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A CAMPANHA NACIONAL DE ALFABETIZAÇÃO E A CONSTRUÇÃO DO ESTADO EM ANGOLA, 1975-19801 1 Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo. Esta pesquisa contou com apoio financeiro do Grupo de Excelência África Múltipla, por meio de uma fellowship na Academia de Estudos Africanos Avançados da Universidade de Bayreuth, Alemanha. A pesquisa documental contou com apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – Processo 445326/2014-0. Agradeço a Cristina Pinto, Maria da Conceição Neto, João Pedro Lourenço e Wanda Lara pela acolhida e pelo inestimável auxílio em Luanda, e aos integrantes da linha de pesquisa Estudos Africanos do Programa de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos da Universidade Federal da Bahia (UFBA) pelas valiosas críticas e sugestões a uma versão anterior deste manuscrito.

THE NATIONAL LITERACY CAMPAIGN AND STATEBUILDING IN ANGOLA, 1975-1980

Resumo

Este artigo busca examinar os processos de organização e a implementação da Campanha Nacional de Alfabetização promovida em Angola no período imediatamente posterior à independência, tomando-a como uma janela para investigar os dilemas e conflitos que marcaram o nascimento da nova nação e a consolidação do Estado, especialmente no espaço urbano, num contexto de legitimidade contestada e de proliferação de diferentes agendas políticas e interpretações sobre o significado da independência. Utilizando principalmente a cobertura da imprensa escrita e publicações oficiais, este artigo analisa a influência cubana na concepção organizacional e pedagógica da campanha, a fragilidade operacional do Estado em constituição, a atuação política autônoma dos estudantes das cidades – e os esforços do governo para enquadrar seu entusiasmo revolucionário – e a utilização da campanha como uma alavanca para a construção de um sistema universal de educação básica em Angola.

Palavras-chave
Angola; política educacional; alfabetização; Estado pós-colonial; nacionalismo

Abstract

This essay examines the organization and implementation of the National Literacy Campaign promoted in Angola immediately following independence, using it as a vantage point to investigate the dilemmas and conflicts that marked the birth of the new nation and the consolidation of the State, especially in the urban area, amidst contested legitimacy and proliferation of different political agendas and interpretations of what independence should mean. Based on the written press and official publications, the article explores the Cuban influence in the Campaign’s organizational and pedagogical conceptions, the State-in-the-making operational frailty, the autonomous political agency of urban students—and the governmental efforts to curtail their revolutionary enthusiasm—, and the employment of the Campaign as a lever to build a universal basic education system in Angola.

Keywords
Angola; educational policy; literacy; post-colonial State; nationalism

Nos primeiros dias de novembro de 1975, decorreu em Luanda o Primeiro Encontro Nacional de Educação, conduzido pelo Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), organização nacionalista que, após catorze anos de luta contra a dominação colonial, acederia em pouco mais de uma semana ao poder na capital do novo país.3 3 A última etapa do caminho até a independência, iniciada com a queda da ditadura em Portugal, em 25 de abril de 1974, foi vertiginosa. Em julho, o governo revolucionário português reconheceu o direito à independência de suas “províncias” africanas e, em outubro, foram assinados os últimos acordos de cessar-fogo em Angola. Os movimentos nacionalistas armados passaram, então, à legalidade e em janeiro de 1975 instituíram em comum acordo um Governo de Transição, que deveria organizar eleições em outubro. Ao longo do ano, porém, a tensão aumentou entre os movimentos rivais, que logo passaram da mobilização política à confrontação armada. O MPLA, a princípio, levou vantagem e conseguiu expulsar os outros movimentos das cidades, devido ao massivo apoio que recebeu da população urbana, particularmente dos jovens. Mas as organizações rivais recuperaram terreno rapidamente, com o apoio do Zaire e da África do Sul, e por pouco não conseguiram chegar a Luanda na data estipulada para a independência – 11 de novembro de 1975. A comunidade internacional reconheceu progressivamente o governo do MPLA em Luanda como legítimo e, em março de 1976, o controle militar sobre a maior parte do território já havia sido restabelecido, com apoio cubano. A guerra, entretanto, continuou, localizada no centro-sul e com menor intensidade, voltando a se espalhar pelo território e a ganhar força nos primeiros anos da década de 1980, prosseguindo, entre altos e baixos, até 2002 (GLEIJESES, 2002; PINTO, 2017, cap. XX; TALI, 2001; WHEELER; PÉLISSIER, 2011, cap. 12). O evento levantou propostas para a reestruturação do ensino e para a democratização da escola, como a criação de conselhos pedagógicos e comissões de gestão democrática, além da realização periódica de assembleias envolvendo toda a comunidade escolar. Os participantes propuseram, ainda, a criação de uma comissão, no âmbito do Ministério da Educação e Cultura, com representantes de todas as regiões do país, encarregada do “estudo e definição de métodos a adoptar quanto aos programas de alfabetização das largas camadas do nosso povo”. Essa comissão deveria empenhar todos os esforços para que a campanha de alfabetização se tornasse “uma realidade generalizada no nosso País, já em 1976”.4 4 Diário de Luanda, Luanda, 6 de novembro de 1975, p. 5, 7. Os jornais do período foram consultados na Biblioteca Nacional de Angola. Os demais documentos citados aqui constam do arquivo da Associação Tchiweka de Documentação (https://www.tchiweka.org) e, em menor número, de acervos privados em Luanda.

A alfabetização universal, a democratização da escola e a reforma do sistema de ensino não eram temas propriamente novos em Angola, e os objetivos estratégicos do MPLA com o encontro envolviam, de fato, a recuperação da iniciativa sobre um processo de transformação da sociedade crucial para o sucesso do projeto político do movimento, mas que vinha escapando de suas mãos devido à ação de uma multidão entusiasmada de jovens, frouxamente organizados em uma teia de pequenos grupos militantes que saíam em defesa de uma miríade de objetivos políticos, por vezes confusos e contraditórios, mas sempre alinhados à esquerda (TALI, 2001, cap. 10-13TALI, Jean-Michel Mabeko. Dissidências e poder de Estado: o MPLA perante si próprio. Luanda: Nzila, 2001, 2v.; FIGUEIREDO, 2011, p. 20-77FIGUEIREDO, Leonor. O movimento estudantil em Angola nos anos da descolonização (1974-1975). Dissertação de mestrado em História Contemporânea, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2011. Disponível em: <http://hdl.handle.net/10362/6995>. Acesso em: 30 mar. 2021.
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). As escolas tinham se consolidado como um ponto focal dessa mobilização desde o 25 de abril de 1974, e assim permaneceram durante o Governo de Transição. Optando taticamente por não assumir a pasta da educação quando esta lhe foi oferecida em janeiro de 1975, a direção do MPLA incentivou as ocupações e greves estudantis que exigiam a imediata reforma dos currículos, a abolição dos exames e a autogestão das escolas, direcionando todo esse entusiasmo revolucionário juvenil contra a figura do ministro Jerónimo Wanga, indicado pela União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) (FIGUEIREDO, 2011, p. 25-45FIGUEIREDO, Leonor. O movimento estudantil em Angola nos anos da descolonização (1974-1975). Dissertação de mestrado em História Contemporânea, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2011. Disponível em: <http://hdl.handle.net/10362/6995>. Acesso em: 30 mar. 2021.
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, 2017, p. 88-91FIGUEIREDO, Leonor. O fim da extrema-esquerda em Angola: como o MPLA dizimou os comités Amílcar Cabral e a OCA (1974-1980). Lisboa: Guerra & Paz, 2017.).

A implantação do regime colonial, na virada do século XIX para o XX, fizera da raça o eixo organizador das hierarquias sociais, especialmente nas cidades, onde uma elite letrada local viu suas oportunidades de trabalho minguarem diante da concorrência com imigrantes portugueses, muitas vezes menos escolarizados. As primeiras manifestações de inconformismo na colônia giraram justamente em torno da afirmação da capacidade intelectual dos “angolenses”, ameaçados pelos pressupostos racistas que iam se encastelando na legislação e na prática da administração colonial, culminando com a implantação do sistema do indigenato (ANDRADE, 1997ANDRADE, Mário Pinto de. Origens do nacionalismo africano: continuidade e ruptura nos movimentos unitários emergentes da luta contra a dominação colonial portuguesa: 1911-1961. Lisboa: Dom Quixote, 1997.; BITTENCOURT, 1999BITTENCOURT, Marcelo. Dos jornais às armas: trajectórias da contestação angolana. Lisboa: Vega, 1999.; ver tb. MESSIANT, 2006MESSIANT, Christine. 1961: l’Angola colonial, histoire et société – les premisses du mouvement nationaliste. Basel: P. Schletwein, 2006.). Ao longo do século XX, vigorou uma segregação educacional entre “indígenas” e “civilizados” que limitava os primeiros ao aprendizado de conteúdos rudimentares e delegava a responsabilidade de sua escolarização às missões religiosas. A cobertura desse “ensino indígena” era irregularmente distribuída pelo território, e ademais restrita, na maioria dos casos, ao catecismo. É preciso reconhecer que, em contraposição ao desinteresse do governo colonial, as missões empreenderam um esforço significativo e crescente de letramento – com frequência em línguas africanas, especialmente no caso das missões protestantes, para as quais a leitura individual e direta da Bíblia era um aspecto basilar da experiência religiosa. Escolas missionárias que ministravam o currículo oficial (obrigatoriamente em português) eram bem mais raras. Ainda que não gozassem do reconhecimento formal por parte da administração colonial, alguns de seus egressos conseguiam vagas no ensino secundário, e uma parcela dos que concluíam essa segunda etapa eventualmente recebia uma bolsa de estudos para frequentar cursos superiores em Portugal ou outros países. Dessa forma, se em meados do século XX a maior parte dos angolanos letrados de origem rural devia sua alfabetização às escolas missionárias, esse grupo continuava bastante minoritário diante do conjunto da população. A absoluta maior parte dos habitantes de Angola permanecia sem acesso algum à educação formal. Nos anos de 1950, nas maiores cidades, verificou-se uma certa ampliação do ensino secundário (no qual estavam representados majoritariamente brancos, mas que incluía também um bom número de mestiços e alguns negros de famílias mais abastadas). Mais para o fim da década, aumentou, subsidiariamente, o número de estudantes angolanos enviados a Portugal para cursar o ensino superior (DULLEY, 2010, p. 30-34, 54-65DULLEY, Iracema. Deus é feiticeiro: prática e disputa nas missões católicas em Angola colonial. São Paulo: Annablume, 2010.; KEBANGUILAKO, 2016, p. 137-156KEBANGUILAKO, Dinis. A educação em Angola: sistema educativo, políticas públicas e os processos de hegemonização e homogeneização política na primeira república: 1975-1992. Tese de doutorado em Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2016. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/handle/ri/20719>. Acesso em: 30 mar. 2021.
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; LIBERATO, 2014, p. 1005-1010LIBERATO, Ermelinda. Avanços e retrocessos da educação em Angola. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 19, n. 59, p. 1003-1031, 2014. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/rbedu/a/Dn4CYmKD5W5dw4ygQLBCxzN>. Acesso em: 30 mar. 2021. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-24782014000900010.
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; NETO, 2005, p. 36-53NETO, Manuel Brito. História e educação em Angola: do colonialismo ao Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). Tese de doutorado em Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005. Disponível em: <http://repositorio.unicamp.br/Acervo/Detalhe/362636>. Acesso em: 30 mar. 2021.
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; PÉCLARD, 2015PÉCLARD, Didier. Les incertitudes de la nation en Angola: aux racines sociales de l’Unita. Paris: Karthala, 2015.; VIEIRA, 2007, p. 25-59VIEIRA, Laurindo. Angola: a dimensão ideológica da educação, 1975-1992. Luanda: Nzila, 2007.; ZAU, 2009, p. 317-324ZAU, Filipe. Educação em Angola: novos trilhos para o desenvolvimento. Luanda: Movilivros, 2009.). Em todo caso, a fraca performance portuguesa no autoproclamado objetivo de “civilizar” os africanos por meio da educação foi sempre um elemento mobilizador da propaganda nacionalista.

Após o início da Guerra de Libertação, em 1961, o governo português se esforçou para diminuir a base da insatisfação popular: da extinção do indigenato, passou-se a um plano de expansão do ensino primário nas zonas rurais e, a partir daí, à unificação do ensino, incluindo a expansão da formação local de docentes. Nesse mesmo período, inauguraram-se os primeiros cursos superiores em Luanda e também novas escolas profissionalizantes (KEBANGUILAKO, 2016, p. 156-169KEBANGUILAKO, Dinis. A educação em Angola: sistema educativo, políticas públicas e os processos de hegemonização e homogeneização política na primeira república: 1975-1992. Tese de doutorado em Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2016. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/handle/ri/20719>. Acesso em: 30 mar. 2021.
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; LIBERATO, 2014, p. 1011-1012LIBERATO, Ermelinda. Avanços e retrocessos da educação em Angola. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 19, n. 59, p. 1003-1031, 2014. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/rbedu/a/Dn4CYmKD5W5dw4ygQLBCxzN>. Acesso em: 30 mar. 2021. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-24782014000900010.
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; NETO, 2005, p. 52-57NETO, Manuel Brito. História e educação em Angola: do colonialismo ao Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). Tese de doutorado em Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005. Disponível em: <http://repositorio.unicamp.br/Acervo/Detalhe/362636>. Acesso em: 30 mar. 2021.
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; VIEIRA, 2007, p. 60-78VIEIRA, Laurindo. Angola: a dimensão ideológica da educação, 1975-1992. Luanda: Nzila, 2007.; ZAU, 2009, p. 324-330ZAU, Filipe. Educação em Angola: novos trilhos para o desenvolvimento. Luanda: Movilivros, 2009.). A ênfase dos projetos coloniais tardios para a educação estava na ampliação do acesso, mas também na promoção do sentimento de “portugalidade”. O efeito, entretanto, foi precisamente o contrário. Nos cursos universitários, liceus e escolas profissionais, os filhos dos colonos portugueses entravam em contato – em diferentes medidas, conforme os níveis e modalidades de ensino – com os netos e bisnetos de uma antiga elite negra e mestiça proletarizada, e com os filhos de camponeses que tinham vindo às cidades, um pouco de toda parte, para escapar do trabalho forçado e em busca de ascensão social. Esses espaços terminaram fortalecendo a construção de uma “angolanidade” que já vinha se desenvolvendo em outras esferas da vida juvenil (MOORMAN, 2008MOORMAN, Marissa J. Intonations: a social history of music and nation in Luanda, Angola, from 1945 to recent times. Athens: Ohio University Press, 2008.; ver tb. MESSIANT, 1989MESSIANT, Christine. Luanda (1945-1961): colonisés, société coloniale et engagement nationaliste. In: CAHEN, Michel (org.). “Vilas” et “cidades”: bourgs et villes en Afrique lusophone. Paris: L’Harmatan, 1989, p. 125-199., 2006MESSIANT, Christine. 1961: l’Angola colonial, histoire et société – les premisses du mouvement nationaliste. Basel: P. Schletwein, 2006.), modulada por ideais de esquerda trazidos clandestinamente por alguns professores portugueses, e pelas ondas do rádio (cf. MOORMAN, 2019MOORMAN, Marissa J. Powerful frequencies: radio, State power, and the Cold War in Angola, 1931-2002. Athens: Ohio University Press, 2019.).

Do outro lado da trincheira, o MPLA foi o movimento que melhor desenvolveu uma reflexão e uma prática voltadas para a educação. Na melhor tradição terceiro-mundista, a escolarização e a formação política foram associadas tanto nas bases da guerrilha quanto na retaguarda, em que se organizaram escolas e internatos voltados para os guerrilheiros e para as crianças da população deslocada pela repressão colonial. Apesar de resultados variáveis conforme as flutuações da guerra, foi notável o esforço organizativo: havia um Departamento de Educação e Cultura (DEC), integrado por quadros de alto nível na hierarquia do movimento, responsável pela formulação da política educacional, pela supervisão das escolas e pela produção de materiais didáticos (KEBANGUILAKO, 2016, p. 169-176KEBANGUILAKO, Dinis. A educação em Angola: sistema educativo, políticas públicas e os processos de hegemonização e homogeneização política na primeira república: 1975-1992. Tese de doutorado em Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2016. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/handle/ri/20719>. Acesso em: 30 mar. 2021.
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). No que diz respeito à alfabetização, uma abordagem própria foi concebida, combinando o método Paulo Freire com a metodologia desenvolvida em Cuba no âmbito da Campanha Nacional de Alfabetização de 1961.5 5 A campanha cubana foi, provavelmente, a mais bem-sucedida de todos os tempos (HERMAN, 2012; PÉREZ-CRUZ, 2011; SUPKO, 1998). Um dos pontos de interesse do MPLA residia no fato de que o modelo cubano se baseava na figura dos “alfabetizadores populares”, de quem não se exigia um nível tão elevado de formação escolar e intelectual quanto o que era demandado pelo método Paulo Freire (PIMENTA, 2006, p. 78-79; FREIRE; GUIMARÃES, 2011, p. 109-110). Comunicação pessoal com Pepetela. Mensagem eletrônica enviada ao autor, 19 de setembro de 2012.

Logo após a queda da ditadura portuguesa, a ação política de base dos estudantes angolanos incluiu a formação de grupos de alfabetização de adultos pelo método Paulo Freire nos bairros e fábricas – com muita força em Luanda, e, em menor medida, nas outras cidades do país (FIGUEIREDO, 2011, p. 25-45FIGUEIREDO, Leonor. O movimento estudantil em Angola nos anos da descolonização (1974-1975). Dissertação de mestrado em História Contemporânea, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2011. Disponível em: <http://hdl.handle.net/10362/6995>. Acesso em: 30 mar. 2021.
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). Os quadros do MPLA presentes no Encontro Nacional de Educação buscavam fazer convergir essas iniciativas em curso e as suas próprias experiências pedagógicas prévias “nas zonas libertadas”, sugerindo que tanto umas como outras fossem levadas em conta na preparação dos programas nacionais de alfabetização.6 6 Diário de Luanda, Luanda, 6 de novembro de 1975, p. 7. Ao mesmo tempo, a tentativa de impor uma supervisão mais apertada à mobilização política nas escolas ficava explícita na defesa da “formação de sindicatos para enquadramento de professores, de associações estudantis” e do “enquadramento partidário de professores, alunos e funcionários escolares identificados com a linha de orientação política do MPLA”.7 7 Diário de Luanda, Luanda, 6 de novembro de 1975, p. 7. Na verdade, já havia associações estudantis e sindicatos docentes em Luanda, ainda que com estatuto provisório: a Pró-Associação dos Estudantes da Universidade de Luanda (Pró-AEUL), o Movimento Pró-Sindicato dos Professores de Angola – criados em maio de 1974 –, e a Pró Associação dos Estudantes do Ensino Secundário de Luanda (Pró-AEESL) – fundada em setembro do mesmo ano. Embora esmagadoramente favoráveis ao MPLA, essas entidades buscavam defender sua autonomia política e organizacional diante do movimento em vias de se tornar governo. Sem surpresa, as associações estudantis foram também espaços de recrutamento para organizações quasi-partidárias que atravessavam o MPLA em defesa de agendas próprias (FIGUEIREDO, 2011, p. 25-45FIGUEIREDO, Leonor. O movimento estudantil em Angola nos anos da descolonização (1974-1975). Dissertação de mestrado em História Contemporânea, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2011. Disponível em: <http://hdl.handle.net/10362/6995>. Acesso em: 30 mar. 2021.
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; TALI, 2001, cap. 10TALI, Jean-Michel Mabeko. Dissidências e poder de Estado: o MPLA perante si próprio. Luanda: Nzila, 2001, 2v.). Logo após a cerimônia de independência, a formalização das associações estudantis entrou na pauta. “Manter a Pró-Associação é manter uma certa anarquia”, opinava o Ministro da Educação e Cultura, António Jacinto, em conversa com secundaristas. E avisava: “Democracia significa muita disciplina. Esperamos não ser necessário impor disciplina, pois esperamos que os estudantes se autodisciplinem, no seu interesse próprio”.8 8 Jornal de Angola, Luanda, 20 de dezembro de 1975, p. 3. O escritor António Jacinto foi o primeiro Ministro da Educação e Cultura. Ainda em 1976, as duas áreas foram separadas: Jacinto ficou na Secretaria Nacional da Cultura, e Ambrósio Lukóki foi nomeado Ministro da Educação, secundado por Pepetela – ambos dirigentes veteranos do DEC do MPLA.

A disputa acirrada pela hegemonia num contexto de legitimidade contestada foi uma característica da independência angolana nos primeiros anos do regime socialista de partido único implantado pelo MPLA. Nesse processo, as ações do novo Estado sobre a sociedade e, especialmente, sobre a juventude urbana se orientaram alternada e entremeadamente por uma pulsão pedagógica permeada pela construção do “Homem Novo” – mentalmente descolonizado, coletivista e abnegado, dedicado de corpo e alma à construção nacional, disciplinado e livre de vícios e inclinações pequeno-burguesas – e por uma orientação repressiva que buscava garantir a necessária unidade de propósitos pelo expurgo da divergência pública, por meio do uso da força ou da ameaça permanente de fazê-lo (FIGUEIREDO, 2019FIGUEIREDO, Fábio Baqueiro. Batalhas da cultura: cinema e música em Luanda nos dias da independência. In: FURTADO, Claudio Alves; SANSONE, Livio (org.). Lutas pela memória em África. Salvador: EdUFBA, 2019, p. 93-124. Disponível em: <http://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/31849>. Acesso em: 30 mar. 2021.
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, 2021aFIGUEIREDO, Fábio Baqueiro. Doenças e desvios na independência angolana: higienismo, liamba, kaporroto e kazukuta. In: SANSONE, Livio et al. (org.). Pandemias e utopias: agendas políticas e possibilidades emergentes. Salvador: Cogito, 2021a, p. 97-128. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/handle/ri/33935>. Acesso em: 30 mar. 2021.
https://repositorio.ufba.br/handle/ri/33...
, 2021bFIGUEIREDO, Fábio Baqueiro. Emancipação feminina em questão: tensões e disputas simbólicas na independência angolana. AbeÁfrica: Revista da Associação Brasileira de Estudos Africanos, Rio de Janeiro, v. 6, n. 6, p. 45-80, 2021b. Disponível em: <https://revistas.ufrj.br/index.php/abeafrica/article/view/48178>. Acesso em: 30 mar. 2021.
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). Embora a vertente da repressão tenha sobressaído na prática administrativa governamental, a investigação sobre as ações pedagógicas do novo Estado permanece necessária, uma vez que a generalização de um sentimento nacional – que afastasse os riscos de dissolução territorial – e a gradual melhoria do nível educacional geral da população – como alavanca do desenvolvimento econômico – permaneceram entrelaçados como objetivos de longo prazo do MPLA. Seguindo essa meada, este artigo procura acompanhar a organização da Campanha Nacional de Alfabetização e sua implementação, considerando-a um ponto de vista privilegiado para a compreensão dos dilemas e conflitos que marcaram o nascimento da nova nação e a consolidação do Estado independente, especialmente no contexto urbano.

Ordem de batalha

A decisão de empreender imediatamente uma campanha dessa natureza certamente envolvia muito mais que a mera necessidade de direcionar o entusiasmo revolucionário dos estudantes. Para os novos governantes, a alfabetização do conjunto da população proporcionaria uma plataforma mais sólida para a retomada da atividade econômica e para o desenvolvimento de uma base produtiva mais diver-sificada. Além disso, os processos de alfabetização e “formação política” caminhavam juntos, potencializando-se mutuamente (cf. KEBANGUILAKO, 2016, p. 236-252KEBANGUILAKO, Dinis. A educação em Angola: sistema educativo, políticas públicas e os processos de hegemonização e homogeneização política na primeira república: 1975-1992. Tese de doutorado em Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2016. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/handle/ri/20719>. Acesso em: 30 mar. 2021.
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). Em Cuba, a campanha de alfabetização de 1961, particularmente, havia funcionado como um espaço de congraçamento de diferentes setores da população, expressão de uma vontade nacional comum alinhada ao projeto revolucionário, num quadro de ameaças militares que guardava semelhanças com a situação angolana (HERMAN, 2012, p. 98-103; SUPKO, 1998, p. 10-11SUPKO, Ruth A. Perspectives on the Cuban national literacy campaign. Prepared for delivery at the 1998 meeting of the Latin American Studies Association, Palmer House Hilton Hotel, Chicago, Illinois, September 24-26, 1998. Não publicado. Disponível em: <http://biblioteca.clacso.edu.ar/ar/libros/lasa98/Supko.pdf>. Acesso em: 30 mar. 2021.
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). Para além das analogias simbólicas, Angola vinha construindo desde as vésperas da independência uma intensa cooperação com Cuba no âmbito militar, que logo se estendeu para a esfera civil. Tratava-se de fornecer apoio técnico na estruturação dos serviços de saúde e educação, como forma de promover a adesão generalizada da população ao projeto político do MPLA para o novo país. Num primeiro momento, os “cooperantes” cubanos vinham em pequeno número e se dedicavam a capacitar e assessorar os quadros ministeriais angolanos. Assim, em fevereiro de 1976, chegaram a Cabinda para implementar um projeto-piloto de alfabetização doze educadores: oito professores das ciências naturais, três veteranos da campanha de 1961 e um especialista em gestão escolar (HATZKY, 2015, p. 156-163HATZKY, Christine. Cubans in Angola: South-South cooperation and transfer of knowledge, 1976-1991. Madison: University of Wisconsin Press, 2015.; ver tb. PETERS, 2012PETERS, Christabelle. Cuban identity and the Angolan experience. Basingstoke: Palgrave MacMillan, 2012., 2014PETERS, Christabelle. Cruzando o Atlântico negro: os cubanos na guerra de Angola. Via Atlântica, São Paulo, v. 1, n. 25, p. 231-251, 2014. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/viaatlantica/article/view/69819>. Acesso em: 30 mar. 2021. doi: http://dx.doi.org/10.11606/va.v0i25.69819.
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).9 9 Sou grato a Igor Costa por me chamar a atenção para o escopo mais amplo da cooperação civil cubana e para o trabalho de Christine Hatzky (2015).

Em Angola, a herança colonial incluía uma gigantesca demanda reprimida por escolarização formal, com a qual o MPLA teve que lidar antes mesmo da data da independência. A historiadora Maria da Conceição Neto relembra esses primeiros momentos no Huambo, onde assumiu, junto com Ana Paula Tavares, a responsabilidade pelo DEC da Delegação Central do MPLA: “a alfabetização era uma exigência imediata. Onde quer que o MPLA fosse, duas coisas as pessoas pediam: escola e posto de saúde. Isto em qualquer aldeia”.10 10 Entrevista com Maria da Conceição Neto realizada em Luanda, em 22 de agosto de 2017. Ali e em outras partes de Angola, durante a década anterior, assistira-se à unificação do ensino primário e ao aumento da importância conferida à escola pela população antes considerada indígena. Assim, a chegada das delegações de um MPLA que publicamente afirmava a educação formal como um direito de todos podia criar um descompasso entre a capacidade operacional do movimento e as expectativas das populações cujo apoio se buscava assegurar:

(…) como jovens estudantes e intelectuais muito interessadas em discutir filosofias políticas e outras coisas, eu acho que não tínhamos percebido bem que quando fazes uma promessa a camponeses, ou cumpres imediatamente ou ficas desacreditada logo. (…) dizíamos: “Bom, então o povo mobiliza-se, levanta uma escola”, e na semana seguinte [o povo] estava lá a dizer: “a escola está feita, agora queremos o professor!”.11 11 Entrevista com Maria da Conceição Neto realizada em Luanda, em 22 de agosto de 2017.

O DEC não tinha tempo nem recursos para formar professores, mas começou a capacitar, já em princípios de 1975, aqueles mesmos entusiastas que chegavam das aldeias para trabalhar como alfabetizadores.12 12 Entrevista com Maria da Conceição Neto realizada em Luanda, em 22 de agosto de 2017. De forma semelhante, em Luanda, há registro de aulas de alfabetização para mulheres, promovidas pela Organização da Mulher Angolana (OMA) no bairro Sambizanga.13 13 Jornal de Angola, Luanda, 22 de novembro de 1975, p. 3. Ao que parece, aulas de alfabetização continuaram a ser promovidas em pequena escala durante todo o primeiro ano da independência, por instâncias locais que se colocavam sob a bandeira do MPLA e das organizações de massa a ele alinhadas, mas agiam com bastante independência.

Ao longo de 1976, em meio aos esforços militares para garantir o controle do território nacional e às dificuldades para domar as tendências políticas mais rebeldes, o governo buscou criar as condições para o lançamento da campanha, com a montagem de um Gabinete Provisório de Alfabetização dentro do Ministério da Educação e Cultura, e a decisão de alfabetizar todos os membros das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA).14 14 Jornal de Angola, Luanda, 31 de agosto de 1976, p. 2. Na mesma linha, em fins de agosto, um colóquio foi organizado no Teatro Avenida para que o próprio “Camarada Paulo Freire” explicasse a cerca de duzentos interessados “o método de alfabetização acelerada que tem o seu nome e as condições em que deverá ser aplicado em Angola”.15 15 Paulo Freire foi formalmente assessor do Ministério da Educação angolano (FREIRE, 1992, p. 205). Nesta primeira visita, participou também de reuniões no Huambo (Entrevista com Maria da Conceição Neto realizada em Luanda, em 22 de agosto de 2017). Em fevereiro de 1977, o educador foi o principal palestrante em um colóquio sobre “Cultura e Revolução” organizado pela União dos Escritores Angolanos em Luanda (Jornal de Angola, 13 de fevereiro de 1977, p. 6; Jornal de Angola, 15 de fevereiro de 1977, p. 3). Na ocasião, o Secretário do Bureau Político do MPLA e antigo dirigente do DEC, Lúcio Lara, relembrou os esforços feitos desde a guerrilha, chamando a atenção para o manual de alfabetização elaborado com base na “prática dos Camaradas”.16 16 Jornal de Angola, Luanda, 31 de agosto de 1976, p. 1. Isso é particularmente interessante porque Paulo Freire não estimulava a utilização de manuais, privilegiando a flexibilidade do alfabetizador para trabalhar com a realidade encontrada no terreno, a partir dos interesses, do cotidiano e das experiências prévias dos alfabetizandos. O manual angolano, cuja primeira versão havia sido escrita em Argel, em 1964, era modelado a partir da cartilha Venceremos, utilizada em Cuba (cf. SANTAMARTA LUENGOS, 1989SANTAMARTA LUENGOS, Juan Ignacio. La campaña de alfabetización en Cuba (primera parte). Tabanque: Revista pedagógica, Madrid, n. 5, p. 201-216, 1989. Disponível em: <https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=2255885>. Acesso em: 30 mar. 2021.
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, 1990SANTAMARTA LUENGOS, Juan Ignacio. La campaña de alfabetización en Cuba (segunda parte). Tabanque: Revista pedagógica, Madrid, n. 6, p. 149-159, 1990. Disponível em: <https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=2255798>. Acesso em: 30 mar. 2021.
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). É possível que a exibição pública de Paulo Freire – e de seu endosso ao MPLA – tivesse a função de desautorizar qualquer oposição em termos pedagógicos por parte dos estudantes que vinham aplicando seu método de alfabetização. Os cooperantes cubanos, por sua vez, quase nunca eram mencionados no jornal.17 17 Christine Hatzky (2015, p. 131-135) contrapõe a perspectiva antidogmática de Paulo Freire e a doutrinação política explícita dos cubanos para explicar a opção ideológica do MPLA por estes últimos. Essa interpretação não é corroborada pelas fontes e referências aqui reunidas.

Cerca de dois meses depois, ficaram prontos os primeiros dez mil manuais de um total de trezentos mil encomendados. Segundo o Jornal de Angola, tratava-se da mesma cartilha utilizada durante a guerrilha, “excepto nalguns aspectos em que foi actualizada”.18 18 Jornal de Angola, Luanda, 28 de outubro de 1976, p. 1. Certamente, a decisão de reutilizar “a cartilha histórica do MPLA” respondia a imperativos práticos, como a escassez de tempo e recursos e sua adequação à orientação pedagógica do modelo cubano, mas também representava a afirmação de uma identidade intrínseca entre a nação em construção e a própria trajetória do movimento nacionalista, num momento de mobilização integral para criar uma comunidade unida de cidadãos alfabetizados. Implicava, ainda, a reivindicação de uma anterioridade dos esforços do MPLA em relação aos secundaristas de Luanda e de uma continuidade histórica entre as “zonas libertadas” do movimento e o devir angolano, entretecida na própria sequência didática das lições do manual (MINED, 1978MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO DA REPÚBLICA POPULAR DE ANGOLA (MINED). A vitória é certa: a luta continua: manual de alfabetização. Luanda: Ministério da Educação de Angola, 1978.; ver tb. DEC, 1974MOVIMENTO POPULAR DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA. DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO E CULTURA (DEC). A vitória é certa: manual de alfabetização. [Luanda]: MPLA, 1974.; MPLA, 1965MOVIMENTO POPULAR DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA (MPLA). Vitória ou morte! Manual de alfabetização (de experiência). [Argel]: MPLA, 1965.; cf. ARRUDA, 2019ARRUDA, Claudia Maria Calmon. Ensino de História e Política em Angola (1950-1978). Tese de doutorado em Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019. Disponível em: <http://www.bdtd.uerj.br/handle/1/10301>. Acesso em: 30 mar. 2021.
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; VIEIRA, 2007, p. 60-88VIEIRA, Laurindo. Angola: a dimensão ideológica da educação, 1975-1992. Luanda: Nzila, 2007.).

Um estrondoso silêncio, entretanto, envolvia a escolha da língua em que se propunha alfabetizar o conjunto dos angolanos. O problema era, na verdade, mais amplo e envolvia a própria definição da língua oficial para o novo Estado. Em muitas situações, o português era apresentado como o único idioma cujo estatuto de língua oficial não implicaria uma vantagem comparativa de natureza étnico-regional no acesso aos recursos estatais (cf. MATA, 2006MATA, Inocência. Da língua à cultura: alguns aspectos da problemática linguística nos cinco (Angola, Cabo Verde, Moçambique, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe). Quo vadis, Romania? Zeitschrift für eine aktuelle Romanistik, Viena, n. 27, p. 38-45, 2006. Disponível em: <http://www.univie.ac.at/QVR-Romanistik/wp-content/uploads/2018/11/QVR-27-2006.pdf>. Acesso em: 30 mar. 2021.
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). Por outro lado, o contrassenso de alfabetizar em português uma população que, em sua grande maioria, tinha outras línguas nativas já era reconhecido desde o DEC da guerrilha (FREIRE; GUIMARÃES, 2011, p. 92FREIRE, Paulo; GUIMARÃES, Sérgio. A África ensinando a gente: Angola, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe. 2. ed. São Paulo: Paz & Terra, 2011.). O MPLA sempre se esforçara para utilizar as línguas nacionais em suas emissões radiofônicas durante a guerra de libertação, precisamente porque sabia da pouca penetração do português na maior parte do território (FIGUEIREDO, 2012, p. 307-308, 320-325FIGUEIREDO, Fábio Baqueiro. Entre raças, tribos e nações: os intelectuais do centro de estudos angolanos, 1960-1980. Tese de doutorado em Estudos Étnicos e Africanos, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2012. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/handle/ri/17799>. Acesso em: 30 mar. 2021.
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; MOORMAN, 2019, p. 56MOORMAN, Marissa J. Powerful frequencies: radio, State power, and the Cold War in Angola, 1931-2002. Athens: Ohio University Press, 2019.). Além disso, comandantes militares que não falavam as línguas dos seus guerrilheiros nem se esforçavam por aprendê-las foram um componente crucial de sucessivas crises de legitimidade experimentadas pelo movimento na Frente Leste, entre 1969 e 1972 (BITTENCOURT, 2008, v. 2, p. 76-80, 161-166BITTENCOURT, Marcelo. Estamos juntos! O MPLA e a luta anticolonial (1961-1974). Luanda: Kilombelombe, 2008, 2v.; TALI, 2001, v. 1, p. 135-142TALI, Jean-Michel Mabeko. Dissidências e poder de Estado: o MPLA perante si próprio. Luanda: Nzila, 2001, 2v.).19 19 Também referido em entrevista com Pepetela realizada em Lisboa, em 19 de junho de 2011. Os responsáveis pela educação estavam, portanto, muito cientes do problema. Na verdade, eles defendiam um modelo em que as línguas maternas dos estudantes seriam utilizadas nas primeiras classes e em paralelo à progressiva introdução do português. Entretanto, consideravam não haver meios práticos para implantar esse modelo logo após a independência. Se já faltavam pessoas suficientemente versadas no português escrito para atuar como alfabetizadores, a carência era ainda maior para línguas cujo uso era predominantemente oral e que ainda não tinham regras de transcrição fonética consensuadas.20 20 Entrevista com Maria da Conceição Neto realizada em Luanda, em 22 de agosto de 2017 (cf. FREIRE; GUIMARÃES, 2011, p. 92-93).

Fosse como fosse, no início de novembro o Jornal de Angola dedicou uma página inteira à Campanha Nacional de Alfabetização, delineando os princípios da nova educação e explicitando seus objetivos políticos. Fiel ao espírito da época, o jornal designava a campanha a “primeira grande batalha de combate ao analfabetismo”. O programa político foi apresentado junto com um cronograma que impunha a rápida estruturação de organismos administrativos em todo o território nacional: até 10 de novembro de 1976, comissões de apoio deveriam estar operantes em todas as capitais provinciais; no fim da semana seguinte, comissões semelhantes deveriam estar formadas em todas as subdivisões territoriais. Uma vez constituída essa hierarquia administrativa, os interessados em se tornar alfabetizadores seriam cadastrados e matriculados num curso de formação. Em paralelo, seriam distribuídos os materiais didáticos. No primeiro dia de 1977, previa-se inaugurar “a 1ª escola em todas as Províncias num gesto simbólico que marca o início da campanha”.21 21 Jornal de Angola, Luanda, 4 de novembro de 1976, p. 5.

Em muitas partes do país, foi apenas no final de 1976 que os educadores tomaram conhecimento de que havia algo grandioso em preparação. No Huambo, por exemplo, Maria da Conceição Neto estava novamente envolvida com a alfabetização pelo método Paulo Freire, após um interregno em que a cidade ficara sob controle da UNITA:

(…) nós continuávamos a tentar criar materiais adaptados a diferentes grupos de pessoas e a tentar reiniciar um processo de alfabetização (…) dentro daquela filosofia de trabalho, que diferentes grupos deveriam ter diferentes materiais, para que as discussões atinjam diretamente os interesses de cada grupo. (…) E de repente chegam as notícias de que vai ter início a Campanha Nacional de Alfabetização. Estruturada de cima para baixo, nacional, (…) com materiais que vão funcionar para todo o país. Portanto, haverá cartilhas para alfabetizados, cartilhas para alfa-betizandos, cartilhas para os semialfabetizados, e que será necessário formar alfabetizadores.22 22 Entrevista com Maria da Conceição Neto realizada em Luanda, em 22 de agosto de 2017.

Diante desse estado de coisas, criar as condições para começar as aulas no primeiro dia de 1977 era certamente um desafio. Mas o próprio lançamento oficial desconsiderou o cronograma. Logo em 22 de novembro de 1976, nas dependências da fábrica Textang, o presidente Agostinho Neto discursou para os trabalhadores que já estavam estudando no local de trabalho. Neto falou do passivo colonial e das dificuldades advindas da guerra, chamando a atenção para a forte queda nos níveis da produção econômica com relação a 1973. Defendeu também a necessidade da rápida qualificação da força de trabalho para o sucesso do projeto independentista. Segundo ele:

Não pode haver uma boa produção se não houver quadros, se não houver técnicos, e não pode haver técnicos se não houver trabalhadores que saibam ler e escrever. (…) o homem que não sabe ler nem escrever não pode de maneira nenhuma ser um bom técnico, ser um bom quadro, porque não pode estudar por si próprio. Não pode ler nem um jornal, não pode ler um livro, não compreende muita coisa daquilo que se passa no mundo, não aprende a técnica (…) Sim, nós aprendemos a manejar uma máquina, nós aprendemos a manejar uma charrua, nós aprendemos a manejar um tractor mas não passamos daí se não estudarmos, se não aumentarmos o nosso nível intelectual, e temos de começar pela base, aprender a ler e a escrever.23 23 Discurso proferido pelo Camarada Presidente Dr. António Agostinho Neto, aos Camaradas da TEXTANG, em 22 de Novembro de 1976, que originou o Dia do Educador. Cf. Lançamento da ca m panha de alfab etização. NOVACULTURA.info. Disponível em: <https://www.novacultura.info/post/2022/03/11/lancamento-da-campanha-de-alfabetizacao>. Acesso em: 10 jul. 2022.

Neste mesmo discurso, Agostinho Neto apontava já uma das características da campanha: o envolvimento das organizações de massa afiliadas ao MPLA, como a OMA, a União Nacional dos Trabalhadores de Angola (UNTA) e a Juventude do MPLA (JMPLA), além do exército. É importante observar, porém, que a característica “de massa” dessas organizações não estava dada à partida; historicamente, sua capacidade de recrutamento estava restrita pela situação da guerrilha nas fronteiras, e foi só após a chegada do MPLA a Luanda que elas começaram a incorporar os setores populacionais que deviam, em cada caso, representar. A alfabetização fornecia uma razão prática de forte apelo emocional para o envolvimento de mulheres, trabalhadores e jovens, propiciando um incentivo adicional para a sua filiação. Por seu turno, sua assistência no “chão de fábrica” da campanha ajudava a mitigar a baixíssima capacidade operacional do Estado angolano à altura, e garantia a realização de suas ações em uma multiplicidade de espaços sociais e geográficos que, de outra forma, ficariam desatendidos.

Abandonado o cronograma, a Campanha Nacional de Alfabetização arrancou como um conjunto díspar e descompassado de iniciativas locais, dependente mais do ritmo das organizações de base do que da hierarquia formal instituída a partir do Ministério da Educação – inclusive porque a montagem dessa estrutura demorou muito mais que o esperado. Era provavelmente difícil encontrar quadros técnicos qualificados em quantidade suficiente, e a primeira reunião entre o Centro Nacional e os centros provinciais de alfabetização, que compunham a espinha dorsal da campanha, só ocorreria em 13 de janeiro, quase dois meses após a cerimônia inaugural.24 24 Jornal de Angola, Luanda, 14 de janeiro de 1977, p. 1. Essa combinação de entusiasmo, voluntarismo e desorganização, aliada à percepção difusa de ameaças contra a independência, ajuda-nos também a compreender o clima de “chamada às armas” com que a campanha era geralmente noticiada na imprensa. Em 5 de janeiro, os cidadãos puderam ler na primeira página do Jornal de Angola que havia sido “iniciada a batalha da alfabetização no Rangel”, a cargo da Comissão Popular desse bairro de Luanda. A matéria reconhecia que os trabalhos estavam atrasados, mas sublinhava que 36 alfabetizadores já estavam em formação, e em uma semana começariam a ensinar às cerca de 150 pessoas que haviam corrido para se inscrever nos dois primeiros dias. Os responsáveis previam um rápido aumento na demanda, uma vez que a quantidade de analfabetos no bairro era “elevadíssima”, “em conformidade com a situação geral do país”.25 25 Jornal de Angola, Luanda, 5 de janeiro de 1977, p. 1-2.

No mesmo dia, decorreu a cerimônia de encerramento do 1º Seminário Nacional de Formação de Alfabetizadores, promovido pelo Comissariado Político do Estado Maior Geral das FAPLA.26 26 Jornal de Angola, Luanda, 5 de janeiro de 1977, p. 3. Iniciado em outubro de 1976, o curso havia capacitado 182 militares de todo o país, selecionados “com base no nível de consciência política, disciplina e maior espírito de sacrifício e militância”, que agora retornariam a suas unidades com a missão de “formar novos alfabetizadores e participar activamente na 1ª Campanha Nacional de Alfabetização”.27 27 Jornal de Angola, Luanda, 6 de janeiro de 1977, p. 2. Menos de uma semana depois, seria a vez da UNTA comemorar o encerramento de seu primeiro curso de formação. O coordenador da campanha insistiu na importância de superar o “obscurantismo” e ressaltou “que a classe operária é aquela classe que primeiramente deve ser esclarecida sobre o Socialismo”, uma vez que a ela caberia a direção do Estado. Com 810 alfabetizadores capacitados, prestes a serem “lançados no Sector Operário”, a central sindical contribuía significativamente para uma ampliação na escala da campanha.28 28 Jornal de Angola, Luanda, 12 de janeiro de 1977, p. 1. Já a OMA começava pelo dever de casa, alfabetizando as próprias integrantes do seu Comité Executivo Nacional – um reflexo tanto do alto nível de analfabetismo em geral quanto da desigualdade de gênero no acesso à escola. Essa desvantagem estrutural, entretanto, não impedia que, localmente, as mulheres angolanas continuassem a organizar aulas de alfabetização com os meios de que podiam dispor, como mostra a convocação para uma reunião no Makulusu para “militantes, aderentes e simpatizantes”, especialmente aquelas “inscritas como alfabetizadoras”.29 29 Jornal de Angola, Luanda, 12 de janeiro de 1977, p. 1; Jornal de Angola, 14 de janeiro de 1977, p. 3. Ao longo do mês de janeiro, a OMA trabalhou para potencializar as iniciativas locais feitas em seu nome por meio da criação de DECs em cada bairro, sob a coordenação de DECs provinciais.30 30 Jornal de Angola, Luanda, 25 de janeiro de 1977, p. 3. Mas só nas “jornadas de luta e trabalho” do Dia da Mulher Angolana e do Dia Internacional da Mulher – 2 e 8 de março, respectivamente – é que se previa o início de um Seminário de Alfabetização da OMA em cada província.31 31 Jornal de Angola, Luanda, 24 de fevereiro de 1977, p. 3.

O fluxo errático das notícias sobre a campanha nas várias partes da capital e do país espelhava a baixa organicidade das estruturas estatais e paraestatais e sua fraca capacidade operacional. Isso era agravado por grandes discrepâncias regionais na velocidade, no alcance e na efetividade da implementação das diretrizes do Centro Nacional de Alfabetização. Em 12 de março de 1977, por exemplo, os leitores do Jornal de Angola ficaram sabendo que, em Cabinda, a campanha não apenas já havia começado em outubro do ano anterior, como alcançara resultados impressionantes, mesmo em comparação com a capital: após 42 seminários de formação, 1.700 alfabetizadores ensinavam 11 mil angolanos a ler e escrever.32 32 Jornal de Angola, Luanda, 12 de março de 1977, p. 5. No Uíge, em abril, o encerramento do quarto seminário colocara em atividade 950 novos alfabetizadores,33 33 Jornal de Angola, Luanda, 3 de abril de 1977, p. 2. enquanto em Negage, a segunda maior cidade da província, foram abertas as inscrições para o segundo curso de formação após terem sido capacitados 189 alfabetizadores no mês anterior.34 34 Jornal de Angola, Luanda, 14 de abril de 1977, p. 2 Já no setor agrícola Kinglês, em Malanje, o Jornal de Angola comemorava a adesão do “povo” à campanha, mas estampava uma fotografia de uma sala de aula com apenas dois alfabetizandos e dezenas de carteiras vazias.35 35 Jornal de Angola, Luanda, 23 de fevereiro de 1977, p. 1. Nos bairros de Luanda a situação também variava muito. No Neves Bendinha havia apenas 21 voluntários formados no começo de abril, para alfabetizar 319 interessados,36 36 Jornal de Angola, Luanda, 31 de março de 1977, p. 7. mas no Nelito Soares já havia 54 alfabetizadores formados e outros 27 em capacitação, para 613 analfabetos inscritos.37 37 Jornal de Angola, Luanda, 27 de março de 1977, p. 3. Curiosamente, alguns dias depois, ao visitarem o Terra Nova, bem ao lado do Nelito Soares, os jornalistas encontraram números idênticos: 54 alfabetizadores, 27 voluntários em formação, 613 inscritos.38 38 Jornal de Angola, Luanda, 11 de abril de 1977, p. 5.

É preciso desconfiar da precisão desses números, já que as estatísticas, inicialmente, eram feitas “a olho”. Quase sempre tudo o que os entrevistados tinham a oferecer aos jornalistas eram números estimados, e às vezes estimados na hora.39 39 Para Cabinda, por exemplo, os dados fornecidos em janeiro de 1978 são fundamentalmente iguais aos de março de 1977 (Jornal de Angola, Luanda, 5 de janeiro de 1978, p. 2). Os dados foram progressivamente se tornando mais confiáveis à medida que o Centro Nacional de Alfabetização instituiu um fluxo padronizado de informações, por meio de mapas estatísticos que incluíam, para cada zona, a quantidade de alfabetizadores formados, seminários de formação realizados, alfabetizadores ativos, analfabetos “controlados” e inscritos, alfabetizandos e já alfabetizados (CNA, 1978, p. 8, 19-20CENTRO NACIONAL DE ALFABETIZAÇÃO (CNA). A luta contra o analfabetismo na República Popular de Angola. Luanda: Ministério da Educação da República Popular de Angola, 1978.). Mas havia outros entraves ao desenvolvimento da campanha, muito mais graves, e que sequer apareciam nas páginas do jornal. Nos últimos meses de 1976, a guerra retornara ao planalto central, e as escolas nas zonas rurais se tornaram um dos alvos preferenciais da UNITA, junto com professores e alfabetizadores, em sua capacidade de representantes do poder de Estado exercido pelo MPLA e de instrumentos de propaganda e “doutrinação ideológica”. Ao longo dos anos seguintes, muitos professores foram mortos ou levados à força para as bases guerrilheiras, onde assumiam as funções de ensino nas “zonas libertadas” da UNITA, desaparecendo da estatística oficial.40 40 A liderança da UNITA, majoritariamente formada em escolas missionárias congregacionalistas, também percebia a escolarização como uma demanda popular que importava atender, bem como ferramenta de construção de hegemonia. Assim, o MPLA não estava sozinho nos esforços de alfabetização popular promovidos logo após a independência (PEARCE, 2017; PÉCLARD, 2015). Uma comparação entre a Campanha Nacional de Alfabetização e as iniciativas educacionais da UNITA certamente enriqueceria muito a nossa compreensão da história recente de Angola e das contradições na construção do Estado angolano, mas este objetivo está, infelizmente, além do alcance das fontes mobilizadas por este artigo. Além disso, o clima geral de insegurança era um forte fator de desestímulo tanto para alfabetizadores quanto para alfabetizandos.41 41 Entrevista com Maria da Conceição Neto realizada em Luanda, em 22 de agosto de 2017 (cf. PEARCE, 2017, p. 129-130).

No começo de abril, foram feitas as primeiras tentativas de sistematizar os resultados alcançados até ali. Em Luanda, a Reunião Nacional de Alfabetização ressaltou o “espírito de militância e abnegação dos alfabetizadores, responsáveis pela amplitude que a campanha adquiriu apesar dos inúmeros obstáculos”. Vale a pena citar extensamente a cobertura do Jornal de Angola:

Alfabetiza-se. Sem cartilhas, sem lápis, sem borrachas, muitas vezes sem cadernos, a alfabetização continua. Usam-se sacos de cimento vazios como cadernos. Mas, mesmo assim, a alfabetização prossegue. Perante a grande falta de lápis e esferográficas, são partidos os lápis a meio, o que faz com que sirva para ensinar dois camaradas a escrever. Utilizam-se placas de madeira pintadas de preto. Muitas vezes pintando-se paredes de preto, fazendo-se um quadro.

Distribuindo-se uma cartilha para cada dois ou três analfabetos, e muitas vezes só para o alfabetizador, quando todos os analfabetos deveriam possuí-la, conseguem-se resultados positivos.42 42 Jornal de Angola, Luanda, 5 de abril de 1977, p. 2.

O reconhecimento da precariedade das condições enfrentadas pelos alfabetizadores era acompanhada pela chamada a melhorar a articulação entre os vários atores envolvidos. Assim, um dos resultados da reunião de Luanda foi a definição de uma data final para a “primeira fase” da campanha, coincidindo com o Dia da Juventude Angolana: 14 de abril. Entre essa data e o 1º de maio, todos os esforços deviam se voltar à sistematização dos dados.43 43 Jornal de Angola, Luanda, 15 de abril de 1977, p. 7. De fato, os números ainda flutuavam selvagemente. Em abril, comemorava-se 200 mil pessoas já alfabetizadas ou cursando aulas de alfabetização,44 44 Jornal de Angola, Luanda, 16 de abril de 1977, p. 3. mas, na cerimônia de encerramento da primeira fase da campanha – realizada quase um mês depois do planejado –, o Ministro da Educação Ambrósio Lukóki teve de revisar esse número significativamente para baixo: na verdade, haviam sido alfabetizadas 51.515 pessoas.45 45 Esse número seria revisado, ainda uma última vez, para 46.000 (CNA, 1978, p. 5). Segundo a declaração oficial, os percalços para consolidar os dados se deviam à vastidão do país e às dificuldades do controle efetivo de partes do território. Ainda havia outra notícia algo constrangedora: até ali, a campanha havia formado mais alfabetizadores que alfabetizados.46 46 Jornal de Angola, Luanda, 26 de maio de 1977, p. 3.

As iniciativas de expansão e melhor organização da campanha, assim como o reforço da importância da alfabetização universal, foram comuns na imprensa ao longo desse primeiro período de balanço. Sem demora, o MPLA lançou mão de seu mais importante trunfo: o prestígio do Presidente da República. Na 2ª Conferência dos Trabalhadores Angolanos, organizada pela UNTA, Agostinho Neto insistiu na necessidade de que os operários se alfabetizassem, ressaltando as implicações materiais para o desenvolvimento econômico nacional, como caminho para a melhoria nas condições de vida da população angolana. Segundo ele, “muitos dos nossos grandes problemas são causados por esta falta de conhecimentos culturais mínimos, pelo desconhecimento de como funcionam as máquinas, de como organizar, planificar, executar”.47 47 Jornal de Angola, Luanda, 6 de abril de 1977, p. 4. Foi também como resposta a um apelo de Agostinho Neto que o Comando da IV Região Militar das FAPLA anunciou o início de um amplo inquérito sobre a escolaridade de seus integrantes e um plano para recrutar como alfabetizadores aqueles que tinham a 4ª classe.48 48 Jornal de Angola, Luanda, 22 de abril de 1977, p. 7.

Em 12 de maio, três cartas manuscritas, enviadas por trabalhadores recém-alfabetizados ao próprio Agostinho Neto, foram estampadas no Jornal de Angola. Escrever ao Presidente da República era uma atividade obrigatória que representava a culminância da alfabetização, diretamente emprestada do modelo cubano (HERMAN, 2012HERMAN, Rebecca. An army of educators: gender, revolution and the Cuban literacy campaign of 1961. Gender & History, New Jersey, v. 24, n. 1, p. 93-111, 2012. Disponível em: <https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1468-0424.2011.01670.x>. Acesso em: 30 mar. 2021. doi: http://dx.doi.org/10.1111/j.1468-0424.2011.01670.x.
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; SUPKO, 1998SUPKO, Ruth A. Perspectives on the Cuban national literacy campaign. Prepared for delivery at the 1998 meeting of the Latin American Studies Association, Palmer House Hilton Hotel, Chicago, Illinois, September 24-26, 1998. Não publicado. Disponível em: <http://biblioteca.clacso.edu.ar/ar/libros/lasa98/Supko.pdf>. Acesso em: 30 mar. 2021.
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). Para além de seu uso como propaganda com potencial multiplicador, é óbvia sua função ideológica de reforço à personificação do projeto político proposto pelo MPLA na figura do “pai da pátria”, na tentativa de constituir uma estrutura de sentimento filial compartilhada por todos aqueles que foram “libertados” do “mundo da ignorância”. A emancipação individual corria em paralelo à libertação do país, como demonstra a repetição de discursos que associavam formação escolar e desenvolvimento econômico, sobre os quais incidiam também valores morais individuais:

Se queremos desenvolver as nossas riquezas naturais, criar e desenvolver a indústria pesada, melhorar as condições de trabalho nas lavras colectivas e conquistar a nosso favor os recursos da natureza, é preciso possuirmos técnicos. (…) E se a maioria é analfabeta é preciso que ela se liberte da ignorância. Só assim, partindo desta base, levando o trabalhador analfabeto a ler e escrever, para que seja insaciável na aprendizagem, se poderá formar um técnico, um bom quadro, honesto e dedicado, que viva e sinta entusiasticamente os problemas do seu local de trabalho, da sua terra, conheça bem a nossa realidade.49 49 Jornal de Angola, Luanda, 12 de maio de 1977, p. 6.

Esse reforço simbólico da associação entre a figura de Agostinho Neto e a comunidade de trabalhadores alfabetizados em que Angola supostamente se transformava é ainda mais relevante diante do temor constantemente renovado de uma invasão zairense ou sul-africana e do contexto político volátil, que envolvia tanto a repressão a organizações quasi-partidárias, quanto uma disputa interna entre a direção histórica do movimento e um grupo de jovens militantes em torno de Nito Alves, recém-demitido do cargo de Ministro do Interior (FIGUEIREDO, 2017FIGUEIREDO, Leonor. O fim da extrema-esquerda em Angola: como o MPLA dizimou os comités Amílcar Cabral e a OCA (1974-1980). Lisboa: Guerra & Paz, 2017., 2011FIGUEIREDO, Leonor. O movimento estudantil em Angola nos anos da descolonização (1974-1975). Dissertação de mestrado em História Contemporânea, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2011. Disponível em: <http://hdl.handle.net/10362/6995>. Acesso em: 30 mar. 2021.
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, 2010FIGUEIREDO, Leonor. Sita Valles: revolucionária, comunista até à morte (1951-1977). Lisboa: Alêtheia, 2010.; TALI, 2001, v. 2, cap. 10, 14TALI, Jean-Michel Mabeko. Dissidências e poder de Estado: o MPLA perante si próprio. Luanda: Nzila, 2001, 2v.; ver tb. PAWSON, 2014PAWSON, Lara. Em nome do povo: o massacre que Angola silenciou. Lisboa: Tinta-da-China, 2014.). Em ambas as dissidências estava profundamente implicada a mesma massa de estudantes que tinham conferido à campanha sua aura épica e seus mais expressivos resultados. Dessa forma, é importante acompanhar com mais minúcia as idas e vindas do relacionamento entre o MPLA e os estudantes angolanos no contexto da campanha, visto que revelam um esforço contínuo de enquadramento tanto por meios institucionais quanto pela via das disputas simbólicas, em meio às frustrações generalizadas com as dificuldades encontradas no terreno e a distribuição social das culpas pelas falhas na sua implementação.

Do estudo como dever revolucionário

Os estudantes foram os primeiros a promover iniciativas de alfabetização de adultos e constituíram a maioria dos voluntários desde o início da campanha. Diante de todas as dificuldades, é notável como os resultados da campanha em seus primeiros meses dependeram fundamentalmente da adesão voluntária e de uma alta medida de auto-organização de estudantes, principalmente secundaristas. O ritmo dos trabalhos estava também, portanto, condicionado ao calendário letivo, que havia sido implodido pelas mobilizações escolares de 1974 e 1975 e permanecia um foco de discórdia. O movimento estudantil queria avançar nas suas pautas de democratização da gestão, remodelação dos currículos e, principalmente, abolição dos exames finais; o governo, por seu turno, priorizava o retorno ao calendário e a um certo grau de institucionalidade – assumindo a tarefa da descolonização dos conteúdos, mas insistindo na necessidade de exames, classes e níveis progressivos, além de diferentes modalidades de ensino secundário e outros aspectos convencionais dos sistemas educacionais. Uma suspensão completa do ano escolar para permitir a plena participação dos estudantes na campanha, como ocorrera em Cuba, estava fora de questão, principalmente porque o prazo inicialmente estimado para a erradicação do analfabetismo em Angola era de cinco anos.50 50 Jornal de Angola, Luanda, 14 de janeiro de 1977, p. 1. É também possível que o governo receasse perder completamente de vista os estudantes, se sua relação com a escola fosse interrompida por muito tempo.

Dentre os estudantes politicamente mais ativos, uma parcela estava formalmente filiada ao MPLA, e, não raro, simultaneamente a outras organizações (os diversos “comitês” e “grupos de reflexão”), além de associações estudantis, comitês de bairro e outros agrupamentos mais ou menos autogestionários que haviam surgido conforme se dissolvia a ordem colonial. Havia, ainda, aqueles que não eram filiados, mas simpatizavam com o MPLA – ou, pelo menos, com sua defesa da ideia de revolução, em que tantas coisas cabiam. Essas adesões múltiplas e entrecruzadas podiam ser fortuitas, derivadas das redes de sociabilidade dos estudantes, ou ainda exprimir uma estratégia deliberada de infiltração no MPLA com o objetivo de fazer avançar agendas específicas por dentro das estruturas estatais. Por sua vez, no esforço de reafirmar seu controle sobre a condução do processo político, o MPLA trabalhou, desde sua chegada oficial a Angola em fins de 1974, para cooptar e promover militantes de confiança nos organismos estudantis e nas demais estruturas de base comunitária, estimulando a criação de grupos dinamizadores cuja tarefa era orientar na direção referendada pelo movimento cada um desses pequenos sovietes (TALI, 2001, cap. 10TALI, Jean-Michel Mabeko. Dissidências e poder de Estado: o MPLA perante si próprio. Luanda: Nzila, 2001, 2v.). A partir de 1976, a direção do MPLA buscou dissolver as tendências internas e os grupos políticos que o circulavam e o atravessavam, prendendo os seus militantes mais renitentes e propondo aos demais a autocrítica como pré-requisito para a (re-)integração individual (FIGUEIREDO, 2011FIGUEIREDO, Leonor. O movimento estudantil em Angola nos anos da descolonização (1974-1975). Dissertação de mestrado em História Contemporânea, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2011. Disponível em: <http://hdl.handle.net/10362/6995>. Acesso em: 30 mar. 2021.
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, 2017FIGUEIREDO, Leonor. O fim da extrema-esquerda em Angola: como o MPLA dizimou os comités Amílcar Cabral e a OCA (1974-1980). Lisboa: Guerra & Paz, 2017.).

Simultaneamente, o governo buscava universalizar a adesão dos jovens à JMPLA, de forma semelhante ao esforço feito na mesma época para transformar a OMA numa verdadeira organização de massas (FIGUEIREDO, 2021bFIGUEIREDO, Fábio Baqueiro. Emancipação feminina em questão: tensões e disputas simbólicas na independência angolana. AbeÁfrica: Revista da Associação Brasileira de Estudos Africanos, Rio de Janeiro, v. 6, n. 6, p. 45-80, 2021b. Disponível em: <https://revistas.ufrj.br/index.php/abeafrica/article/view/48178>. Acesso em: 30 mar. 2021.
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). Os resultados dessa campanha de adesão, entretanto, ficaram muito aquém das expectativas – pelo menos em Luanda, onde a JMPLA era uma sigla apenas recentemente introduzida, que competia pela mesma base social com entidades estudantis que já tinham uma aguerrida história de lutas, às quais se associava um forte investimento emocional. Assim, não espanta que, logo nos primeiros dias de janeiro de 1977, tenha sido a Associação dos Estudantes do Ensino Secundário de Luanda (AEESL) o órgão que “tomou a iniciativa de participar na campanha de alfabetização”, convocando para o efeito todos os seus colaboradores.51 51 Jornal de Angola, Luanda, 4 de janeiro de 1977, p. 5. A JMPLA se integrou a reboque e buscou garantir o alinhamento entre as atividades alfabetizadoras da AEESL e as orientações globais da campanha. Ao mesmo tempo, o longo processo de reinstitucionalização do calendário letivo ia cobrando seu preço. O ano escolar estava terminando, mas ainda havia pela frente os exames finais. Eram os primeiros desde 1973, reintroduzidos contra a opinião de grande parte dos estudantes, e uma eventual reprovação poderia desmobilizar muitos futuros alfabetizadores. Para completar, estavam previstas aulas de “reciclagem” nas disciplinas que não haviam corrido normalmente durante o ano letivo e, assim, muitos estudantes ficariam com o tempo comprometido, incapazes de se dedicar à campanha.52 52 Jornal de Angola, Luanda, 6 de janeiro de 1977, p. 4.

Antes que a semana terminasse, a JMPLA fez o seu movimento. Sua estratégia para capturar a iniciativa e ao mesmo tempo expandir sua base de filiados foi a introdução das Brigadas Hoji ya Henda, às quais os estudantes alfabetizadores deveriam aderir.53 53 Jornal de Angola, Luanda, 8 de janeiro de 1977, p. 3. O modelo era, mais uma vez, Cuba e suas Brigadas Conrado Benítez (SUPKO, 1998SUPKO, Ruth A. Perspectives on the Cuban national literacy campaign. Prepared for delivery at the 1998 meeting of the Latin American Studies Association, Palmer House Hilton Hotel, Chicago, Illinois, September 24-26, 1998. Não publicado. Disponível em: <http://biblioteca.clacso.edu.ar/ar/libros/lasa98/Supko.pdf>. Acesso em: 30 mar. 2021.
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). Assim como Benítez, Henda era um jovem mártir da revolução. Mas, enquanto o primeiro fora um estudante assassinado precisamente por ser alfabetizador, Hoji ya Henda era um comandante militar morto em combate aos 27 anos, em 14 de abril de 1968 – data em que se passou a comemorar o Dia da Juventude Angolana. A JMPLA esperava alistar de imediato 3.500 estudantes para começarem a alfabetizar já na semana seguinte, e antecipava um crescimento rápido no número de voluntários. O Comitê Executivo da organização encarregou suas representações em cada escola de sensibilizar e mobilizar a juventude, realizando, em parceria com as associações estudantis, encontros para promover o “enquadramento dos estudantes na alfabetização”, mas também sua frequência aos exames finais, o que sugere o temor de um boicote.54 54 Jornal de Angola, Luanda, 8 de janeiro de 1977, p. 3.

Um aspecto importante dessa manifestação inaugural da JMPLA sobre a campanha é a colocação em cena, pela primeira vez, de uma acusação de sabotagem, que foi mobilizada reiteradamente dali em diante para explicar as insuficiências e os fracassos do esforço nacional de alfabetização. Textualmente:

Alguns estudantes preguiçosos e agitadores, manifestando uma mentalidade doentia, demonstrando falta de consciência revolucionária, têm-se aproveitado do problema dos exames para negarem a Alfabetização, agitando os outros estudantes para não se inscreverem como Alfabetizadores.55 55 Jornal de Angola, Luanda, 8 de janeiro de 1977, p. 3.

O ingresso dos estudantes nas Brigadas seria marcado por uma cerimônia no Cine Miramar, em 13 de janeiro de 1977.56 56 Jornal de Angola, Luanda, 13 de janeiro de 1977, p. 1, 6. Cerca de 500 estudantes compareceram,57 57 Jornal de Angola, Luanda, 14 de janeiro de 1977, p. 1, 2. mas o trabalho de alfabetização não começou no dia 15, como havia sido previsto. Em 26 de janeiro, a JMPLA fez uma reunião de “primordial importância” com os coordenadores de cada brigada, nomeados nesse intervalo, para “demarcar as zonas na qual irão actuar as Brigadas Henda no combate rápido e vigoroso ao analfabetismo”.58 58 Jornal de Angola, Luanda, 25 de janeiro de 1977, p. 3.

Aparentemente, os atrasos ocorriam porque uma parte significativa dos estudantes não via motivo para aderir às brigadas, preferindo vincular-se diretamente ao Centro Provincial de Alfabetização e trabalhar nos espaços comunitários onde muitos já estavam atuando. A JMPLA se viu compelida a convocar uma outra reunião, para o dia seguinte, de “estudantes alfabetizadores enquadrados ou não nas Brigadas” nas suas respectivas escolas, para distribuir os voluntários pelas zonas de alfabetização;59 59 Jornal de Angola, Luanda, 26 de janeiro de 1977, p. 3, grifo nosso. em 1º de fevereiro, uma nova reunião foi feita com “alfabetizadores, enquadrados ou não nas brigadas”, para organizar, finalmente, o início de sua participação na campanha.60 60 Jornal de Angola, Luanda, 1 de fevereiro de 1977, p. 3, grifo nosso. O modelo das brigadas começou a ser levado para outras partes de Angola, mas em uma escala muito menor: no Huambo, por exemplo, a primeira leva de brigadistas tinha apenas 70 alfabetizadores (Jornal de Angola, Luanda, 2 de março de 1977, p. 2). Indícios mais explícitos de que algo não ia bem surgiram já em 15 de fevereiro, quando a convocação dos integrantes das Brigadas Hoji ya Henda de números 211 a 214 foi acompanhada pela advertência de que os faltosos estavam sujeitos a “medidas rígidas de acordo com o nosso Regulamento Interno Disciplinar”.61 61 Jornal de Angola, Luanda, 15 de fevereiro de 1977, p. 3. Uma semana depois, diante das “insuficiências observadas na organização”, o Comitê Central da JMPLA decidiu “dinamizar” a formação de brigadas e, simultaneamente, “enquadrá-las”.62 62 Jornal de Angola, Luanda, 24 de fevereiro de 1977, p. 2.

A pouca disposição dos estudantes a serem enquadrados não era, nem de longe, o único problema da campanha. Já vimos como a falta de materiais, as quedas de energia elétrica e as condições precárias de muitos dos espaços em que decorriam as aulas eram referidos na cobertura jornalística. Mas, muitas vezes, essas dificuldades eram apresentadas numa perspectiva épica, como elementos necessários da narrativa: obstáculos a serem superados pela marcha da coletividade nacional reunida em torno de um propósito comum. O que fugia completamente às expectativas era, justamente, o aparente desinteresse demonstrado por parte da população. Já no início de janeiro, o Jornal de Angola advertia, em letras grandes, que “estudar é um dever revolucionário” e inquiria: “ainda há quem queira permanecer no obscurantismo?”. A matéria acompanhava o tom otimista prevalente na cobertura da campanha, mas não deixava de notar com consternação que, na Siderurgia Nacional de Angola, havia camaradas que se recusavam a frequentar as aulas.63 63 Jornal de Angola, Luanda, 8 de janeiro de 1977, p. 1. Ta mbém no bairro Nelito Soares,

(…) o principal problema que neste momento os responsáveis enfrentam (…) é a incompreensão que encontram no seio de alguns populares no trabalho de consciencialização e mentalização das massas para participarem na campanha. Muitos compatriotas são levados pela propaganda reaccionária de algumas seitas religiosas que existem no bairro e recusam-se a aprender ou até mesmo a ensinar os que não sabem.64 64 Jornal de Angola, Luanda, 27 de março de 1977, p. 3. Possivelmente, o jornal se referia a kimbanguistas e tocoístas – suspeitos de adesão à Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) por seus vínculos com o Congo-Kinshasa – e testemunhas de jeová – que comprometiam a construção do novo Estado por se recusarem a venerar os símbolos nacionais, prestar o serviço militar e doar sangue.

Já no bairro Neves Bendinha, muitos dos “analfabetos” inscritos nunca apareciam na escola. Outros simplesmente faltavam sem justificativa, “e não gosta[va]m que se lhes cham[ass]e a atenção”. A turma de alfabetização visitada pelo Jornal de Angola numa das escolas primárias do bairro tinha 11 estudantes, mas quatro haviam faltado no dia. O articulista dizia não se poder admitir que ainda houvesse angolanos apenas assistindo “comodamente a mais esta batalha indispensável ao avanço da nossa Revolução”.65 65 Jornal de Angola, Luanda, 31 de março de 1977, p. 7, grifo do autor.

As expressões de incredulidade e as admoestações para que os jovens e trabalhadores assumissem suas responsabilidades revolucionárias vinham, por vezes, acompanhadas de defesas políticas da alfabetização que, por um lado, apontavam o papel histórico da “ignorância” e do “obscurantismo” na manutenção do domínio colonial e, por outro, insistiam na necessidade de que os trabalhadores estudassem “as obras dos grandes teóricos revolucionários” para que pudessem de fato exercer o poder no Estado que o MPLA conquistara para eles, e também “as técnicas modernas, necessárias à mecanização do trabalho e à edificação da indústria”.66 66 Jornal de Angola, Luanda, 27 de março de 1977, p. 3. Mas havia expressões de um outro tom, muito mais duro. Em fins de fevereiro, por exemplo, um texto editorial tomou conhecimento da baixa adesão à campanha a partir de um comunicado da Comissão Popular do Bairro dos Massacres que confirmava “o que já nos havia sido dito: o pouco interesse que muitos jovens manifestam pelos cursos de alfabetização”. Acusando-os de trair o povo e mentir a si próprios, o jornal recomendava “seu internamento em campos de recuperação”, para que aprendessem “a trabalhar com uma enxada” e se tornassem produtivos. E considerava:

Não se querem adaptar às nossas actuais condições de vida. Não se querem cultivar, nem desenvolver os seus conhecimentos. Mas não faltam às farras, andam na vadiagem, kazucuteiros de outro género, que também não devemos permitir entre nós.67 67 Jornal de Angola, Luanda, 26 de fevereiro de 1977, p. 3.

A figura do “kazucuteiro” nos ajuda a perceber melhor a dinâmica complexa entre a vertente pedagógica e a vertente repressiva da construção do Estado angolano logo após a independência. Originalmente usada para designar o praticante de uma performance carnavalesca que satirizava os modos afetados dos colonos portugueses, a palavra ganhou novos sentidos após a independência, passando a denotar os jovens que, por suas supostas inclinações hedonistas, individualistas e pequeno-burguesas, recusavam-se a se engajar nas “batalhas da produção” e a contribuir para a edificação da nova nação, preferindo gastar seu tempo em festas, bares e outros usos improdutivos do corpo.68 68 O significado do termo “kazukuta” no pós-independência oscilou entre vadiagem descompromissada e sabotagem consciente do esforço de “reconstrução nacional”, articulando-se ao consumo de álcool e liamba (maconha), à liberdade sexual e, no limite, à contrarrevolução. Em muitos desses casos, havia tentativas de criminalização; em todos, a noção de desvio (e por vezes de doença) era mobilizada. Sobre as mudanças no significado de “kazucuteiro” e “kazukuta” e sua relação com a presença de um higienismo difuso nas práticas e discursos do MPLA e da OMA, ver Figueiredo (2021a). Dessa forma, constituíam a perfeita antítese do Homem Novo e, por isso mesmo, foram a encarnação canônica do inimigo público interno.69 69 Jornal de Angola, Luanda, 11 de dezembro de 1975, p. 2; 1 de setembro de 1976, p. 3. O inimigo público “externo” era o “fantoche” – ou seja, o simpatizante ou militante da UNITA e da FNLA. Sua “exterioridade” é uma característica marcante da construção do discurso sobre a unidade nacional em Angola, que foi analisada com muita argúcia por Christine Messiant (1997; cf. PEARCE, 2017, p. 133-149, 258-265; DULLEY; SAMPAIO, 2020). Como se pode ver, chamadas à repressão estavam presentes no coração mesmo do devir angolano como comunidade de trabalhadores alfabetizados.

Na última semana de abril de 1977, atirava-se para o colo dos estudantes a responsabilidade pela perda do interesse dos alfabetizandos nas aulas:

Para que o grande entusiasmo demonstrado pelos alunos não venha a perder-se é necessário que eles recebam apoio e estímulo constante dos alfabetizadores e de todos nós. No entanto, segundo nos afirmou o responsável pela alfabetização, isto não acontece com alguns dos alfabetizadores no [bairro] Patrice Lumumba. [“]Nós temos – disse-nos – enfrentado imensas dificuldades quanto aos alfabetizadores. A maioria, formada no Centro Provincial de Alfabetização, não aparece. Outros aparecem quando lhes apetece. (…) Os do Cruzeiro recusam-se a dar aulas na Boavista. Alegando ser muito distante das suas casas” (…) É necessário, e urgente, que se combatam certas atitudes incorrectas, de patriotas com mentalidade pequeno-burguesa, herdada do colonialismo.70 70 Jornal de Angola, Luanda, 23 de abril de 1977, p. 6.

Longe de ficar confinado à audiência restrita dos leitores do jornal, o tropo da kazukuta permeava os intercâmbios orais e mais cotidianos nos bairros, como a assembleia de moradores realizada no começo de maio com os responsáveis pela alfabetização no Cazenga. Ali, a “falta de consciência política” dos desistentes – 263 em 613, ou 43% – foi contraposta ao fato de que “a maioria dos alfabetizadores também não cumpre o seu dever revolucionário”. Tudo isso foi agravado pela “sabotagem”, sem sujeitos definidos, que incluía o roubo de carteiras e o corte proposital da eletricidade.71 71 Jornal de Angola, Luanda, 2 de maio de 1977, p. 2. Por outro lado, no encerramento do 3º Seminário Nacional Pedagógico da Alfabetização, em meados de maio, o coordenador do Centro Nacional de Alfabetização defendeu vigorosamente os “estudantes, trabalhadores, combatentes das FAPLA, e militantes da OMA” efetivamente engajados no esforço cotidiano, voltando suas baterias contra os “burocratas”, que, segundo ele, falavam muito da campanha, mas dela não par ticipavam.72 72 Jornal de Angola, Luanda, 15 de maio de 1977, p. 2. No que diz respeito aos estudantes, o momento era especialmente preocupante, uma vez que o ano letivo teria início no dia seguinte e a campanha deixaria de poder contar com a disponibilidade integral de seus principais agentes.

As disputas sobre quem deveria ser responsabilizado pelas insuficiências da campanha – e em que termos – estavam articuladas a um embate mais amplo sobre os significados da independência entre a direção histórica do MPLA e o conjunto da população urbana jovem, muitas vezes acusada de ser pequeno-burguesa. Havia, de fato, uma pequena burguesia urbana em Angola, majoritariamente branca e mestiça, com forte presença no meio estudantil, sendo maioria nos liceus e praticamente a totalidade no ensino superior. Já no primário e no secundário técnico, a origem social dos estudantes era bem mais popular. A maioria eram negros, e muitos habitavam os bairros periféricos de Luanda, onde durante a última fase da colonização se desenvolvera uma noção compartilhada de “soberania cultural” em torno da produção e do consumo cultural, articulados com a explosão da cultura negra atlântica nas décadas de 1960 e 1970 (MOORMAN, 2008MOORMAN, Marissa J. Intonations: a social history of music and nation in Luanda, Angola, from 1945 to recent times. Athens: Ohio University Press, 2008.).73 73 Entretanto, baseando-se em estudos da década de 1960, Moorman (2008, p. 23-24, 82, 89-93) acredita que dessas camadas negras populares estava emergindo uma pequena-burguesia que foi fundamental para o desenvolvimento do semba. Em termos econômicos, tratava-se, principalmente, de famílias formadas por trabalhadores não-braçais, que se percebiam como “classe média” vivendo nas periferias, mas com renda suficiente para consumir produtos culturais e pagar as taxas escolares de seus filhos, por exemplo. Nesse contexto, um conjunto de usos improdutivos do corpo compunha uma forma de estar no mundo cosmopolita e anticolonial, principalmente porque trabalho aviltante e opressão colonial estavam profundamente associados no imaginário angolano. Não é à toa que a representação iconográfica do kazucuteiro na imprensa mobilizava elementos fortemente associados à cultura negra atlântica, dos cabelos “black power” às guitarras elétricas. A direção do MPLA não apenas tinha dificuldade para compreender o potencial emancipatório dessa angolanidade alternativa, como também acreditava que esses comportamentos sociais eram incompatíveis com a nação de trabalhadores disciplinados que se planejava construir. Além disso, os circuitos internacionais aos quais se articulava essa angolanidade dependiam de centros de produção e distribuição cultural sediados nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, e isso era considerado uma séria ameaça ideológ ica (FIGUEIREDO, 2019FIGUEIREDO, Fábio Baqueiro. Batalhas da cultura: cinema e música em Luanda nos dias da independência. In: FURTADO, Claudio Alves; SANSONE, Livio (org.). Lutas pela memória em África. Salvador: EdUFBA, 2019, p. 93-124. Disponível em: <http://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/31849>. Acesso em: 30 mar. 2021.
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).

Revolução e burocratização

Nunca chegaremos a saber que efeito o reinício do ano letivo poderia ter tido sobre o desenvolvimento da campanha, porque o frágil processo de construção do Estado em Angola foi sacudido de forma brutal em 27 de maio de 1977, quando teve lugar um conjunto confuso de eventos qualificado pela história oficial como uma tentativa de golpe de Estado por parte do ex-Ministro do Interior, Nito Alves. A repressão política que se seguiu foi violenta e praticamente indiscriminada, vitimando muito mais gente do que os círculos “nitistas” (TALI, 2001, cap. 13TALI, Jean-Michel Mabeko. Dissidências e poder de Estado: o MPLA perante si próprio. Luanda: Nzila, 2001, 2v.; ver tb. PAWSON, 2014PAWSON, Lara. Em nome do povo: o massacre que Angola silenciou. Lisboa: Tinta-da-China, 2014.). A suspeita de “fraccionismo” parece ter sido utilizada como um pretexto para “disciplinar”, de forma particularmente intensa, os jovens das camadas médias e baixas das principais cidades, cujas perspectivas sobre a independência e cujo estar no mundo eram percebidos como ameaças ao controle do processo político pela direção do MPLA. O desafio nitista e a resposta do governo nos meses subsequentes representaram um ponto de viragem fundamental no balanço entre a orientação pedagógica e a orientação repressiva do regime. Não que as preocupações pedagógicas tivessem perdido importância, mas os “órgãos de segurança” ampliaram enormemente os seus poderes e a sua autonomia diante de outras agências do Estado. O clima de medo e desconfiança, típico do fechamento político, sufocou o que restava de espaço de debate público, e com ele o próprio entusiasmo revolucionário da maior parte da população. Não só isso: dentre os mortos, presos e desaparecidos, contavam-se um bom número de alfabetizadores, principalmente estudantes.

Ainda assim, a campanha prosseguiu, em uma segunda fase estruturada a partir de uma Reunião de Balanço e de Reorganização (CNA, 1978, p. 56CENTRO NACIONAL DE ALFABETIZAÇÃO (CNA). A luta contra o analfabetismo na República Popular de Angola. Luanda: Ministério da Educação da República Popular de Angola, 1978.). A JMPLA redobrou seus esforços de enquadramento dos estudantes por meio da criação das Brigadas Dangereux, em homenagem a um jovem militar morto durante os confrontos. Em conjunto com a UNTA, a entidade assumiu, assim, o grosso do trabalho de recrutamento e supervisão dos alfabetizadores,74 74 Entrevista com Maria da Conceição Neto realizada em Luanda, em 22 de agosto de 2017. indo de escola em escola para promover a filiação massiva de estudantes.75 75 Jornal de Angola, Luanda, 4 de janeiro de 1978, p. 3. A disciplina fora afinal imposta, e os tempos românticos de uma “certa anarquia” no cotidiano estudantil ficavam definitivamente para trás.

Também na metade de 1977, foram iniciados os primeiros cursos de pós-alfabetização, com duração de mais um semestre, num esforço para articular o avanço da campanha à reformulação do sistema de ensino como um todo. Assim, o manual para os recém-alfabetizados já incorporava a designação “alfabetização de adultos”, deixando em segundo plano as implicações épicas, militaristas e excepcionalistas de termos como “campanha” ou “batalha” para se aproximar da normalidade de um sistema permanente, contínuo e institucionalizado. No final do ano, começaram a ser preparados os materiais didáticos para o terceiro e o quarto semestres de um total de doze previstos para a escolarização de adultos (CNA, 1978, p. 5, 14CENTRO NACIONAL DE ALFABETIZAÇÃO (CNA). A luta contra o analfabetismo na República Popular de Angola. Luanda: Ministério da Educação da República Popular de Angola, 1978.; MINED, 1977aMINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO DA REPÚBLICA POPULAR DE ANGOLA (MINED). Eu sei ler: livro de leitura para o segundo semestre da educação de adultos. Luanda: Ministério da Educação, 1977a.).

Não se tratava de improviso: a reforma do sistema estava na pauta desde a preparação da campanha. Não é à toa que o discurso de Lúcio Lara no lançamento das Brigadas Hoji ya Henda, em 13 de janeiro de 1977, tratou na mesma medida da alfabetização e da “escola secundária que herdamos”, que “não serve para nada ao nosso Povo”. Lara defendeu uma reforma que privilegiasse o ensino técnico, ressaltando a importância de inserir no sistema de ensino trabalhadores não qualificados previamente, mas que já atuavam em áreas correlatas ou se encontravam desempregados.76 76 Jornal de Angola, Luanda, 14 de janeiro de 1977, p. 1-2. Em paralelo, e com a intensa participação de quadros cubanos, diversas iniciativas de qualificação de gestores escolares tiveram início, incluindo um seminário de três dias para dirigentes de cursos de professores monitores,77 77 Jornal de Angola, Luanda, 12 de janeiro de 1977, p. 3. e um curso de três meses para responsáveis provinciais do ensino primário.78 78 Jornal de Angola, Luanda, 27 de abril de 1977, p. 1. Em virtude da própria demografia, o primário era o objetivo mais imediato – e também o mais desafiador: havia 1,7 milhões de crianças entre 6 e 14 anos fora da escola. Para atendê-las, seria preciso que o número de professores primários saltasse de 20 para 60 mil em um curto espaço de tempo.79 79 Outra fonte informa 25 mil professores primários em 1977, dos quais só 7% tinham as habilitações necessárias (MPLA-PT, 1978, p. 42). A formação de alfabetizadores era vista pelo Vice-Ministro da Educação, Pepetela, como uma porta de entrada para a carreira de professor primário. Era também um teste de carga para as novas estruturas de formação do ministério, que precisavam capacitar 4 mil alfabetizadores a cada três meses.80 80 Jornal de Angola, Luanda, 16 de janeiro de 1977, p. 1, 6. A demanda espontânea pelo primário era monumental: o ministro Ambrósio Lukóki anunciou, na cerimônia de abertura do ano letivo de 1977, que 1 milhão de crianças estavam matriculadas nesse nível de ensino, apesar da falta de condições materiais.81 81 Jornal de Angola, Luanda, 20 de maio de 1977, p. 1. Esses números alimentavam a esperança de rápida superação do quadro colonial. De fato, em 1973, os alunos do primário eram pouco menos de 513 mil – um terço dos quais, portugueses (MPLA-PT, 1978, p. 42MOVIMENTO POPULAR DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA – PARTIDO DO TRABALHO (MPLA-PT). Teses e resoluções – 1º congresso. Luanda: INA, 1978.). Ou seja, em dois anos a independência já conseguira levar para a escola algo em torno de 600 mil crianças.

O novo modelo educacional, proposto pelo Ministério da Educação e aprovado com pequenas modificações em dezembro de 1977, estava dividido em três subsistemas: o Ensino de Base, o Ensino Médio e o Ensino Superior. O Ensino de Base se dividia em três segmentos: além da Formação Regular de oito anos, havia também uma Formação Técnico-Profissional de Base, ofertada por instituições especializadas a trabalhadores qualificados que já tivessem a 4ª classe, e a Formação de Adultos, em 12 semestres. As correspondências entre os três ramos permitiam, por exemplo, que aqueles que haviam abandonado a escola após a 4ª classe já ingressassem no 5º semestre da Formação de Adultos, ou que os alunos dos quatro últimos semestres da Formação de Adultos passassem para o segundo nível da Formação Técnico-Profissional. Já o Ensino Médio podia ser técnico-profissional – quatro anos – ou pré-universitário – três. Caminhos especiais eram propostos para a formação de professores, incluindo um curso normal de nível médio, além de “formação acelerada” e “cursos de superação” para professores leigos em atividade ou concluintes da 4ª, 6ª ou 8ª classe. O objetivo final era o ingresso de todos no Ensino Superior, no Instituto Superior de Ciências da Educação (MINED, 1977bMINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO DA REPÚBLICA POPULAR DE ANGOLA (MINED). Princípios de base para a reformulação do sistema da educação e ensino na República Popular de Angola. [Luanda]: Ministério da Educação, 1977b.; MPLA-PT, 1978, p. 53-79MOVIMENTO POPULAR DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA – PARTIDO DO TRABALHO (MPLA-PT). Teses e resoluções – 1º congresso. Luanda: INA, 1978.; ver tb. KEBANGUILAKO, 2016, p. 253-273KEBANGUILAKO, Dinis. A educação em Angola: sistema educativo, políticas públicas e os processos de hegemonização e homogeneização política na primeira república: 1975-1992. Tese de doutorado em Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2016. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/handle/ri/20719>. Acesso em: 30 mar. 2021.
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, an. IV; cf. HATZKY, 2015, p. 112-147HATZKY, Christine. Cubans in Angola: South-South cooperation and transfer of knowledge, 1976-1991. Madison: University of Wisconsin Press, 2015.).

Ao final de 1977, Angola podia contabilizar 102.780 alfabetizados, o que significa que, após o 27 de maio, foram alfabetizadas cerca de 50 mil pessoas, um número semelhante ao da primeira fase da campanha. Possivelmente, os ganhos de eficiência na organização – e a imposição de uma disciplina muito mais apertada sobre o corpo social – compensaram em grande medida o esmorecimento geral do entusiasmo revolucionário, assim como as mortes, prisões e desistências de alfabetizadores. Uma terceira fase teve lugar ao longo de 1978. Segundo os dados reunidos pelo Centro Nacional de Alfabetização no fim daquele ano, até ali haviam sido alfabetizadas 178.052 pessoas. Destas, 85.584 estavam prosseguindo com os estudos, cursando o segundo semestre da nova Formação de Adultos. Havia, ainda, 623.730 angolanos que estavam aprendendo a ler. Todos esses transitariam a partir de então da campanha para o sistema.82 82 Oficialmente, a campanha prosseguiu até 1997 (HATZKY, 2015, p. 137-138), mas sua característica de esforço coletivo constitutivo da identidade nacional não sobreviveu ao processo de burocratização.

Por outro lado, dos mais de 52.869 alfabetizadores formados, apenas 28.704 continuavam ativos (CNA, 1978, p. 19CENTRO NACIONAL DE ALFABETIZAÇÃO (CNA). A luta contra o analfabetismo na República Popular de Angola. Luanda: Ministério da Educação da República Popular de Angola, 1978.). As maiores diferenças percentuais entre o número de alfabetizadores formados e ativos estavam no Zaire (81%), Cuando Cubango (67%), Huambo (67%), Cabinda (65%), Cuanza Sul (63%) e Moxico (63%), enquanto em Luanda essa diferença era de apenas 22%. Se esses números estiverem corretos, duas conclusões se impõem. Em primeiro lugar, que as diatribes contra os estudantes alfabetizadores em Luanda eram, em grande medida, despropositadas; em segundo, que a repressão política direta – mais intensa na capital – foi um fator de desarticulação sensível, mas de importância proporcionalmente restrita. Outros motivos devem ser buscados para explicar o fenômeno conforme as províncias, como o recrudescimento da guerra, o baixo índice de urbanização, a fraca penetração da língua portuguesa, e mesmo uma insuficiência geral de legitimidade do projeto político do MPLA.

Os números obtidos ao final de dois anos da campanha são bastante expressivos, mas bem menores que os alcançados pela experiência cubana que lhe forneceu os principais modelos organizacionais e pedagógicos. É preciso reconhecer que as condições de partida das duas campanhas eram bastante díspares, e os responsáveis angolanos da educação sabiam disso perfeitamente. Havia em Cuba, bem ou mal, um sistema de ensino básico com uma boa cobertura: três em cada quatro cubanos sabiam ler e escrever. O grande problema era o desnível entre as cidades – onde o analfabetismo girava em torno de 11% – e as zonas rurais – em que o número de analfabetos subia para perto dos 42% (PÉREZ-CRUZ, 2011, p. 11PÉREZ-CRUZ, Felipe de Jesús. La campaña nacional de alfabetización en Cuba. Varona, La Habana, n. 53, p. 10-23, 2011. Disponível em: <https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=360635575003>. Acesso em: 30 mar. 2021.
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). Embora tenha havido aulas de alfabetização nas zonas urbanas, a campanha de Cuba foi marcada pelo envio de uma legião de alfabetizadores das cidades para o interior. No total, a campanha mobilizou 260 mil voluntários, entre alfabetizadores populares, estudantes e trabalhadores (HERMAN, 2012, p. 97-98HERMAN, Rebecca. An army of educators: gender, revolution and the Cuban literacy campaign of 1961. Gender & History, New Jersey, v. 24, n. 1, p. 93-111, 2012. Disponível em: <https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1468-0424.2011.01670.x>. Acesso em: 30 mar. 2021. doi: http://dx.doi.org/10.1111/j.1468-0424.2011.01670.x.
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1...
; PÉREZ-CRUZ, 2011, p. 19-21PÉREZ-CRUZ, Felipe de Jesús. La campaña nacional de alfabetización en Cuba. Varona, La Habana, n. 53, p. 10-23, 2011. Disponível em: <https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=360635575003>. Acesso em: 30 mar. 2021.
https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=3...
; SUPKO, 1998, p. 56SUPKO, Ruth A. Perspectives on the Cuban national literacy campaign. Prepared for delivery at the 1998 meeting of the Latin American Studies Association, Palmer House Hilton Hotel, Chicago, Illinois, September 24-26, 1998. Não publicado. Disponível em: <http://biblioteca.clacso.edu.ar/ar/libros/lasa98/Supko.pdf>. Acesso em: 30 mar. 2021.
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). Em Angola, por outro lado, o número total de alfabetizadores foi cinco vezes menor – não tanto pelo desinteresse dos potenciais voluntários ou pela volatilidade da situação política, mas pela inexistência de um número suficiente de pessoas com a escolaridade mínima necessária. O envio de jovens alfabetizadores urbanos para o interior foi pequeno, tanto porque a demanda das cidades já era suficientemente alta para absorver o trabalho dos voluntários, quanto por conta das dificuldades com a língua portuguesa nas zonas rurais.

Se a formação de alfabetizadores era um problema, a atração de jovens para a carreira do magistério era ainda mais difícil. Não por acaso, o Ministério da Educação lançou no começo de 1978 um “texto de discussão” que definia o professor como “um combatente na linha de frente”, ressaltando a carência de 30 mil professores primários e milhares de professores secundários, e apresentando as novas instituições voltadas para a formação de professores a serem brevemente inauguradas: oito Institutos Normais de Educação, três Pré-Universitários Pedagógicos, e dois institutos superiores das Ciências da Educação, espalhados pelo território.83 83 Jornal de Angola, Luanda, 24 de janeiro de 1979, p. 9. No curto prazo, a solução foi ampliar o escopo da cooperação internacional, com a contratação de professores estrangeiros, incluindo mais de 700 cubanos, e o envio de centenas de estudantes angolanos para cursar o final do ensino básico, o secundário ou a universidade em Cuba, especialmente em cursos de formação de professores (HATZKY, 2015, p. 162-164HATZKY, Christine. Cubans in Angola: South-South cooperation and transfer of knowledge, 1976-1991. Madison: University of Wisconsin Press, 2015.; ver tb. KEBANGUILAKO, 2016, p. 278-282KEBANGUILAKO, Dinis. A educação em Angola: sistema educativo, políticas públicas e os processos de hegemonização e homogeneização política na primeira república: 1975-1992. Tese de doutorado em Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2016. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/handle/ri/20719>. Acesso em: 30 mar. 2021.
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).

A ideia de utilizar a Campanha Nacional de Alfabetização para dar o pontapé inicial na construção de um sistema universal de ensino foi, provavelmente, uma das mais inovadoras e inteligentes propostas dos primeiros anos do governo independente. Essa articulação fez da campanha o mais bem-sucedido experimento de engenharia social promovido pelo Estado angolano. Com os percalços que se pode imaginar e com o inevitável baixo nível de qualificação das primeiras levas de professores, Angola conseguiu criar praticamente do zero um sistema de ensino que, em 1980, chegou a 2,4 milhões de matrículas para as primeiras quatro classes do ensino básico, às quais se somava outro 1 milhão para a formação de adultos (MPLA-PT, 1981, p. 23-24MOVIMENTO POPULAR DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA – PARTIDO DO TRABALHO (MPLA-PT). Orientações fundamentais para o desenvolvimento económico-social. Luanda: IN/UEE, 1981.). Isso permitiu à vertente pedagógica do projeto de construção do Estado em Angola voltar à carga. No 1º Congresso Extraordinário do MPLA, realizado em fins de 1980, foram aprovados os planos de uma verdadeira revolução educacional, que incluíam a interiorização das escolas, a ampliação da gratuidade e a expansão da oferta de classes mais avançadas, além de assistência social aos estudantes mais carentes e a introdução das línguas nacionais na alfabetização. Tudo isso ao mesmo tempo que se reconhecia a carência de estruturas físicas e meios técnicos, materiais e humanos, além da ainda muito baixa produção econômica (MPLA-PT, 1981, p. 113-125MOVIMENTO POPULAR DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA – PARTIDO DO TRABALHO (MPLA-PT). Orientações fundamentais para o desenvolvimento económico-social. Luanda: IN/UEE, 1981.). Mas esse era precisamente o argumento: só por meio da escolarização massiva Angola conseguiria qualificar suficientemente sua força de trabalho para aumentar a produtividade. A educação era, assim, o único investimento estatal que poderia dar o retorno econômico almejado. Tragicamente, o recrudescimento da guerra, a partir do início da década de 1980, fez retroceder de modo brutal as conquistas acumuladas na Educação.

A Campanha Nacional de Alfabetização deve ser entendida no contexto de afirmação do Estado implantado pelo MPLA em Angola, sob forte contestação tanto dos movimentos nacionalistas rivais quanto de um conjunto diversificado e multifacetado de grupos sociais urbanos (cf. KEBANGUILAKO, 2016, p. 253-292KEBANGUILAKO, Dinis. A educação em Angola: sistema educativo, políticas públicas e os processos de hegemonização e homogeneização política na primeira república: 1975-1992. Tese de doutorado em Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2016. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/handle/ri/20719>. Acesso em: 30 mar. 2021.
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; VIEIRA, 2007, p. 89-116VIEIRA, Laurindo. Angola: a dimensão ideológica da educação, 1975-1992. Luanda: Nzila, 2007.). A alfabetização maciça da população angolana obedecia a duas injunções complementares. De uma parte, a formação rápida de mão de obra minimamente qualificada, num primeiro momento para preencher os postos técnicos e gerenciais vagos, e logo em seguida para subsidiar o forte impulso de industrialização e substituição de importações exigido pelo modelo de desenvolvimento econômico proposto pelo novo regime. De outra parte, a construção de um nível básico de hegemonia que permitisse uma imaginação coletiva da nação, em língua portuguesa, e sob um estreito controle ideológico, baseado no ideário do Homem Novo. Em um nível mais pragmático, a campanha foi a primeira iniciativa por meio da qual o Estado, num ambiente muito militarizado, buscou expandir seu alcance e sua capacidade operacional civil, apesar da permanência de uma certa militarização simbólica. Essa expansão se deu tanto em termos de implantação territorial – incluindo as “organizações de massa” que foram assumindo progressivamente um caráter paraestatal – quanto no que diz respeito à direção política da experiência social dos angolanos em sua multiplicidade de identificações coletivas de origem. Atuando sobre um dos principais passivos dos tempos coloniais, o novo partido-Estado conseguiu, em grande medida, mobilizar o entusiasmo revolucionário volátil das camadas mais jovens da população e, ao mesmo tempo, estabelecer seu papel como artífice de uma nova coletividade nacional que se movia algo atabalhoadamente, mas com uma impressionante unidade de propósito e com surpreendente eficiência, considerando-se o tamanho monumental da empreitada e as persistentes carências de meios e recursos.

Por outro lado, os principais líderes do novo Estado lidaram muito mal com um caldo de cultura autogestionário juvenil e com uma angolanidade construída em sua ausência nos últimos anos do domínio colonial, orientada para outras redes de circulação internacional de ideias e produtos culturais – distintas das redes terceiro-mundistas e socialistas nas quais os líderes haviam sido formados. Talvez o Homem Novo em Angola pudesse ter articulado as referências emancipatórias e as expectativas sociais dessas duas diferentes versões de cosmopolitismo presentes no terreno, mas o fato é que o discurso oficial do novo Estado fez do estar no mundo da maior parte da juventude urbana a antítese desse ideal. Se as acusações de kazukuta foram relativamente pontuais no âmbito da campanha, a dominância da orientação repressiva do Estado sobre seus impulsos pedagógicos cobrou um enorme preço sobre a pretensão do MPLA de consolidar sua legitimidade, o que, com o tempo, passou a minar de forma insidiosa a própria capacidade operacional que o fechamento político, num primeiro momento, potencializou.

  • 1
    Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo. Esta pesquisa contou com apoio financeiro do Grupo de Excelência África Múltipla, por meio de uma fellowship na Academia de Estudos Africanos Avançados da Universidade de Bayreuth, Alemanha. A pesquisa documental contou com apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – Processo 445326/2014-0. Agradeço a Cristina Pinto, Maria da Conceição Neto, João Pedro Lourenço e Wanda Lara pela acolhida e pelo inestimável auxílio em Luanda, e aos integrantes da linha de pesquisa Estudos Africanos do Programa de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos da Universidade Federal da Bahia (UFBA) pelas valiosas críticas e sugestões a uma versão anterior deste manuscrito.
  • 3
    A última etapa do caminho até a independência, iniciada com a queda da ditadura em Portugal, em 25 de abril de 1974, foi vertiginosa. Em julho, o governo revolucionário português reconheceu o direito à independência de suas “províncias” africanas e, em outubro, foram assinados os últimos acordos de cessar-fogo em Angola. Os movimentos nacionalistas armados passaram, então, à legalidade e em janeiro de 1975 instituíram em comum acordo um Governo de Transição, que deveria organizar eleições em outubro. Ao longo do ano, porém, a tensão aumentou entre os movimentos rivais, que logo passaram da mobilização política à confrontação armada. O MPLA, a princípio, levou vantagem e conseguiu expulsar os outros movimentos das cidades, devido ao massivo apoio que recebeu da população urbana, particularmente dos jovens. Mas as organizações rivais recuperaram terreno rapidamente, com o apoio do Zaire e da África do Sul, e por pouco não conseguiram chegar a Luanda na data estipulada para a independência – 11 de novembro de 1975. A comunidade internacional reconheceu progressivamente o governo do MPLA em Luanda como legítimo e, em março de 1976, o controle militar sobre a maior parte do território já havia sido restabelecido, com apoio cubano. A guerra, entretanto, continuou, localizada no centro-sul e com menor intensidade, voltando a se espalhar pelo território e a ganhar força nos primeiros anos da década de 1980, prosseguindo, entre altos e baixos, até 2002 (GLEIJESES, 2002GLEIJESES, Piero. Conflicting missions: Havana, Washington, and Africa, 1959-1976. Chapel Hill: University of North Carolina, 2002.; PINTO, 2017, cap. XXPINTO, Alberto Oliveira. História de Angola: da Pré-História ao início do século XXI. 2. ed. Lisboa: Mercado de Letras, 2017.; TALI, 2001TALI, Jean-Michel Mabeko. Dissidências e poder de Estado: o MPLA perante si próprio. Luanda: Nzila, 2001, 2v.; WHEELER; PÉLISSIER, 2011, cap. 12WHEELER, Douglas L.; PÉLISSIER, René. História de Angola. Lisboa: Tinta-da-China, 2011.).
  • 4
    Diário de Luanda, Luanda, 6 de novembro de 1975, p. 5, 7. Os jornais do período foram consultados na Biblioteca Nacional de Angola. Os demais documentos citados aqui constam do arquivo da Associação Tchiweka de Documentação (https://www.tchiweka.org) e, em menor número, de acervos privados em Luanda.
  • 5
    A campanha cubana foi, provavelmente, a mais bem-sucedida de todos os tempos (HERMAN, 2012HERMAN, Rebecca. An army of educators: gender, revolution and the Cuban literacy campaign of 1961. Gender & History, New Jersey, v. 24, n. 1, p. 93-111, 2012. Disponível em: <https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1468-0424.2011.01670.x>. Acesso em: 30 mar. 2021. doi: http://dx.doi.org/10.1111/j.1468-0424.2011.01670.x.
    https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1...
    ; PÉREZ-CRUZ, 2011PÉREZ-CRUZ, Felipe de Jesús. La campaña nacional de alfabetización en Cuba. Varona, La Habana, n. 53, p. 10-23, 2011. Disponível em: <https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=360635575003>. Acesso em: 30 mar. 2021.
    https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=3...
    ; SUPKO, 1998SUPKO, Ruth A. Perspectives on the Cuban national literacy campaign. Prepared for delivery at the 1998 meeting of the Latin American Studies Association, Palmer House Hilton Hotel, Chicago, Illinois, September 24-26, 1998. Não publicado. Disponível em: <http://biblioteca.clacso.edu.ar/ar/libros/lasa98/Supko.pdf>. Acesso em: 30 mar. 2021.
    http://biblioteca.clacso.edu.ar/ar/libro...
    ). Um dos pontos de interesse do MPLA residia no fato de que o modelo cubano se baseava na figura dos “alfabetizadores populares”, de quem não se exigia um nível tão elevado de formação escolar e intelectual quanto o que era demandado pelo método Paulo Freire (PIMENTA, 2006, p. 78-79PIMENTA, Fernando Tavares. Angola no percurso de um nacionalista: conversas com Adolfo Maria. Porto: Afrontamento, 2006.; FREIRE; GUIMARÃES, 2011, p. 109-110FREIRE, Paulo; GUIMARÃES, Sérgio. A África ensinando a gente: Angola, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe. 2. ed. São Paulo: Paz & Terra, 2011.). Comunicação pessoal com Pepetela. Mensagem eletrônica enviada ao autor, 19 de setembro de 2012.
  • 6
    Diário de Luanda, Luanda, 6 de novembro de 1975, p. 7.
  • 7
    Diário de Luanda, Luanda, 6 de novembro de 1975, p. 7.
  • 8
    Jornal de Angola, Luanda, 20 de dezembro de 1975, p. 3. O escritor António Jacinto foi o primeiro Ministro da Educação e Cultura. Ainda em 1976, as duas áreas foram separadas: Jacinto ficou na Secretaria Nacional da Cultura, e Ambrósio Lukóki foi nomeado Ministro da Educação, secundado por Pepetela – ambos dirigentes veteranos do DEC do MPLA.
  • 9
    Sou grato a Igor Costa por me chamar a atenção para o escopo mais amplo da cooperação civil cubana e para o trabalho de Christine Hatzky (2015)HATZKY, Christine. Cubans in Angola: South-South cooperation and transfer of knowledge, 1976-1991. Madison: University of Wisconsin Press, 2015..
  • 10
    Entrevista com Maria da Conceição Neto realizada em Luanda, em 22 de agosto de 2017.
  • 11
    Entrevista com Maria da Conceição Neto realizada em Luanda, em 22 de agosto de 2017.
  • 12
    Entrevista com Maria da Conceição Neto realizada em Luanda, em 22 de agosto de 2017.
  • 13
    Jornal de Angola, Luanda, 22 de novembro de 1975, p. 3.
  • 14
    Jornal de Angola, Luanda, 31 de agosto de 1976, p. 2.
  • 15
    Paulo Freire foi formalmente assessor do Ministério da Educação angolano (FREIRE, 1992, p. 205FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1992.). Nesta primeira visita, participou também de reuniões no Huambo (Entrevista com Maria da Conceição Neto realizada em Luanda, em 22 de agosto de 2017). Em fevereiro de 1977, o educador foi o principal palestrante em um colóquio sobre “Cultura e Revolução” organizado pela União dos Escritores Angolanos em Luanda (Jornal de Angola, 13 de fevereiro de 1977, p. 6; Jornal de Angola, 15 de fevereiro de 1977, p. 3).
  • 16
    Jornal de Angola, Luanda, 31 de agosto de 1976, p. 1.
  • 17
    Christine Hatzky (2015, p. 131-135)HATZKY, Christine. Cubans in Angola: South-South cooperation and transfer of knowledge, 1976-1991. Madison: University of Wisconsin Press, 2015. contrapõe a perspectiva antidogmática de Paulo Freire e a doutrinação política explícita dos cubanos para explicar a opção ideológica do MPLA por estes últimos. Essa interpretação não é corroborada pelas fontes e referências aqui reunidas.
  • 18
    Jornal de Angola, Luanda, 28 de outubro de 1976, p. 1.
  • 19
    Também referido em entrevista com Pepetela realizada em Lisboa, em 19 de junho de 2011.
  • 20
    Entrevista com Maria da Conceição Neto realizada em Luanda, em 22 de agosto de 2017 (cf. FREIRE; GUIMARÃES, 2011, p. 92-93FREIRE, Paulo; GUIMARÃES, Sérgio. A África ensinando a gente: Angola, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe. 2. ed. São Paulo: Paz & Terra, 2011.).
  • 21
    Jornal de Angola, Luanda, 4 de novembro de 1976, p. 5.
  • 22
    Entrevista com Maria da Conceição Neto realizada em Luanda, em 22 de agosto de 2017.
  • 23
    Discurso proferido pelo Camarada Presidente Dr. António Agostinho Neto, aos Camaradas da TEXTANG, em 22 de Novembro de 1976, que originou o Dia do Educador. Cf. Lançamento da ca m panha de alfab etização. NOVACULTURA.info. Disponível em: <https://www.novacultura.info/post/2022/03/11/lancamento-da-campanha-de-alfabetizacao>. Acesso em: 10 jul. 2022.
  • 24
    Jornal de Angola, Luanda, 14 de janeiro de 1977, p. 1.
  • 25
    Jornal de Angola, Luanda, 5 de janeiro de 1977, p. 1-2.
  • 26
    Jornal de Angola, Luanda, 5 de janeiro de 1977, p. 3.
  • 27
    Jornal de Angola, Luanda, 6 de janeiro de 1977, p. 2.
  • 28
    Jornal de Angola, Luanda, 12 de janeiro de 1977, p. 1.
  • 29
    Jornal de Angola, Luanda, 12 de janeiro de 1977, p. 1; Jornal de Angola, 14 de janeiro de 1977, p. 3.
  • 30
    Jornal de Angola, Luanda, 25 de janeiro de 1977, p. 3.
  • 31
    Jornal de Angola, Luanda, 24 de fevereiro de 1977, p. 3.
  • 32
    Jornal de Angola, Luanda, 12 de março de 1977, p. 5.
  • 33
    Jornal de Angola, Luanda, 3 de abril de 1977, p. 2.
  • 34
    Jornal de Angola, Luanda, 14 de abril de 1977, p. 2
  • 35
    Jornal de Angola, Luanda, 23 de fevereiro de 1977, p. 1.
  • 36
    Jornal de Angola, Luanda, 31 de março de 1977, p. 7.
  • 37
    Jornal de Angola, Luanda, 27 de março de 1977, p. 3.
  • 38
    Jornal de Angola, Luanda, 11 de abril de 1977, p. 5.
  • 39
    Para Cabinda, por exemplo, os dados fornecidos em janeiro de 1978 são fundamentalmente iguais aos de março de 1977 (Jornal de Angola, Luanda, 5 de janeiro de 1978, p. 2).
  • 40
    A liderança da UNITA, majoritariamente formada em escolas missionárias congregacionalistas, também percebia a escolarização como uma demanda popular que importava atender, bem como ferramenta de construção de hegemonia. Assim, o MPLA não estava sozinho nos esforços de alfabetização popular promovidos logo após a independência (PEARCE, 2017PEARCE, Justin. A guerra civil em Angola: 1975-2002. Lisboa: Tinta-da-China, 2017.; PÉCLARD, 2015PÉCLARD, Didier. Les incertitudes de la nation en Angola: aux racines sociales de l’Unita. Paris: Karthala, 2015.). Uma comparação entre a Campanha Nacional de Alfabetização e as iniciativas educacionais da UNITA certamente enriqueceria muito a nossa compreensão da história recente de Angola e das contradições na construção do Estado angolano, mas este objetivo está, infelizmente, além do alcance das fontes mobilizadas por este artigo.
  • 41
    Entrevista com Maria da Conceição Neto realizada em Luanda, em 22 de agosto de 2017 (cf. PEARCE, 2017, p. 129-130PEARCE, Justin. A guerra civil em Angola: 1975-2002. Lisboa: Tinta-da-China, 2017.).
  • 42
    Jornal de Angola, Luanda, 5 de abril de 1977, p. 2.
  • 43
    Jornal de Angola, Luanda, 15 de abril de 1977, p. 7.
  • 44
    Jornal de Angola, Luanda, 16 de abril de 1977, p. 3.
  • 45
    Esse número seria revisado, ainda uma última vez, para 46.000 (CNA, 1978, p. 5CENTRO NACIONAL DE ALFABETIZAÇÃO (CNA). A luta contra o analfabetismo na República Popular de Angola. Luanda: Ministério da Educação da República Popular de Angola, 1978.).
  • 46
    Jornal de Angola, Luanda, 26 de maio de 1977, p. 3.
  • 47
    Jornal de Angola, Luanda, 6 de abril de 1977, p. 4.
  • 48
    Jornal de Angola, Luanda, 22 de abril de 1977, p. 7.
  • 49
    Jornal de Angola, Luanda, 12 de maio de 1977, p. 6.
  • 50
    Jornal de Angola, Luanda, 14 de janeiro de 1977, p. 1.
  • 51
    Jornal de Angola, Luanda, 4 de janeiro de 1977, p. 5.
  • 52
    Jornal de Angola, Luanda, 6 de janeiro de 1977, p. 4.
  • 53
    Jornal de Angola, Luanda, 8 de janeiro de 1977, p. 3.
  • 54
    Jornal de Angola, Luanda, 8 de janeiro de 1977, p. 3.
  • 55
    Jornal de Angola, Luanda, 8 de janeiro de 1977, p. 3.
  • 56
    Jornal de Angola, Luanda, 13 de janeiro de 1977, p. 1, 6.
  • 57
    Jornal de Angola, Luanda, 14 de janeiro de 1977, p. 1, 2.
  • 58
    Jornal de Angola, Luanda, 25 de janeiro de 1977, p. 3.
  • 59
    Jornal de Angola, Luanda, 26 de janeiro de 1977, p. 3, grifo nosso.
  • 60
    Jornal de Angola, Luanda, 1 de fevereiro de 1977, p. 3, grifo nosso. O modelo das brigadas começou a ser levado para outras partes de Angola, mas em uma escala muito menor: no Huambo, por exemplo, a primeira leva de brigadistas tinha apenas 70 alfabetizadores (Jornal de Angola, Luanda, 2 de março de 1977, p. 2).
  • 61
    Jornal de Angola, Luanda, 15 de fevereiro de 1977, p. 3.
  • 62
    Jornal de Angola, Luanda, 24 de fevereiro de 1977, p. 2.
  • 63
    Jornal de Angola, Luanda, 8 de janeiro de 1977, p. 1.
  • 64
    Jornal de Angola, Luanda, 27 de março de 1977, p. 3. Possivelmente, o jornal se referia a kimbanguistas e tocoístas – suspeitos de adesão à Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) por seus vínculos com o Congo-Kinshasa – e testemunhas de jeová – que comprometiam a construção do novo Estado por se recusarem a venerar os símbolos nacionais, prestar o serviço militar e doar sangue.
  • 65
    Jornal de Angola, Luanda, 31 de março de 1977, p. 7, grifo do autor.
  • 66
    Jornal de Angola, Luanda, 27 de março de 1977, p. 3.
  • 67
    Jornal de Angola, Luanda, 26 de fevereiro de 1977, p. 3.
  • 68
    O significado do termo “kazukuta” no pós-independência oscilou entre vadiagem descompromissada e sabotagem consciente do esforço de “reconstrução nacional”, articulando-se ao consumo de álcool e liamba (maconha), à liberdade sexual e, no limite, à contrarrevolução. Em muitos desses casos, havia tentativas de criminalização; em todos, a noção de desvio (e por vezes de doença) era mobilizada. Sobre as mudanças no significado de “kazucuteiro” e “kazukuta” e sua relação com a presença de um higienismo difuso nas práticas e discursos do MPLA e da OMA, ver Figueiredo (2021a)FIGUEIREDO, Fábio Baqueiro. Doenças e desvios na independência angolana: higienismo, liamba, kaporroto e kazukuta. In: SANSONE, Livio et al. (org.). Pandemias e utopias: agendas políticas e possibilidades emergentes. Salvador: Cogito, 2021a, p. 97-128. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/handle/ri/33935>. Acesso em: 30 mar. 2021.
    https://repositorio.ufba.br/handle/ri/33...
    .
  • 69
    Jornal de Angola, Luanda, 11 de dezembro de 1975, p. 2; 1 de setembro de 1976, p. 3. O inimigo público “externo” era o “fantoche” – ou seja, o simpatizante ou militante da UNITA e da FNLA. Sua “exterioridade” é uma característica marcante da construção do discurso sobre a unidade nacional em Angola, que foi analisada com muita argúcia por Christine Messiant (1997MESSIANT, Christine. “Em Angola, até o passado é imprevisível”: a experiência de uma investigação sobre o nacionalismo angolano, em particular, o MPLA: fontes, crítica, necessidades actuais da investigação. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE A HISTÓRIA DE ANGOLA, 2., 1997, Luanda. Atas. Construindo o passado angolano: as fontes e sua interpretação. Lisboa: CNCDP, 1997, p. 803-859.; cf. PEARCE, 2017, p. 133-149, 258-265PEARCE, Justin. A guerra civil em Angola: 1975-2002. Lisboa: Tinta-da-China, 2017.; DULLEY; SAMPAIO, 2020DULLEY, Iracema; SAMPAIO, Luísa Tui. Accusation and legitimacy in the Civil War in Angola. Vibrant: Virtual Brazilian Anthropology, Brasília, v. 17, p. 1-20, 2020. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/vb/a/qBLBGQV3NwfWtpTFtTxvtHL>. Acesso em: 30 mar. 2021. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1809-43412020v17a355.
    https://www.scielo.br/j/vb/a/qBLBGQV3Nwf...
    ).
  • 70
    Jornal de Angola, Luanda, 23 de abril de 1977, p. 6.
  • 71
    Jornal de Angola, Luanda, 2 de maio de 1977, p. 2.
  • 72
    Jornal de Angola, Luanda, 15 de maio de 1977, p. 2.
  • 73
    Entretanto, baseando-se em estudos da década de 1960, Moorman (2008, p. 23-24, 82, 89-93)MOORMAN, Marissa J. Intonations: a social history of music and nation in Luanda, Angola, from 1945 to recent times. Athens: Ohio University Press, 2008. acredita que dessas camadas negras populares estava emergindo uma pequena-burguesia que foi fundamental para o desenvolvimento do semba. Em termos econômicos, tratava-se, principalmente, de famílias formadas por trabalhadores não-braçais, que se percebiam como “classe média” vivendo nas periferias, mas com renda suficiente para consumir produtos culturais e pagar as taxas escolares de seus filhos, por exemplo.
  • 74
    Entrevista com Maria da Conceição Neto realizada em Luanda, em 22 de agosto de 2017.
  • 75
    Jornal de Angola, Luanda, 4 de janeiro de 1978, p. 3.
  • 76
    Jornal de Angola, Luanda, 14 de janeiro de 1977, p. 1-2.
  • 77
    Jornal de Angola, Luanda, 12 de janeiro de 1977, p. 3.
  • 78
    Jornal de Angola, Luanda, 27 de abril de 1977, p. 1.
  • 79
    Outra fonte informa 25 mil professores primários em 1977, dos quais só 7% tinham as habilitações necessárias (MPLA-PT, 1978, p. 42MOVIMENTO POPULAR DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA – PARTIDO DO TRABALHO (MPLA-PT). Teses e resoluções – 1º congresso. Luanda: INA, 1978.).
  • 80
    Jornal de Angola, Luanda, 16 de janeiro de 1977, p. 1, 6.
  • 81
    Jornal de Angola, Luanda, 20 de maio de 1977, p. 1.
  • 82
    Oficialmente, a campanha prosseguiu até 1997 (HATZKY, 2015, p. 137-138HATZKY, Christine. Cubans in Angola: South-South cooperation and transfer of knowledge, 1976-1991. Madison: University of Wisconsin Press, 2015.), mas sua característica de esforço coletivo constitutivo da identidade nacional não sobreviveu ao processo de burocratização.
  • 83
    Jornal de Angola, Luanda, 24 de janeiro de 1979, p. 9.

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Miriam Dolhnikoff e Miguel Palmeira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    01 Abr 2021
  • Aceito
    08 Mar 2022
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