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“MINAS DE ALMAS”: COMÉRCIO DE GENTE E GEOPOLÍTICA CRISTÃ (FIM DO SÉCULO XVI)1 1 Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e a bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo.

“MINES OF SOULS”: TRADE OF FOLK AND CHRISTIAN GEOPOLITICS (LATE 16TH CENTURY)

Resumo

Durante o último quarto do século XVI, a África Centro-Ocidental tornou-se um importante palco de disputas políticas e comerciais que envolviam a crise sucessória ao trono português, o padroado e o tráfico de escravizados. Diferentes instituições, grupos e agentes disputaram as prerrogativas e as rendas eclesiásticas, que se associavam ao comércio na região. D. Henrique foi o artífice do padroado luso-africano, desenvolveu uma política de influência sobre as Ordens Militares e a Inquisição, e encontrou na Companhia de Jesus sua principal aliada, definindo os reis do Congo como inimigos e a conquista de Angola como estratégica. No entanto, as sociedades novas e os grupos de interesse estabelecidos na ilha de São Tomé e em diferentes partes da África Centro-Ocidental, e suas conexões euro-atlânticas, tinham grande autonomia em relação à monarquia. Quando Felipe II incorporou Portugal à sua Coroa, seu principal objetivo era reunir as duas margens do Mar Oceano. Ao mesmo tempo, teve que reconhecer e remontar as peças de um complexo jogo político.

Palavras-chave
padroado; monarquia hispânica; complementaridade atlântica; tráfico de escravizados; necropolítica

Abstract

During the last quarter of the sixteenth century, West Central Africa became an important stage for political and commercial disputes involving the succession crisis for the Portuguese throne, the patronage, and the enslaved trade. Different institutions, groups and agents disputed the ecclesiastical prerogatives and rents that were associated with trade. D. Henrique was the architect of the Luso-African patronage, developed a policy of influence over the Military Orders and the Inquisition, and found in the Society of Jesus its main ally, defining the kings of Congo as enemies and the conquest of Angola as a strategy. However, the new societies and interest groups established on the island of São Tomé and in different parts of West Central Africa, and their Euro-Atlantic connections, had great autonomy in relation to the monarchy. When Philip II incorporated Portugal into his Crown, his main objective was to bring together the two shores of the Mar Oceano. At the same time, he had to recognize and rearrange the pieces of a complex political puzzle.

Keywords
patronage; Hispanic monarchy; Atlantic complementarity; slave trade; necropolitics

Introdução

No último quarto do século XVI, a África Centro-Ocidental, escassamente povoada de europeus, tornou-se um importante palco de disputas políticas e comerciais que envolviam a crise sucessória do trono português, o padroado e o tráfico de escravizados.3 3 Estou de acordo com as considerações de autoras e autores que adotam o termo escravizada(o) para evidenciar o ato de violência implícito no processo de escravização e associá-lo à lógica mercantil europeia, enquanto escrava(o) “descreve o estado de desumanização com>o a identidade natural” (KILOMBA, 2020, p. 11-21) e opera no sentido de reificar as pessoas negras na história. Penso, novamente em diálogo com essas(es) autoras(es), que é urgente descolonizar a linguagem, e mais ainda a linguagem da história colonial. Nas citações, optamos pela atualização da grafia. O objetivo deste artigo é analisar os diferentes âmbitos de tais disputas, destacando os interesses e a atuação de religiosos, seculares e regulares, na cúria romana, na Inquisição e nos bispados, nas vigararias e nas conezias africanas.

As perguntas que norteiam este trabalho são: por que a África Centro-Ocidental se tornou um lugar estratégico das tensões entre as monarquias ibéricas e a cúria romana? Como diferentes instituições, facções e pessoas disputaram o controle sobre as estruturas e as rendas eclesiásticas na região? Qual era o envolvimento de grupos religiosos no comércio da África Centro-Ocidental e quais eram suas conexões atlânticas e europeias? Que interesses estiveram implicados na criação da diocese de Congo e Angola?

Essas questões foram elaboradas por meio do diálogo historiográfico. Em primeiro lugar, o trabalho de Maria Larcher (2016)LARCHER, Maria O. A Ordem de Cristo e o padroado na visão de um cardeal rei. In: MATOS, Paulo T. de (coord.). Cristianismo e império: conceitos e historiografia. Lisboa: CHAM, 2016. elucidou a política consistente de D. Henrique em relação ao padroado português, dando elementos para interpretá-la no contexto da África Centro-Ocidental. Luiz Felipe de Alencastro (2000)ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. e Carlos Zeron (2011)ZERON, Carlos Alberto de Moura Ribeiro. Linha de fé: a Companhia de Jesus e a escravidão no processo de formação da sociedade colonial (Brasil, séculos XVI e XVII). São Paulo: Edusp, 2011. esclareceram o sentido da missionação jesuíta a partir de um ponto de vista político e associado à economia atlântica, perspectiva que utilizei para desvendar a ação de outros grupos religiosos, particularmente a dos bispos de São Tomé, auxiliado pelo trabalho de José Paiva (2006PAIVA, José. Os bispos de Portugal e do Império: 1495-1777. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2006.; 2020)PAIVA, José. D. Jerónimo Osório, bispo do Algarve, e a Inquisição. In: PIME>NTEL, C. et al. (coord.). O humanismo português e europeu: no 5º Centenário do Cicero Lusitanus, Dom Jerónimo Osório (1515-1580). Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2020.. Teobaldo Filesi (1967FILESI, Teobaldo. Le relazioni tra il Regno del Congo e la Sede Apostolica nel XVI secolo. Africa, Rivista trimestrale di studi..., v. 22, n. 4, p. 413-459, dic. 1967.; 1968)FILESI, Teobaldo. Duarte Lopez ambasciatore del Re del Congo presso Sisto V nel 1588. Africa, Rivista trimestrale di studi..., v. 23, n. 1, p. 44-83, mar. 1968. e Richard Gray (1999GRAY, Richard. A Kongo Pincess, the Kongo Ambassadors, and the Papacy. Journal of Religion in Africa, v. 29, n. 2, p. 140-154, 1999. Doi: https://doi.org/10.1163/157006699X00160.
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; 2012)GRAY, Richard. Christianity, the Papacy, and Mission in Africa. New York: Orbis Books, 2012. analisaram as relações entre a cúria romana e o reino do Congo, mas não as pensaram sob a influência da monarquia hispânica. José Martínez (2003)MARTÍNEZ MILLÁN, José. La crisis del ‘partido castellano’ y la transformación de la Monarquía Hispana en el cambio de reinado de Felipe II a Felipe III. Cuadernos de Historia Moderna, Anejo 2, p. 11-38, 2003. ISSN 1579-3826. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=975298. Acesso em: 10 abr. 2023.
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e Federico Palomo (2004)PALOMO, Federico. Para el sosiego y quietud del reino. En torno a Felipe II y el poder eclesiástico en el Portugal de finales del siglo XVI. Hispania, v. 64, n. 216, p. 63-94, 2004. eISSN 1988-8368 / ISSN 0018-2141. Disponível em: https://hispania.revistas.csic.es/index.php/hispania/article/view/197. Acesso em: 10 abr. 2023. Doi: https://doi.org/10.3989/hispania.2004.v64.i216.197>.
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dão elementos para esclarecer esse aspecto. José da Silva Horta (1997HORTA, José da Silva. Africanos e portugueses na documentação inquisitorial, de Luanda a Mbanza Kongo (1596-1598). Actas do Seminário ‘Encontro de Povos e Culturas em Angola’. Lisboa: CNCDP, 1997, p. 301-321.; 1998)HORTA, José da Silva. A inquisição em Angola e Kongo: o inquérito de 1596-98 e o papel mediador das justiças locais. Arqueologia do Estado. Primeiras Jornadas sobre formas de organização... Lisboa: História & Crítica, 1988, p. 388-415. v. 1. apresentou e analisou diferentes aspectos da Inquisição na África Centro-Ocidental, sem, no entanto, aprofundar sua análise a partir de uma perspectiva político-comercial, que farei nas páginas seguintes. Outros(as) historiadores(as) estudaram as redes comerciais, a maioria de cristãos novos, que se constituíram entre as duas margens do Atlântico e a Europa (FONSECA, 2008FONSECA, Jorge da. Escravos e senhores na Lisboa quinhentista. Tese de doutorado, Estudos Portugueses, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 2008.; SILVA, 2012SILVA, Janaína e. Cristãos-novos nos negócios da capitania de Pernambuco: relacionamentos, continuidades e rupturas nas redes de comércio entre os anos de 1580 e 1630. Tese de doutorado, História, Universidade Federal de Pernambuco, 2012.), das quais destaco as do tráfico de escravizados (SCHULTZ; WHEAT, 2022SCHULTZ, Kara; WHEAT, David. The Early Slave Trade from Angola to Spanish America and Brazil, 1575-1595. Anuario de Estudios Americanos, 79, 2, p. 487-514, 2022. eISSN 1988-4273 / ISSN 0210-5810. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=8660415>. Acesso em: 10 abr. 2023.
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; FERNÁNDEZ 2022aFERNÁNDEZ CHAVES, Manuel. El ‘trato e avenencia del reino de Angola para el Brasil e Indias de Castilla’ de 1594-1600. Gestión y organización de la trata de esclavos en una época de transición. Revista de Indias, v. LXXXII, n. 284, p. 9-44, 2022a. eISSN 1988-3188 / ISSN 0034-8341. Disponível em: https://revistadeindias.revistas.csic.es/index.php/revistadeindias/article/view/1511. Acesso em: 10 abr. 2023. Doi: https://doi.org/10.3989/revindias.2022.001.
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, 2022b)FERNÁNDEZ CHAVES, Manuel. Juan Bautista Rovelasca y el tráfico de esclavos hacia América del contrato de Santo Tomé de 1583-1589. Gestión de un enclave esclavista en decadencia. Anuario de Estudios Americanos, v. 79, n. 2, p. 451-485, 2022b. eISSN 1988-4273 / ISSN 0210-5810. Disponível em: https://estudiosamericanos.revistas.csic.es/index.php/estudiosamericanos/article/view/956. Acesso em: 10 abr. 2023. Doi: https://doi.org/10.3989/aeamer.2022.2.03>.
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. Essas referências foram fundamentais para indicar a presença de religiosos no interior dessas redes. Por fim, a historiografia africanista, sobretudo as de Anne Hilton (1985)HILTON, Anne. The Kingdom of Kongo. Oxford: Clarendon Press, 1985. e John K. Thornton (2013)THORNTON, John. The kingdom of Kongo and the counter-reformation. Social Sciences and Missions, v. 1, n. 26, p. 40-58, 2013. Doi: https://doi.org/10.1163/18748945-02601002.
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, permitiu-me entender os “espaços de correlação” (FROMONT, 2014FROMONT, Cécile. The art of conversion: Christian visual culture in the Kingdom of Kongo. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2014.) – social, tributário, político e religioso – entre as agências africana e europeia, neste que ainda é um artigo sobre a história ocidental.

As questões foram analisadas por meio do estudo de redes sociais e da trajetória de pessoas que se envolveram diretamente com temas relacionados à África Centro-Ocidental e foram reconstituídas, primordialmente, por meio da documentação. Para além da documentação tradicional, reunida na obra de António Brásio (1952, 1953, 1954, 1988)BRÁSIO, António. Monumenta Missionária Africana. Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1952, 1953, 1954, 1988. Série I, v. I, II, III, IV, XV., analiso uma documentação pouco explorada, ou inédita, oriunda de processos religiosos desenvolvidos na África Centro-Ocidental, no Brasil e em Lisboa entre o fim do século XVI e o início do XVII, reunida no Arquivo Nacional da Torre do Tombo (doravante ANTT).4 4 Fundo do Tribunal do Santo Ofício (doravante TSO), coleção Inquisição de Lisboa (doravante IL). Disponível em: https://digitarq.arquivos.pt/details?id=2299704. Acesso em: 21 mar. 2023. Parte dessa documentação está sendo transcrita e publicada pelo projeto Inquisição em África, desenvolvido em uma parceria entre a Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), sob minha coordenação, e o Penn Museum Africa, sob direção da Dra. Vanicléia Silva Santos.

A diocese de São Tomé e a disputa pelo padroado africano

As tensões e as desconfianças entre os reis do Congo e de Portugal tiveram início em 1514, acirraram-se progressivamente até o ano de 1526, quando D. Afonso I, Mvemba a Nzinga, pediu o fim do tráfico de escravizados em seu reino.5 5 A demanda associava-se à preocupação dos mwene mani] Congo em controlar os processos de escravização praticados pelos portugueses na África Centro-Ocidental. A agência europeia, que não era ordenada por seus soberanos, colocava em risco um elemento central da autoridade real: o controle do comércio e da distribuição de insígnias de prestígio. Além disso, fomentava as guerras interétnicas e tensionava as relações de poder no interior das linhagens políticas, levando, inclusive, à escravização de súditos e de indivíduos da nobreza congolesa (PIGAFETTA; LOPES, 1989 1591], p. 87-88). “Carta do rei do Congo a D. Manuel I”, 05/10/1514; “Carta do rei do Congo a D. João III”, 26/05/1517; “Carta do rei do Congo a D. João III”, 06/07/1526 (MMA, I, p. 319-320, 404-405, 470-471, respectivamente). Mesmo que, na aparência da lei, mas distante da prática, D. João III tenha aceitado a demanda do mwene Congo em 1532, o golpe veio na sequência, em 1534, com a criação da primeira diocese da África Centro-Ocidental em São Tomé, contrariando a demanda do rei africano de ser a cabeça da Igreja em seu reino.6 6 O bispado de São Tomé tinha jurisdição espiritual sobre grande parte da costa africana, do cabo das Palmas, na Libéria atual, até o cabo das Agulhas, na África do Sul, e no interior incluía o reino do Congo. “Regimento do feitor do trato de São Tomé”, 02/08/1532; “Cédula consistorial da criação da diocese de São Tomé”, 31/01/1533; e “Bula de ereção do bispado de São Tomé”, 03/11/1534 (MMA, II, p. 14-15, 19, 22-34).

Alguns anos mais tarde, o então jovem cardeal dom Henrique, braço eclesiástico da dinastia de Avis, em fina sintonia com o rei, seu irmão, já estava envolvido em assuntos relacionados à África Centro-Ocidental, tendo despachado, em 1548, a primeira missão jesuíta ao reino do Congo. Em 1551, a diocese de São Tomé saiu da alçada de Funchal, na ilha da Madeira, para a de Lisboa, o que previa um controle maior da monarquia portuguesa sobre a Igreja na África. No mesmo ano, as Ordens Militares foram definitivamente incorporadas à Monarquia, tornando-se um dos principais instrumentos para o fortalecimento do poder real, por meio da “economia das mercês” (OLIVAL, 2001OLIVAL, Fernanda. As Ordens Militares e o Estado Moderno: honra, mercê e venalidade em Portugal (1641-1789). Lisboa: Estar, 2001., p. 39-44, 110). Em 1552, o antigo embaixador do mwene Congo, o padre Diogo Gomes, ordenado jesuíta com o nome de Cornélio Gomes, relatou a Inácio de Loyola que, “por causas ocultas”, o rei do Congo “será deposto do reino, e em seu lugar introduzido outro” pelo rei e o cardeal, “o que não se pode fazer sem guerras e muitos trabalhos”.7 7 “Carta do padre Cornélio Gomes a santo Inácio”, 18/07/1552 (MMA, II, p. 275). A sincronia dos eventos e das medidas régias em relação ao papado, nas décadas de 1530 e 1550, revela a importância da expansão portuguesa na África para a configuração do padroado ultramarino português. Consequentemente, evidencia o interesse do papado pela abertura da via africana para a realização da república universal cristã. O simples fato de anunciar, nesses termos, a intenção de D. João III e de D. Henrique ao fundador da Companhia de Jesus (SJ), revela a vontade de domínio que articulava a monarquia portuguesa e os jesuítas e se projetava sobre a África Centro-Ocidental, perspectiva e estratégia que, como veremos, terão vida longa.

Outra vertente de atuação com protagonismo de religiosos foi constituída pelos bispos de São Tomé. D. Gaspar Cão (c. 1556-1574) foi réu em um processo canônico em que era acusado, além de devassidão na vida pessoal e displicência nos ofícios espirituais, de ter uma fazenda de onde despachava, nomeando curas, vigários e provisores “ignorantes e de mau exemplo, cobiçosos e simoníacos”8 8 “Sentença do cardeal dom Henrique a favor do bispo de São Tomé”, 14/03/1571 (MMA, III, p. 10-11). , ou seja, que vendiam ilicitamente indulgências, sacramentos e objetos religiosos. Segundo as denúncias, Gaspar Cão escolhia os padres de acordo com interesses pessoais e econômicos, estabelecendo uma rede de negócios que se estendia para o continente africano.

Efetivamente, Gaspar Cão estava envolvido com o tráfico de escravizados, “assim no reino do Congo como em outros reinos e partes de Guiné”, destinados às Antilhas e ao reino de Portugal.9 9 Ibidem, p. 11. Mas, o fazia, segundo seu depoimento, por necessidade, porque os(as) escravizados(as) eram a “moeda corrente” naquelas partes, tópica que será usada sistematicamente por religiosos para justificar o envolvimento com o tráfico. O bispo de São Tomé negou as outras acusações, e sua absolvição aconteceu graças à intervenção de dom Henrique.

A intercessão do cardeal pode ser explicada, em primeiro lugar, pela vontade e dificuldade da monarquia portuguesa em controlar seus bispos ultramarinos, que gozavam de muita independência e autonomia. Um segundo ponto: a sentença do cardeal foi dada no mesmo momento em que a Mesa de Consciência e Ordens e o rei D. Sebastião determinaram a conquista do reino de Angola, capitaneada por Paulo Dias de Novais e igualmente orquestrada pelos jesuítas (BONCIANI, 2016BONCIANI, Rodrigo Faustinoni. Guerra, domínio e soberania: experiências coloniais e império no Atlântico Sul, década de 1570. Revista de Indias, v. 76, n. 268, p. 613-640, 2016. eISSN 1988-3188 / ISSN 0034-8341. Disponível em: https://revistadeindias.revistas.csic.es/index.php/revistadeindias/article/view/1029>. Acesso em: 10 abr. 2023. Doi: https://doi.org/10.3989/revindias.2016.019>.
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, p. 629-637).10 10 “Carta de doação a Paulo Dias de Novais”, 19/09/1571 (MMA, III, p. 36-51).

A opção pela estratégia bélica na região, recuperando as colocações do padre Cornélio Gomes, considerava uma ação direta contra o mwene Congo, ou um tipo de intervenção que fomentava a ruptura das relações de vassalagem, ou, simplesmente, a instauração do caos. Todas as alternativas foram pensadas, principalmente, para carregar os navios de escravizados (TASSINARI, 2019TASSINARI, Tomás M. Deus, senhores e feiticeiros: a mediação jesuítica dos confrontos entre portugueses e centro-africanos (1548-1593). Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo, 2019., p. 66-76). Portanto, o cardeal dom Henrique chamou o bispo ao reino e, sob a ameaça do processo canônico, repactuou com o mesmo, a fim de subordiná-lo e de prepará-lo para a guerra que se planejava na região, ordenando, em seguida, que retornasse à sua diocese. Todavia, Gaspar Cão morreu em São Tomé em 1574, antes da chegada de Paulo Dias de Novais.

A escolha do novo bispo, dom Martinho de Ulhoa, em 1578, insere-se no projeto, conduzido por dom Henrique, de consolidação do padroado régio e de aumentar a arrecadação dos benefícios eclesiásticos no ultramar.11 11 “Carta do eminentíssimo cardeal Farnésio ao presidente do consistório”, janeiro de 1578; e “Cédula consistorial de D. Martinho de Ulhoa”, 29/01/1578 (MMA, III, p. 167-168, 169). Ulhoa era um clérigo e vivia no convento de Cristo [Tomar]. O cardeal interferiu nas Ordens Militares, particularmente nesse convento, para transformá-lo em seminário dedicado à formação do clero ultramarino, entregando as dioceses a seus membros (LARCHER, 2016LARCHER, Maria O. A Ordem de Cristo e o padroado na visão de um cardeal rei. In: MATOS, Paulo T. de (coord.). Cristianismo e império: conceitos e historiografia. Lisboa: CHAM, 2016., p. 77-80). É notável, nesse sentido, a nomeação de freires para praças estratégicas do império português: dom António Barreiros, do Convento de Avis, para a diocese da Bahia, em 1575; D. Mateus de Medina, do Convento de Tomar, para a de Cochim, em 1577; o terceiro foi Ulhoa, para São Tomé; por fim, D. Leonardo de Sá, igualmente da Ordem de Cristo, em 1578, para o bispado de Macau (PAIVA, 2006PAIVA, José. Os bispos de Portugal e do Império: 1495-1777. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2006., p. 350-351).

O projeto visava aumentar o controle régio sobre as Ordens Militares no que tocava à eleição do prior e dos visitadores, na constituição do clero ultramarino, “a meio caminho entre o secular e o regular”, limitando a autonomia dos bispos e estabelecendo a alçada da Ordem sobre os missionários regulares. Impedia a interferência de Roma e garantia, por fim, a transferência de “avultadas rendas eclesiásticas” para a Coroa (LARCHER, 2016LARCHER, Maria O. A Ordem de Cristo e o padroado na visão de um cardeal rei. In: MATOS, Paulo T. de (coord.). Cristianismo e império: conceitos e historiografia. Lisboa: CHAM, 2016., p. 74-77). Paralelamente à resistência dos prelados, observa-se a oposição crescente de Roma às pretensões do padroado henriquino, o que teve consequências decisivas na crise sucessória do trono português depois da morte de D. Sebastião. Em outras palavras, o papado também disputava o ordenamento da Igreja e das rendas eclesiásticas ultramarinas.

Em 1578, o papa Gregório XIII designou Alessandro Frumenti [Frumento] como núncio em Portugal, cargo que representava a Igreja romana nos reinos cristãos. Frumenti começou sua viagem por Madri, com a incumbência de apresentar ao rei católico a discordância da trégua com os otomanos e averiguar a movimentação de Felipe II em relação a Portugal. O núncio foi recebido com frieza e suspeição na corte, tendo seguido para Lisboa, onde se aproximou dos partidários de dom António, prior do Crato (RUSSO, 2012RUSSO, Mariagrazia. Relações interculturais luso-italianas no século XVI através da Nunciatura Apostólica de Lisboa. In: RUSSO, Mariagrazia et al. (org.). Di buon afetto e comerzzio: relações luso-italianas na Idade Moderna. Lisboa: CHAM, 2012., p. 64-65). A maior parte da cúria romana era contra a anexação de Portugal por Felipe II, mas precisava ser cautelosa para não correr o risco de estar do lado perdedor na contenda. Por esse motivo, Frumenti foi chamado a Roma e substituído por Alessandro Riario. A posição da cúria foi decisiva na disputa pelo trono, mas não conseguiu emplacar um candidato alternativo ao rei Habsburgo.

A Santa Sé foi acionada por dois pretendentes, D. Henrique, que queria casar e salvar a dinastia de Avis, e D. António, que queria se livrar da bastardia. Jacqueline Hermann (2014)HERMANN, Jacqueline. Um papa entre dois casamentos: Gregório XIII e a sucessão de Portugal (1578-1580). Portuguese Studies Review, v. 2, n. 22, p. 3-38, 2014. ISSN 1057-1515. analisou os pedidos e as pressões diplomáticas e de espionagem. A demanda do rei cardeal foi negada e mal respondida. A displicência papal deve ser entendida, em grande medida, como objeção à política regalista sobre a Igreja de Portugal e ultramarina que, além das Ordens, interferia na Inquisição, no clero regular e nas rendas eclesiásticas. A solicitação do prior do Crato, todavia, foi atendida por Gregório XIII, que legitimou, passados mais de 40 anos e com provas absolutamente frágeis e forjadas, o casamento de seus progenitores. D. Henrique e Felipe II se enfureceram!

Sem o apoio papal, e certo de que seria derrotado pelos exércitos de Felipe II, estacionados na fronteira, o palco da crise sucessória deslocou-se para o ultramar, onde dom Henrique e seus partidários abriram novas frentes de oposição à dinastia Habsburgo e pela continuidade da casa de Avis. A África Centro-Ocidental foi um lugar fundamental dessa resistência, definida, em linhas gerais, pelo favorecimento da conquista de Angola, por Paulo Dias de Novais e os jesuítas, em detrimento das redes de poder e negócios dos moradores e dos bispos da ilha de São Tomé e do rei do Congo. Para Angola, foi enviado o novo superior da missão jesuíta, o padre Baltasar Barreira, que partiu da Ilha Terceira preparando os argumentos de uma guerra justa contra o ngola e dos direitos dos conquistadores e dos jesuítas, no exato momento em que essa guerra se precipitava (BONCIANI, 2017BONCIANI, Rodrigo F. ‘Havendo escravos se restaurará tudo’: trajetórias e políticas ibero-atlânticas no fim do século XVI. Portuguese Studies Review, v. 2, n. 25, p. 17-53, 2017. ISSN 1057-1515.). No mesmo ano de 1579, D. Henrique determinou a separação do contrato de Angola do de São Tomé (CALDEIRA, 2013CALDEIRA, Arlindo Manuel. Escravos e traficantes no Império Português: o comércio negreiro português no Atlântico durante os séculos XV a XIX. Lisboa: Esfera dos Livros, 2013., p. 162), foi o avalista de um empréstimo feito diretamente à Casa da Índia por António Dias, pai de Paulo Dias de Novais, e estimulou a descoberta de minas em Cambambe.12 12 Jerônimo Castanho destaca a atuação do desembargador do Paço Pedro Barbosa, futuro conselheiro de Portugal (1583-1592), na decisão de separar os dois contratos. “Memoriais de Jerónimo Castanho a el-Rei”, 05/09/1599 (MMA, IV, p. 596-612). “Provisão de empréstimo a António Dias”, 08/07/1579; e “Alvará ao tesoureiro da Casa das Minas”, 19/10/1579 (MMA, IV, p. 315-316, 317-318). Por fim, o cardeal rei designou o padre Francisco de Medeiros, que era secretário do bispo de Algarves, dom Jerônimo de Osório, como capelão-mor e confessor de Álvaro I e tutor de seus filhos (PAIVA, 2020PAIVA, José. D. Jerónimo Osório, bispo do Algarve, e a Inquisição. In: PIME>NTEL, C. et al. (coord.). O humanismo português e europeu: no 5º Centenário do Cicero Lusitanus, Dom Jerónimo Osório (1515-1580). Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2020., p. 530-531).

Por causa dos processos contra Francisco de Medeiros, descobrimos que o novo bispo de São Tomé, dom Martinho de Ulhoa, já estava em Salvador do Congo em 1580, diferentemente do que ele mesmo faz entender em suas cartas, como aparece nos documentos da Igreja e nas relações dos carmelitas, que associam sua chegada ao início da missão em 1584. Quando Ulhoa desembarcou na diocese, havia uma rebelião em curso. Francisco de Medeiros tentou impedir sua ida a Mbanza Congo e proclamava que Álvaro I “era como el-rei de Portugal e de Castela e que podia fazer bispos”, era vigário em seu próprio reino.13 13 Um pouco antes da chegada de Medeiros, Francisco Barbudo de Aguilar havia declarado em Cabaça, capital do Ndongo, diante do próprio ngola e de outros portugueses: “falando portuguesmente e pela língua da terra, que ele não conhecia ao senhor Governador nem a outro rei senão a el-Rei de Angola, que lhe dava rendas”. “Auto do capitão Pero da Fonseca”, 18/04/1579 (MMA, IV, p. 308). Segundo um depoimento, ele se preparava para arrecadar “mil e tantas peças de escravos” para “levar ao Brasil para aí os vender e com o dinheiro ir a Roma e trazer a mitra”. Em outra acusação, Medeiros teria dito que havia no Congo “muitas peças de escravos” e com o dinheiro delas poderia ir a Roma, “porque do papa tudo se alcança com dinheiro”.14 14 “Processo de Francisco de Medeiros”, s.d.]. ANTT: TSO, IL, pr. 02507, f. 7.

Levanto duas hipóteses sobre a rebelião de Francisco de Medeiros e o envio quase secreto de dom Marinho de Ulhoa para o Congo, em 1580, a serem analisadas com um estudo mais pormenorizado dessa documentação. Na primeira, Medeiros, movido por seus interesses e por influência de D. Álvaro I e dos portugueses que viviam em sua corte, apoiou o projeto do rei congolês de tornar-se a cabeça da Igreja em seu reino.15 15 Ainda não está totalmente elucidada a influência de Álvaro I sobre os cargos eclesiásticos em seu reino e na constituição de um clero, africano e português, que defendia seu padroado. Quem avançou mais nesse estudo foi John K. Thornton (2013), mas ainda existem muitos pormenores a serem compreendidos na documentação. Além dos inquéritos contra Francisco de Medeiros, destaca-se o processo de Gaspar da Graça (ANTT: TSO, IL, pr. 02938). Ulhoa, então, foi despachado por dom Henrique, ou alguém próximo a ele, para restituir o padroado português na África. A segunda, que julgo a mais provável, considera os seguintes fatos: Medeiros acabara de ser designado, no núcleo mais próximo das relações do cardeal rei; a associação costumeira dos jesuítas com a Coroa contra o mwene Congo; além dos outros elementos apontados acima. Neste caso, o confessor recebeu instruções para provocar um levantamento e dar argumentos de uma guerra justa aos partidários de Paulo Dias de Novais contra o principal reino da África Centro-Ocidental. O envio de dom Martinho de Ulhoa, portanto, pode revelar a movimentação dos opositores ao padroado henriquino, à sua intervenção nas Ordens Militares e a influência de Felipe II no interior do Convento de Cristo.

Depois de ultrapassadas as ameaças armadas lideradas por Francisco de Medeiros, dom Martinho de Ulhoa chegou a mbanza de Álvaro I e estabeleceu uma devassa, com todo o cerimonial, com a presença do rei e muitos mwissicongos [muxicongos]. Ulhoa conduziu o tribunal até o fim de 1580; em seguida ela foi assumida pelo ouvidor Gaspar Álvares. O bispo de São Tomé retornou a Portugal no início de 1581, a tempo de assistir, em seu convento, à aclamação de Felipe II como novo rei de Portugal. Martinho de Ulhoa era castelhano, outro elemento que pode indicar sua aproximação com a causa filipina.

A escolha pelo Convento de Cristo passava uma mensagem clara: Felipe II apropriava-se das perspectivas militar e religiosa da história do reino português e de sua projeção ultramarina, principalmente na África (BONCIANI, 2021BONCIANI, Rodrigo Faustinoni; SILVEIRA, Amanda Santos. Um pombeiro nas origens do Atlântico: o processo contra Aires Fernandes, o Dinga Dinga. Afro-Ásia, n. 64, p. 520-591, 2021. ISSN 0002-0591 (impresso) / 1981-1411 (online). Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/afroasia/article/view/46495. Acesso em: 10 abr. 2023. Doi: https://doi.org/10.9771/aa.v0i64.46495.
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, p. 73-76), fazendo-se cabeça da Ordem e, portanto, das rendas eclesiásticas. Nos anos seguintes, Felipe II e o cardeal Alberto, sob influência de Roma, favoreceram o despacho de missões carmelitas para o Congo, em resposta à resistência jesuíta à sua ascensão ao trono, e repactuaram com o bispo de São Tomé o novo padroado que se instituía (VECHINA, 2019VECHINA, Frei Jeremias. Reforma Teresiana em Portugal: História. Studia Carmelita, n. 1, p. 19-52, 2019. Disponível em: https://historia.carmelitas.pt/wp-content/uploads/2020/01/StudiaCarmelita_n001.pdf. Acesso em: 10 abr. 2023.
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, p. 34-38).

A designação de D. Alberto vinha a substituir o falecido cardeal rei dom Henrique, reunindo na mesma pessoa os mais altos cargos da hierarquia política (vice-rei) e religiosa (cardeal e Inquisidor Geral) de Portugal. Como analisa Federico Palomo (2004, p. 70-74)PALOMO, Federico. Para el sosiego y quietud del reino. En torno a Felipe II y el poder eclesiástico en el Portugal de finales del siglo XVI. Hispania, v. 64, n. 216, p. 63-94, 2004. eISSN 1988-8368 / ISSN 0018-2141. Disponível em: https://hispania.revistas.csic.es/index.php/hispania/article/view/197. Acesso em: 10 abr. 2023. Doi: https://doi.org/10.3989/hispania.2004.v64.i216.197>.
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, dom Alberto teve atuação decisiva no relacionamento com a Santa Sé, com o clero português e as ordens religiosas (particularmente com os jesuítas). A diferença fundamental entre os dois cardeais era que, enquanto dom Henrique buscou fortalecer o padroado português da casa de Avis, dom Alberto representava os interesses da dinastia Habsburgo no reino recém-incorporado que reconfigurava o padroado em favor de Felipe II.

Com a vitória de Felipe II, a Santa Sé não podia mais enviar núncio para Lisboa, mas fortaleceu o papel de seus coletores, responsáveis pela arrecadação dos benefícios pontifícios no reino e no ultramar português, que continuaram representando um lugar ambíguo na relação com a monarquia hispânica e intensificaram a disputa pelas rendas eclesiásticas, particularmente as da África, associadas ao tráfico de escravizados. Felipe II agia no sentido de estabelecer sua preeminência sobre a África Centro-Ocidental, ao passo que o papado plantava as primeiras sementes para estabelecer um projeto missionário próprio e para supressão dos direitos de padroado outorgados aos reis ibéricos (MARTÍNEZ; JIMÉNEZ, 2018MARTÍNEZ MILLÁN, José; JIMÉNEZ PABLO, Esther. Propaganda Fide frente a la hegemonía hispana: apoyos en las cortes de Madrid y Bruselas a la creación de la congregación de cardenales. Philostrato, Revista de Historia y Arte, n. extra 1, 2018, p. 195-236. eISSN 2530-9420. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=6427106. Acesso em: 10 abr. 2023.
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, p. 199-200).

Dom Martinho de Ulhoa desembarcou novamente em São Tomé, em julho de 1584, como máxima autoridade espiritual do novo padroado, conduzindo uma nova missão, a dos carmelitas descalços, e amparado pela força militar e os poderes temporais do corregedor João Morgado (BONCIANI, 2017BONCIANI, Rodrigo F. ‘Havendo escravos se restaurará tudo’: trajetórias e políticas ibero-atlânticas no fim do século XVI. Portuguese Studies Review, v. 2, n. 25, p. 17-53, 2017. ISSN 1057-1515., p. 18-21). Frei Diogo da Encarnação, em sua carta de chegada a São Tomé, quer contrastar a missionação carmelita, movida exclusivamente pela finalidade espiritual, com aquela praticada por outros sacerdotes que buscavam seus interesses particulares – ou como dizia Diogo do Santíssimo Sacramento: que tinham por principal intento “adquirir negros, e não almas”.16 16 “Carta de frei Diogo do Santíssimo Sacramento”, 02/12/1584 (MMA, III, p. 297). As críticas endereçavam-se aos jesuítas e ao clero secular. Por orientações de Felipe II e do mwene Congo, os carmelitas pretendiam desembarcar em Mpinda e seguir direto para Salvador, onde Álvaro I os aguardava, evitando o contexto das guerras conduzidas por Paulo Dias e os jesuítas.17 17 “Carta de frei Diogo da Encarnação”, 27/09/1584 (MMA, III, p. 278-279); “Carta de frei Diogo do Santíssimo Sacramento”, 2/12/1584 (MMA, III, p. 299-301, 304).

Havia uma disputa aberta pelo controle do cristianismo, e de seus benefícios econômicos, na África Centro-Ocidental. A tentativa da dinastia de Avis de aumentar o controle sobre o padroado ultramarino teve seu ápice no reinado do cardeal D. Henrique, no entanto, definiu o afastamento do papado de suas pretensões sucessórias. Ao mesmo tempo, havia uma resistência em Roma à ascensão de Felipe II ao trono português, por isso acenou com a causa antoniana, para ameaçar Felipe II e negociar seu reconhecimento. A designação dos carmelitas foi o primeiro movimento que o papado fez para agir e tentar subordinar a Igreja do ultramar à sua autoridade. O mwene Congo, por sua vez, reconheceu no papado o principal aliado para suas pretensões de ser a cabeça da Igreja em seu reino, sem descuidar dos contatos com Madri, utilizando as embaixadas e as ofertas econômicas como meio para a atração de Roma.

A embaixada de Duarte Lopes: aliança entre a cúria romana e o reino do Congo?

Dom Álvaro I estava decidido a agir politicamente para a construção de seu próprio padroado. Soube recuar da rebelião aberta contra o bispo de São Tomé e reconheceu na política de embaixada para Madri e Roma a estratégia mais eficiente, nomeando o comerciante Duarte Lopes para essa tarefa. Reconhecendo as limitações das alianças com os reis portugueses, evidentes desde Afonso I e João III, Álvaro I estabelecia uma relação direta com o papado, como rei católico que era, utilizando os tópicos desse discurso e seus direitos de doação.18 18 “Carta de doação do rei do Congo à Santa Sé”, 20/01/1583 (MMA, III, p. 238-239).

O embaixador Duarte Lopes partiu do Congo no início de 1584 e esteve nas Índias Ocidentais durante cerca de dois anos. Chegou à Europa pelo caminho dos Açores, desembarcando em Sevilha em 1586. Seguiu para Lisboa, “a ver os seus”, e em setembro desse ano surgiu a notícia de sua embaixada na corte de Felipe II (PIGAFETTA; LOPES, 1989PIGAFETTA, Filippo; LOPES, Duarte. Relação do reino do Congo e das terras circunvizinhas. Lisboa: Alfa, 1989 [1591]. [1591], p. 91). Como está sugerido no processo contra Francisco de Medeiros, havia uma concorrência entre os portugueses que viviam no reino do Congo para representar o rei na Europa, que era decidida pela melhor oferta comercial.19 19 “Processo do licenciado Francisco de Medeiros”, 02/06/1584-5/09/1585. ANTT: TSO, IL, pr. 02522, f. 4. Por isso, podemos presumir que a longa permanência de Duarte Lopes no Caribe e Tierra Firme envolveu o comércio de escravizados. Como veremos em seguida, foi em Cartagena que Lopes estabeleceu sua principal praça comercial.

Em uma carta do vice-rei Alberto de Áustria, de 1586, podemos delinear as forças políticas europeias que estavam em disputa na África Centro-Ocidental e buscavam apoio político em Madri e Roma.20 20 “Carta do cardeal vice-rei a el-Rei”, 18/10/1586 (MMA, III, p. 340-341). De um lado estava o mwene Congo, representado pelo embaixador Duarte Lopes; de outro, o capitão Paulo Dias de Novais, representado por seu procurador Diogo Rodrigues Cardoso. Dom Alberto mostra desconfiança com o embaixador, com o rei do Congo e sua associação com os comerciantes cristãos novos. As suspeitas do vice-rei ainda ecoavam a rebelião conduzida pelo padre Francisco de Medeiros. D. Alberto, portanto, estava inclinado aos partidários de Paulo Dias de Novais e dos jesuítas, que eram a favor de uma estratégia bélica.21 21 A escravização por meio de guerras era a mais ímpia de todas, atingia particularmente crianças, jovens e mulheres (WHEAT, 2016, p. 68-103). Ver também John K. Thornton (1999, p. 99-126).

É mais apropriado falar em estratégia de terror, propriamente escravista, que se desenvolveu a partir das guerras conduzidas por Paulo Dias de Novais e com a participação direta dos jesuítas. Essa mudança qualitativa da guerra está representada na documentação e destaca a condução portuguesa dos “assaltos” (“nossa guerra”), que promoviam “grande destruição”, “assolando tudo” para causar “tão grande espanto”, “muito medo”, e submeter as chefias africanas e impor-lhes a vassalagem e tributação. O padre Baltasar Afonso foi o principal propagandista dessa guerra de terror, contando os “narizes de cabeças que cortaram” e os escravizados, em que havia tantos mortos, “que dizem não poderem andar senão por cima deles”. A propaganda visava, ainda, comprovar para Felipe II que aquele era o melhor método para sujeitar a África Centro-Ocidental e ampliar o tráfico de escravizados. Além disso, Baltasar Afonso dirigia sua campanha aos soldados pobres portugueses, porque “não há guerra em que não fiquem os nossos ricos”. E, por fim, a promessa de encontrar as minas de prata selava o método de terror bélico, associando-o à vontade divina. 22 22 É notável, na documentação, uma mudança na perspectiva de guerra a partir de 1579. Comparar, por exemplo, as cartas de Baltasar Afonso até o início deste ano (MMA, III, p. 157-158, 170-172, 181-183) e aquelas escritas entre 1581 e 1583 (MMA, III, p. 198-207, 219, 248-249). Baltasar Afonso, Jorge Pereira e Baltasar Barreira participaram das campanhas militares ao longo da década de 1580. A respeito de Jorge Pereira, o visitador Pero Rodrigues declarou: “Anda sempre no arraial, como presidente da guerra, em companhia do Governador” (RODRIGUES, 1938, p. 522-526). Conferir o relato de António Cadornega sobre as guerras do período (t. 1, 1940, p. 25-45). Os jesuítas participavam de diferentes âmbitos da guerra na África Centro-Ocidental: no encorajamento e na exortação dos soldados; na defesa dos direitos de conquista e saque; no aprovisionamento de guerra, com munições e pólvora; e, finalmente, no despacho dos escravizados para as Américas. O recrudescimento das guerras de escravização coincidiu com a perseguição dos missionários que denunciavam o envolvimento dos jesuítas com o tráfico, como Gonçalo Leite e Miguel García (ZERON, 2011, p. 159-172).

A base de atuação desse bando era a cidade de Luanda, conectada aos presídios ao longo do rio Cuanza (Muxima, Massangano e Cambambe, sob disputa).23 23 Os bandos, assim como as redes, não podem ser pensados como agrupamentos rígidos, havia muita movimentação e permeabilidade entre e dentro deles. Havia, igualmente, muito espaço para interesses personalistas e de ocasião, mas as caracterizações apresentadas aqui mostram uma tendência e permanência desses grupos na região. Sua composição principal era de soldados, e seu principal inimigo: Álvaro I. Mesmo que se aproximasse das intenções e estratégias desse bando, dom Alberto de Áustria era um Habsburgo, o que implicava a ideia de designar um representante real para Angola, limitando ou extinguindo os direitos donatoriais de Paulo Dias de Novais, de exercer maior influência sobre a Companhia de Jesus, de estabelecer uma vassalagem direta das chefias africanas, aumentando a arrecadação de impostos e os benefícios sobre o tráfico de escravizados.

Outro bando estava ligado a Álvaro I, formado principalmente por comerciantes e clérigos, africanos e portugueses, a maior parte dos últimos cristãos novos e judeus, pelos mwissicongo e nkuluntu [macoluntos(as)], que reconheciam a autoridade político-religiosa do mwene Congo, ao mesmo tempo em que a confrontavam (THORNTON, 2013THORNTON, John. The kingdom of Kongo and the counter-reformation. Social Sciences and Missions, v. 1, n. 26, p. 40-58, 2013. Doi: https://doi.org/10.1163/18748945-02601002.
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, p. 49). Os(As) macoluntos(as) eram “superiores[as]”, “principais”, “mais velhos[as]”, “chefes de aldeias/lubatas” que intermediavam as relações com as cidades/mbanzas e sua nobreza (BONCIANI, 2020BONCIANI, Rodrigo. Heresias e rebelião em Angola, fim do século XVI: o processo inquisitorial contra Duarte Nunes Nogueira. Revista de Fontes, Guarulhos, v. 7, n. 12, p. 1-27, 2020. eISSN 2359-2648. Disponível em: https://periodicos.unifesp.br/index.php/fontes/article/view/10624. Acesso em: 10 abr. 2023. Doi: https://doi.org/10.34024/fontes.2020.v7.10624.
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, p. 273). Como resumem Ronaldo Vainfas e Marina de Mello e Souza (1998, p. 3)SOUZA, Marina de Mello e; VAINFAS, Ronaldo. Catolização e poder no tempo do tráfico: o reino do Congo da conversão coroada ao movimento antoniano, séculos XV-XVIII. Tempo, v. 6, p. 1-18, 1998.: “nas comunidades rurais, a apropriação do excedente era justificada pelo poder de mediação com o sobrenatural do kitomi, ou pelo privilégio do mais velho[a], o nkuluntu”. A documentação analisada neste artigo destaca o papel das mulheres nessa posição de mediadoras.

Reuniam-se em torno de Mbanza Congo e seguiam os caminhos comerciais e políticos que conectavam a capital às diferentes “províncias” do reino e por todo o hub centro-africano. Do porto de Mpinda (Soyo), seguia para São Tomé. Na Ilha, esse bando se diferenciava do dos moradores e senhores portugueses, que agiam na contramão do rei congolês. Ambos praticavam o comércio por meio de alianças com as autoridades e chefias africanas, tendo o comércio nas feiras e os tributos como principal meio de aquisição de escravizados(as). O bispo dom Martinho de Ulhoa tinha aproximações com esse grupo, tendo amparado e favorecido os soldados desertores de Paulo Dias de Novais e sido acusado de dar avisos ao ngola sobre os planos do capitão-donatário.24 24 “Alvará de Paulo Dias de Novais”, 20/09/1585 (MMA, IV, p. 455-456). Não obstante, Ulhoa era contra a constituição de um clero africano e as pretensões de Álvaro I de apropriar-se do padroado, procurando reconfigurar a rede de clérigos subordinada à diocese são-tomense, que lhe dava grande autonomia de atuação, ao mesmo tempo em que pretendia agradar Felipe II.

O cálculo político de Álvaro I, auxiliado pelos portugueses de sua confiança, era arguto: jogou com as desconfianças perenes entre Roma e Madri, na política europeia, e, na política interna, também deu “avisos ao rei de Angola” de que Paulo Dias pretendia “tomar” o seu reino. Entretanto, o rei congolês morreu em meio à embaixada, e Duarte Lopes teve que agir por conta própria.25 25 A historiografia ainda não analisou em detalhes as circunstâncias que levaram à morte de Álvaro I e à ascensão de Álvaro II (1587-1614). Os jesuítas querem produzir uma versão de que Álvaro II dependeu do apoio de tropas enviadas por Paulo Dias de Novais e que declarou apoio total aos inacianos, através de uma provisão de julho de 1587 (MMA, III, p. 344-345). A narrativa jesuíta é suspeita e precisa ser confrontada com diferentes acontecimentos ocorridos nas Américas e na Europa. De qualquer forma, Álvaro II preserva grande parte de sua autonomia política e dá continuidade às embaixadas europeias. No plano africano, seu poder se sustenta principalmente nos nkuluntu, em detrimento dos “vassalos tradicionais”, os mwene e mwissicongo, muitos deles pareciam inclinados a outro filho de Álvaro I. Além disso, o rei torna-se cada vez mais dependente da estrutura de poder do escravismo africano (HILTON, 1985, p. 87, 119-124).

Provavelmente assessorado pelo núncio apostólico em Madri, Cesare Spacciani, Lopes recuperou a perspectiva geopolítica de expansão ultramarina da cristandade centrada na África. Elaborada pelo papado desde a bula Romanus Pontifex, de 1455, e revigorada com a cristianização do rei do Congo, no fim daquele século, mesmo período em que foi criado o colégio etíope na Santa Sé.26 26 “Carta de Duarte Lopes a Sisto V”, 24/02/1588 (MMA, III, p. 358-361). A realização da república universal cristã estabelecia uma nova via de cruzada para a reconquista de Jerusalém, conectando a África Centro-Ocidental à Etiópia (reino de Preste João), ao Nilo e ao Egito, e seria favorecida pela descoberta de metais preciosos na África e pelo tráfico de escravizados (BONCIANI, 2021BONCIANI, Rodrigo Faustinoni. Um ‘Outro Mundo’ e um ‘Novo Mundo’: geopolíticas europeias no alvorecer da Modernidade. In: KALIL, Luís A.; FERNANDES, Luiz de O. (org.). 1519: circulação, conquistas e conexões na Primeira Modernidade (e-book). Jundiaí [SP]: Paco Editorial, 2021.).

Quase um século mais tarde, Lopes recuperava essa geopolítica e dizia que a mais valiosa das riquezas da região eram as “minas de almas”, que seriam facilmente convertidas pelos “mineiros” da fé.27 27 “Carta do coletor pontifício ao rei do Congo”, 15/3/1587 (MMA, III, p. 342-343); Cartas do núncio apostólico em Madri ao cardeal de Montalto, 25/02, 26/03 e 15/06 de 1588 (MMA, III, p. 362-363, 365, 366). Ainda na corte madrilenha, o embaixador fez um relatório em que estimava que se poderiam tirar oito mil escravizados(as) por ano da região, que dariam um lucro à Coroa de sessenta mil ducados.28 28 “Relatório de Duarte Lopes”, 14/12/1589 (MMA, IV, p. 514-518). O embaixador, depois de recebido na corte com trajes de soldado, foi acolhido por Spacciani e, vestido com roupas de peregrino, partiu para a Santa Sé, recomendado ao secretário de Estado e cardeal Montalto.29 29 Na bela letra de Pigafetta: “Tocando-lhe o anjo bom no coração, com ânimo viril abandonou a espada e tomou a cruz, renegando o mundo e as pompas enganadoras” (PIGAFETTA; LOPES, 1989 1591], p. 92).

A análise de documentos escritos deve ser feita a contrapelo, criticamente, só assim podemos entender o relato de Pigafetta sobre o encontro entre Duarte Lopes e o papa Sisto V: “apresentou-se ao papa e entregou-lhe as cartas de crédito, narrando-lhe com pormenor as suas missões e foi graciosamente ouvido; mas depois fez-lhe entender que, sendo o reino do Congo pertença do rei de Espanha, a este o remetia” (PIGAFETTA; LOPES, 1989PIGAFETTA, Filippo; LOPES, Duarte. Relação do reino do Congo e das terras circunvizinhas. Lisboa: Alfa, 1989 [1591]. [1591], p. 93). A passagem afirma exatamente o que nega, a embaixada a Roma era uma aliança direta entre o reino do Congo e a cúria romana, pela qual o papado ameaçava Felipe II, e os mwene Congo reivindicavam o padroado. Logo depois de sua estadia em Roma, o novo papa, Clemente VIII, nomeou Fabio Biondi [Biondo] como coletor apostólico em Portugal, que dedicou atenção especial ao relacionamento com o reino africano.

Duarte Lopes, da sua parte, voltou a vestir trajes de soldado e retornou para Angola, “acompanhando os governadores dos ditos reinos pela terra dentro ajudando a conquistar os infiéis e reduzi-los à nossa santa fé católica”.30 30 Processo de Duarte Lopes, 1603-1605. ANTT: TSO, IL, pr. 04507, f. 42v. E alterou sua identidade, acrescentando um “Lisboa” ao sobrenome. Nunca mais fez referência à embaixada de Álvaro I, pelo contrário, escondeu-a em meio a viagens de um lado a outro do Atlântico. Tornou-se um dos maiores traficantes de escravizados nessa viragem de século, atuando principalmente no Brasil e em Cartagena de Índias.31 31 Pistas e evidências de que Duarte Lopes (DL) e Duarte Lopes Lisboa (DLL) eram a mesma pessoa. Informações coincidentes sobre DL e DLL: cristãos novos; filhos de um confeiteiro de Lisboa. Para DL ver “Carta do núncio apostólico em Madri ao cardeal de Montalto”, 25/02/1588 (MMA, III, p. 363); e para DLL ver Inquirição de Testemunhas (doravante IT), ANTT: TSO, IL, l. 776, f. 3v. Ambos partiram para o Atlântico em 1578. Para Duarte Lopes ver PIGAFETTA; LOPES, 1989 1591], p. 9; para Duarte Lopes Lisboa, “Processo de Duarte Lopes”, 1603-1605, ANTT: TSO, IL, pr. 04507, f. 44v. Na viagem para a embaixada, em 1584, DL se deteve alguns anos no Caribe, mesma região onde, depois, DLL se estabeleceu como comerciante e capitão. Enquanto Duarte Lopes desaparece da documentação no fim da embaixada, por volta de 1591, ano da publicação do livro com Pigafetta, Duarte Lopes Lisboa entra em cena, em 1592, acompanhando o primeiro governador geral de Angola, D. Francisco de Almeida. Para DLL ver ibidem, f. 42v. DLL torna-se, então, personagem proeminente na documentação da África Centro-Ocidental, Lisboa e suas conexões atlânticas. Em 1619, temos a notícia de que o capitão “Duarte López”, natural de Lisboa, faleceu. Sua mulher, Guiomar Pedrosa, e sua filha, Leonor Pedrosa, eram suas herdeiras, confirmando que se tratava de Duarte Lopes Lisboa. “Bienes de difuntos: Duarte López”, 1619-1620. Archivo General de Indias: Casa de la Contratación, 339A, N.1, R.12. A última referência que temos de DLL está no testamento de Gaspar Álvares, de 1623, importante comerciante de escravizados que se tornou noviço da Companhia de Jesus (MMA, VII, p. 91). Agradeço a filóloga Regina Hauy pela colaboração em decifrar esse enigma histórico.

Como argumentei em outros artigos, na incorporação de Portugal à monarquia hispânica, a Coroa Habsburgo pretendia, primordialmente, apropriar-se dos entrepostos lusitanos na África subsaariana, ampliando os benefícios do comércio de escravizados associados à economia e aos direitos de soberania nas Américas. Assim, em Lisboa, em 1582, Felipe II despachou pessoalmente o primeiro contrato para esse tráfico em São Tomé, com Juan Bautista Rovelasca [Giovanni Battista Rovellasca; João Batista Rovelhasca], comerciante milanês, e o de Cabo Verde, liderado por Álvaro Mendes de Castro, português (seus sócios eram Diogo Fernandes Lamego, Bernardo Ramires e Rui Gomes Bravo) (TORRÃO, 2013TORRÃO, Maria Manuel Ferraz. Os Portugueses e o trato de escravos de Cabo Verde com a América Espanhola no final do século XVI. Os contratadores do trato de Cabo Verde e a Coroa. Uma relação de conveniência numa época de oportunidades (1583-1600). In: CARDIM, Pedro et al. (org.). Portugal na monarquia hispânica dinâmicas de integração e de conflito. Lisboa: CHAM, UNL, 2013., p. 99; FERNÁNDEZ, 2022bFERNÁNDEZ CHAVES, Manuel. Juan Bautista Rovelasca y el tráfico de esclavos hacia América del contrato de Santo Tomé de 1583-1589. Gestión de un enclave esclavista en decadencia. Anuario de Estudios Americanos, v. 79, n. 2, p. 451-485, 2022b. eISSN 1988-4273 / ISSN 0210-5810. Disponível em: https://estudiosamericanos.revistas.csic.es/index.php/estudiosamericanos/article/view/956. Acesso em: 10 abr. 2023. Doi: https://doi.org/10.3989/aeamer.2022.2.03>.
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, p. 455-459).

Até 1586, Felipe II e D. Alberto apoiaram a estratégia bélica conduzida por Paulo Dias de Novais e pelos jesuítas para o aumento do tráfico, sem interferir nas redes africanas e cristãs novas de aquisição de escravizados(as) nas feiras e por meio de tributos. Além do apoio bélico, confirmaram as isenções tributárias dos jesuítas e de outros religiosos para exercerem o comércio de escravizados. Sem embargo, romperam com o monopólio inaciano na região, favorecendo uma missão, a dos carmelitas descalços, que agradava ao papado e mantinha viva a política de embaixada com o reino do Congo. Em 1587, a monarquia hispânica estabeleceu o asiento de Angola para as Índias Ocidentais, com Pedro de Sevilha e António Mendes de Lamego (FERNÁNDEZ, 2022aFERNÁNDEZ CHAVES, Manuel. El ‘trato e avenencia del reino de Angola para el Brasil e Indias de Castilla’ de 1594-1600. Gestión y organización de la trata de esclavos en una época de transición. Revista de Indias, v. LXXXII, n. 284, p. 9-44, 2022a. eISSN 1988-3188 / ISSN 0034-8341. Disponível em: https://revistadeindias.revistas.csic.es/index.php/revistadeindias/article/view/1511. Acesso em: 10 abr. 2023. Doi: https://doi.org/10.3989/revindias.2022.001.
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); e, com a morte de Paulo Dias de Novais, em 1589, agiu contra o bando dos conquistadores e dos jesuítas, instituindo o governo geral e determinando a sujeição direta dos sobas à monarquia. A Coroa quis reverter para o seu benefício a associação entre vassalagem política e os direitos tributários revertidos em escravizados. Por fim, fez um convênio para o tráfico com o Consulado de Comerciantes de Sevilha, nomeando Fernando de Porras como administrador real das licenças para esse comércio (BONCIANI, 2017BONCIANI, Rodrigo F. ‘Havendo escravos se restaurará tudo’: trajetórias e políticas ibero-atlânticas no fim do século XVI. Portuguese Studies Review, v. 2, n. 25, p. 17-53, 2017. ISSN 1057-1515., p. 39-49).

Nos tesouros e nas riquezas que chegavam à basílica de São Pedro, e em seu entorno, Clemente VIII vislumbrava um império em construção, e Felipe II imaginava o seu. Na África Centro-Ocidental, as imbricações entre comércio, política e religião eram outras, e os agentes europeus eram convocados a africanizar-se.

Redes e rendas religiosas na África Centro-Ocidental

Em 1591, o bispo dom Martinho de Ulhoa encontrava-se em Lisboa, apresentou a sua renúncia e negociou a venda de 150 escravizados(as) com Jorge Rodrigues de Solis.32 32 Jorge da Fonseca (2008, p. 261-263) refere-se a uma reunião de 32 mercadores de escravizados para as Índias de Castela na casa de Henrique Nunes, em 1589, em que estavam presentes António Lopes Ilhoa ou Ulhoa], que não sabemos se tinha algum parentesco com o bispo, António Mendes Lamego, contratador de Angola com Pedro de Sevilha (1587-1593), e Jorge Rodrigues Solis. Assim como seu antecessor, Gaspar Cão, Ulhoa recebia regularmente cativos provenientes tanto da costa da Guiné como da África Centro-Ocidental e, provavelmente, também possuía propriedades agrícolas em que empregava os(as) escravizados(as). As “peças” foram vendidas por 7.500 réis cada, totalizando 125 mil réis, pagas pelo comprador ao mercador Manuel Fernandes Anjo, provável agente do bispo.

Segundo Jorge da Fonseca, “o tráfico negreiro constituía uma atividade regular do bispo” (2008, p. 197-198). As famílias Rodrigues de Solis e Fernandes Anjo eram cristãs novas, atuavam com grande relevância no tráfico de escravizados e tinham negócios em Pernambuco.33 33 Manuel Fernandes Anjo era comerciante da família de Gaspar Fernandes Anjo, que tinha dois engenhos em Pernambuco e era exportador de açúcar para Antuérpia e Amsterdã (RICARDO, 2014, p. 126, 135, 138; SILVA, 2012, p. 109-112, 235-236). Em 1594, Henrique [Enrique, Anrique] Nunes e Manuel Fernandes Anjo apareceram como contratadores de Angola e estavam associados a André Lopes, pai do ex-embaixador Duarte Lopes.34 34 Na Inquirição de Testemunhas, Duarte Lopes era “filho de André Lopes confeiteiro e um dos contratadores das peças que saem do porto desta dita vila”, de Luanda. Depoimentos de Paulo de Araújo, 13/09/1596, e de João Batista, 02/10/1596. ANTT: TSO, IL, l. 776, f. 26, 53. Fonseca (2008, p. 283) refere-se a André Lopes contratador como “confeiteiro”. No mesmo ano, os três despacharam 140 escravizados para Pernambuco (FONSECA, 2008FONSECA, Jorge da. Escravos e senhores na Lisboa quinhentista. Tese de doutorado, Estudos Portugueses, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 2008., p. 280, 283, 286). Como esclarece Manuel Fernández (2022a)FERNÁNDEZ CHAVES, Manuel. El ‘trato e avenencia del reino de Angola para el Brasil e Indias de Castilla’ de 1594-1600. Gestión y organización de la trata de esclavos en una época de transición. Revista de Indias, v. LXXXII, n. 284, p. 9-44, 2022a. eISSN 1988-3188 / ISSN 0034-8341. Disponível em: https://revistadeindias.revistas.csic.es/index.php/revistadeindias/article/view/1511. Acesso em: 10 abr. 2023. Doi: https://doi.org/10.3989/revindias.2022.001.
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, o contrato de Angola foi assinado por João Nunes Correia, irmão de Henrique Nunes, e tinha Lopes e Anjo como sócios. A rede dos bispos de São Tomé estava associada, portanto, a comerciantes cristãos novos, com negócios em Pernambuco e nos Estados Gerais.

No interior do continente africano, assim como seu antecessor, Ulhoa elegeu vigários, provisores e curas que atuavam como seus representantes ou parceiros, e essa rede teve continuidade no bispado de Francisco de Vila Nova. Destacaram-se o provisor e vigário-geral de Angola, Manuel Rodrigues Teixeira, que ocupou esses cargos por quase vinte anos, e o clérigo da Sé de São Tomé, Manuel da Silveira, com o nome da terra Quitingo, “o manco”.35 35 Manuel Rodrigues Teixeira ocupou os cargos de vigário e provisor de 1585 até, pelo menos, 1604. Ele deixou a conezia da sé de São Tomé em benefício de Manuel da Silveira em 1589. “Carta de mercê ao vigário de Luanda”, 19/8/1592 (MMA, XV, p. 322); “Alvará ao vigário da Conceição de Luanda”, 15/11/1590 (MMA, IV, p. 526-527). Os jesuítas, em 1594, registraram que “Quitinga” era um sinônimo de “Tendala” que se referia ao cargo de governador ou regedor do rei (MMA, IV, p. 573), assim o nome africano Quitingo parece associar-se tanto a poderes terrenos como sobrenaturais. Teixeira e Silveira tinham uma sólida parceria comercial com o pombeiro Aires Fernandes, conhecido como Dinga Dinga que, por sua vez, estava associado ao feitor dos contratadores de Angola, Rui Gomes Bravo.36 36 IT, depoimentos do padre Baltasar d’Ávila, 08/10/1596, de Luís Gonçalves, 17/10/1596, de João Batista, 07/11/1596, e de Domingos de Abreu de Brito, 21/11/1596, f. 55v, 58, 59 e 61v.

Dinga Dinga atuava principalmente nos resgates dos ambundos, e sua base era o rio Bengo. No Congo, tinha “grande amizade e estava muitas vezes em companhia de um muxicongo”, chamado dom mwene Quibemba [Maniquibemba]. Sua rede se estendia para o interior do continente por meio de macoluntos(as) e escravizados(as), que “andavam espalhados pelos pumbos” (BONCIANI; SILVEIRA, 2020BONCIANI, Rodrigo. Heresias e rebelião em Angola, fim do século XVI: o processo inquisitorial contra Duarte Nunes Nogueira. Revista de Fontes, Guarulhos, v. 7, n. 12, p. 1-27, 2020. eISSN 2359-2648. Disponível em: https://periodicos.unifesp.br/index.php/fontes/article/view/10624. Acesso em: 10 abr. 2023. Doi: https://doi.org/10.34024/fontes.2020.v7.10624.
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, p. 538). Dinga Dinga trabalhava em parceria com Quitingo, assentado em Mbumbe e com fortes relações e atuação em Mbamba, Mbata e Mbanza Congo.

Diferentemente de Manuel da Silveira, Manuel Rodrigues Teixeira não se envolveu diretamente com o comércio. Como vigário-geral e provisor eclesiástico de Angola, conduziu diversos processos contra heresias e judaísmo, em que os réus foram até enviados para a visitação da Inquisição no Brasil (BONCIANI, 2020BONCIANI, Rodrigo. Inquisição, tráfico de escravos e circulação entre a África, Brasil e Índias Ocidentais. In: SANTOS P., José M. et al. (ed.). Redes y circulación en Brasil durante la Monarquía Hispánica (1580-1640). Madrid: Silex, 2020.; BAIERLE; BONCIANI, 2021BAIERLE, Verônica; BONCIANI, Rodrigo. A vida de um soldado no Atlântico, fim do século XVI: o processo inquisitorial contra Gaspar da Cunha. Revista de Fontes, Guarulhos, v. 8, n. 14, p. 1-17, 2021. eISSN 2359-2648. Disponível em: https://periodicos.unifesp.br/index.php/fontes/article/view/11414. Acesso em: 10 abr. 2023. Doi: https://doi.org/10.34024/fontes.2021.v8.11414.
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). É provável que o tenha feito para mostrar serviço e esquivar-se das acusações dos jesuítas de que favorecia os cristãos novos.37 37 “Capítulo de uma carta do padre Pero Rodrigues”, 11/05/1593 (MMA, III, p. 464-465). O testamento de Dinga Dinga revela que o pombeiro tinha uma dívida com o provisor, que também era o procurador de Quitingo (BONCIANI; SILVEIRA, 2021BONCIANI, Rodrigo Faustinoni; SILVEIRA, Amanda Santos. Um pombeiro nas origens do Atlântico: o processo contra Aires Fernandes, o Dinga Dinga. Afro-Ásia, n. 64, p. 520-591, 2021. ISSN 0002-0591 (impresso) / 1981-1411 (online). Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/afroasia/article/view/46495. Acesso em: 10 abr. 2023. Doi: https://doi.org/10.9771/aa.v0i64.46495.
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, p. 540). Ao mesmo tempo em que faziam parte da rede do bispo de São Tomé, todos esses agentes mostravam grande independência. Manuel Rodrigues Teixeira continuava à frente da igreja da Conceição em 1604 e foi acusado pelo embaixador D. António Nigrita de ser grande inimigo do mwene Congo.38 38 “Instruções dadas a D. António Nigrita”, 29/06/1604 (MMA, V, p. 113).

A primeira renda eclesiástica no bispado de São Tomé era o dízimo, que estava associado a uma obrigação religiosa, mas que também se ligava à noção de vassalagem. Destinado à Ordem de Cristo, deveria garantir o pagamento dos clérigos e das despesas dos cultos e das obras da Igreja.39 39 “Carta de doação a Paulo Dias de Novais”, 19/09/1571 (MMA, III, p. 42). Há poucas referências na documentação sobre as formas de arrecadação e os valores dos dízimos na África Centro-Ocidental no fim do século XVI, mas o montante era significativo e estava sob disputa entre diferentes agentes e instituições europeias e africanas.40 40 Em uma carta de 26/09/1571 (MMA, III, p. 60, nota), D. Sebastião dizia que os dízimos arrecadados a partir de São Tomé valiam muito para sua fazenda. A diferenciação da cobrança dos dízimos nas vilas/cidades/mbanzas e no sertão, ou áreas rurais, verificadas por Maximiliano Menz e Gustavo Lopes (2018, p. 12-13) nos séculos XVIII e XIX, parece se aplicar para o fim do século XVI. Ver, por exemplo, o “Alvará ao vigário da Conceição de Luanda”, 15/11/1590 (MMA, IV, p. 526).

Em seu processo, Gaspar Cão declarou que não poderia levar à África clérigos letrados por não ter recursos para “lhes dar ordenados” adequados, “porque el-Rei nosso senhor levava todos os dízimos da dita ilha de São Tomé, como mestre, governador e perpétuo administrador que era da Ordem e Milícia de nosso Senhor Jesus Cristo”. O mesmo processo revela que freires da Ordem estiveram no Congo e arrecadaram diretamente o dízimo, obrigando o bispo a negociar valores e condições (MMA, III, p. 20, 24). No pleito contra Francisco de Medeiros, o réu dizia que o rei do Congo não era obrigado a pagar o dízimo para o bispo.41 41 “Processo do licenciado Francisco de Medeiros”, 02/06/1584-05/09/1585. ANTT: TSO, IL, pr. 02522, f. 111. A Coroa, no que lhe tocava, criou um cargo específico para arrecadação do imposto, o de prioste.42 42 “Carta régia sobre os ordenados eclesiásticos”, 28/09/1571; “Alvará aos cônegos de São Tomé”, 08/02/1583; e “Carta de mercê ao bispo de São Tomé”, 30/09/1592 (MMA, III, p. 68-69, 241, 449, respectivamente).

Os jesuítas também estavam interessados e engajados na difusão do imposto. Em uma missa, o padre António Paes lembrou os moradores da obrigação de pagar o dízimo, ao que o ex-embaixador e comerciante Duarte Lopes fez troça: “tenho uma cadela parida, quisera saber quantos cães hei de dar a Deus”.43 43 IT, depoimentos de António Álvares Macedo, 17/09/1596, e de Domingos de Abreu de Brito, 21/11/1596. ANTT: TSO, IL, l. 776, f. 34-34v, f. 62. O padre Garcia Simões, por sua vez, disse que os dízimos eram do “Governador” Paulo Dias de Novais, como comendador-mor da Ordem de Cristo.44 44 “Carta do padre Garcia Simões ao padre Luís Perpinhão”, 07/11/1576 (MMA, III, p. 147). Ambas as informações eram falsas, mesmo assim, Novais não só separou um terço dos rendimentos do dízimo para si, como o doou aos jesuítas.45 45 Em carta de 11/10/1575, Paulo Dias de Novais reconhecia e reclamava a seu pai que a terça parte do rendimento dos dízimos lhe havia sido tirada (MMA, IV, p. 285). “Carta de doação de Paulo Dias de Novais aos padres da Companhia”, 18/10/1581 (MMA, XV, p. 268). Francisco Rodrigues (1938, p. 528-533) enumera cada uma das doações feitas por Paulo Dias à Companhia de Jesus entre 1581 e 1587. Ou seja, os jesuítas se associavam e favoreciam Paulo Dias também como forma de acessar os rendimentos do dízimo.

Para o início do século XVII, Alec Ito (2017, p. 4-6)ITO, Alec. O ambiente conflituoso e a sucessão episcopal no bispado e diocese de Congo e Angola (1607-1610). SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, XXIX, 2017, Anais... Brasília, 13p. analisou as disputas entre o rei do Congo e o bispo pela prerrogativa na cobrança do dízimo, mas o método ainda era africano (HEYWOOD; THORNTON, 2007HEYWOOD, Linda; THORNTON, John. Central Africans, Atlantic Creoles, and the Foundation of the Americas, 1585-1660. Cambridge: Cambridge University Press, 2007., p. 76). Os reis e chefes africanos eram os maiores interessados e expertos no sistema tributário e tinham oficiais especializados na cobrança dos tributos.46 46 Para o Ndongo, ver a “Carta do padre Garcia Simões para o provincial”, 20/10/1575 (MMA, III, p. 139). Sua obrigação, as formas de cobrança e os produtos resultantes eram elementos fundamentais para a caracterização das relações políticas na África Centro-Ocidental; era o momento em que o elo político-social era ritualizado e se tornava visível (CUVELIER; JADIN, 1954CUVELIER, Jean; JADIN, Louis. L’ancien Congo d’après les archives romaines (1518-1640). Bruxelas: Académie Royale des Sciences Coloniales, 1954. t. XXXVI., p. 133; HILTON, 1985HILTON, Anne. The Kingdom of Kongo. Oxford: Clarendon Press, 1985., p. 80-81). Além disso, a obrigação do tributo, associada ao reconhecimento de uma autoridade político-religiosa, estabelecia o que Cécile Fromont (2014, p. 15-20)FROMONT, Cécile. The art of conversion: Christian visual culture in the Kingdom of Kongo. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2014. denomina um “espaço de correlação”, em que criações culturais oriundas de sistemas cosmopolíticos distintos – europeu, ameríndio ou africano – encontravam zonas de intersecção, correspondência ou analogia.

Os europeus estavam particularmente atentos a reconhecer a existência de um sistema de tributo-vassalagem, ou serviço-mercê, entre as sociedades nativas para tentar participar ou se apropriar dele. Essa problematização explica por que o superior Baltasar Barreira defendeu o direito dos conquistadores e dos jesuítas sobre os sobas e os tributos em forma de escravizados(as) por meio da analogia com a encomienda peruana, porque o sistema fiscal associado às estruturas sociais nativas e à exploração econômica também estava em jogo e disputa, tanto nas Américas como na África (ALENCASTRO, 2000ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000., p. 168-187; BONCIANI, 2016BONCIANI, Rodrigo Faustinoni. Guerra, domínio e soberania: experiências coloniais e império no Atlântico Sul, década de 1570. Revista de Indias, v. 76, n. 268, p. 613-640, 2016. eISSN 1988-3188 / ISSN 0034-8341. Disponível em: https://revistadeindias.revistas.csic.es/index.php/revistadeindias/article/view/1029>. Acesso em: 10 abr. 2023. Doi: https://doi.org/10.3989/revindias.2016.019>.
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, p. 629-635; ZERON, 2011ZERON, Carlos Alberto de Moura Ribeiro. Linha de fé: a Companhia de Jesus e a escravidão no processo de formação da sociedade colonial (Brasil, séculos XVI e XVII). São Paulo: Edusp, 2011., p. 179-182). Na África Centro-Ocidental, as formas de vassalagem associaram-se à noção de undamento (HEINTZE, 2007; SANTOS, 2005SANTOS, Catarina Madeira. Um governo polido em Angola. Tese de doutorado, Universidade Nova de Lisboa/École des Hautes Études en Sciences Sociales, 2005.; CÂNDIDO, 2006CANDIDO, Mariana Pinho. Enslaving frontiers: slavery trade and identity in Benguela, 1780-1850. Tese de doutorado, York University, 2006.).47 47 Ver uma síntese dos debates sobre vassalagem/undamento na tese de Flávia Carvalho (2013, p. 73-80).

O comércio também se imbricava profundamente com questões político-religiosas. Em primeiro lugar, porque a produção de imagens e objetos religiosos associava-se a um projeto colonial ultramarino, era o meio mais eficaz e lucrativo de difusão de uma nova religião. O comércio de produtos e serviços religiosos ocupava o primeiro lugar da oferta europeia nas trocas com a África Centro-Ocidental. Imagens de santos, relíquias, crucifixos, rosários e até bulas papais abasteciam uma demanda que ia dos mais humildes à nobreza africana (THORNTON, 1984THORNTON, John. The development of an African Catholic Church in the Kingdom of Kongo, 1491-1750. Journal of African History, Cambridge, n. 25, p. 147-167, 1984. ISSN 0021-8537 / eISSN 1469-5138. Doi: 10.1017/S0021853700022830.
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; SANTOS, 2016SANTOS, Vanicléia. Uma política de ossos: as relíquias católicas na África e o culto aos mortos (1564-1665). Revista Latino-Americana de Estudos Avançados, v. 1, n. 1, p. 138-157, 2016. Disponível em: https://revistas.unila.edu.br/relea/article/view/541>. Acesso em: 10 abr. 2023.
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; BONCIANI, 2020BONCIANI, Rodrigo. Inquisição, tráfico de escravos e circulação entre a África, Brasil e Índias Ocidentais. In: SANTOS P., José M. et al. (ed.). Redes y circulación en Brasil durante la Monarquía Hispánica (1580-1640). Madrid: Silex, 2020., p. 283-285).48 48 “Carta do bispo de São Tomé ao coletor Biondi”, 04/04/1595 (MMA, III, p. 487). IT, depoimento de António Álvares de Azevedo, 17/09/1596. ANTT: TSO, IL, l. 776, 33v-34, 68v-69, 82v-83. Na carta de Álvaro I para Sisto V, como destaquei acima, o rei pedia bulas e um quadro de Nossa Senhora, reforçando a importância dos cultos marianos que se difundiam no reino.

Dentre os serviços religiosos, destacava-se o batismo. A obrigatoriedade do batismo dos escravizados, prevista desde as Ordenações Manuelinas (Livro V, título XCIX) e reiterada pelo Concílio Tridentino, pode ocultar uma finalidade fiscal, que permitia uma contabilidade das pessoas escravizadas e a cobrança mais eficaz do dízimo e de outros impostos. As missivas carmelitas diziam que os neófitos africanos lhes ofereciam zimbos em troca do batismo, que eles prontamente recusavam, tentando marcar seu distanciamento com as práticas de outros sacerdotes portugueses e africanos.49 49 “Carta de frei Diogo do Santíssimo Sacramento”, 02/12/1584 (MMA, III, p. 296). Francisco de Medeiros e Manuel da Silveira cobravam pelo sacramento e utilizavam sal, associando-o ao ritual bacongo de ncuria mnungua, ou curiamunga, literalmente “comer sal”, para proteção de feitiços (HILTON, 1985HILTON, Anne. The Kingdom of Kongo. Oxford: Clarendon Press, 1985., p. 98).50 50 IT, depoimentos de Domingos de Abreu de Brito, 27/08/1596, e de Manuel Duarte, 12/09/1596. ANTT: TSO, IL, l. 776, f. 15-15v, 21v-22. Processo de Francisco de Medeiros. ANTT: TSO, IL, pr. 0257, f. 7. Processo do licenciado Francisco de Medeiros. Idem, pr. 02522, f. 111v. Os clérigos portugueses se africanizavam e o pagamento pelos sacramentos fazia parte dos rituais de aliança com os portugueses.

A sobreposição entre os elementos político, religioso e militar na África Centro-Ocidental também estava presente na caracterização das agências europeias. Os jesuítas, por exemplo, tornaram-se feiticeiros (TASSINARI 2019TASSINARI, Tomás M. Deus, senhores e feiticeiros: a mediação jesuítica dos confrontos entre portugueses e centro-africanos (1548-1593). Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo, 2019., p. 123-129), participaram diretamente das guerras e transformaram-se em senhores dos sobas (amos). Imbuídos dessas diferentes dimensões do poder, arrecadavam os impostos na forma de escravizados. Os europeus eram convocados a se relacionar, e mesmo a se converter, a elementos da cosmopolítica africana. Jesuítas e outras autoridades europeias faziam isso encobrindo suas práticas sincréticas através das palavras e conceitos cristãos.51 51 Sobre o encobrimento das práticas sincréticas pelos jesuítas ver, por exemplo, o ritual de batismo do “fidalgo de Songa”, conduzido pelo padre Baltasar Barreira, em 1582 (RODRIGUES, 1938, p. 515-516). Outros, que não dependiam da fachada ortodoxa, apropriaram-se da lógica de parentesco africana, pelo relacionamento com mulheres e macoluntas, incorporando elementos religiosos e acolhendo seus novos nomes e suas identidades.

Caos em São Tomé, Inquisição em Luanda e a diocese do Congo

A multiplicação dos contratos e o favorecimento de diferentes agentes envolvidos no tráfico de escravizados mostram que a Coroa queria sua expansão a qualquer custo.52 52 Foi um dos períodos de maior expansão do tráfico na história, que Linda Heywood e John Thornton (2007, p. IX) denominaram “onda Angola”. Confrontei os dados dos relatórios da época com a base de dados Slave Voyages em BONCIANI, 2017, p. 30-31. Ver, igualmente, as estimativas atualizadas por Luiz Felipe de Alencastro (2018, p. 104). Ao mesmo tempo, o relatório do licenciado Domingos de Abreu de Brito, baiano de nascimento e “homem bom” de Luanda, encarregado por Felipe II de fazer uma ampla inquirição sobre os negócios e rendas do Brasil e de Angola, atacava o mwene Congo e sua conexão com comerciantes cristãos novos com negócios e capital em Pernambuco e Amsterdã, o que afetava igualmente as redes comerciais de São Tomé, a dos bispos e a dos moradores (BRITO, 1931BRITO, Domingos de Abreu de. Um inquérito à vida administrativa e econômica de Angola e do Brasil em fins do século XVI, segundo o manuscrito existente na Biblioteca Nacional de Lisboa. Edição de Alfredo de Albuquerque Felner. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1931 [1592]., p. 7-9). O inquérito confirmava o posicionamento de D. Alberto de Áustria em 1586.

Como o bando dos conquistadores e dos jesuítas, a Coroa quer destacar a centralidade político-administrativa e militar de Luanda, encabeçada pelos governadores de Angola, Congo e Benguela (BRITO, 1931BRITO, Domingos de Abreu de. Um inquérito à vida administrativa e econômica de Angola e do Brasil em fins do século XVI, segundo o manuscrito existente na Biblioteca Nacional de Lisboa. Edição de Alfredo de Albuquerque Felner. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1931 [1592]., p. 23-31). Interferindo nas relações de vassalagem com os sobas e no mecanismo que convertia a obrigação do tributo em escravizados. Valorizando e estimulando a estratégia bélica, de terror escravista, e as alianças ocasionais com chefias menores, alimentando um estado de guerra como meio mais eficaz de ampliação do tráfico, em detrimento da centralidade político-militar e comercial do mwene Congo, e das estratégias de aliança, africanização e aquisição por meio das feiras estabelecidas pelas redes dos bispos de São Tomé e dos moradores da Ilha.

As cartas do coletor pontifício em Lisboa, Fabio Biondi, dão conta da intensa atividade mercantil na cidade e em seu porto no período. Em Portugal e, depois, em Roma, Biondi encabeçou os esforços para criação da diocese do Congo e Angola, tendo recebido o embaixador do rei congolês Álvaro II, António Vieira, inquirindo-o, assim como o antigo bispo de São Tomé, D. Martinho de Ulhoa, sobre o estado político e da cristandade naquelas partes.53 53 “Interrogatoria de Statu Regni Congensis facta Ulipissone”, 1595; e “De Statu Regni Congi”, 1595 (MMA, III, p. 500-504, 505-514). Seu principal colaborador foi o secretário Giovanni Battista Confalonieri. A eloquência e os elogios de Biondi ao cristianismo no Congo, endereçados ao secretário de estado do papa, cardeal Aldobrandino, precisam ser entendidos como parte do processo de consolidação da monarquia papal (PRODI, 1982PRODI, Paolo. Il sovrano pontífice: Um corpo e due anime: la monarchia papale nella prima età moderna. Bologna: Mulino, 1982.) que, necessariamente, articulava-se a um projeto ultramarino e geopolítico.

Esse projeto recuperava a importância do reino do Congo para o estabelecimento da república universal cristã, chefiada pelo papa.54 54 Até o título de Fabio Biondi, como patriarca de Jerusalém, é um indício dessa perspectiva geopolítica. Na década de 1590, Clemente VIII enviou representações para o Egito e a Etiópia, a fim de negociar a união da Igreja copta com Roma, e foi em torno dessa política que o papa estabeleceu uma congregação de cardeais, futuramente conhecida como a Propaganda Fide (GRAY, 2012GRAY, Richard. Christianity, the Papacy, and Mission in Africa. New York: Orbis Books, 2012., p. 35-36). A escolha do primeiro bispo do Congo e Angola na ordem dos capuchos, subordinada diretamente ao sumo pontífice, revelava, novamente, a intenção de aumentar sua influência sobre o clero ultramarino (GONÇALVES, 2008, p. 3).55 55 “Carta do rei do Congo ao papa”, 21/09/1595; e “Carta do coletor ao cardeal protetor”, 25/11/1595 (MMA, III, p. 490-491, 496). Seria interessante analisar se há alguma relação entre Miguel de Rangel e o bispo de Coimbra, dom Afonso de Castelo Branco, futuro vice-rei de Portugal (1603-1605). Castelo Branco manteve correspondência assídua e trocou presentes com Fabio Biondi e seu secretário Confalonieri (MARQUES, 2014, p. 183-207). É importante analisar, igualmente, a composição da Mesa de Consciência e Ordens nesses anos para ver como o nome de Miguel de Rangel foi proposto e aceito. “Nótula sobre o novo bispo do Congo”; e “Carta do coletor pontifício”, ambas de 16/12/1595 (MMA, III, p. 517 e 518-519, respectivamente). O plano era uma alternativa à ameaça otomana nos Balcãs e aos ataques à costa italiana. A solenidade, em Roma, para a criação da nova diocese foi digna dessa importância estratégica: a carta de Álvaro II foi lida no consistório, e a nova diocese aprovada no dia 20 de maio de 1596 (GRAY, 1999GRAY, Richard. A Kongo Pincess, the Kongo Ambassadors, and the Papacy. Journal of Religion in Africa, v. 29, n. 2, p. 140-154, 1999. Doi: https://doi.org/10.1163/157006699X00160.
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, p. 146-149).

Com a fundação da nova diocese, Fabio Biondi felicita o rei Álvaro II pelo fato de o bispo de São Tomé, Francisco de Vila Nova, não poder mais incomodá-lo. O próprio Biondi havia se batido com o bispo ao designar um notário apostólico para arrecadar diretamente os benefícios eclesiásticos da diocese, interferindo em sua jurisdição.56 56 “Mandato do bispo de São Tomé ao governador do bispado”, 1596 (MMA, III, p. 546). Vila Nova protestou, mas também procurou agradar Biondi, enviando-lhe uma letra, endereçada aos contratadores de São Tomé, de 240 mil réis, e mandando arrecadar no Congo os bens deixados por um clérigo, além de esmolas e dividendos da bula do Seminário dos Escoceses.57 57 “Carta do bispo de São Tomé ao coletor Biondi”, 04/04/1595 (MMA, III, p. 486-487). A monarquia igualmente interferiu nas cobranças eclesiásticas, ao designar como deão da Sé de São Tomé o licenciado Domingos do Rego de Abreu, capturado por corsários ingleses com uma encomenda que levava ao “Sereníssimo Cardeal”, dom Alberto de Áustria, com 12 mil arrobas de açúcar, 100 quintais de marfim, 60 cruzados de ouro e 150 escravizados(as).58 58 “Relação do deão de São Tomé”, fevereiro de 1594 (MMA, IV, p. 467-470).

Vila Nova já estava com a corda no pescoço, e começaram a circular notícias que associavam suas ações – interferência na provedoria dos defuntos e ausentes, excomunhões contra a Câmara e o governador – à revolta de escravizados na Ilha (PINTO, 2006PINTO, Manuel do Rosário. Relação do descobrimento da Ilha de São Tomé. Lisboa: CHAM, 2006., p. 71-78). Os documentos reunidos no Arquivo do Vaticano, no fundo Confalonieiri, sugerem que Biondi e seu secretário tinham um dossiê pronto para acossar o bispo ou utilizá-lo como bode expiatório para reforçar a importância da criação da nova diocese, além de atacar as redes políticas e comerciais da Ilha e do mwene Congo.59 59 “Carta do cardeal Mateus ao bispo de São Tomé”, 23/03/1595; “Revolta dos pretos em São Tomé”, 1595 (MMA, III, p. 484-485, 525, respectivamente). O documento italiano foi transcrito com o título “Relatório dos fatos ocorridos em São Tomé”, 1595 (MMA, III, p. 521-523) e na Relação do Descobrimento de São Tomé (PINTO, 2006, p. 277-279). Outros dois documentos sobre a rebelião escrava foram escritos em 1599, “Carta da Câmara de São Tomé a el-Rei”, 23/12; e “Carta do Cabido de São Tomé”, 24/12, (MMA, III, p. 598-602, 603-608). Sob a determinação da Mesa da Consciência e de Roma, foi instaurado um processo contra Vila Nova que, consciente do perigo que corria, recusou-se a ir à Santa Sé, enviando um procurador em seu lugar (CUVELIER; JADIN, 1954CUVELIER, Jean; JADIN, Louis. L’ancien Congo d’après les archives romaines (1518-1640). Bruxelas: Académie Royale des Sciences Coloniales, 1954. t. XXXVI., p. 48).60 60 “Consulta da Mesa da Consciência e Ordens”, 16/07/1597; “D. Francisco de Vila Nova nomeia um procurador para visita canônica ad Sacra Limina”, 24/10/1597; e “Relatório do bispo de São Tomé ao papa” (MMA, III, p. 548-556, 559-562, 563-591, respectivamente). Em seguida, retornou a São Tomé e continuou atuando com muita independência.

Ao mesmo tempo, o papado movimentava-se na corte da monarquia hispânica. Como analisa José Martínez (2003, p. 11, 35-38)MARTÍNEZ MILLÁN, José. La crisis del ‘partido castellano’ y la transformación de la Monarquía Hispana en el cambio de reinado de Felipe II a Felipe III. Cuadernos de Historia Moderna, Anejo 2, p. 11-38, 2003. ISSN 1579-3826. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=975298. Acesso em: 10 abr. 2023.
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, “quando se contempla a política de Felipe II em seu conjunto, se descobre que nem uma vez admitiu a arbitragem papal, ao passo que com Felipe III, a monarquia substituiu o modelo político-religioso católico castelhano pelo paradigma católico romano”. A afirmativa pode ser matizada para o contexto da África Centro-Ocidental, onde Felipe II aceitou o envio de novas ordens religiosas, mais próximas da cúria romana, rompendo com o monopólio missionário dos jesuítas no Atlântico, enquanto observava a política de Clemente VIII em relação à Companhia de Jesus e ao geral Claudio Aquaviva. Clemente VIII trabalhava no sentido de desaportuguesar a SJ e, se não pretendia cortar seu envolvimento com o tráfico de escravizados, procurou enquadrá-lo.

Destarte, a SJ no Atlântico passou de uma posição de confronto com a monarquia hispânica para uma de acomodação, conduzida pelo visitador de Angola, e futuro provincial do Brasil, Pero Rodrigues (BONCIANI, 2022BONCIANI, Rodrigo Faustinoni. Pero Rodrigues. Brasilhis Dictionary: dicionário biográfico e temático do Brasil na monarquia hispânica (1580-1640). Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2022. ISSN 2952-0401. Disponível em: https://brasilhisdictionary.usal.es/pero-rodrigues/>. Acesso em: 10 abr. 2023.
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). A Inquirição de Testemunhas, feita em nome do Santo Ofício, entre 1596 e 1597, na África Centro-Ocidental, foi conduzida pelo superior dos jesuítas, Jorge Pereira, e seu conteúdo definido por Pero Rodrigues.61 61 Sobre a influência dos jesuítas na Inquisição ultramarina, ver Giuseppe Marcocci (2011, p. 92-97). O principal objetivo da Inquirição foi desviar o foco das tensões da região para a “perfídia judaica” e as heresias, desarticulando as redes sociocomerciais de São Tomé, Congo, Pernambuco e Amsterdã. Em contrapartida, os jesuítas, com outros parceiros comerciais e políticos, investiam na conexão baiana e carioca, e daí as ligações com São Paulo, a bacia do Prata e Tucumán (BONCIANI, 2017BONCIANI, Rodrigo F. ‘Havendo escravos se restaurará tudo’: trajetórias e políticas ibero-atlânticas no fim do século XVI. Portuguese Studies Review, v. 2, n. 25, p. 17-53, 2017. ISSN 1057-1515., p. 35-36).

Ainda havia outro patamar de legitimação da barbárie escravista, que foi elaborada pelo jesuíta Luís de Molina.62 62 Com a expressão “barbárie escravista”, eu não estou fazendo nenhum juízo anacrônico. Os relatos da época sobre as formas de escravização, condições de transporte e de vida imposta às pessoas escravizadas, que não foram apagados ou silenciados, mostram a percepção de que essa era uma instituição desumana. Todo o debate pseudodogmático sobre o conceito de dominium que, desde a década de 1530, justificou, em primeiro lugar, o tráfico de escravizados africanos – na lógica da propriedade privada e do negócio escravista – para, em seguida, fundamentar os direitos de soberania, da Igreja e da Monarquia, sobre as Américas e os ameríndios, foi solapado pela experiência histórica e pelo pragmatismo colonial. Luís de Molina precisava, antes de mais nada, defender a conquista de Angola, para depois, em meio a cabriolas de volatim, dizer que não se poderia fazer nada: era impossível averiguar os títulos legítimos de escravização.63 63 Sobre a hipocrisia dos “doutores da Lei”, ver Mateus 23 (BÍBLIA, 1990, p. 1270-1271).

A Igreja e a Monarquia eram corpos políticos em formação, simultaneamente concorrentes e complementares, que tinham perspectivas distintas para a constituição do orbe cristão e disputavam sua primazia (essas tensões/inflamações também se disseminavam pelos órgãos e membros desses corpos). O padroado, a Inquisição e as principais ordens religiosas (SJ em Portugal e dominicanos em Castela)64 64 Lembro, sem nenhuma competência para analisar, que no papado de Clemente VIII essas duas ordens religiosas (além dos carmelitas ao lado dos dominicanos) estabelecem um confronto aberto, em questões dogmáticas, mas que, seguramente, também tinham suas causas mundanas. eram os meios fundamentais para as monarquias influenciarem ou se apropriarem da estrutura religiosa e serem a cabeça do império. Enquanto as possessões e os entrepostos ultramarinos, suas rotas comerciais e financeiras, sua estrutura político-militar, eram as veias que alimentavam o corpo místico e a constituição imperial da Igreja.

Parafraseando Luiz Felipe de Alencastro (2000)ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000., é preciso notar que a Igreja e as monarquias europeias se formaram fora do espaço europeu, atreladas à construção de um império ultramarino, que se alimentava dos corpos e das almas que se consumiam no processo colonial, a necropolítica (MBEMBE, 2022MBEMBE, Achille. Necropolítica. São Paulo: N-1 Edições, 2022.).65 65 Estou fazendo um uso um tanto próprio do conceito de Achile Mbembe, que pretendo desenvolver em outros trabalhos. A expressão do comerciante Duarte Lopes, as “minas de almas”, é a síntese perfeita dessa realidade histórica. As minas de almas se faziam com o tráfico de escravizados que, vivos ou mortos, convertiam-se em benefícios econômicos, espirituais e de poder para a Monarquia e a Igreja. A complementaridade entre o tráfico de escravizados africanos e a invasão, esbulho e exploração das Américas e dos ameríndios fundou a modernidade europeia.

  • 1
    Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e a bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo.
  • 3
    Estou de acordo com as considerações de autoras e autores que adotam o termo escravizada(o) para evidenciar o ato de violência implícito no processo de escravização e associá-lo à lógica mercantil europeia, enquanto escrava(o) “descreve o estado de desumanização com>o a identidade natural” (KILOMBA, 2020KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019., p. 11-21) e opera no sentido de reificar as pessoas negras na história. Penso, novamente em diálogo com essas(es) autoras(es), que é urgente descolonizar a linguagem, e mais ainda a linguagem da história colonial. Nas citações, optamos pela atualização da grafia.
  • 4
    Fundo do Tribunal do Santo Ofício (doravante TSO), coleção Inquisição de Lisboa (doravante IL). Disponível em: https://digitarq.arquivos.pt/details?id=2299704. Acesso em: 21 mar. 2023.
  • 5
    A demanda associava-se à preocupação dos mwene mani] Congo em controlar os processos de escravização praticados pelos portugueses na África Centro-Ocidental. A agência europeia, que não era ordenada por seus soberanos, colocava em risco um elemento central da autoridade real: o controle do comércio e da distribuição de insígnias de prestígio. Além disso, fomentava as guerras interétnicas e tensionava as relações de poder no interior das linhagens políticas, levando, inclusive, à escravização de súditos e de indivíduos da nobreza congolesa (PIGAFETTA; LOPES, 1989PIGAFETTA, Filippo; LOPES, Duarte. Relação do reino do Congo e das terras circunvizinhas. Lisboa: Alfa, 1989 [1591]. 1591], p. 87-88). “Carta do rei do Congo a D. Manuel I”, 05/10/1514; “Carta do rei do Congo a D. João III”, 26/05/1517; “Carta do rei do Congo a D. João III”, 06/07/1526 (MMA, I, p. 319-320, 404-405, 470-471, respectivamente).
  • 6
    O bispado de São Tomé tinha jurisdição espiritual sobre grande parte da costa africana, do cabo das Palmas, na Libéria atual, até o cabo das Agulhas, na África do Sul, e no interior incluía o reino do Congo. “Regimento do feitor do trato de São Tomé”, 02/08/1532; “Cédula consistorial da criação da diocese de São Tomé”, 31/01/1533; e “Bula de ereção do bispado de São Tomé”, 03/11/1534 (MMA, II, p. 14-15, 19, 22-34).
  • 7
    “Carta do padre Cornélio Gomes a santo Inácio”, 18/07/1552 (MMA, II, p. 275). A sincronia dos eventos e das medidas régias em relação ao papado, nas décadas de 1530 e 1550, revela a importância da expansão portuguesa na África para a configuração do padroado ultramarino português. Consequentemente, evidencia o interesse do papado pela abertura da via africana para a realização da república universal cristã.
  • 8
    “Sentença do cardeal dom Henrique a favor do bispo de São Tomé”, 14/03/1571 (MMA, III, p. 10-11).
  • 9
    Ibidem, p. 11.
  • 10
    “Carta de doação a Paulo Dias de Novais”, 19/09/1571 (MMA, III, p. 36-51).
  • 11
    “Carta do eminentíssimo cardeal Farnésio ao presidente do consistório”, janeiro de 1578; e “Cédula consistorial de D. Martinho de Ulhoa”, 29/01/1578 (MMA, III, p. 167-168, 169).
  • 12
    Jerônimo Castanho destaca a atuação do desembargador do Paço Pedro Barbosa, futuro conselheiro de Portugal (1583-1592), na decisão de separar os dois contratos. “Memoriais de Jerónimo Castanho a el-Rei”, 05/09/1599 (MMA, IV, p. 596-612). “Provisão de empréstimo a António Dias”, 08/07/1579; e “Alvará ao tesoureiro da Casa das Minas”, 19/10/1579 (MMA, IV, p. 315-316, 317-318).
  • 13
    Um pouco antes da chegada de Medeiros, Francisco Barbudo de Aguilar havia declarado em Cabaça, capital do Ndongo, diante do próprio ngola e de outros portugueses: “falando portuguesmente e pela língua da terra, que ele não conhecia ao senhor Governador nem a outro rei senão a el-Rei de Angola, que lhe dava rendas”. “Auto do capitão Pero da Fonseca”, 18/04/1579 (MMA, IV, p. 308).
  • 14
    “Processo de Francisco de Medeiros”, s.d.]. ANTT: TSO, IL, pr. 02507, f. 7.
  • 15
    Ainda não está totalmente elucidada a influência de Álvaro I sobre os cargos eclesiásticos em seu reino e na constituição de um clero, africano e português, que defendia seu padroado. Quem avançou mais nesse estudo foi John K. Thornton (2013)THORNTON, John. The kingdom of Kongo and the counter-reformation. Social Sciences and Missions, v. 1, n. 26, p. 40-58, 2013. Doi: https://doi.org/10.1163/18748945-02601002.
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    , mas ainda existem muitos pormenores a serem compreendidos na documentação. Além dos inquéritos contra Francisco de Medeiros, destaca-se o processo de Gaspar da Graça (ANTT: TSO, IL, pr. 02938).
  • 16
    “Carta de frei Diogo do Santíssimo Sacramento”, 02/12/1584 (MMA, III, p. 297).
  • 17
    “Carta de frei Diogo da Encarnação”, 27/09/1584 (MMA, III, p. 278-279); “Carta de frei Diogo do Santíssimo Sacramento”, 2/12/1584 (MMA, III, p. 299-301, 304).
  • 18
    “Carta de doação do rei do Congo à Santa Sé”, 20/01/1583 (MMA, III, p. 238-239).
  • 19
    “Processo do licenciado Francisco de Medeiros”, 02/06/1584-5/09/1585. ANTT: TSO, IL, pr. 02522, f. 4.
  • 20
    “Carta do cardeal vice-rei a el-Rei”, 18/10/1586 (MMA, III, p. 340-341).
  • 21
    A escravização por meio de guerras era a mais ímpia de todas, atingia particularmente crianças, jovens e mulheres (WHEAT, 2016WHEAT, David. Atlantic Africa and the Spanish Caribbean, 1570-1640. Williamsburg, Virginia: University of North Carolina Press, 2016., p. 68-103). Ver também John K. Thornton (1999, p. 99-126)THORNTON, John. Warfare in Atlantic Africa 1500-1800. London: UCL Press, 1999..
  • 22
    É notável, na documentação, uma mudança na perspectiva de guerra a partir de 1579. Comparar, por exemplo, as cartas de Baltasar Afonso até o início deste ano (MMA, III, p. 157-158, 170-172, 181-183) e aquelas escritas entre 1581 e 1583 (MMA, III, p. 198-207, 219, 248-249). Baltasar Afonso, Jorge Pereira e Baltasar Barreira participaram das campanhas militares ao longo da década de 1580. A respeito de Jorge Pereira, o visitador Pero Rodrigues declarou: “Anda sempre no arraial, como presidente da guerra, em companhia do Governador” (RODRIGUES, 1938RODRIGUES, Francisco. História da Companhia de Jesus na Assistência de Portugal. Porto: Livraria do Apostolado da Imprensa, 1938. T. 2, v. 2., p. 522-526). Conferir o relato de António CadornegaCADORNEGA, António de Oliveira de. História geral das guerras angolanas. Lisboa: Agência Geral das Colônias, 1940-1942. 3 tomos. sobre as guerras do período (t. 1, 1940, p. 25-45). Os jesuítas participavam de diferentes âmbitos da guerra na África Centro-Ocidental: no encorajamento e na exortação dos soldados; na defesa dos direitos de conquista e saque; no aprovisionamento de guerra, com munições e pólvora; e, finalmente, no despacho dos escravizados para as Américas. O recrudescimento das guerras de escravização coincidiu com a perseguição dos missionários que denunciavam o envolvimento dos jesuítas com o tráfico, como Gonçalo Leite e Miguel García (ZERON, 2011ZERON, Carlos Alberto de Moura Ribeiro. Linha de fé: a Companhia de Jesus e a escravidão no processo de formação da sociedade colonial (Brasil, séculos XVI e XVII). São Paulo: Edusp, 2011., p. 159-172).
  • 23
    Os bandos, assim como as redes, não podem ser pensados como agrupamentos rígidos, havia muita movimentação e permeabilidade entre e dentro deles. Havia, igualmente, muito espaço para interesses personalistas e de ocasião, mas as caracterizações apresentadas aqui mostram uma tendência e permanência desses grupos na região.
  • 24
    “Alvará de Paulo Dias de Novais”, 20/09/1585 (MMA, IV, p. 455-456).
  • 25
    A historiografia ainda não analisou em detalhes as circunstâncias que levaram à morte de Álvaro I e à ascensão de Álvaro II (1587-1614). Os jesuítas querem produzir uma versão de que Álvaro II dependeu do apoio de tropas enviadas por Paulo Dias de Novais e que declarou apoio total aos inacianos, através de uma provisão de julho de 1587 (MMA, III, p. 344-345). A narrativa jesuíta é suspeita e precisa ser confrontada com diferentes acontecimentos ocorridos nas Américas e na Europa. De qualquer forma, Álvaro II preserva grande parte de sua autonomia política e dá continuidade às embaixadas europeias. No plano africano, seu poder se sustenta principalmente nos nkuluntu, em detrimento dos “vassalos tradicionais”, os mwene e mwissicongo, muitos deles pareciam inclinados a outro filho de Álvaro I. Além disso, o rei torna-se cada vez mais dependente da estrutura de poder do escravismo africano (HILTON, 1985HILTON, Anne. The Kingdom of Kongo. Oxford: Clarendon Press, 1985., p. 87, 119-124).
  • 26
    “Carta de Duarte Lopes a Sisto V”, 24/02/1588 (MMA, III, p. 358-361).
  • 27
    “Carta do coletor pontifício ao rei do Congo”, 15/3/1587 (MMA, III, p. 342-343); Cartas do núncio apostólico em Madri ao cardeal de Montalto, 25/02, 26/03 e 15/06 de 1588 (MMA, III, p. 362-363, 365, 366).
  • 28
    “Relatório de Duarte Lopes”, 14/12/1589 (MMA, IV, p. 514-518).
  • 29
    Na bela letra de Pigafetta: “Tocando-lhe o anjo bom no coração, com ânimo viril abandonou a espada e tomou a cruz, renegando o mundo e as pompas enganadoras” (PIGAFETTA; LOPES, 1989PIGAFETTA, Filippo; LOPES, Duarte. Relação do reino do Congo e das terras circunvizinhas. Lisboa: Alfa, 1989 [1591]. 1591], p. 92).
  • 30
    Processo de Duarte Lopes, 1603-1605. ANTT: TSO, IL, pr. 04507, f. 42v.
  • 31
    Pistas e evidências de que Duarte Lopes (DL) e Duarte Lopes Lisboa (DLL) eram a mesma pessoa. Informações coincidentes sobre DL e DLL: cristãos novos; filhos de um confeiteiro de Lisboa. Para DL ver “Carta do núncio apostólico em Madri ao cardeal de Montalto”, 25/02/1588 (MMA, III, p. 363); e para DLL ver Inquirição de Testemunhas (doravante IT), ANTT: TSO, IL, l. 776, f. 3v. Ambos partiram para o Atlântico em 1578. Para Duarte Lopes ver PIGAFETTA; LOPES, 1989PIGAFETTA, Filippo; LOPES, Duarte. Relação do reino do Congo e das terras circunvizinhas. Lisboa: Alfa, 1989 [1591]. 1591], p. 9; para Duarte Lopes Lisboa, “Processo de Duarte Lopes”, 1603-1605, ANTT: TSO, IL, pr. 04507, f. 44v. Na viagem para a embaixada, em 1584, DL se deteve alguns anos no Caribe, mesma região onde, depois, DLL se estabeleceu como comerciante e capitão. Enquanto Duarte Lopes desaparece da documentação no fim da embaixada, por volta de 1591, ano da publicação do livro com Pigafetta, Duarte Lopes Lisboa entra em cena, em 1592, acompanhando o primeiro governador geral de Angola, D. Francisco de Almeida. Para DLL ver ibidem, f. 42v. DLL torna-se, então, personagem proeminente na documentação da África Centro-Ocidental, Lisboa e suas conexões atlânticas. Em 1619, temos a notícia de que o capitão “Duarte López”, natural de Lisboa, faleceu. Sua mulher, Guiomar Pedrosa, e sua filha, Leonor Pedrosa, eram suas herdeiras, confirmando que se tratava de Duarte Lopes Lisboa. “Bienes de difuntos: Duarte López”, 1619-1620. Archivo General de Indias: Casa de la Contratación, 339A, N.1, R.12. A última referência que temos de DLL está no testamento de Gaspar Álvares, de 1623, importante comerciante de escravizados que se tornou noviço da Companhia de Jesus (MMA, VII, p. 91). Agradeço a filóloga Regina Hauy pela colaboração em decifrar esse enigma histórico.
  • 32
    Jorge da Fonseca (2008, p. 261-263)FONSECA, Jorge da. Escravos e senhores na Lisboa quinhentista. Tese de doutorado, Estudos Portugueses, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 2008. refere-se a uma reunião de 32 mercadores de escravizados para as Índias de Castela na casa de Henrique Nunes, em 1589, em que estavam presentes António Lopes Ilhoa ou Ulhoa], que não sabemos se tinha algum parentesco com o bispo, António Mendes Lamego, contratador de Angola com Pedro de Sevilha (1587-1593), e Jorge Rodrigues Solis.
  • 33
    Manuel Fernandes Anjo era comerciante da família de Gaspar Fernandes Anjo, que tinha dois engenhos em Pernambuco e era exportador de açúcar para Antuérpia e Amsterdã (RICARDO, 2014RICARDO, Silvia Carvalho. Expoentes mercantis e dinâmica de negócios: a família Dias de Milão (1580-1624). Tese de doutorado, Departamento de História, Universidade de São Paulo, 2014., p. 126, 135, 138; SILVA, 2012SILVA, Janaína e. Cristãos-novos nos negócios da capitania de Pernambuco: relacionamentos, continuidades e rupturas nas redes de comércio entre os anos de 1580 e 1630. Tese de doutorado, História, Universidade Federal de Pernambuco, 2012., p. 109-112, 235-236).
  • 34
    Na Inquirição de Testemunhas, Duarte Lopes era “filho de André Lopes confeiteiro e um dos contratadores das peças que saem do porto desta dita vila”, de Luanda. Depoimentos de Paulo de Araújo, 13/09/1596, e de João Batista, 02/10/1596. ANTT: TSO, IL, l. 776, f. 26, 53. Fonseca (2008, p. 283)FONSECA, Jorge da. Escravos e senhores na Lisboa quinhentista. Tese de doutorado, Estudos Portugueses, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 2008. refere-se a André Lopes contratador como “confeiteiro”.
  • 35
    Manuel Rodrigues Teixeira ocupou os cargos de vigário e provisor de 1585 até, pelo menos, 1604. Ele deixou a conezia da sé de São Tomé em benefício de Manuel da Silveira em 1589. “Carta de mercê ao vigário de Luanda”, 19/8/1592 (MMA, XV, p. 322); “Alvará ao vigário da Conceição de Luanda”, 15/11/1590 (MMA, IV, p. 526-527). Os jesuítas, em 1594, registraram que “Quitinga” era um sinônimo de “Tendala” que se referia ao cargo de governador ou regedor do rei (MMA, IV, p. 573), assim o nome africano Quitingo parece associar-se tanto a poderes terrenos como sobrenaturais.
  • 36
    IT, depoimentos do padre Baltasar d’Ávila, 08/10/1596, de Luís Gonçalves, 17/10/1596, de João Batista, 07/11/1596, e de Domingos de Abreu de Brito, 21/11/1596, f. 55v, 58, 59 e 61v.
  • 37
    “Capítulo de uma carta do padre Pero Rodrigues”, 11/05/1593 (MMA, III, p. 464-465).
  • 38
    “Instruções dadas a D. António Nigrita”, 29/06/1604 (MMA, V, p. 113).
  • 39
    “Carta de doação a Paulo Dias de Novais”, 19/09/1571 (MMA, III, p. 42).
  • 40
    Em uma carta de 26/09/1571 (MMA, III, p. 60, nota), D. Sebastião dizia que os dízimos arrecadados a partir de São Tomé valiam muito para sua fazenda. A diferenciação da cobrança dos dízimos nas vilas/cidades/mbanzas e no sertão, ou áreas rurais, verificadas por Maximiliano Menz e Gustavo Lopes (2018, p. 12-13)LOPES, Gustavo; MENZ, Maximiliano. A população do reino de Angola durante a era do tráfico de escravos: Um exercício de estimativa e interpretação (c. 1700-1850). Revista História, São Paulo, n. 177, p. 1-35, 2018. e-ISSN 2316-9141 / ISSN 0034-8309. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/122490. Acesso em: 10 abr. 2023. Doi: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2018.122490.
    https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141....
    nos séculos XVIII e XIX, parece se aplicar para o fim do século XVI. Ver, por exemplo, o “Alvará ao vigário da Conceição de Luanda”, 15/11/1590 (MMA, IV, p. 526).
  • 41
    “Processo do licenciado Francisco de Medeiros”, 02/06/1584-05/09/1585. ANTT: TSO, IL, pr. 02522, f. 111.
  • 42
    “Carta régia sobre os ordenados eclesiásticos”, 28/09/1571; “Alvará aos cônegos de São Tomé”, 08/02/1583; e “Carta de mercê ao bispo de São Tomé”, 30/09/1592 (MMA, III, p. 68-69, 241, 449, respectivamente).
  • 43
    IT, depoimentos de António Álvares Macedo, 17/09/1596, e de Domingos de Abreu de Brito, 21/11/1596. ANTT: TSO, IL, l. 776, f. 34-34v, f. 62.
  • 44
    “Carta do padre Garcia Simões ao padre Luís Perpinhão”, 07/11/1576 (MMA, III, p. 147).
  • 45
    Em carta de 11/10/1575, Paulo Dias de Novais reconhecia e reclamava a seu pai que a terça parte do rendimento dos dízimos lhe havia sido tirada (MMA, IV, p. 285). “Carta de doação de Paulo Dias de Novais aos padres da Companhia”, 18/10/1581 (MMA, XV, p. 268). Francisco Rodrigues (1938, p. 528-533) enumera cada uma das doações feitas por Paulo Dias à Companhia de Jesus entre 1581 e 1587.
  • 46
    Para o Ndongo, ver a “Carta do padre Garcia Simões para o provincial”, 20/10/1575 (MMA, III, p. 139).
  • 47
    Ver uma síntese dos debates sobre vassalagem/undamento na tese de Flávia Carvalho (2013, p. 73-80)CARVALHO, Flávia de. Os homens do rei em Angola: sobas, governadores e capitães mores, séculos XVII e XVIII. Tese de doutorado, Universidade Federal Fluminense, 2013..
  • 48
    “Carta do bispo de São Tomé ao coletor Biondi”, 04/04/1595 (MMA, III, p. 487). IT, depoimento de António Álvares de Azevedo, 17/09/1596. ANTT: TSO, IL, l. 776, 33v-34, 68v-69, 82v-83. Na carta de Álvaro I para Sisto V, como destaquei acima, o rei pedia bulas e um quadro de Nossa Senhora, reforçando a importância dos cultos marianos que se difundiam no reino.
  • 49
    “Carta de frei Diogo do Santíssimo Sacramento”, 02/12/1584 (MMA, III, p. 296).
  • 50
    IT, depoimentos de Domingos de Abreu de Brito, 27/08/1596, e de Manuel Duarte, 12/09/1596. ANTT: TSO, IL, l. 776, f. 15-15v, 21v-22. Processo de Francisco de Medeiros. ANTT: TSO, IL, pr. 0257, f. 7. Processo do licenciado Francisco de Medeiros. Idem, pr. 02522, f. 111v.
  • 51
    Sobre o encobrimento das práticas sincréticas pelos jesuítas ver, por exemplo, o ritual de batismo do “fidalgo de Songa”, conduzido pelo padre Baltasar Barreira, em 1582 (RODRIGUES, 1938RODRIGUES, Francisco. História da Companhia de Jesus na Assistência de Portugal. Porto: Livraria do Apostolado da Imprensa, 1938. T. 2, v. 2., p. 515-516).
  • 52
    Foi um dos períodos de maior expansão do tráfico na história, que Linda Heywood e John Thornton (2007, p. IX)HEYWOOD, Linda; THORNTON, John. Central Africans, Atlantic Creoles, and the Foundation of the Americas, 1585-1660. Cambridge: Cambridge University Press, 2007. denominaram “onda Angola”. Confrontei os dados dos relatórios da época com a base de dados Slave Voyages em BONCIANI, 2017BONCIANI, Rodrigo F. ‘Havendo escravos se restaurará tudo’: trajetórias e políticas ibero-atlânticas no fim do século XVI. Portuguese Studies Review, v. 2, n. 25, p. 17-53, 2017. ISSN 1057-1515., p. 30-31. Ver, igualmente, as estimativas atualizadas por Luiz Felipe de Alencastro (2018, p. 104)ALENCASTRO, Luiz Felipe de. The trade in the living: the formation of Brazil in the South Atlantic, sixteenth to seventeenth centuries. Albany: State University of New York Press, 2018..
  • 53
    “Interrogatoria de Statu Regni Congensis facta Ulipissone”, 1595; e “De Statu Regni Congi”, 1595 (MMA, III, p. 500-504, 505-514).
  • 54
    Até o título de Fabio Biondi, como patriarca de Jerusalém, é um indício dessa perspectiva geopolítica.
  • 55
    “Carta do rei do Congo ao papa”, 21/09/1595; e “Carta do coletor ao cardeal protetor”, 25/11/1595 (MMA, III, p. 490-491, 496). Seria interessante analisar se há alguma relação entre Miguel de Rangel e o bispo de Coimbra, dom Afonso de Castelo Branco, futuro vice-rei de Portugal (1603-1605). Castelo Branco manteve correspondência assídua e trocou presentes com Fabio Biondi e seu secretário Confalonieri (MARQUES, 2014, p. 183-207). É importante analisar, igualmente, a composição da Mesa de Consciência e Ordens nesses anos para ver como o nome de Miguel de Rangel foi proposto e aceito. “Nótula sobre o novo bispo do Congo”; e “Carta do coletor pontifício”, ambas de 16/12/1595 (MMA, III, p. 517 e 518-519, respectivamente).
  • 56
    “Mandato do bispo de São Tomé ao governador do bispado”, 1596 (MMA, III, p. 546).
  • 57
    “Carta do bispo de São Tomé ao coletor Biondi”, 04/04/1595 (MMA, III, p. 486-487).
  • 58
    “Relação do deão de São Tomé”, fevereiro de 1594 (MMA, IV, p. 467-470).
  • 59
    “Carta do cardeal Mateus ao bispo de São Tomé”, 23/03/1595; “Revolta dos pretos em São Tomé”, 1595 (MMA, III, p. 484-485, 525, respectivamente). O documento italiano foi transcrito com o título “Relatório dos fatos ocorridos em São Tomé”, 1595 (MMA, III, p. 521-523) e na Relação do Descobrimento de São Tomé (PINTO, 2006PINTO, Manuel do Rosário. Relação do descobrimento da Ilha de São Tomé. Lisboa: CHAM, 2006., p. 277-279). Outros dois documentos sobre a rebelião escrava foram escritos em 1599, “Carta da Câmara de São Tomé a el-Rei”, 23/12; e “Carta do Cabido de São Tomé”, 24/12, (MMA, III, p. 598-602, 603-608).
  • 60
    “Consulta da Mesa da Consciência e Ordens”, 16/07/1597; “D. Francisco de Vila Nova nomeia um procurador para visita canônica ad Sacra Limina”, 24/10/1597; e “Relatório do bispo de São Tomé ao papa” (MMA, III, p. 548-556, 559-562, 563-591, respectivamente).
  • 61
    Sobre a influência dos jesuítas na Inquisição ultramarina, ver Giuseppe Marcocci (2011, p. 92-97)MARCOCCI, Giuseppe. A fé de um império: a inquisição no mundo português de Quinhentos. Revista História, São Paulo, n. 164, p. 65-100, 2011. e-ISSN 2316-9141 / ISSN 0034-8309. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/19189. Acesso em: 10 abr. 2023. Doi: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141.v0i164p65-100.
    https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141....
    .
  • 62
    Com a expressão “barbárie escravista”, eu não estou fazendo nenhum juízo anacrônico. Os relatos da época sobre as formas de escravização, condições de transporte e de vida imposta às pessoas escravizadas, que não foram apagados ou silenciados, mostram a percepção de que essa era uma instituição desumana.
  • 63
    Sobre a hipocrisia dos “doutores da Lei”, ver Mateus 23 (BÍBLIA, 1990BÍBLIA SAGRADA: edição pastoral. São Paulo: Edições Paulinas, 1990., p. 1270-1271).
  • 64
    Lembro, sem nenhuma competência para analisar, que no papado de Clemente VIII essas duas ordens religiosas (além dos carmelitas ao lado dos dominicanos) estabelecem um confronto aberto, em questões dogmáticas, mas que, seguramente, também tinham suas causas mundanas.
  • 65
    Estou fazendo um uso um tanto próprio do conceito de Achile Mbembe, que pretendo desenvolver em outros trabalhos.

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Editado por

Editores responsáveis

Miguel Palmeira e Stella Maris Scatena Franco

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    14 Abr 2023
  • Aceito
    20 Jul 2023
Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de História Av. Prof. Lineu Prestes, 338, 01305-000 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (55 11) 3091-3701 - São Paulo - SP - Brazil
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