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A DISPUTA PELAS ALMAS: JESUÍTAS E CAPUCHINHOS NA ÁFRICA CENTRO-OCIDENTAL NO SÉCULO XVII1 1 Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo. Este texto é uma versão modificada de um dos capítulos da minha dissertação de mestrado, intitulada “Mundos que se entrelaçam: religião e política na África Centro-Ocidental (século XVII)”, defendida na Universidade Federal de Juiz de Fora, sob a orientação da Prof.a Dr.a Fernanda do Nascimento Thomaz, a quem agradeço. A pesquisa contou com apoio financeiro da Universidade Federal de Juiz de Fora e da Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (Capes).

SCRAMBLING FOR SOULS: JESUITS AND CAPUCHINS IN SEVENTEENTH-CENTURY WESTERN-CENTRAL AFRICA

Resumo

Este artigo investiga a atuação da Igreja Católica na região da atual Angola no século XVII, em especial os missionários da Companhia de Jesus e da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos. Essa parte da África era o espaço de sociedades organizadas por um ethos em que o político e o religioso não se separavam, refletido em um conjunto de símbolos compartilhados. A chegada dos europeus transformou ambos os lados: não só os centro-africanos sofreram impactos, como também a Igreja Católica teve que se reinventar para poder ali permanecer. Apesar de propagandearem a evangelização para salvação das almas como seu objetivo maior, as ordens envolveram-se nos assuntos políticos locais e lançaram mão de artifícios semelhantes em busca da conversão; por outro lado, empenharam-se em uma certa competição e tiveram divergências pontuais sobre o papel missionário.

Palavras-chave
África Centro-Ocidental; Religião; Política; Jesuítas; Capuchinhos

Abstract

This paper deals with Catholic Church’s actions in the region of current Angola, during the seventeenth century, especially the missionaries of the Company of Jesus and the Order of Friars Minor Capuchin. This part of Africa was home to societies organized by an ethos according to which the political and the religious realms intertwined, embodied by a set of shared symbols. The arrival of Europeans transformed both sides. Not only Central Western Africans bore several impacts, but also the Catholic Church had to reinvent itself in order to remain and work in the region. Although both orders advertised as their major goal the evangelization of peoples for the salvation of their souls, they got entangled in local political matters and resorted to similar subterfuges in seek of conversion. On the other hand, they engaged in a certain competition and had occasional divergences on the missionary role.

Keywords
Western-Central Africa; Religion; Politics; Jesuits; Capuchins

Introdução

Este artigo aborda a parte da África Centro-Ocidental que é geralmente referida nas fontes históricas como “Angola”, que corresponde basicamente à região que no século XVII era habitada por falantes de kimbundu e kikongo, e que hoje está quase inteiramente contida na parcela noroeste do território da República Popular de Angola.3 3 Aqui acompanho a delimitação proposta por Beatrix Heintze (2007, p. 557-558): “no que segue, entende-se por ‘Angola’ em especial a região povoada pelos povos que falam o kimbundu ao norte do Kwanza. (…) Comparativamente também me refiro aos Kisama e Libolo que povoam o sul do Kwanza e pertencem à área da mesma língua (…)”. O século XVII foi um dos mais conturbados no que se refere às disputas territoriais nessa região, que no final das contas intervinham nas transações comerciais e nos conflitos político-religiosos, tanto entre os próprios centro-africanos quanto entre eles e os portugueses que vinham se instalando em alguns pontos do litoral desde o século anterior e crescentemente reivindicavam soberania sobre porções do território. Também foi um dos mais bem documentados, geralmente por europeus que ali viveram ao longo dos Seiscentos – padres, militares, comerciantes e administradores portugueses. Os mais variados tipos de fontes estão disponíveis para essa época, desde tratados de uma nascente História Natural, que objetivavam descrever a paisagem angolana, incluindo aspectos naturais tanto quanto descrições das crenças e dos costumes dos grupos humanos que povoavam a região, até o registro dos passos que a coroa portuguesa dava em relação aos territórios costeiros e interioranos sobre os quais pretendia exercer sua soberania. É possível ter uma visão de parte do aparelho burocrático português que foi montado paulatinamente na cidade de Luanda, incluídas aí as iniciativas missionárias, por meio de alvarás, relatórios e cartas, que, além de registrar as ações e intenções dos representantes portugueses, indiretamente nos revelam alguns aspectos de como se deram as relações entre africanos e europeus. É a partir desse tipo de documentação que nós trabalhamos na tentativa de trazer à luz os conflitos e negociações inseridos nessa conjuntura.

Dentro dos limites deste artigo, não será possível detalhar com maior profundidade como se dava a organização política local, mas uma breve contextualização se faz necessária. Os portugueses discerniram duas grandes entidades políticas nesse espaço, às quais denominaram “reinos”: ao norte, o Congo, e ao sul, o Ndongo. No Ndongo, o principal soberano era o ngola que exercia poder político e espiritual sobre os seus dependentes, e em Mbanza Congo, a liderança era atribuída ao manicongo. Ambos eram cercados por grupos de conselheiros políticos, militares e espirituais que os auxiliavam nas decisões que deveriam tomar acerca do reino (HEINTZE, 2007HEINTZE, Beatrix. Angola nos séculos XVI e XVII. Luanda: Kilombelombe, 2007.). A partir da conversão do manicongo e de parte da elite governante, entre o fim do século XV e o século XVI, o Congo adaptou sua estrutura governativa e territorial a uma nomenclatura portuguesa, com extensas províncias governadas por príncipes, marqueses, duques e condes. Antes disso, há indícios de que certos espaços podiam ter sido entidades políticas independentes progressivamente amalgamadas ao reino, por livre adesão ou por conquista militar (BALANDIER, 1968BALANDIER, Georges. Daily life in the Kingdom of the Kongo from the Sixteenth to the Eighteenth century. New York: Pantheon Books, 1968.; HILTON, 1985HILTON, Anne. The kingdom of Kongo. New York: Clarendon; Oxford : Oxford University Press, 1985.; VANSINA, 1966VANSINA, Jan. Kingdoms of the Savanna: a history of Central African States until European occupation. Madison: The University of Wisconsin Press, 1966.).

Numa escala mais aproximada, entretanto, ao longo de todo o território, e inclusive além dos limites desses dois reinos, o exercício do poder estruturava-se em unidades territoriais bem menores, cada uma sob a responsabilidade de um “soba”, abrangendo um certo número de povoações. Os diversos sobados, ou “províncias”, no jargão das fontes portuguesas, mantinham entre si relações variáveis ora baseadas em conflitos ora em acordos e cooperação. Na parte sul do território, no Ndongo e em regiões adjacentes, constituíam-se sistemas políticos complexos com base no “parentesco perpétuo”, em que os cargos políticos representados por determinados títulos, assim como as relações hierárquicas e as obrigações mútuas entre diferentes grupos linhageiros eram estruturados por meio do vocabulário do parentesco.4 4 Esse sistema estava presente especialmente entre os mbundu (MILLER, 1995). Assim, o conjunto de títulos políticos era compreendido como uma “família” e os membros dos grupos que detinham cada um desses cargos deviam uns aos outros determinadas obrigações recíprocas, tais como as que se devem a um irmão mais velho de seu pai, ou a um filho. Uma ideologia do parentesco e da senioridade embasava o sistema, como salienta Joseph Miller (1995, p. 46)MILLER, Joseph Calder. Poder político e parentesco: os antigos estados Mbundu em Angola. Luanda: Arquivo Histórico Nacional; Ministério da Cultura, 1995.:

(…) os membros da linhagem atribuíam ao primeiro detentor de um destes títulos seniores a sua separação dos outros grupos de filiação com ela aparentados e, geralmente, acreditavam que fora ele que guiara os antepassados até às terras atuais.

Miller (1995)MILLER, Joseph Calder. Poder político e parentesco: os antigos estados Mbundu em Angola. Luanda: Arquivo Histórico Nacional; Ministério da Cultura, 1995. aponta que a ascendência do ngola sobre outros títulos políticos no Ndongo estava ideologicamente baseada no domínio da metalurgia do ferro. Por outro lado, chama a atenção para a sobrevivência de outras formas de legitimidade política, mais antigas, tais como aquelas baseadas sobre o controle, tanto material quanto espiritual, de recursos naturais (rios, forestas e campos de caça, terras agriculturáveis). Também no Congo, a instauração da ordem política era representada por uma narrativa de fundação que articulava, em posição complementar e hierárquica, “donos da terra” e imigrantes que estabeleceram sua supremacia por meio da metalurgia do ferro e dos poderes espirituais a ela associados. Outras regiões estavam organizadas em estruturas políticas de menor escala que mantinham com esses dois “reinos” uma relação tributária e irregular, como os sobados da Kissama e dos Dembos. Havia também outros “reinos” menores ou além do alcance direto da atuação dos europeus, sobre os quais as fontes são bem mais escassas, como a Matamba, o Libolo, o Kulembe ou o Cassange.

A progressiva presença portuguesa no litoral introduziu um fator novo na dinâmica política da região. Comerciantes, administradores e religiosos portugueses estavam estabelecidos em parte da costa, e em disputa constante por territórios, principalmente pela direção das feiras, pois era nesses locais que ocorriam todos os tipos de comércio, principalmente o de pessoas escravizadas. Embora a coroa portuguesa reivindicasse soberania sobre grandes porções do território, para exercer qualquer grau de poder para além de Luanda, onde estavam localizadas as principais peças de sua estrutura administrativa local, era preciso valer-se de diversas estratégias políticas, e uma delas foi a adoção de missionários na região com o intuito de evangelizar os africanos. Para isso, contou substancialmente com missionários católicos oriundos de diversas partes da Europa. A conquista espiritual andava lado a lado com a conquista militar e temporal: a primeira dava-se por meio das conversões, construções de igrejas, mosteiros e colégios, bem como da perseguição aos não convertidos, enquanto a segunda avançava por meio de contratos de vassalagem, construção de fortes e prédios administrativos (CURTO, 2009CURTO, Diego Ramada. Cultura imperial e projetos coloniais: séculos XV a XVIII. Campinas: Unicamp, 2009.).5 5 Um debate aprofundado sobre a experiência missionária europeia está fora do escopo deste artigo. Para uma crítica geral do papel da perspectiva missionária sobre a construção erudita europeia da diferença em relação à África, ver Valentin Mudimbe (2013). Uma discussão recente sobre o significado da conversão em múltiplos espaços e tempos, a partir de uma perspectiva global, pode ser encontrada na coletânea organizada por Giuseppe Marcocci et al. (2015).

As estratégias de aproximação dos missionários consistiam, inicialmente, em converter os chefes políticos africanos tanto nos níveis mais altos (manicongo, ngola) quanto no nível mais baixo da hierarquia política (sobas), o que facilitava a sua entrada no seio familiar das principais autoridades locais e, em tese, uma maior receptividade à conversão por parte das demais camadas sociais. Isso também lhes permitia uma maior margem de manobra no combate aos nganga, como eram conhecidos os diversos tipos de especialistas na relação entre esse mundo e o outro, cuja atuação abrangia o campo da medicina e da cura, da resolução de conflitos, inclusive judiciais, e do aconselhamento político. Outra preocupação frequente expressava-se por meio da dedicação dos missionários no aprendizado das línguas locais, para facilitar a transmissão do evangelho, e depender cada vez menos dos tradutores, usualmente africanos que haviam aprendido o português e cuja mediação incluía aspectos que fugiam ao controle dos religiosos (MACEDO, 2013MACEDO, José Rivair. Escrita e conversão na África Central do século XVII: o Catecismo Kikongo de 1624. História Revista, Goiânia, v. 18, n. 1, p. 69-90, 2013. Disponível em: https://revistas.ufg.br/index.php/historia/article/view/29843. Acesso em: 23 maio 2020. DOI: https://doi.org/10.5216/hr.v18i1.29843.
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). Inicialmente, os principais atores missionários na região foram os padres da Companhia de Jesus, embora se notasse também a presença mais esporádica de franciscanos, dominicanos, agostinianos, carmelitas, entre outros. De fato, o protagonismo dos jesuítas não chegou a ser disputado ao longo dos séculos XV e XVI. Foi só a partir de 1645, com a chegada à região de missionários da Ordem dos Frades Menores Capuchinos, que a situação começou a se alterar.

O interesse dos jesuítas em construir uma sólida base para o catolicismo na África aproximou-os da coroa portuguesa e de algumas autoridades africanas que se apropriaram politicamente da nova religião. A coroa, por sua vez, alimentava as expectativas criadas pelos religiosos por meio de incentivos financeiros, principalmente para a construção de igrejas, como demonstram diversas cartas, alvarás e documentos que foram trocados entre Luanda e Portugal. O objetivo da coroa portuguesa no território centro-africano era o da conquista temporal em consonância com a conquista espiritual (ALMEIDA, 2009). Sabemos que, pelo menos durante os séculos XVII e XVIII, as estruturas políticas portuguesas ficaram em grande medida presas apenas à costa, e a absoluta maior parte de suas projeções de soberania eram baseadas, na prática, em conflitos e negociações com as autoridades africanas, fosse o ngola, o manicongo, a nobreza congolesa ou os sobas.

Até o início do século XVII, quando a presença dos jesuítas era predominante, havia investimento da fazenda portuguesa para a construção de igrejas em diversas partes do Congo. A igreja ou capela “curada” era construída e mantida geralmente em lugares nos quais a coroa tinha interesse econômico e político, e contavam com um pároco permanente. Paulatinamente, a relação entre jesuítas e os governantes portugueses começou a ficar conturbada, e surgiram os primeiros pedidos de missionários de ordens mendicantes e estrangeiras, que se intensificaram a partir de 1620. O enriquecimento dos padres, quase sempre por conta de sua participação ativa no comércio de escravizados, incomodou profundamente alguns administradores portugueses, que se queixavam que o objetivo principal da presença dos missionários na região estava sendo relegado ao segundo plano.

Foi nesse cenário que a Ordem dos Frades Menores Capuchinhos surgiu como uma alternativa para a missão na África Centro-Ocidental. As negociações para o envio dos capuchinhos passaram por alguns reveses, tais como a eleição do Papa Gregório XV em 1621 e a criação da Sagrada Congregação da Propaganda Fide no ano seguinte, para assumir a coordenação do empreendimento missionário, reduzindo o poder de intervenção das coroas ibéricas na missão (GONÇALVES, 2008GONÇALVES, Rosana Andréa. África Indômita: missionários capuchinhos no Reino do Congo (século XVII). Dissertação de mestrado, História Social, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-16012009-144257. Acesso em: 5 dez. 2021. DOI: https://doi.org/10.11606/D.8.2008.tde-16012009-144257.
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). O fim da União Ibérica à revelia da Espanha, em 1640, criou uma nova dificuldade. Como a ordem era composta em sua maioria por sacerdotes espanhóis e italianos, as autoridades portuguesas desconfiavam que os missionários pudessem transportar armas e outros artigos para apoiar a Espanha, caso ela quisesse tomar os portos da costa centro-africana. Foi apenas cinco anos após o rompimento que os capuchinhos pisaram pela primeira vez em Angola. Ainda assim, uma das exigências para a entrada dos missionários era que embarcassem de algum porto em Portugal para que pudessem ser devidamente revistados.

Embora tivessem, em princípio, os mesmos objetivos em Angola, capuchinhos e jesuítas tinham diferendos pontuais no que dizia respeito à condução da missão, de modo que se pode discernir formas características de atuação dessas duas ordens, que tanto colaboraram quanto competiram no âmbito de um projeto de conquista das almas africanas para a fé católica. Em vista disso, buscaremos analisar separadamente a seguir os caminhos da Companhia de Jesus e da Ordem dos Frades Menores em Angola, especialmente atentando para seus fundamentos, suas táticas de conversão e sua relação com os africanos.

Jesuítas: evangelho, ensino, comércio e o ímpeto de conquista

A Companhia de Jesus foi criada no século XVI em meio aos impactos que a Reforma Protestante causou à Igreja Católica. De acordo com a bula papal Regimini militantis ecclesiae, de 1540, a principal característica da ordem era o caráter militante e pedagógico, que incluía a perseguição aos não católicos. A obra que os orientava eram os Exercícios Espirituais de Inácio de Loyola, que, em linhas gerais, afirmava como objetivo a “santificação pessoal”. Institucionalmente, os jesuítas eram “orientados pelo preceito soteriológico tomista de que o trabalho de caridade contribui para a salvação da alma” (EISENBERG, 2000, p. 32-33EISENBERG, José. As missões jesuíticas e o pensamento político moderno: encontros culturais, aventuras teóricas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000.).

Sendo a conversão um objetivo institucional, os jesuítas dispuseram-se a sair em missão em diversas partes do mundo, principalmente nas Américas, na Ásia e na África, mas também realizavam trabalhos com camponeses em regiões interioranas da Europa. Ao contrário de ordens como a dominicana, que obedeciam ao clero secular, eles reportavam-se diretamente ao Papa e, nesse sentido, eram similares aos capuchinhos. A autonomia inicial dos jesuítas levou-os a muitos conflitos com a hierarquia eclesiástica nas localidades em que estabeleciam suas missões. Ao perceber isso, Loyola alterou algumas de suas recomendações, constatando que as missões exigiam que os missionários obedecessem em certa medida a alguns preceitos locais. Mas, para isso, tais preceitos tinham que estar em harmonia com os princípios jesuíticos; caso contrário, os jesuítas deviam declinar da obediência às ordens do clero secular. Pensando em termos práticos, é possível que a desobediência continuasse a ocorrer com certa frequência, gerando muitos conflitos nos lugares de missão.

O ímpeto militante e os esforços para a difusão da educação cristã, que eram características da Companhia de Jesus, chamaram a atenção da Igreja e da monarquia portuguesa. O perfil pedagógico atribuído à ordem ficou estabelecido na África Centro-Ocidental por meio da construção de colégios para o ensino dos filhos da elite africana e dos portugueses ali estabelecidos. Mesmo quando já não respondiam pela maioria dos missionários da África Centro-Ocidental, na segunda metade do século XVII, os jesuítas continuaram a dominar a paisagem de Luanda e seu entorno. Além disso, seu trabalho permaneceu como uma contribuição substancial para o projeto de missão, devido aos vários materiais em kikongo e kimbundu produzidos desde sua chegada à região, que eram um auxílio significativo para os padres que vieram mais tarde, a exemplo de: Doutrina christã na língua do Congo (Cornélio Gomes, 1556); Gentio de Angola suficientemente instruído (Francisco Paccónio, 1642); ou Arte da língua de Angola (Pedro Dias, 1697)6 6 O material produzido pelos jesuítas foi classificado por Charles Boxer (2007, p. 56) em quatro categorias: “(a) catecismos e outros compêndios da doutrina cristã; (b) obras de linguística, inclusive gramáticas; (c) manuais e guias para uso dos confessores e párocos; (d) obras edificantes, apologéticas e polêmicas”. É provável que um número bem maior de obras tenha sido elaborado para auxilio da pregação do que as que foram efetivamente conservadas até os dias atuais. .

Inicialmente, muito do trabalho missionário dependia de intérpretes. Na maioria das vezes, os que realizavam essa função eram os da terra, embora alguns portugueses com algum conhecimento das línguas locais pudessem ser mobilizados para essa tarefa. A composição de materiais em línguas locais, em princípio, visava a autonomia dos padres em relação aos intérpretes, já, que, ao traduzir os textos dos rituais católicos, esses o faziam a partir da sua própria concepção de mundo. Os religiosos europeus acreditavam que, no processo de tradução, eles deturpavam o ensinamento cristão, diminuindo a efetividade da conversão. Alexandre Marcussi (2013)MARCUSSI, Alexandre Almeida. O dever catequético: a evangelização dos escravos em Luanda nos séculos XVII e XVIII. Revista 7 Mares, [s.l.], v. 2, n 1, p. 64-79, 2013. salienta que os jesuítas tinham uma preocupação com a linguagem que não era apenas idiomática, mas também cultural:

A tradução catequética abrangia tanto a língua quanto a cosmologia, procurando estabelecer equivalências mais ou menos precisas entre a linguagem e os conceitos cosmológicos nativos, por um lado, e o ensinamento cristão, por outro. (MARCUSSI, 2013, p. 68-69MARCUSSI, Alexandre Almeida. O dever catequético: a evangelização dos escravos em Luanda nos séculos XVII e XVIII. Revista 7 Mares, [s.l.], v. 2, n 1, p. 64-79, 2013.)

O uso de analogias era também um recurso utilizado pelos jesuítas, que apesar da dificuldade em compreender um corpus cultural diferente, frequentemente realizavam mudanças no seu modo de evangelizar. Alguns também dedicavam parte do seu tempo para ensinar as línguas europeias para os locais, principalmente as crianças oriundas das elites, que posteriormente, podiam tornar-se parte do clero secular, potencializando o processo na conversão. Educados desde pequenos nos colégios da Companhia, muitos também poderiam ser empregados como intérpretes para futuros missionários, sem estarem “contaminados pelas doutrinas pagãs” que ameaçavam sempre se imiscuir na tradução. Marina de Melo e Souza (2018)SOUZA, Marina de Mello e. Além do visível: poder, catolicismo e comércio no Congo e em Angola (séculos XVI e XVII). São Paulo: Edusp, 2018. ressalta o papel primordial dos intérpretes para a difusão do catolicismo no interior, e o crescente protagonismo do clero africano ao longo do século XVII.7 7 Souza (2018) expõe em pormenores a importância dos intérpretes para a difusão do catolicismo na região, e de um certo protagonismo que o clero nativo foi experienciando ao longo do século XVII. John Thorthon (2013a, p. 42-46) acredita que Dom Afonso I tenha sido essencial nesse processo de formação de um clero local, incentivando a ida de africanos para instruírem-se em Portugal, na tentativa de tornar a Igreja do Congo mais independente com relação à coroa lusitana. Como grande parte do que Balandier (1968)BALANDIER, Georges. Daily life in the Kingdom of the Kongo from the Sixteenth to the Eighteenth century. New York: Pantheon Books, 1968. viu como um projeto modernizador concebido pelo manicongo, essa autonomia não se concretizou. Afinal, durante seu reinado os “mestres de escola” congoleses terminaram ficando responsáveis por um novo tipo de educação formal, voltada basicamente para a elite local, enquanto os sacramentos continuaram a ser ministrados por padres e missionários europeus (THORNTON, 2013b, p. 60-63THORNTON, John K. Afro-Christian Syncretism in the Kingdom of Kongo. The Journal of African History, [s.l.], v. 54, n. 1, p. 53-77, 2013b. Disponível em: https://www.cambridge.org/core/journals/journal-of-african-history/article/abs/afrochristian-syncretism-in--the-kingdom-of-kongo/69EF57CF54E05F1654CE75C7F07FDB99. Acesso em: 19 mar. 2022. DOI: https://doi.org/10.1017/S0021853713000224.
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).

Em uma carta enviada em 1630 ao Padre Mutio Viteleschi, Prepósito Geral da Companhia de Jesus, o padre Jerónimo Vogado fazia encomenda de dois materiais pedagógicos: A arte da língua do Congo e um Vocabulário (CARTA do Padre…, 1956bCARTA do Padre Jerónimo Vogado ao Geral (24-05-1630). In: BRÁSIO, António Pe. (org.). Monumenta Missionaria Africana: África Ocidental (1622-1630). Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1956b. v. 7.). Parte considerável dos manuscritos dos padres – fossem eles de cunho instrutivo, como crônicas, ou materiais descritivos em geral – eram encomendas com múltiplas funções, dentre as quais a propaganda das missões de além-mar para o público europeu como meio de fortalecer a imagem da Igreja. A preocupação de relatar as ações missionárias estava na Constituição da Companhia de Jesus (1539), que estipulava duas categorias de cartas: as de assuntos internos, que seguiam um modelo específico, conhecidas como hijuelas, e aquelas que buscavam informar sobre as atividades missionárias, voltadas para a propaganda externa (EISENBERG, 2000EISENBERG, José. As missões jesuíticas e o pensamento político moderno: encontros culturais, aventuras teóricas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000.).

Nas hijuelas, eram tratadas questões práticas, como o envio de missionários, roupas e livros, as necessidades financeiras, além de aspectos burocráticos a respeito da ocupação de cargos. Nesses documentos, também são mencionadas de exporem as dificuldades e realizações da conversão e da dispensa dos sacramentos às populações centro-africanas. Por sua vez, as cartas que tinham como finalidade atingir um público mais amplo diziam respeito às características geográficas e naturais, aos costumes e modos de organização das populações a serem convertidas, bem como às atividades espirituais empreendidas pelos sacerdotes. Tal estilo de escrita, que não era exclusiva dos padres jesuítas, era utilizado para demonstrar o quão difícil eram as responsabilidades missionárias frente a tão “desordenada realidade” encontrada no mundo mais vasto revelado aos europeus pelas navegações.

Um bom exemplo dessa retórica pode ser visto nesta passagem do missionário capuchinho italiano António Cavazzi, que chegou à África Central em 1654 e viveu por 13 anos entre o Congo, Angola e o reino da Matamba:

Não é o momento de insistir aqui no infalível patrocínio da Soberana Rainha do universo, especialmente escrevendo para católicos, que sabem por experiência própria quão solicitamente a celeste advogada costuma socorrer a quantos recorrem a Ela. Estão cheias de crónicas dos Padres Carmelitas, dos Jesuítas e doutras Ordens de semelhantes acontecimentos, testemunhando quantas e quantas vezes Maria Santíssima apareceu durante as tempestades para salvar os barcos dos perigos extremos. (CAVAZZI DE MONTECÚCCULO, 1965, p. 270CAVAZZI DE MONTECÚCCULO, João António. Descrição histórica dos três reinos do Congo, Matamba e Angola. Tradução, notas e índices do Pe. Graciano Maria de Leguzzano. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1965. v. 1/2.)8 8 O relato de Cavazzi tem sido utilizado amplamente como fonte para o século XVII na região do Congo, Matamba e Angola. Apesar de escrito num momento em que capuchinhos e jesuítas já disputavam espaço na região, a fonte pode ser utilizada para ajudar a compreender períodos anteriores, uma vez que o autor recorreu a um conjunto de documentos e informantes locais em sua busca por descrever de forma minuciosa o ambiente em que se encontrava e seus antecedentes históricos. Para uma análise das possibilidades desse relato como fonte, ver a contribuição de Catarina Madeira Santos (2011). Um bom exercício historiográfico sobre o relato de Cavazzi é a dissertação de mestrado de Ingrid Oliveira (2011b).

Podemos reter dessa passagem dois pontos cruciais. Em primeiro lugar, o destaque dado aos milagres e à fé inabalável dos missionários, mesmo antes da chegada ao continente africano. Geralmente, os relatos de viagens, crônicas e cartas, destinados a serem amplamente div ulgados, não descrevem apenas as dificuldades encontradas no território em que se desenvolverá a missão – a narrativa inicia-se com as tormentas enfrentadas pelos religiosos ao longo na viagem. Cavazzi, por exemplo, reserva parte considerável da sua obra para expor as várias provações enfrentadas pelos sacerdotes nos mares, até a chegada em terra firme. Um segundo ponto a ser sublinhado é a indicação de que o público leitor a quem essas crônicas eram endereçadas era, basicamente, a comunidade católica mais ampla, familiarizada com tais milagres, e ao mesmo tempo mobilizada por sua ocorrência. O modelo de escrita tinha claramente um cunho propagandista que visava fortalecer frente aos católicos europeus o poder da Igreja Católica (e sua versão particular do cristianismo) em outros continentes.

No que diz respeito às populações extraeuropeias, a centro-africanas em particular, o caráter pedagógico da atuação jesuítica pode ser melhor percebido nos esforços para instituir um ensino formal nos próprios espaços de missão, voltado para a formação de padres e catequistas “indígenas”. Um trabalho exaustivo de planejamento foi realizado com esse objetivo, como demonstra o seguinte trecho do Parecer sobre seminários indígenas ao arcebispo de Lisboa, de 18 de junho de 1628:

Três coisas pareceu aos Padres nesta matéria. Primeira que não são necessários Seminários de Filosofia e Teologia, senão somente de Latim e Casos de Consciência para estes sujeitos. A razão é porque com Latim e Casos de Consciência ficarão ministros suficientes para doutrinarem seus naturais, escusando dilações da Filosofia, Teologia e atos de Universidades, que para aquelas terras são de pouco proveito, e com a diminuição do tempo de estudo se diminuirão os gastos da fazenda real, e se acrescentará o numero de sujeitos, que para terras tão largas não será de pouca consideração. E os que estudarem com mais brevidade acudirão a suas pátrias a doutrinar seus naturais, que é o que se pretende. Ainda que em outros Seminários de diversas nações que há em vários reinos da Cristandade se estuda de ordinário Filosofia e Teologia, é porque os sujeitos que neles se criam hão de tratar com hereges ou pregar a Católicos, gente de mais letras e entendimento, o que não se acha em gente da costa de África, de que tratamos, e isto não se tira que havendo alguns de conhecido talento, com ordem de S. Majestade sejam mandados às Universidades de Portugal para nelas se consumarem, e depois poderem servir em suas terras ofícios de maior porte, e consideração. (PARECER…, 1956, p. 562-563PARECER sobre os seminários indígenas ao arcebispo de Lisboa (18-06-1628). In: BRÁSIO, António Pe. (org.). Monumenta Missionaria Africana: África Ocidental (1622-1630). Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1956. v. 7.)

A justificativa para a retirada de Filosofia e Teologia do currículo a ser implantado nos litorais africanos refletia o pensamento que os inacianos tinham dos seus habitantes: diminuir e duvidar da sua capacidade intelectual era algo recorrente nas narrativas missionárias. Segundo essa lógica, como não enfrentariam debates teológicos aprofundados no decorrer de sua catequese, o clero que ali se planejava formar só necessitava de um conhecimento básico da religião para evangelizar os seus conterrâneos, e somente aqueles que se destacassem no aprendizado seriam enviados para Portugal para uma formação mais completa9 9 Desde o século XV, africanos foram enviados a Portugal e tiveram acesso à educação formal e, em alguns casos, religiosa. Os primeiros retornados foram importantes no processo de conversão de parte da nobreza congolesa ao catolicismo. Dentre os nomes mais destacados, constam o de João Zacuta, que se tornou intérprete, e o de Dom Henrique, filho do rei Afonso I, que se tornou Bispo e dirigiu a Igreja no Congo na primeira metade da década de 1520 (cf. OS PRIMEIROS…, 1952). . Percebe-se que a perspectiva jesuíta sobre esse assunto respondia também a imperativos de ordem prática: eles não estavam preocupados em formar bem os seminaristas africanos, mas em garantir a maior quantidade de pregadores no menor tempo possível, e com menor custo.

Ao escreverem o Parecer, aconselhavam a construção de mais seminários em Angola e não em Portugal, porque transportar um número grande de africanos para estudar fora ocasionaria despesas desnecessárias. Antes a preocupação da Fazenda Real fosse com os “Ministros que vão pregar o Evangelho as terras de infiéis” (PARECER…, 1956, p. 564PARECER sobre os seminários indígenas ao arcebispo de Lisboa (18-06-1628). In: BRÁSIO, António Pe. (org.). Monumenta Missionaria Africana: África Ocidental (1622-1630). Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1956. v. 7.). Algumas décadas mais tarde, o padre Cavazzi ficaria maravilhado com a magnitude dos mosteiros e colégios da Companhia de Jesus em Luanda:

No meio da cidade, como para guardar um lugar tão importante, moram os padres da Companhia de Jesus, num colégio amplo e magnífico e bem correspondente à estima adquirida na cristandade com as suas virtudes e prodigalizado generosamente as muitas receitas que têm, em benefício desta e de outras missões, por eles fundadas em todo o mundo. (CAVAZZI DE MONTECÚCCULO, 1965, p. 29CAVAZZI DE MONTECÚCCULO, João António. Descrição histórica dos três reinos do Congo, Matamba e Angola. Tradução, notas e índices do Pe. Graciano Maria de Leguzzano. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1965. v. 1/2.)

Aqui, Cavazzi dá-nos uma importante informação, tanto da situação econômica favorável dos jesuítas quanto da localização de seu mosteiro no centro de Luanda, o que demostra a sua importância naquele território. Além disso, o padre revela que a cidade era protegida não por baluartes, mas sim pelos edifícios destinados à Companhia. Isso reforça a tese de Diogo Ramada Curto (2009)CURTO, Diego Ramada. Cultura imperial e projetos coloniais: séculos XV a XVIII. Campinas: Unicamp, 2009. de que essas construções eram pensadas estrategicamente, com base em uma ocupação de território esquematizada, tanto quanto as fortalezas propriamente ditas.

Mas a atuação dos jesuítas não se limitava ao campo religioso e de instrução, frequentemente eles estavam ligados aos acontecimentos políticos e comerciais. A partir da década de 1620, a presença de holandeses negociando nas costas centro-africanas foi algo que incomodou não somente os administradores portugueses em Luanda, mas também as autoridades eclesiásticas, que não viam com bons olhos a aproximação entre eles com o Conde do Soyo, nobre conguês que governava a província costeira onde se localizava o porto de Mpinda – onde os primeiros europeus haviam desembarcado em 1485, e por onde passava a maior parte do comércio entre o reino e os mercadores do Atlântico. Em 25 de maio de 1629, o Bispo de Angola fez saber ao Conde que lamentava a relação comercial que esse começara a estabelecer com os holandeses, alertando-o da punição que poderia receber por se aliar aos “hereges”: “Advertindo mais a V.S. [que] fica sendo a causa de todos os danos espirituais e temporais que de tal comércio hão de resultar” (CARTA do Bispo…, 1956a, p. 593CARTA do Bispo de Angola ao Conde do Sonho (25-05-1629). In: BRÁSIO, António Pe. (org.). Monumenta Missionaria Africana: África Ocidental (1622-1630). Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1956a. v. 7.). O bispo ainda ressaltava que a punição viria não no juízo final, mas nesta mesma vida, e que, portanto, o Conde deveria refletir seriamente sobre suas ações. Um dia depois, em 26 de maio de 1629, o mesmo bispo escreveu ao Rei do Congo (Rei Mvemba-a-Nkanga Ntinu, ou Dom Ambrósio I, 1626-1631), para tentar dissuadi-lo da abertura do porto de Mpinda aos holandeses. O bispo admoestava:

Por avisos que teve o Governador deste Reino, Fernão de Souza, se tem entendido que o Conde de Sonho fez oferecimento do porto de Pinda aos holandeses para ali abrir com eles resgate de marfim, cobre e outras fazendas, sem respeitar ao prejuízo e dano irreparável que a Coroa desse Reino recebe com a amizade, e comércio de gente inimigas de Deus, e de sua Igreja, rebelde, levantada, e desobediente a seu Rei, e senhor natural, e sem considerar a ofensa que faz à majestade do Rei católico, e a amizade e a paz que com V. Majestade conserva, quebrantando as leis e concertos dela tantas vezes capitulados, e assentados com os Reis antecessores de V. Majestade e de tão poucos anos firmados de V. Majestade e, entrando felizmente na sucessão desse Reino; e já a experiência havia de ter mostrado aos vassalos de V. Majestade a pouca verdade desta gente, e sua pouca fé, e os enganos com que em outros tempos é procedido no mesmo porto de Pinda, e em outras partes deste Reino aonde trataram, para viverem desenganados dos poucos interesses e ganhos que desta gente se tira, conhecendo muito bem que o cabedal com que resgatam não é seu, porque é gente miserável, e pobre, mas são roubos que com os piratas adquire dos navios mancos, e desarmados que tomam no mar e vão ou é do Reino de Portugal para suas Conquistas. (CARTA do Bispo…, 1956b, p. 591CARTA do Bispo de Angola ao Rei do Congo (26-05-1629). In: BRÁSIO, António Pe. (org.). Monumenta Missionaria Africana: África Ocidental (1622-1630). Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1956b. v. 7.)

A carta ao rei do Congo indica de modo mais detalhado a indignação do bispo com o Conde. Ao pedir a intervenção do rei na negociação, a primeira demonstração de preocupação é direcionada ao comércio; em seguida, ao fato de os holandeses serem protestantes – logo, inimigos do deus católico – e ainda por cima terem se rebelado contra a suserania espanhola do rei católico que, por força da União Ibérica, também governava Portugal. Além da “pirataria” que ameaçava diretamente a hegemonia marítima lusitana, o bispo revela a sua inquietação com o “dano espiritual” que a “diabólica doutrina dos hereges holandeses podia causar aos católicos africanos, pelos quais ele, como pai espiritual, precisava zelar:

(...) e sentirei n’alma que haja ocasião de usar das armas espirituais e censuras, porque nesta matéria não só ligam a pessoa e a alma, mas procede a privação de estados, e de Reinos, que o Senhor a V. Majestade aumente como deseja. (CARTA do Bispo…, 1956b, p. 592CARTA do Bispo de Angola ao Rei do Congo (26-05-1629). In: BRÁSIO, António Pe. (org.). Monumenta Missionaria Africana: África Ocidental (1622-1630). Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1956b. v. 7.)

A título de comparação, Fernão de Souza (1624-1630), governador de Luanda à época, também escreveu uma carta ao Conde do Soyo desaprovando a possível união com os holandeses. O tema tratado na correspondência é basicamente o mesmo: uma reclamação contra a possível presença de navios holandeses no porto de Mpinda para comprar marfim, “que V.S. tem de conservar nele a pureza da nossa santa fé, e de atalhar os erros que gente tão depravada, e inimiga dela comunicam onde está” (CARTA do Bispo…, 1956a, p. 589CARTA do Bispo de Angola ao Conde do Sonho (25-05-1629). In: BRÁSIO, António Pe. (org.). Monumenta Missionaria Africana: África Ocidental (1622-1630). Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1956a. v. 7.). Enquanto a carta do bispo apresenta um teor mais indignado, a do governador parece ser mais um aconselhamento ao Conde, para que não cometa tais erros. Neste momento, podemos notar uma certa consonância entre a conduta da Igreja e dos administradores portugueses, contra um inimigo comum. Ao longo dos anos, esse tipo de envolvimento dos religiosos nos negócios comerciais e na política local não cessou.

Outro aspecto marcante da presença dos jesuítas na região foi a sua intensa participação no comércio de escravos. Os padres apoiavam a escravidão como meio de redenção dos africanos, já que supunham que apenas a conversão seguida do batismo não era suficiente para a redenção de suas almas: a convivência com senhores cristãos seria o melhor caminho para os disciplinar e os guiar para a salvação. Contudo, o enriquecimento dos membros dessa ordem demonstrava que seu interesse nesse tipo de comércio, na prática, era também financeiro. A mudança da sede do bispado de São Salvador do Congo para Luanda, em 1675, só aproximou ainda mais os padres do comércio de escravos. A essa altura, Luanda havia se tornado o principal porto de embarque do comércio atlântico em franca ascensão e ainda contava com uma estrutura administrativa que dava suporte aos interesses europeus e restringia o alcance da soberania africana. Marcussi (2013, p. 76-77)MARCUSSI, Alexandre Almeida. O dever catequético: a evangelização dos escravos em Luanda nos séculos XVII e XVIII. Revista 7 Mares, [s.l.], v. 2, n 1, p. 64-79, 2013. assinala que “os padres entendiam que tirar uma fatia do bolo era uma das benesses de seu difícil ministério em terras africanas”.

Para Boxer (2007, p. 46)BOXER. Charles. A Igreja militante e a expansão ibérica: 1440-1770. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.:

A própria Igreja continuou a ser uma grande instituição escravocrata nos impérios ibéricos. E não só isso, durante séculos, os estipêndios do bispo e do empreendimento eclesiástico em Angola foram financiados com a renda do comércio escravista.

A maioria das críticas feitas pelo autor sobre o enriquecimento são direcionadas à Companhia de Jesus, mas outras ordens e a hierarquia secular também lucravam, não somente em território africano, mas também nas Américas.

A persistência da Companhia em concentrar suas atividades nas principais cidades costeiras sob controle português, como Luanda e Benguela, pode ser considerada um sintoma dessa correlação entre catequese e escravidão. Por causa dos portos e fortes localizados nessas cidades, era por lá que passavam a maior parte das atividades ligadas ao comércio transoceânico. Sobre isso, Marcusi (2015, p. 239) põe em perspectiva a conversão dos locais como principal objetivo da missão, sugerindo que a observação da vida espiritual dos portugueses que lá estavam era, então, uma das prioridades dos jesuítas. Por sua vez, entre outras escusas, os padres da Companhia alegavam que já tinham muitas funções no Colégio sediado em Luanda. De fato, a falta de disposição para deslocarem-se para o interior foi motivo de queixa e acusação grave contra os jesuítas. Em 1623, o padre Pedro de Novais, em carta ao Rei de Portugal, objetou aos detratores que os missionários não sentiam segurança suficiente para desbravar os interiores (o que era um argumento muito válido, considerando que a “conquista” portuguesa do interior era pouco mais que um dispositivo retórico) e que, tão logo esse problema fosse resolvido, eles a tal se disporiam: “E andam com pensamentos não somente de penetrar estes Reinos, mas também de descobrir por eles novos caminhos para Etiópia, segundo me escrevem” (CARTA do Padre…, 1956a, p. 227CARTA do Padre Pedro de Novais a El-Rei (20-04-1624). In: BRÁSIO, António Pe. (org.). Monumenta Missionaria Africana: África Ocidental (1622-1630). Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1956a. v. 7.)10 10 A carta foi escrita em Lisboa, provavelmente o padre Novais fazia parte da alta cúpula de religiosos da ordem em Portugal, e apenas passava para o rei notícias que recebia dos seus irmãos da ordem. .

A presença dos holandeses no território não atrapalhava somente as transações comerciais, como vimos nas reclamações do Bispo de Angola e do Governador Fernão de Souza. Era também uma ameaça para a salvação das almas das populações locais. Lembremos que a perseguição a não católicos estava inserida na Fórmula11 11 A Fórmula Scibendi era um manual de orientações morais e institucionais criada por Ignácio de Loyola em 1565. : “O principal objetivo era persuadir cristãos, hereges e pagãos a viver uma vida reta, guiada pela moral cristã e pela luz divina” (EISENBERG, 2000, p. 32EISENBERG, José. As missões jesuíticas e o pensamento político moderno: encontros culturais, aventuras teóricas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000.). A presença de calvinistas e luteranos na África Centro-Ocidental ameaçava os planos missionários católicos, num espaço onde a Igreja vislumbrava até então um futuro promissor, tanto na esfera espiritual quanto no que tange os benefícios materiais e financeiros que poderiam advir de sua atuação desimpedida12 12 O medo dos administradores e dos missionários não era em vão, já que os holandeses ocupariam Luanda e Benguela entre 1641, sendo libertada pela frota de Salvador Correia de Sá, enviada por Dom João IV. Sobre a retomada de Luanda (cf. BOXER, 1973). . Entretanto, segundo David Birmingham: “Tentativas de padres católicos de espalhar o temor pela propaganda ‘herética’, por Bíblias em vernáculo proscritas e de códigos morais perniciosos, tiveram pouca utilidade em refrear as actividades dos mercadores protestantes” (BIRMINGHAM, 2003, p. 100).

Não por acaso, os jesuítas foram de vital importância para a retomada de Luanda das mãos dos holandeses, na expedição militar comandada por Salvador Correia de Sá que partiu em 1648 do Rio de Janeiro – principal destino das exportações angolanas, inclusive de pessoas escravizadas. Luiz Felipe Alencastro (2000, p. 270)ALENCASTRO, Luís Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul, séculos XVI e XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. destaca a participação de, pelo menos, três padres no comboio marítimo, ressaltando que eles tinham “grande experiência nos negócios angolanos”: Antonio Couto, Gonçalo João e Felipe Franco. Correia de Sá participava do comércio de escravos e a relação com a Companhia de Jesus era atravessada por esse interesse em comum13 13 “Compreende-se desde logo, os fortes laços que uniam a Companhia de Jesus e a oligarquia dos Sá. No prefácio da sua hagiografia Vida do Padre Joam d’Almeida (1658), o jesuíta Simão de Vasconcelos dedica a obra a Salvador Correia de Sá e completa: ‘como Deus Nosso Senhor tomou a grandes príncipes na Europa por meio para fundar, e aumentar a Companhia, assim dispôs na América, que os ilustríssimos Sás fossem dos primeiros e maiores bem feitores dela’” (ALENCASTRO, 2000, p. 270). .

A associação entre Salvador Correia de Sá e os inacianos pode ser melhor verificada por meio das trocas de correspondências iniciada em 1656 pelo governador português em Angola, Luis Martins de Souza. Souza escreveu ao rei D. João IV queixando-se da oposição dos jesuítas e de sua atuação missionária, comparando-os negativamente aos capuchinhos, que de acordo com ele demonstravam interesse real na propagação do evangelho, sendo por isso mesmo difamados:

Também tenho dado conta a V. Majestade das oposições dos outros Religiosos que aqui há a estes Capuchinhos, e das causas que havia para elas, e quando mais caso fazem deles os negros e os brancos por sua exemplar virtude e seu desinteresse, tanto mais se enervam contra eles, e os Padres da Companhia, de que me esperava o contrario, são os maiores opostos, como hoje se mostram meus, pelo favor dos Capuchos, e já lhe perdoara esta sua desafeição se dissimularam; o mais de quererem se lhes defira a seus petitórios, que por se encontrarem às vezes com o castigo dos que o merecem se lhe não difere, com que ficamos caindo em sua desgraça, e no rigor dos seus sermões, que talvez convertem a doutrina em paixões muito mal soantes; eu não tenho culpa de os terem por ricos, e se esta o é será sua pelo serem, e o procurarem, pelas vias que podem o cobrarem da fazenda de V. Majestade o que se lhe consignou, que cobrariam enquanto não tivessem bens bastantes para se sustentarem, e possuírem muito mais do que hão mister para sua despesa; isto não o posso dissimular, mas que se queixem de mim, como já o começaram [a] fazer pelo secreto, [do] que mandei fazer ao navio castelhano, que eles defendiam; as razões disto, eles as saberão, e eu também as não ignorei. (CARTA…, 1981, p. 17CARTA do Governador Geral de Angola a El-Rei D, João IV (25-02-1656). In: BRÁSIO, António Pe. (org.). Monumenta Missionaria Africana: África Ocidental (1656-1665). Lisboa: Academia Portuguesa da História, 1981. v. 12.)

O governador Luis Martins de Souza ponderava que os jesuítas possuíam recursos que extrapolavam suas necessidades materiais e dizia não entender por que os padres se queixavam dele em segredo. Parece que o governador esperava que a sua relação com os jesuítas fosse mais harmoniosa, embora a carta dê a entender que ele se aproveitava da entrada em cena dos capuchinhos para negar aos jesuítas seus constantes pedidos de apoio financeiro. Por outro lado, o governante rendia elogios aos capuchinhos por suas ações desinteressadas, e desestimava as ressalvas dos jesuítas – talvez pelo fato de esses serem em grande maioria portugueses, enquanto os capuchinhos eram geralmente provenientes da Itália e de uma Espanha que permanecia empenhada na tentativa de restaurar a União Ibérica.

Correia de Sá, que havia sido governador de Angola desde a retomada de Luanda em 1648 até 1651, foi consultado sobre o tema pelo Conselho Ultramarino e saiu em defesa da Companhia de Jesus. Em tom nada amigável, Sá discordou de forma veemente do seu sucessor:

Salvador Correa de Sá, se conforma com o Conselho enquanto ao Visitador, por a pouca ordem que viu naquele Reino, em particular nos Clérigos, e enquanto ao que se diz dos Padres da Companhia, lhe parece, que o Governador fala com paixão, por que não se contenta com dar a V. Majestade conta do que passa em seu Governo, mas também o faz do Estado da Índia, donde V. Majestade tem ministros que o devem fazer, e enquanto a terem fazendas e escravos, e levarem seus ordenados, não sabe que por esta causa V. Majestade os tirasse a nenhuns Religiosos, nem ainda a outros Ministros que com os cargos granjeiam grande quantidade de fazenda, e não perdoam a V. Majestade seus salários, mormente quando é notório que esta Religião, tudo o que adquire, gasta no culto Divino, com tão grande satisfação como a V. Majestade é notório. E assim lhe parece que não há sobre que diferir ao Governador sobre este particular. (CONSULTA…, 1981, p. 45CONSULTA do Conselho Ultramarino (03-08-1656). In: BRÁSIO, António Pe. (org.). Monumenta Missionaria Africana: África Ocidental (1656-1665). Lisboa: Academia Portuguesa da História, 1981. v. 12.)

A forma positiva pela qual os jesuítas são referidos no documento está longe de ser consensual entre os administradores portugueses. Afinal, haviam sido queixas como as de Luís Martins de Souza que abriram espaço para o envio de outras ordens religiosas para Angola.

Seja como for, há um número considerável de documentos que expõem a intensa participação da Companhia de Jesus em vários âmbitos da vida na África Centro-Ocidental. A atuação dos jesuítas em várias frentes mostra a importância que essa ordem teve, seja no possível projeto colonizador arquitetado por Portugal (CURTO, 2009CURTO, Diego Ramada. Cultura imperial e projetos coloniais: séculos XV a XVIII. Campinas: Unicamp, 2009.), ou no propósito da Igreja em se fortalecer após o período da Reforma. O caráter militante alinhado à concepção de conquista territorial e espiritual, além do perfil direcionado à missão e aos projetos pedagógicos, contribuiu para que os jesuítas tivessem um papel crucial no contexto aqui analisado. Deslocar-se da Europa para o continente africano não era uma tarefa fácil, principalmente no que concerne ao clima, às longas viagens e à convivência com costumes estranhos a eles; exigia um esforço e uma crença de que realmente eles estavam levando a civilização e a salvação para aquelas terras.

Capuchinhos: mendicantes e mediadores, o outro lado da política

A Ordem dos Frades Menores Capuchinhos foi criada em 1525, pelo frei Mateo Bassi, com a intenção de resgatar os ensinamentos de São Francisco. Sua principal característica era o voto de pobreza, de modo que seus integrantes não recebiam vencimentos pelas suas obras, somente o indispensável para suas necessidades básicas. Suas vestes eram simples: hábito com capuz e sandálias. Em geral, também usavam barba e, por isso, em vários documentos são citados como barbadinhos.

Após os primeiros conflitos com os jesuítas, os administradores portugueses em Angola passaram a solicitar continuamente o envio de ordens mendicantes que, para eles, direcionariam suas ações, exclusivamente, para a propagação do evangelho, abstendo-se da intensa participação no comércio de escravos que caracterizavam os padres da Companhia de Jesus. Esse projeto começa a delinear-se por volta de 1620. A partir de 1622, com a criação da Congregação Sagrada Propaganda Fide, os capuchinhos começam a responder diretamente a esta instituição, que elaboraria mais tarde o projeto de missão da ordem para a região da África Centro-Ocidental, iniciada apenas em 1645. De acordo com a carta do núncio Innocenzo Massimi à Propaganda Fide, um dos motivos que retardaram a ida dos Capuchinhos ao Congo por mais de vinte anos foi a falta de verba (CARTA do Nuncio…, 1956CARTA do Nuncio em Madrid à Propaganda Fide (14-01-1623). In: BRÁSIO, António Pe. (org.). Monumenta Missionaria Africana: África Ocidental (1622-1630). Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1956. v. 7.).

A chegada dos capuchinhos naquela região ocorreu, como vimos, sob forte desconfiança dos jesuítas e de alguns administradores portugueses em Luanda, devido à nacionalidade da maioria dos padres. Escrevendo por volta de 1655, Cavazzi observa que:

A causa deste mau incêndio foram certos ciúmes de ordem política originados pela animosidade, ainda viva, entre Espanhóis e Portugueses, de maneira que alguns malquerentes julgaram que as frequentes vindas e voltas dos nossos não fossem completamente desinteressadas, mas que mascarassem secretas comissões de ordem política. A acrescentar a isto houve também algumas histórias impróprias, forjadas pelos que odeiam qualquer condição de religiosos quando, ao chegarem pela primeira vez a uma região, não podem com a sua maneira de viver conquistar boa reputação e prestígio. (CAVAZZI DE MONTECÚCCULO, 1965, p. 387CAVAZZI DE MONTECÚCCULO, João António. Descrição histórica dos três reinos do Congo, Matamba e Angola. Tradução, notas e índices do Pe. Graciano Maria de Leguzzano. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1965. v. 1/2.)

Já vimos que, por prevenção, a coroa portuguesa ordenava que todos missionários estrangeiros com destino ao Congo e a Luanda embarcassem nos portos de Portugal. Quando chegavam em solo africano, os padres eram novamente revistados em busca de armas, ou qualquer outra coisa que parecesse suspeito. Temerosos da repetição de uma captura de Luanda por outros países europeus, desconfiavam de estrangeiros e, principalmente, dos espanhóis, como demonstra Cavazzi:

As acusações, levadas até à corte de Portugal, de sermos favoráveis aos Espanhóis e contra os Portugueses, eram relacionadas com várias controvérsias políticas agitadas quotidianamente no Conselho de Angola. Prouve, porém, ao Nosso Senhor consolar a inocência dos nossos mediante uma sagaz e continuada investigação que, sobre o seu comportamento, faziam magistrado e os presidentes da Câmara Régia. Estes, satisfeitos e persuadidos do gênio dos missionários, completamente alheios a estas ocupações, escreveram para Lisboa a informar o rei acerca da provada inocência dos Capuchinhos e a suplicar que lhes fosse concedida licença para fundarem a missão, em benefício da população da cidade. (CAVAZZI DE MONTECÚCCULO, 1965, p. 400CAVAZZI DE MONTECÚCCULO, João António. Descrição histórica dos três reinos do Congo, Matamba e Angola. Tradução, notas e índices do Pe. Graciano Maria de Leguzzano. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1965. v. 1/2.)

A licença para a edificação da missão em Luanda foi finalmente concedida em 22 de março de 1655. Mas, mesmo diminuindo os receios com relação aos capuchinhos, a coroa não autorizou por certo tempo a entrada de espanhóis. As suspeitas eram alimentadas por diversas cartas enviadas à Portugal, por membros da Companhia de Jesus e de seus aliados políticos. Apesar disso, muitos documentos relatam o contentamento dos administradores portugueses e autoridades africanas com os capuchinhos. Algumas cartas evidenciam a situação calamitosa vivida pelos padres mendicantes, devido à ausência de remuneração. Foram incessantes os pedidos de ajuda financeira. Os conventos viviam sem provimentos básicos. Melhorias de casas paroquiais, ornamentos, roupas, entre outros, também figuravam entre os pedidos (CONSULTA…, 1982CONSULTA do Conselho Ultramarino (06-02-1673). In: BRÁSIO, António Pe. (org.). Monumenta Missionaria Africana: África Ocidental (1666-1685). Lisboa: Academia Portuguesa da História, 1982. v. 13.). A obra de Cavazzi é de natureza propagandista, dos feitos dos seus, e de outros padres na região da Á frica Centro- Ocidental. Por tanto, o sofrimento que alguns descrevem como a possível falta de provisão, é exposto por ele como mais uma das provações pelas quais os enviados de Deus precisam passar para salvar as almas dos “pretos”. O voto de pobreza era algo constantemente exaltado pelo padre:

No que diz respeito à nossa Ordem, a diferença consiste apenas nisto: nas igrejas dos padres seculares ordinariamente há esmolas pecuniárias, enquanto nas nossas igrejas, pela regra do nosso intuito, apesar de legítima dispensa que temos, não é conveniente receber esmolas. Por isso, também nas missões, embora os missionários tenham legítima dispensa, se for possível, nós consideramo-nos satisfeitos com o que os naturais oferecem por sua iniciativa, compadecendo-nos com a sua pobreza, pela qual não julgamos ser pouco o que nos dão para o nosso sustento, sem querermos mais nada. (CAVAZZI DE MONTECÚCCULO, 1965, p. 358CAVAZZI DE MONTECÚCCULO, João António. Descrição histórica dos três reinos do Congo, Matamba e Angola. Tradução, notas e índices do Pe. Graciano Maria de Leguzzano. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1965. v. 1/2.)

Os votos de pobreza franciscanos adotados pelos capuchinhos causavam desconforto em outras ordens religiosas. Por conta disso, os capuchinhos eram, frequentemente, bem-vistos tanto pelas populações locais, por onde passavam em missão, quanto pela administração portuguesa que, em certa medida, não tinha que se preocupar com gastos excessivos na manutenção dos missionários. Esses também, usualmente, não se envolviam com o comércio de escravos e de nenhuma outra espécie. Por não cobrarem para a realização de alguns sacramentos, os capuchinhos eram escolhidos ao invés dos jesuítas, despertando assim, uma rivalidade eminente entre as ordens14 14 A querela entre os missionários devido ao voto de pobreza resultou na interferência da Propaganda Fide, definindo que os capuchinhos estavam sujeitos à diocese pelo menos no que se referia aos emolumentos e às ofertas. O desprendimento dos capuchinhos talvez não tenha sido sempre tão absoluto: Alexandre Marcussi mostra como o capuchinho Miguel Ângelo das Nossez, no início do século XVIII, recebia pelos sacramentos e fazia disso uma importante fonte de recursos para seu sustento durante a missão (MARCUSSI, 2015, p. 317-318). .

Em contrapartida, os jesuítas foram amiúde denunciados pelos frades menores por conta da associação com o comércio de escravos. Ingrid Oliveira (2011a)OLIVEIRA, Ingrid Silva de. Cristandade controversa: jesuítas x capuchinhos na cristianização da África Centro-Ocidental durante o século XVII. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 26., 2011, São Paulo. Anais. São Paulo: ANPUH, 2011a. revela que os embates entre as duas ordens eram, em geral, sobre o apostolado e que, apesar disso, não é possível as ver como oponentes, já que a finalidade das duas era a evangelização. No entanto, a autora deixa muito claro que havia um clima de competição entre as ordens, sobre a eficácia da respectiva evangelização. Além do mais, via de regra, os capuchinhos não possuíam escravos e não se envolviam no tráfico negreiro, sendo orientados explicitamente nesse sentido pela ordem (ALENCASTRO, 2000, p. 277-278ALENCASTRO, Luís Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul, séculos XVI e XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.; MACEDO, 2015, p. 217MACEDO, José Rivair. Idolatria e canibalismo em relatos de missionários capuchinhos no Brasil e no Congo do século XVII. Revista História: Debates e Tendências, Passo Fundo, v. 15, n. 1, p. 214-231, 2015. Disponível em: http://seer.upf.br/index.php/rhdt/article/view/5286. Acesso em: 14 maio 2020. DOI: https://doi.org/10.5335/hdtv.15n.1.5286.
http://seer.upf.br/index.php/rhdt/articl...
; THORNTON, 2013a, p. 58THORNTON, John K. The Kingdom of Kongo and the Counter Reformation. Social Sciences and Missions, [s.l.], v. 26, p. 40-58, 2013a. Disponível em: https://brill.com/view/journals/ssm/26/1/article-p40_4.xml. Acesso em: 19 mar. 2022. DOI: https://doi.org/10.1163/18748945-02601002.
https://brill.com/view/journals/ssm/26/1...
; cf. ZERON, 2005ZERON, Carlos Alberto de Moura Ribeiro. O debate sobre a escravidão e ameríndia e africana nas universidades de Salamanca e Évora. In: CAROLINO, Luís Miguel; CAMENIETZKI, Carlos Ziter (org.). Jesuítas, ensino e ciência: séc. XVI - XVIII; [Encontro Internacional Jesuitas, Ensino e Ciência (séculos XVI - XVIII) ... Universidade de Évora, em Setembro de 2003]. Casal de Cambra: Caleidoscópio, 2005. p. 205-226.). Esse aspecto potencializou as divergências.

Em todo caso, se os capuchinhos cumpriam a função de evangelizar, e isso era para Portugal um modo de “domar” os locais, não há como negar que estavam interligados ao eventual projeto colonizador. Curto (2008, p. 197)CURTO, Diogo Ramada. Do Reino África: formas dos projetos coloniais para Angola em inícios do século XVII. In: FURTADO, Júnia Ferreira (org.). Sons, formas e movimentos na modernidade atlântica: Europa, Américas e Áfricas. São Paulo; Belo Horizonte: Annablume; Fapemig; PPGH-UFMG, 2008. afirma que:

(…) o trabalho missionário desenvolvido pelos franciscanos ou capuchinhos surgia como alternativa, uma vez que o mais importante era salvaguardar os objetivos de conversão próprios do trabalho missionário – porventura o fim último e de maior legitimidade de toda a conquista.

O clima de competição entre os jesuítas e os capuchinhos não passava despercebido aos olhos da administração portuguesa e nem das autoridades africanas. Do que sabemos, houve pouca vinculação dos capuchinhos com o comércio de escravos; entretanto, na vida política, a atuação deles foi intensa. Segundo Rosana Gonçalves (2008)GONÇALVES, Rosana Andréa. África Indômita: missionários capuchinhos no Reino do Congo (século XVII). Dissertação de mestrado, História Social, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-16012009-144257. Acesso em: 5 dez. 2021. DOI: https://doi.org/10.11606/D.8.2008.tde-16012009-144257.
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, o envolvimento da ordem na batalha de Mbwila em 1665 demonstra essa caraterística de intermediação política. A batalha que opôs portugueses e congueses pelo controle de minas de cobre nos Dembos marca o início de um período de instabilidade na política do Congo, e muitos padres capuchinhos estiveram na mediação entre os representantes da coroa portuguesa e as autoridades locais africanas15 15 Até o início do século XVIII, o reino permaneceu em um estado de intensa desagregação política, com a ascensão das elites governantes provinciais em detrimento do poder central, e insegurança social, gerado pela ameaça cotidiana da escravização por forças militares internas mais ou menos autônomas e que já não respondiam de forma consistente a uma autoridade central única (cf. HILTON, 1985; THORNTON, 1998). . Cavazzi narra a intermediação do Padre Jerónimo de Montesarchio que, em 165916 16 O tradutor da obra, no entanto, acredita que o fato ocorreu em 1662. , teria servido com emissário da paz entre os sobados de Sundi e Pangu (CAVAZZI DE MONTECÚCCULO, 1965CAVAZZI DE MONTECÚCCULO, João António. Descrição histórica dos três reinos do Congo, Matamba e Angola. Tradução, notas e índices do Pe. Graciano Maria de Leguzzano. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1965. v. 1/2.). Certamente, o relato de Cavazzi é seguido de uma atribuição demasiado redentora em relação à ação do padre. Entretanto, isso não diminui a condição que os capuchinhos encontraram para infiltrar-se nas questões políticas locais, principalmente no que se referia às guerras. Rosana Gonçalves insiste em que, apesar da intensa participação dos frades na política local, eles não faziam parte do projeto colonizador de Portugal, e criaram uma missão independente. Para a autora, “o que na prática a distingue é o conjunto de fatores que determinaram a autonomia da missão em relação a qualquer projeto de dominação européia” (GONÇALVES, 2008, p. 77GONÇALVES, Rosana Andréa. África Indômita: missionários capuchinhos no Reino do Congo (século XVII). Dissertação de mestrado, História Social, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-16012009-144257. Acesso em: 5 dez. 2021. DOI: https://doi.org/10.11606/D.8.2008.tde-16012009-144257.
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). Ora, os missionários, como Gonçalves admite, tinham um projeto missionário e civilizatório, que coadunava com os objetivos do Estado português. A não formalização de um acordo entre as partes não significava, no entanto, a falta de colaboração para que ambos pudessem realizar seus propósitos em solo centro-africano. Ingrid Oliveira (2011a, p. 45)OLIVEIRA, Ingrid Silva de. Cristandade controversa: jesuítas x capuchinhos na cristianização da África Centro-Ocidental durante o século XVII. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 26., 2011, São Paulo. Anais. São Paulo: ANPUH, 2011a. ressalta que, “respaldados pela simpatia e aliança obtida pelo Congo, por exemplo, os capuchinhos conseguiam transitar em seu território e foram os grandes agentes de comunicação entre congoleses e portugueses”. Tivessem ou não em mente os interesses de longo prazo da coroa portuguesa, os capuchinhos estiveram na linha de frente das negociações políticas locais. E, em certa medida, a tendência era a de associar-se àqueles cujos hábitos sociais eram semelhantes aos seus, ou seja, aos europeus. Além disso, a coroa também tinha interesse na evangelização dos africanos, e esses interesses em comum entre os capuchinhos e os portugueses podem ter levado a estabelecer alianças em prol de objetivos similares mesmo considerando os objetivos mais imediatos da “conquista”.

Ainda que os vínculos estabelecidos pelos capuchinhos com os portugueses e os centro-africanos tenham acontecido em meio a conflitos e negociações constantes – como, aliás, todas as relações no contexto da África Centro-Ocidental no século XVII –, vemos boas referências aos religiosos na documentação. Em 1651, vários moradores do forte de Massangano escreveram ao rei de Portugal, solicitando que os capuchinhos fossem designados para o ensino dos jovens. Entre os que assinam a carta, estão alguns padres e vigários, embora não se possa identificar se pertenciam a alguma ordem. A carta configura-se como um texto coletivo e é iniciada com elogios à ordem capuchinha:

É tão exemplar, e tão útil a doutrina dos Padres Capuchinos missionários de Roma, que a este e ao Reino de Congo vieram, que nos excita a piedade cristã, a primeiro pedirmos a V. Majestade a consolação espiritual que o prêmio dos trabalhos sofridos, com a provação e devida fidelidade, em o tempo de nossas calamidades, porque como cremos firmemente que estes nos sobrevieram por nossos pecados, queremos ver, se por meio de tão devotos rogadores, podemos conservar a V. Majestade este seu Reino; aonde temos nossos domicílios, e vivendas. (CARTA dos moradores…, 1981, p. 59CARTA dos moradores de Massangano ao El-Rei D. João IV (18-07-1651). In: BRÁSIO, António Pe. (org.). Monumenta Missionaria Africana: África Ocidental (1656-1665). Lisboa: Academia Portuguesa da História, 1981. v. 12.)

As esmolas que os moradores ofereciam aos capuchinhos era o valor suficiente para o sustento dos padres e para o ensino de algumas crianças. Uma carta que se diz remetida pela rainha Nzinga à Propaganda Fide, escrita em 15 de agosto de 1651, pede o envio dos padres para doutrinar seus súditos: “Se as Senhorias Vossas mandarão outros Religiosos Capuchos, os receberemos com boa vontade que no nosso Reino há muita gente pera tomar o Santo Bautismo” (CARTA da Rainha…, 1981, p. 70-71CARTA da Rainha Ana Jinga à Propaganda Fide (15-08-1651). In: BRÁSIO, António Pe. (org.). Monumenta Missionaria Africana: África Ocidental (1656-1665). Lisboa: Academia Portuguesa da História, 1981. v. 12.)17 17 A rainha Nzinga provavelmente é a personagem mais famosa dentro da historiografia seiscentista da história de Angola, há um considerável número de documentos que citam a sua resistência as investidas portuguesas no Ndongo e em Matamba. Nasceu em meados de 1583, converteu-se ao catolicismo em 1621, adotando o nome Ana de Souza, esse ato é considerado como uma estratégia política utilizada por Nzinga frente aos portugueses. Ascendeu ao trono do Ndongo em 1624, depois da misteriosa morte de seu irmão Ngola a Mbandi. Esse fato foi contestado pelos portugueses que não há consideravam uma legítima herdeira do título e a relação foi marcada por conflitos que perduraram boa parte do século XVII. Há uma imensa bibliografia que trata da sua história, p. ex. Glasgow (2013); Pantoja (2000); Parreira (1997); Fonseca (2018); Heywood (2019). . A relação da Rainha Nzinga com a Igreja e os portugueses passou por diversas etapas, mas sabe-se que, dos integrantes da fé católica, os capuchinhos foram os mais próximos da poderosa soberana.

Ainda no ano de 1651, no documento intitulado Provisão do El-Rei de Portugal aos capuchinhos italianos, a referência aos capuchinhos é a seguinte:

Eu El Rei, faço saber aos que esta minha provisão virem, que por ser informado do fruto que no Reino de Congo fazem os Religiosos Capuchinhos das Províncias de Itália, que há alguns anos residem nele, e por me representarem que desejam de continuar com aquela Missão, em serviço de nosso Senhor e meu, e particularmente por satisfazerem a intercessão de EI Rei Dom Garcia, Rei do mesmo Reino, meu Irmão, que mo mandou pedir com encarecimento. (PROVISÃO…, 1981, p. 78PROVISÃO do El-Rei de Portugal aos capuchinhos italianos (20-9-1651). In: BRÁSIO, António Pe. (org.). Monumenta Missionaria Africana: África Ocidental (1656-1665). Lisboa: Academia Portuguesa da História, 1981. v. 12.)

A passagem revela que o rei de Portugal esperava que o serviço de missão dos capuchinhos italianos servisse a seus interesses no ultramar, o que demonstra que a ordem tinha consciência que a sua inserção na missão estava também sobre os auspícios da coroa. O rei ainda destaca a importância da saída dos capuchinhos dos portos de Lisboa e que, em diálogo com a Propaganda Fide, a entrada de religiosos espanhóis ficava proibida pela Coroa portuguesa. O rei enfatiza que:

Hei por bem e me apraz de conceder licença aos ditos Religiosos Capuchinhos para que possam ser admitidos e residir em todo o Reino de Congo, e continuarem e fazerem nele suas missões livremente e sem impedimento algum, sem embargo de serem estrangeiros (…). (PROVISÃO, 1981, p. 78PROVISÃO do El-Rei de Portugal aos capuchinhos italianos (20-9-1651). In: BRÁSIO, António Pe. (org.). Monumenta Missionaria Africana: África Ocidental (1656-1665). Lisboa: Academia Portuguesa da História, 1981. v. 12.)

A desconfiança do rei em relação aos estrangeiros, segundo Ingrid Oliveira (2013, p. 10)OLIVEIRA, Ingrid Silva de. Portugueses x capuchinhos: suspeita e vigilância lusitana diante das atividades capuchinhas na África Centro-Ocidental durante o século XVII. In: RIBEIRO, Alexandre Vieira; GEBARA, Alexsander Lemos de Almeida (org.). Estudos africanos: múltiplas abordagens. Niterói: Editora da UFF, 2013., justifica-se, uma vez que:

Nessa época, Portugal tinha seus territórios no ultramar muito cobiçados por outras nações europeias e enfrentava a resistência de alguns reinos africanos; logo, a intermediação missionária para a aliança portuguesa com esses reinos foi um grande auxiliar.

Carlos Almeida (2010)ALMEIDA, Carlos. Uma infelicidade feliz: a imagem da África e dos africanos na literatura missionária sobre o Kongo e a região mbundu (meados do séc. XVI – primeiro quartel do séc. XVIII). Tese de doutorado, Antropologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2010. considera que os conflitos que surgiram em alguns períodos entre Lisboa e Roma ficaram no plano mais institucional, resvalando eventualmente nos capuchinhos, mas que localmente esses conflitos não alteraram as boas relações.

Considerações finais

Jesuítas e capuchinhos tinham um mesmo projeto de evangelização dos africanos, e utilizaram táticas similares para convertê-los. A concepção dos missionários baseava-se no entendimento de que todo o comportamento dos centro-africanos era regido por forças obscuras provenientes do diabo. A noção de que o diabo habitava as terras distantes da Europa foi reforçada com a ida de missionários para o Novo Mundo, principalmente no século XVI, tendo como o principal divulgador dessa teoria o Padre Antonio Acosta, missionário no Peru em 1571-1587. De acordo com Jean Delumeau (2009, p. 386)DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente: 1300-1800: uma cidade situada. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.:

Os missionários e a elite católica em sua maioria aderem à tese expressa pelo padre Acosta, que era a seguinte: desde a chegada de Cristo e a expansão da verdadeira religião no Velho Mundo, Satã refugiou-se nas Índias, da qual fez um de seus baluartes.

Independentemente da ordem da qual faziam parte, a ideia de missão estava baseada na seguinte premissa apontada por Boxer (2007, p. 55)BOXER. Charles. A Igreja militante e a expansão ibérica: 1440-1770. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.: “De maneira geral, os missionários europeus se consideravam emissários não só de uma religião superior, como também de uma cultura superior, ambas inseparavelmente integradas”. Tal perspectiva também era partilhada pelos europeus em geral que se submetiam a ocupar território com propósitos colonizadores. A concepção de ignorância espiritual estaria assim ligada à ausência da religião verdadeira, e na oposição entre Deus e o Diabo. Para a Igreja Católica, todos os credos que não seguissem os dogmas da instituição estavam consequentemente associados às práticas do demônio. Nesse sentido, para os missionários católicos, qualquer religião que não a sua era considerada um veneno para a humanidade. A repulsa que os mesmos tinham das religiões africanas, em certa medida, podia igualar-se aos seus sentimentos quanto ao calvinismo e ao luteranismo. Os livretos com orientação sobre essas religiões, distribuído pelos holandeses naquela região, eram queimados em fogueiras, assim como os amuletos, as imagens e os objetos de rituais dos centro-africanos (CAVAZZI DE MONTECÚCCULO, 1965, p. 289-290CAVAZZI DE MONTECÚCCULO, João António. Descrição histórica dos três reinos do Congo, Matamba e Angola. Tradução, notas e índices do Pe. Graciano Maria de Leguzzano. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1965. v. 1/2.).

Mesmo considerando as doutrinas calvinistas e luteranas como heréticas e atacando seus praticantes, o principal alvo das preocupações dos padres continuavam a ser os africanos, já que, segundo acreditavam, eles tinham uma predisposição para seguir caminhos errados, e que era isso que os hereges tinham para lhes oferecer. A ofensiva contra os nganga foi a maneira que as ordens ali presentes encontravam de desequilibrar a estrutura das crenças centro-africanas, e os conflitos entre missionários e nganga ocorriam de forma constante. Os nganga estabeleciam-se como personalidades influentes em todo o território; e as pessoas, mesmo depois de aparentemente convertidas ao cristianismo católico, não cessavam de os procurar para receber orientação sobre o seu agir no mundo.

Para aumentar a eficiência da conversão, os missionários atribuíam os poderes dos nganga ao demônio, e empenhavam-se em destruir objetos e locais de culto aos antepassados. São inúmeros os relatos de queima de objetos e destruição de altares, que para os missionários estavam consagrados ao demônio. Ainda que isso pudesse gerar um certo mal-estar com as autoridades locais, os padres faziam questão que a “queima de ídolos” fosse amplamente testemunhada, o que Carlos Almeida (2011, p. 152)ALMEIDA, Carlos. Despojos do demónio na casa da Igreja curiosidades de um missionário capuchinho no Kongo (1692): estudos & documentos. In: RODRIGUES, José Damião; RODRIGUES, Casimiro (ed.). Representações de África e dos africanos na História e Cultura: séculos XV a XXI. Ponta Delgada: Centro de História de Além-Mar, 2011. p. 135-137. considera uma tática pedagógica de conversão. No entanto, o autor também aponta que certos missionários, ao retornar à Europa, levavam algumas dessas peças como prova do seu sucesso, e até para compor coleções de gabinete de artefatos consideradas exóticos, o que era muito comum à época. Alguns religiosos chegaram até a escrever sobre esses objetos, chamados nkisi. Na Europa, a exposição erudita do modo de conceber o sagrado dos centro-africanos servia de propaganda para a busca de outros religiosos que se dispusessem a partir em missão.

Isso indica que, embora os modos de conceber o sagrado dos centro-africanos não fossem compreendidos pelos missionários, que apagavam a complexidade de suas práticas e reduziam-nas a um sistema dualista de mundo, pautado na ideia de idolatria e superstição, eles ao mesmo tempo se esforçavam por entender o que movia aqueles homens e mulheres, por que era tão difícil lhes explicar o caminho da verdade, o porquê daquelas almas rejeitarem tanto os desígnios de Deus: “Lançado à conquista daquelas almas, o missionário era desafiado, antes de mais, a dar um sentido ao comportamento do africano, a compreender as suas motivações profundas, o móbil das suas acções, a verdade inscrita nas suas palavras” (ALMEIDA, 2010, p. 421ALMEIDA, Carlos. Uma infelicidade feliz: a imagem da África e dos africanos na literatura missionária sobre o Kongo e a região mbundu (meados do séc. XVI – primeiro quartel do séc. XVIII). Tese de doutorado, Antropologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2010.).

As razões dos africanos eram objeto de debate entre os missionários. Havia aqueles que destacavam a receptividade e presteza com que recebiam os padres e seus ensinamentos. Nesse caso, os africanos eram vistos apenas como ignorantes, tendo a sua personalidade infantilizada, sua capacidade intelectual e suas perspectivas sobre a conversão totalmente desconsideradas18 18 Esse ponto de vista dos africanos sobre o processo de sua própria conversão tem sido objeto de grande interesse recente. Por exemplo, Cécile Fromont (2014) mostra como a conversão da elite do reino do Congo ao cristianismo foi acompanhada por um intenso processo de incorporação e ressignificação de objetos rituais, imagens, vestimentas e narrativas que estabeleceram um “espaço de correlação” dentro do qual uma forma inédita de pensar o mundo se desenvolveu. Sua perspectiva conecta-se à proposta de John Thornton (1984, 2013a, 2013b, ver tb. 2004) de um “sincretismo afro-cristão” ou de um “cristianismo africano” impulsionado principalmente por leigos oriundos da elite congolesa, formados em Portugal. Essa perspectiva contrasta com a posição de Wyat Macgaffey (1994), para quem os intercâmbios culturais entre portugueses e centro-africanos tomaram a forma de um “diálogo de surdos”, com “traduções” incongruentes entre diferentes universos simbólicos, com amplos efeitos políticos e sociais. . Almeida (2010)ALMEIDA, Carlos. Uma infelicidade feliz: a imagem da África e dos africanos na literatura missionária sobre o Kongo e a região mbundu (meados do séc. XVI – primeiro quartel do séc. XVIII). Tese de doutorado, Antropologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2010. lembra ainda que, para além das opiniões reais dos missionários, o discurso alusivo aos centro-africanos podia indicar necessidades imediatas sobre a missão, fossem elas materiais ou humanas. Ou seja, alguns escritos tinham como objetivo obter recursos financeiros e mais missionários. No contexto do projeto de conquista espiritual, nenhuma escrita se dava de forma vã. A retórica utilizada pela maioria dos missionários durante o século XVII sempre visava um público-alvo, com a finalidade de obter benefícios. Demonizar ou infantilizar os africanos era de praxe, independentemente da ordem religiosa.

As diferenças e divergências entre as duas principais ordens que se estabeleceram na África Centro-Ocidental, por sua vez, são mais fugidias, mas tornam-se especialmente relevantes para uma perspectiva sobre a história africana que busque ultrapassar as dicotomias baseadas nas formas históricas europeias de construção da alteridade, e que ainda condicionam muito das interpretações mais abrangentes sobre os períodos após a chegada dos europeus à região. Investigar os diferentes sujeitos históricos que se camuflam sob os termos “europeu” e “africano” (e recusar atribuir a esses termos valores explicativos intrínsecos) pode ajudar-nos a entender melhor a complexidade da experiência histórica na África Centro-Ocidental.

Embora as discrepâncias entre jesuítas e capuchinhos venham sendo tratadas há um bom tempo na bibliografia especializada, elas muitas vezes aparecem como um pano de fundo para a análise mais geral da história das missões e da cristianização, concebida essencialmente como um jogo entre “europeus” e “africanos”, por mais sofisticadas que sejam as representações dessa interação (“diálogo de surdos”, “sincretismo afro-cristão”, “cristianismo africano”, “espaço de correlação”). Nesse sentido, o enfoque comparativo entre dois dos principais atores coletivos geralmente tomados como estando “do mesmo lado”, como o que foi tentado neste artigo, pode ajudar a colocar em perspectiva sua suposta homogeneidade, sem perder de vista os aspectos que os aproximam.

De fato, inacianos e capuchinhos tanto colaboraram quanto disputaram o protagonismo da salvação dos africanos na África Centro-Ocidental no século XVII, enveredando por trocas de acusações que visavam reforçar a posição de cada ordem com relação ao poder temporal português, e ao mesmo tempo lançar suspeitas sobre as reais motivações dos concorrentes. Os capuchinhos repreendiam os inacianos por enriquecerem com o comércio de pessoas escravizadas, e esses, por sua vez, acusavam os frades menores de serem espiões de Castela, tramando contra a independência duramente conquistada por Portugal. Ao mesmo tempo, os jesuítas estavam muito mais envolvidos com o aparelho burocrático administrativo, e, por conseguinte, com a política, o que causou diversos desentendimentos entre eles e “os homens do rei em Angola” (cf. CARVALHO, 2013CARVALHO, Flávia Maria de. Os homens do rei em Angola: sobas, governadores e capitães-mores, sécs. XVII-XVIII. Tese de doutorado, História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2013. Disponível em: https://www.historia.uff.br/stricto/td/1502.pdf. Acesso em: 10 de novembro de 2021.
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). Mais distantes das zonas costeiras, os capuchinhos intervinham no jogo político a partir de uma outra perspectiva, concentrando-se na esfera africana, e buscando ocupar o papel de conselheiros e mediadores, dispondo-se a servir de emissários entre aqueles que disputavam o poder, como no já conhecido caso da rainha Jinga, ou no Congo, durante as disputas pela sucessão atravessadas pelo movimento antoniano. O Colégio da Companhia de Jesus permitiu que os jesuítas voltassem seus olhos para a educação dos filhos de portugueses que viviam no litoral, e também dos filhos da elite local das regiões mais próximas, o que contribuiu para o estreitamento dessas relações e para a lenta construção de um ambiente social e cultural particular em Luanda. Por outro lado, a interiorização da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos fez com que esses provavelmente fossem mais ativos na perseguição aos nganga e às práticas pagãs, as quais, mesmo depois de convertidos, os centro-africanos não deixavam de realizar. Se ambas as ordens foram cruciais para os planos de ocupação da coroa portuguesa, é nas diferenças e mesmo na disputa acirrada entre elas que podemos perceber diferentes efeitos em diferentes espaços, em busca de uma compreensão mais plural da experiência histórica na África Centro-Ocidental.

  • 1
    Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo. Este texto é uma versão modificada de um dos capítulos da minha dissertação de mestrado, intitulada “Mundos que se entrelaçam: religião e política na África Centro-Ocidental (século XVII)”, defendida na Universidade Federal de Juiz de Fora, sob a orientação da Prof.a Dr.a Fernanda do Nascimento Thomaz, a quem agradeço. A pesquisa contou com apoio financeiro da Universidade Federal de Juiz de Fora e da Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (Capes).
  • 3
    Aqui acompanho a delimitação proposta por Beatrix Heintze (2007, p. 557-558)HEINTZE, Beatrix. Angola nos séculos XVI e XVII. Luanda: Kilombelombe, 2007.: “no que segue, entende-se por ‘Angola’ em especial a região povoada pelos povos que falam o kimbundu ao norte do Kwanza. (…) Comparativamente também me refiro aos Kisama e Libolo que povoam o sul do Kwanza e pertencem à área da mesma língua (…)”.
  • 4
    Esse sistema estava presente especialmente entre os mbundu (MILLER, 1995MILLER, Joseph Calder. Poder político e parentesco: os antigos estados Mbundu em Angola. Luanda: Arquivo Histórico Nacional; Ministério da Cultura, 1995.).
  • 5
    Um debate aprofundado sobre a experiência missionária europeia está fora do escopo deste artigo. Para uma crítica geral do papel da perspectiva missionária sobre a construção erudita europeia da diferença em relação à África, ver Valentin Mudimbe (2013)MUDIMBE, Valentin-Yves. A invenção de África: gnose, filosofia e a ordem do conhecimento. Luanda: Mulemba, 2013.. Uma discussão recente sobre o significado da conversão em múltiplos espaços e tempos, a partir de uma perspectiva global, pode ser encontrada na coletânea organizada por Giuseppe Marcocci et al. (2015)MARCOCCI, Giuseppe et al. (org.). Space and conversion in global perspective. Leiden; Boston: Brill, 2015..
  • 6
    O material produzido pelos jesuítas foi classificado por Charles Boxer (2007, p. 56)BOXER. Charles. A Igreja militante e a expansão ibérica: 1440-1770. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. em quatro categorias: “(a) catecismos e outros compêndios da doutrina cristã; (b) obras de linguística, inclusive gramáticas; (c) manuais e guias para uso dos confessores e párocos; (d) obras edificantes, apologéticas e polêmicas”. É provável que um número bem maior de obras tenha sido elaborado para auxilio da pregação do que as que foram efetivamente conservadas até os dias atuais.
  • 7
    Souza (2018)SOUZA, Marina de Mello e. Além do visível: poder, catolicismo e comércio no Congo e em Angola (séculos XVI e XVII). São Paulo: Edusp, 2018. expõe em pormenores a importância dos intérpretes para a difusão do catolicismo na região, e de um certo protagonismo que o clero nativo foi experienciando ao longo do século XVII.
  • 8
    O relato de Cavazzi tem sido utilizado amplamente como fonte para o século XVII na região do Congo, Matamba e Angola. Apesar de escrito num momento em que capuchinhos e jesuítas já disputavam espaço na região, a fonte pode ser utilizada para ajudar a compreender períodos anteriores, uma vez que o autor recorreu a um conjunto de documentos e informantes locais em sua busca por descrever de forma minuciosa o ambiente em que se encontrava e seus antecedentes históricos. Para uma análise das possibilidades desse relato como fonte, ver a contribuição de Catarina Madeira Santos (2011)SANTOS, Catarina Madeira. Un monde excessivement noveau: savoirs africains et savoirs missionnaires: fragments, appropriations et porosités dans l’œuvre de cavazzi di montecúccolo. In: CASTELNAU-L’ESTOILE, Charlote de et al. (ed.). Missions d’évangélisation et circulation des savoirs: XVIe-XVIIIe siècle. Madrid: Casa de Velázquez, 2011. p. 295-308. Collection de la Casa de Velázquez.. Um bom exercício historiográfico sobre o relato de Cavazzi é a dissertação de mestrado de Ingrid Oliveira (2011b)OLIVEIRA, Ingrid Silva de. O olhar de um capuchinho sobre a África do século XVII: a construção do discurso de Giovanni Antonio Cavazzi. Dissertação de mestrado, História, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Nova Iguaçu, 2011b. Disponível em: https://tede.ufrrj.br/jspui/handle/jspui/2724. Acesso em: 2 abr. 2022.
    https://tede.ufrrj.br/jspui/handle/jspui...
    .
  • 9
    Desde o século XV, africanos foram enviados a Portugal e tiveram acesso à educação formal e, em alguns casos, religiosa. Os primeiros retornados foram importantes no processo de conversão de parte da nobreza congolesa ao catolicismo. Dentre os nomes mais destacados, constam o de João Zacuta, que se tornou intérprete, e o de Dom Henrique, filho do rei Afonso I, que se tornou Bispo e dirigiu a Igreja no Congo na primeira metade da década de 1520 (cf. OS PRIMEIROS…, 1952OS PRIMEIROS missionários do Congo (1490-1508). In: BRÁSIO, António Pe. (org.). Monumenta Missionaria Africana: África Ocidental (1471-1531). Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1952. v. 1.).
  • 10
    A carta foi escrita em Lisboa, provavelmente o padre Novais fazia parte da alta cúpula de religiosos da ordem em Portugal, e apenas passava para o rei notícias que recebia dos seus irmãos da ordem.
  • 11
    A Fórmula Scibendi era um manual de orientações morais e institucionais criada por Ignácio de Loyola em 1565.
  • 12
    O medo dos administradores e dos missionários não era em vão, já que os holandeses ocupariam Luanda e Benguela entre 1641, sendo libertada pela frota de Salvador Correia de Sá, enviada por Dom João IV. Sobre a retomada de Luanda (cf. BOXER, 1973BOXER, Charles R. Salvador de Sá e a luta pelo Brasil e Angola: 1602-1686. São Paulo: Editora Nacional; Universidade de São Paulo, 1973.).
  • 13
    “Compreende-se desde logo, os fortes laços que uniam a Companhia de Jesus e a oligarquia dos Sá. No prefácio da sua hagiografia Vida do Padre Joam d’Almeida (1658), o jesuíta Simão de Vasconcelos dedica a obra a Salvador Correia de Sá e completa: ‘como Deus Nosso Senhor tomou a grandes príncipes na Europa por meio para fundar, e aumentar a Companhia, assim dispôs na América, que os ilustríssimos Sás fossem dos primeiros e maiores bem feitores dela’” (ALENCASTRO, 2000, p. 270ALENCASTRO, Luís Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul, séculos XVI e XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.).
  • 14
    A querela entre os missionários devido ao voto de pobreza resultou na interferência da Propaganda Fide, definindo que os capuchinhos estavam sujeitos à diocese pelo menos no que se referia aos emolumentos e às ofertas. O desprendimento dos capuchinhos talvez não tenha sido sempre tão absoluto: Alexandre Marcussi mostra como o capuchinho Miguel Ângelo das Nossez, no início do século XVIII, recebia pelos sacramentos e fazia disso uma importante fonte de recursos para seu sustento durante a missão (MARCUSSI, 2015, p. 317-318MARCUSSI, Alexandre Almeida. Cativeiro e cura: experiências religiosas da escravidão atlântica nos calundus de Luzia Pinta, séculos XVII-XVIII. Tese de doutorado, História, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-11112015-134749. Acesso em: 20 mar. 2021. DOI: https://doi.org/10.11606/T.8.2015.tde-11112015-134749.
    https://www.teses.usp.br/teses/disponive...
    ).
  • 15
    Até o início do século XVIII, o reino permaneceu em um estado de intensa desagregação política, com a ascensão das elites governantes provinciais em detrimento do poder central, e insegurança social, gerado pela ameaça cotidiana da escravização por forças militares internas mais ou menos autônomas e que já não respondiam de forma consistente a uma autoridade central única (cf. HILTON, 1985HILTON, Anne. The kingdom of Kongo. New York: Clarendon; Oxford : Oxford University Press, 1985.; THORNTON, 1998THORNTON, John K. The Kongolese Saint Anthony: Dona Beatriz Kimpa Vita and the Antonian movement, 1684-1706. Cambridge: Cambridge University Press, 1998.).
  • 16
    O tradutor da obra, no entanto, acredita que o fato ocorreu em 1662.
  • 17
    A rainha Nzinga provavelmente é a personagem mais famosa dentro da historiografia seiscentista da história de Angola, há um considerável número de documentos que citam a sua resistência as investidas portuguesas no Ndongo e em Matamba. Nasceu em meados de 1583, converteu-se ao catolicismo em 1621, adotando o nome Ana de Souza, esse ato é considerado como uma estratégia política utilizada por Nzinga frente aos portugueses. Ascendeu ao trono do Ndongo em 1624, depois da misteriosa morte de seu irmão Ngola a Mbandi. Esse fato foi contestado pelos portugueses que não há consideravam uma legítima herdeira do título e a relação foi marcada por conflitos que perduraram boa parte do século XVII. Há uma imensa bibliografia que trata da sua história, p. ex. Glasgow (2013)GLASGOW, Roy. Nzinga. São Paulo: Perspectiva, 2013.; Pantoja (2000)PANTOJA, Selma. Nzinga Mbandi: mulher, guerra e escravidão. Brasília: Thesaurus, 2000.; Parreira (1997)PARREIRA, Adriano. Economia e sociedade em Angola na época da Rainha Jinga (século XVII). Lisboa: Estampa, 1997.; Fonseca (2018)FONSECA, Mariana Bracks. Ginga de Angola: memórias e representações da rainha guerreira na diáspora. Tese de doutorado, História, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-31072018-172020. Acesso em: 14 fev. 2022. DOI: https://doi.org/10.11606/T.8.2018.tde-31072018-172020.
    https://www.teses.usp.br/teses/disponive...
    ; Heywood (2019)HEYWOOD, Linda M. Jinga de Angola: a rainha guerreira da África. São Paulo: Todavia, 2019..
  • 18
    Esse ponto de vista dos africanos sobre o processo de sua própria conversão tem sido objeto de grande interesse recente. Por exemplo, Cécile Fromont (2014)FROMONT, Cécile. The art of conversion: Christian visual culture in the Kingdom of Kongo. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2014. mostra como a conversão da elite do reino do Congo ao cristianismo foi acompanhada por um intenso processo de incorporação e ressignificação de objetos rituais, imagens, vestimentas e narrativas que estabeleceram um “espaço de correlação” dentro do qual uma forma inédita de pensar o mundo se desenvolveu. Sua perspectiva conecta-se à proposta de John Thornton (1984THORNTON, John K. The development of an African Catholic Church in the Kingdom of Kongo, 1491–1750. The Journal of African History, [s.l.], v. 25, n. 2, p. 147-167, abr. 1984. Disponível em: https://www.cambridge.org/core/journals/journal-of-african-history/article/abs/development-of-an-african-catholic-church-in-the-kingdom-of-kongo--149117501/2FB5AD22282AF36704DE49E593623693. Acesso em: 19 de março de 2022. DOI: https://doi.org/10.1017/S0021853700022830.
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    , 2013bTHORNTON, John K. Afro-Christian Syncretism in the Kingdom of Kongo. The Journal of African History, [s.l.], v. 54, n. 1, p. 53-77, 2013b. Disponível em: https://www.cambridge.org/core/journals/journal-of-african-history/article/abs/afrochristian-syncretism-in--the-kingdom-of-kongo/69EF57CF54E05F1654CE75C7F07FDB99. Acesso em: 19 mar. 2022. DOI: https://doi.org/10.1017/S0021853713000224.
    https://www.cambridge.org/core/journals/...
    , ver tb. 2004THORNTON, John K. A África e os africanos na formação do mundo Atlântico 1400-1800. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.) de um “sincretismo afro-cristão” ou de um “cristianismo africano” impulsionado principalmente por leigos oriundos da elite congolesa, formados em Portugal. Essa perspectiva contrasta com a posição de Wyat Macgaffey (1994)MACGAFFEY, Wyat. Dialogues of the deaf: Europeans on the Atlantic Coast of Africa. In: SCHWARTZ, Stuart B. (ed.). Implicit understandings: observing, reporting and reflecting on the encounters between Europeans and other peoples in the Early Modern Era. Cambridge: Cambridge University Press, 1994. p. 249-267., para quem os intercâmbios culturais entre portugueses e centro-africanos tomaram a forma de um “diálogo de surdos”, com “traduções” incongruentes entre diferentes universos simbólicos, com amplos efeitos políticos e sociais.

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Editado por

Editores Responsáveis
Miriam Dolhnokoff e Miguel Palmeira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    16 Ago 2021
  • Aceito
    29 Abr 2022
Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de História Av. Prof. Lineu Prestes, 338, 01305-000 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (55 11) 3091-3701 - São Paulo - SP - Brazil
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