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“EM DEFESA DA FAMÍLIA”: DITADURA, ANTICOMUNISMO E RACIALIZAÇÃO NA ESCRITA REPRESSIVA (1968-1985)

“IN DEFENSE OF THE FAMILY”: DICTATORSHIP, ANTICOMMUNISM AND RACIALIZATION IN REPRESSIVE WRITING

Resumo

Amparado em documentos produzidos por agentes repressivos, o artigo demonstra a presença do discurso de “ameaça/defesa da família” durante a ditadura militar no Brasil (1968-1985). Para as comunidades de informação e segurança, a subversão comunista visava destruir a família. O tema esteve inscrito nas fontes de natureza repressiva em diferentes fases da ditadura. A politização da moral se conectava a uma tradição anticomunista e conservadora atualizada por mudanças e novos perigos percebidos naquele contexto. O texto oferece elementos para compreender os pressupostos que orientavam a escrita repressiva, bem como problematiza o modelo de família que era alvo de preocupações dos anticomunistas. Sugere a hipótese da racialização enquanto uma chave interpretativa necessária para analisar criticamente esses discursos.

Palavras-chave
ditadura militar; família; anticomunismo; racialização; racismo

Abstract

Supported by documents produced by repressive agents, the article demonstrates the presence of the “threat/defense of the family” discourse during the military dictatorship in Brazil (1964-1985). For the intelligence and security communities, communist subversion was aimed at destroying the family. The theme was inscribed in sources of a repressive nature in different phases of the dictatorship. The politicization of morals was connected to an anticommunist and conservative tradition updated by changes and new dangers perceived in that context. The text offers elements to understand the assumptions that guided repressive writing, as well as problematizes the family model that was the target of anticommunist concerns. It suggests the hypothesis of racialization as a necessary interpretive key to critically analyze these discourses.

Keywords
military dictatorship; family; anti-communism; racialization; racism

Introdução

A ditadura militar brasileira construiu inimigos permanentes ao longo da sua história. Um panteão pernicioso foi elaborado classificando sujeitos tidos como indesejáveis. Dentre eles, o subversivo, o terrorista e o revolucionário estiveram no topo da pirâmide estruturada pelo anticomunismo. O vocabulário repressivo alimentou diferentes práticas oscilando entre a eliminação, a suspeição, a perseguição, a tentativa de controle e a vigilância. Um vasto repertório de estigmas foi acionado, pois, para os agentes da repressão, os indivíduos a serem combatidos agiam em grupo colocando em risco não apenas o governo e o regime, mas a pátria, a nação, a vida social e a moral (VELHO, 1999VELHO, Gilberto. Individualismo e cultura: notas para uma antropologia da sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.). Sempre alerta para a contestação abertamente política, a ditadura não descuidou de politizar aquilo que lhe parecia subversão moral. E frações das comunidades de segurança e informação pautaram sua atuação na percepção e produção dessa ameaça.

Nessa história do pânico, o medo foi uma emoção recorrentemente mobilizada e a juventude foi alvo de preocupação sistemática. A normatização da vida, a preocupação com o comportamento e o discurso da (des)ordem se estenderam para diferentes dimensões da vida social de parcelas de jovens (FILGUEIRAS, 2006FILGUEIRAS, Juliana Miranda. A Educação Moral e Cívica e sua produção didática (1969-1993). Dissertação (Mestrado), PUCSP, São Paulo, 2006.; BRAGHINI, 2015BRAGHINI, Katya Mitsuko Zuquim. Juventude e pensamento conservador no Brasil. São Paulo: Educ/Fapesp, 2015.; KAMINSKI, 2016KAMINSKI, Leon Frederico. O movimento hippie nasceu em Moscou: imaginário anticomunista, contracultura e repressão no Brasil dos anos 1970. Antíteses, Londrina, v. 9, n. 18, p. 467-493, jul./dez. 2016. Disponível em: https://ojs.uel.br/revistas/uel/index.php/antiteses/article/view/21076. Acesso em: 14 ago. 2023. Doi: https://doi.org/10.5433/1984-3356.2016v9n18p437.
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; COWAN, 2016COWAN, Benjamin. Securing sex: morality and repression in the making of cold war Brazil. North Carolina: The University of North Carolina Press, 2016.; LANGLAND, 2018LANGLAND, Victoria. Transnational connections of the global sixties as seen by a historian of Brazil. In: CHEN, Jian; KLIMKE, Martin; KIRASIROVA, Masha; NOLAN, Mary; YOUNG, Marilyn; WALEY-COHEN, Joanna. The Routledge handbook of the global sixties: between protest and nation-building. Abingdon, UK; New York, NY: Routledge, 2018.; BARBOSA, 2021BARBOSA, Caio Fernandes. Fazendo-os obedecer: moralidade, educação e trabalho nas políticas do IPES para a juventude brasileira durante a guerra fria (1961-1969). Tese (Doutorado em História), PPGH, UFBA, Salvador, 2021.). Paralelo a políticas governamentais direcionadas para as juventudes, um arsenal de textos foi produzido por agentes repressivos a respeito do chamado campo dos costumes. E um dos temas mais picantes daquela burocracia repressiva foi a associação entre comunismo, contestação juvenil e desagregação familiar. Veiculava-se o discurso de que a estratégia de subversão comunista passava pela destruição da família. Mas quem produzia e difundia esses textos? Quais argumentos e pressupostos estão presentes nesses documentos? Este artigo demonstra e discute como o tema da ameaça à família foi mobilizado por agentes repressivos a partir de preocupações com a subversão da juventude.

A menção ao discurso da defesa/ameaça à família é algo presente na farta historiografia sobre a ditadura no Brasil. Perpassa trabalhos sobre o anticomunismo (MOTTA, 2002MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964). São Paulo: Perspectiva, 2002.; RODEGHERO, 2002RODEGHERO, Carla Simone. Religião e patriotismo: o anticomunismo católico nos Estados Unidos e no Brasil nos anos da Guerra Fria. Tese (Doutorado em História), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2002.; SAMWAYS, 2014SAMWAYS, Daniel Trevisan. Inimigos imaginários, sentimentos reais: medo e paranóia no discurso anticomunista do Serviço Nacional de Informações (1970-1973). Tese (Doutorado em História), UFPR, Curitiba, 2014.), as marchas das mulheres (SIMÕES, 1985SIMÕES, Solange de D. Deus, Pátria e Família: as mulheres no golpe de 1964. São Paulo: Editora Vozes, 1985.; PRESOT, 2004PRESOT, Aline. Celebrando a revolução: as marchas da família com Deus pela liberdade e o golpe de 1964. In: ROLLEMBERG, Denise; QUADRAT, Samantha (org.). A construção social dos regimes autoritários: Brasil e América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.; SANTANA, 2009SANTANA, Ediane. Campanha de desestabilização de Jango: as ‘donas’ saem às ruas! In: ZACHARIADHES, Grimaldo C. (org.). Ditadura militar na Bahia: novos olhares, novos objetivos, novos horizontes [online]. Salvador: EDUFBA, 2009. v. 1.; PRESOT, 2010PRESOT, Aline. Celebrando a revolução: as marchas da família com Deus pela liberdade e o golpe de 1964. In: ROLLEMBERG, Denise; QUADRAT, Samantha (org.). A construção social dos regimes autoritários: Brasil e América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.; CORDEIRO, 2021), a disciplina Educação Moral e Cívica (FILGUEIRAS, 2006FILGUEIRAS, Juliana Miranda. A Educação Moral e Cívica e sua produção didática (1969-1993). Dissertação (Mestrado), PUCSP, São Paulo, 2006.), o AI-5 (LANGLAND, 2008LANGLAND, Victoria. Birth control pills and molotov cocktails. In: JOSEPH, Gilbert; SPENSER, Daniela. From the cold: Latin America’s new encounter with the Cold War. Durham, NC: Duke University Press, 2008.), a censura (FICO, 2002FICO, Carlos. “Prezada Censura”: cartas ao regime militar. Topoi, Rio de Janeiro, v. 5, p. 251-286, 2002. Disponível em: https://www.scielo.br/j/topoi/a/HK5PxXm9dSBk9NKvt7P9kJq/?lang=pt. Acesso em: 14 ago. 2023. Doi: https://doi.org/10.1590/2237-101X003005011.
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; MARCELINO, 2011MARCELINO, Douglas Attila. Subversivos e pornográficos: censura de livros e diversões públicas nos anos 1970. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional do Ministério da Justiça, 2011.; SETEMY, 2018SETEMY, Adrianna Cristina Lopes. Vigilantes da moral e dos bons costumes: condições sociais e culturais para a estruturação política da censura durante a ditadura militar. Topoi, Rio de Janeiro, v. 19, n. 37, p. 171-197, 2018. Doi: https://doi.org/10.1590/2237-101X01903708.
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), as batalhas de gênero e os escritos da Escola Superior de Guerra (DUARTE, 2011DUARTE, Ana Rita Fonteles. Homens e mulheres contra o inimigo: a mobilização do gênero pela ditadura militar brasileira (1964-1985). XXVI SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 2011. Disponível em: https://repositorio.ufc.br/handle/riufc/40826. Acesso em: 14 ago. 2023.
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; 2014DUARTE, Ana Rita Fonteles. Gênero e comportamento a serviço da Ditadura Militar: uma leitura dos escritos da Escola Superior de Guerra. Diálogos, v. 18, n. 1, p. 75-92, enero-abril, 2014. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/3055/305531755005.pdf. Acesso em: 14 ago. 2023. Doi: 10.4025/dialogos.v18i1.896.
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), o anticomunismo militar (SOUZA, 2009SOUZA, Sandra Regina Barbosa da Silva. Os sete matizes do rosa ou o mundo contaminado pela radiação comunista: homens vermelhos e inocentes úteis. Tese (Doutorado em História Social), Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009.), as crises militares (CHIRIO, 2012CHIRIO, Maud. A política nos quartéis: revoltas e protestos de oficiais na ditadura militar brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.), as homossexualidades (QUINALHA, 2021QUINALHA, Renan. Contra a moral e os bons costumes: a ditadura e a repressão à comunidade LGBT. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.), a subversão moral-sexual (COWAN, 2016COWAN, Benjamin. Securing sex: morality and repression in the making of cold war Brazil. North Carolina: The University of North Carolina Press, 2016.), a repressão às universidades (FARIA, 2017FARIA, Daniel. Paisagem de cacos e dores revoltadas: as marginalias da ditadura em livros de uma biblioteca universitária. Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 9, n. 21, p. 243‐289, 2017. Disponível em: https://revistas.udesc.br/index.php/tempo/article/view/2175180309212017243. Acesso em: 14 ago. 2023. Doi: https://doi.org/10.5965/2175180309212017243.
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; LIMA, 2017LIMA, Alexandre Siqueira. Primavera nos dentes: desbunde, anticomunismo e repressão na cidade em quadrinhos (1972-1973). Dissertação (Mestrado em História), Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2017.), o campo dos costumes (LONGUI, 2015LONGUI, Carla Reis. Cultura e Costumes: um campo em disputa. Antíteses, Londrina, v. 8, p. 197-218, 2015. Disponível em: https://ojs.uel.br/revistas/uel/index.php/antiteses/article/view/21084. Acesso em: 14 ago. 2023. Doi: https://doi.org/10.5433/1984-3356.2015v8n15p197.
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), a contracultura (KAMINSKI, 2016KAMINSKI, Leon Frederico. O movimento hippie nasceu em Moscou: imaginário anticomunista, contracultura e repressão no Brasil dos anos 1970. Antíteses, Londrina, v. 9, n. 18, p. 467-493, jul./dez. 2016. Disponível em: https://ojs.uel.br/revistas/uel/index.php/antiteses/article/view/21076. Acesso em: 14 ago. 2023. Doi: https://doi.org/10.5433/1984-3356.2016v9n18p437.
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), o pânico moral (SANTOS, 2021SANTOS, Hyago Átilla Sousa dos. O drama da princesa transviada: jornal A Ação, pânico moral e cartografias da identidade ameaçada em Crato (CE), 1965-1972. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2021.), os comportamentos e programas de TV inadequados para as crianças (RIOS, 2022RIOS, Valesca Gomes. Em busca do “sadio entretenimento”: o debate sobre o adequado para crianças e jovens brasileiros na televisão (1972-1988). Dissertação (Mestrado), UFC, 2021.), as comunidades de segurança e informações (FICO, 2001FICO, Carlos. Como eles agiam: os subterrâneos da Ditadura Militar: espionagem e polícia política. Rio de Janeiro: Record, 2001.), etc.

Não obstante a contribuição historiográfica dessa bibliografia, o tema se dilui nessas pesquisas. Os trabalhos não estiveram focados em demonstrar exaustivamente como a preocupação em torno da família pautou o discurso das “forças de segurança”. Essa é a principal razão acadêmica que justifica este artigo. Amparado em fontes de natureza repressiva, o objetivo é evidenciar a presença do argumento sobre o ataque à família e refletir sobre a questão, os argumentos elencados e as principais preocupações dos agentes. A mobilização desse tópico na cena contemporânea brasileira – especialmente nas eleições de 2022 com o lema “Deus, Pátria e Família” – por atores que disputaram projetos de poder acrescenta uma dimensão de presente que sedimenta a importância dessa reflexão.

Os acervos repressivos e o anticomunismo

Utilizando fundos documentais de natureza repressiva depositados no Arquivo Nacional Distrito Federal (ANDF), pesquisa desenvolvida desde 2016 evidencia a presença discursiva do perigo comunista como uma “ameaça à família”. De um lado, a seleção da documentação seguiu rastros de outras pesquisas tanto na análise de documentos específicos quanto na reflexão para a elaboração de palavras-chave, temas e questões mais gerais. Um desses trabalhos inspiradores foi a seção 2 do texto temático “Ditadura e homossexualidades” (BRASIL, 2014) presente no volume II do Relatório da Comissão Nacional da Verdade. Um dos documentos citados chamou nossa atenção pelo título: “MCI, tóxico e subversão”. Fizemos solicitação por e-mail e conseguimos uma cópia digital junto à Supervisão de Acesso e Difusão do Acervo (Sudac)/Coordenação-Geral Regional do Arquivo Nacional no DF (Coreg-ANDF) em dezembro de 2016. Esse e outros documentos já tinham sido mencionados por Benjamin Cowan (2015)COWAN, Benjamin. Homossexualidade, ideologia e “subversão” no regime militar. In: GREEN, James; QUINALHA, Renan (org.). Ditadura e homossexualidades: repressão, resistência e a busca da verdade. São Carlos: Ed. UFSCAR, 2015. em um capítulo que inspirou a elaboração temática do Relatório e foi posteriormente publicado na coletânea organizada por Quinalha e Green (2015)QUINALHA, Renan. Contra a moral e os bons costumes: a ditadura e a repressão à comunidade LGBT. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.. Após o contato com o texto da CNV, a leitura de Cowan também serviu de guia para pesquisar em 2017, no Arquivo Nacional DF, o documento intitulado “Infiltração subversiva no meio universitário em Brasília”. Convém sublinhar que os dois documentos veiculam preocupações em torno da família.

Por outro lado, apesar das dificuldades em decodificar as ferramentas de busca, foi possível viabilizar 37 documentos (totalizando 279 páginas) solicitados, digitalizados e enviados pela Sudac/Coreg-ANDF por e-mail em 17 de agosto de 2017. Essa foi a estratégia utilizada para penetrar minimamente naquele “mundo dos arquivos” (CATELA, 2002), ainda que não oriunda da experiência de abrir, fechar, descartar e aproveitar caixas, tampouco da sensação tátil de sentir a textura documental (FARGE, 2009FARGE, Arlette. O sabor do arquivo. São Paulo: Edusp, 2009 [1989].).

Procedimentos de busca à parte, esses documentos nasceram de agências repressivas a serviço do Estado e da ditadura – SNI, CIE, Cisa, Polícia Federal etc. Embora existam diferenças entre as agências, o material encontrado tem características semelhantes – documentação sigilosa de natureza anticomunista ou moralista, preocupada com a dimensão dos costumes e reiterativa a respeito da ameaça da família – e foi produzido a partir das turbulências de 1968 abarcando aquele contexto até a década de 1980. São fases diferentes da ação repressiva, mas persistentes no discurso do ataque à família. A documentação é descontínua. Não permite avaliar a rotina diária de produção dessas instâncias, seus métodos de trabalho, tampouco o conjunto documental produzido durante o tempo da ditadura por cada agência em escala nacional e regional.

Embora com descontinuidade, esses documentos podem ser interpretados como “testemunhos do funcionamento do órgão que os gerou”, o que “faz de cada informação e de cada documento parcelas dotadas de tempo e circunstância” (CAMARGO, 2002CAMARGO, Ana Maria de Almeida. Os arquivos da polícia política como fonte. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/1987404/mod_resource/content/1/ACamargo_Os_arquivos.pdf. Acesso em: 30 dez. 2019.
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, p. 8-9). Ainda inspirado na autora, eles provam “o relacionamento entre as partes envolvidas” – os órgãos e as autoridades – e rotinas de produção constante de papéis confidenciais. Alguns documentos dialogam entre si; outros apresentam anexos – matérias jornalísticas, catálogo de Editora, cópias de panfletos e texto – que supostamente “provariam” os argumentos. São documentos instaurados pela lógica do sigilo e geralmente identificados com essa palavra em forma de carimbo em maiúsculas em todas as folhas na parte superior das páginas com a mensagem “O destinatário é responsável pela manutenção do sigilo deste documento”. Apesar do carimbo secreto, alguns documentos e/ou o seu teor “vazavam” e vinham a público.

São discursos de homens do Estado embasados por uma concepção de autoridade que “é formada, irradiada, disseminada; é instrumental, é persuasiva; tem posição, estabelece padrões de gosto e valor”, bem como veicula “certas ideias que dignifica como verdadeiras, e (...) [reproduz] tradições, percepções e juízos” (SAID, 1990SAID, Edward W. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1990 [1978]., p. 31). Informados por essas noções, esses sujeitos se especializaram na construção de “um campo de produção e de circulação de mensagens relativamente autônomo” (FICO, 2001FICO, Carlos. Como eles agiam: os subterrâneos da Ditadura Militar: espionagem e polícia política. Rio de Janeiro: Record, 2001., p. 21) formado pelas instâncias repressivas. Produziram documentos que circularam no seu interior e entre outros campos envolvendo autoridades civis e militares. Essa comunicação constante “tinha muito de autoconvencimento por retroalimentação” (FICO, 2001FICO, Carlos. Como eles agiam: os subterrâneos da Ditadura Militar: espionagem e polícia política. Rio de Janeiro: Record, 2001., p. 100).

Não lidamos com fontes produzidas por detetives que “interpretam pistas, seguem fios condutores e montam um caso até chegar a uma convicção” (DARNTON, 2014DARNTON, Robert. Poesia e polícia: redes de comunicação na Paris do século XVIII. Tradução Rubens Figueiredo. São Paulo: Companhia das Letras, 2014 [2010]., p. 146). Muito pelo contrário. Os documentos partem de convicções anteriores à experiência: “a experiência concreta está aí para ilustrar uma verdade que se possui, não para ser investigada, de acordo com regras preestabelecidas, em vista de uma procura da verdade” (TODOROV, 1983TODOROV, Tzevetan. A conquista da América. A questão do outro. 2. ed. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1983 [1982]., p. 11). Nesse sentido, as fontes documentais veiculam verdades com V maiúsculo e convicções. A realidade está a serviço da tese.

É difícil reconstituir o mundo dos sujeitos por trás daquela papelada confidencial. Certamente existiam diferenças e conflitos, por exemplo, entre o SNI e o CIE – órgãos produtores de informações, mas oriundos de “instâncias diferentes” (FICO, 2007FICO, Carlos. Espionagem, polícia política, censura e propaganda: os pilares básicos da repressão. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília (orgs.). O Brasil Republicano: O tempo da ditadura - regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007., p. 199). Ainda assim, ambas as agências pautaram o discurso da ameaça à família com base em pressupostos e argumentos relativamente comuns. Essa produção textual constante nos papéis secretos – escrita repressiva – assentada na politização da moral justifica a generalização na abordagem das fontes presentes neste artigo. Muitos que produziam os documentos certamente se percebiam disputando na sociedade um projeto moral, enquanto outros apenas cumpriam tarefas corriqueiras. Provavelmente diversos sujeitos se mobilizavam pelo poder de ter “a capacidade ou a possibilidade de agir, de produzir efeitos” (STOPPINO, 1998STOPPINO, Mario. Poder. In: BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. 11. ed. Brasília: UnB, 1998 [1986]., p. 933), bem como o de acessar espaços na burocracia do Estado, recursos, prestígio, recompensas e reconhecimento. Os papéis foram produzidos por atores que ocupavam espaços e funções no aparelho de Estado – do chefe do SNI ao delegado, passando pelo agente infiltrado – e concentram recursos combinados e desiguais de poder.

Visavam “mostrar serviço”, convencer, reforçar sentimentos de identidade e justificar a luta contra a subversão moral enquanto um dos objetivos explícitos do golpe, qual seja, a “reconstrução moral da nação”: “para aqueles vinculados à área de informações, era de fato um projeto de maior alcance que se impunha atemporalmente e que acreditava que, via controle policial e militar, a sociedade poderia ser moldada de uma forma estática e desideologizada” (D’ARAÚJO, 1994D’ARAÚJO, Maria Celina et al. Os anos de chumbo: a memória militar sobre a repressão. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994., p. 24). Almejavam também municiar o Estado de informações e justificar uma narrativa legitimadora da repressão, e “uma das tópicas dessa narrativa desenvolvia a tese de que a “crise moral” era fomentada pelo “movimento comunista internacional” com o propósito de abalar os fundamentos da família, desencaminhar os jovens e disseminar maus hábitos – sendo, dessa maneira, a antessala da subversão” (FICO, 2002FICO, Carlos. “Prezada Censura”: cartas ao regime militar. Topoi, Rio de Janeiro, v. 5, p. 251-286, 2002. Disponível em: https://www.scielo.br/j/topoi/a/HK5PxXm9dSBk9NKvt7P9kJq/?lang=pt. Acesso em: 14 ago. 2023. Doi: https://doi.org/10.1590/2237-101X003005011.
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, p. 260).

Mobilizaram-se em torno de dogmas do anticomunismo construídos desde o século XIX – especialmente 1849 e 1871 com a Comuna de Paris (MOREIRA, 2023, p. 18) –, ativado após a Revolução Russa e os levantes armados de 1935 (MOTTA, 2002MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964). São Paulo: Perspectiva, 2002.) e atualizado durante a ditadura. Tomando de empréstimo as noções elaboradas por Baczko (1985)BACZKO, Bronislaw. Imaginação social. In: ROMANO, Ruggiero (org.). Enciclopédia Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional, 1984. v. 5, Antropos-Homem. sobre imaginário, esse grupo estigmatizava os comunistas, agia como o guardião da ortodoxia, elaborava e difundia representações anticomunistas, apresentava conflitos reais ou imaginários, fazia disputa de ideias e instigava à ação. Buscaram uma nação depurada da cor vermelha – que parecia a cor mais quente da Guerra Fria, do desvio e do perigo. Ativando o anticomunismo, imaginavam-se como os defensores e representantes da nação destituída dos seus inimigos (ANDERSON, 2008ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008 [1983].).

Essas comunidades se aproximam da “linha dura” – uma das correntes militares, cuja origem remonta a oficiais que, no imediato pós-golpe e ao longo da ditadura, defenderam uma postura de intolerância radical em relação aos oposicionistas. “Foi, de início, um grupo de pressão, que reclamava meios e modos para a tarefa de punição. Com a obtenção de tais instrumentos (sobretudo a partir do AI-2 e do AI-5, notadamente deste último), transformou-se em “comunidade” ou “sistema” de segurança” (FICO, 2007FICO, Carlos. Espionagem, polícia política, censura e propaganda: os pilares básicos da repressão. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília (orgs.). O Brasil Republicano: O tempo da ditadura - regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007., p. 174). Se percebiam no lugar de vigilantes do sistema e gestores da ordem: reivindicavam a “ortodoxia”, a pureza dos ideais, as demandas da “revolução de 1964”, a doutrina de segurança nacional e a intransigência na luta anticomunista (COMBLIN, 1978COMBLIN, Padre Joseph. A ideologia da Segurança Nacional. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978., p. 160). Por essa razão, buscaram a “desmoralização dos ideais comunistas” ressaltando “para a população que o comunismo sintetizava tudo o que poderia ser entendido por antinacional, antiesperança, antifamília” (REZENDE, 2001REZENDE, Maria José de. A ditadura militar no Brasil: repressão e pretensão de legitimidade 1964-1984. Londrina: UEL, 2001., p. 55).

Esse mosaico de ideias reverberou em “barricadas morais” (RUBIN, 1992RUBIN, Gayle. Pensando o sexo: notas para uma teoria radical das políticas da sexualidade. 2012 [1984]. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/1582/gaylerubin.pdf?sequence. Acesso em: 14 ago. 2023.
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), levantadas em meio a ansiedades e pânicos diante das diferentes práticas de questionamento juvenil à ordem social que tiveram mais visibilidade a partir dos anos 1960 e atravessaram a ditadura. Em sentido amplo e nas escalas local, nacional e transnacional, os “longos anos 1960” (WESTAD, 2018WESTAD, Odd Arne. Was there a “global 1968”? In: CHEN, Jian; KLIMKE, Martin; KIRASIROVA, Masha; NOLAN, Mary; YOUNG, Marilyn; WALEY-COHEN, Joanna. The Routledge handbook of the global sixties: between protest and nation-building. Abingdon, UK; New York, NY: Routledge, 2018.) na dimensão comportamental das camadas médias urbanas juvenis foram recheados de barbas, cabelos longos, guitarras distorcidas, alucinógenos, psicodelia, ocupação de universidades, minissaia, rebeldia rocker, busca da autonomia juvenil, questionamento às autoridades e instituições, novos corpos, indumentárias e identidades jovens, etc. Por essa razão, muitas vezes os papéis secretos parecem ecoar “o contraste entre as constantes mudanças e inovações do mundo moderno e a tentativa [dos agentes repressivos] de estruturar de maneira imutável e invariável ao menos de alguns aspectos da vida social” (HOBSBAWM, 1997HOBSBAWM, E. Introdução: a invenção das tradições. In: HOBSBAWM, E.; RANGER, T. (org.). A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997 [1983]., p. 10).

Os contrastes, receios e representações presentes nos papéis secretos veiculam conteúdo anticomunista para retroalimentar convicções, teorias da conspiração e alimentar a ação antissubversiva numa linguagem carregada de mitos, a exemplo do complô comunista (GIRARDET, 1987GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. São Paulo: Companhia das Letras, 1987 [1986].). Esses homens lidavam com um “inimigo (...) [que era] apresentado, cotidianamente, como dotado de uma força demoníaca” (MAGALHÃES, 1997MAGALHÃES, Marionilde Brepohl de. A lógica da suspeição: sobre os aparelhos repressivos à época da ditadura militar no Brasil. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 7, n. 34, p. 203-220, 1997. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbh/a/jhG4q3jQsNw7ytcH53C4X6j/. Acesso em: 14 ago. 2023. Doi: https://doi.org/10.1590/S0102-01881997000200011.
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, p. 5). Por essas razões, é difícil não olhar para essas fontes como delírio e/ou mera instrumentalização política.

Entretanto, Motta (2002, p. 280)MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964). São Paulo: Perspectiva, 2002. alerta que o anticomunismo não deve ser lido como “mero pretexto”. Gilberto Velho (1999)VELHO, Gilberto. Individualismo e cultura: notas para uma antropologia da sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Zahar, 1999. também recomenda cautela para evitar uma excessiva racionalização que ignore que os sistemas de acusação lidam “com emoções e não apenas com interesses claros e objetivos”. Velho (1999, p. 58)VELHO, Gilberto. Individualismo e cultura: notas para uma antropologia da sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Zahar, 1999. afirma que “os atores envolvidos, socializados e participantes de determinado código cultural acreditam e vivem uma escala de valores, uma visão de mundo e um ethos particulares. Portanto suas motivações não são apenas a manutenção de posições privilegiadas, a manipulação e exercício de poder”. O autor conclui que se trata da defesa também de “um estilo de vida internalizado”.

A família sob permanente ameaça: do golpe ao AI-5

O anticomunismo e uma moralidade tradicional estruturariam esse estilo. Vistos pelos religiosos como “adversários irreconciliáveis da moralidade cristã tradicional”, os comunistas “desejariam destruir o pilar básico do edifício cristão, a família, que constituía a base da instituição religiosa e da própria sociedade” (MOTTA, 2002MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964). São Paulo: Perspectiva, 2002., p. 62). Já a moralidade tradicional tem como um dos pilares o argumento de defesa da família, a partir de uma idealização dificilmente alcançável por parcelas consideráveis da população.

A retórica da defesa da família tradicional já havia sido ativada no contexto do golpe. Simões (1985, p. 19)SIMÕES, Solange de D. Deus, Pátria e Família: as mulheres no golpe de 1964. São Paulo: Editora Vozes, 1985. sublinha que, “num país de tradição católica como o Brasil, a posição da igreja em relação ao papel da mulher na família e na sociedade teve um peso ideológico inegável”. A autora explica que o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (Ipes) buscou mobilizar politicamente as camadas médias contra o “comunismo ateu (...) que separaria os filhos dos pais, destruindo a família”. Para tanto, acreditou no poder arregimentador dos “valores internalizados na população através do uso exaustivo das interpelações Deus, Pátria e Família” (SIMÕES, 1985SIMÕES, Solange de D. Deus, Pátria e Família: as mulheres no golpe de 1964. São Paulo: Editora Vozes, 1985., p. 36-37). Ressalta ainda que “ao se lançar na esfera pública, aquelas mulheres não negavam o lar”. Longe disso: “afirmavam ser os ambientes privados os preferidos de sua atuação”. A “decisão de os trocar pelas praças públicas [seria uma] (...) consequência da necessidade de defender a família, as tradições, a religião e a pátria contra um ‘iminente golpe comunista’” (SIMÕES, 1985SIMÕES, Solange de D. Deus, Pátria e Família: as mulheres no golpe de 1964. São Paulo: Editora Vozes, 1985., p. 41).

Esse discurso alimentou a marcha em São Paulo antes da queda de Goulart e as marchas em apoio ao golpe. Aline Presot mapeou 69 marchas realizadas entre março e junho oferecendo “a percepção de todo um leque de imagens ligadas a um universo de temas como família, pátria, moral, ordem, religiosidade, inscritas num código de saberes compartilhados” (PRESOT, 2010PRESOT, Aline. Celebrando a revolução: as marchas da família com Deus pela liberdade e o golpe de 1964. In: ROLLEMBERG, Denise; QUADRAT, Samantha (org.). A construção social dos regimes autoritários: Brasil e América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010., p. 88). Ideias de família, tradição e papéis de gênero alimentaram as mobilizações e ampararam a expectativa de uma vaga moralidade a ser almejada pela ditadura.

Essa vaga moralidade foi um dos elementos agenciados pela ditadura para reagir ao movimento estudantil – principal expressão reivindicatória de jovens e o setor organizado mais ativo e com ampla base social na contestação à ordem autoritária no período. Como se sabe, após um período de desarticulação com o golpe de 1964, o ME se reorganizou a partir de 1965 sob orientação de setores ligados à esquerda (MARTINS FILHO, 1987MARTINS FILHO, João Roberto. Movimento estudantil e ditadura militar no Brasil: 1964-1968. Campinas: Papirus, 1987.). Diversas lutas foram desenvolvidas entre 1966 e 1967. Até que as mobilizações estudantis ganharam envergadura nacional a partir da morte do estudante Edson Luís, no Rio de janeiro, em 28 de março de 1968 – antes do estopim do maio francês. A ação repressiva gerou indignação. O calendário da resistência incluiu “26 grandes passeatas em 15 capitais”; em junho houve “16 passeatas em 07 capitais”, incluindo a passeata dos cem mil no Rio de Janeiro (MARTINS FILHO, 1998MARTINS FILHO, João Roberto. Os estudantes nas ruas, de Goulart a Collor. In: MARTINS FILHO, João Roberto (org.). 1968 faz 30 anos. Campinas/São Paulo/São Carlos: Mercado de Letras/Fapesp/Editora da Universidade de São Carlos, 1998., p. 18). Impactados pelo clima de “agitação cultural-revolucionária” do período (RIDENTI, 1993RIDENTI, Marcelo. O fantasma da revolução brasileira. São Paulo: Unesp, 1993.), os protestos estudantis ampliaram o enraizamento do movimento estudantil, despertaram a solidariedade de artistas, intelectuais, jornalistas, mães e pais de alunos e setores da igreja católica.

Sem desconsiderar as singularidades da conjuntura nacional, a reação estudantil contra a violência policial no Brasil e a resistência mais ampla à ditadura emergiram em um contexto macro de contestação no plano dos costumes. A reação militar conservadora e anticomunista não tardou. No caso do Brasil, de acordo com Chirio (2012, p. 121)CHIRIO, Maud. A política nos quartéis: revoltas e protestos de oficiais na ditadura militar brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 2012., “temas de destruição da família, da derrubada da moral e dos estragos provocados pelo materialismo ateu não eram, até 1968, centrais nas declarações públicas de militares, [mas] eles se tornam nesse momento as provas obsessivas do progresso da subversão”.

A violência policial nas ruas veio acompanhada de batalha linguística. E a politização da sexualidade e da moral foi pólvora na luta discursiva. O Presidente Marechal Costa e Silva comentou estarrecido sobre uma ocupação estudantil em Brasília transformada em um “lupanar” (ATA CSN, 16/07/1968, p. 29). No caso de grandes revistas, Victoria Langland (2008)LANGLAND, Victoria. Birth control pills and molotov cocktails. In: JOSEPH, Gilbert; SPENSER, Daniela. From the cold: Latin America’s new encounter with the Cold War. Durham, NC: Duke University Press, 2008. constatou que, após a morte de Edson Luís, imagens de mulheres armadas e sexualmente provocativas emergiram em revistas de classe média, como a Manchete e a Realidade.

Em matéria do Jornal do Brasil, o general Albuquerque Lima afirmou que havia um “plano comunista mundial para acabar com as Forças Armadas, depois com a Igreja (...) e, finalmente, com a moral e a família”. Ainda de acordo com o Jornal, o Ministro do Interior acusou padres e freiras que “despertam sentimento sexual nas moças (...) para (...) desagregar a família” (ALBUQUERQUE..., 1968ALBUQUERQUE acusa freiras e padres de desagregarem a família falando de sexo. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 16 out. 1968, Caderno 1, p. 4., p. 4). A acusação do militar é ilustrativa dos conflitos entre setores da Igreja e Estado durante a ditadura, especialmente em 1968. E “a igreja sofreu constantes ataques verbais de autoridades do regime, que iam desde reclamações contra suas atividades políticas [– de apoio à luta estudantil contra a violência policial, por exemplo –] até acusações de imoralidade sexual” (SERBIN, 2001, p. 109).

Também no segundo semestre de 1968, a Universidade de Brasília (UnB) foi depreciada e associada a um território de subversão moral e política. O Globo denunciou que “os apartamentos ocupados por universitários no “campus” são palco de verdadeiras libações e bacanais”. A residência de docentes era transformada em “bordéis onde praticam toda sorte de desatinos, inclusive violências sexuais contra moças, tudo isso lado a lado com uma pregação subversiva” (ORGIA..., 1968ORGIA, subversão e terror degradam a UnB. O Globo. Rio de Janeiro, p. 16, 26 set. 1968., p. 16). A universidade já tinha sido invadida em 1964. De acordo com Pitts (2014, p. 49), “a localização da UnB no centro do poder político [a apenas 3km do Congresso] e a sua abordagem heterodoxa da educação colocaram-na sob a mira do regime”. Em 1968, voltou a ser palco de uma ocupação militar após a morte de Edson Luís. Em junho, outros conflitos. E em agosto outro incidente que deu novos capítulos à crise política nacional e esteve conectado com o AI-5 (VALLE, 2018, p. 87; PITTS, 2014). Um fragmento é ilustrativo da truculência policial irradiada para setores que não eram tradicionalmente atingidos: “O deputado José Santilli Sobrinho (MDB-SP) correu para a UnB com o filho para achar sua filha e levá-la para casa. Quando saíram do carro, a polícia os cercou e começou a bater no filho do deputado com um cassetete”. O parlamentar “tentou intervir, mostrando sua identificação congressual e gritando que era deputado, mas a polícia arrancou o documento da sua mão e começou a bater nele também” (PITTS, 2014, p. 50).

Além de eventos que canalizaram intensa violência, ansiedade sexual e política na conjuntura (LANGLAND, 2008LANGLAND, Victoria. Birth control pills and molotov cocktails. In: JOSEPH, Gilbert; SPENSER, Daniela. From the cold: Latin America’s new encounter with the Cold War. Durham, NC: Duke University Press, 2008.), a cena de 1968 no Brasil foi marcada pela radicalização em outros campos e sucessivas crises na caserna (MARTINS FILHO, 1993MARTINS FILHO, João Roberto. Os estudantes nas ruas, de Goulart a Collor. In: MARTINS FILHO, João Roberto (org.). 1968 faz 30 anos. Campinas/São Paulo/São Carlos: Mercado de Letras/Fapesp/Editora da Universidade de São Carlos, 1998.). Vale salientar que o 30º Congresso da UNE em Ibiúna foi desbaratado pelo Estado e os estudantes, presos. O desfecho de 1968 trouxe um baixo astral para a oposição à ditadura. O AI-5 radicalizou o ciclo de intolerância à oposição. Novas medidas ampliaram uma legislação repressiva que fez o movimento estudantil massivo desaparecer da cena pública em 1969.

A base estudantil organizada e de massas entrou em refluxo, mas a politização do sexo e do discurso da ameaça da família continuou por agentes do Estado visando desqualificar a oposição juvenil à ditadura. Dias depois do Ato 5, os militares expuseram materiais supostamente apreendidos em reuniões estudantis e em um dormitório de residência universitária da USP. Entre os botins supostamente encontrados, estariam literatura comunista, coquetéis molotovs e caixas de pílulas anticoncepcionais. O CRUSP foi interpretado enquanto um “quartel-general da subversão” com “moças e rapazes vivendo em promiscuidade” (AN-COREG, 1970ARQUIVO NACIONAL, COORDENAÇÃO REGIONAL DO DISTRITO FEDERAL (AN-COREG). Agência Regional de São Paulo, Informação n. 114/SNI/ASP/1970. Brasília, DF: AN-Coreg/Fundo SNI, 1970., p. 1). O uso político do sexo nutriu o discurso de muitos membros das forças repressivas que ressaltavam a promiscuidade dos ativistas estudantis, interpretada como resultado dos protestos protagonizados por jovens em diversas partes do mundo.

Reações hostis a novos comportamentos juvenis não era monopólio das forças repressivas nacionais (MANZANO, 2005MANZANO, Valeria. Sexualizing youth: morality campaigns and representations of youth in early 1960s Buenos Aires. Journal of the History of Sexuality, Austin, TX, v. 14, n. 4, p. 433-461, Oct. 2005. Doi: https://doi.org/10.1353/sex.2006.0041.
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; KURI, 2010KURI, Ariel. O lado escuro da lua: o momento conservador em 1968. In: ROLLEMBERG, Denise; QUADRAT, Samantha (org.). A construção social dos regimes autoritários: Brasil e América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.). Essa visão conspiratória (LANGLAND, 2018LANGLAND, Victoria. Transnational connections of the global sixties as seen by a historian of Brazil. In: CHEN, Jian; KLIMKE, Martin; KIRASIROVA, Masha; NOLAN, Mary; YOUNG, Marilyn; WALEY-COHEN, Joanna. The Routledge handbook of the global sixties: between protest and nation-building. Abingdon, UK; New York, NY: Routledge, 2018.) creditava ao movimento comunista internacional a estratégia revolucionária de minar as bases das tradições sociais, culturais e religiosas da sociedade brasileira, visando a dominação comunista. Afinal, a “Guerra Fria no Brasil [e no mundo] foi marcada por profundas batalhas pelo gênero” (LANGLAND, 2008LANGLAND, Victoria. Birth control pills and molotov cocktails. In: JOSEPH, Gilbert; SPENSER, Daniela. From the cold: Latin America’s new encounter with the Cold War. Durham, NC: Duke University Press, 2008., p. 309). Vale reiterar que uma das trincheiras esteve na percepção de uma crise moral.

A sensação de crise alimentou a retomada da disciplina “Educação Moral e Cívica” (EMC) em 1969 como antídoto ao “credo vermelho”, como defendia o general Moacir Lopes – defensor da criação da disciplina EMC vinculada aos valores religiosos, antissubverssivos e vinculados à Doutrina de Segurança Nacional (DSN) (FILGUEIRAS, 2006FILGUEIRAS, Juliana Miranda. A Educação Moral e Cívica e sua produção didática (1969-1993). Dissertação (Mestrado), PUCSP, São Paulo, 2006., p. 43). O pós AI-5 aumentou a pressão junto aos setores resistentes à disciplina. Após novas exonerações, em 1969 o Conselho Federal de Educação (CFE) aprovou sua criação (FILGUEIRAS, 2006FILGUEIRAS, Juliana Miranda. A Educação Moral e Cívica e sua produção didática (1969-1993). Dissertação (Mestrado), PUCSP, São Paulo, 2006.). Foi a aprovação de uma medida fundamentada na preocupação com a moral, a juventude e o fortalecimento da família.

O pós AI-5 e as novas ameaças

Desarticulado o movimento estudantil de massas e ampliado o cerco repressivo ao protesto político, algumas frações de jovens migraram para as organizações de esquerda armada (RIDENTI, 1993RIDENTI, Marcelo. O fantasma da revolução brasileira. São Paulo: Unesp, 1993.). O AI-5, o Decreto nº 477 – também chamado do AI-5 da educação – e a criação da Operação Bandeirantes em junho de 1969 são alguns dos exemplos que já demonstravam o quanto a ditadura vinha acentuando a intolerância com a oposição – armada ou não. O período Médici (1969-1974) foi acentuadamente repressivo. A reação da ditadura às organizações de esquerda combinou repressão militar direta numa lógica de terrorismo de Estado (PADRÓS, 2005) com reformulação dos órgãos de informações (FICO, 2007FICO, Carlos. Espionagem, polícia política, censura e propaganda: os pilares básicos da repressão. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília (orgs.). O Brasil Republicano: O tempo da ditadura - regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007., p. 178).

A expansão da economia no período com os primeiros sinais do “milagre econômico” e a construção do clima de ufanismo contribuíam para o discurso de legitimidade do regime ditatorial e do isolamento das oposições. Além disso, a propaganda anticomunista militar foi atualizada para enfrentar as mutações do inimigo. Em 1970, já em um contexto de fechamento radical da ditadura, o general Murici se referiu ao engajamento de jovens nas organizações de esquerda: “o estudante se afasta, via de regra, dos estudos, da vida familiar. Entra a conviver com desconhecidos, vive como pária, na maior promiscuidade (vide o Congresso de Ibiúna e o que lá ocorreu)”. Para ele, “a partir daí, a moça afasta-se do ambiente do lar e não tem mais como voltar”. Afirmou ainda que “várias [moças] apresentam doenças venéreas e algumas aparecem grávidas” (MURICI..., 1970MURICI aponta aliciamento de jovens para o terror. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, p. 5, 19-20 jul. 1970, 1º Caderno., p. 5).

De acordo com Serbin (2001, p. 182), “Muricy usava seu poder e a imprensa para expor os perigos da influência da esquerda entre os estudantes, que proporcionavam à guerrilha grande número de recrutas”. Para o militar, “a ruptura de valores tradicionais entre os estudantes influenciados por ídolos e ideias radicais era típica dos efeitos psicológicos da guerra revolucionária e ameaçava a segurança nacional” (SERBIN, 2001, p. 183). Por essa razão, Muricy mobilizou representações de natureza moral, sexual e de gênero para politizar a questão da família, desqualificar a esquerda e a participação juvenil. O núcleo do argumento residia na estrutura familiar. O militar organizou três pesquisas com jovens presos políticos entre 1969-1971. Tendo em vista o suposto desajuste familiar – pais separados, crises de relacionamento – nas trajetórias pessoais, questionavam-se os porquês de os filhos da classe média contestarem a ditadura. A pesquisa reiterava o discurso das forças repressivas a respeito do papel do lar como “a melhor trincheira contra os desvios da moral e da conduta social” (COIMBRA, 1997COIMBRA, Cecilia. Algumas práticas “psi” no Brasil do “milagre”. In: FREIRE, Alípio; ALMADA, Izaías; PONCE, J. A. de Granville (org.). Tiradentes, um presídio da ditadura: memórias de presos políticos. São Paulo: Scipione, 1997., p. 433).

Essa problemática mobilizou outros militares. Em 1972, o brigadeiro Agemar Santos sublinhou que a infiltração comunista visava a “dissolução da família” (II EXÉRCITO..., 1972II EXÉRCITO homenageia FAB com alerta contra o inimigo. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, p. 3, 21 out. 1972., p. 3). O general Ferdinando de Carvalho também veiculou representações anticomunistas com esse teor (CARVALHO, 1977; SOUZA, 2009SOUZA, Sandra Regina Barbosa da Silva. Os sete matizes do rosa ou o mundo contaminado pela radiação comunista: homens vermelhos e inocentes úteis. Tese (Doutorado em História Social), Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009.). Em Brasil sempre, outro militar reiterou representações psicologizantes sobre os militantes e suas famílias afirmando que, “sem exceções, são pessoas oriundas de lares instáveis ou desfeitos, com problemas de ordem psicológica e formativa, completamente desajustados” (GIORDANI, 1986, p. 101).

As peças produzidas pela operação policial de combate à “infiltração subversiva” na residência estudantil da UnB também acionaram esse repertório “em defesa da família”. Lemos o documento em 2017 a partir de Cowan (2015). O Relatório da Comissão da Verdade UnB (2016) investigou o acontecimento, bem como Lima (2017) analisou a natureza e os significados da operação. O relatório da operação afirma que um dos estudantes, “como quase todos os interrogados, estava afastado da família” (p. 5). Outro estudante “é um elemento que vive problemas de família” (AN-COREG, 1973aARQUIVO NACIONAL, COORDENAÇÃO REGIONAL DO DISTRITO FEDERAL (AN-COREG). BR_AN_BSB_ AA1_ROS_033. Brasília, DF: AN-Coreg, 1973a., p. 22). Ao longo das páginas, é possível mapear o tema da família como ausência para explicar a trajetória de estudantes que sofreram desvio para a subversão; e como solução para o problema da subversão comunista.

Uma temática frequente na escrita repressiva sobre a desagregação da família diz respeito à suspeição em relação aos meios de comunicação. O papel social daqueles instrumentos de largo alcance foi fator de ansiedade nos anos da ditadura. Segundo Ortiz (1995, p. 58), “a televisão se concretiza como veículo de massa em meados de 60”. Já “em 1970 existiam 4 milhões 259 mil domicílios com aparelhos de televisão (...); em 1982 este número passa para 15 milhões 855 mil, o que corresponde a 73% do total de domicílios existentes”. Além disso, “o hábito de assistir televisão se consolida definitivamente e se dissemina por todas as classes sociais (ORTIZ, 1995, p. 130). Ressalte-se que o contexto sinalizou também um “avanço da publicidade; em grande parte, é através dela que todo o complexo de comunicação se mantém” (ORTIZ, 1995, p. 130). Continua o autor que, se em 1964 o investimento em propaganda representava 0,80% do PIB, em 1976 o índice subiu para 1,28%.

Essa diversidade de programação televisiva trouxe conteúdos envolvendo

desde a reiteração da desejável separação entre atividade sexual e atividade reprodutiva, passando pelo culto à juventude e à beleza corporal, até a divulgação da família pequena, igualitária e consumista como padrão “normal” de organização familiar, transformando normas e valores em esferas comportamentais diretamente pertinentes à fecundidade e seu controle, independentemente da intenção controlista ou não dessas mensagens

(FARIA, 1989FARIA, Vilmar E. Políticas de governo e regulação da fecundidade: conseqüências não antecipadas e efeitos perversos. Ciências Sociais Hoje, São Paulo, Vértice/Anpocs, p. 62-103, 1989., p. 87).

A percepção sobre o alcance, a interrogação sobre o papel e a reflexão sobre a influência social dos meios de comunicação estiveram na agenda de acadêmicos, da esquerda, da Igreja, da Escola Superior de Guerra (ESG) e dos militares (DUARTE, 2016DUARTE, Ana Rita Fonteles. Meios de comunicação, segurança nacional e a defesa da “moral e bons costumes”: uma análise de escritos da Escola Superior de Guerra (1964-1985). Embornal, Fortaleza, v. vi, n. 13, p. 7-21, jan.-jun. 2016. Disponível em: https://eventos.udesc.br/ocs/index.php/STPII/IIISIHTP/paper/. Acesso em: 14 ago. 2023.
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). Investigando o Manual Básico da ESG, Duarte (2016, p. 9)DUARTE, Ana Rita Fonteles. Meios de comunicação, segurança nacional e a defesa da “moral e bons costumes”: uma análise de escritos da Escola Superior de Guerra (1964-1985). Embornal, Fortaleza, v. vi, n. 13, p. 7-21, jan.-jun. 2016. Disponível em: https://eventos.udesc.br/ocs/index.php/STPII/IIISIHTP/paper/. Acesso em: 14 ago. 2023.
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afirma que “seria necessário conhecer traços e padrões culturais, a fim de que através da comunicação social se conseguisse desencadear mensagens que conscientizassem sobre a importância das necessidades da nação”. No caso militar, a percepção da expansão da TV na vida social esteve moldada pelo projeto da utopia autoritária (D´ARAÚJO, 1994D’ARAÚJO, Maria Celina et al. Os anos de chumbo: a memória militar sobre a repressão. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.) que passava por censura, ampla pedagogia, afirmação de valores como “solidariedade, amor e participação em plena ditadura” e ensino do Brasil ao povo, protegendo-o da demagogia e corrupção dos políticos e eliminando dissensões (FICO, 2007FICO, Carlos. Espionagem, polícia política, censura e propaganda: os pilares básicos da repressão. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília (orgs.). O Brasil Republicano: O tempo da ditadura - regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007., p. 197).

Durante o governo Geisel (1974-1979), a repressão ao dissenso resultou em “39 opositores desaparecidos e 42 mortos pela repressão3 3 Dados importantes, mas inferiores à violência ditatorial, pois amparados numa narrativa que considera como alvo apenas os sujeitos tradicionais da oposição política. Pires (2016, p. 1076) ressalta a importância de desenvolver um “olhar racializado para as violências perpetradas nesse período”. Pedretti (2014) também critica os critérios que têm definido narrativas sobre crime político e “vítimas” durante a ditadura, invisibilizando sujeitos e práticas violentas reproduzidas durante a época. Acrescentem-se novos dados com a ampliação dos sujeitos que foram alvos da violência ditatorial, a exemplo de camponeses, indígenas, população LGBTQIA+ etc. . A censura à imprensa, às artes e às diversões foi amplamente utilizada, abrandando-se somente em meados de 1976; o Congresso foi fechado durante 15 dias” (NAPOLITANO, 2014, p. 234). Tudo isso combinado com períodos de liberalização e plano de distensão. Por exemplo, “o austero Ernesto Geisel não favoreceu a família nas formas tradicionais conservadoras, uma vez que não ofereceu obstáculos à aprovação da lei do divórcio [em 1977] no Brasil” (ALMEIDA, 2010ALMEIDA, Maria Isabel de Moura. Rompendo os vínculos, os caminhos do divórcio no Brasil: 1951-1977. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Goiás, Faculdade de História, 2010., p. 163). E o contexto amplo ensejou resistências de organismos repressivos receosos de perderem força política, prestígio, gratificações econômicas e imunidade na prática dos crimes contra opositores (MATTOS; SWENSSON JR., 2003, p. 73).

A reação dessas comunidades atualizou o perigo comunista e a necessidade de interditar temas políticos e morais espinhosos. De modo mais amplo, o período foi fértil para a sensação de ameaça moral. Por exemplo, Fico (2001, p. 277)FICO, Carlos. Como eles agiam: os subterrâneos da Ditadura Militar: espionagem e polícia política. Rio de Janeiro: Record, 2001. afirma que “a maior parte das cartas [enviadas por pessoas comuns à DCDP demandando mais censura moral] concentra-se entre os anos de 1976 e 1980, portanto, após a posse do governo da ‘abertura política’ de Ernesto Geisel, adentrando o de João Figueiredo”. O autor acrescenta que “a maior porcentagem de peças teatrais censuradas, dentre as submetidas à análise da DCDP, foi registrada em 1978 (quase 3%). Quanto aos filmes, o maior índice verificou-se em 1980”.

Um exemplo reiterativo da suposta ameaça moral à família – foco deste artigo – amparada na desconfiança em relação à TV é um boletim disseminado em 1980 pela agência do SNI de Porto Alegre, indicando que “determinados segmentos dos Meios de Comunicação Social continuam a abalar a estrutura da sociedade local, através da imposição de valores que contradizem os padrões tradicionais”. O documento postulava que “os valores morais são os mais atingidos atualmente, com reflexos na formação do jovem e da própria família, célula básica da Sociedade (AN-COREG, 1980bARQUIVO NACIONAL, COORDENAÇÃO REGIONAL DO DISTRITO FEDERAL (AN-COREG). APA_ACE_1825_80. Serviço Nacional de Informações. Agência de Porto Alegre. Brasília, DF: AN-Coreg/Fundo SNI, 1980b., p. 2).

A mesma chave de leitura orientava o CIE em 1981. Um relatório da agência afirmava que o uso dos meios de comunicação de massa através de propaganda intensa visava criar “um clima favorável à desmoralização dos valores tradicionais da nacionalidade”. O documento postulava que o MCI apostava na guerra psicológica, pois o contexto não seria favorável à ação política violenta. Um dos veículos criticados era a Rede Globo que, através das telenovelas dominadas por “comunistas notórios”, vem “se transformando no principal instrumento do Movimento Comunista Brasileiro (MCB), no afã de destruir os valores mais sagrados da família brasileira, instilando de maneira insidiosa, os ‘NOVOS VALORES’ da sociedade, com relativo sucesso”. Observando os enredos das novelas, Faria (1989, p. 87) afirma que, “apesar da censura, temas como relações sexuais fora do casamento, tamanho e estrutura da família e sua estabilidade passaram a ser tratados de forma cada vez menos tradicional”. E muitos – como os autores do documento – enfatizavam o papel da TV na deformação das consciências do público.

A crítica era direcionada a novelas acusadas de veicular “endeusamento do adultério, do homossexualismo, da promiscuidade e da corrupção” e reproduzir o “aviltamento do sexo e da instituição do casamento”. A semântica política em torno da família emergia associada ao campo dos costumes: “crimes e taras de toda a natureza, como: estupro, masturbação, lesbianismo, toxicomania, são apresentados com naturalidade, como se fossem fatos normais e corriqueiros de nossa sociedade, em proporções tais que a família tradicional, seja considerada a exceção” (AN-COREG, 1981bARQUIVO NACIONAL, COORDENAÇÃO REGIONAL DO DISTRITO FEDERAL (AN-COREG). AC_ACE_16587_81. Centro de Informações do Exército. Brasília, DF: AN-Coreg, 1981b., p. 5-6). Novamente, a mobilização do discurso era atravessada por noções tradicionais de gênero, controle da sexualidade e proibicionismo (CARNEIRO, 2018CARNEIRO, Henrique. Drogas: a história do proibicionismo. São Paulo: Autonomia Literária, 2018.). Tudo associado a crime e pareado com estupro.

De acordo com o documento, esses dados negativos impactavam “no seio da família brasileira”, por todos os veículos junto a diversos setores, inclusive “a juventude desprevenida e até a infância”, [que] são atingidas inexoravelmente, em face da pertinência dessa agressão diária, quase que incontrolável, em todos os lares do país”. Outra fonte acentuava o receio com os adolescentes, já que “mensagens [de liberdade sexual] estão impregnando os programas televisivos, a literatura, os filmes cinematográficos e outros veículos que chegam aos adolescentes, cativando-os como seguidores e praticantes do amor-livre, olvidando totalmente a estrutura familiar”. Um dos pressupostos dos documentos é considerar os jovens, as crianças e os adolescentes como mais vulneráveis às mensagens de subversão moral (DUARTE, 2016DUARTE, Ana Rita Fonteles. Meios de comunicação, segurança nacional e a defesa da “moral e bons costumes”: uma análise de escritos da Escola Superior de Guerra (1964-1985). Embornal, Fortaleza, v. vi, n. 13, p. 7-21, jan.-jun. 2016. Disponível em: https://eventos.udesc.br/ocs/index.php/STPII/IIISIHTP/paper/. Acesso em: 14 ago. 2023.
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). A história da regulação moral recorrentemente busca justificativa no argumento de proteção das crianças (RUBIN, 2001RUBIN, Gayle. Pensando o sexo: notas para uma teoria radical das políticas da sexualidade. 2012 [1984]. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/1582/gaylerubin.pdf?sequence. Acesso em: 14 ago. 2023.
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).

Tendo sua origem no CIE e difundido pela Agência Central do SNI para Cisa, Cenimar e DPF, o relatório AC 11.429/80 aborda a “Influência da propaganda adversa no sistema educacional”. O pressuposto reiterado era o de que “o fundamento da ação comunista é a ideologia ateia do marxismo-leninismo, que visa basilarmente a conquista das mentes e a degradação moral, social e política das nações democráticas (...)”. Para tanto, os meios de comunicação elegeram como alvo “a destruição da família, da pátria e sobretudo, o aviltamento da mulher” (AN-COREG, 1981bARQUIVO NACIONAL, COORDENAÇÃO REGIONAL DO DISTRITO FEDERAL (AN-COREG). AC_ACE_16587_81. Centro de Informações do Exército. Brasília, DF: AN-Coreg, 1981b., p. 3).

Outro documento delimita a suspeição em relação aos movimentos sociais que tiveram visibilidade nos anos 1980: “a liberdade sexual, no caso, está sendo gerada por Movimentos de ‘libertação’ da mulher e de homossexuais, que defendem o aborto, o lesbianismo”. Acrescentava “outros aspectos da liberdade sexual, cujas mensagens estão impregnando os programas televisivos, a literatura, os filmes cinematográficos e outros veículos que chegam aos adolescentes, cativando-os como seguidores e praticantes do amor-livre, olvidando totalmente a estrutura familiar”. Esse anticomunismo visceral em torno de temas morais deve ser compreendido também como reação à visibilidade de novos sujeitos sociais. Vale destacar a organização do Movimento Feminista, de Mulheres e dos Homossexuais (SIMÕES; FACCHINI, 2009SIMÕES, Assis Júlio; FACCHINI, Regina. Na trilha do arco-íris: do movimento homossexual ao LGBT. Ed. Fundação Perseu Abramo, 2009., p. 106). A entrada em cena desses atores contribuiu para atualizar uma subjetividade pessimista em torno do final da ditadura e de um futuro assentado nos novos medos, pânicos, corpos abjetos e sujeitos indesejáveis cujas práticas ameaçavam a ordem e a “estrutura familiar”.

Os exemplos são suficientes para provar o quanto esses mantras sobre a família alimentaram o anticomunismo. Os documentos visavam provocar efeitos extradiscursivos delineando o inimigo e a subversão em termos morais e sexuais (COWAN, 2016COWAN, Benjamin. Securing sex: morality and repression in the making of cold war Brazil. North Carolina: The University of North Carolina Press, 2016.). Subvertendo uma noção presente em Fanon (1968, p. 52)FANON, Frantz. Os Condenados da Terra. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1968 [1961]., os papéis secretos visavam evitar “a subversão, mas, na realidade, (...) [introduziam] terríveis fermentos de subversão na consciência dos ouvintes ou dos leitores”, contribuindo para produzir a ameaça moral pairando a sociedade brasileira. Os argumentos centrais daquela papelada circularam de modo mais amplo, inclusive porque estavam enraizados na tradição anticomunista e no imaginário católico conservador.

Os documentos e os não ditos: a defesa de qual família?

Concluída a demonstração da presença do argumento familiar nos acervos repressivos, qual noção de família foi mobilizada nos discursos? Observando o teor dos papéis secretos ao abordar o tema, o que inspirava o discurso daqueles sujeitos era uma noção de família universal inspirada no padrão patriarcal e próprio da branquitude. O argumento mobilizado da “ameaça da família” representava a adoção de um modelo de família como o paradigma, único, universal, independente de contextos econômicos, sociais, regionais, demográficos, locais e globais. Era um padrão que naturalizava papéis de gênero, divisão do trabalho sexual no interior da instituição e fora dela, bem como silenciava sobre a dimensão racial, ainda que fosse estruturado por ela.

Na esfera do discurso, esse padrão não reconhecia legitimidade nas “inúmeras (...) possibilidades de arranjos familiares [existentes] que, por sua vez, também variaram no tempo, no espaço e de acordo com os distintos grupos sociais” (SCOTT, 2009, p. 16). Mariza Corrêa (1981) afirma que “este é o modelo tradicionalmente utilizado como parâmetro, é a história da família brasileira, todos os outros modos de organização familiar aparecendo como subsidiários dela ou de tal forma inexpressivos que não merecem atenção”. Noção universalista e autoritária, a recorrência da politização da família na escrita repressiva com seus temas correlatos – crise moral, sexual e de papéis de gênero – pode ser pensada como um símbolo “ou conjunto de símbolos que têm maior eficácia e que apresentam maior capacidade homogeneizadora ou aglutinadora” (VELHO, 1999VELHO, Gilberto. Individualismo e cultura: notas para uma antropologia da sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Zahar, 1999., p. 59).

O componente autoritário atravessando o Estado e a cultura contribuiria para legitimar o suposto universalismo daquele padrão interditando no discurso oficial qualquer família imaginada e vivida fora da tradição. Ou seja, a visão de família é orientada por “posição subordinada da mulher” e pelo “predomínio de comportamentos sociais guiados por normas, valores e estruturas de autoridade cuja legitimidade fundava-se na tradição” (FARIA, 1989FARIA, Vilmar E. Políticas de governo e regulação da fecundidade: conseqüências não antecipadas e efeitos perversos. Ciências Sociais Hoje, São Paulo, Vértice/Anpocs, p. 62-103, 1989., p. 70). Retomando Gilberto Velho, “teríamos, portanto, uma estrutura social marcantemente rígida com normas e regras bastante estritas, com um forte controle social sobre o comportamento dos indivíduos”. Vale matizar a ideia de controle parecendo que essa noção foi mais imaginada, agenciada e desejada do que experimentada. Naquele cenário, o autor arremata argumento relevante para este artigo:

A família, especialmente, desempenharia essa função ao nível do cotidiano e das biografias, atualizando o código de emoções. Daí a sua centralidade, o seu caráter de foco legitimador de sociabilidade. É, portanto, ao nível do desempenho dos papéis familiares de pai, esposo, filho, mulher, avô etc., que se dá a socialização contínua (e não apenas na infância) nos aspectos afetivos e emocionais da cultura. Tudo, portanto, que perturbe ou torne ambíguos os desempenhos desses papéis ou projetos a ele associados é visto como altamente perigoso

(VELHO, 1981VELHO, Gilberto. Individualismo e cultura: notas para uma antropologia da sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Zahar, 1999., p. 63).

Além de delimitar qual noção de família orientou essas representações, convém investigar se o discurso da desagregação familiar estava assentado em premissas, noções e pertencimentos raciais. O tema é pantanoso, já que as fontes trabalhadas neste artigo não usam marcadores explícitos de cor. Os documentos não mobilizam categorias como branco, pardo, negro, mulato, preto ao descrever a percepção de crise moral. Não nomeiam os sujeitos a partir de classificações raciais. Uma agenda de pesquisa por respostas precisa partir de outras perguntas.

Filgueiras (2006)FILGUEIRAS, Juliana Miranda. A Educação Moral e Cívica e sua produção didática (1969-1993). Dissertação (Mestrado), PUCSP, São Paulo, 2006. reconstituiu a retomada da disciplina Educação Moral e Cívica em 1969. O anteprojeto retomou a “exposição de motivos” elaborada por um parecer de Costa e Silva de 1965 quando era Ministro da Guerra. Em 1969, já no lugar de chefe do executivo federal, o parecer foi retomado. A preocupação com a dissolução da família era central:

A família moderna facilita, de certo modo, a implantação e a evolução da Guerra revolucionária, de vez que, perturbada pela evolução econômica e social e por solicitações de toda ordem, ela não mais assegura de modo completo, sua função educadora. Frequentemente dissociada, particularmente em razão do trabalho da mulher fora do lar e da conjuntura econômica que a aflige, seus membros se vêm obrigados a operar fora do quadro familiar típico, cada qual atraído por um pólo exterior. A principal consequência dêsse estado de coisas é a flagrante deficiência de educação moral dos filhos. Por outro lado, a escola moderna ainda não tomou a si o encargo de compensar esta lacuna

(BRASIL, 1969).

Esse fragmento é importante na medida em que perpassa a maioria dos discursos veiculados pelas agências repressivas. Ele é um pressuposto e um diagnóstico: havia um tipo de “família moderna perturbada” que fragilizava sua função educadora; além disso, sua dissociação estava marcada pelo “trabalho da mulher fora do lar”. Por último, isso resultava na constituição de arranjos “fora do quadro familiar típico” com consequência na “educação moral dos filhos”.

Uma pergunta legítima: existe algum elemento racial nesse discurso? Uma observação apenas nominativa responderia negativamente. Isso é suficiente para concluir inexistência de pressupostos raciais? Reiterando que a documentação analisada neste artigo não menciona a categoria cor, apresentamos uma hipótese de pesquisa: o foco das preocupações desses discursos morais residia nas famílias brancas de classe média e naquelas mulheres que somente nos anos 1960 ingressaram no mercado de trabalho. O marco temporal da percepção do problema é uma espécie de “índice de brancura” (SANTOS, 1983SANTOS, Hyago Átilla Sousa dos. O drama da princesa transviada: jornal A Ação, pânico moral e cartografias da identidade ameaçada em Crato (CE), 1965-1972. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2021.) que define a sua racialização. Tomando como inspiração Thula Pires (2018, p. 1057)PIRES, Thula Rafaela de Oliveira. Estruturas intocadas: racismo e ditadura no Rio de Janeiro. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, v. 9, n. 2, p. 1054-1079, 2018. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/33900. Acesso em: 14 ago. 2023. Doi: https://doi.org/10.1590/2179-8966/2018/33900.
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, é um exemplo de “branquitude” relatada “como racialidade não nomeada”, mas “representativa do universal”, parâmetro que organiza a identificação da problemática temporal da desagregação da família.

Se nos restringirmos apenas ao período republicano, as mulheres negras trabalham desde o início da república. Os diversos arranjos familiares ao longo do tempo e espaço demonstram isso. Valem dois exemplos. De acordo com Soihet (1987)SOIHET, Rachel. Condição feminina e formas de violência: mulheres pobres e ordem urbana (1890-1920). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989., as mulheres pobres do Rio de Janeiro, entre final do século XIX e início do século XX, “tinham papel relevante na economia familiar, sendo que muitas delas viviam sozinhas, garantindo sua subsistência e a de seus filhos” (SOIHET, 1989SOIHET, Rachel. Condição feminina e formas de violência: mulheres pobres e ordem urbana (1890-1920). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989., p. 166). Em Salvador, até as primeiras décadas republicanas, o comércio de alimentos era marcado “pela massiva presença de pretas”. Para Heráclito (1999, p. 243), a “‘moça’ e a ‘senhora de família’ seriam os novos modelos de mulher que passariam a compor o cenário urbano republicano” se afastando das “prostitutas e trabalhadores de rua, uma vez que elas demarcavam linhas bem definidas entre o projeto de civilização das elites letradas baianas e a barbárie dos pobres pretos”.

Além de sinalizar a presença de mulheres negras trabalhando fora do lar no início da república e, logo, desde antes dos anos 19604 4 Como diversos trabalhos têm demonstrado, isso implica questionar inclusive os censos e as bases de dados que não capturam diversas atividades profissionais informais desenvolvidas fora do lar por mulheres em geral, e negras em particular. , a percepção da racialização exige uma postura metodológica no trato dos arquivos, das fontes e dos discursos para apurar os “olhos de ver” a questão racial. Do contrário, certamente será mobilizado o argumento da especulação sem evidência, e a hipótese será facilmente descartada. A investigação exige pensar as diversas formas de violência desenvolvidas pela ditadura, inclusive a interdição de discursos sobre o racismo à época. Para isso, dos diversos trabalhos que abordam relações raciais e ditadura (GUIMARÃES, 1999; CRUZ, 2010CRUZ, Tamara Paola dos Santos. As escolas de samba sob vigilância e censura na ditadura militar: memórias e esquecimentos. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Niterói, 2010.; RIOS, 2014RIOS, Flávia Mateus. Elite política negra no Brasil: Relação entre movimentos sociais, partidos políticos e Estado. Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade do Estado de São Paulo, São Paulo, 2014.A; RIOS, 2014RIOS, Flávia Mateus. Elite política negra no Brasil: Relação entre movimentos sociais, partidos políticos e Estado. Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade do Estado de São Paulo, São Paulo, 2014.B; FIGUEIRÊDO, 2016; GOMES SILVA, 2019GOMES SILVA, Tauane Olívia. Mulheres negras nos movimentos de esquerda durante a ditadura no Brasil (1964-1985). Tese (Doutorado em História). Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, PPGH, Florianópolis, 2019.; ALVES E GIORI, 2020; PESTANA, 2022PESTANA, Marco Marques. Remoções de favelas no Rio de Janeiro: empresários, Estado e movimento de favelados: 1957-1973. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2022.; e tantos outros), selecionamos alguns textos inspiradores a partir da problemática do artigo e da semelhança no uso de fontes de natureza repressiva.

Amparada em documentação produzida pelo DOPS paulista, Kossling (2007)KÖSSLING, Karin Sant‘ Anna. As lutas anti-racistas de afro-descendentes sob vigilância do DEOPS/SP (1964-1983). Dissertação (Mestrado em História), Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007. demonstrou como as estruturas repressivas leram pela chave da subversão e representaram negativamente os movimentos negros nos anos 1980. Indica que a Lei de Segurança Nacional (1967) criminalizava qualquer incitação pública “ao ódio ou à discriminação racial”, bem como a lei de imprensa também coibia propaganda sobre “preconceitos de raça”. As duas leis são sugestivas de como a ditadura lidou com as “lutas antirracistas e seu potencial de contestação política”. Por isso, atualizando uma mentalidade dos anos 1940 de que os movimentos negros “introduziam uma ‘falsa problemática’ na ‘democracia racial’ brasileira”, “tornaram-se alvo de vigilância e repressão” (KOSSING, 2007KÖSSLING, Karin Sant‘ Anna. As lutas anti-racistas de afro-descendentes sob vigilância do DEOPS/SP (1964-1983). Dissertação (Mestrado em História), Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007., p. 41).

Autora de publicação sobre o tema originalmente em inglês (2011), Paulina Alberto (2017, p. 337)ALBERTO, Paulina. Termos de inclusão: intelectuais negros brasileiros no século XX. Campinas, São Paulo: Editora da Unicamp, 2017 [2011]. postula que a ditadura visou o controle interno elegendo a “democracia racial como uma ideologia oficial do Estado” e utilizando “aspectos da herança africana no Brasil”, principalmente “as consideradas folclóricas e politicamente inofensivas”, inclusive na política externa. O propósito era ilustrar “a harmonia racial” encerrando “as discussões públicas sobre discriminação racial”, produzindo “essa aparente ausência de queixas raciais através da censura e da intimidação policial” e buscando suprimir as “organizações (negras) baseadas na raça”. Muitas organizações no Brasil foram acusadas de “movimento racista negro”.

Relatora da pesquisa sobre ditadura e racismo no Rio de Janeiro, Thula Pires (2015)PIRES, Thula Rafaela de Oliveira. Colorindo memórias e redefinindo olhares: ditadura militar e racismo no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Comissão da Verdade do Rio, 2015. privilegia a raça como categoria de análise central para colorir as memórias sobre a ditadura. O relatório aborda a “violência estrutural e racismo institucional” atravessando a ditadura, as estratégias do regime para lidar com as organizações e múltiplas formas de atuação negras e restitui memórias de pessoas negras sobre as violências perpetradas pela ditadura. Noutro artigo, Pires (2018)PIRES, Thula Rafaela de Oliveira. Estruturas intocadas: racismo e ditadura no Rio de Janeiro. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, v. 9, n. 2, p. 1054-1079, 2018. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/33900. Acesso em: 14 ago. 2023. Doi: https://doi.org/10.1590/2179-8966/2018/33900.
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pontua que “a realidade de negros e negras [“nas favelas, subúrbio, Baixada Fluminense e outras regiões periféricas do Estado”] era, em regra, permeada por ‘blitz’, prisões arbitrárias, invasões a domicílio, expropriação de lugares de moradia (remoções), torturas físicas e psicológicas, além do convívio com a ameaça latente dos grupos de extermínio”. Enegrece os marcos temporais de periodização da violência ao sublinhar “a criação, em 1962, [antes do golpe de 1964 e da ditadura] da Invernada de Olaria, grupo ligado ao Departamento Estadual de Segurança Pública” da Guanabara e que possuía passaporte para matar, torturar, espancar e assassinar, inclusive com afogamentos (PIRES, 2018PIRES, Thula Rafaela de Oliveira. Estruturas intocadas: racismo e ditadura no Rio de Janeiro. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, v. 9, n. 2, p. 1054-1079, 2018. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/33900. Acesso em: 14 ago. 2023. Doi: https://doi.org/10.1590/2179-8966/2018/33900.
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, p. 1063). Outro exemplo relevante diz respeito ao “arrastão” ocorrido no Rio de Janeiro em 1982 – rotina “que mais representa a herança escravista do racismo institucional da Polícia Militar”: uma “escolta” de “um grupo de homens negros amarrados por uma corda pelo pescoço, depois de blitz realizada nos Morros da Coroa/Cachoeirinha”. A autora arremata: tudo coberto pela imprensa e com a polícia de “armas em punho e ameaça de detenção” para todos que se indignassem com o arbítrio “para que não pairasse nenhuma dúvida de como se tratam os negros no país da democracia racial, e em franco processo de abertura política” (PIRES, 2018PIRES, Thula Rafaela de Oliveira. Estruturas intocadas: racismo e ditadura no Rio de Janeiro. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, v. 9, n. 2, p. 1054-1079, 2018. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/33900. Acesso em: 14 ago. 2023. Doi: https://doi.org/10.1590/2179-8966/2018/33900.
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, p. 1066). As contribuições de Pires são fundamentais para racializar a abordagem: reconstitui a violência estrutural e o racismo institucional do regime ditatorial; “reposiciona o que se entende por violência e os contornos possíveis da liberdade”. Ajuda a compreender melhor “o patriarcado, a cis/heteronormatividade, a luta de classes e a dinâmica institucional” (PIRES, 2018PIRES, Thula Rafaela de Oliveira. Estruturas intocadas: racismo e ditadura no Rio de Janeiro. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, v. 9, n. 2, p. 1054-1079, 2018. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/33900. Acesso em: 14 ago. 2023. Doi: https://doi.org/10.1590/2179-8966/2018/33900.
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, p. 1077).

Pedretti (2022)PEDRETTI, Lucas. Dançando na mira da ditadura: bailes soul e violência contra a população negra nos anos 1970. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2021. v. 1. analisou os bailes black soul realizados no Rio de Janeiro. Em um capítulo, se debruçou sobre fontes produzidas por “agências governamentais que acompanharam, monitoraram e reprimiram os bailes” (2022, p. 66). Ele demonstra que “o olhar dos agentes ditatoriais para o tema foi marcado por uma interseção entre o mito da democracia racial e a Doutrina de Segurança Nacional”. E identifica como a temática do racismo – reflexões e mobilizações – foi alvo de vigilância pelas agências de segurança e informações. O autor demonstra preocupações dos agentes e sugestões de proibição de notícias na imprensa sobre a temática, bem como nos pronunciamentos de autoridades, religiosos, professores, novelas, literatura, material audiovisual.

Em outro trabalho, tendo como inspiração a preocupação de Thula Pires (2014) em colorir as memórias sobre a violência da ditadura, Pedretti postula a necessidade de colorir categorias como ditadura, direitos humanos, vítimas, anistia. Uma instigante pergunta não quer calar: “o que faz com que um indivíduo vitimado pela violência de Estado durante aquele período [ditatorial] seja compreendido como uma vítima da ditadura”? (PEDRETTI, 2020PEDRETTI, Lucas. Violência de Estado e racismo em dois momentos das lutas e políticas de memória no Brasil. In: TELES, Edson; QUINALHA, Renan (org.). Espectros da Ditadura: da Comissão da Verdade ao bolsonarismo. São Paulo: Autonomia Literária, 2020. v. 1., p. 312). A interrogação é amparada em um dado: 434 é o número de mortos identificados pela Comissão Nacional da Verdade durante a ditadura no Brasil, enquanto 434 foi o número de mortos pela polícia militar de São Paulo em 1982. Mobilizando outros argumentos, pensando a violência contra a população negra como regra na ação do Estado na longa duração incluindo o período pós-ditadura, rasurando os marcos ditadura e democracia, o autor contribuiu para pensar na “dimensão racial das violações de direitos humanos” (PEDRETTI, 2020PEDRETTI, Lucas. Violência de Estado e racismo em dois momentos das lutas e políticas de memória no Brasil. In: TELES, Edson; QUINALHA, Renan (org.). Espectros da Ditadura: da Comissão da Verdade ao bolsonarismo. São Paulo: Autonomia Literária, 2020. v. 1., p. 313).

Reiterando que os fundos documentais trabalhados neste artigo não explicitam a categoria raça, as reflexões de Gonzalez sobre racismo são tomadas como sugestivas para pensar no silêncio sobre a família negra na escrita repressiva: “ele[s] pouco teria[m] a dizer sobre essa mulher negra, seu homem, seus irmãos e seus filhos (...). Exatamente porque lhes nega o estatuto de sujeito humano. Trata-os sempre como objeto. Até mesmo como objeto de saber” (GONZALEZ, 1984GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, Anpocs, p. 223-244, 1984., p. 232). Para a autora, o mito da democracia racial “exerce sua violência simbólica de maneira especial sobre a mulher negra”. Gonzalez (1984, p. 231)GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, Anpocs, p. 223-244, 1984. restituiu dimensões da experiência da mulher negra anônima moradora da periferia, “que sobrevive na base da prestação de serviços, segurando a barra familiar praticamente sozinha. Isto porque seu homem, seus irmãos ou seus filhos são objeto de perseguição policial sistemática”.

Desse modo, racismo e sexismo não seriam categorias importantes para decifrar outras camadas da escrita repressiva sobre família? Essa e outras perguntas devem orientar uma agenda de pesquisa que analise as representações construídas pela ditadura a respeito da crise da família sob a chave da racialização. Lembrando que os trabalhos acima demonstram o quanto a ditadura visou produzir silêncio sobre o tema racial e negar o racismo, nossa hipótese é que se trata de uma presença ausente, não nomeada. Tendo Pires (2018)PIRES, Thula Rafaela de Oliveira. Estruturas intocadas: racismo e ditadura no Rio de Janeiro. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, v. 9, n. 2, p. 1054-1079, 2018. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/33900. Acesso em: 14 ago. 2023. Doi: https://doi.org/10.1590/2179-8966/2018/33900.
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como inspiração, não devemos renunciar à categoria raça ao investigar os discursos sobre “crise da família” nos acervos repressivos. É necessária “a escrita da ausência” (GONZALEZ, 1984GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, Anpocs, p. 223-244, 1984.).

Considerações finais

A documentação demonstra que as agências repressivas (re)produziram representações anticomunistas pautando o discurso da família ameaçada por subversão moral e sexual. Construída como célula-máter, alicerce da nação e símbolo da estabilidade social, a defesa da família era apresentada na escrita repressiva como uma questão moral da Nação brasileira naquele contexto de Guerra Fria. A nova ordem instaurada pós 1964 deveria defender o bem maior da sociedade – a família brasileira. Como já mencionado, o que inspirava o discurso daqueles sujeitos era uma noção de família universal inspirada no padrão patriarcal da branquitude. No nível do discurso, a sua defesa passava pela honra das mulheres, bem como por uma retórica de proteção de crianças, adolescentes e jovens diante da subversão moral comunista e das transformações vividas pela sociedade brasileira, desde a difusão da pílula anticoncepcional a partir dos anos 1960, passando pelo enfraquecimento das “autoridades tradicionais (padres, pais, irmãos e maridos)” (FARIA, 1989FARIA, Vilmar E. Políticas de governo e regulação da fecundidade: conseqüências não antecipadas e efeitos perversos. Ciências Sociais Hoje, São Paulo, Vértice/Anpocs, p. 62-103, 1989., p. 91), a profusão dos meios de comunicação de massa e da indústria cultural.

O tema foi agenciado especialmente a partir da explosiva e transnacional conjuntura de 1968 por agentes do Estado para desqualificar a participação política de estudantes no movimento estudantil, a sociabilidade universitária – em geral e nas residências universitárias em particular – e a inserção de jovens nas organizações clandestinas de esquerda após o AI-5. Após a derrota da resistência da esquerda armada, a questão atravessou os anos da ditadura no olhar de suspeição convicto das comunidades de segurança e informação em relação ao papel dos meios de comunicação de massa e do sistema educacional na destruição da família, especialmente num contexto de expansão da indústria cultural. O argumento foi mobilizado na atualização dos novos perigos. E foi lido como um dos efeitos nocivos dos novos sujeitos, comportamentos e das demandas emergentes nos anos 1980 com a visibilização do movimento feminista, do movimento gay e de agendas como a descriminalização do aborto. A pauta moral e a politização da retórica em defesa da família foi uma das tópicas centrais no anticomunismo militar.

A família desestruturada e instável foi vista como causa do desvio da subversão. Mas foi alçada também ao lugar de solução. Daí a importância da disciplina Educação Moral e Cívica; da celebração do Dia da Família – ainda que não ultrapassando tanto a retórica governamental; da preocupação com a interdição de eventos, imagens, sons e textos que rasurassem a instituição familiar com papéis sociais e lugares de gênero bem delimitados em torno da tradição patriarcal. Vem dessa matriz discursiva a preocupação com o deslocamento de mulheres brancas de camadas médias urbanas do lugar tradicional do lar e do trabalho doméstico com a inserção no mercado de trabalho. Essa matriz parece ser atravessada por outra que merece ser investigada – a racial que, ausente explicitamente na documentação pesquisada, presente implicitamente, silencia sobre a questão do trabalho das mulheres negras.

Muitos dos conteúdos exaustivamente repetidos na documentação parecem falar dos anticomunistas. São textos que constroem uma identidade por contraste (SAID, 1990SAID, Edward W. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1990 [1978].) moldando uma polarização binária eles versus nós. O ponto de partida básico é a distinção assentada em teorias, contextos, tradições. Tudo isso esteve amparado em instituições e burocracia para a gestão do anticomunismo, o que incluiu agentes, peritos, rotinas, organizações, hierarquias, burocracias e muita papelada. Junto a tudo isso, uma prática cultural assentada em ideias de moral, sexualidade desviante, famílias desajustadas, instabilidade emocional, carência afetiva, manipulação, oportunismo, traição, infiltração etc. e diversos outros atributos depreciativos do inimigo comunista desprovido de humanidade.

A mobilização do discurso da família durante a ditadura nos escritos da repressão deve ser compreendida numa história do anticomunismo e do conservadorismo no Brasil na média e longa duração. Pensar essa escala de análise é importante para a compreensão das permanências do anticomunismo com seu tempero de moralidade tradicional no campo dos costumes ao longo do tempo. Apesar das suas diferentes matrizes terem tido maior ou menor impacto nas diferentes conjunturas, a tradição anticomunista oferece um quadro cognitivo pouco permeável à mudança, pois está assentado em dogmas, convicções anteriores à experiência e teorias da conspiração.

Investigar a politização da moral em diferentes períodos históricos e a persistência do discurso em defesa da família na longa duração é uma agenda de urgência. A presença desse lema na campanha eleitoral de 2022 é apenas uma evidência da relevância do tema; e a sua presença antes e durante a ditadura evidencia o quanto há de passado neste presente, inclusive atravessado por noções de gênero, regulações da sexualidade e dispositivos morais e raciais.

Um dos mantras mobilizadores de parte da comunidade historiadora atualmente é uma história que não desperdice experiências, não universalize uma história, que recupere sujeitos, autoras e atores. No caso do Brasil, esse horizonte historiográfico não pode prescindir de atentar para a racialização da vida social, mesmo quando a palavra raça não é explicitada.

Além da historiografia que tem sido produzida sobre a questão racial durante a ditadura, as reflexões em torno do apagamento de experiências e das violências nos/dos arquivos são instigantes para aprofundar os caminhos (TROUILLOT, 2016TROUILLOT, Michel-Rolph. Silenciando o passado: poder e a produção da história. Tradução de Sebastião Nascimento. Curitiba: Huya, 2016 [1995].; HARTMAN, 2022HARTMAN, Saidiya. Vidas rebeldes, belos experimentos: histórias íntimas de meninas negras desordeiras, mulheres encrenqueiras e queers radicais. São Paulo: Fósforo, 2022 [2019].). Inspirado por essas perspectivas, este artigo é uma contribuição. Que outras fluam!

  • 1
    Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e a bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo. O texto prossegue pesquisa autofinanciada desenvolvida no Estágio Pós-Doutoral realizado na Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG/Universidade do Porto (2018-2019) e em desenvolvimento na Universidade Estadual de Campinas/Unicamp (2023-2024). Grato a Rodrigo Patto, Manuel Loff e Matheus Gato. Agradeço às/aos pareceristas da Revista de História, bem como a Rafael Rosa e Luis Flávio Godinho pelas valiosas críticas e sugestões. O texto seria impensável sem as densas e sábias contribuições de Iracélli da Cruz Alves. A ela, minha parceira do coração, musa e inspiração intelectual, toda gratidão é pouco. A revisão do texto foi embalada pelas presenças de meu pai – um pingo mais frágil de saúde – e de minha filha Amora nadando na barriga da mamis. A vocês, todo o meu amor não cabe num rodapé.
  • 3
    Dados importantes, mas inferiores à violência ditatorial, pois amparados numa narrativa que considera como alvo apenas os sujeitos tradicionais da oposição política. Pires (2016, p. 1076)PIRES, Thula Rafaela de Oliveira. Colorindo memórias e redefinindo olhares: ditadura militar e racismo no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Comissão da Verdade do Rio, 2015. ressalta a importância de desenvolver um “olhar racializado para as violências perpetradas nesse período”. Pedretti (2014)PEDRETTI, Lucas. Violência de Estado e racismo em dois momentos das lutas e políticas de memória no Brasil. In: TELES, Edson; QUINALHA, Renan (org.). Espectros da Ditadura: da Comissão da Verdade ao bolsonarismo. São Paulo: Autonomia Literária, 2020. v. 1. também critica os critérios que têm definido narrativas sobre crime político e “vítimas” durante a ditadura, invisibilizando sujeitos e práticas violentas reproduzidas durante a época. Acrescentem-se novos dados com a ampliação dos sujeitos que foram alvos da violência ditatorial, a exemplo de camponeses, indígenas, população LGBTQIA+ etc.
  • 4
    Como diversos trabalhos têm demonstrado, isso implica questionar inclusive os censos e as bases de dados que não capturam diversas atividades profissionais informais desenvolvidas fora do lar por mulheres em geral, e negras em particular.

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Editado por

Editores responsáveis

Miguel Palmeira e Stella Maris Scatena Franco

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    31 Dez 2022
  • Aceito
    08 Ago 2023
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