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DE ALDEIAS A ENGENHOS: AFORAMENTOS EM TERRAS INDÍGENAS NOS CAMPOS DOS GOYTACAZES (1770-1800)1 1 Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo. As autoras participaram conjuntamente de todas as etapas da pesquisa e elaboração do artigo.

FROM VILLAGES TO PLANTATIONS: EMPHYTEUSIS ON INDIGENOUS LANDS IN CAMPOS DOS GOYTACAZES (1770-1800)

Resumo

Nos últimos vinte anos, uma nova geração de investigadores tem se dedicado a discutir as escalas de direitos de propriedades que configuraram a ocupação colonial nas Américas. Desde os estudos produzidos nos anos 1990, as pesquisas têm procurado deslindar a dinâmica de apropriação territorial, a partir de um conceito-chave do direito civil luso-brasileiro. Nesse sentido, o presente artigo analisa o instituto enfitêutico ou os aforamentos das terras, em sua relação com os problemas de percepção da concentração fundiária em Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, em fins do século XVIII. Para tanto, analisa-se o conturbado processo histórico de desparecimento dos direitos dos grupos indígenas sobre aquelas terras e a operacionalização da enfiteuse e seus foros como forma de constituir um direito de propriedade do detentor do domínio direto.

Palavras-chave
Direitos de Propriedade; Enfiteuse; Terras Indígenas; Aldeamentos; História Agrária

Abstract

Over the past twenty years, a new generation of researchers has been dedicated to discussing the scales of property rights that shaped colonial occupation in the Americas. Since the studies produced in the 1990s, research has sought to unravel the dynamics of territorial appropriation, based on a key concept of Luso-Brazilian Civil Law. In this sense, the present article analyzes the institute of emphyteusis in its relation to the perception problems of land concentration in Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, in the late 18th century. For this purpose, we analyze the troubled historical process of the loss of rights suffered by Indigenous groups over those lands as well as the operationalization of the emphyteusis as a way of constituting a property right of the direct domain holder.

Keywords
Property Right; Emphyteusis; Indigenous Lands; Indigenous Villages; Agrarian History

1. Introdução

No relatório que acompanhou o mapa produzido pelo famoso engenheiro cartógrafo do século XVIII, Manoel Martins do Couto Reis, os avanços da agricultura em Campos dos Goytacazes sublinhavam o correlato processo de concentração territorial na região. A agricultura, nas palavras do militar, seria “uma das coisas que mais interessa o bem do Estado”, e naquele distrito teria tido “pouco adiantamento à proporção que deveria ter [...]”; ainda que, sinalizava o autor, todos ali conhecessem “a sua largueza e incomparável fertilidade” (REYS, 1819, p. 55REYS, Manoel Martins Couto. Memória topográphica e histórica sobre os Campos dos Goytacazes. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1819.)4 4 Para além da fonte em si, já publicada, há muitos importantes estudos sobre o Mapa de Couto Reis que merecem ser nomeados. Faz-se necessário pontuar dois recentes trabalhos que avançam no diálogo com a cartografia histórica e com as novas técnicas de georreferenciamento de dados, tomando Campos dos Goytacazes como objeto. Em 2017, Maria Isabel de Jesus Chrysostomo utilizou tais técnicas para comparar duas plantas produzidas entre os séculos XVIII e XIX e analisou as representações das diferentes etapas do processo de conquista. A autora salientou que os mapas funcionaram como “instrumentos técnicos” para dilatar o poder da Coroa e garantir o domínio de terras e indivíduos. No ano seguinte, Gama e Valencia discutiram a importância fundamental do Mapa histórico de Couto Reis, ao ter como base os principais trabalhos sobre Campos dos Goytacazes. Para os autores, ainda que os dados apresentados pelo relatório que acompanha o Mapa sempre tenham sido muito explorados, as análises carecem de um olhar mais apurado sobre o Mapa em si. Para Gama e Valencia, os historiadores carecem de habilidade e de conhecimento necessários para traduzir as informações georreferenciadas no mapa histórico. No artigo, os autores apresentam técnicas atualizadas para garantir o aporte necessário para que a historiografia possa fazer uso dessa fonte, a partir do uso das novas tecnologias disponíveis. Por esta perspectiva, o mapa georreferenciado permite o diálogo com uma enorme quantidade de fontes já levantadas pelos historiadores, permitindo novas janelas de investigação, ainda mais completas. (CHRYSOSTOMO, 2017; GAMA et al, 2018) . Eram muitos os problemas a serem enfrentados para a superação dos entraves na agricultura: faltava a arte aos lavradores, sobrava desprezo no atendimento de seus requerimentos, e, sobretudo, não havia terras (isentas de foros) disponíveis para a acomodação dos lavradores. Os arrendamentos eram onerosos, e havia, ainda, “outras pensões e abusos” (COUTO REIS, p. 55).

Em 1785, em um contexto de discussões acerca da racionalização da agricultura no Império Luso e a correlata produção de riquezas, Couto Reis desnudava as razões pelas quais obstavam-se o avanço e o aumento das atividades agrícolas em Campos. Elas estavam intimamente relacionadas às formas de acesso à propriedade territorial e ao descaso do governo em face aos pleitos dos lavradores locais. Para além de uma percepção clara de que a concentração fundiária era resultado e responsabilidade das grandes famílias ou das ordens religiosas, Couto Reis destrinchava, para os leitores, a dinâmica de pagamento de foros e de arrendamentos e como essa era voltada essencialmente para a obtenção do lucro, sem promover a riqueza agrícola local5 5 Sheila Siqueira de Castro Faria destaca que no século XVIII havia quatro grandes propriedades: a Fazenda do Colégio (antigo domínio dos jesuítas), a Fazenda dos Padres Beneditinos, a Fazenda do Visconde e a Fazenda do Morgado. Todas elas estavam situadas na planície, no lado oposto ao rio Paraíba, onde se localizavam as terras dos Guarulhos (Faria, 1986: 383-385). . Ao expor os altos custos de cobrança —teriam os foros saltado dos fixados 300 réis para pagamentos que versavam em 19.000 réis, chegando mesmo à quantia de 51.200 réis —, Couto Reis chamava a atenção para a discrepância entre o cobrado nas terras do antigo aldeamento de Santo Antônio dos Guarulhos, localizado no lado oposto do rio Paraíba, e o que se praticava na vila de São Salvador. As terras do antigo aldeamento estavam circunscritas em duas léguas quadradas, onde “se edificaram alguns Engenhos pagando um moderado foro” (REYS, 1819, p. 56REYS, Manoel Martins Couto. Memória topográphica e histórica sobre os Campos dos Goytacazes. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1819.). O cartógrafo não explicou, entretanto, a magnitude (ou o mesmo o quantitativo proporcional) relacionada à noção de “alguns Engenhos”, ponto a ser retomado mais adiante.

As reflexões de Couto Reis evidenciavam as angústias de um funcionário régio em meio a uma conjuntura na qual a ilustração portuguesa focava seu olhar para o incremento da produção agrícola, sob a lente da fisiocracia (VOVELLE, 1997VOVELLE, Michel. O Funcionário. In: O Homem no Iluminismo. Lisboa, Editorial Presença, 1997.). Ele despojava, ao mesmo tempo, as contradições dessa mesma conjuntura, na qual a propriedade territorial tornava-se um tema central nos debates. Em 1785, entre tantos assuntos abordados, Couto Reis denunciava duas questões distintas e complementares: os preços abusivos dos foros cobrados pelas famílias poderosas e a realidade de ocupação das terras por engenhos de açúcar, originalmente destinadas ao aldeamento dos indígenas. O eixo norteador era a concentração fundiária em sua relação com os distintos preços cobrados por foros. Em uma nota de rodapé, Reis vai além, chegando mesmo a delatar que “Muitos homens tomaram certa quantidade de terras desta Aldeia com a pensão do foro referido sem mais outro princípio que o de venderem depois a posse por alto preço e fazerem assim a sua negociação” (REYS, 1819, p. 56REYS, Manoel Martins Couto. Memória topográphica e histórica sobre os Campos dos Goytacazes. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1819.)6 6 Referimo-nos à nota n. 161. .

O engenheiro cartógrafo denunciava, ao final do século XVIII, a ação de especulação nas terras destinadas ao aldeamento. Destacava os abusos de indivíduos que avançavam sobre as terras “por pensão do foro”, para posteriormente venderem as posses por preços elevados. De acordo com a legislação portuguesa, aos Aldeamentos Indígenas seria concedida uma sesmaria de terras para promover o sustento de seus indivíduos. Em estudo sobre os grupos sociais e a ocupação dos Campos dos Goytacazes, Márcia Malheiros acompanhou os processos de aldeamento para compreender as mudanças culturais, as construções de fluxos e fronteiras em suas relações com as diferentes agências e atores sociais (Malheiros, 2008MALHEIROS, Márcia. Homens da fronteira: índios e capuchinhos na ocupação dos sertões do leste, do Paraíba ou Goytacazes. Tese de doutorado, PPGH-UFF, Niterói, 2008.). Assim como o presente estudo, Malheiros reconheceu a presença de colonos interessados no potencial econômico, os quais levariam a cabo as contundentes determinações da Metrópole em prol da prosperidade da Colônia. A historiadora, portanto, procurou compreender as ações desses colonos pautadas em um discurso de incrementar a colonização, a agricultura e o comércio como chaves mestras para o desenvolvimento dos aldeamentos no Norte Fluminense.

Todavia, uma questão central ainda se impõe: como era operacionalizado o instituto enfitêutico em Campos dos Goytacazes?

2. Os institutos jurídicos em debate

O aforamento de terras se constituía na possibilidade de repartir os direitos dominiais com o intuito de promover a ocupação e o cultivo de áreas, concentradas nas mãos de poucos senhores. Tal prática era comum na metrópole portuguesa e em vários contextos europeus na Idade Média e no Antigo Regime, implicando formalmente a cessão de uma ou mais parcelas outorgadas a um foreiro. Era ele o responsável pela administração e gestão por meio de um contrato de aforamento, decomposto em dois domínios territoriais. O senhorio possuía, assim, o domínio direto, ao deter os direitos originais sobre as terras concedidas. O foreiro, por sua vez, assumia o domínio útil, a partir do pagamento dos valores devidos, em rações ou dinheiro, por tempo estabelecido em contrato. Mas o que parece simples é, na verdade, um pouco mais complicado (MOTTA & MACHADO, 2017MOTTA, Márcia Maria Menendes; MACHADO, Marina Monteiro. Sobre enfiteuses e outros termos: uma análise sobre os conceitos do universo rural. In: História: Debates e Tendências, v. 14. Passo Fundo: PPGH/UPF, 2017, pp. 261–274.).

A despeito da sua pouca presença na produção historiográfica nacional, o tema da enfiteuse tem sido uma janela de investigação mais vigorosa na historiografia europeia, incluindo a lusa. Ainda que essa temática esteja recorrentemente ancorada nas discussões sobre o direito civil, as reflexões de Margarida Sobral Neto, publicadas em livro em 1997, lançaram luz sobre a conflitualidade entre os poderes dos senhorios, as resistências camponesas e a configuração jurídica dos senhorios monásticos, como o de Santa Cruz de Coimbra (NETO, 1997NETO, Margarida Sobral. Terra e conflito: região de Coimbra, 1700–1834. Viseu: Palimage, 1997.). Inspirada nos estudos inaugurais do português José Manuel Tengarrinha (Tengarrinha, 1994TENGARRINHA, José. Movimentos populares agrários em Portugal (1775–1825). Mem Martins: Europa-América, 1994.) e do francês Albert Silbert (SILBERT, 1972SILBERT, Albert. Do Portugal de Antigo Regime ao Portugal oitocentista. Lisboa: Horizonte Universitário, 1972.), Sobral Neto se manteve convicta de que a “ideia do atraso econômico português de base agrícola veiculado pela historiografia portuguesa não estimulou as investigações no campo da história rural”. Por conseguinte, a sociedade portuguesa tampouco se deu conta de que “o mundo rural, nas diversas épocas históricas, sustentou uma economia de subsistência (...)” e a “terra desempenhou uma função econômica, mas também uma base de prestígio social, de estatuto e de poder” (NETO, 2020NETO, Margarida Sobral. “Entrevista”. In: Revista Maracanan, n. 23, jan.–abr. 2020, pp. 175–183. Disponível em: <https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/maracanan/article/view/47137/32012>.
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index....
).

De todo modo, apesar de não se constituir em um tema central dos investigadores da história moderna portuguesa, a problematização acerca dos institutos jurídicos transplantados para a colônia se tornou uma chave de leitura cada vez mais acionada. Pôde-se dar a conhecer as múltiplas facetas daqueles institutos, expostos em outro lugar, em outro contexto e por interesses nem sempre coincidentes com o “espírito” inaugural da lei; qualquer que seja o significado de tal afirmação. Nesse sentido, o monumental trabalho de Eugénia Rodrigues sobre os prazos em Moçambique adquire uma marca incontornável, ao ter deslindado o emprazamento de terras naquela região, sua reconfiguração enquanto título perpétuo e o papel das mulheres (Rodrigues, 2013RODRIGUES, Eugenia. Portugueses e africanos nos rios de Sena: os prazos da Coroa em Moçambique nos séculos XVI e XVIII. Lisboa: Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 2013.). Os prazos, ao contrário das enfiteuses, iam além da cedência do domínio útil da terra, incluindo aos poucos os direitos de jurisdição sobre as populações africanas (RODRIGUES, 2013, p. 24RODRIGUES, Eugenia. Portugueses e africanos nos rios de Sena: os prazos da Coroa em Moçambique nos séculos XVI e XVIII. Lisboa: Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 2013.). Outrossim, os trabalhos centrados na administração portuguesa durante o Antigo Regime, a partir das marcas interpretativas de António Manuel Hespanha, também nos ajudaram a pensar em institutos jurídicos que atravessaram o Atlântico para fundamentar e “legalizar” a ocupação, como as sesmarias e as enfiteuses (HESPANHA, 1986HESPANHA, António Manuel. Às vésperas do Leviathan: instituições e poder político (Portugal, séc. XVII), v. 1. Lisboa, 1986., 1984HESPANHA, António Manuel. Poder e instituições na Europa do Antigo Regime: coletânea de textos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1984., 1982HESPANHA, António Manuel. História das instituições: épocas medieval e moderna. Coimbra: Livraria Almedina, 1982.). Nesse último caso, merece registro o trabalho de Nuno Monteiro, em especial O crepúsculo dos grandes (Monteiro, 1998MONTEIRO, Nuno Gonçalo. Crepúsculo dos grandes. Lisboa: Editora Imprensa Nacional da Casa da Moeda, 1998.). O autor, nesse livro, estuda as formas de administração dos patrimônios e das rendas da aristocracia portuguesa no final do Antigo Regime e analisa como a dinâmica de concessão de mercês, enquanto remuneração dos serviços à Coroa, se confundia ao agrarismo calcado na produção e no povoamento das terras.

É preciso considerar, no entanto, que os historiadores mais embasados na história agrária já há muito reconhecem o impacto da lógica de mercado e das práticas do capitalismo agrário, destruidoras de feixes de direitos consagrados pelo costume e em constante conflito. Logo, não se trata de retomar a constituição da renda fundiária, a transformação de enfiteuses em arrendamentos, tampouco a “lógica cartesiana de sistemas de deferimentos da herança” (THOMPSON, 1976, p. 357THOMPSON, Edward Palmer. The Grid of Inheritance: A Comment. In: GODOY, Jack; THIRSK, Joan; THOMPSON, Edward Palmer. Family and Inheritance: Rural Society in Western Europe 1200–1800. Cambridge: Cambridge University Press, Past and Present Society, 1976.).

Malgrado o avanço, porém, as palavras de Edward Palmer Thompson ainda se mantêm vivas, em especial em contextos coloniais. Ou seja, passados mais de quarenta anos da divulgação dos estudos de autores thompsonianos sobre as enfiteuses, os arrendamentos e a formação do capitalismo, ainda é possível afirmar que a ampliação da história agrária, tanto no Brasil, quanto em boa parte da produção acadêmica europeia, esteve e está ancorada na problematização da dinâmica do mercado de terras, em face aos registros de costumes e aos direitos consuetudinários7 7 THOMPSON, Edward Palmer, p. 352. Vide, por exemplo, os estudos publicados pela revista História Agrária. Entre outros: CLAVÉRIAS, Belém Moreno. “La ‘rabassa morta`, sus actores y la defensa del carácter enfitéutico, 1740-1850”. Revista Historia Agraria, numero 78, pp. 7-36, agosto de 2019. Para uma análise sobre a apropriação territorial e distintos direitos de propriedade em diversos contextos regionais europeus, vide também GÉRARD Béaur e outros. Property Rights, Land Markets, and Economic Growth. Belgium and Cost: Brepols Publisher, 2013. .

No Brasil, algumas investigações mais recentes têm sinalizado a importância de uma “investigação morfológica” sobre o instituto enfitêutico e sua operacionalização pelas Câmaras Municipais no ordenamento urbano. Os pesquisadores Paula de Abreu, José Lima e Luly Fischer, por exemplo, discerniram o plano de expansão via aforamento na Estrada de Ferro de Bragança, Belém, no século XIX (ABREU et al, 2018ABREU, Paula Vanessa Luz de; LIMA, José Júlio Ferreira; FISCHER, Luly Rodrigues da Cunha. Aforar, arrumar e alinhar: a atuação da Câmara Municipal de Belém na configuração urbano-fundiária da cidade durante o século XIX. In: Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, vol. 26, São Paulo, 3 dez. 2018. (Formato epub). Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1982-02672018v26e29>.
https://doi.org/10.1590/1982-02672018v26...
). Para os autores, naquela região os direitos dos concessionários eram muito similares aos do proprietário “O fato de não obter a propriedade plena da terra não o impediria de destiná-la a quem e como quisesse, devendo apenas consultar o senhorio direto sobre a possibilidade de exercer seu direito de preferência” (Abreu et al, 2018ABREU, Paula Vanessa Luz de; LIMA, José Júlio Ferreira; FISCHER, Luly Rodrigues da Cunha. Aforar, arrumar e alinhar: a atuação da Câmara Municipal de Belém na configuração urbano-fundiária da cidade durante o século XIX. In: Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, vol. 26, São Paulo, 3 dez. 2018. (Formato epub). Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1982-02672018v26e29>.
https://doi.org/10.1590/1982-02672018v26...
). Como desdobramento, os autores reconhecem que a possibilidade de transmitir a terra sempre existiu no regime enfitêutico, mas que o ato de poder legar teria sido “impulsionado” com o aumento destacável do valor de troca. Tal movimento ocorreria “com a emergência do conceito de propriedade privada absoluta, o adensamento dos núcleos urbanos e a consequente escassez de terra urbanizada” (ABREU et al, 2018ABREU, Paula Vanessa Luz de; LIMA, José Júlio Ferreira; FISCHER, Luly Rodrigues da Cunha. Aforar, arrumar e alinhar: a atuação da Câmara Municipal de Belém na configuração urbano-fundiária da cidade durante o século XIX. In: Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, vol. 26, São Paulo, 3 dez. 2018. (Formato epub). Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1982-02672018v26e29>.
https://doi.org/10.1590/1982-02672018v26...
).

A assertiva, no entanto, tem um quê teológico, ao não deslindar com vagar os conflitos fundiários, quando do processo de expansão da ocupação territorial em regiões coloniais. Quem eram os enfiteutas e quais eram as leituras do direito que sustentaram o desdobramento de um domínio útil e direto? A percepção dos contemporâneos sobre ocupações irregulares talvez nos ajude a entender melhor o tema.

Ainda assim, aquele viés também norteou a tese de Tércio Veloso, Terrenos urbanos (Veloso, 2019VELOSO, Tércio Voltani. Terrenos urbanos: os aforamentos da sesmaria da câmara de Vila Rica e a sociedade mineira setecentista (1711–1809). Tese (Doutorado), Ufop, Ouro Preto, 2019.). Ao propor discutir a ideia de propriedade ou a “história social da repartição fundiária urbana” em Vila Rica, bem como as correspondentes modificações no espaço, Veloso se apoiou numa abordagem elementar sobre o instituto de sesmarias. O autor não reconheceu, por exemplo, as várias concepções de direitos de propriedades, desnudadas pelas dinâmicas de ocupação e por distintas leituras sobre o documento de sesmarias, enquanto “título legítimo” (MOTTA, 2012MOTTA, Márcia Maria Menendes. O direito à terra no Brasil: a gestação do conflito (1795–1824). 2ª ed. São Paulo: Alameda, 2012.). Para Veloso, “os preceitos jurídicos e legais de distribuição e repartição das terras no espaço da América portuguesa eram idênticos aos aplicados na metrópole” (Veloso, 2019, p. 48VELOSO, Tércio Voltani. Terrenos urbanos: os aforamentos da sesmaria da câmara de Vila Rica e a sociedade mineira setecentista (1711–1809). Tese (Doutorado), Ufop, Ouro Preto, 2019.). Em outras palavras, tal assertiva contraria os principais estudos sobre o instituto sesmarial no Brasil, como o de Márcia Motta (MOTTA, 2012MOTTA, Márcia Maria Menendes. O direito à terra no Brasil: a gestação do conflito (1795–1824). 2ª ed. São Paulo: Alameda, 2012.) e Carmen Alveal (ALVEAL, 2008ALVEAL, Carmen Margarida Oliveira. Converting Land into Property in the Portuguese Atlantic World, 16th-18th Century. Tese (Doutorado) — Johns Hopkins University, Baltimore, 2008.).

Diante do exposto, se isso é fato, o que a história de Campos dos Goytacazes revelada por Couto Reis pode nos ajudar a desvendar? É o que veremos a seguir.

3. Campos e feixes de direito em disputa

A história da ocupação de Campos dos Goytacazes se confunde com o processo de cessão de direitos de uso da terra. Tal percurso, no entanto, não tinha nada de linear. Ainda no início do século XIX, Saint-Hilaire afirmava que em Campos os “proprietários desses vastos latifúndios” não podiam cultivar todas as suas terras, “arrendavam uma parte delas”, sendo o locatário “obrigado a uma retribuição anual” (SAINT-HILAIRE, 1941: 394SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagens pelo Distrito dos Diamantes e litoral do Brasil com um resumo histórico das revoluções do Brasil, da chegada de d. João VI à América à abdicação de d. Pedro. São Paulo; Rio; Recife; Porto Alegre: Companhia Editora Nacional, 1941.). O viajante francês reconhecia a realidade de “terras alugadas” como forma prioritária de ocupação agrícola. Ao contrário de Couto Reis, décadas antes, Saint-Hilaire não fez qualquer menção às experiências ocorridas em terras destinadas ao aldeamento, outrora concedidas aos grupos indígenas.

Nos anos de 1708 e 1729, respectivamente, foram realizadas duas concessões de terras em sesmarias para o aldeamento de Santo Antônio dos Guarulhos, a partir das premissas do Alvará de 1700, que traçava algumas garantias para promover a catequese e a civilização dos grupos aldeados8 8 Monsenhor Pizarro e Araújo (Memorias históricas do Rio de Janeiro e das províncias annexas, vol. IV, Rio de Janeiro, Imprensa Régia, 1820, p. 22) relata a história do aldeamento dos guarulhos com vagar; seu relato inspira muitos que escreveram depois dele, como o próprio Saint-Hilaire e Aires de Casal. Os dados sobre as concessões de sesmarias, realizadas em 1708 e 1729, com base no Alvará de 1700, podem ser encontrados em: ”1729, Representação dos Índios de Sto. Antônio, acerca da demanda que tinham com os P. da Cia. de Jesus, por causa das terras, que estes tinham conseguido que se lhes dessem em sesmaria, ocultando que pertenciam aos mesmos índios”. AHU, Projeto Resgate. Segundo determinava a normativa a todos os aldeamentos indígenas se deveria conceder uma légua de terras em quadra para o sustento dos índios e religiosos que o compunham. . Nos limites circunscritos dessas sesmarias chegaram a viver mais de 600 indivíduos indígenas, configurando uma realidade de ocupação distinta da que se irá observar no último quartel do setecentos. Eram terras legalmente reconhecidas como pertencentes a esses grupos. Márcia Malheiros defende uma melhor compreensão da conjuntura a partir da observação do Relatório de Couto Reis, de 1785, em conjunto com a chegada dos Capuchinhos, em 1780. Segundo a autora, a vinda dos religiosos seria evidência do interesse em promover a colonização da área, reconhecendo que a missão capuchinha possibilita a entrada e a intensificação colonial. Não deixou de salientar, ademais, o acelerado processo de intrusão dos colonos nas terras da freguesia de Santo Antônio (MALHEIROS, 2008, p. 149-150MALHEIROS, Márcia. Homens da fronteira: índios e capuchinhos na ocupação dos sertões do leste, do Paraíba ou Goytacazes. Tese de doutorado, PPGH-UFF, Niterói, 2008.).

Para melhor compreensão, há que se reconhecer o contexto à luz do Diretório Pombalino, que, embora revogado, norteava os desdobramentos para a política indigenista assumida pela Coroa, a partir de um plano de civilização dos grupos indígenas, através de uma rígida organização do trabalho (ALMEIDA, 1997ALMEIDA, Rita Heloísa de. O Diretório dos Índios: um projeto de “civilização” do século XVIII. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1997.; SAMPAIO, 2011SAMPAIO, Patrícia Maria Melo. Espelhos Partidos: etnia, legislação e desigualdade na Colônia. Manaus: Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2011.). Ancorada na defesa de uma maior secularização dos Aldeamentos, o Diretório promoveu a presença de indivíduos não índios no interior das Aldeias, trazendo o trabalhador indígena para as mais diversas atividades, passando pelas roças comuns, pela agricultura mercantil, coleta de drogas do sertão, no transporte pelos rios, na construção de fortificações, entre outras. Ao estimular os casamentos inter-étnicos ou mistos, reconhecendo os indígenas como vassalos do Rei, promovia-se a presença de colonos nas terras, misturando e confundido cada vez mais os relatos posteriormente registrados nas fontes. Assim, se por um lado não causou estranheza a percepção de que as terras estavam sendo ocupadas por foreiros, por outro, abria-se cada vez mais espaço para ressignificação dos direitos à terra.

Em outras palavras, a presença já rotineira de colonos nas terras indígenas, validadas pela política lusa implementada pelo Diretório, revelava uma progressiva usurpação de direitos sobre as terras, diretamente relacionada à dinâmica de cessão de direitos para foreiros ou enfiteutas. Ao referendar a invisibilidade dos sujeitos indígenas e a consequente negação de seus direitos anteriormente concedidos, os potentados fundamentavam novas noções de direitos de propriedades sobre as terras desejadas (BOURDIEU, 1998BOURDIEU, Pierre. O que falar quer dizer: a economia das trocas linguísticas. Lisboa: Difel, 1998.). Ao publicizar os prejuízos da concentração fundiária em Campos dos Goytacazes, Couto Reis alertava a Coroa de que os aforamentos se desdobravam também sobre as sesmarias concedidas ao aldeamento indígena.

Já há alguns anos, indivíduos autodenominados moradores das margens do rio Paraíba do Sul afirmavam ao vice-rei que a ocupação das terras não se dava por grupos indígenas. Para se autoproclamarem os reais ocupantes, os moradores encaminharam anexo ao pleito um conjunto de pareceres com o intento de deslegitimar os direitos dos grupos originários. Os indígenas passaram então a ser definidos pelo critério da não capacidade produtiva, afirmada a partir de hipotéticas ausências de recursos e escravos, incapazes, portanto, de promover a agricultura, sendo “pouco inclinados ao trabalho”.9 9 ”1772, Rio Paraíba – Aldeia dos Índios de Santo Antônio dos Guarulhos – São Salvador dos Campos dos Goytacazes”. AN-RJ, Notação: BI. 15.572.

Na perspectiva dos moradores suplicantes, os indígenas não estavam preparados para povoar toda a área que possuíam. Acionavam como argumento a seu favor premissas do direito luso, bem como das recentes reflexões da ilustração portuguesa (MOTTA, 2012MOTTA, Márcia Maria Menendes. O direito à terra no Brasil: a gestação do conflito (1795–1824). 2ª ed. São Paulo: Alameda, 2012.; POMBO, 2015POMBO, Nívia. D. Rodrigo de Sousa Coutinho: pensamento e ação político-administrativa no Império Português (1778–1812). São Paulo: Hucitec, 2015.). Afiançam que as terras se encontravam por eles próprios ocupadas, povoadas e cultivadas, havendo, a essa altura, quatro engenhos de açúcar edificados. Ao se intitularam moradores, asseguravam para si a posse das áreas, sem explicar a forma de acesso. Ignoravam, assim, a pretérita concessão régia que validava não apenas a posse, como também a propriedade de outrem. Sem muitas explicações acerca da existência (ou não) de um contrato de enfiteuse, tais indivíduos sublimavam a concessão anterior para solicitar o título de sesmarias a si próprios (MOTTA, 2009; POMBO, 2015POMBO, Nívia. D. Rodrigo de Sousa Coutinho: pensamento e ação político-administrativa no Império Português (1778–1812). São Paulo: Hucitec, 2015.).

O requerimento foi apresentado em tom de denúncia — os grupos indígenas não tinham condições de promover o cultivo e o povoamento. Os suplicantes assumiam em sua defesa as premissas originais do sistema de sesmarias, mais tarde referendado pela Lei da Boa Razão no período mariano, parte do reformismo ilustrado10 10 Sobre o Reformismo Ilustrado Luso, ver: MOTTA, 2009 & POMBO, 2015. . Requisitavam para si, por meio de um título de sesmarias, as sobras — terras não produtivas. Ao afirmarem faltar recursos financeiros e escravos e sobrar preguiça, lançavam mão de um enredo tão antigo quanto recorrente sobre os indígenas, na construção da legitimidade de sua própria ocupação.

No jogo de interpretações sobre o direito de ocupar, salvaguardavam a versão dos denominados moradores, clamando pela adequação e coerência de sua própria posse, em detrimento dos indígenas, que

não podem possuir mais terras que as de duas sesmarias [...] que é muito grande, e está toda ocupada pelos suplicantes que têm povoado a maior parte dela, e já têm fabricado nela quatro engenhos de fazer açúcar e querem que Vossa Excelência lhes conceda para sesmaria os ditos sobejos, de que os suplicantes estão de posse, entre o rio da Paraíba, e o rumo das terras da Aldeia, que são 850 braças do rio ao rumo, com uma légua de comprido, que é na testada da légua da Aldeia se mediu11 11 “1772, Rio Paraíba – Aldeia dos Índios de Santo Antônio dos Guarulhos – São Salvador dos Campos dos Goytacazes“. AN-RJ, Notação: BI. 15.572. [Grifos das autoras]. .

A concentração fundiária se desdobrava na disputa por frações de direitos de propriedades à terra. Assim, ao questionarem a (in)capacidade produtiva dos grupos indígenas, estavam, a rigor, construindo argumentos em defesa dos direitos que pretendiam consagrar. Ao ambicionarem tão somente os chamados sobejos de terras (ou sobras), os suplicantes operavam o princípio do cultivo nos moldes do direito colonial para, na prática, espoliar direitos sobre as terras já concedidas. Ao acionar um pequeno e aparentemente simples jogo de palavras para sustentar certa visão sobre a realidade de ocupação, os querelantes solidificavam uma estratégia de construção de seus próprios direitos.

A negação de direitos aos grupos indígenas ia além de seu desparecimento físico e se sustentava-se argumento da impossibilidade de estes produzirem riquezas nos moldes desejados pela Coroa. Se não era possível ignorar a existência indígena no Norte Fluminense, a estratégia se centrou em operar nas filigranas da lei, acionando o tripé cultivo, povoamento e produção de riquezas. Ao final do século XVIII, as terras do aldeamento dos Guarulhos eram ocupadas por moradores originalmente foreiros, que, por sua vez, não reconheciam os grupos indígenas como seus próprios senhorios. Pouco a pouco construíram uma história de desterritorialização dos nativos. A querela, contudo, era ainda maior, estendendo-se sobre outros grupos sociais que compunham a sociedade campista no final do setecentos.

4. Novos interesses econômicos nos Campos dos Goytacazes

Em maio de 1782, na mesma década em que são publicados o mapa e os escritos de Couto Reis, o mestre de campo José Caetano de Barcelos Coutinho afirmava: A “Aldeia velha chamada dos Guarulhos está quase destituída dos índios seus habitadores; e que nela se acham diferentes moradores estabelecidos com fazendas foreiros aos mesmos índios, os quais estão devendo os foros”12 12 ”1782, HOMENS DE NEGÓCIOS DA VILA DE SÃO SALVADOR DOS CAMPOS, isenção da assistência do dinheiro para o sustento dos índios, Aldeia de Santo de Guarulhos”. AN-RJ, Notação BI.15.545. .

Parte de um parecer que compunha um conjunto documental maior — onde se discutiam os recursos pertencentes aos grupos indígenas, ou a eles devidos —, a afirmativa chama a atenção justamente por expor a presença de foreiros nas terras da Antiga Aldeia. Explicitava-se, assim, o não reconhecimento dos indígenas enquanto senhorios das terras, tanto no campo simbólico quanto no econômico.

Dois outros pareceres elaborados por Manoel Carlos da Silva Gusmão, ouvidor-geral da capitania do Espírito Santo — datados, respectivamente, de julho e setembro de 1782 —, recuperavam o histórico da chegada dos colonos e a relação destes com a presença indígena. O rico texto clarificava não apenas a presença de não indígenas em terras destinadas ao aldeamento, como enfatizava ainda a antiguidade dos aforamentos no local.13 13 As referências às concessões de sesmarias aos grupos indígenas para o aldeamento de Santo Antônio de Guarulhos podem ser verificadas em: AHU_ACL_CU_017, Cx. 154, D. 11675. O ouvidor-geral pontuava que a partir dos aforamentos se passou “a experimentar uma grande decadência dos números”14 14 ”1782, HOMENS DE NEGÓCIOS DA VILA DE SÃO SALVADOR DOS CAMPOS, isenção da assistência do dinheiro para o sustento dos índios, Aldeia de Santo de Guarulhos”. AN-RJ, Notação BI.15.545. . A denúncia ia além. Apresentou que os enfiteutas pagavam foros à Igreja, responsável pela administração dos bens do Aldeamento, mas eram na verdade grandes produtores de açúcar, destacando-se da população campista por possuírem engenhos. A aldeia já contava com habitantes nativos, ocupada por foreiros “com consideráveis fábricas de açúcar, e de outras pessoas intrusas por não haver quem as embaraçasse e pela outra o mais uso dos ditos foros que não se viam aparecer na sua aplicação”15 15 ”1782, HOMENS DE NEGÓCIOS DA VILA DE SÃO SALVADOR DOS CAMPOS, isenção da assistência do dinheiro para o sustento dos índios, Aldeia de Santo de Guarulhos”. AN-RJ, Notação BI.15.545. [Grifos das autoras]. .

A Antiga Aldeia se convertera num conjunto de aforamentos. Tal processo já era razoavelmente conhecido, não somente nas fontes, como no Relatório de Couto Reis, mas também em estudos inaugurais, como o já mencionado trabalho de Márcia Malheiros (Malheiros, 2008, p. 149MALHEIROS, Márcia. Homens da fronteira: índios e capuchinhos na ocupação dos sertões do leste, do Paraíba ou Goytacazes. Tese de doutorado, PPGH-UFF, Niterói, 2008.). O que nos salta aos olhos, porém, é que, ao contrário do que muitas vezes se supôs, nestas fontes, os indivíduos estabelecidos nas terras do espólio de Santo Antônio não apresentam baixa ou nenhuma produção de açúcar, ou mesmo a presença de poucos escravos, tal como defendeu Malheiros. Ao contrário do que muitas vezes se acredita, não eram pequenas e médias propriedades, e sim lócus de expressivas unidades produtivas de açúcar, resultado do cultivo da cana-de-açúcar e da instalação de engenhos. A ocupação, no entanto, se realizava à custa dos “aviltados foros, que se acham devendo os foreiros da Aldeia Velha de Santo Antônio dos Índios Guarulhos, que já não existem na mesma Aldeia: como acho ser certo o que eles alegam, por constar do que vossa mercê me expõe, não existirem já nada”16 16 ”1782, HOMENS DE NEGÓCIOS DA VILA DE SÃO SALVADOR DOS CAMPOS, isenção da assistência do dinheiro para o sustento dos índios, Aldeia de Santo de Guarulhos”. AN-RJ, Notação BI.15.545. .

É preciso reconhecer que havia algumas peculiaridades daquela conjuntura. Inicialmente, a existência do instituto enfitêutico em terras de sesmarias destinadas ao aldeamento de grupos indígenas. A transplantação para a colônia de uma lei originalmente pensada para fazer face à crise alimentar lusa no século XIV, tornar-se-ia um instrumento de colonização no além-mar. Ao arrepio da lei, instituía-se uma concessão coletiva de terras para o aldeamento dos grupos nativos, posteriormente espoliada. Por fim, ao contrário de um senso comum que vincula a denominação de foreiros a grupos de menores recursos, os moradores da Antiga Aldeia eram de fato donos de grandes fortunas, proprietários de importantes engenhos de açúcar. Eram estes últimos, e não os sesmeiros indígenas, os detentores de cabedal.

[...] que os foreiros, e algumas outras pessoas intrusas, que vossa mercê medir se acham com avultadas fábricas de engenhos, e lavouras, de que têm tirado as maiores conveniências, estejam se utilizando de umas terras, meias, como se fossem próprias, sem pagarem os foros de tantos anos a esta parte, que vem a montar em uma grande soma17 17 ”1782, HOMENS DE NEGÓCIOS DA VILA DE SÃO SALVADOR DOS CAMPOS, isenção da assistência do dinheiro para o sustento dos índios, Aldeia de Santo de Guarulhos”. AN-RJ, Notação BI.15.545. .

Dito de outra forma: longe de estarem submetidos à hierarquia de um senhorio, os enfiteutas eram a expressão do poder local. Denunciados como intrusos das terras, eles eram importantes donos de engenhos (FERLINI, 2003FERLINI, Vera Lúcia Amaral. Terra, trabalho e poder: o mundo dos engenhos no Nordeste colonial. São Paulo, Bauru: Edusc. 2003., 1994FERLINI, Vera Lúcia Amaral. Estruturas agrárias e relações de poder em sociedades escravistas: perspectivas de pesquisa e de critérios de organização empresarial no período colonial. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 22, 1994, pp. 35–47.).

Em 25 de julho de 1782, uma “ordem dirigida ao juiz ordinário da vila de São Salvador dos Campos dos Goytacazes” reafirmava que as terras concedidas aos Guarulhos estavam ocupadas por terceiros. Para uma melhor sistematização dessa ocupação, o juiz então determinava

fazer tombar todas as terras pertencentes à extinta Aldeia de Santo Antônio dos Guarulhos por especial ordem e comissão que me foi dada pelo Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Vice-Rei do Estado, e outrossim para fazer demarcar cada um dos sítios que se acham ocupados por diversos foreiros, e demarcar e separar as terras que se acharem devolutas para se poderem aforar a quem ajudar e por elas mais der, e serialmente fazer cobrar todos os foros que se acham vencidos e estão devendo os ditos foreiros18 18 ”1782, HOMENS DE NEGÓCIOS DA VILA DE SÃO SALVADOR DOS CAMPOS, isenção da assistência do dinheiro para o sustento dos índios, Aldeia de Santo de Guarulhos”. AN-RJ, Notação BI.15.545

Os relatos atestavam mais do que a presença dos foreiros em terras destinadas ao aldeamento dos grupos indígenas. Diferentemente do que fora afirmado outrora por alguns autores, as narrativas ressaltavam, sobretudo, o poderio econômico dos foreiros, evidenciando uma estratégia de ignorar os pretéritos direitos de propriedades dos índios19 19 É complicado mensurar a quantidade de foreiros, bem como o nome de cada indivíduo. Até o momento não localizamos os livros de foros, bem como sabemos que muitos contratos não foram redigidos. O documento analisado menciona a existência de livros de cargas e recebimentos de foros, bem como livros de despesa e de contas dos depositários de foros, este último com 346 folhas, rubricado pelo juiz privativo. Há menção também a um livro de Tombo da Aldeia, conservado na Vila de São Salvador, com 146 folhas. . O conjunto de documentos elaborado pelo juiz foi encaminhado para que as autoridades competentes fizessem as cobranças. Havia que se proceder com a demarcação geral do terreno, como norma, para posteriormente “notificar a todos os foreiros que se acham ocupando as terras e sítios da mesma Aldeia para que dentro no termo de quinze dias façam entrega e pagamento dos foros que estiverem vencidos”20 20 ”1782, HOMENS DE NEGÓCIOS DA VILA DE SÃO SALVADOR DOS CAMPOS, isenção da assistência do dinheiro para o sustento dos índios, Aldeia de Santo de Guarulhos”. AN-RJ, Notação BI.15.545. .

As sobreposições de direitos envolvendo disputas entre grupos indígenas, comerciantes locais, interesses dos religiosos e os grupos autoproclamados moradores (por vezes denunciados como foreiros pela própria sociedade campista) ocultavam o elemento central: a terra é um bem não reproduzível pela natureza (Polanyi, 2000POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens da nossa época. Rio de janeiro: Campus, 2000.). Ao sublimarem a responsabilidade sobre o pagamento dos foros aos senhorios indígenas, afirmando-se moradores, esses indivíduos se ancoravam nas premissas da Lei da Boa Razão, legitimando sua ocupação e pleiteando um título de sesmaria, ignorando a concessão anterior realizada aos grupos indígenas.

5. Entre engenhos e aldeamentos: os foreiros nas terras da Antiga Aldeia

É preciso atentar para os dados que desnudam uma conjuntura específica da ocupação do espaço, no centro da qual estavam as terras da Antiga Aldeia. Curiosamente, era esse o local onde se encontrava um grupo economicamente poderoso.

A partir da consulta aos dados arrolados por Couto Reis, Márcia Malheiros afirma que o perfil econômico dos foreiros estabelecidos no sertão da freguesia de Santo Antônio estava atrelado ao que denominou “pequena produção” (MALHEIROS, 2008, p. 150MALHEIROS, Márcia. Homens da fronteira: índios e capuchinhos na ocupação dos sertões do leste, do Paraíba ou Goytacazes. Tese de doutorado, PPGH-UFF, Niterói, 2008.). A autora defende que estes grupos teriam sido prejudicados com a chegada dos denominados “homens de posses”, que resultaram em perdas territoriais para os grupos indígenas, na mesma medida que para os pequenos foreiros e ocupantes das terras. Afirma, por fim, que a relação entre os grupos indígenas e os pequenos ocupantes teria sido menos conflituosa.

Passados tantos anos da defesa do trabalho de Malheiros, hoje é importante não observar os foreiros enquanto um grupo monolítico, quase sempre associados à pobreza. Ao focarmos na experiência de Santo Antônio de Guarulhos percebemos, a partir do conjunto de fontes apresentados e dos dados que arrolaremos a seguir, que esses foreiros eram, na verdade, grupos economicamente expressivos e bastante poderosos. Os foreiros não eram pobres e é razoável supor que também na América Portuguesa, os grandes foreiros ocupavam aquelas terras e as sublocavam para os que tinham sido destituídos de algum direito.

Em documento produzido na última década do século XVIII, o sargento-mor de milícias, Lázaro Cardoso Amado, informava sobre o estado geral do distrito de São Salvador dos Campos dos Goytacazes21 21 Lázaro Cardoso Amado apresenta-se e assina o documento como sargento-mor de milícias do Regimento Castelo Branco. O documento não apresenta a data de produção, sabemos apenas que foi produzido antes de 1800. Foram localizadas duas cópias, com indexações distintas, uma na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e outra no Arquivo Histórico Ultramarino. O documento encontrado na Biblioteca Nacional era dirigido ao príncipe regente, d. João, já o Arquivo Histórico Ultramarino afirma que se dirigia a d. Rodrigo de Souza Coutinho, então secretário de Estado da Marinha e Ultramar. Ainda que apresente essas duas indexações, os dois documentos parecem ser idênticos, tratando-se apenas de cópias. Na BN-RJ faz parte da Coleção Linhares, reafirmando a possibilidade de ter chegado ao Reino por via do ministro d. Rodrigo de Souza Coutinho. . Amado concordava com a interpretação referendada por tantos escritos, de estar diante de um “terreno grande e abençoado”, sugerindo ser essa a região “mais fértil de toda a América Portuguesa”22 22 A carta é assinada sem data; no entanto, apresenta um mapa da população do distrito dos Campos dos Goytacazes de 30 de agosto de 1790, de modo que tomaremos esta data como referência. . Com algum exagero, pontuava que a franca expansão colonial justificava sua hipótese, já que, em 1760, havia apenas dois engenhos naquele lugar, ao passo que, em 1790, contavam-se 308!

Ao contrário de outras capitanias, que concentravam suas produções em um ou poucos gêneros, Campos dos Goytacazes era “capaz, apto e disposto a toda a casta de produções”23 23 AMADO, Lazaro Cardoso. ”Carta destinada ao Príncipe Regente falando sobre o Campo dos Goitacazes”, BNRJ, Documento 42 - I-29,19, 42. . Para além da cana-de-açúcar, havia grande variedade de madeira, riqueza dos pastos para gado cavalar e vacum, cânhamo, linho, pimenta, cravo, açafrão e noz-moscada. O sucesso da produção e da produtividade atrelavam-se aos rios que fertilizavam as terras, com destaque para o Paraíba do Sul, em grande parte navegável24 24 Em sua análise para o século posterior, Sheila Siqueira de Castro Faria salienta a presença da produção cafeeira; a autora destaca, entretanto, que Campos jamais tenha chegado às cifras do Médio Vale do Paraíba (Faria, 1986: 383-385). .

A presença dos grupos indígenas apareceria em três momentos, nenhum deles relacionados à discussão dos aforamentos. Em primeiro lugar, sinalizava que a população contava com mais de 25 mil almas, distribuídas nas seis freguesias campistas. Salientava que a Coroa vinha investindo na “domesticação e catequização dos Índios por meio de missionários virtuosos e hábeis”25 25 AMADO, Lazaro Cardoso. ”Carta destinada ao Príncipe Regente falando sobre o Campo dos Goitacazes”, BNRJ, Documento 42 - I-29,19, 42. . No parágrafo seguinte, referenciava a eficiência das técnicas dos indígenas para a navegação do rio Paraíba do Sul nos pontos com cachoeiras. Após alguns elogios e destaque às potencialidades da região, um alerta nada incomum: a presença de coroados e os perigos por eles representados26 26 AMADO, Lazaro Cardoso. ”Carta destinada ao Príncipe Regente falando sobre o Campo dos Goitacazes”, BNRJ, Documento 42 - I-29,19, 42. .

Para além do discurso da potencialidade e da grandiosidade, Amado alertava para a suposta necessidade de controlar as populações indígenas. Ao contrário de muitos, não sugeria extermínio ou escravização. A proposta indicava domesticação, conversão e aldeamento, tornando-os cúmplices e parte de um projeto para transformar Campos dos Goytacazes em uma região mais lucrativa dento do Império português, em total consonância com o reformismo ilustrado do Antigo Regime27 27 Em estudo anterior, Marina Monteiro Machado reconhece um movimento similar nas preocupações do ministro d. Rodrigo de Souza Coutinho para com o Médio Paraíba, em Valença anos mais tarde. Reconhecemos que o final do século XVIII é marcado por debates da ilustração portuguesa sobre as potencialidades econômicas, a partir da aproximação com as orientações fisiocratas que trazia a agricultura para o centro dos debates. Não por acaso, o fazendeiro José Rodrigues da Cruz apresentava projetos para d. Rodrigo na mesma década que Lázaro Cardoso Amado as fazia ao Príncipe Regente. Sobre a ilustração portuguesa, ver: Pombo, 2013; Machado, 2019; Machado, 2017. .

A recomendação que seguia do Norte Fluminense sugeria ao governo aplicar todos os seus cuidados nos seguintes itens:

  • 1º à Civilização dos povos

  • 2º à Domesticação e catequização dos índios

  • 3º à Plantação, conservação e cultura de todas as plantas e gêneros úteis não só endógenos do país, mas das outras partes do mundo.

  • 4º à o Melhoramento da navegação dos Rios

  • 5º à Formação de um corpo de Milícias para defesa e conservação do País

  • 6º e, Finalmente, a multiplicação dos Gados Vacum, ovelhum e cavalar28 28 AMADO, Lazaro Cardoso. Carta destinada ao Príncipe Regente falando sobre o Campo dos Goitacazes, BNRJ, Documento 42 - I-29,19, 42.

Ao costurar o manejo dos grupos indígenas e o investimento na produção de agricultura e pecuária, o autor percebia na domesticação e catequização dos povos uma etapa na promoção do desenvolvimento econômico almejado. Tal preocupação, certamente, era reflexo das ideias vindas do Reino, parte de um movimento intelectual que fervilhava a Europa. Em Portugal, as ideias ganhavam corpo nos debates travados no seio da Real Academia de Ciências de Lisboa e nas obras publicadas por frei Mariano da Costa Veloso, na Tipografia do Arco do Cego. Já na Colônia, chegavam propostas de melhorias técnicas, racionalização da agricultura e do trabalho, com vias a alcançar o desenvolvimento econômico.

6. Fogos, habitantes e engenhos: a ocupação territorial e a produção de riquezas

Além das reflexões acerca da promoção da agricultura e da racionalização da produção, o documento produzido por Amado é acompanhado de expressivos dados populacionais, muito válidos para a compreensão da região no final do século XVIII29 29 “Mapa da total população do distrito dos Campos dos Goitacazes de que é Mestre de Campo José Caetano de Barcelos Coutinho em 30 de agosto de 1790”. . Em sua análise, a capitania foi dividida em seis freguesias, a saber: São Salvador, São João da Barra, São Gonçalo, Santo Antônio, Nossa Senhora do Desterro e Nossa Senhora das Neves. O cuidadoso levantamento considerava o número de fogos, os habitantes, homens e mulheres, divididos em quatro grupos etários, além dos escravos e escravas — arrolados sem diferenciação etária. Sem pretender esgotar as possibilidades trazidas pela fonte, propomos alguns recortes comparativos possíveis entre as freguesias apresentadas.

Apresentamos inicialmente de uma análise simples, contemplando o número de fogos, depois seguiremos ao total de habitantes e, por fim, ao número de engenhos. Acreditamos que os dados são elucidativos não apenas para compreender a ocupação, mas, sobretudo, a produção de cana-de-açúcar e o poderio econômico dos grupos ali representados. O foco central recai, como se pode imaginar, sobre a freguesia de Santo Antônio e as terras do antigo aldeamento. Antes de nos debruçarmos sobre os dados, cabem algumas notas sobre as freguesias, para que possam ser melhor contextualizadas.

A mais antiga e mais povoada, também considerada por Couto Reis a mais rica, era a freguesia de São Salvador30 30 REYS, Manoel Martins Couto. Memória topográphica e histórica sobre os Campos dos Goytacazes, pp. 99/100. . Localizada às margens do rio Paraíba do Sul, contava com estradas e comércios, disponibilidade de terras para multiplicar fazendas e indústrias, carecendo, no entanto, de madeiras e de campos naturais para o desenvolvimento. A freguesia de São João é a que Couto Reis definia como a mais pobre, com poucos habitantes, consequentemente, menos forças e possibilidades para engrandecer estabelecimentos e comércios. Ainda que fosse a segunda em antiguidade, apresentava extensão territorial limitada, com excelentes campos para criação de gado para produção de carne e de leite.

A freguesia de Santo Antônio é a que nos interessa mais diretamente neste estudo. A quarta em antiguidade, com grandiosa extensão de terreno, cujos limites a norte e a oeste ainda não haviam sido demarcados31 31 REYS, Manoel Martins Couto. Memória topográphica e histórica sobre os Campos dos Goytacazes, p. 102. . A despeito da pequena população, a maior parte das terras está ocupada por engenhos de açúcar e outras lavouras em suas produtivas terras. Não há, nesse trecho do relatório de Couto Reis, qualquer referência à presença indígena ou aos contratos de aforamentos, indicando apenas os engenhos e a Capela do Divino Espírito Santo.

A freguesia de São Gonçalo é a segunda maior em povoado e com menor território, porém, com maiores estabelecimentos por compreender nos seus termos três fazendas grandiosas — incluindo as terras do visconde de Asseca e a antiga Fazenda dos Jesuítas — com muita escravatura, com currais edificados e quantidade expressiva de gado. Por fim, a freguesia de Nossa Senhora das Neves é a mais recente de todas, não tem território com limites certos, os seus habitantes são paupérrimos e poucos em números, além de dispersos32 32 O mapa populacional inclui ainda a freguesia de São João da Barra, bem pequena em números, como veremos, mas que não está na listagem de Couto Reis. Este último, por sua vez, menciona a freguesia de Capivari, sobre a qual não há dados no documento analisado. De certos pequenos detalhes, das filigranas dos documentos, que se constituem a partir da análise específica de cada autor. .

Atentemos para a exposição quantitativa pelo número de fogos33 33 Expressão comum nos registros censitários, fogos consistem em uma designação para domicílio, mas não em sua acepção contemporânea. Para além de definir um espaço, no qual se reúne uma parentela, ou grupo de pessoas ligadas por laços familiares, os fogos se configuram por sua plurifuncionalidade, assumindo uma concepção mais abrangente reconhecendo a organização doméstica junto ao parentesco. Considera-se conjuntamente as funções econômicas e as de procriação (RODARTE et al, 2011). . Não há surpresa do fato de São Salvador concentrar uma maior quantidade de fogos, enquanto Santo Antônio ocupa a quinta posição ou o penúltimo lugar entre as freguesias analisadas. A partir dessa variável, ela não é necessariamente uma freguesia de grande proporção. Mas é preciso ir além para que a discussão em tela desvele a complexidade da ocupação.

Gráfico 1
Número de fogos por freguesia

Fogos se definem a partir da sua constituição enquanto unidade econômica. Eles nos permitem um entendimento que ultrapassa a forma unidimensional, conectando, no mesmo espaço, domicílio, produção e reprodução.

O exame pautado apenas nos dados relativos aos fogos, porém, não é suficiente para compreender a ocupação dessas terras, pois a freguesia de Santo Antônio ganha novos contornos quando observados os totais populacionais. Como podemos verificar, ela salta do quinto para o terceiro lugar em números de população total, ficando atrás, respectivamente, das duas freguesias que apresentavam os números mais expressivos de fogos, São Salvador (a capital) e São Gonçalo, onde se localizavam três das quatro grandes fazendas da região.

Gráfico 2
Número total de habitantes (incluindo indivíduos livres e escravos)

Os engenhos localizados na freguesia de Santo Antônio produziam riquezas a partir de uma outra propriedade, não menos importante: os cativos. Em um cálculo simples, observamos que a média de indivíduos livres por fogos variou entre 2,6 e 5,6, mantendo alguma proximidade. A quantidade de escravos, no entanto, esteve inferior a 1/fogo, em São João da Barra; sendo superior a 15/fogo em Santo Antônio. Em outras palavras, os engenhos eram construídos em terras indígenas usurpadas por moradores, que aqui reconhecemos como os antigos foreiros das terras, com a expressiva alocação de cativos. É digno de registro que, a essa altura, as novas diretrizes apresentadas pelo Diretório Pombalino incentivavam a presença de indivíduos não indígenas no interior dos Aldeamentos, bem como os casamentos mistos, a regulamentação do trabalho e outros aspectos já alinhavados anteriormente.

O fato é que tais premissas conduziam a uma realidade bastante diversa do que se costuma afirmar. Ao observarmos os dados, revela-se a inexistência de inteiração dos grupos e o estabelecimento o estabelecimento de uma nova dinâmica ocupacional, com o a presença dos poderosos senhores de engenhos em terras concedidas ao Aldeamento.

Gráfico 3
Cálculo de habitantes livres e cativos por fogos em cada freguesia

O gráfico acima, elaborado a partir dos dados apresentados por José Caetano Barcelos, estabelece a média de indivíduos para cada fogo, por freguesia34 34 “Mapa da total população do distrito dos Campos dos Goitacazes de que é Mestre de Campo José Caetano de Barcelos Coutinho em 30 de agosto de 1790”. .

Verifica-se certa estabilidade quando observamos as médias de habitantes livres por fogo, o que não se mantém quando atentamos para o número de escravos.

O levantamento de 1790 apontava que Santo Antônio já se destacava pela enorme quantidade de cativos, quando comparada às freguesias de seu entorno. Os fogos eram unidades produtivas dirigidas por foreiros poderosos e abastados. Isso era um fato reiteradamente presente nos diversos relatórios. O que se pretendia encobrir, no entanto, era que aqueles engenhos haviam sido assentados em áreas indígenas, o que permitia que os grandes potentados operassem com as filigranas dos direitos de propriedades para se consagrarem como proprietários e não foreiros das férteis e pretensamente livres áreas da freguesia de Santo Antônio.

As terras do visconde de Asseca não estavam disponíveis, a despeito das querelas que também envolviam os direitos de propriedades nas regiões sob o domínio dessa família (MOTTA, 2012MOTTA, Márcia Maria Menendes. O direito à terra no Brasil: a gestação do conflito (1795–1824). 2ª ed. São Paulo: Alameda, 2012.). Em Santo Antônio, entretanto, a consagração do direito de ocupar legalmente – e, neste caso, excluir os direitos dos demais pela concessão de sesmarias – pressupôs, não a luta entre fazendeiros, mas sim (e antes de tudo) a construção da negação dos direitos dos grupos indígenas, que outrora haviam recebido suas concessões de sesmarias. E isso não era um detalhe.

A cessão de um título sesmarial coletivo, destinada aos indígenas, esbarrava no fato de que a sesmaria, enquanto instituto, era um direito individual acionado, sobretudo, na conjuntura final do século XVIII na Colônia para referendar a propriedade privada individualizada, em meio aos crescentes conflitos pela posse da terra. A premissa desse direito concedido coletivamente acabava por não encontrar respaldo legal que garantisse sua proteção, face ao avanço da fronteira agrícola e das pressões pelos direitos de propriedade em disputa, sendo o espaço da fronteira potencial para a consagração de direitos de propriedade individualizados (LIMERICK, 1987LIMERICK, Patricia Nelson. The Legacy of Conquest: The Unbroken Past of the American West. Nova York: Norton, 1987.).

Gráfico 4
Número de engenhos por freguesia

A freguesia que assumia o penúltimo lugar na escala, quando considerados os números de fogos, torna-se assim a segunda, quando observada em número de engenhos. Santo Antônio se destacava por engenhos e escravaria, tal como afirmado nos pareceres que afiançavam as riquezas desses senhores. As terras da Antiga Aldeia haviam se convertido num importante polo produtivo nos quadros das freguesias campistas no século XVIII. Os foreiros, diferente do que se defendeu anteriormente, eram grupos poderosos, senhores de engenhos, e ainda assim deviam as quantias dos foros aos indígenas, posto que não os reconheciam como portadores de um título legítimo35 35 Referimo-nos aqui a tese de Márcia Malheiros, já mencionada no corpo do texto. Segundo a autora, a presença de pequenos foreiros nos serões provavelmente servia de canal de comunicação entre os índios e o mundo colonial, antes e/ou concomitante a presença de missionários e fazendeiros, tendo sido tanto os grupos indígenas quanto estes pequenos foreiros prejudicados com a chegada de importantes proprietários, a autora destaca Joaquim Vicente dos Reis, comprador da antiga fazenda dos Jesuítas, que segundo Couto Reis estavam localizadas na Freguesia de São Gonçalo, sendo este uma figura central na fundação de São Fidelis, e não na de Santo Antônio, que estamos recortando. Salientamos assim que para as terras do Aldeamento de Santo Antônio de Guarulhos essa realidade não se sustenta, uma vez que, como apresentado pelos dados, não eram pequenos foreiros e sim proprietários de engenhos. (MALHEIROS, 2008, p. 150). .

Os dados compilados por José Caetano de Barcellos Coutinho, o mesmo que emitiu um dos mais expressivos pareceres contrários à concessão de sesmarias para os autodenominados moradores das terras da Antiga Aldeia, explicitava mais uma vez um fato incontornável. O mestre de campo asseverava, desde o início, a espoliação das terras destinadas aos grupos indígenas. O funcionário da Coroa trouxe a nu, reiteradas vezes, a usurpação de direitos a partir da ação dos grupos mobilizados por interesses próprios.

A história observada a partir da relação entre indígenas e foreiros nas terras da Antiga Aldeia dos Guarulhos revela, por fim, a importância dos estudos sobre a construção histórico-social dos direitos de propriedade, elemento fulcral para a compreensão da ocupação colonial, a partir do uso do trabalho escravo, da sublimação de direitos de grupos indígenas e do avanço das fronteiras (MACHADO, 2012). A história social dos direitos de propriedades se confunde e se alimenta, portanto, com a história da experiência nas fronteiras coloniais.

7 – À guisa de conclusão

Ao esquadrinharmos a dinâmica da ocupação na freguesia, desnudando distintos direitos de propriedades, intentamos trazer à luz uma história de espoliação, quase sempre sublimada por estudos globais. Os experimentos da história agrária nos últimos anos têm nos permitido escapar das interpretações apressadas que raramente consideram os institutos jurídicos (enfiteuse, sesmarias) como apenas e tão somente um pormenor.

Há alguns anos, os pesquisadores Rosa Congost, da Catalunha, e o português Rui Santos, vêm ressaltando a importância de análises históricas para descontruir os paradigmas jurídicos, aos quais se resumem a propriedade e os seus direitos. Para os autores, faz-se necessário reconhecer que a conceituação dos direitos de propriedade pela nova economia institucional permanece demasiadamente teológica e centrada em instituições legais e reforçadas pelo Estado (CONGOST et al, 2010CONGOST, Rosa & SANTOS, Rui. Contexts of Property in Europe: The Social Embeddedness of Property Rights in Land in Historical Perspective. European Union, Brepols, 2010.). Por conseguinte, a multiplicação de trabalhos localizados em variadas regiões se torna valioso para melhor compreender os contextos históricos, sociais e culturais, para além da dinâmica da propriedade em apropriações concretas.

Congost defende que para assimilar a história das propriedades é preciso superar os conceitos engessados, sacralizados pelos códigos jurídicos e ancorados pelas noções de progresso e desenvolvimento. Para a autora, é urgente superar a perspectiva de analise que observa e consolida a propriedade-metáfora, definida pelas normas legais, para abarcar a propriedade enquanto uma intervenção construída historicamente. A historiadora denuncia, em suma, a tendência jurisdicista que tende a ver a propriedade como algo perfeitamente moldado e modelado por leis (CONGOST, 2007CONGOST, Rosa. Tierras, Leyes, História – Estudios sobre “La gran obra de la Propriedad”. Barcelona: Editorial Crítica, 2007.).

A nosso ver, os estudos do que se convencionou chamar de História Social das Propriedades têm se colocado como uma chave de leitura que vai além das interpretações que consideram as normas jurídicas como um dado, e não como um jogo de xadrez, onde se operam interpretações discordantes da história de um lugar. Neste sentido, Campos de Goitacazes é mais do que um conjunto de freguesias. A região, é, sem sombra de dúvida, lócus privilegiado para uma reflexão mais densa que vai além das assertivas mais genéricas.

Se, como afirma Giovanni Levi, “La Microhistoria en realidad pone en el centro preguntas sobre el funcionamiento de la racionalidad humana que gobierna los comportamentos” (LEVI, 2018LEVI, Giovanni. “Microhistoria e Historia Global”. Historia Crítica n.° 69 (2018): 21-35, doi: https://doi. org/10.7440/histcrit69.2018.02
https://doi. org/10.7440/histcrit69.2018...
), os estudos em história agrária têm procurado escapar de uma visão linear acerca da constituição da noção de propriedade absoluta e individual. Ao superar sua matriz inaugural, ancorada na história serial, a história agrária tem redimensionado suas reflexões, alimentando-se das investigações que privilegiam a redução de escala para que possamos compreender os fundamentos dos direitos de propriedades e operados em determinado lugar e contexto. Asseveramos, por fim, que Campos de Goitacazes é uma região exemplar, posto que a multiciplidade das experiências locais deslegitima interpretações ancoradas numa visão a-histórica da apropriação territorial em contextos coloniais. É possível captar, ali, com mais vagar, os usos e operacionalização dos institutos jurídicos portugueses e sua reinvenção em contextos coloniais.

  • 1
    Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo. As autoras participaram conjuntamente de todas as etapas da pesquisa e elaboração do artigo.
  • 4
    Para além da fonte em si, já publicada, há muitos importantes estudos sobre o Mapa de Couto Reis que merecem ser nomeados. Faz-se necessário pontuar dois recentes trabalhos que avançam no diálogo com a cartografia histórica e com as novas técnicas de georreferenciamento de dados, tomando Campos dos Goytacazes como objeto. Em 2017, Maria Isabel de Jesus Chrysostomo utilizou tais técnicas para comparar duas plantas produzidas entre os séculos XVIII e XIX e analisou as representações das diferentes etapas do processo de conquista. A autora salientou que os mapas funcionaram como “instrumentos técnicos” para dilatar o poder da Coroa e garantir o domínio de terras e indivíduos. No ano seguinte, Gama e Valencia discutiram a importância fundamental do Mapa histórico de Couto Reis, ao ter como base os principais trabalhos sobre Campos dos Goytacazes. Para os autores, ainda que os dados apresentados pelo relatório que acompanha o Mapa sempre tenham sido muito explorados, as análises carecem de um olhar mais apurado sobre o Mapa em si. Para Gama e Valencia, os historiadores carecem de habilidade e de conhecimento necessários para traduzir as informações georreferenciadas no mapa histórico. No artigo, os autores apresentam técnicas atualizadas para garantir o aporte necessário para que a historiografia possa fazer uso dessa fonte, a partir do uso das novas tecnologias disponíveis. Por esta perspectiva, o mapa georreferenciado permite o diálogo com uma enorme quantidade de fontes já levantadas pelos historiadores, permitindo novas janelas de investigação, ainda mais completas. (CHRYSOSTOMO, 2017CHRYSOSTOMO, Maria Isabel de Jesus. Os rios e pântanos nas primeiras representações cartográficas da vila Campos dos Goytacazes: imaginação geográfica e disputas de poder (final do século XVIII até começos do XIX). Confins (Paris), v. 31, pp. 20–45, 2017.; GAMA et al, 2018GAMA, Mylena Porto da; VILLA, Carlos Eduardo Valencia. Georeferenciación del mapa histórico de Couto Reis de Campos em 1785. Río de Janeiro, a finales del siglo XVIII. Brasil. In: Fronteras de La Historia, v. 23, pp. 82–116, 2018.)
  • 5
    Sheila Siqueira de Castro Faria destaca que no século XVIII havia quatro grandes propriedades: a Fazenda do Colégio (antigo domínio dos jesuítas), a Fazenda dos Padres Beneditinos, a Fazenda do Visconde e a Fazenda do Morgado. Todas elas estavam situadas na planície, no lado oposto ao rio Paraíba, onde se localizavam as terras dos Guarulhos (Faria, 1986: 383-385FARIA, Sheila Siqueira de Castro. Terra e trabalho em Campos dos Goitacazes (1850–1920). Dissertação (Mestrado), Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1986.).
  • 6
    Referimo-nos à nota n. 161.
  • 7
    THOMPSON, Edward Palmer, p. 352. Vide, por exemplo, os estudos publicados pela revista História Agrária. Entre outros: CLAVÉRIAS, Belém Moreno. “La ‘rabassa morta`, sus actores y la defensa del carácter enfitéutico, 1740-1850”. Revista Historia Agraria, numero 78, pp. 7-36, agosto de 2019. Para uma análise sobre a apropriação territorial e distintos direitos de propriedade em diversos contextos regionais europeus, vide também GÉRARD Béaur e outros. Property Rights, Land Markets, and Economic Growth. Belgium and Cost: Brepols Publisher, 2013.
  • 8
    Monsenhor Pizarro e Araújo (Memorias históricas do Rio de Janeiro e das províncias annexas, vol. IV, Rio de Janeiro, Imprensa Régia, 1820, p. 22) relata a história do aldeamento dos guarulhos com vagar; seu relato inspira muitos que escreveram depois dele, como o próprio Saint-Hilaire e Aires de Casal. Os dados sobre as concessões de sesmarias, realizadas em 1708 e 1729, com base no Alvará de 1700, podem ser encontrados em: ”1729, Representação dos Índios de Sto. Antônio, acerca da demanda que tinham com os P. da Cia. de Jesus, por causa das terras, que estes tinham conseguido que se lhes dessem em sesmaria, ocultando que pertenciam aos mesmos índios”. AHU, Projeto Resgate. Segundo determinava a normativa a todos os aldeamentos indígenas se deveria conceder uma légua de terras em quadra para o sustento dos índios e religiosos que o compunham.
  • 9
    ”1772, Rio Paraíba – Aldeia dos Índios de Santo Antônio dos Guarulhos – São Salvador dos Campos dos Goytacazes”. AN-RJ, Notação: BI. 15.572.
  • 10
    Sobre o Reformismo Ilustrado Luso, ver: MOTTA, 2009 & POMBO, 2015POMBO, Nívia. D. Rodrigo de Sousa Coutinho: pensamento e ação político-administrativa no Império Português (1778–1812). São Paulo: Hucitec, 2015..
  • 11
    “1772, Rio Paraíba – Aldeia dos Índios de Santo Antônio dos Guarulhos – São Salvador dos Campos dos Goytacazes“. AN-RJ, Notação: BI. 15.572. [Grifos das autoras].
  • 12
    ”1782, HOMENS DE NEGÓCIOS DA VILA DE SÃO SALVADOR DOS CAMPOS, isenção da assistência do dinheiro para o sustento dos índios, Aldeia de Santo de Guarulhos”. AN-RJ, Notação BI.15.545.
  • 13
    As referências às concessões de sesmarias aos grupos indígenas para o aldeamento de Santo Antônio de Guarulhos podem ser verificadas em: AHU_ACL_CU_017, Cx. 154, D. 11675.
  • 14
    ”1782, HOMENS DE NEGÓCIOS DA VILA DE SÃO SALVADOR DOS CAMPOS, isenção da assistência do dinheiro para o sustento dos índios, Aldeia de Santo de Guarulhos”. AN-RJ, Notação BI.15.545.
  • 15
    ”1782, HOMENS DE NEGÓCIOS DA VILA DE SÃO SALVADOR DOS CAMPOS, isenção da assistência do dinheiro para o sustento dos índios, Aldeia de Santo de Guarulhos”. AN-RJ, Notação BI.15.545. [Grifos das autoras].
  • 16
    ”1782, HOMENS DE NEGÓCIOS DA VILA DE SÃO SALVADOR DOS CAMPOS, isenção da assistência do dinheiro para o sustento dos índios, Aldeia de Santo de Guarulhos”. AN-RJ, Notação BI.15.545.
  • 17
    ”1782, HOMENS DE NEGÓCIOS DA VILA DE SÃO SALVADOR DOS CAMPOS, isenção da assistência do dinheiro para o sustento dos índios, Aldeia de Santo de Guarulhos”. AN-RJ, Notação BI.15.545.
  • 18
    ”1782, HOMENS DE NEGÓCIOS DA VILA DE SÃO SALVADOR DOS CAMPOS, isenção da assistência do dinheiro para o sustento dos índios, Aldeia de Santo de Guarulhos”. AN-RJ, Notação BI.15.545
  • 19
    É complicado mensurar a quantidade de foreiros, bem como o nome de cada indivíduo. Até o momento não localizamos os livros de foros, bem como sabemos que muitos contratos não foram redigidos. O documento analisado menciona a existência de livros de cargas e recebimentos de foros, bem como livros de despesa e de contas dos depositários de foros, este último com 346 folhas, rubricado pelo juiz privativo. Há menção também a um livro de Tombo da Aldeia, conservado na Vila de São Salvador, com 146 folhas.
  • 20
    ”1782, HOMENS DE NEGÓCIOS DA VILA DE SÃO SALVADOR DOS CAMPOS, isenção da assistência do dinheiro para o sustento dos índios, Aldeia de Santo de Guarulhos”. AN-RJ, Notação BI.15.545.
  • 21
    Lázaro Cardoso Amado apresenta-se e assina o documento como sargento-mor de milícias do Regimento Castelo Branco. O documento não apresenta a data de produção, sabemos apenas que foi produzido antes de 1800. Foram localizadas duas cópias, com indexações distintas, uma na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e outra no Arquivo Histórico Ultramarino. O documento encontrado na Biblioteca Nacional era dirigido ao príncipe regente, d. João, já o Arquivo Histórico Ultramarino afirma que se dirigia a d. Rodrigo de Souza Coutinho, então secretário de Estado da Marinha e Ultramar. Ainda que apresente essas duas indexações, os dois documentos parecem ser idênticos, tratando-se apenas de cópias. Na BN-RJ faz parte da Coleção Linhares, reafirmando a possibilidade de ter chegado ao Reino por via do ministro d. Rodrigo de Souza Coutinho.
  • 22
    A carta é assinada sem data; no entanto, apresenta um mapa da população do distrito dos Campos dos Goytacazes de 30 de agosto de 1790, de modo que tomaremos esta data como referência.
  • 23
    AMADO, Lazaro Cardoso. ”Carta destinada ao Príncipe Regente falando sobre o Campo dos Goitacazes”, BNRJ, Documento 42 - I-29,19, 42AMADO, Lazaro Cardoso. “Carta destinada ao Príncipe Regente falando sobre o Campo dos Goitacazes”. BNRJ, Documento 42 - I-29,19, 42..
  • 24
    Em sua análise para o século posterior, Sheila Siqueira de Castro Faria salienta a presença da produção cafeeira; a autora destaca, entretanto, que Campos jamais tenha chegado às cifras do Médio Vale do Paraíba (Faria, 1986: 383-385FARIA, Sheila Siqueira de Castro. Terra e trabalho em Campos dos Goitacazes (1850–1920). Dissertação (Mestrado), Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1986.).
  • 25
    AMADO, Lazaro Cardoso. ”Carta destinada ao Príncipe Regente falando sobre o Campo dos Goitacazes”, BNRJ, Documento 42 - I-29,19, 42.
  • 26
    AMADO, Lazaro Cardoso. ”Carta destinada ao Príncipe Regente falando sobre o Campo dos Goitacazes”, BNRJ, Documento 42 - I-29,19, 42.
  • 27
    Em estudo anterior, Marina Monteiro Machado reconhece um movimento similar nas preocupações do ministro d. Rodrigo de Souza Coutinho para com o Médio Paraíba, em Valença anos mais tarde. Reconhecemos que o final do século XVIII é marcado por debates da ilustração portuguesa sobre as potencialidades econômicas, a partir da aproximação com as orientações fisiocratas que trazia a agricultura para o centro dos debates. Não por acaso, o fazendeiro José Rodrigues da Cruz apresentava projetos para d. Rodrigo na mesma década que Lázaro Cardoso Amado as fazia ao Príncipe Regente. Sobre a ilustração portuguesa, ver: Pombo, 2013POMBO, Nívia. O Palácio de Queluz e o mundo ultramarino: circuitos ilustrados. Portugal, Brasil e Angola, 1796–1803. Tese (Doutorado), Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2013.; Machado, 2019MACHADO, Marina Monteiro. Expansão de fronteiras e de projetos para os sertões fluminenses: posse e propriedade nos séculos XVIII e XIX. In: Revista do Instituto Histórico e Geographico Brazileiro, pp. 247–258, 2019.; Machado, 2017MACHADO, Marina Monteiro. O ministro e o fazendeiro nos debates sobre as sesmarias em fins do setecentos. In: MOTTA, Márcia; PICCOLO, Monica. (Orgs.). O domínio do outrem: posse e propriedade na Era Moderna (Portugal e Brasil), vol. 1. São Luís; Guimarães: Eduema; Nósporcátudobem, 2017, v.01, pp. 142–163..
  • 28
    AMADO, Lazaro Cardoso. Carta destinada ao Príncipe Regente falando sobre o Campo dos Goitacazes, BNRJ, Documento 42 - I-29,19, 42.
  • 29
    “Mapa da total população do distrito dos Campos dos Goitacazes de que é Mestre de Campo José Caetano de Barcelos Coutinho em 30 de agosto de 1790”“Mapa da total população do Distrito dos Campos dos Goitacazes de que é Mestre de Campo José Caetano de Barcelos Coutinho em 30 de agosto de 1790”. BNRJ, Documento 42 - I-29,19, 42..
  • 30
    REYS, Manoel Martins Couto. Memória topográphica e histórica sobre os Campos dos Goytacazes, pp. 99/100.
  • 31
    REYS, Manoel Martins Couto. Memória topográphica e histórica sobre os Campos dos Goytacazes, p. 102.
  • 32
    O mapa populacional inclui ainda a freguesia de São João da Barra, bem pequena em números, como veremos, mas que não está na listagem de Couto Reis. Este último, por sua vez, menciona a freguesia de Capivari, sobre a qual não há dados no documento analisado. De certos pequenos detalhes, das filigranas dos documentos, que se constituem a partir da análise específica de cada autor.
  • 33
    Expressão comum nos registros censitários, fogos consistem em uma designação para domicílio, mas não em sua acepção contemporânea. Para além de definir um espaço, no qual se reúne uma parentela, ou grupo de pessoas ligadas por laços familiares, os fogos se configuram por sua plurifuncionalidade, assumindo uma concepção mais abrangente reconhecendo a organização doméstica junto ao parentesco. Considera-se conjuntamente as funções econômicas e as de procriação (RODARTE et al, 2011RODARTE, Mario Marcos Sampaio; PAIVA, Clotilde Andrade. Domicílios enquanto unidades de produção e reprodução: a família na Minas Gerais oitocentista. In: IX Congresso Brasileiro de História Econômica e 10ª Conferência Internacional de História de Empresas (Curitiba, 2011). Anais da ABPHE. São Paulo: ABPHE, 2011, pp. 1–26.).
  • 34
    “Mapa da total população do distrito dos Campos dos Goitacazes de que é Mestre de Campo José Caetano de Barcelos Coutinho em 30 de agosto de 1790”.
  • 35
    Referimo-nos aqui a tese de Márcia Malheiros, já mencionada no corpo do texto. Segundo a autora, a presença de pequenos foreiros nos serões provavelmente servia de canal de comunicação entre os índios e o mundo colonial, antes e/ou concomitante a presença de missionários e fazendeiros, tendo sido tanto os grupos indígenas quanto estes pequenos foreiros prejudicados com a chegada de importantes proprietários, a autora destaca Joaquim Vicente dos Reis, comprador da antiga fazenda dos Jesuítas, que segundo Couto Reis estavam localizadas na Freguesia de São Gonçalo, sendo este uma figura central na fundação de São Fidelis, e não na de Santo Antônio, que estamos recortando. Salientamos assim que para as terras do Aldeamento de Santo Antônio de Guarulhos essa realidade não se sustenta, uma vez que, como apresentado pelos dados, não eram pequenos foreiros e sim proprietários de engenhos. (MALHEIROS, 2008, p. 150MALHEIROS, Márcia. Homens da fronteira: índios e capuchinhos na ocupação dos sertões do leste, do Paraíba ou Goytacazes. Tese de doutorado, PPGH-UFF, Niterói, 2008.).

Fontes consultadas

  • “Mapa da total população do Distrito dos Campos dos Goitacazes de que é Mestre de Campo José Caetano de Barcelos Coutinho em 30 de agosto de 1790”. BNRJ, Documento 42 - I-29,19, 42.
  • “1772, Rio Paraíba – Aldeia dos Índios de Santo Antônio dos Guarulhos – São Salvador dos Campos dos Goytacazes”. AN-RJ, Notação: BI. 15.572.
  • “1782, Homens de negócios da Vila de São Salvador dos Campos, isenção da assistência do dinheiro para o sustento dos índios, Aldeia de Santo de Guarulhos”. AN-RJ, Notação BI.15.545.
  • AMADO, Lazaro Cardoso. “Carta destinada ao Príncipe Regente falando sobre o Campo dos Goitacazes”. BNRJ, Documento 42 - I-29,19, 42.
  • “Requerimento do Capitão Bento José Ferreira Rebelo ao [juiz ordinário da vila de São Salvador da Paraíba do Sul], Francisco Nunes Coutinho, solicitando certidão do tero de dias cartas de sesmaria de duas léguas de terras concedidas aos índios da Aldeia de Santo Antônio dos Guarulhos nas margens do rio Paraíba, em frente da Ilha das Pombas”. AHU. AHU_ACL_CU_017, Cx. 154, D. 11675.

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    » https://doi.org/10.1590/1982-02672018v26e29
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Editado por

Editores Responsáveis
Miriam Dolhnikoff e Miguel Palmeira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    10 Fev 2021
  • Aceito
    27 Ago 2021
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