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VERDADE E PROVA: HISTÓRIA, RETÓRICA, LITERATURA, MEMÓRIA1 1 Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografa utilizadas são referenciadas no artigo.

TRUTH AND PROOF: HISTORY, RHETORIC, LITERATURE, MEMORY

Resumo

Em um contexto desafiador para o conhecimento histórico, flanqueado por reivindicações das memórias individuais e coletivas, pelas pretensões de saber da literatura e sob o cerco de vários regimes de produção e de consumo do falso, faz-se urgente demarcar suas condições de possibilidade. É o que se propõe neste ensaio a partir de reflexões calcadas no problema da “vontade de verdade”, nas relações entre retórica e prova, história, ficção e literatura, memória e esquecimento. Com elas, busca-se mostrar os riscos implicados na desconstituição da autoridade da noção de verdade em seu lastro ético-epistemológico, indispensável à defesa das sociedades democráticas.

Palavras-chave
História; literatura; ficção; autoridade; verdade

Abstract

In these challenging times for historical knowledge, marked by demands of individual and collective memories, knowledge-claims in literature, and the siege of various systems of production and consumption of falsehood, it is imperative to delimit the conditions that make history-writing possible. This article discusses such conditions based on the issue of “the will to truth” and the relationship between rhetoric and proof, history, fiction and literature, and memory and forgetting. The objective is to show the risks of dismantling the authority of the notion of truth in its ethical and epistemological foundations, which are essential to the defense of democratic societies.

Keywords
History; literature; fiction; authority; truth

Uma reflexão sobre as condições de possibilidade da verdade é urgente em nosso tempo de falsificações históricas, de verdades alternativas, do crédito outorgado às teorias mais absurdas. As condições da produção da verdade são a um só tempo epistemológicas, discursivas e materiais. Para refetir sobre elas, os flósofos e os historiadores frequentemente encontraram apoio na leitura dos autores da Antiguidade. É este mesmo caminho que gostaria de compartilhar com eles e, inspirado pelos livros de Marcel Détienne (Os mestres da verdade na Grécia arcaica) e Jean-Pierre Vernant (As origens do pensamento grego), discutir as noções de autoria e autoridade a partir de suas relações com o sagrado, a retórica e a prova.

1 – A vontade de verdade

Nosso primeiro encontro será com Michel Foucault e a Ordem do discurso (a aula inaugural no Collège de France que pronunciou em 1970). A vontade de verdade era para ele um dos três dispositivos encarregados de limitar a proliferação dos discursos graças às exclusões dos discursos proibidos, da palavra dos loucos e dos discursos considerados falsos. Segundo Foucault, a vontade de verdade proclamada por certos discursos foi

como uma prodigiosa maquinaria destinada a excluir todos aqueles que, ponto por ponto, em nossa história, procuraram contornar essa vontade de verdade e recolocá-la em questão contra a verdade, lá justamente onde a verdade assume a tarefa de justificar a interdição e definir a loucura (FOUCAULT, 1999, p. 20FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Trad. Laura Fraga Sampaio. São Paulo: Loyola, 1999.).

Por outro lado, essa vontade de verdade “tende a exercer sobre os outros discursos uma espécie de pressão e como que um poder de coerção” (FOUCAULT, 1999, p. 18FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Trad. Laura Fraga Sampaio. São Paulo: Loyola, 1999.). Assim, a literatura, a economia política ou o sistema penal tiveram que se submeter à sua exigência. Foucault localiza em Platão a ruptura decisiva que desloca a verdade do “ato ritualizado, eficaz e justo, de enunciação, para o próprio enunciado: para seu sentido, sua forma, seu objeto, sua relação com sua referência” (FOUCAULT, 1999, p. 15FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Trad. Laura Fraga Sampaio. São Paulo: Loyola, 1999.). Na sua perspectiva, a verdade é, por isso, fundamentalmente uma propriedade do discurso: “Tudo se passa como se, a partir da grande divisão platônica, a vontade de verdade tivesse sua própria história, que não é a das verdades que constrangem” (FOUCAULT, 1999, p. 17FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Trad. Laura Fraga Sampaio. São Paulo: Loyola, 1999.).

Porém, na mesma conferência, Foucault encontra essas “verdades que constrangem quando reconhece sua dívida em relação ao trabalho de Georges Canguilhem e a história da ciência entendida como “um conjunto ao mesmo tempo coerente e transformável de modelos teóricos e de instrumentos conceituais” (FOUCAULT, 1999, p. 72FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Trad. Laura Fraga Sampaio. São Paulo: Loyola, 1999.). Nessa perspectiva, a atenção se desloca da vontade de verdade para o conhecimento verdadeiro. Na tradição da epistemologia histórica, reconhecer a historicidade dos conceitos e dos instrumentos que produzem o saber não significa negar sua capacidade cognitiva. É o que sugere a distinção proposta por Canguilhem em seu último livro, Idéologie et rationalité dans les sciences de la vie, entre ideologia científica e “ciência autêntica”. As falsas ciências, definidas como “as formações discursivas que se apresentam como teoria”, as “representações mais ou menos coerentes das relações entre os fenômenos”, ou “os pseudo-saberes cuja irrealidade surge só pelo fato de que uma ciência se institua na sua crítica” (CANGUILHEM, 1981, p. 35CANGUILHEM, Georges. Idéologie et rationalité dans l’histoire des sciences de la vie. Paris: Vrin, 1981.) pertencem à história da vontade de verdade. As ideologias científicas são também “não ciências” que, no entanto, pretendem dizer a verdade: “uma ideologia científica termina quando o lugar que ocupava na enciclopédia do saber é investido por uma disciplina que prova, por suas operações, suas normas de cientificidade” (CANGUILHEM, 1981, p. 36CANGUILHEM, Georges. Idéologie et rationalité dans l’histoire des sciences de la vie. Paris: Vrin, 1981.). Uma ciência é um discurso governado “por um processo de retificação crítica”, por “normas de verificação” (CANGUILHEM, 1981, p. 24-25CANGUILHEM, Georges. Idéologie et rationalité dans l’histoire des sciences de la vie. Paris: Vrin, 1981.). Nesta perspectiva, a verdade não é só uma propriedade do discurso: é também um conhecimento provado.

É uma distinção semelhante à que afirmam os science studies, cujo “relativismo metodológico” não deve ser entendido como um relativismo cético. Numa conversa com Bernardo Oliveira, Steven Shapin afirma:

Não sou relativista no sentido de que todas as opiniões se equivalem. Meu relativismo é metodológico, pois acho que é a melhor forma de se buscar compreender a história das diferentes ciências. O exame das ideias, sem julgá-las de antemão como verdadeiras ou falsas, não é inócuo nem maléfico, ele é essencial (OLIVEIRA, 2004, p. 159OLIVEIRA, Bernardo. Uma conversa com Steven Shapin. Revista da SBHC, v. 2, n. 2, jul/dez. 2004.).

Mas não exclui a desigual capacidade cognitiva dos conhecimentos.

É também uma semelhante capacidade da história de produzir enunciados “científicos” que Michel de Certeau atribui à história caso se entenda por “científica” “a possibilidade de estabelecer um conjunto de regras que possibilitem ‘controlar’ operações adequadas na produção de objetos determinados” (CERTEAU, 2017, p. 47CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Trad. Maria de Lourdes Menezes. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2017.). São essas operações e regras próprias que permitem dar crédito científico à representação histórica do passado e rejeitar a suspeita de relativismo ou ceticismo que nasce do uso pela escrita historiográfica dos tropos retóricos e das estruturas narrativas que compartilha com a ficção.

2 – Retórica, verdade, prova

Meu segundo encontro, com Carlo Ginzburg, leitor de Aristóteles, nos permitirá refetir sobre a relação entre retórica e verdade. Ginzburg caracteriza assim o “giro linguístico”, ou, mais exatamente, “retórico” que desde os anos 70 do século XX reduziu a história à sua dimensão narrativa ou retórica e afirmou que o conhecimento que produzia não era diferente do conhecimento procurado pelas ficções:

[...] a historiografia, assim como a retórica, se propõe unicamente a convencer; o seu fim é a eficácia, não a verdade; de forma não diversa de um romance, uma obra historiográfica constrói um mundo textual autônomo que não tem nenhuma relação demonstrável com a realidade extratextual à qual se refere; textos historiográficos e textos de ficção são autorreferenciais, tendo em vista que estão unidos por uma dimensão retórica (GINZBURG, 2002, p. 48GINZBURG, Carlo. Relações de força: história, retórica, prova. Trad. Jônatas Batista Neto. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.).

Ginzburg estabelece a genealogia dessas afirmações (que fundamentam, por exemplo, a perspectiva de Hayden White) remontando a sua origem, ou seja, às duas ideias fundamentais expressadas por Nietzsche no seu ensaio publicado postumamente sob o título Acerca da verdade e da mentira. A primeira ideia considera que a linguagem é intrinsicamente poética e, por conseguinte, não pode produzir uma imagem adequada da realidade; a seg unda afirma que “as verdades são ilusões das quais se esqueceu que elas assim o são, metáforas que se tornaram desgastadas e sem força sensível” (NIETZSCHE , 2008, p. 36NIETZSCHE, Friedrich. Sobre verdade e mentira. Trad. Fernando de Moraes Barros. São Paulo: Hedra, 2008.).

Nesta perspectiva, a retórica é radicalmente antirreferencial. É uma técnica de convencimento que reduz a verdade a um conjunto de tropos e que excita as emoções. Sua história começa com os sofstas cuja retórica é denunciada por Sócrates no Górgias: “não afirmo que ela é arte, mas experiência, porque não possui nenhuma compreensão racional da natureza daquilo a que se aplica e daquilo que aplica, e consequentemente, não tem nada a dizer sobre a causa de cada um deles. Eu não denomino arte algo que seja irracional” (Plat. Gorg. 465a). Os sofstas que, como diz Sócrates, são capazes “de ser persuasivos a respeito de todos os assuntos em meio à multidão, não a ensinando, mas persuadindo-a” (Plat. Gorg. 458e), tiveram numerosos herdeiros nos tempos da primeira modernidade.

Foram também denunciados pelos flósofos que opõem a reflexão racional permitida pela circulação da escrita aos entusiasmos perigosos das emoções produzidas pela fala. Para Condorcet, a impressa substitui a evidência das demonstrações fundadas sobre a razão pelas certezas que as argumentações retóricas impõem. Com a invenção da tipografia,

viu-se instituir-se uma nova espécie de tribuna, de onde se comunicavam impressões menos vivas, mas mais profundas; de onde se exercia um império menos tirânico sobre as paixões, mas obtendo sobre a razão uma potência mais segura e mais durável; onde todo benefício é pela verdade, já que a arte só perdeu os meios de seduzir ganhando aqueles de esclarecer (CONDORCET, 1993, p. 110CONDORCET, Jean. Esboço de um quadro histórico dos progressos do espírito humano. Trad. Carlos Alberto Ribeiro de Moura. Campinas: Editora da Unicamp, 1993.).

Para Kant, o uso público da razão se opõe, termo por termo, a seu uso privado legitimamente restringido em nome da obediência que garante a própria existência da comunidade. O uso público da própria razão é “o tipo de uso que um mestre faz diante de um mundo de leitores”: como “mestre”, ou seja, como membro de uma sociedade sem distinção de posição ou ofício; “diante de um mundo de leitores”, ou seja, dirigindo-se à comunidade potencialmente universal dos leitores – e não a uma das “famílias” que compartilham a palavra viva (KANT, 2012, p. 16KANT, Immanuel. Uma reposta à pergunta: O que é o Iluminismo. In: KANT, Immanuel. Filosofia da história. Trad Cláudio J. A. Rodrigues. São Paulo, Icône, 2012.). Para ambos, Condorcet e Kant, o raciocínio permitido pela leitura da escrita deve proteger contra as seduções enganosas da palavra retórica.

É contra a definição nietzschiana da retórica, retomada por os flósofos da pós-modernidade (Paul de Man, Derrida, Barthes) que Ginzburg volta à Retórica de Aristóteles. Segundo ele, “a identificação da prova como núcleo racional da retórica, defendida por Aristóteles, se contrapõe, decididamente, à versão autorreferencial da retórica hoje difundida, baseada na incompatibilidade entre retórica e prova” (GINZBURG, 2002, p. 74GINZBURG, Carlo. Relações de força: história, retórica, prova. Trad. Jônatas Batista Neto. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.). Tal interpretação, que enfatiza um duplo rechaço, tanto à definição da retórica como apenas uma arte de convencer por meio das emoções quanto à condenação absoluta de toda retórica, se reporta à tradução de dois trechos da Retórica. No começo do Livro I, Aristóteles (Rh. 1354a) declara que “os autores dos atuais tratados de retórica elaboraram apenas uma pequena porção dessa arte”. Por quê? Porque ignoraram o elemento constitutivo da retórica: as “pisteis”. A tradução escolhida por Ginzburg, caso de várias traduções em francês ou inglês, interpreta a palavra como “provas”: “apenas as provas são um elemento constitutivo, todos os outros são acessórios”. Daí a importância central outorgada às provas “não-artísticas”, que não pertencem aos recursos discursivos da persuasão e que não dependem da arte da fala: ou seja, as provas “independentes da arte” são “as leis, as testemunhas, os contratos, as confssões obtidas mediante tortura e os juramentos” (Aristot. Rh. 1355b). Como comenta Ginzburg, “todas essas provas se referem ao âmbito da retórica judiciária” (GINZBURG, 2002, p. 49GINZBURG, Carlo. Relações de força: história, retórica, prova. Trad. Jônatas Batista Neto. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.).

Duas observações que discutem a interpretação de Ginzburg. Em primeiro lugar, se se localiza o texto de Aristóteles numa perspectiva diferente, a tradução pode ser diferente. Nesse sentido, o tradutor Edson Bini traduz “pisteis”, não como “provas”, mas como “meios de persuasão”. Justifica sua decisão na primeira nota de sua tradução em português:

contemplamos aqui e na sequência o sentido lato e genérico da palavra, e não o estrito e específico de prova judicial, uma vez que Aristóteles distingue (e até uma certa medida, privilegia) uma retórica pública, política, além da retórica judiciária; de resto, o sentido lato não exclui, mas inclui o sentido estrito (BINI, 2011, p. 39 trad. de Aristot.).

Em inglês, a tradução da Retórica por J. H. Freese, publicada em 1926, opta por “proofs” (p. 3).3 3 “Proofs are the only things in it [the Art of Rhetoric] that come within the province of art; everything else is merely accessory”. A tradução de J.H. Freese está disponível em: https://perseus.tufts.edu. A edição de W. Rhys Roberts, publicada dois anos antes, havia escolhido “modes of persuasion”. 4 4 A tradução de W. Rhys Roberts, de 1924, está disponível para consulta em https://classics.mit.edu e foi reeditada em 2005 (p. 95): “The modes of persuasion are the only true constituents of the art: everything else is merely accessory”. Uma nota esclarecia que “pistis” “também pode ser traduzido por ‘belief’ ’, ‘faith’, ‘trust’ ou ‘credit’”. George Kennedy, em 1991, conserva o termo grego.5 5 “As things are now, those who have composed Arts of Speech have worked on a small part of subject: for only the pisteis are artistic (other things are supplementary)” (KENNEDY, 1991, p. 30 trad. de Aristot.). Aponta que

pistis (pisteis, no plural) tem um certo número de sentidos diferentes em contextos distintos: ‘proof, means of persuasion, belief’, etc. Em 1.2.2-3, Aristóteles estabelece uma distinção entre “pisteis” artísticas e não-artísticas, e divide a primeira em meios de persuasão calcados no caráter, argumentos lógicos e capacidade de suscitar emoção (KENNEDY, 1991, p. 30 trad. de Aristot.) 6 6 “pistis (plural pisteis) has a number of different meanings in different contexts: ‘proof, means of persuasion, belief’, etc. In 1.2.2-3, Aristotle distinguishes between artistic and non-artistic ‘pisteis’ and divides the former into the means of persuasion based on character, logical argument and arousing emotion” (KENNEDY, p. 30, n. 9 trad. de Aristot.). .

Na mais recente tradução em inglês da Retórica, C. D. C. Reeve escolhe “means of persuasion”, pois “estes podem assumir a forma de um argumento, mas não precisam fazê-lo (um elemento indiciário pode nos persuadir de algo); são, no máximo, demonstrativas, mas podem ser indutivas, e produzem convicção” 7 7 “All in all, then, ‘means of persuasion’ seems like a good translation: these can take the form of argument but need not (a piece of evidence can persuade us of something), are at their best demonstrative, but can be inductive, and are productive of conviction” (REEVE, 2018, p. 159, n. 8 trad. de Aristot.). .

Em segundo lugar, como sublinha François Hartog (2017, p. 109)HARTOG, François. Crer em História. Trad. Camila Dias. Belo Horizonte: Autêntica, 2017., a ligação entre retórica e história na obra de Aristóteles é problemática. Por um lado, ele não atribui nenhum lugar específico à história entre os três géneros da retórica: o deliberativo, o judiciário, o epidítico. Por outro lado, na Retórica de Aristóteles, as pesquisas concebidas como coletas de dados históricos necessários para as argumentações concernem “à política, e não à retórica” (Aristot. Rh. 1360a).

Não tenho nenhuma competência nem para decidir se a palavra “prova” deve aparecer ou não na tradução da Retórica, nem para estabelecer seu sentido na obra. A própria noção de “prova” pode abrir-se a várias interpretações. Assim, Manuel A. Júnior, Paulo F. Alberto e Abel do N. Pena traduzem a palavra “pisteis” quando aparece pela primeira vez no texto por “argumentos retóricos”. Mas, numa nota, indicam que “o termo difere no sentido conforme os contextos: fé, meio de persuasão, prova. Em Aristóteles, significa normalmente, “prova”, “prova lógica”, “argumento lógico” ou “argumento retórico”. A partir daqui traduzimo-lo simplesmente por “prova”. Aristóteles distingue duas categorias de prova – artísticas e não artísticas – e classifica as três primeiras em três espécies: prova ética, prova lógica e prova emocional ou patética. Por conseguinte, a discussão deve focalizar-se sobre o papel outorgado às provas “não artísticas” na Retórica. Devemos considerá-las o “núcleo racional da retórica”, como pensa Ginzburg, ou como acessórias em relação às outras provas (éticas, lógicas, patéticas) internas ao discurso?

Contudo, o que pode justificar a interpretação de Ginzburg quanto à relação entre prova e retórica e sua recusa da “visão da retórica como técnica de convencimento na qual o exame das provas tem um lugar marginal” é a Institutio oratoria de Quintiliano. No Livro V, ele examina as “probationes inartificiales”, as provas que não são baseadas na arte do orador. Lista “praejudicia” (os preconceitos), “rumores” (as opiniões públicas), “tormenta” (os interrogatórios), “tabulae” (testamentos e diplomas), “jus jurandum” e “testes” (juramento e testemunhos). A Institutio de Quintiliano foi uma referência fundamental para a vinculação, no Renascimento, entre a forma retórica e a busca das provas históricas. Lorenzo Valla, que demonstrou que a Doação do Imperador Constantino em favor do Papa Silvestre era uma falsificação, possuía dois códices da Institutio e anotou um deles. Seu discurso retomava às fórmulas retóricas clássicas (por exemplo, a invenção de diálogos imaginários), mas ao mesmo tempo apresentava as provas “inartificiales” mencionadas por Quintiliano: não só a evidência de anacronismos grosseiros, mas também anacronismos linguísticos. Para Ginzburg, “aos olhos de Valla, uma palavra como ‘sátrapas’ provava ser insustentável a suposta data da doação de Constantino. O recurso aos anacronismos textuais como instrumento de análise histórica constituiu um ponto de viragem, um evento intelectual de alcance incalculável” (GINZBURG, 2002, p. 76GINZBURG, Carlo. Relações de força: história, retórica, prova. Trad. Jônatas Batista Neto. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.). Lorenzo Valla fundava, assim, a possível relação entre a escrita retórica e a prova histórica.

Trata-se então de reconhecer a compatibilidade, ou melhor, a inseparabilidade entre o pertencimento da história, qualquer que seja, à classe das narrativas e sua capacidade de fornecer um conhecimento submetido a operações próprias e aos critérios de controle compartilhados por uma comunidade científica. A capacidade crítica da história não é limitada a desvelar as falsificações e imposturas. Deve e pode também sujeitar as construções interpretativas a critérios objetivos de validação ou rejeição. Atribuir tal função à história nos conduz a determinar esses critérios. Devem eles relacionar-se à coerência interna da demonstração? Ou com sua compatibilidade diante de resultados já adquiridos? Ou com as regras que desde a Renascença governam a crítica dos documentos? Além disso, é a noção mesma de “prova” que se deve discutir. E legítimo postular uma pluralidade de regimes de prova que seria exigida pela diversidade dos objetos e métodos históricos? Ou devemos elaborar uma teoria geral da objetividade histórica que permita distinguir entre interpretações aceitáveis e inaceitáveis, sem por isso recusar a possibilidade da pluralidade das interpretações legítimas?

Essas questões, que se relacionam ao próprio estatuto epistemológico da história, têm importância essencial numa época em que nossa relação com o passado está ameaçada pela forte tentação de histórias imaginadas e pelas tentativas políticas de rescrita do passado. Nesse contexto, uma reflexão sobre as condições que permitem construir discursos históricos que podem considerar-se como representações e explicações adequadas para fazer compreender a realidade que foi e não é mais me parece uma tarefa essencial e urgente. É o que propõe o caminho aberto por Carlo Ginzburg entre relativismo cético e positivismo ingênuo: “As fontes não são nem janelas escancaradas, como acreditam os positivistas, nem muros que obstruem a visão, como pensam os céticos: no máximo poderíamos compará-las a espelhos deformantes” (GINZBURG, 2002, p. 44GINZBURG, Carlo. Relações de força: história, retórica, prova. Trad. Jônatas Batista Neto. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.). “A análise da distorção específica de qualquer fonte implica já um elemento construtivo. Mas a construção [...] não é incompatível com a prova; a projeção do desejo, sem o qual não há pesquisa, não é incompatível com os desmentidos infigidos pelo princípio de realidade. O conhecimento (mesmo o conhecimento histórico) é possível” (GINZBURG, 2002, p. 44–45GINZBURG, Carlo. Relações de força: história, retórica, prova. Trad. Jônatas Batista Neto. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.).

3 – História, ficção, literatura

Contudo, o conhecimento histórico deve coexistir com outras verdades sobre o passado, produzidas pelas obras de ficção. A autoridade histórica não se reduz à historiografia. Duradouramente, as obras teatrais apresentaram representações do passado mais “verdadeiras” que as propostas pelas crônicas dos historiadores do mesmo período. Quando publicaram em 1623 um livro in-fólio que pela primeira vez reunia as obras teatrais de Shakespeare, os dois editores, John Heminges e Henry Condell (que haviam sido, como o próprio dramaturgo, atores e proprietários na companhia do Rei, os King’s Men), decidiram repartir as trinta e seis obras impressas no livro em três categorias: “comédias”, “histórias”, “tragédias”. Se a primeira e a terceira retomavam a divisão clássica entre os dois gêneros da poética teatral aristotélica, a segunda (“histórias”) introduzia uma nova categoria que no Fólio compreendia dez obras que contavam a história dos reis da Inglaterra entre King John e Henry the Eight. Ao publicar estas dez obras segundo a cronologia dos reinados, Heminges e Condell as transformaram em uma narrativa dramática construída segundo uma concepção linear do tempo que era a que fundamentava também a escrita das crônicas empregadas por Shakespeare na composição de seus próprios textos, caso das Chronicles of England de Edward Hall, John Stow, Richard Grafton ou Raphael Holinshed. Antes da publicação no Folio, as “histórias” (ou pelo menos algumas delas) foram as obras de Shakespeare de maior sucesso. Elas configuraram poderosamente as “experiências coletivas físicas e mentais” (como escreve Stephen Greenblatt) de seus espectadores e leitores graças a suas encenações teatrais e graças a suas numerosas edições in-quarto publicadas antes do Folio.

Mas a história representada sobre os palcos não era a história dos cronistas: era uma história aberta aos anacronismos, uma história governada por uma cronologia propriamente teatral, e não pela cronologia dos acontecimentos tais como se sucederam. A história representada sobre os palcos distorce as crônicas e transfigura os acontecimentos para propor à imaginação dos espectadores representações ambíguas do passado, caracterizadas pelas incertezas, as contradições, a impossibilidade de dar um sentido único e certo aos eventos. O tempo das “histories” encenadas nos teatros não é somente o tempo dos acontecimentos, das decisões, das vontades, das intenções dos indivíduos. É também o tempo inexorável da roda da fortuna que faz suceder inevitavelmente a queda ao triunfo e, mais essencialmente, o tempo de Deus que os homens não podem e não devem decifrar ou compreender, salvo quando são profetas inspirados que falam palavras que não são as suas – por exemplo, o bispo Carlisle em Richard II ou o arcebispo Cranmer em Henry the Eighth. Talvez seja nesta distorção das realidades históricas tal como as estabelecem os historiadores, nesta instabilidade e opacidade do sentido dos acontecimentos que reside a força singular das apropriações e representações teatrais do passado ou, de modo mais geral, das ficções literárias.

Uma ruptura fundamental para a economia da escrita foi a emergência, durante o século XVIII, do que consideramos literatura, compreendida como uma modalidade particular do discurso identificada com as “belas letras” (e não mais, como nas definições dos dicionários do século XVII, com a erudição). Em sua nova definição, a “literatura” se baseia na individualização da escrita e na originalidade das obras. A articulação dessas duas noções foi decisiva para a definição da propriedade literária e encontrou uma forma acabada no final do século XVIII, na época da consagração do escritor, da “fetichização” do manuscrito autógrafo, da obsessão pela mão do autor, tornada garantia da autenticidade de sua obra, e da construção de monumentos e repertórios canônicos.

A literatura se opõe, assim, a uma economia anterior da escrita assentada em outras práticas: a escrita em colaboração, o reemprego de histórias já contadas, de lugares comuns partilhados, de fórmulas herdadas, ou, ainda, as contínuas reescritas e numerosas continuações de obras sempre abertas. É verdade que, até meados do século XVIII, persistiu a forte consciência da dimensão coletiva de todas as produções textuais e o fraco reconhecimento do autor como tal. Seus manuscritos não mereciam conservação, suas obras não são sua propriedade, suas experiências não alimentavam nenhuma biografia literária, mas somente coletâneas de anedotas. Tudo muda quando a afirmação da originalidade criadora entrelaça a existência e a escrita, situando as obras na vida ao reconhecer os sofrimentos ou felicidades do autor na sua obra.

Localizar assim a invenção da literatura e da história literária no século XVIII na Europa (e talvez no século XIX, nas Américas) é seguir o caminho aberto por João Hansen quando sugere a necessária

[...] revisão de categorias que a nossa história literária de tradição iluminista, hegeliana, romântica, positivista pressupõe que são categorias trans-históricas. [...] Por exemplo, nessa história literária tradicional, temos a ideia generalizada de que os textos todos têm uma autoria e que essa autoria se identifica com a expressão subjetiva ou psicológica do individuo que os produz; temos uma hipótese estética de leitura como prazer desinteressado, que aplicamos a objetos verbais que, muitas vezes, dependendo da circunstância dos usos, tinham outras finalidades, absolutamente práticas, por exemplo, no seu consumo (CHARTIER, 2000 p. 209CHARTIER, Roger. Debate: literatura e história. Topoi, Rio de Janeiro, n. 1, 2000.).

Daí a série de oposições entre o que João Hansen designa como “estética” (ou seja, a literatura no sentido moderno do termo) e a “representação dos séculos XVII e XVIII” que é “mimética, retórica, dependendo da doutrina aristotélica dos estilos que é anónima e coletiva”. É nesta oposição que se enraíza a incompatibilidade entra as noções que definem o discurso literário e as características próprias da retórica e da poética que o precedem:

a retórica faz que não existe a figura do ‘autor’ – no sentido da subjetividade expressiva romântica –, nem a figura da ‘originalidade’ – no sentido da mercadoria competindo com outra no mercado dos bens culturais –, nem a figura de ‘plágio’ – no sentido da apropriação da propriedade privada –, nem, por isso, a figura da ‘psicologia’ – no sentido da expressão emotiva ou subjetiva de impressões de um individuo –, nem tampouco a figura do ‘crítico literário’ – no sentido do especialista que define o sentido das obras a partir do momento no qual a mimesis aristotélica se esgotou, no final do século XVIII, e o valor estético se tornou indeterminado (HANSEN, 2006, p. 56HANSEN, João Adolfo. Barroco, neobarroco e outras ruínas. Floema Especial – Ano II, n. 2 A, out. 2006.).

João Hansen mostra, nesse sentido, que a universalização dos critérios românticos, expressivos e psicológicos, forjados nos séculos XVII, oculta uma descontinuidade fundamental. No regime da representação do século XVII, que se pode nomear “barroco”, os padrões retórico-poéticos e as doutrinas teológico-políticas não conhecem

nem as definições contemporâneas de ‘publicação’ como edição de textos impressos dotados de intenção autoral, unicidade, originalidade e autenticidade, nem a noção de ‘obra literária’ como texto depositário de um sentido invariante, formulado como código linguístico independente dos códigos bibliográficos (HANSEN, 2006, p. 49HANSEN, João Adolfo. Barroco, neobarroco e outras ruínas. Floema Especial – Ano II, n. 2 A, out. 2006.).

No século XIX, uma vez estabelecido o sentido moderno da palavra “literatura”, a verdade proclamada pela escrita literária se apresentou como a verdade do mundo social inteiro, uma verdade ignorada pelos historiadores do período, fascinados pelos grandes eventos e pelos poderosos indivíduos. À distância dessa fascinação, o romance devia assumir a tarefa de descrever a sociedade inteira, de propor, como indicava Manzoni em 1845 no seu libro Del romanzo storico, pensando em seu próprio romance I promessi sposi,

não uma narração cronológica unicamente de fatos políticos e militares e, excepcionalmente, de algum acontecimento extraordinário de outro gênero, mas sim uma representação mais abrangente das condições da humanidade em uma época e um lugar naturalmente mais circunscritos que aqueles sobre os quais se distendem os trabalhos de história (MANZONI, 2000, p. 1MANZONI, Alessandro. Del romanzo storico e, in genere, dei componimenti misti di storia e d’invenzione. Milano: Centro Nazionale Studi Manzoniani, 2000.)8 8 “non è un racconto cronologico di soli fatti politici e militari e, per eccezione, di qualche avvenimento straordinario d’altro genere; ma una rappresentazione più generale dello stato dell’umanità in un tempo, in un luogo, naturalmente più circoscritto di quelle in cui si distendono ordinariamente i lavori di storia”. .

O objetivo do romance “era apresentar, de uma forma nova e especial, uma história mais rica, mais variada, mais refinada que aquela encontrada nas obras que normalmente trazem este nome, e como por antonomásia” (MANZONI, 2000, p. 1MANZONI, Alessandro. Del romanzo storico e, in genere, dei componimenti misti di storia e d’invenzione. Milano: Centro Nazionale Studi Manzoniani, 2000.)9 9 “mettermi davanti agli occhi, in una forma nova e speciale, una storia più ricca, più varia, più compita di quella che si trova nell’opere a cui se dà questo nome più comunemente, e come per antonomasia”. . O romance devia dar a conhecer

costumes, opiniões, seja gerais, seja próprias a tal ou tal classe de homens, os efeitos privados dos acontecimentos públicos que mais estritamente se chamam históricos, e [os efeitos] das leis e das vontades dos poderosos, em qualquer maneira que se expressam; finalmente todo o mais característico das condições da vida e das relações entre estas condições numa sociedade dada num tempo dado (MANZONI, 2000, p. 1MANZONI, Alessandro. Del romanzo storico e, in genere, dei componimenti misti di storia e d’invenzione. Milano: Centro Nazionale Studi Manzoniani, 2000.)10 10 “costumi, opinioni, sai generali, sai particolari a questa o a quella classe d’uomini; effetti privati degli avvenimenti pubblici che si chiamano più propriamente storici, e delle leggi, o delle volontà dei’ potenti, in qualunque maniera siano manifestate; insomma tutto ciò che ha avuto di più caratteristico, in tutte le condizioni della vita, e nelle relazioni dell’une con le altre, una data società, in un dato tempo”. .

Nessa perspectiva, o romancista se tornava o verdadeiro historiador que mostra as diferenças de temporalidade que atravessam uma sociedade. É o que afirma Balzac no primeiro parágrafo do seu romance Les illusions perdues, Ilusões perdidas, publicado em 1843, que apresenta a obra como uma “grande pequena história”. “Pequena história” porque começa com a descrição de uma pequena tipografia numa pequena cidade provincial francesa:

Na época em que começa esta história, a prensa de Stanhope e os rolos de tintagem ainda não funcionavam nas pequenas tipografias de província. Apesar da especialidade que a leva ser comparada com a tipografia parisiense, a cidade de Angoulême ainda usava as prensas de madeira (BALZAC, 2011, p. 27BALZAC, Honoré de. Ilusões perdidas. Trad. Rosa Freire d’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.).

“Pequena história”, mas também “grande história”, pois o contraste técnico entre prensas de madeira e prensas mecânicas é a expressão e a matriz dos destinos tanto individuais quanto coletivos que conduzem da província desprezada até Paris, capital devoradora e decepcionante onde se perdem as ilusões. Se, durante a Restauration, entre 1815 e 1830, Angoulême e Paris têm o mesmo calendário, no entanto as duas cidades não compartilham o mesmo tempo.

Quando a história dos historiadores se dedicou às conjunturas econômicas e demográficas, as hierarquias sociais, as crenças e mentalidades coletivas, a literatura deslocou sua vontade de verdade e enfatizou as singularidades e as diferenças. Escrever as vidas únicas de indivíduos particulares tornou-se um gênero favorito. Borges nomeou seu precursor em sua Biblioteca pessoal (um livro publicado em 1985), as Vidas imaginárias de Marcel Schwob:

Em 1935 escrevi um livro ingénuo que se chamava Historia universal de la infamia. Uma das suas numerosas fontes foi o livro de Schwob [...] Suas Vidas imaginárias datam de 1896. Para o escrever inventou um curioso método. Os protagonistas são reais; os fatos podem ser fabulosos e muitas vezes fantásticos. O sabor particular deste livro reside neste vaivém (BORGES, 2014, p. 69–70BORGES, Jorge Luís. Biblioteca pessoal. Lisboa: Quetzal, 2014.).

O “curioso método” de Schwob consistia em separar radicalmente os destinos singulares das ideias universais, em privilegiar “o sentimento do individual” e em libertar a escrita biográfica das exigências da verdade histórica. Schwob define a arte, seja literatura ou pintura, em oposição à história, apenas interessada pelas ideias universais: “A ciência histórica nos deixa na incerteza dos indivíduos. Revela-nos somente os pontos em que eles foram vinculados a ações universais”, enquanto a arte “é contrária às ideias universais, descreve apenas o individual, deseja apenas o único. Não classifica; desclassifica” (SCHWOB, 2011, p. 47SCHWOB, Marcel. A cruzada das crianças e vidas imaginárias. Trad. Dorothée de Bruchard. São Paulo: Hedra, 2011.). A arte do biografo, tal como a arte do pintor japonês Hokusai, consiste em “efetuar a milagrosa mutação da semelhança em diversidade”, “tornar individual aquilo que há de mais genérico” (SCHWOB, 2011, p. 50–54SCHWOB, Marcel. A cruzada das crianças e vidas imaginárias. Trad. Dorothée de Bruchard. São Paulo: Hedra, 2011.). A busca das “próprias esquisitices” ou das “anomalias” de cada homem não supõe a conformidade na realidade: ao biógrafo,

não lhe cabe a preocupação de ser verdadeiro; ele deve criar em meio a um caos de traços humanos [...] Em meio a esse grosseiro conjunto, o biógrafo seleciona o material para compor uma forma que não se pareça com nenhuma outra. Não precisa ser igual àquela criada outrora por um deus superior, desde que seja única, como toda criação” (SCHWOB, 2011, p. 55SCHWOB, Marcel. A cruzada das crianças e vidas imaginárias. Trad. Dorothée de Bruchard. São Paulo: Hedra, 2011.).

O gênero aparentemente mais histórico, a biografia, deve afastar-se da história para aproximar-se de uma realidade mais profunda, mais essencial, contando, como o faz Schwob no seu livro, “as existências únicas dos homens, quer tenham sido divinos, medíocres ou criminosos”. Assim, o ideal da biografia ou, de modo mais geral, da literatura, é “diferenciar ao infinito” (SCHWOB, 2011, p. 50SCHWOB, Marcel. A cruzada das crianças e vidas imaginárias. Trad. Dorothée de Bruchard. São Paulo: Hedra, 2011.).

Seguindo o caminho assim aberto, a literatura no século XX se apoderou do que os novos ídolos da história (populações, economias, sociedades) ignoravam, desprezavam ou apagavam, ou seja, as verdades das “vidas” sempre únicas, frágeis, obscuras. Nos romances, essa atenção se vincula às “vidas minúsculas” ou as “histórias ínfimas”, como nos oito capítulos do livro de Pierre Michon, Vies minuscules publicado em 1984 e traduzido em português em 2004. Mas as existências anônimas, os destinos singulares se encontram também nos arquivos mesmos, como se os documentos geralmente tratados estatisticamente pelos historiadores preservassem traços breves, fragmentados, poéticos das vidas singulares. É a “história” destas vidas minúsculas que Foucault desejava fazer presente no seu projeto de “antologias de existências” que apresentou em 1977 num ensaio pensado como uma introdução geral de uma coletânea de documentos dos séculos XVII e XVIII e intitulado “La vie des hommes infâmes”, “A vida dos homens infames” (“infames” por ser sem fama, sem glória): “Vidas singulares, tornadas, por não sei quais acasos, estranhos poemas, eis o que eu quis juntar em uma espécie de herbário” (FOUCAULT, 2006, p. 204FOUCAULT, Michel. Ditos e escritos: estratégia, poder-saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.).

Invertendo o procedimento de Schwob, é em “existências reais”, em “vidas breves, encontradas por acaso em livros ou documentos” (relatórios de polícia, registros de internamento, petições ao rei, cartas régias com ordem de prisão), que Foucault localizava “o efeito misto de beleza e de terror” produzido por estas “vidas de algumas linhas ou de algumas páginas, desventuras e aventuras sem nome, juntadas em um punhado de palavras”. Nestas vidas das quais não se conhece geralmente nada mais que os rastros breves, enigmáticos, escritos pelas instituições, Foucault encontrava existências que nunca haveriam sido conhecidas sem o momento quando se chocaram com o poder ou quando tentaram utilizar suas forças: “Quis, em suma, reunir alguns rudimentos para uma lenda dos homens obscuros, a partir dos discursos que, na desgraça ou na raiva, eles trocam com o poder” (FOUCAULT, 2006, p. 208FOUCAULT, Michel. Ditos e escritos: estratégia, poder-saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.). A vontade de dar presença aos destinos singulares está situada aqui no seu limite: “a existência desses homens e dessas mulheres remete exatamente ao que deles foi dito, do que eles foram ou do que fizeram nada subsiste, exceto em poucas frases” (FOUCAULT, 2006, p. 209FOUCAULT, Michel. Ditos e escritos: estratégia, poder-saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.). Nesse sentido, se inverte a perspectiva que localiza o real das existências na ficção literária porque “ali se produz um certo equívoco do fictício e do real” (FOUCAULT, 2006, p. 108FOUCAULT, Michel. Ditos e escritos: estratégia, poder-saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.). Os indivíduos que realmente sofreram ou esperaram “não têm e nunca terão existência senão ao abrigo precário dessas palavras”: “essa pura existência verbal faz desses infelizes ou dessas facínoras seres quase fictícios” (FOUCAULT, 2006, p. 209FOUCAULT, Michel. Ditos e escritos: estratégia, poder-saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.).

Nesses casos, a literatura opõe o tempo irredutivelmente singular de cada existência humana ao tempo coletivo das instituições, dos destinos comuns, das representações compartilhadas. A literatura, seja imaginada pelo escritor ou encontrada nos arquivos, está investida por uma poderosa capacidade de conhecimento quando são mobilizados os procedimentos que produzem a “verdade da ficção”, entendida, segundo a fórmula de Carlo Ginzburg, como “uma história verdadeira construída a partir de uma história fictícia”. Não se trata, então, de afirmar, como o faz Hayden White, que ficção e história produzem uma mesma verdade, mas, antes, de identificar quais são as condições que localizam em algumas obras literárias um discurso verdadeiro sobre a realidade ou o passado.

No seu livro O fo e os rastros: Verdadeiro, falso, fictício, Carlo Ginzburg enfatiza três dispositivos estéticos que produzem semelhante verdade. O primeiro é a distância crítica permitida pelo procedimento do “estranhamento”, da “ostranenie” dos formalistas russos, que transforma na escrita ou na leitura as realidades familiares em algo estranho, raro, inesperado. Assim está postulada uma “douta ignorância” que recusa a percepção cega das evidências, a aceitação automática dos costumes, a submissão à ordem. Nas ficções encarnaram o estranhamento as figuras do iletrado sábio, do selvagem civilizado, do campesino astuto ou os animais das fábulas e das imagens do mundo ao avesso. Um segundo procedimento, próprio da leitura, consiste em retroceder da ficção ao documento, da verdade estética à verdade dos fatos. No caso das obras dramáticas, se trata de inverter a inspiração do “New Historicism” e de descobrir na construção da verdade teatral ou narrativa, governada por sua própria lógica, a verdade dos fatos tais como foram registrados pelas crónicas e pelas histórias utilizadas pelos dramaturgos e os romancistas. O terceiro procedimento de produção da verdade estética é o estilo direto livre que introduz na narração os pensamentos íntimos, secretos, mudos dos protagonistas. Ginzburg observa: “é um procedimento que parece vedado aos historiadores porque, por definição, o discurso direto livre não deixa rastros documentários” (GINZBURG, 2007, p. 188GINZBURG, Carlo. O fo e os rastros: verdadeiro, falso, fictício. Trad. Rosa Freire d’Aguiar e Eduardo Brandão. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.). Mas acrescenta que, se a verdade produzida por esta modalidade do discurso se situa mais além do discurso histórico, no entanto “os procedimentos narrativos são como campos magnéticos: provocam indagações e atraem documentos potenciais” (GINZBURG, 2007, p. 188GINZBURG, Carlo. O fo e os rastros: verdadeiro, falso, fictício. Trad. Rosa Freire d’Aguiar e Eduardo Brandão. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.). Sob essas condições e com a consciência da diferença entre seu ofício e a arte do romancista, o historiador pode tomar o risco do estilo direito livre e introduzir na operação do conhecimento histórico a verdade própria da ficção.

As múltiplas formas das verdades literárias (do passado, da sociedade, dos indivíduos) podem também, paradoxalmente, tornar-se a condição da verdade histórica. É o que mostra um livro publicado em 1958 na Cidade do México (AUB, 1999AUB, Max. Jusep Torres Campalans. Barcelona: Destino, 1999.). É uma biografia de um pintor catalão, Jusep Torres Campalans, escrita por Max Aub, um republicano e socialista espanhol que foi conselheiro cultural em Paris em 1936, comissário da República na Exposição Universal de 1937 e diretor, com André Malraux, do flme Sierra de Teruel. Exilado na França desde a derrota da República, perseguido e preso como comunista pelo Regime de Vichy, refugiou-se no México e adquiriu a nacionalidade mexicana em 1949. Foi no México que publicou o ciclo de seus romances dedicado à Guerra Civil espanhola e, em 1958, a biografia de Jusep Torres Campalans.

O livro faz uso de todas as técnicas modernas de validação da verdade do relato histórico: as fotografas que mostram os pais de Campalans e o próprio pintor em companhia de seu amigo Picasso, as declarações que fez em dois periódicos parisienses em 1912 (L’Intransigeant) e em 1914 (o Figaro illustré), a edição de seu “Caderno Verde”, no qual anotou, entre 1906 e 1914, observações, aforismos e citações, o catálogo de suas obras estabelecido em 1942 por um jovem crítico irlandês, Henry Richard Town, que preparava uma exposição dos quadros de Campalans em Londres quando foi morto por um bombardeio alemão, as transcrições das conversas que Aub travou com o pintor quando o encontrou em 1955 em San Cristóbal de Las Casas, no estado de Chiapas, e, finalmente, as reproduções dos próprios quadros. Os quadros foram expostos em Nova York, com um catálogo intitulado “Catalogue Jusep Torres Campalans. The First New York Exhibition. Bodley Gallery, 223 East Sixtieth Street” quando saiu em 1962 a tradução em inglês da biografia. O livro, então, aproveita todas as técnicas e instituições modernas que, para Roland Barthes, respondiam ao inesgotável desejo de autenticar o “real”: as fotografas (“testemunha bruta do que ocorreu ali”), a reportagem, as exposições.

E, no entanto, Jusep Torres Campalans nunca existiu. Max Aub inventou este pintor, supostamente nascido em Gerona em 1886 e que fugiu de Paris e deixou de pintar em 1914, para zombar das categorias empregadas pela crítica de arte: a explicação das obras pela biografia do artista, o esclarecimento do sentido escondido das obras, as técnicas de datação e atribuição, o uso contraditório das noções de precursor e de infuência. Campalans sofre infuência de Matisse, Picasso, Kandinsky, Mondrian, e, ao mesmo tempo, seus quadros são sempre os primeiros em cada novo estilo do século XX: o cubismo, o “art nègre”, o expressionismo, a pintura abstrata.

Hoje em dia o livro pode ser lido de maneira diferente. Mobiliza os dispositivos da autenticação a serviço de uma ilusão referencial particularmente poderosa que enganou muitos leitores. Mas ao mesmo tempo multiplica as advertências irônicas que devem despertar a vigilância. Não é por acaso que a circunstância que permite o encontro entre Aub e Campalans seja um colóquio que celebra os trezentos e cinquenta anos da Primeira Parte de Dom Quixote, nem que o “Prólogo indispensável” do livro termine com uma referência ao “melhor” de todos os prólogos: o de Dom Quixote. Uma das epígrafes de Aub também adverte o leitor. Aub a atribui a um certo Santiago de Alvarado que haveria escrito em seu livro Nuevo mundo caduco y alegrías dela mocedad de los años de 1781 hasta 1792 (uma obra que poderia figurar no “Museu” dos textos imaginários de El hacedor de Borges): “Como pode haver verdade sem mentira?”. No próprio seio da ilusão se recorda, com isso, a diferença que separa o possível conhecimento do passado de sua fictícia existência nas fábulas literárias, a realidade que foi e os referentes imaginários. Ao lado dos livros dedicados às falsificações históricas, o Campalans de Max Aub, paradoxalmente, ironicamente, reafirma a capacidade de distinguir entre o encanto ou o perigo da relação com um passado imaginado e imaginário e as operações críticas próprias de um saber histórico capaz de desmascarar as imposturas e de estabelecer o que Paul Ricoeur chama de “memória equitativa” – equitativa porque obriga as memórias particulares a confrontarem-se com uma representação do passado situada na ordem de um conhecimento universalmente aceitável.

4 – A verdade da memória

A memória, no entanto, tem sua própria verdade, diferente da verdade procurada pela história. No seu último livro, A memória, a história e o esquecimento, publicado em 2000, Ricoeur estabelece uma série de distinções essenciais entre estas duas formas de presença do passado no presente que asseguram, por um lado, o trabalho da memória e, por outro lado, a operação historiográfica. A primeira diferença é a que distingue o testemunho do documento. Se o primeiro é inseparável da testemunha e da credibilidade outorgada a suas palavras, o segundo permite o acesso a conhecimentos que foram recordações de ninguém. À estrutura fduciária do testemunho, que implica a confança, se opõe a natureza indiciária do documento, submetido aos critérios objetivos da prova. Uma segunda distinção opõe a instantaneidade da memória e a construção explicativa da história, seja qual for a escala de análise dos fenômenos históricos e o modelo de inteligibilidade escolhido, tanto as explicações que estabelecem as determinações desconhecidas dos atores quanto as explicações que privilegiam suas estratégias explícitas e conscientes. Depreende-se daí uma terceira diferença: entre o reconhecimento do passado possibilitado pela memória e sua representação, no sentido de “ter o lugar de”, assegurada pelo relato histórico.

Para Ricoeur, a memória tem duas modalidades adequadamente designadas pelo léxico aristotélico. A memória é mneme, surgimento das lembranças, e é também anamnesis, trabalho de rememoração, quando o individuo “desce à sua memória” como escreveu Borges. Nas duas formas, o esquecimento é a condição de possibilidade da memória. Ricoeur comenta, assim, a fórmula de Heidegger: “a lembrança [Erinnerung] só é possível na base de um esquecer, e não o contrário”. Escreve Ricoeur: “Ninguém pode fazer com que o que não é mais não tenha sido. E ao passado como tendo sido que se vincula esse esquecimento que condiciona a lembrança. Compreende-se o paradoxo aparente se por esquecimento se entende o imemorial recurso, e não a inexorável destruição” (RICOEUR, 2007, p. 450-451RICOEU R, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Editora da Unicamp, 2007.). O conceito de “esquecimento de reserva”, de “oubli de réserve” proposto por Ricoeur ajuda a ultrapassar a contradição que obcecou a Europa da primeira modernidade (e que ainda nos atormenta): por um lado, o medo ante a proliferação indomável da escrita, a multiplicação dos textos inúteis, a desordem do discurso, a tirania da memória absoluta e, por outro, o medo da perda, da falta, do apagamento.

Para Ricoeur, existe uma polaridade entre duas grandes figuras do esquecimento: o esquecimento “profundo”, que é perda, desaparecimento, destruição dos vestígios, tanto documentais como psíquicos, e o esquecimento que é preservação, latência e recurso pela memória. Quanto a essa segunda figura do esquecimento, Ricoeur indica, numa conferência pronunciada em Budapeste em 2003: “O esquecimento tem um polo ativo ligado ao processo de rememoração, essa busca para reencontrar as memórias perdidas, que, embora tornadas indisponíveis, não estão realmente desaparecidas” (RICOEUR, 2003RICOEUR, Paul. Memória, história, esquecimento. Conferência pronunciada em março de 2003. Disponível em: https://www.uc.pt/fluc/uidief/textos_ricoeur/memoria_historia.
https://www.uc.pt/fluc/uidief/textos_ric...
). Este “trabalho” da rememoração tem várias modalidades: a cura da psicanálise, as políticas da memória que permitem anistia sem amnésia ou as reapropriações do passado pela história.

No nosso presente, as reivindicações das memórias, individuais ou coletivas, levaram ao questionamento das pretensões do saber histórico, considerado frio e inerte diante da relação viva que leva à apreensão do passado no imediatismo de sua reminiscência. De fato, a história enfrenta um profundo desafio quando a memória ou a literatura se encarregam da representação autêntica, verdadeira do passado e opõem a força e a autoridade da lembrança ou da ficção ao “desconforto na historiografia”, segundo uma expressão de Yosef Yerushalmi. Eis a razão pela qual a história e, de modo mais geral, as ciências humanas e sociais devem reafirmar a especificidade do regime de conhecimento que lhes é próprio. Ao reafirmar sua diferença em relação aos poderosos discursos ficcionais ou memoriais, e também em relação às falsificações das realidades presentes ou passadas, as ciências da sociedade e do passado assumem a responsabilidade que lhes compete: fazer inteligíveis as heranças e as descontinuidades que nos tornaram o que somos tanto como indivíduos quanto como sociedade. Nessa perspectiva, a história sempre deve ser o saber que desmascara as verdades alternativas, que rechaça as negações do que foi ou do que é, que estabelece um conhecimento comprovado. Assim, pode contribuir a apaziguar as feridas que deixou em nosso presente um passado que foi amiúde injusto e cruel. Assim, pode desempenhar seu papel cívico e ético.

As mutações políticas que aconteceram recentemente em ambos os lados do Atlântico, ou no norte e no sul das Américas, obrigam a refetir com urgência e ansiedade sobre a relação entre autoridade e verdade. Essas mutações mostram os perigos que ameaçam tanto a memória quanto a história. A memória, porque aproveitam o desconhecimento do passado para impor as representações de uma realidade que nunca foi. A história, porque opõem ao conhecimento verdadeiro as falsificações e manipulações dos fatos. Nos dois casos, é a noção de verdade que se encontra desafada, ameaçada, descartada. Assim se desfaz o vínculo antigo entre verdade e democracia, entre o uso da razão e a deliberação política. Tal ruptura constitui um perigo mortal para as instituições públicas e as exigências éticas. Hoje em dia, em várias partes do mundo, as liberdades acadêmicas e os conhecimentos críticos são os alvos de políticas obscurantistas. Sua defesa é nossa responsabilidade coletiva. Como pesquisadores, como intelectuais, como cidadãos.

  • 1
    Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografa utilizadas são referenciadas no artigo.
  • 3
    “Proofs are the only things in it [the Art of Rhetoric] that come within the province of art; everything else is merely accessory”. A tradução de J.H. Freese está disponível em: https://perseus.tufts.edu.
  • 4
    A tradução de W. Rhys Roberts, de 1924, está disponível para consulta em https://classics.mit.edu e foi reeditada em 2005 (p. 95): “The modes of persuasion are the only true constituents of the art: everything else is merely accessory”.
  • 5
    “As things are now, those who have composed Arts of Speech have worked on a small part of subject: for only the pisteis are artistic (other things are supplementary)” (KENNEDY, 1991, p. 30 trad. de Aristot.).
  • 6
    pistis (plural pisteis) has a number of different meanings in different contexts: ‘proof, means of persuasion, belief’, etc. In 1.2.2-3, Aristotle distinguishes between artistic and non-artistic ‘pisteis’ and divides the former into the means of persuasion based on character, logical argument and arousing emotion” (KENNEDY, p. 30, n. 9 trad. de Aristot.).
  • 7
    “All in all, then, ‘means of persuasion’ seems like a good translation: these can take the form of argument but need not (a piece of evidence can persuade us of something), are at their best demonstrative, but can be inductive, and are productive of conviction” (REEVE, 2018, p. 159, n. 8 trad. de Aristot.).
  • 8
    “non è un racconto cronologico di soli fatti politici e militari e, per eccezione, di qualche avvenimento straordinario d’altro genere; ma una rappresentazione più generale dello stato dell’umanità in un tempo, in un luogo, naturalmente più circoscritto di quelle in cui si distendono ordinariamente i lavori di storia”.
  • 9
    “mettermi davanti agli occhi, in una forma nova e speciale, una storia più ricca, più varia, più compita di quella che si trova nell’opere a cui se dà questo nome più comunemente, e come per antonomasia”.
  • 10
    “costumi, opinioni, sai generali, sai particolari a questa o a quella classe d’uomini; effetti privati degli avvenimenti pubblici che si chiamano più propriamente storici, e delle leggi, o delle volontà dei’ potenti, in qualunque maniera siano manifestate; insomma tutto ciò che ha avuto di più caratteristico, in tutte le condizioni della vita, e nelle relazioni dell’une con le altre, una data società, in un dato tempo”.

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Editado por

Editores Responsáveis
Júlio Pimentel Pinto e Flavio de Campos

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    10 Fev 2021
  • Aceito
    19 Abr 2021
Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de História Av. Prof. Lineu Prestes, 338, 01305-000 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (55 11) 3091-3701 - São Paulo - SP - Brazil
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