utilizado por historiadores do pós-abolição, preocupados em incorporar o debate das relações raciais na construção de hierarquias e de valores sócio-políticos no Brasil República. Cf. CAMPOS, 2006.
  • 12
    Sobre a análises que articulação raça e classe na história da sociabilidade urbana relacionada às favelas cf. CHALHOUB, 1996CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.; FISCHER, 2006 b; CAMPOS, 2005CAMPOS, Andrelino. Do quilombo à favela: a produção do “espaço criminalizado” no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.; GIACOMINNI, 2006GIACOMINNI, Sonia. A Alma da festa: família, etnicidade, e projetos num clube social da zona norte do Rio de Janeiro, o Clube Renascença. Belo Horizonte: UFMG, 2006.; MATTOS, 2008MATTOS, Romulo Costa. Pelos Pobres! Campanhas pela construção de habitações populares e discursos sobre as favelas na Primeira República. Tese (Doutorado) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2008. .

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Editores Responsáveis

Júlio Pimentel Pinto e Flavio de Campos

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    03 Jun 2020
  • Aceito
    19 Jan 2021
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