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O desenvolvimento das ciências da conduta aplicadas à saúde, na América Latina

Resumos

O objetivo do trabalho é apresentar sugestões concretas visando a incentivar o desenvolvimento das ciências da conduta aplicadas à saúde, na América Latina. Para justificar essa necessidade e as sugestões propostas, é descrito e comentado o panorama geral da situação atual dessas ciências no âmbito latino-americano.


The objectives of the present paper are to present concrete suggestions in order to encourage the development of Behavioural Sciences applied to health in Latin America. To justify this need and the suggestions presented, the author describes and comments the general situation of Behavioural Sciences in Latin America.


ARTIGO ORIGINAL

O desenvolvimento das ciências da conduta aplicadas à saúde, na América Latina1 1 Da Disciplina Autônoma de Ciências Sociais Aplicadas da Faculdade de Higiene e Saúde Públisa de USP. 2 Por ciências da conduta o autor entende o conjunto integrado das seguintes ciências sociais: sociologia, antropologia cultural, psicologia da personalidade e psicologia social. 3 Para os fins dêste trabalho, o têrmo saúde se refere aos campos da saúde pública medicina, odontologia e enfermagem.

Armando Piovesan

RESUMO

O objetivo do trabalho é apresentar sugestões concretas visando a incentivar o desenvolvimento das ciências da conduta aplicadas à saúde, na América Latina. Para justificar essa necessidade e as sugestões propostas, é descrito e comentado o panorama geral da situação atual dessas ciências no âmbito latino-americano.

SUMMARY

The objectives of the present paper are to present concrete suggestions in order to encourage the development of Behavioural Sciences applied to health in Latin America. To justify this need and the suggestions presented, the author describes and comments the general situation of Behavioural Sciences in Latin America.

1 – INTRODUÇÃO

A literatura sociológica, principalmente, e também a médica e a sanitária, tem dado cada vez mais atenção aos aspectos sociais relacionados com os problemas médicos e de saúde pública.

Êste fato, conquanto possa ser melhor evidenciado nos Estados Unidos da América do Norte, vem sendo registrado também em vários países da América Latina. Aos observadores especializados não têm passado despercebido, inclusive, o entusiasmo com que alguns grupos, na América Latina, vêm se dedicando aos estudos sociológicos e antropológicos culturais, com o objetivo de conseguir um equacionamento mais realístico e eficiente das ciências da saúde.

Com a experiência adquirida, talvez já se possa vaticinar para um futuro não muito remoto, a aplicação generalizada dessas ciências no campo da saúde, o que por certo trará profundas repercussões na ideologia e prática das profissões a êle atinentes.

Atenção deve ser dada para que esta onda de entusiasmo não leve a um otimismo exagerado, capaz de ofuscar a percepção para os problemas existentes, os quais assumem particular importância nos países latino-americanos, pois da forma pela qual forem equacionados advirão conseqüências que poderão ser favoráveis ou desfavoráveis para o desenvolvimento das referidas ciências no campo da saúde.

Conhecer êstes problemas e procurar-lhes uma solução, pareec que devem ser preocupações inadiáveis dos que vêm assumindo responsabilidade em relação às ciências da conduta2 1 Da Disciplina Autônoma de Ciências Sociais Aplicadas da Faculdade de Higiene e Saúde Públisa de USP. 2 Por ciências da conduta o autor entende o conjunto integrado das seguintes ciências sociais: sociologia, antropologia cultural, psicologia da personalidade e psicologia social. 3 Para os fins dêste trabalho, o têrmo saúde se refere aos campos da saúde pública medicina, odontologia e enfermagem. aplicadas à saúde3 1 Da Disciplina Autônoma de Ciências Sociais Aplicadas da Faculdade de Higiene e Saúde Públisa de USP. 2 Por ciências da conduta o autor entende o conjunto integrado das seguintes ciências sociais: sociologia, antropologia cultural, psicologia da personalidade e psicologia social. 3 Para os fins dêste trabalho, o têrmo saúde se refere aos campos da saúde pública medicina, odontologia e enfermagem. . É evidente que se os destinos destas ciências puderem ser dirigidos ao invés de relegados ao acaso, os resultados deverão alcançar níveis de rendimento e eficiência incomparàvelmente maiores.

Ainda mais, se se imprimir uma orientação latino-americana na coordenação geral dessas atividades, resultados ainda mais promissores poderão ser obtidos. Justificariam êste ponto de vista, não apenas a similaridade dos problemas e das condições sócio-econômicas, mas também o melhor aproveitamento que se poderia fazer dos parcos recursos humanos existentes. Realmente, rareiam na América Latina os técnicos que, de par com um bom preparo nas ciências da conduta possuam suficiente experiência no campo da saúde. Assim sendo, a cooperação técnica internacional traria um melhor rendimento geral, tanto quantitativo como qualitativo, e a possibilidade de todos se beneficiarem dêste esfôrço conjugado.

As considerações preliminares apresentadas tiveram a finalidade de lançar alguma compreensão e, de certo modo, justificar os objetivos dêste trabalho:

a) Examinar a situação atual de aplicação das ciências da conduta no campo da saúde, no âmbito da América Latina. O que se pretende é identificar não só os problemas existentes, mas também os fatôres que os determinam. Êste exame não pretende ser completo e nem exaustivo, mas visa apenas ressaltar os elementos básicos que justifiquem o segundo objetivo do presente trabalho, realmente o mais importante.

b) Apresentar sugestões que possam acelerar o desenvolvimento das ciências da conduta aplicadas à saúde.

2. SITUAÇÃO ATUAL DE APLICAÇÃO DAS CIÊNCIAS DA CONDUTA À SAÚDE, NA AMÉRICA LATINA

Quando se estabelece um confronto direto entre os países latino-americanos e os Estados Unidos da América do Norte, no que se refere à aplicação das ciências da conduta ao campo das ciências da saúde, ressalta de imediato o enorme atraso dos primeiros quanto:

– à produção científica, revelada pelo número de pesquisas realizadas e de trabalhos publicados;

– ao número de especialistas que integram o corpo docente das escolas médicas e afins, ou então que fazem parte de equipes em organizações hospitalares e de saúde pública.

Outro dado que reflete essa situação é a falta de interêsse dos médicos e outros profissionais da saúde pelas ciências da conduta; tal desinterêsse é determinado, em grande parte, pelo desconhecimento do objeto das ciências da conduta e de suas aplicações, e também pela prevalência de conceitos errôneos.

Êste é o panorama geral na América Latina. No entanto, há várias exceções, representadas pela existência de alguns poucos centros de ensino ou pesquisa, que operam em nível de eficiência razoável ou excelente. Num sentido global, apresentam melhor desenvolvimento os países de maior grau de socialização da medicina. Em contraposição, países há em que, aparentemente, nenhuma evidência existe de atividade no campo em apreço.

2.1 – Conceito de ciências da conduta

A expressão ciências da conduta é relativamente nova. Vem sendo empregada para designar uma nova disciplina científica, resultante da integração de vários ramos das ciências sociais. O objetivo é integrar algumas ciências afins, para se obter uma compreensão unitária do homem e de sua conduta. Geralmente, reconhecem-se como pertencentes a êsse nôvo campo a sociologia, antropologia cultural e psicologia social. Contudo, é freqüente encontrar-se os que costumam acrescentar outras disciplinas. Por exemplo, o próprio autor tem a opinião de que dever-se-ia incluir também a psicologia da personalidade.

A observação que aqui se faz, então, é a de que ainda não se encontrou um conceito preciso de ciências da conduta, a despeito de existir certa concordância básica a respeito da inclusão das três disciplinas acima mencionadas.

Entretanto, mais difícil que estabelecer um conceito uniforme para as ciências da conduta é conseguir a real integração das disciplinas que as constituem. Assim, por exemplo, não é do conhecimento do autor nenhuma obra que faça uma abordagem unitária do homem, sob os aspectos conjuntos da sociedade, cultura e personalidade. Há livros, não poucos, que versam sôbre êstes assuntos, mas dispostos em capítulos diferentes, como se fôssem entidades distintas.

Esta descrição retrata a situação nos Estados Unidos da América do Norte. Na América Latina a situação é muito mais séria, pois a regra é, nos meios médicos, ignorar-se essa expressão ou desconhecer seus conceito.

Não é do meu conhecimento a existência, atualmente, na América Latina, de qualquer curso de ciências da conduta. Os que existem, ou são cursos de ciências sociais, em que as várias disciplinas são tratadas independentemente, ou então de sociologia ou de antropologia. Além dêsses há, geralmente, cursos de psicologia e de economia.

Em meu entender, dever-se-ia criar, também, cursos de ciências da conduta, pois os profissionais assim preparados poderiam oferecer contribuição muito mais expressiva para o campo da saúde, que a proporcionada pelos especialistas tradicionais.

Conviria, contudo, que desde já se intentasse uma delimitação mais precisa do conceito das ciências da conduta e se cogitasse de divulgar estas ciências entre médicos e profissionais afins.

2.2 – Número de especialistas

São poucas, realmente, as pessoas que, na América Latina, exercem atividades no campo das ciências da conduta aplicadas à saúde. Esta afirmação pode ser feita mesmo levando-se em conta a ausência de qualquer levantamento nesse sentido.

Como já foi mencionado, algumas honrosas exceções devem ser lembradas, representadas por uma plêiade de especialistas que têm realizado trabalhos admiráveis, principalmente no campo da investigação científica, o que tem lhes valido o reconhecimento internacional. Infelizmente, são poucos os centros onde a produção científica e a qualidade dos trabalhos apresentam alto nível.

Outros fatos vêm agravar essa situação:

a) Um dêles é a baixa produtividade, avaliada esta em têrmos de pesquisas realizadas e de trabalhos publicados. De modo geral, a maior parte dos poucos especialistas existentes publicam poucos trabalhos, sejam êles referentes a pesquisa, ou de caráter didático ou doutrinário. Essa situação tem contribuído para dificultar a difusão das ciências da conduta entre médicos e outros profissionais.

b) Nem todos os que vêm exercendo atividades no campo das ciências sociais aplicadas à saúde estão devidamente preparados. Quero dizer, em outras palavras, que há muitos "especialistas" improvisados na América Latina, que exercem variadas atividades no campo da saúde, sem possuirem os indispensáveis conhecimentos teóricos ou o mínino de experiência requerida. Geralmente, são elementos encontrados nas universidades, onde realizam, principalmente, atividades docentes, e, eventualmente, também pesquisas; outras vezes, mais raramente, são encontrados integrando equipes de pesquisa, seja em hospitais, ou em organizações de saúde pública.

Em que pesem o respeito e a admiração que êstes profissionais merecem, seja pelo seu entusiasmo e boa vontade, seja, também, pela contribuição que oferecem, difundindo as ciências da conduta, é evidente que esta situação é inaceitável. E é inaceitável, em primeiro lugar, porque é uma solução precária, de resultados duvidosos, e, também porque tem suscitado não poucos fracassos; êstes, no meu entender, não podem continuar a ocorrer, a fim de não aumentar ainda mais o ceticismo que existe nos meios médicos e sanitários a respeito do valor das ciências da conduta e de sua contribuição.

Embora ainda não se possua a experiência suficiente para dizer qual ou quais são os profissionais recomendáveis para êsse tipo de trabalho, e qual o preparo que devem ter, nem por isso se pode reconhecer que um grande número dos que atualmente exercem algum tipo de atividade, não reunem os requisitos mínimos para poderem assumir certas responsabilidades. Os profissionais que se encontram nessas condições podem ser reunidos em dois grandes grupos: os que possuem formação básica nas ciências sociais e os que a têm nas ciências da saúde. Consideremo-los, portanto, separadamente:

– Há o grupo, em primeiro lugar, dos que, tendo sua formação-base em ciências sociais, ou então, em sociologia, antropologia ou psicologia social, lecionam em escola de medicina, de saúde pública ou enfermagem; ou, integram equipe de pesquisa, assumindo, por vêzes, responsabilidade de direção nesse sentido; ou, ainda, fazem parte de equipe médica em hospital ou em órgão de saúde pública. Êstes cientistas podem ser homens de grande experiência no terreno da investigação e até de largo prestígio, ou podem ser recém-egressos das escolas. Acontece que, se êstes profissionais não tiverem um mínimo de conhecimento e de experiência na área da saúde, poderão render muito pouco ou até fracassar totalmente, mesmo a despeito do gabarito que apresentem. As possibilidades de fracasso serão maiores quando realizam atividades de docência, ou, quando integram organizações de saúde ou equipes médicas; os riscos se apresentam bem menores para os trabalhos de pesquisa. Éste problema, pela sua importância requereria uma análise mais demorada; contudo, esta tarefa exorbitaria dos propósitos do presente trabalho.

- No outro grupo que se apresenta insuficientemente preparado, encontramos médicos, odontólogos ou enfermeiras que, tendo recebido noções em alguma disciplina das ciências da conduta, assumem, freqüentemente, responsabilidade de ensino. Neste caso, em geral, não aparecem as dificuldades ou os problemas que ocorrem quando esta função é realizada por cientistas sociais mal preparados. Pelo contrário, o curso pode ser até bem aceito e oferecer alguma utilidade. Mas, os resultados serão sempre limitados e o curso difìcilmente terá progressos; acrescente-se ainda a possibilidade de ocorrerem falhas que passarão despercebidas. Além disso, êsse profissional de nenhum modo poderá realizar trabalhos de investigação científica, uma vez que esta atividade requer boa preparação teórica e domínio seguro da metodologia de pesquisa, condições estas que difìcilmente serão alcançadas sem a preparação acadêmica completa nas ciências sociais. Ora, não é possível o ensino realmente autêntico e de alto nível, sem que o professor seja ao mesmo tempo um pesquisador.

c) Outro fato, que ainda mais vem agravar a grande escassez de técnicos que se ocupam das ciências da conduta aplicadas à saúde, é a falta de comunicação e até de conhecimento recíprocos.

Excetuando-se alguns poucos nomes bastante conhecidos, que conseguiram projeção nacional ou até internacional, a regra é desconhecer-se quais as pessoas que, na América Latina, exercem atividades no campo das ciências da conduta. Esta situação chega mesmo às raias do absurdo quando o desconhecimento se refere a indivíduos que trabalham na mesma cidade.

Mas, o problema ainda é mais sério, pois, dentro do círculo restrito de pessoas que cada um conhece pessoalmente ou por referência, o comum é não se estar informado sôbre as suas atividades e sôbre os seus trabalhos, mesmo que publicados. Assim, por exemplo, é extremamente raro ter-se algum dado sôbre as experiências didáticas que outros estão tendo. Relativamente aos trabalhos científicos, êstes são comumente publicados em periódicos de circulação muito restrita, de modo que, às vêzes, se tem dificuldade de conhecê-los até mesmo dentro de um país, como ocorre, com alguma freqüência, no Brasil.

Assim, não há dúvida de que o isolacionismo existente entre os que, na América Latina, se ocupam das ciências da conduta aplicadas à saúde, tem acarretado graves conseqüências; estas, em última análise, impedem um avanço mais rápido e uma utilização mais eficiente dessas ciências. Além dos apontados, outro inconveniente é a grande dispersão das atividades. Por exemplo, em relação à docência, não há dois programas que sejam nem sequer similares.

É compreensível esta situação, que pode ser levada à conta de nossa tradição avessa ao trabalho de equipe, malgrado os esforços realizados, para mudar essa conduta.

Contudo, embora compreensível, é lastimável que êste fato ocorra – e não apenas em relação às ciências da conduta aplicadas – pois, em meu entender, é o principal responsável pelo atraso na utilização das mencionadas ciências na América Latina; e é tanto mais lastimável quando nos lembramos que poderia ser um dos de mais fácil solução.

Deve-se notar, ainda, que a falta de comunicação leva à dispersão de atividades e à diversificação nas orientações e métodos, acentuando, conseqüentemente, as divergências. Gera, em última instância, o atraso, que é determinado pela falta de inter-estimulação, de trabalho cooperativo e de auto-crítica, pois inexistem pontos de referência para orientação de todos e de cada um em particular.

2.3 – Material bibliográfico

Como já foi dito, publica-se muito pouco na América Latina no que se refere às ciências da conduta aplicadas, e o pouco publicado tem limitada divulgação. No tocante, especìficamente, a livros didáticos, quase nada existe. O que predomina é a literatura em língua inglêsa, tanto para livros como para periódicos.

Fica, assim, o professor, em dificuldade para indicar bibliografia aos seus alunos, principalmente a de caráter didático. A solução é, então, recomendar-se obras traduzidas para o português ou o espanhol. Esta não é, evidentemente, uma boa solução, pois nem sempre as condições sócio-econômicas retratadas na obra se coadunam com as encontradas nos países latino-americanos.

Esta situação não cria dificuldades apenas no terreno didático. É, também, um sério impecilho para uma difusão, mais ampla das ciências da conduta entre os profissionais do campo da saúde.

2.4 – Pesquisa

Repete-se o problema: são poucas, na América Latina, as pesquisas no campo da saúde realizadas com o emprêgo da metodologia das ciências sociais.

Êste fato se deve, em parte, ao pequeno número de especialistas que, trabalhando no campo da saúde, estejam capacitados para realizar atividades de investigação.

Esta é, contudo, uma explicação apenas parcial, porquanto o problema da pesquisa está vinculado a dois outros, dos quais muito depende: financiamento e regime de trabalho.

O financiamento é um requisito essencial da pesquisa social. Sem êle, difìcilmente a pesquisa pode ser realizada, em razão, principalmente, do seu custo. Se o fôr, entretanto, sofre tôda a sorte de limitações e percalços, que acabam prejudicando sua precisão e alcance, ou retardando a publicação dos resultados. A produção global é pequena e os cientistas, depois de terem arrostado com todo um elenco de dificuldades, perdem, paulatinamente seu interêsse por essa atividade.

Outro requisito não menos importante, aplicável particularmente aos docentes universitários, é o do trabalho em regime de tempo integral. A experiência tem demonstrado, à farta, que os professôres em regime de tempo parcial raramente têm interêsse ou tempo para realizar investigação.

Na América Latina, as condições mais comumente encontradas quanto a financiamento de pesquisa e regime de tempo integral podem ser qualificadas entre ruíns e péssimas. De um lado, porque as dotações orçamentárias, para as Universidades, são absorvidas quase que totalmente com as despesas de pessoal – pode, às vêzes, ultrapassar os 90% – dificultando sobremaneira a realização das atividades-fim e provocando, na melhor das hipóteses, reduzidíssima aplicação em pesquisas. Quanto ao regime de tempo integral, sua ocorrência é ainda registrada em escala muito limitada e, além disso, salvo raríssimas exceções, não alcança seus objetivos, notadamente em relação às pesquisas, o que se deve, quase sempre, à falta de compreensão sôbre suas reais finalidades. Magnífica exceção encontra-se na Universidade de São Paulo, que possui excelente experiência em relação ao regime de tempo integral e uma Fundação de Amparo à Pesquisa que pode servir como padrão de organização e eficiência.

Em conseqüência, as atividades de pesquisa são, quase sempre, realizadas com recursos financeiros de organizações estrangeiras, geralmente norte-americanas. Os grupos não pertencentes às universidades e que realizam investigação social no campo da saúde, são, em geral, igualmente estipendiados pelas mesmas organizações.

O que parece mais grave é não haver indícios de que os governantes latino-americanos possam, a curto prazo, modificar substancialmente suas diretrizes no sentido de dar maior apoio à investigação científica, mesmo porque estão sempre às voltas com problemas de deficits orçamentários; esta é, afinal de contas, uma questão em grande parte condicionada pelo subdesenvolvimento econômico.

Assim, enquanto os países latino-americanos não puderem expandir suas economias e os governantes não demonstrarem melhor compreensão para com os problemas educacionais, os trabalhos de investigação continuarão apreciàvelmente dependentes da obtenção de recursos no exterior.

2.5 – Divulgação

Até o momento, pode ser considerada muito acanhada a penetração das ciências da conduta nos campos da medicina, saúde pública, enfermagem e odontologia.

Assim sendo, predomina ainda, em amplos setores dêsses domínios científicos, a ignorância a respeito das ciências da conduta e da contribuição que podem oferecer. Outras vêzes, o que se encontra é a imagem de que as ciências da conduta não empregam uma metodologia científica; em outras palavras, não seriam realmente ciências. Há, também, os casos em que os trabalhos dos cientistas da conduta não tendo sido coroados de êxito, acabaram por acarretar apreciáveis efeitos negativos, servindo para confirmar a inutilidade dessas ciências.

Outra situação muito comum e que retrata a indiferença ou a refratariedade para com as ciências da conduta é a caracterizada pelo desconhecimento das atividades do cientista da conduta pelos seus colegas de trabalho no campo das ciências da saúde.

Felizmente, pode-se consignar que algumas unidades de ensino vêm se distinguindo não só pelo empenho como pelo acêrto da orientação com que aplicam as ciências da conduta nos seus cursos, formando alunos com uma nova mentalidade; contribuem, assim, decisivamente para a divulgação dessas ciências. É lastimável, porém, que alguns outros centros não tenham podido atingir um grau de maior eficiência, seja por falta de melhor preparo do responsável pelo programa, seja por deficiência de recursos em pessoal ou financeiros.

À raiz dêsse panorama parece-me existir as seguintes causas:

– Certa indiferença para com o problema: têm sido muito poucos os esforços dirigidos para sensibilizar setores do campo da saúde.

– Falta de maiores recursos humanos e melhor preparo de alguns dos existentes.

– Carência de bibliografia em português e espanhol que seja adequada ao leitor não-especializado.

* * *

Consubstanciando as considerações expendidas, pode-se dizer que o quadro latino-americano, no que se refere às ciências da conduta aplicadas à saúde, se apresenta na seguinte conformidade:

Conquanto se possa registrar crescente entusiasmo por essas ciências, o rendimento individual e a produção global vêm se apresentando muito diminutos. Entre as causas que têm maior importância para explicar essa situação, pode-se indicar as seguintes:

– o pequeno número de especialistas devidamente preparados;

– a restrita comunicação que existe entre êsses especialistas e entre êles e os profissionais dos campos da saúde;

– as verbas insuficientes empregadas pelos governos na manutenção de pessoal especializado nas universidades, notadamente em tempo integral, e para o financiamento da investigação científica;

– a insuficiente bibliografia existente, principalmente a de caráter didático, preparada para o meio latino-americano não-especializado;

– o desconhecimento e o ceticismo generalizados a respeito do que sejam as ciências da conduta e de sua contribuição para as ciências da saúde.

3. MEDIDAS QUE PODERÃO ACELERAR A UTILIZAÇÃO DAS CIÊNCIAS DA CONDUTA APLICADAS À SAÚDE, NA AMÉRICA LATINA

Os fatos e as explicações apresentados na seção anterior, de nenhum modo pretendem dar uma resposta completa ao problema em foco. A finalidade maior que se pode atribuir-lhes é a de servir de base, ou, se se quiser, de justificativa para as sugestões que mais adiante serão apresentadas.

Preliminarmente, cabe uma observação:

Tais fatos e explicações devem ser considerados como interdependentes, ou seja, atuantes segundo uma relação recíproca de causa e efeito. Nessas condições, as soluções devem se processar através do equacionamento global, isto é, simultâneo, das variáveis mais significativas.

Em obediência a essa orientação, creio que as seguintes providências poderiam ser adotadas:

3.1 – Formação de especialistas nas ciências da conduta aplicadas à saúde

Esta parece-me ser uma providência não só básica mas também urgente, e que deve constar de qualquer programa que se vier a estabelecer.

Faz-se necessário acabar com a improvisação e o empirismo que têm presidido à formação de alguns profissionais.

Um dos problemas a resolver é o que diz respeito ao tipo de profissional ou profissionais recomendáveis, e sua respectiva formação. Podem ser:

a) Cientista da conduta com treinamento em área das ciências da saúde. Problemas: Qual o treinamento que devem ter no campo da saúde e onde (na escola de ciências sociais ou nas escolas de medicina, saúde pública, odontologia ou enfermagem)?

b) Médicos, sanitaristas, odontólogos e enfermeiras, com treinamento em ciências da conduta. Qual o treinamento e onde?

3.2 – Comunicação entre os especialistas

A falta de comunicação entre os especialistas é também um dos problemas cruciais a resolver.

Idealmente, a primeira providência a ser adotada deveria ser um levantamento dos recursos humanos atualmente existentes na América Latina, no que se refere a pessoas que se dediquem às ciências da conduta aplicadas à saúde, com a finalidade de obter, entre outras, as seguintes informações: preparo que possuem nesse campo, atividades que exercem ou já exerceram e trabalhos publicados.

A comunicação entre os especialistas poderia ser realizada pelo encontro direto dos interessados, através, principalmente, de reuniões periódicas, e, também, pelo emprêgo de mecanismos que pudessem assegurar rápida e permanente intercomunicação. Esta última seria possível com a criação de uma organização que funcionasse como receptora e transmissora de informações (vide adiante).

Creio não exagerar afirmando que o encontro dos mais representativos especialistas latino-americanos das ciências da conduta aplicadas é uma medida das mais necessárias e urgentes a serem adotadas. Dêsse encontro poderão resultar conclusões e recomendações da maior importância para os destinos dessas ciências.

3.3 – Coordenação

A coordenação é uma das fases básicas do processo administrativo. A necessidade de coordenação é tanto mais intensa quanto maior e mais complexa fôr a organização e quanto mais extensa a área geográfica em que ela se distribui.

A coordenação, possibilitando uma utilização mais ampla e racional do trabalho, permite à organização operar em nível de maior eficiência.

Aplicando-se êste princípio à "organização dos especialistas latino-americanos em ciências da conduta aplicadas à saúde", os seguintes resultados poderiam ser obtidos:

– canalização dos esforços dentro de uma orientação programática geral;

– maior eficiência quantitativa e qualitativa do trabalho.

Pràticamente, a coordenação poderia ser obtida através de reuniões periódicas dos especialistas em ciências da conduta aplicadas à saúde, pelo intercâmbio temporário de técnicos, pelo assessoramento e pela troca permanente de informações.

A coordenação requer um agente coordenador. Por isso, considero ser de importância fundamental para uma efetiva ação coordenadora a existência de uma organização de âmbito latino-americano para exercer esta ação (vide adiante).

3.4 – Pesquisa

A investigação científica é uma das atividades fundamentais do homem, porque lhe permite ampliar o conhecimento – tornando-o também mais preciso – e, assim, controlar mais eficientemente o meio e a si próprio.

No que se refere aos conhecimentos que são utilizados no contrôle das doenças – somáticas e mentais – as ciências da conduta podem oferecer excelente contribuição, notadamente através da investigação.

Na América Latina investiga-se muito pouco, de tal modo que é pràticamente ignorada a nossa realidade no que tange às variáveis sociais nos campos médico e sanitário. Assim, as poucas entidades ou técnicos da saúde que levam em conta essas variáveis, o fazem, geralmente, baseados em modelos alienígenos, nem sempre adequados às nossas condições sócio-culturais.

Considerando-se que a pesquisa é de vital importância para o conhecimento do contexto médico-social da América Latina, impõe-se incrementar essa atividade. O meio mais eficiente para se conseguir êsse objetivo é através do fornecimento de recursos financeiros para todos os projetos considerados de valor.

A realização ampla da pesquisa social no campo da medicina e ciências afins, certamente permitiria que se elaborasse modelos de aplicação dessas ciências, autênticamente latino-americanos. Dêsse modo, as ciências da conduta dariam uma contribuição mais eficiente às ciências da saúde, sem contar que, paralelamente duas outras vantagens adviriam: uma para o ensino – mais adequado à nossa realidade – e outra para as próprias ciências da conduta – pelo enriquecimento do conhecimento.

Creio que medidas adicionais para conseguir incentivar a realização de pesquisas e melhorar sua contribuição para as ciências da saúde poderiam ser também postas em prática, através de:

– reuniões periódicas, nas quais se fariam recomendações sôbre as pesquisas de maior interêsse;

– preparo de pessoal nas técnicas de investigação social;

– assessoramento na pesquisa.

3.5 – Material bibliográfico

Qualquer solução que se procure intentar com vistas ao desenvolvimento das ciências da conduta aplicadas à saúde, na América Latina, deve levar em conta o problema do material bibliográfico. É fundamental a existência de farta bibliografia geral e específica nesse campo, oferecida em linguagem do país e a preço acessível.

De um ponto de vista prático, poder-se-ia adotar as seguintes providências:

– tradução de livros, artigos de periódicos e outras publicações;

– elaboração de textos didáticos, destinados especialmente a profissionais ou estudantes do campo das ciências da saúde, interessados nas ciências da conduta aplicadas;

– divulgação dos trabalhos de investigação, e de outra natureza, produzidos na América Latina.

As providências acima seriam executadas, de preferência, pela organização já referida anteriormente; em relação à segunda, procurar-se-ia, também, estimular outros centros universitários.

3.6 – Difusão

É sabido que na comercialização de qualquer mercadoria ou serviço há que se cuidar, além dos aspectos produção e distribuição, também do mercado consumidor.

Do mesmo modo, o desenvolvimento das ciências da conduta aplicadas à saúde tem o seu limite fixado pelo grau de interêsse dos seus possíveis consumidores, que, no caso, são, principalmente, os médicos, os sanitaristas, os dentistas e as enfermeiras, assim como as organizações onde trabalham êsses profissionais.

O mercado médico e sanitário das ciências da conduta é atualmente muito pequeno. Êste fato ocorre, notadamente do seguinte:

a) da ignorância generalizada sôbre os objetivos das ciências da conduta, ou, o que me parece pior, da existência de idéias falsas ou distorcidas a respeito das mesmas ciências, representadas, principalmente, pela dúvida sôbre seu caráter científico;

b) do desconhecimento total dos trabalhos de aplicação dessas ciências e do ceticismo preponderante sôbre as possibilidades de aplicação; a imagem que o leigo geralmente tem das ciências da conduta é algo muito próximo as de uma composição poética.

Estas imagens ou estereotipias, aliadas ao desconhecimento constituem poderosas fôrças negativas para uma melhor aceitação das ciências da conduta no campo da saúde. A conseqüência é que os profissionais da saúde se mostram indiferentes a essas ciências e sem nenhuma preocupação pelos aspectos sócio-culturais dos problemas médicos e sanitários; outras vêzes, resistem, passiva ou ativamente às tentativas de introdução de programas de ciências da conduta nas suas esferas de trabalho.

O quadro descrito é agravado, não poucas vêzes, pelo trabalho de profissionais que operam nessas áreas de atividade sem estarem devidamente preparados; é o caso, freqüentemente, de cientistas sociais pouco familiarizados com os problemas de saúde.

A falta de textos didáticos apresentados em linguagem simples e agradável é outro fator responsável pela fraca penetração das ciências da conduta aplicadas à saúde.

Registre-se também que, de par com êsses motivos, não tem havido maior empenho por parte, principalmente, dos especialistas mais experimentados, de procurarem difundir as ciências da conduta no campo da saúde. Dir-se-ia mesmo, que não há uma consciência generalizada dêste problema. Interessante, ainda, consignar que os cientistas da conduta não perceberam o quão interessante pode lhes ser o campo da saúde, tanto científica como profissionalmente, daí não ter havido por parte dêles uma política mais agressiva para conquista dêsse mercado de trabalho-

Quer-me parecer, pois, ser imprescindível a adoção de providências visando a obter o interêsse dos estudantes e dos profissionais da saúde por êsses conhecimentos, o que poderia ser conseguido, pràticamente, através da atuação direta nas escolas, nos hospitais e nas organizações de saúde pública:

– realizando cursos extra-curriculares, palestras e mesa-redondas, junto a professôres universitários;

– realizando trabalhos em conjunto com os profissionais da saúde, em hospitais, unidades de saúde, comunidade, inclusive os de investigação;

– colocando à disposição bibliografia capaz de suscitar o interêsse dos profissionais da saúde;

– oferecendo assessoramento para ajudar êsses profissionais a resolver problemas que se lhes apresentarem.

Creio ser condição básica para conduzir uma política nesse sentido, que os especialistas que irão desbravar o terreno, tenham uma excelente preparação tanto nas ciências da conduta como no campo da saúde. Caso contrário, aumentar-se-á o risco de se conseguir resultados exatamente opostos aos pretendidos.

3.7 – Assessoramento

Como vimos, as ciências da conduta aplicadas à saúde, na América Latina, se encontram em fase incipiente de desenvolvimento e há ainda muito desconhecimento e desconfiança quanto à utilidade dessas ciências, entre os profissionais da saúde. Nessas condições, impõe-se assegurar trabalhos de assessoramento para os programas que vierem a ser desenvolvidos, a fim de atender às possíveis dificuldades que forem se apresentando.

O assessoramento seria prestado sempre que fôsse solicitado ou, então, por antecipação, para atender a situações especiais em que se tivesse fundadas razões para recear dificuldades particularmente intensas. Poderia ser o caso, por exemplo, de meios fortemente resistentes à introdução das ciências da conduta ou à aceitação do cientista da conduta como membro de equipe. Nos casos exemplificados, a indicação seria maior se estivesse à frente do programa, cientista social jovem porque, nessas condições, além de não estar com o seu preparo consolidado, arrostaria, mais intensamente, com problemas de status profissional. Deve-se dizer que o cientista da conduta encontra, de modo geral, sérias dificuldades de obter tratamento igualitário numa equipe médica. Em geral, o médico vê no cientistata da conduta um profissional de categoria inferior, tratando-o como um subordinado e provocando, não poucas vêzes, conflitos graves.

Esta é, pois, uma das situações em que os cientistas da conduta mais jovens precisam contar com o respaldo de profisionais mais "credenciados".

Assim, parece ser conveniente a organização de um corpo de assessores para prestar todo o tipo de assistência que viesse a ser solicitada e capaz de resolver satisfatòriamente as situações particularmente difíceis. Entre os assessores, conviria que alguns apresentassem formação acadêmica e treinamento em duas ciências: em medicina (ou saúde pública, odontologia, enfermagem) e nas ciências da conduta; êstes profissionais, além de serem melhor preparados, teriam a grande vantagem de poderem se comunicar em plano de igualdade com os seus colegas da saúde, sem qualquer problema de rejeição profissional. Num trabalho de cooperação internacional, como se está propondo aqui, poderia haver um aproveitamento ainda mais eficiente do corpo de assessores, seja porque se permitiria maior utilização de sua capacidade ociosa, seja, também, pelo fato de que o "estrangeiro" geralmente consegue melhores resultados que o "pessoal da casa".

Concretamente, os assessores poderiam colaborar, por exemplo, na organização e implantação de cursos, no planejamento de pesquisas de maior envergadura e mais complexas, nos trabalhos de organização de comunidade para a saúde, nos programas de saúde que envolvem grande massa de pessoas, e no aconselhamento para as organizações de saúde mais complexas.

4. SOLUÇÕES OBJETIVAS PARA O PROBLEMA DO DESENVOLVIMENTO DAS CIÊNCIAS DA CONDUTA APLICADAS À SAÚDE, NA AMÉRICA LATINA

Nas linhas precedentes procurou-se apresentar um quadro geral das medidas mais importantes para acelerar o desenvolvimento das ciências da conduta aplicadas à saúde. Houve a preocupação de se dispor essas medidas como categorias isoladas, para assim analisá-las e descrevê-las mais detidamente, pretendendo-se, com isso, melhor justificar a necessidade de sua adoção.

Segue-se, agora, a última parte dêste trabalho, em que se objetiva sugerir providências concretas visando a alcançar o desenvolvimento pleno e rápido, na América Latina, das ciências da conduta aplicadas à saúde.

Acredito que providências de duas ordens poderiam concretizar tôdas as sugestões já apresentadas, de um modo racional, harmônico e funcional:

– Através da realização de reuniões periódicas dos especialistas nas ciências da conduta aplicadas à saúde.

– Pela criação de um centro latino-americano de ciências sociais aplicadas à saúde.

Como providências preliminares seria de interêsse que se fizesse um levantamento inicial de tôdas as pessoas que vêm exercendo ou já exerceram atividades no campo das ciências da conduta aplicadas à saúde, e, concomitantemente, que fôsse elaborado um projeto de criação do Centro Latino-Americano de Ciências da Conduta Aplicadas.

Na primeira reunião que viesse a se realizar seria posto em discussão o projeto referente ao Centro. O levantamento dos recursos humanos existentes seria um elemento de orientação para as decisões que fôssem tomadas.

4.1 – Reuniões periódicas dos especialistas nas ciências da conduta aplicadas à saúde

Cada dois anos, em país latino-americano, seria realizado um encontro dos especialistas nas ciências da conduta aplicadas à saúde para discussão e deliberação à base de uma agenda e de trabalhos prèviamente distribuídos.

A essas reuniões seriam convidados elementos que pudessem representar os vários países latino-americanos e, também, as categorias profissionais envolvidas: cientistas da conduta, sociólogos, antropólogos, psicólogos sociais, sanitaristas, médicos, dentistas e enfermeiras; provàvelmente, também psicólogos e economistas.

A finalidade das reuniões seria a de colocar frente a frente pessoas para discutir assuntos de interêsse geral e tomar decisões que servissem como recomendações.

De par com êsses objetivos, outras vantagens poderiam advir dêsses encontros: o relacionamento pessoal, certa unidade de pensamento – fundamental para a coordenação do trabalho – enriquecimento intelectual – derivado das discussões – e aumento da produção, conseqüente da inter-estimulação.

Temas que poderiam ser abordados nas Reuniões:

– Obejtivos, organização e funcionamento do Centro Latino-Americano.

– Formação de pessoal especializado nas ciências da conduta aplicadas à saúde.

– Programas de ensino.

– Prioridades em pesquisa.

– Estudo dos principais problemas relativos à difusão das ciências da conduta no campo das ciências da saúde.

– Financiamento da pesquisa.

– O problema da comunicação entre os especialistas.

– Bibliografia para não-especialistas.

– Métodos de ensino.

– Definição das atribuições do cientista da conduta aplicado à saúde (qual, por exemplo, a delimitação com o campo do educador para a saúde?).

4.2 – Centro Latino-Americano de Ciências da Conduta Aplicadas à Saúde

A criação de um Centro Latino-Americano de Ciências da Conduta Aplicadas à Saúde, doravante denominado simplesmente Centro, é uma idéia básica dentro do esquema que apresentei para conseguir acelerar o desenvolvimento das ciências da conduta aplicadas à saúde, na América Latina.

Em se tratando de uma organização que poderá crescer bastante e se tornar complexa, com tarefas importantes e delicadas a cumprir, é de todo conveniente cercar-se o seu planejamento dos maiores cuidados. Por isso, conviria que os estudos iniciais estivessem a cargo de um grupo experiente e que o projeto de sua constituição fôsse amplamente discutido, com a participação do maior número possível de especialistas interessados.

As considerações que passo a apresentar a êsse respeito têm o escôpo de reunir algumas idéias sôbre o assunto, que poderão servir como ponto de partida para outros interessados no assunto.

4.2.1 – Objetivos

O Centro teria os seguintes objetivos gerais:

– Funcionar como órgão executor das Reuniões Periódicas.

– Coordenar tôdas as ações na América Latina.

– Exercer, destacadamente, algumas atividades.

– Reunir documentação e material científicos.

4.2.2 – Atividades

4.2.2.1 – Órgão executor das Reuniões Periódicas

O Centro deve estar ìntimamente vinculado às Reuniões Periódicas, devendo, portanto, ser criados os mecanismos formais para estabelecer os respectivos nexos.

A experiência tem demonstrado que os Congressos raramente logram alcançar os seus objetivos e êste fato se prende, principalmente, à inexistência de meios para assegurar a execução das recomendações aí decididas; estas acabam por se perder no vazio.

O Centro poderia, assim, dar continuidade aos trabalhos da Reunião, assumindo a responsabilidade de execução das recomendações aprovadas.

4.2.2.2 – Coordenação

A coordenação seria uma das tarefas fundamentais do Centro.

Bàsicamente, as atividades de coordenação deverão se apoiar nos programas e recomendações das Reuniões Periódicas, pois só se pode coordenar o trabalho quando os agentes que o executam perseguem objetivos comuns.

Admitindo-se que nas Reuniões Periódicas se possa definir metas e aprovar programas gerais, estaria reservado ao Centro a difícil, mas também imprescindível tarefa de coordenar as ações. Tendo em mente a imensa extensão territorial da América Latina, poder-se-á formar uma idéia da importância de se coordenar as atividades e, também, dos numerosos problemas que poderão surgir.

Daí, parecer conveniente que a ação do Centro seja descentralizada geogràficamente, aproveitando-se para êsse fim as organizações de melhor capacidade. Estas organizações, de jurisdição regional, além de funcionarem como um elo nas relações do Centro com os órgãos locais a êle filiadas, poderiam realizar muitas das atividades do órgão central.

A coordenação seria conseguida pondo em ação numerosos mecanismos, entre os quais lembro os seguintes:

– pelos contatos permanentes, por escrito, mantidos com todos os interessados: trocando informações, respondendo a consultas ou fornecendo orientação, recebendo e transmitindo publicações, etc.

– pelos contatos eventuais, pessoais: assessoramento, treinamento de pessoal, intercâmbio de especialistas, etc.

4.2.2.3 – Funções internas

Além da função coordenadora, que é voltada principalmente para fora, o Centro teria outras atividades que, embora não lhes sejam privativas, poderiam ser consideradas básicas. Essa unidade teria melhores condições para executá-las, tendo em vista que seria preparada especìficamente para êsse fim.

Atribuições internas que poderiam ser cometidas ao Centro:

a) PREPARO DE PESSOAL

Caberia ao Centro preparar diretamente o pessoal necessário para exercer atividades no campo das ciências da conduta aplicadas à saúde, bem como incentivar outras organizações para que realizassem idêntico trabalho, prestando-lhes a devida colaboração, se necessário; esta colaboração poderia se traduzir, por exemplo, em dar orientação para organizar programas ou ajudar na instalação de cursos.

O Centro manteria cursos regulares para treinamento, mas poderia também ajustar com os interessados programas especiais.

O treinamento poderia ser diversificado quanto à especificidade ou quanto à ênfase, conforme os interêsses e as necessidades: por exemplo, curso específico para dentista, ou então, curso visando a preparar o candidato para funções docentes ou para o trabalho em órgão regional de saúde pública.

Se o Centro funcionar numa Universidade, poder-se-ia aproveitar os seus recursos humanos e materiais.

b) PESQUISA

Caberia ao Centro importante desempenho na realização de pesquisas, já que se deveria procurar ativar ao máximo essa atividade.

No campo da saúde, há prioridade para certos programas ou problemas. Se se intensificassem as pesquisas em tôrno dêsses assuntos, provàvelmente a saúde pública poderia orientar-se com mais lucidez e eficiência, tirando maior proveito das atividades educativas.

O tema das prioridades em pesquisa poderia ser debatido nas Reuniões, e daí sair recomendações para todos os pesquisadores sociais no campo da saúde.

Dêsse modo, ao invés das pesquisas se efetuarem ao sabor das preferências individuais, poderia ocorrer certa concentração em tôrno de alguns assuntos.

c) DIFUSÃO DAS CIÊNCIAS DA CONDUTA APLICADAS À SAÚDE

Acredito que o Centro deveria liderar, numa ação conjunta de larga envergadura, um movimento de difusão do ensino das ciências da conduta nas escolas médicas e afins, através da maior utilização dos cientistas da conduta nos hospitais e nas organizações de saúde pública.

Êste movimento poderia ser conduzido dentro de uma linha de maior agressividade que a atual, procurando-se sensibilizar as áreas que até hoje têm se mantido indiferentes às ciências da conduta.

O sucesso de um trabalho desta natureza dependeria muito do preparo dos especialistas nas ciências da conduta aplicadas à saúde, ou seja, de sua capacidade de motivar, de resolver os problemas que surgirem e de apresentar resultados convincentes.

Importante, também, para a difusão das ciências da conduta no campo da saúde é a colocação no mercado, a preço conveniente, de farta e variada bibliografia didática, apresentada de forma que possa atrair o interêsse dos profissionais e estudantes das ciências da saúde. O Centro poderia realizar excelente trabalho nesse sentido.

Certamente, também contribuiriam para despertar o interêsse pelas ciências da conduta, a realização de cursos ou mesas-redondas, nas próprias organizações interessadas, ou executando certas atividades em conjunto com médicos e outros profissionais, colaborando na solução de problemas que êstes apresentassem.

4.2.3 – Organização do Centro

Estruturalmente, o Centro seria integrado por órgãos de deliberação e de execução, aquêle representado por um Conselho Técnico-Administrativo.

Da constituição do Centro participariam elementos técnicos, mas também, possìvelmente, representantes das entidades financiadoras.

O órgão executivo seria integrado por técnicos, auxiliares técnicos e administrativos. O corpo de técnicos seria formado por uma equipe de elementos permanentes, acrescida de outros que exercessem atividades em caráter temporário, provenientes de vários pontos da América Latina. Apreciáveis vantagens poderiam advir dêsses contatos, para ambas as partes: intercâmbio de experiências, confronto de opiniões e abertura de novas perspectivas.

Entre os órgãos do Centro, deve-se destacar a Seção de Estudos e Publicações, integrada por:

– Biblioteca.

– Periódico oficial do Centro.

– Serviço de traduções.

– Museu de medicina de folk.

A Biblioteca deveria reunir todos os livros e periódicos de importância para o Centro.

O periódico seria o órgão oficial de divulgação do Centro, servindo, precìpuamente, para a publicação dos trabalhos elaborados pelos especialistas a êle filiados.

Os trabalhos em língua estranha, que fôssem julgados de valor, seriam traduzidos para as línguas portuguesa e espanhola e distribuídos às entidades filiadas. Do mesmo modo seriam reproduzidos e distribuídos os artigos de maior interêsse publicados em periódicos de países da América Latina.

O Centro procuraria receber os trabalhos (originais, didáticos, teses) elaborados pelos especialistas filiados e, a seguir, os distribuiria a tôda a América Latina. Além dos trabalhos, procuraria obter programas de ensino, resultados de experiências didáticas, críticas, sugestões, etc., os quais, se julgados interessantes seriam também distribuídos. Esta seria uma maneira muito eficaz de colocar todos a par dos acontecimentos, fazendo com que cada um se beneficiasse da experiência dos outros; além disso, seria um meio de criar novos incentivos de trabalho em virtude da ampla divulgação que cada um encontraria do produto dos seus esforços.

No Museu de medicina de folk procurar-se-ia reunir os elementos materiais da medicina de folk praticada na América Latina. Sua finalidade seria principalmente educativa.

4.2.4 – Desenvolvimento do plano

As sugestões que acabei de apresentar e que passo agora a chamá-las, globalmente, de Plano, são, como transparece, muito ambiciosas. Não creio que devam ser postas em ação por inteiro, e de uma só vez, em razão, não apenas de possíveis dificuldades de obter financiamento, mas também porque seria recomendável iniciá-las com projetos mais modestos. Se a experiência fôsse bem sucedida, o Plano seria progressivamente ampliado, criando-se novas esferas de atividades.

A idéia central é a de que o Plano deva evolver segundo etapas progressivas, de acôrdo com os recursos financeiros e de pessoal disponíveis, e consoante as avaliações seguidamente feitas; estas permitiram prosseguir, com maior segurança, em cada etapa.

Em viagem propiciada pela Milbank Memorial Fund, o autor visitou, no período de 21 de maio a 3 de julho de 1967, diversos centros de ensino e pesquisa de ciências da conduta aplicadas à medicina e à saúde pública, de Buenos Aires, Santiago, Lima, Bogotá, San Juan e México, D.F.

Recebido para publicação em 31-8-1967

  • 1
    Da Disciplina Autônoma de Ciências Sociais Aplicadas da Faculdade de Higiene e Saúde Públisa de USP.
    2
    Por ciências da conduta o autor entende o conjunto integrado das seguintes ciências sociais: sociologia, antropologia cultural, psicologia da personalidade e psicologia social.
    3
    Para os fins dêste trabalho, o têrmo saúde se refere aos campos da saúde pública medicina, odontologia e enfermagem.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Set 2006
    • Data do Fascículo
      Jun 1967

    Histórico

    • Recebido
      31 Ago 1967
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